duoJazz | Mestre zen do violão

Juarez Fonseca e Márcio Pinheiro, juntos, em uma homenagem a Baden Powell, o maior violonista brasileiro e um dos mais geniais que o mundo conheceu

Textos para serem lidos ao som de Baden Powell em Solitude On Guitar
Ilustração: Daniel Kondo
Ilustração: Daniel Kondo
MÁRCIO PINHEIRO

A serenidade, o jeito tranquilo, a postura zen como a de um iogue faziam de Baden Powell um gênio simples, com um reconhecimento menor do que era merecedor. Em mais de quatro décadas de carreira, Baden Powell mostrou como  a sabedoria se aliava à técnica, tornando-se um mestre tanto no arrojo musical quanto na empatia com o público. Os trajes – quase sempre impecavelmente brancos que costumava usar – eram a extensão da pureza, da serenidade e da iluminação.
Baden foi o maior violonista brasileiro e um dos mais geniais que o mundo conheceu. Precoce, era profissional aos 15 anos. Depois, viajou pelo Brasil acompanhando os grandes cantores, sem apresentou em palcos na Europa, Estados Unidos e Japão. Nunca fez alarde de sua fama, preferindo se preservar numa aura de silêncio e timidez.

Há duas décadas, a jornalista francesa Dominique Dreyfus pesquisou a arte e ávida desse gênio e revelou boa parte da história da música brasileira em O Violão Vadio de Baden Powell. Uma das revelações é a de que Baden Powell sempre bebeu muito, como confessou à biógrafa, e reconheceu que isto pode ter atrapalhado sua carreira. Em várias épocas, Baden Powell costumava sumir por muitos dias, numa maratona de bares e botequins. Pouco antes de morrer – aos 63 anos, em setembro de 2000, vítima de falência múltipla dos órgãos, depois de ter ficado mais de um mês internado numa clínica – o músico havia aderido à uma seita prebisteriana, entre outros motivos para parar de beber. Em parte, conseguiu. Mas também adotou novos comportamentos como o de não cantar mais o Samba da Bênção, que compôs com Vinicius de Moraes, porque a letra falava em “sarava”, para ele, coisa do diabo.

Essa era apenas uma idiossincrasia de um autor que tinha noção de que nada do que foi feito na história do violão brasileiro lhe passou despercebido. Baden conseguiu somar a este conhecimento influências do flamenco, do jazz e da música erudita e embora seu nome costumasse ser associado à bossa nova, Baden Powell nunca foi estritamente um bossanovista. Sua arte vinha do samba, tanto dos afro-sambas, com Vinicius de Moraes (foi o mais prolífico parceiro do poeta) quanto na formidável produção posterior ao lado de Paulo César Pinheiro. Ao contrário da sutileza e da economia de notas da bossa nova, o toque de violão de Baden Powell era vigoroso, com as cordas sempre feridas com convicção, numa técnica superlativa de solo e acompanhamento que muitas vezes dava a impressão de mais de um músico tocando.

Baden Powell de Aquino nasceu numa pequena cidade do interior do Estado do Rio, Varre-Sai em 1937. Viveu por lá apenas três meses. A família, então, mudou-se para o Rio, primeiramente para Vila Isabel, depois para São Cristóvão, bairros da zona norte da cidade. Na casa de São Cristóvão, o pai frequentava as rodas de música de Geraldo Pereira, Sílvio Caldas, Donga e Pixinguinha. A primeira composição gravada de Baden Powell foi Samba Triste, por Lúcio Alves, também pioneira parceria dele com Billy Blanco. Do começo dos anos 70 ao final da década seguinte, Baden Powell morou na Europa, vindo ocasionalmente ao Brasil. Fixou residência – e gostava de brincar com o trocadilho – em Baden Baden, na Floresta Negra. Lá recebeu o reconhecimento merecido, acompanhando jazzistas – como Stéphane Grappelli – gravando centenas de disco e registrando mais de 500 músicas.

Quando voltou ao Brasil, a saúde estava debilitada. Ainda assim, atravessou os anos seguintes fazendo show esporádicos, viajando pouco e gravando algumas composições, muitas delas já standards do seu repertório. Pouco antes de morrer, deixou um disco-solo pronto, totalmente instrumental. Foi o último ensinamento de um mestre que sempre soube que um bom samba é também uma forma de oração.

JUAREZ FONSECA


Baden Powell apresentou-se em Porto Alegre pela última vez no final dos anos 90. Foi no então Teatro da Ospa, num show em que o músico de abertura era um jovem violonista gaúcho de 17 anos: Yamandú (na época ainda Djamandú) Costa. Duas décadas antes, no segundo semestre de 1979, Baden Powell havia se apresentado no mesmo local (na época ainda Teatro Leopoldina) e, pouco antes do show, concedeu a entrevista a seguir. Falou de vários assuntos, mas não se mostrou muito otimista com os rumos que a música brasileira poderia tomar. Mais uma vez, pareceu profético. (M.P.)


“Nossa música está numa fase meio indefinida, não sei que rumo ela poderá tomar”

“Quando a gente está no estrangeiro e começa a andar no quarto, de um lado pro outro, é porque está na hora de voltar”, diz o violonista e compositor Baden Powell, 42 anos, para quem as chegadas são tão naturais quanto as partidas. E foi o que fez o fluminense nascido em Varre-Sai fez, cinco anos depois de deixar o País – como nas vezes anteriores, a decisão ocorreu de um dia para o outro. “Nunca pensei em me fixar no estrangeiro, mas acontece que qualquer artista tem a aspiração de sair de seu país, pelo menos para provar alguma coisa para si mesmo. Minha mulher é que sofre com essa história”. Este gênio da música popular brasileira pode ser visto e ouvido agora, em Porto Alegre, em apenas mais duas oportunidades no Teatro Leopoldina, hoje e amanhã, às 21h.

Cinco anos não é muito tempo para ficar longe de casa?
Nunca pensei em me fixar no estrangeiro; acontece que qualquer artista tem a aspiração de sair de seu país, até para provar alguma coisa para si mesmo. Mas quando a gente está há um bom tempo fora, e começa a andar no quarto de um lado pro outro, é porque está na hora de voltar. Agora, como das outras vezes, tomei a decisão de um dia pro outro – minha mulher é que sofre com essa história. Mas as chegadas são tão naturais quanto as partidas.

Desde quando você passa mais tempo no Exterior do que no Brasil?
Em 1962, eu tava com a passagem na mão para ir a Nova York participar do espetáculo de Bossa Nova no Carnegie Hall, mas meu pai ficou doente e não pude embarcar. Algum tempo depois fui passear na Europa, fiz uma apresentação no Olympia de Paris e logo comecei a receber muitas propostas, então acabei ficando por lá, naturalmente, durante três anos. De lá para cá, não parei mais de viajar. O mesmo aconteceu agora, nestes cinco anos em que fiquei fora, quase que não voltei mais. Lá na Europa sou muito mais conhecido do que aqui.

Existe alguma diferença entre os seus espetáculos no Brasil e na Europa?
Não. A mesma coisa que eu sou aqui, sou lá. É o mesmo cara. Sempre fui assim: sento, toco, agradeço e vou embora, não tem mistério. E é exatamente isso que eles querem. Há muita gente que vai se apresentar na Europa e, em vez de mostrar a música popular brasileira como ela é, complica tudo e a turma de lá não aceita. Principalmente na França e na Itália, eles não apenas gostam como estão muito bem informados a respeito de nossa música. Aliás, aqui há muitos trabalhos que, de brasileiro mesmo, só têm a letra em português.

Falando nisso, como você está vendo nossa música e o Brasil de agora, depois da volta.
Na Europa eu tinha poucas notícias do Brasil. O que me diziam é que aqui estavam precisando que se tocasse samba. Meus amigos me chamavam de volta. Pois cheguei, e nem sei explicar direito, não posso realmente afirmar alguma coisa. O panorama me parece meio sem direção. Nossa música está numa fase meio misturada, meio indefinida, não sei que rumo ela poderá tomar.

E a política, Baden?
De política eu não gosto de falar, porque não entendo. Mas sinto uma certa insatisfação geral no ar. Acho que se fizessem um festival de música agora, não teria mais aquela vibração do antes. Nem no futebol a turma está vibrando como antes, nem a torcida do Flamengo é mais a torcida do Flamengo. Sinto que existe um descontentamento, as pessoas não estão felizes. Quando piso no palco, sinto que há um magnetismo estranho, qualquer artista sente isso, seja de música ou de teatro.

A juventude brasileira lhe parece meio desinteressada?
A juventude europeia costuma ir a tudo que é espetáculo de música. Lá não existe essa separação de público especifico de rock, samba, discothèque, erudito… Eles sabem de tudo e se interessam por tudo. Mas isso não quer dizer que o público brasileiro seja diferente do europeu. Não faço essa comparação, porque o público é um só em qualquer parte.

Por que seus discos feitos no Exterior não saem aqui? Você tem 50 LPs e lançados lá fora e apenas nove no Brasil. Desde que você se foi, não tivemos sequer um de seus discos novos!
A culpa não é minha. Eu acho que as fábricas de lá têm algum tipo de desconfiança, não acreditam nos representantes brasileiros e, por isso, não mandam as matrizes. Por outro lado, me parece que as gravadoras daqui nunca mostraram muito interesse.

Agora, finalmente, a WEA promete um disco seu para breve.
É um disco com coisas antigas…

Andam dizendo que “Baden Powell reapareceu com o temperamento um pouco modificado”, e que para isso teria colaborado bastante a sua mulher, Silvia, e o seu filho Philippe, nascido em Paris.
Eu agora sou um sujeito mais calmo, bem menos agitado que antes. Corre um boato de que sou meio maluco, mas não é verdade. Também não sou um irresponsável, pelo contrário. Acontece que, às vezes, sou um pouco desligado, mas essas histórias eu não sei contar muito bem, quem sabe é a Silvia. De qualquer forma, não é que a gente queira forçar uma mudança: a gente muda porque acontece…

 

 

 

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