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Gilberto Miadaira
Ilustrador

MAIO /2008 por Milena Oliveira Cruz

 

Estilo Miadaira

Ele não tem celular, praticamente não anda de carro, é avesso a concursos e premiações. A arquitetura ele deixou para trás. Tanto, que só voltou à faculdade 15 anos depois, quando a secretária ligou para lhe informar que seu diploma já tornara-se adolescente.

Não adiantou, pois foi mesmo como ilustrador que Gilberto Miadaira fez história e passou por praticamente todas as revistas da editora Abril. Na entrevista ao Desenho Livre ele conta como, após mais de 30 anos de carreira, se viu diante de um novo mundo: “Descobri que eu não preciso do lápis.”

 

DL: Qual a sua rotina de trabalho hoje?
GM: Hoje eu trabalho como free lancer, em casa. Não gosto de estar o tempo todo ocupado, embora isso tenha acontecido muito no início da minha carreira. Eu trabalhava bastante, era muito procurado e a aceitação do meu trabalho foi muito rápida. Na época, praticamente todas as revistas me chamavam. De 75 até 85, aproximadamente, trabalhei para todas as revistas da editora Abril e algumas revistas de outras editoras.

DL: Você acredita que essa procura se devia a um estilo?
GM: Ah, sim. Todo mundo sabia que era o Miadaira quem fazia. Era exatamente pelo meu estilo que as pessoas me chamavam. Eu era muito reconhecido e muito copiado inclusive. E não copiavam apenas o desenho, mas a assinatura também. Eu assinava de uma forma que distribuía a assinatura pela ilustração.
Lembro de um diretor de arte que me falou exatamente isso na época. Ele me contou que um cara foi levar um portfólio para ele. E um dos estilos apresentados era o estilo Miadaira (risos), porque todo mundo pedia. Eu ficava feliz, mas essa coisa do estilo era super espontânea.

DL: Mas depois dessa época você passou por momentos difíceis. Você acha que isso se deve ao fato do seu estilo ter mudado, ou o mercado que mudou e o seu estilo já agradava mais?
GM: O que aconteceu foi que eu comecei a mudar o meu desenho, porque já estava cansado de fazer aquilo. Queria fazer outras coisas e comecei a mudar. Mas a partir do momento que você muda o seu trabalho, as pessoas passam a não o reconhecer mais.

DL: Talvez por isso alguns ilustradores passem tanto tempo fazendo o mesmo estilo... Afinal, em time que está ganhando, não se mexe.
GM: Justamente. Eu estava sendo aceito, mas queria experimentar outras coisas. E também tenho a minha maneira de trabalhar. Sou uma pessoa muito reservada. Não vou às editoras, não fico ligando... Não faço isso, não gosto.

DL: Li recentemente sobre os grupos nos quais os livros se encaixam. Um deles é aquele em que o texto atua como artista-solo da produção. Ou seja, não há espaço para a ilustração. Em nossa última entrevista, o Jozz levantou a questão de que, após os 8 anos, aproximadamente, os livros já não têm mais ilustração; é como se fosse apenas coisa para criança. Porém, ele acredita que as editoras deveriam investir mais na possibilidade de diálogo entre texto e imagem... O que você pensa sobre isso?
GM: Eu, particularmente, não gosto de livro para adultos com ilustração. Acho que para a criança é importante o livro ser ilustrado. Eu gosto de imaginar tudo e não de abrir um livro que já tenha uma imagem.

DL: Mas a ilustração pode atuar como um elemento a mais, mostrando pontos que não encontramos no texto.

GM: Sim, eu concordo. Mas é que eu realmente não gosto. É mais uma questão pessoal.

DL: Você já falou sobre a importância que a qualidade do texto de Luciana Savaget – autora do “Amor de Virgulino, Lampião” – teve para o bom resultado de suas ilustrações. Como não cair em armadilhas e fazer com que um mau texto atue contra o seu trabalho?
GM: Todos os textos que eu peguei para ilustrar foram textos interessantes. Eu estou tentando lembrar se já peguei algum texto que não tenha gostado...

Então foi uma coincidência?
GM: Talvez sim, ou talvez por as pessoas me conhecerem um pouco e me oferecerem coisas que tenham a ver comigo. Não me lembro de ter recebido nenhum texto que tivesse achado ruim. Em todos eles eu consegui imaginar um resultado legal.

Sempre é difícil dizer qual trabalho foi mais prazeroso de fazer, porque cada um tem as suas particularidades. No entanto, você consegue identificar quais são os elementos importantes que uma obra deve ter para que você consiga desenvolver um bom trabalho? Conseguir imaginar os personagens já na leitura do texto seria um?
GM: Poxa vida! Eu não paro para pensar sobre essas coisas. Eu simplesmente faço. Há pouco tempo eu enviei umas pinturas minhas para Turim e a pessoa que me pediu falou coisas do meu trabalho que nunca tinham passado pela minha cabeça. No entanto, eram coisas que realmente tinham a ver com o meu trabalho. Essa é a questão da interpretação individual. Cada um tem uma.

O que eu posso dizer sobre isso é que eu já ilustrei para revistas femininas, de economia, de adolescentes... Ou seja, mundos totalmente diferentes. Em cada um deles, achamos elementos que podem ser transformados em ilustração. Economia, por exemplo. Era dos assuntos mais áridos... Eu não gostava de ler economia, mas fazia isso para ilustrar. E dali saiam as coisas mais abstratas e até as mais interessantes. Acho que mesmo se o texto não for bom, não tem a ver com o que você vai ilustrar. O texto é apenas um ponto de partida.

DL: Você ganhou prêmios Abril de Jornalismo. Achei interessante você ter dito que não liga para isso, que não tem muita importância...
GM: Para mim não tem importância . É pessoal.
Eu não ligo. Nunca gostei de concursos. Acho que isso é importante para a editora, não para o ilustrador.
O que eu quero, e acho que a maioria das pessoas também quer, é viver bem, ter uma vida legal. E ser considerado importante e ganhar prêmios não tem relação direta com isso. Claro, pode ter, mas não diretamente.  
Portanto, a minha procura constante é a de estar bem comigo, e, a partir disso, com as pessoas.

DL: O que você está desenvolvendo hoje?
GM: Estou desenvolvendo dois trabalhos neste momento: um é pessoal. São pinturas em papel, feitas com tinta acrílica. O outro eu descobri quase sem querer, ao realizar um trabalho encomendado. Ele está sendo totalmente digital. Não tem nada de novo nisso, todo mundo faz, mas para mim é uma coisa totalmente nova. Apesar de já trabalhar com computador, faço tudo antes no papel. Nunca tinha feito nada exclusivamente digital. Eu achei incrível, porque a forma digital se mostrou, para mim, uma nova maneira de desenvolver um trabalho. Comecei a desenvolver esses personagens com lápis. Ficavam legais, mas eu enviava para o cliente e ouvia: “não é bem isso aqui.” E eu achava a mesma coisa. Então comecei a perceber que o que eu queria era algo mais solto. Foi quando sentei em frente ao computador e passei a fazer tentativas. E deu muito certo. Enviei para os caras e eles adoraram.

DL: Você não teve resistência, então? Muitos ilustradores que desenham tradicionalmente ainda preferem manter distância do computador.
GM: Eu nunca tive; a não ser no início, quando via muita gente fazendo coisa no computador porque era novidade – ainda que nem todos tivessem qualidade.

DL: Que programa você utilizou para fazer esse trabalho encomendado?
GM: Photoshop. Em função desse trabalho descobri várias coisas. Uma delas, que eu não preciso do lápis. Não que não seja uma coisa legal, mas o trabalho de quem está criando é independente do lápis. Você pode inventar com outros meios. Uma das coisas que o computador fez, pela sua mobilidade, foi soltar o meu desenho. Acho que ele melhorou muito com o computador.

DL: O que você tem visto na internet ou em livrarias que tem lhe agradado?
GM: Eu tenho ficado impressionado com a quantidade de bons ilustradores que estão surgindo. A revista Zupi, por exemplo, é uma vitrine de ilustradores muito bons. Quando eu comecei não tinha tanta gente e tão boa. Acho que a qualidade dos trabalhos aumentou muito. Mas não sei como isso funciona em revistas e livros infantis, por exemplo. Mas o fato é que os caras têm uma boa cultura visual e trabalhos incríveis. É tanta gente que eu nem saberia lhe dizer os nomes.

DL: Tendo trabalhado para as mais importantes revistas do País, tem alguma curiosidade que você possa nos contar?
GM: Não sei... O que me lembro é que eu brigava muito com os editores das revistas. Naquela época tínhamos um contato mais direto com eles e com os diretores de arte.

Basicamente brigava pelos preços. Dizia: “Vocês não pagam porra nenhuma pra gente fazer esses trabalhos, pô! Tem que pagar direito pra gente fazer um trabalho bacana. Vocês nos dão um prazo super apertado e ainda não pagam nada...” Mas eu nunca criei inimizade por causa disso. Acho que era tão espontâneo, que ninguém nunca deixou de gostar de mim por causa disso (risos).
 

Dicas

É importante estar ligado no mundo. Acontecem coisas em todos os níveis (na política, nas artes, na economia) e você precisa estar atento, plugado. É importante ir ao teatro, ao cinema, a exposições, eventos. Quase tudo faz parte do universo do ilustrador.