35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de obra de Arthur Bispo do Rosário durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Arthur Bispo do Rosário

O olhar que deseja indecretar a feiura atribuída à loucura, às loucuras, precisa ser tudo, menos clínico. é uma mirada que precisa alcançar tudo, com o cuidado de desacertar alvos (em geral escuros). e à qual imprescinde um gesto que não precisa abarcar tudo, fora do delírio colonial da conquista, da catalogação, da categorização que não escuta a voz da autodeterminação.

Até hoje a loucura tem sido tratada como uma ferida feia engavetada em muros mais altos que os alvos pés-direitos dos museus. então, alguns museus tomam pra si a tarefa de romper a interdição que se coloca quando chamada de feiura, quando condenada à escondidão, atribuindo ininteligibilidades programadas à loucura.

Ainda assim me pergunto com qual manto foi enterrado o corpo de arthur bispo do rosário (1909 [1911]-1989) depois de sua passagem; me pergunto se algum dos mantos que teceu escapou da sina ou sanha que fez, pelo “descobrimento da beleza”, retirá-los dos cubículos psiquiátricos em que o marinheiro, o boxeador, o coxo, interditado por ser dado como louco antes de intitulado artista – rótulo que recusou –, lá onde os coseu.

Será que algum dos mantos cumpriu o sonho do profeta negro de cobrir seu corpo, y desvelar sua alma, no dia de seu juízo final? que afinal tem sido vivido (ou morrido) parceladamente mesmo, conforme cada pessoa morre, ainda que nesses tempos, ainda de encarceramento psiquiátrico negro massivo. 

Essa é uma pergunta retórica, dramática. enquanto atravessamos nossa matéria, livre por enquanto do juízo final, por entre as peças expografadas, museológicas, perfeitamente iluminadas de museu, trilhamos caminho sobre o silêncio que sua não resposta encerra. 

Se há beleza na feiura com que descuidamos a loucura, quando é possível chamá-la de arte? talvez importe dizer que o bordador morreu longe, muito longe, do museu; trancafiado, muro enorme, hospício adentro. que antes mesmo de morrer, lá bem trancafiado, já ia sendo separado de seus mantos, suas faixas, panos todos e vitrinas que bordou, coseu, teceu, por não ser artista nem ser ateu. 

E bispo do rosário é hoje nome de museu! coberto do manto invisível de artista que não teceu.

tatiana nascimento

Arthur Bispo do Rosário (Japaratuba, SE, Brasil, 1909 [1911] – Rio de Janeiro, Brasil, 1989) viveu recluso por cinquenta anos em instituição manicomial, onde realizou suas criações que, segundo o artista, eram ditadas por anjos para serem apresentadas a Deus no Juízo Final. Concebido como inventário do mundo, esse conjunto artístico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2018 e foi exibido em mostras como Brasil + 500 mostra do redescobrimento e da 30a Bienal de São Paulo (Brasil), além da 55ª Bienal de Veneza (Itália).