Tocando B.B. King sem parar

Daniel Soares* lança a pergunta: qual o maior guitarrista de blues. E responde: em 99,79% dos casos, segundo dados do Instituto Eu Mesmo Faço Isso, a resposta será “B.B. King, sua majestade”

Para ser lido ao som de B.B. King em The Thrill Is Gone
b b king Ilustração gilmar fraga
Ilustração: Gilmar Fraga

Riley Ben King se transformou em Blues Boy King, ou simplesmente B.B. King em 1949, quando saiu das ruas de Memphis para ser contratado como DJ na rádio WDIA, onde havia feito pequenos anúncios publicitários por conta de sua voz potente e até trabalhado num programa de Sonny Boy Williamson. Dois anos depois, sua voz já estava em disco com Three O’Clock Blues e cansativas turnês se sucederam, levando seu blues de costa a costa dos EUA, chegando a incrível marca de 342 concertos em 1956.

Naqueles primórdios do rock and roll, B.B. King se firmava, cada vez mais, como o grande nome do blues, o cara que popularizou o gênero. Embora não reproduzisse o típico blues rural do Mississipi, mesmo tendo nascido lá e inclusive trabalhado nos campos de algodão (como a maioria dos jovens negros dos anos 30 e 40), King tinha muitas inspirações: o velho blues de T-Bone Walker; o jazz de Charlie Christian; e o cigano Django Reinhardt. King também era fã de música gospel, das grandes bandas de jazz e do violonista erudito Andrés Segovia. Mas certamente foi a elegância de Christian que mais deixou marcas no blues de B.B. King. Seu fraseado límpido, de poucos acordes, mesmo em contraponto às dissonâncias de Christian, elevou o blues a outro patamar, muito mais próximo do jazz, com solos que, em muito, lembravam o “scat singing”.

Algumas vezes ele aparecia em poucos segundos, como um grand finale das músicas.
King não se achava um grande guitarrista, chegou a dizer isso em algumas entrevistas. E na realidade não era, nem precisava ser. Criou um estilo único, inconfundível. Impossível não ouvir os primeiros acordes de The Thrill is Gone e não saber que é ele. Como poucos guitarristas, valorizou os naipes de sopros em sua banda. Entendia o blues como primo-irmão do jazz.

Quase nenhum instrumento do mundo tem nome de batismo. Eles têm séries, modelos, são preferidos por isso ou por aquilo, mas nome, ou seja, personalidade, a Gibson ES-345 preta de B.B.King, ou simplesmente, Lucille, é quase uma exceção.

A história do nome é bem conhecida: em 1949, King estava se apresentando num salão de dança na pequena Twist, no Arkansas. Era inverno, e como de costume, se acendia um barril com querosene no centro do salão para aquecer os clientes. Só que uma briga, no meio da apresentação, fez com que o barril fosse derrubado e teve início um incêndio.

Correria generalizada e B.B. King, já fora do estabelecimento, percebeu que tinha deixado sua única guitarra, e portanto, seu ganha-pão, dentro do prédio em chamas.  Não teve dúvidas, voltou e resgatou o instrumento, que estava intacto. Duas pessoas morreram no incêndio, mas no dia seguinte, King ficou sabendo que a briga tinha sido por causa de uma mulher chamada Lucille. Dali em diante, batizou todas as suas guitarras com esse nome para, segundo o próprio guitarrista, “se lembrar de nunca brigar por uma mulher e nunca mais entrar em um bar em chamas”.

B.B. King esteve no Brasil por diversas vezes e três vezes em Porto Alegre, numa delas, em um antológico show no Gigantinho. Nele, também deixou uma marca de suas apresentações: não interrompia o show se uma corda de Lucille se rompesse. Continuava a cantar e ele mesmo fazia a troca. O resto a história se encarregaria de mostrar sua importância, influenciando nomes como Jimi Hendrix, George Harrison, Buddy Guy e Eric Clapton.

O rei do blues nos deixou em 14 de maio de 2015, aos 89 anos, vítima de sérias complicações devido ao diabetes tipo 2. Casou duas vezes, mas teve 15 filhos com 15 mulheres diferentes. Nenhuma se chamava Lucille – a  essa, ele foi fiel sempre.

* Daniel Soares é roqueiro, jornalista e guitarrista

Nenhum pensamento

  1. Grande ilustra do Fraga e o texto… um legítimo Daniel Soares, um B.B. King das letrinhas!
    Meus líderes, só vou discordar de uma coisa: lá pelos idos de 1950, B.B. King era um músico fantástico. Não tinha o swing de Bo Didley nem os riffs de Muddy Waters – menos ainda a rebeldia de Chuck Berry. Mas King “inventou” (tá, não inventou, mas usou como ninguém) aquele vibrato com a mão esquerda. Pra época, um virtuose. Abraço!

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