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Ibovespa despenca mais de 3% e dólar fecha em R$ 5,42, com exterior negativo; entenda

Recuo nas ações da Vale e das Bolsas americanas prejudicam mercado local. Preocupações com inflação e crise energética pressionam negócios
Petróleo chega a superar os US$ 80, o barril, mas desacelera ao longo do dia. Foto: Angus Mordant / Reuters
Petróleo chega a superar os US$ 80, o barril, mas desacelera ao longo do dia. Foto: Angus Mordant / Reuters

RIO — A Bolsa brasileira fechou em queda firme nesta terça-feira, em meio a um cenário de aversão ao risco no exterior. O sentimento de maior cautela entre os investidores também foi refletido no dólar, que operou acima dos R$ 5,40 durante praticamente todo o dia.

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O Ibovespa teve queda de 3,05%, aos 110.124 pontos. O principal índice da B3 foi pressionado pelo desempenho ruim da Vale e das siderúrgicas e pelo sinal negativo emitido pelas bolsas americanas.

O dólar teve alta de 0,88%, cotado a R$ 5,4254.

A alta dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano, os Treasuries, em meio a perspectivas de inflação mais altas e persistentes, temores com relação à China e a possibilidade de uma crise energética são alguns dos fatores que prejudicaram os mercados acionários.

Ameça energética

Na China,  uma forte crise de energia que, além de ameaçar o crescimento do país, já prejudica ainda mais as cadeias de suprimentos globais. A maior montadora do mundo, a Toyota, e fornecedores de gigantes como Apple e Tesla já vêm reduzindo produção devido ao menor suprimento de eletricidade.

Pelo menos 20 províncias e regiões chinesas que representam mais de 66% do Produto Interno Bruto (PIB) do país adotaram alguma forma de racionamento de energia.

Além disso, o governo chinês tem levado a sério suas metas de redução de emissões de carbono. Isso faz com que o próprio governo reduza o fornecimento de energia em algumas regiões, levando a paralisações generalizadas que interrompem as atividades das fábricas

Para o estrategista da RB Investimentos, Gustavo Cruz, o desempenho do Ibovespa esteve em linha com as quedas vistas no exterior, com os problemas da China elevando os temores entre os investidores.

— Saíram alguns indicadores no país que não foram tão positivos, principalmente o industrial, que desacelerou de julho para agosto. Mas ele não desacelerou por conta de problemas como falta de demanda, mas orientação do governo devido às preocupações com o consumo de energia elétrica local.

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Ele complementa:

— A China é o principal parceiro comercial de vários países e várias empresas globais têm uma parte importante da cadeia de produção na China.Já tinha um problema nos últimos meses pela questão da pandemia. A questão da pandemia, você consegue resolver com a vacinação, mas a energia é outro ponto.

O sócio da Monte Bravo Investimentos, Rodrigo Franchini, destaca que a possibilidade da China apresentar um crescimento menor afeta a disponibilidade dos investidores em tomar riscos.

— E se a China  demonstra um crescimento menor, os emergentes, que têm a China como um dos principais parceiros comerciais, também vão sofrer com a diminuição da demanda.

Dólar acima dos R$ 5,40, com cautela no exterior

. Foto: Criação O Globo
. Foto: Criação O Globo

A valorização do dólar acompanhou o movimento da divisa visto no exterior em um cenário de alta dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano, que operavam na casa do 1,5%.

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Os rendimentos do Tesouro aumentaram à medida que os investidores já precificam uma inflação mais alta em 2021, bem como um eventual aumento da taxa de juros pelo Fed no próximo ano, em um cenário de retirada de estímulos da economia.

Com isso, os investidores tendem a procurar ativos mais seguros e acabam vendendo outros ,como ações, principalmente aquelas de mercados emergentes. Isso leva a uma retirada de dólares desses mercados. E com menos dólares disponíveis, o preço da divisa aumenta.

—  Os índices inflacionários globais se mantêm em um patamar mais elevado em um momento que os estímulos à economia vão começar a cair. Então, as Treasuries de 10 anos estão sendo procuradas pela perspectiva de juros subindo, com o mercado tendo mais atenção, neste momento, para ativos mais conservadores —  destaca Franchini.

Nos Estados Unidos, o presidente do Fed teve agenda no Senado ao lado da secretaria do Tesouro, Janete Yellen. Em sua fala, ele admitiu que os gargalos da economia americana estão ficando piores, não melhores" nos últimos meses, o que contribuiu para uma inflação mais persistente.

No entanto, ele reiterou que espera que os desequilíbrios entre oferta e demanda, responsáveis pela inflação em alta para os patamares americanos, devem ser resolvidos.

Na semana passada, Powell destacou, em fala após a reunião de política monetária do banco, que o processo de retirada de estímulos à economia, o chamado "tapering", poderia ser iniciado em novembro .

Petróleo chega a superar os US$ 80, mas cai

Os preços do petróleo voltaram a subir no mercado internacional nesta terça-feira. A cotação do barril de petróleo tipo Brent, referência global, chegou a ultrapassar a marca de US$ 80, alcançando o maior valor em três anos.

O do tipo WTI, referência no mercado americano, também subiu. As altas ocorrem em um cenário de preocupações com o fornecimento global de energia.

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Mas o movimento perdeu força em linha com as quedas nos mercados acionários.

O contrato de novembro do petróleo tipo Brent cedeu 0,55%, cotado a US$ 79,09, o barril. Já o do tipo WTI para o mesmo mês caiu 0,21%, negociado a US$75,29, o barril.

O movimento teve reflexo nas ações da Petrobras, que subiram mais de 2% no início do pregão. Mas no período da tarde, a companhia acompanhou o movimento negativo da Bolsa.

As ações ordinárias da Petrobras (PETR3, com direito a voto) cederam 0,86% e as preferenciais (PETR4, sem direito a voto), 0,66%.

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A alta recente do petróleo no exterior pode ter efeitos no preço dos combustíveis no mercado interno.

Na segunda-feira, a Petrobras convocou uma coletiva para afirmar que não haverá mudança na politica atual adotada, mesmo com eventuais pressões políticas. Já nesta terça, foi anunciado um reajuste do preço do diesel para distribuidoras após 85 dias.

O presidente da estatal, Joaquim Silva e Luna, e sua diretoria afirmaram que, no caso do preço do litro da gasolina, a participação da estatal não passa de R$ 2. Nos postos de gasolina, o litro do combustível já é vendido em patamar próximo a R$ 7.

Nas últimas semanas, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) aumentou a pressão para que a estatal torne mais clara a política de preços de combustíveis. Ele chegou a criticar as explicações do presidente da estatal dadas em uma comissão geral no plenário da Câmara.

Para o estrategista da RB Investimentos, a sinalização anunciada pela empresa foi positiva do ponto de vista dos investidores.

No entanto, mesmo com a perspectiva favorável, os papéis podem sofrer perdas, já que existem críticas tanto de membros do governo quando da oposição à atual política de preços adotada.

— As ações da Petrobras têm um preço favorável. Quando você analisa uma empresa e a principal matéria-prima que ela vende está em alta e com um contexto de alta, há uma perspectiva positiva. Mas estamos nos aproximando de 2022, e vai ser mais difícil que as casas recomendem as ações de estatais no ano que vem. A política de preços da Petrobras vai ser tema do debate eleitoral.

O petróleo se recuperou das quedas vistas no ano passado em meio a restrições recordes na produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (Opep+) por causa da pandemia. Mas a recuperação econômica global impulsionou a demanda de uma forma superior à oferta disponível.

Segundo o Goldman Sachs, os preços podem chegar a US$ 90 este ano.

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A OPEP + pode até mesmo precisar considerar o aumento da produção em mais do que seu plano atual de 400 mil barris por dia por mês, disse Chris Bake, chefe de originação do Vitol Group, o maior comerciante independente de petróleo do mundo, em um webinar.

O salto para US $ 80 também ocorre em um contexto de pressão inflacionária à economia global e com os preços das commodities energéticas disparando. O gás natural, as licenças de carbono e a energia na Europa atingiram novos recordes na terça-feira, com poucos sinais de desaceleração do rali.

Para o sócio da Monte Bravo, o contexto de altas do petróleo combinados com a valorização do dólar devem pressionar ainda mais a inflação doméstica, devido ao preço dos combustíveis e da energia.

—  O petróleo é uma commodity energética. Se hoje já temos uma demanda em alta, imagina daqui a seis meses, com as economias acelerando mais. Ele vai ficar mais caro ainda e isso vai pressionar a inflação. O petróleo chega aqui mais caro em dólar e quando você faz a conversão, isso encarece mais ainda.

Ata do Copom

No cenário interno, o destaque vai para a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

No documento, o BC afirma que decidiu apertar a taxa básica de juros em um ritmo mais moderado, mesmo com as expectativas de inflação elevadas.

Mas o banco também destacou que deve aumentar o ciclo da taxa de juros a fim de cumprir as metas de inflação dos próximos dois anos.

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“Simulações com trajetórias de elevação de juros que mantêm o ritmo atual de ajuste, mas consideram diferentes taxas terminais, sugerem que o atual ritmo de ajuste é suficiente para atingir patamar significativamente contracionista e garantir a convergência da inflação para a meta em 2022, mesmo considerando a assimetria no balanço de riscos”, destacou a ata da reunião da semana passada, que decidiu pelo aumento da Selic de 5,25% para 6,25% .

Para Cruz, a ata demonstra que o banco central chegou a discutir altas maiores, mas que optou pelo ritmo de aumentos em 1 ponto percentual para não penalizar ainda mais a atividade econômica.

Em um cenário no qual há divergências entre as estimativas do mercado e do BC sobre a inflação e os juros, o especialista da RB destaca que o relatório trimestral de inflação, que será divulgado na quinta-feira, deve ganhar atenção redobrada.

— Nesse relatório, o Banco Central tem muito espaço para mostrar o que ele está enxergando em relação à inflação e aos juros

Para a Ativa Investimentos, a ata demonstra que o ciclo de açperto monetário deve ser longo o suficiente para que haja convergência das expectativas de inflação com o horzonte relevante.

"Reforçamos nossa perspectiva de que a Selic será conduzida até 9,25% na primeira reunião de 2022 , ao passo de 1 ponto percentual até lá", destacou o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, em comentário.

Vale e siderúrgicas caem

Em um dia negativo para a cotação do minério de ferro no exterior, as ordinárias da Vale (VALE3) cederam 5,01% e as da Siderúrgica Nacional (CSNA3), 7,84%.

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As preferenciais da Usiminas (UISIM5) caíram 7,27%.

No setor financeiro, as preferenciais do Itaú (ITUB4) e do Bradesco (BBDC4) tiveram quedas de 2,27% e 2,11%, respectivamente.

Nas maiores quedas, figuraram papéis do Banco Inter. As units (BIDI11) cederam 11,82% e os preferenciais (BIDI4), 11,70%.

Durante o pregão, a B3 demandou se o banco tinha conhecimento de fatores que pudessem explicar a volatilidade dos papéis. Em fato relevante ao mercado, o Inter negou qualquer possível irregularidade.

Apenas quatro ações terminaram o dia com altas, entre elas estavam as ordinárias da Minerva (BEEF3) subiram 1,75% e as da BRF (BRFS3), 0,99%.

Juros futuros sobem

O cenário turbulento dos mercados globais nesta terça-feira também foi refletido nas curvas de juros, em meio aos temores de uma crise enérgetica e de uma maior inflação aqui e lá fora. Além da sinalização de aperto dada pelo BC em sua ata.

No fim do pregão, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 passou de 7,17% para 7,185% e a do DI para janeiro de 2023 subiu de 9,04% para 9,17%.

Já a taxa para janeiro de 2025 avançou de 10,165% para 10,27%, e o do DI para janeiro de 2027 subiu para 10,65% ante os 10,56% da leitura anterior.

Bolsas no exterior

As bolsas americanas fecharam em queda, sendo impactadas pelo avanço do rendimento dos Treasuries. O índice Dow Jones cedeu 1,63% e o S&P, 2,04%.

A Bolsa de Nadaq sofreu as maiores perdas, com queda de 2,83%. O movimento é explicado pela forte presença do setor de tecnologia, que costuma ser o mais afetado pela possibilidade de aumento dos juros.

Na Europa, as bolsas fecharam no negativo. A Bolsa de Londres cedeu 0,50% e a de Frankfurt, 2,09%. O índice CAC 40, da Bolsa de Paris, caiu 2,17%.

As bolsas asiáticas fecharam com direções contrárias. O índice Nikkei, da Bolsa de Tóquio, teve baixa de 0,19%.

Em Hong Kong, a alta foi de 1,20%. As ações da gigante imobiliária chinesa Evergrande subiram 4%

Na China, houve avanço de 0,54%, apesar dos receios com relação a falta de energia, que já vem paralisando a atividade de algumas empresas no país.