O que o bairro Dois de Julho tem com a história da Independência? Entenda origem do nome

Com informações do Correio24Horas

Entre a Rua Carlos Gomes e a Avenida Lafayete Coutinho, o imponente Chafariz da Cabocla ajuda a explicar o que levou o bairro Dois Julho a ganhar o título da data que marca a Independência do Brasil na Bahia. O monumento foi inaugurado três décadas após a expulsão das tropas portuguesas, que completa 200 anos no domingo (2). Antes, a localidade fazia parte de uma região chamada de Frequesia de São Pedro.

Se hoje, os chafarizes da capital baiana servem de enfeite arquitetônico para o Centro Histórico. No século XIX, quando não se falava em saneamento básico, eles garantiam o abastecimento de água para a população. Fácil imaginar, então, como a instalação de um chafariz mobilizava quem vivia por aqui.

Em 1856, a Companhia do Queimado, responsável pela instalação dos equipamentos urbanos (foram, pelo menos, 12 chafarizes), inaugurou aquele que seria o precursor do Monumento ao Dois de Julho, localizado no Campo Grande. Feito de mármore de Carrara e com uma cabocla no topo de seu pedestal, o chafariz simboliza a luta do povo pela Independência da Bahia. A índia-cabocla empunha uma lança e combate uma hidra - representação do exército português.

Antes do Chafariz da Cabocla ser instalado em frente ao Quartel dos Aflitos, o monumento percorreu pontos da cidade. Foi, inicialmente, inaugurado na Praça da Piedade, mas com a abertura da Avenida Sete de Setembro, pelo então governador J.J. Seabra, foi levado para o Largo Dois de Julho - que recebeu esse nome justamente nesse momento, no início do século XX.
 
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“Com a modernização da cidade e a transferência do chafariz, o bairro começa a ser chamado de Dois de Julho, o que pode ter sido uma homenagem à independência”, pontua Murilo Mello (@murilomellohistoria), professor de História. Numa época em que a formação das ruas era diferente de como se conhece hoje, o Dois de Julho foi palco da entrada do exército libertador em Salvador, naquele dia histórico de 1823, que confirmou a vitória sobre os portugueses.

Só no início da década de 80, o chafariz foi colocado no Largo dos Aflitos. O trânsito da obra é, para Clíssio Santana, mestre em História e professor universitário, uma demonstração do descaso que existe com os monumentos que fazem parte da história. “Isso diz muito sobre a como a sociedade se relaciona com seus patrimônios históricos, que podem ser transportados e modificados, sem que haja uma mobilização popular”, defende.

Última morada 

Mesmo sendo uma das cinco cidades mais populosas do país, em Salvador, a impressão é que quase todo mundo se conhece, especialmente no século XIX, quando as fronteiras da cidade e a população eram menores. O que explica a ligação de Castro Alves, que faleceu numa casa que existe até hoje no Dois de Julho, com Maria Quitéria, heroína da independência.
 
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“O Major Silva Castro, avô de Castro Alves, montou uma fábrica de cartuchos, em São Félix, e começou a se destacar durante a independência. A partir disso, ele é designado comandante do Batalhão dos Periquitos, o de maior importância simbólica no Dois de Julho”, explica Murilo Mello. Entre os valentes combatentes do grupo estava Maria Quitéria. A alcunha do batalhão faz referência às vestimentas verdes e ao penacho que usavam no chapéu. O avô do poeta ficou conhecido pelo resto da vida como “Periquitão”.

Bem próxima à Ladeira da Preguiça, a Avenida Sodré, 43, abriga a última casa em que Castro Alves viveu. O local funciona, atualmente, como o colégio estadual Ypiranga. Em vida, o poeta escreveu poemas em homenagem à independência da Bahia, entre eles o “Ode ao Dois de Julho”.

A presença de personalidades nas ruas do Dois de Julho é uma constante no reduto da tradicional boemia soteropolitana. O bairro abriga comércios com décadas de história, como o Mocambinho Bar, Restaurante Caxixi e Porto do Moreira, citado em obras do escritor Jorge Amado.

“Raul Seixas vivia no Largo do Dois de Julho porque o maestro da sua banda morava por aqui. Foi aqui também que Rita Lee conheceu Pitty e a levou para fazer sucesso fora da Bahia”, conta o jornalista Paulo Axé, morador há mais de 30 anos e amante do bairro. Também foi no Dois de Julho onde os primeiros bairros e boates LGTBQIAPN+ da cidade surgiram, como o Âncora do Marujo.

Dois de Julho só não mudou de nome pela resistência de moradores

O ano era 2012 e um projeto da prefeitura de Salvador, naquela época administrada por João Henrique, mobilizou moradores e simpatizantes do bairro em defesa da manutenção do nome Dois de Julho. Sob a defesa de um projeto de modernização, a gestão municipal planejou a alteração do nome do bairro para Santa Teresa. A tentativa de retirar a homenagem à independência em favor de um nome da Igreja Católica não agradou a maior parte da população e o projeto acabou engavetado.

Quem caminha pelo Dois de Julho encontra edifícios e ruas com o nome de Santa Teresa até hoje. Mas para entender essa história, é preciso descer a ladeira em que Castro Alves viveu e chegar até o Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde funcionou o Convento de Santa Teresa de Ávila.
 
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“O Convento foi fundado no século XVII, por monges portugueses da Ordem dos Carmelitas Descalços, que vinham de Angola e foram acolhidos pela população. Santa Teresa foi uma religiosa espanhola, que comandou a reforma da Ordem” explica a museóloga Edjane Rodrigues.

Durante a independência, os monges abrigaram tropas portuguesas no Convento, o que contribuiu para o desgaste da presença dos religiosos na cidade. Em 1840, menos de duas décadas depois da vitória brasileira, a Ordem dos Carmelitas foi extinta. O convento, que abrigava os monges, se tornou museu da Universidade no final da década de 50, por iniciativa do então reitor Edgard Santos.

O que visitar no bairro Dois de Julho 
 
  • Largo dos Aflitos (local que abriga o Chafariz da Cabocla)
  • Largo Dois de Julho (onde o Chafariz da Cabocla ficou instalado até 1960)
  • Última morada do poeta Castro Alves (Rua do Sodré, 43)
  • Museu de Arte Sacra da UFBA e antigo Convento de Santa Teresa (Rua do Sodré, 28)
  • Mocambinho Bar (Rua da Faísca, 12)
  • Bar e Restaurante Caxixi (Rua do Cabeça, 123)
  • Porto do Moreira (Rua Carlos Gomes, 488)
  • Bar Âncora do Marujo (Rua Carlos Gomes, 809)
  • Clube Fantoches da Euterpe (Rua Democrata, número 10). Foi fundado em 1884 e era um dos mais tradicionais clubes carnavalescos da Cidade, até os anos 1970.

Texto: Maysa Polcri/CORREIO. Fotos: Reprodução, Divulgação, Ana Lúcia Albuquerque/CORREIO, Fábio Marconi/Divulgação

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