POR DENTRO DA LEAL MOREIRA

Retratar, um processo íntimo

 

 

Fotógrafa de cenários e produtora de retratos, Walda Marques fala um pouco de um processo tão intenso que exaure e transforma tanto quem está por trás do foco como quem está à frente da lente

Conversar com Walda Marques, paraense reconhecida e premiada dentro e fora daqui pelo olhar de recorte tão especial, para falar sobre sua experiência de retratista, em meio aos seus quase 30 anos de atuação, é entender que fotografia, que fotografar é muito mais que um objeto ou um substantivo, que um ato ou um verbo. É uma experiência, um divã. Uma permissividade, uma intimidade tão absurda, dessas que é difícil mensurar, já que estamos falando de uma situação aparentemente tão simples, ainda mais na era do selfie: a de pedir para ser fotografado.  

"Eu fotografo todo mundo que bate na minha porta", admite, explicando que não tem pudores ou reservas de atender aqueles que lhe pedem - ou lhe encomendam - o olhar emprestado. De autoridades políticas, que ela já fotografou várias vezes, às mulheres do Ver-o-Peso e farinheiras de Bragança. "Trabalhos belíssimos esses dois últimos, inclusive", atesta. 

Walda credita sua primeira experiência profissional, a de maquiadora, como parcialmente responsável por ela ter se aperfeiçoado na arte de se aproximar e conhecer melhor as pessoas com quem precisa interagir - condição sine qua non para apontar a lente em direção a alguém. "O bom retratista tem que saber quem é a pessoa que está sendo fotografada, mesmo que nunca a tenha visto na vida. É fundamental saber o que come, o que veste, quem é", afirma.  "Existe uma troca, é claro, mas é preciso sacar quem é o outro. E eu vou com toda a minha bagagem, de quem fez TV, vídeo, teatro, maquiagem, junto tudo isso para montar os retratos que faço, em conjunto com quem está sendo fotografado. Quem me procura geralmente sabe que trabalho assim", analisa ela, que teve duas fotonovelas e uma pequena série de fotografias expostas até agosto desse ano na Pinacoteca de São Paulo. "Foi uma honra", reconhece.

 

Walda garante que é um processo bem menos simples do que realmente parece. "Às vezes a pessoa vira e diz 'estou na sua mão', e isso é um prato cheio para quem fotografa. Mas às vezes eu paro para pensar, entro em conflito com isso, de ter emprestado tantas vezes o olhar para a pessoa... se ver. Pelo menos foram poucas vezes, de contar nos dedos, quando a pessoa não gostou do resultado, acho que mais por não ter gostado do que viu mesmo", detalha. Na publicidade, no marketing político, no simples retrato encomendado é preciso agradar, encontrar uma alma, algo que alcance o outro, segundo Walda. "Claro que o olhar acostuma com a prática, mas é sempre diferente, cada um é único, tem uma luz diferente, um corpo diferente. Há uma intimidade muito grande em se deixar fotografar, uma intimidade quase que absurda. Que permite que eu capte, por exemplo, uma meiguice, uma sensualidade sem que uma peça de roupa seja tirada", conta. Ela também faz questão de dizer que, para retratar, não tem preferência por gênero, cenários ou situações, mas sim por histórias.

Trata-se de um trabalho tão minucioso e que exige tanto que, sem qualquer exagero, ela garante que fica absolutamente exausta depois. "É um tanto de energia, não é rápido, fico cansada mesmo, acabada, mentalmente. Tanto que não faço muitos, preciso de um tempo razoável entre um e outro", justifica. Duas curiosidades interessantes sobre Walda é que, além de ela própria não gostar de se deixar fotografar, é que, enquanto retratista, ela não se considera fotógrafa. "Sou produtora. Gosto de ver a cena, descobrir aquilo o que eu estou olhando, mesmo que sejam retratos encomendados, eu levo comigo o olhar teatral", acrescenta.

 

 

 

 

Centenas de retratos depois, com conhecidos, com desconhecidos, com quem se entrega, com quem não aceita o olhar do outro, Walda dá um veredicto: nem todo mundo está preparado para se ver fotografado. "As pessoas se fotografam muito, hoje todo mundo se vê como quer, mas como é o olhar do outro? Como é esse exercício? Eu mesma tenho esse problema, eu não gosto que ninguém me fotografe. Quando o outro te olha, às vezes você não se reconhece".


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