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J. Carlos: pioneiro da crônica visual e do traço original
18 Julho 2014 | Por Luís Alberto Prado
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J.CarlosConsiderado um dos precursores do design gráfico na indústria editorial do país, na primeira metade do século XX, e o principal representante do estilo art déco em programação visual no Brasil, José Carlos de Brito e Cunha, mais conhecido como J. Carlos , se destacou como um importante chargista na sua época. Autodidata, atuou como desenhista, ilustrador e editor de arte; trabalhou em publicidade e na criação de logotipos e de desenhos infantis. Além disso, teve experiência como escultor e cenógrafo para peças de teatro, entre outras atividades.

Carioca de berço e modernista por vocação, nasceu no dia 18 de junho de 1884. Era um observador da cena urbana de seu tempo e suas charges o transformaram em cronista do Rio de Janeiro. Retratavam os hábitos dos moradores e o processo de urbanização da cidade, além do surgimento de diversas invenções e modismos, como o telefone, a fotografia, o chope, o samba, o bonde elétrico, o automóvel, o cinema, o rádio, o avião, a cultura do futebol, a praia e o carnaval.

Porém, foi na política que seu traço característico ganhou mais repercussão. Os políticos da República Velha foram alvo de seu desenho corrosivo e a Revolução de 30, um tema presente. Com a instalação do Estado Novo e a censura, o artista passou a mirar sua pena em charges antinazistas, mas, ainda assim, conseguiu registrar as transformações históricas e sociais pelas quais o Rio de Janeiro passava nas décadas de 1920 e 1930. Sua crônica visual não perdoava a modernização segregadora do projeto urbanístico de Pereira Passos, que amplificava o nascimento da cultura do morro e a disseminação das favelas.

J. Carlos também marcou presença com uma série de desenhos antibelicistas, criados no período das duas grandes guerras. A política norte-americana, após 1945, da mesma forma tornou-se fonte de inspiração.

Com a prática, seu desenho se tornou elegante, revelando uma enorme nitidez, incomum à época. Tudo feito a lápis, mas com acabamento em bico de pena e nanquim. Em algumas criações, utilizava guache apenas para reforçar o traço. Já em relação às cores, preferia as possibilidades cromáticas da aquarela.

Caricaturista original

j carlos_carnaval_II_internaCom um estilo impossível de se copiar, J. Carlos se tornou um dos mais originais caricaturistas brasileiros de seu tempo. O humor, a rapidez e a clareza de seu desenho registraram as mudanças de costumes e comportamento ocorridas no Rio de Janeiro, na virada do século XIX. Foi a partir da revista Careta (entre 1908 e 1921) que seus personagens se popularizaram. Ao longo de sua carreira, entre 1902 e 1950, o artista ocupou, com bom gosto e elegância, as páginas de quase todas as revistas ilustradas do período: O Malho, Para Todos, A Cigarra, Vida Moderna, Revista Nacional, Cinearte, Fon-Fon, A Avenida, Tico-Tico (semanário infantil), O Papagaio, O Cruzeiro e A Noite. Sem surpresas, J. Carlos produziu cerca de 100 mil desenhos em quase 50 anos de ofício.

A partir de seu olhar crítico, os acontecimentos do dia a dia não eram poupados. Apesar de sua conhecida sisudez, o artista carregava na ponta da pena o mais fino humor e o utilizou bastante em sua obra para retratar fatos trágicos do cotidiano, mesmo não sendo esta uma prática comum à época.

Personagens nas charges

Muito em razão de sua inquietação criativa, J. Carlos, no início dos anos 1920, mergulhou no universo infantil, desenvolvendo personagens como Jujuba, Lamparina, Goiabada e Carrapicho. Pelo sucesso da empreitada, há quem diga, inclusive, que quando Walt Disney visitou o Brasil, para o lançamento de seu filme Fantasia (1940), tentou contratar o artista para os famosos estúdios de Hollywood.

Admirado por muitos, o chargista às vezes se transformava em personagem. Em algumas de suas crônicas, o escritor José Lins do Rego escreveu que “J. Carlos está para a caricatura brasileira como Villa-Lobos para a música e Machado de Assis para a literatura”. Não é à toa que, a partir da década de 1920, seu estilo atinge a plena maturidade, guiando o traço para a melhor solução gráfica.

O cronista do desenho elegante não viu seu estilo influenciar nenhum de seus contemporâneos, nem chegou a fazer escola. Por ser um exímio observador da vida e dos tipos do Rio de Janeiro, alguns dos quais ajudou a criar, foi o responsável pela fixação de vários arquétipos, como o português do armazém ou da padaria, o malandro, a sogra e o funcionário, os chamados tipos urbanos; e o almofadinha, o primeiro personagem andrógino do humor nacional.

Enquanto João do Rio se transformava em um grande cronista em texto do cotidiano carioca, J. Carlos era seu equivalente nas artes gráficas. Sua fonte de inspiração vinha de tipos que ele observava em seus passeios de bonde pela cidade. O sexo feminino tinha o seu papel de destaque: mães, meninas, senhoras, jovens, ricas, pobres, trabalhadoras. Mas foi a melindrosa que deu maior notoriedade ao cartunista. A personagem que nasceu na capa da revista Para Todos (1920) acabou se tornando a representação da própria mulher carioca do século XX.

Tem francesinha no salão

Durante o carnaval, que se consolidava como a principal expressão popular do Rio de Janeiro no início do século passado, a produção criativa do artista sempre crescia significativamente, indo das figuras clássicas (pierrô, colombina, arlequim) às manifestações carnavalescas da cidade. A praia é outro de seus temas preferidos, documentando não só as modas de banho, como também o culto ao corpo, característica do carioca desde aquela época. Por tudo isso, pode-se dizer que é possível reconstruir a moda da então capital da República por meio dos desenhos de J. Carlos.

Quarenta e sete anos depois de sua morte e quase esquecido por muitos, teve sua obra visitada por Zeca Pagodinho, que inseriu alguns de seus desenhos na capa de seu álbum Hoje é Dia de Festa (1997). Quem também prestou homenagem ao gênio do traço elegante foi a Acadêmicos da Rocinha. No Carnaval de 2009, a escola de samba apresentou o enredo Tem Francesinha no Salão... O Rio no Meu Coração. Com o resgate da obra do artista, a Rocinha conquistou o terceiro lugar do antigo Grupo de Acesso A.

 
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