sábado, 7 de junho de 2014

Os painéis de azulejos nos prédios do Rio de Janeiro fabricados pela Osirarte (SP)

alfeu


Quando era moleque, geralmente quando meu pai e eu íamos ao Centro da cidade, era no sábado e o ônibus passava pela Av. Graça Aranha que tinha a mão invertida em relação a de hoje. Um pouco antes do ponto que nós descíamos havia um sinal que quase sempre estava fechado. Apesar da impaciência dos adultos, esse momento para mim era mágico. Da janela do ônibus a minha direita via um imenso painel de azulejos em tons azul e branco com desenhos de conchas tipo Pecten e cavalos marinhos. A imersão era total, ia nas profundezas daquele mar, aquela obra cumpria o seu papel.

O painel em questão é do Palácio Gustavo Capanema onde suas paredes externas são cobertas por painéis de azulejos.


Palácio Gustavo Capanema



Nessa mesma época estudava na Praia Vermelha; muitas vezes resolvia voltar a pé para casa, ou porque tinha gastado todo o dinheiro com balas, figurinhas,... ou mesmo para mudar a rotina. No caminho passava em frente ao Iate Clube do RJ e no muro havia, e ainda estão lá, losangos quadrados com motivos obviamente relativos ao mar. Cada desses losangos era composto de 16 pequenos azulejos, com desenhos de barcos, timões, âncoras, cavalos-marinhos e diversos outros, e também tinham os traços em azul num fundo branco. Era um motivo para chegar um pouco mais tarde em casa, e como resultado os meus ouvidos sofriam demais nessas ocasiões.


Iate Clube do RJ (Google Maps)


Anos mais tarde estive em Salvador com um primo, onde um irmão seu morava por lá. Numa tarde meio chuvosa fui levado a conhecer ao Convento de São Francisco. Me lembro que um padre guiava os visitantes e em um determinado momento entra numa sala e começa a explicação sobre o local, cada móvel, objeto e detalhes. Quando o padre aponta para aqueles rococós do teto, que eram feitos de madeira, que tinham sido pintados com ouro, aí a coisa se tranformou, o assunto ficou só no ouro, e a sala começou a encher. Eu também estava me enchendo daquilo tudo, quando eu me viro e ví um lugar surpreendente, depois soube que era o claustro, cercado com paredes revestidas com painéis de azulejos; eu praticamente sòzinho com eles. Ganhei o dia.


Claustro do Convento de São Francisco  

Essa curiosidade aos poucos foi aumentando principalmente na parte decorativa; as figuras, as texturas. Com isso entendi que tinha feito uma viagem em direção ao passado e justo nas construções representativas de cada época, no que se refere ao Palácio Gustavo Capanema e o Convento de São Francisco. Antes disso, só mesmo indo para Portugal, mas apenas passei por perto e infelizmente não deu para visitar, então só restou mesmo algumas leituras a respeito do assunto.

O resumo do resumo da história começa pela origem da palavra azulejo, e isso sempre é obscuro. As mais aceitas são ac-zulaca ou azuleij que significa pedra ou superfície brilhante, mas é claro alguns insistem que vem de azul.

A chegada em Portugal se dá através da Espanha, e por essa época as técnicas eram bastante simples, de colocação demorada e ainda com forte influência moura. Nesse grupo havia os azulejos alicatados, onde pequenos pedaços esmaltados eram cortados e
juntados formando mosaicos. Provavelmente semelhante ao que os atuais azulejistas utilizam o torquez para ajustar um ladrilho em espaços irregulares.


Azulejos alicatados - Palácio Nacional de Sintra


Essa mesma técnica era também utilizada para a execução dos tapetes, que foi desenvolvida pelos mouros marroquinos e que só foi trazido para o Brasil no século XVII.


Capela dos Paços de Sintra


No século XVIII, já no Brasil Colônia, a utilização do azulejos ganha um grande impulso e profundas transformações ocorrem também. A principal delas é a difusão do estilo holandês, onde os ladrilhos são desenhados em azul, utilizando o óxido de cobalto, com o fundo branco; se afastando da influência mourisca.

Nesse mesmo período, os azulejos saem do interior para ocupar as fachadas das construções, pois se mostram ideais como proteção das intempéries tanto da chuva quanto do sol, mas principalmente como elemento decorativo. Salvador, Recife e Rio se mostram grandes centros desta arte, mas é o Convento de São Francisco, na capital baiana, um importante marco desta época.

Já no século XIX, o desenvolvimento ainda continua, e inicia-se a fabricação de azulejos no Brasil; e na virada para o século XX vem o neocolonialismo com a origens lusitanas ressurgindo. Na chegada à decada de 30, a renovação da arqutetura brasileira com os arquitetos Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcelos, que se encontram com Le Corbusier, e este lhes expõe a importância de se utilizar materiais locais, assim como a própria cultura nesses projetos; e dessa forma acabam promovendo o uso de azulejos em painéis nas fachadas dos prédios. A partir daí esse grupo inicia o projeto do Palácio Gustavo Capanema que irá marcar a arquitetura moderna brasileira e mundial.

A Osirarte




Para essa empreitada, havia a necessidade de não apenas uma grande quantidade de azulejos mas principalmente serem artesanais a fim de se formar painéis artísticos. Eram premissas que se convergiam para Paulo Rossi Osir, artista com diversos quadros espalhados pelo mundo e com experiência na confecção de azulejos. E assim fundou a OSIRARTE, Atelier de Arte Decorativa, São Paulo em 1940 para a fabricação de azulejos em cima dos painéis projetados por Candido Portinari e em seguida dos painéis do próprio Paulo Rossi Osir. Muitos artistas passaram por lá como: Alfredo Volpi, Mario Zanine, Giuliana Giorgi, Hilde Weber, Gerda Brentani, Alice Brill, Ottone Zorlini, Franz Krajcberg entre outros e que tiveram seus trabalhos registrados nos azulejos fabricados na Osirarte e que podem ser apreciados nesse link 
 

As obras da OSIRARTE no Rio.

Palácio Gustavo Capanema : (Fotos de Renato Wandeck)

Autor: Candido Portinari






Autor: Paulo Rossi Osir






Clube de Regatas Vasco da Gama (Sede Náutica):

Autor: Burle Marx





Foto de Renato Wandeck



Escola Municipal no Conjunto Pedregulho. Rio de Janeiro-RJ (Fotos de Renato Wandeck)

Autor: Candido Portinari







Detalhe dos Azulejos - Foto de Renato Wandeck 


Foto de Renato Wandeck



Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro-RJ (Fotos de Renato Wandeck)

Autor: Paulo Rossi Osir









Instituto Moreira Salles

Autor: Burle Marx





Foto de Renato Wandeck




Para o momento musical  Cavalo Marinho (Baden Powell e Vinícius de Moraes) 



Esse disco é o único de Mario Telles, irmão de Sylvinha Telles, e sua voz que é muito boa parece ser pouco registrada.






Esse post é uma homenagem ao Selaron.






Fontes: 

Amaral, Eliane Simi: Arquitetura e Arte Decorativa do Azulejo no Brasil

Wanderley, Ingrid Moura e Sichieri, Eduvaldo Paulo: Azulejo - Revestimento Cerâmico em Áreas ExternasCerâmica Industrial, 10 (4) Julho/Agosto, 2005


A maior parte da consulta sobre a Osirarte veio do site Cerâmica no Rio de Renato Wandeck, que está fora do ar


Leituras:

Azulejos Antigos do Rio de Janeiro - http://azulejosantigosrj.blogspot.com.br/




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