O pintor que era corintiano


Rebolo foi um craque do Corinthians. Fez parte do time que conquistou, em 1922, o título de "Campeão do Centenário" (da Independência, entende-se). Desenhou o emblema do clube, com o célebre timão. 



Mas foi, sobretudo, um artista de qualidades excepcionais. 

Rebolo é um pintor certeiro. Não demonstra hesitações bisonhas ou desequilíbrios. Toda sua arte se assenta numa disposição justa e balanceada dos volumes; num sentido aéreo que atenua e irmana as cores, sem afetar a solidez da composição; num domínio seguro do espaço, onde se respondem as formas geométricas e as massas coloridas. Não é, de modo nenhum, um ingênuo. Também não possui o sentimento confessional de um lírico.

Francisco Rebolo - Arredores de São Paulo - 1938 - Mam, São Paulo



Está ainda por ser feito um estudo aprofundado e satisfatório sobre a arte do grupo Santa Helena, do qual Rebolo foi um dos fundadores. Nele, a maior parte dos sobrenomes denuncia origens itálicas, embora Francisco Rebolo Gonsales tivesse ascendência espanhola. Esse corintiano certamente não se importava em conviver com palmeirenses.

Sua arte, como a de outros do Grupo Santa Helena, remete para as práticas pictóricas de um Casorati, Sironi, Tosi, Donghi, De Pisis ou Morandi, isto é, para uma certa arte italiana do século 20 avessa aos radicalismos modernos das correntes internacionais.

Felice Casorati - Moça na colina - 1929



Giorgio Morandi - Paisagem - 1949




Na Itália, a melhor parte da pintura produzida entre as duas guerras manteve-se fiel às tradições da paisagem, do nu, da natureza morta, dos interiores. Conferiu sentido a eles, num século 20 que tendia a afastar-se desses gêneros. Interrogou o passado, voltou-se para as ordenações mágicas do "quattrocento" e para os arranjos sem falha das disposições clássicas. Os quadros de Rebolo irmanam-se, de modo claro, com a arte dos grandes mestres peninsulares de seu tempo. "Futebol", uma obra-prima de 1936, é muito reveladora. No primeiro plano, um drible mostra dois jogadores. São monumentais, porque dominam a superfície da tela e porque foram recortados com firmeza pelo contorno.

Rebolo Gonzales - Futebol - 1936


O pintor não tenta oferecer aquilo que seus meios não dominam: o movimento. 



As duas figuras impõem-se, sólidas, na melhor tradição do "disegno", nos gestos misteriosamente fixados, evocando as de Piero della Francesca criou em Arezzo. 


Piero della Francesca -  Batalha de Heráclio e Cosroes - Arezzo,  Igreja de São Francisco (detalhe) - 1458 - 1466


 As paisagens, naturezas-mortas, nus e retratos de Rebolo demonstram uma "objetividade sensível": ordenação precisa das formas, vibrando no ar. A primeira coisa a fazer, para compreendê-los, é perguntar: de que maneira os volumes se dispõem para equilibrar a imagem?


Francisco Rebolo - Natureza-Morta - 1939


A possível afinidade de Rebolo com pintores italianos do século 20 reforçaria, talvez, o aspecto "paulistano" de sua arte. Mas há também um clima. Não que Rebolo se interesse pela agitação da metrópole. Ao contrário, prefere os subúrbios, procurando aspectos rurais, ainda tão visíveis na paulicéia de 40 ou 60 anos atrás. Quando retrata o centro da cidade, é com um esvaziamento calmo e pacato. Além disso, o ar embaçado de São Paulo como que banha suas telas, silenciando ainda mais as cores discretas.

Francisco Rebolo - Rua do Carmo - 1936


Os anos de 1930 e 40, iniciais para a arte de Rebolo, significaram também um apogeu. Depois ele buscou dar uma feição mais "moderna" e simplificada a seus quadros. Essas novidades comprovam sua inflexão íntima para a geometria que estrutura as formas no espaço e para a fina percepção da atmosfera.


Francisco Rebolo - Praia com palmeiras - 1976



Rebolo nunca pintou com truques, com sinais fáceis, exteriores, que funcionam como marca evidente, como fizeram tantos artistas, mesmo alguns muito célebres. Se seus princípios são constantes, eles enfrentam novos problemas em cada obra. São quadros que se resolvem de maneira singular e sincera, não se submetendo a formas repetidas, renovando-se no prazer silencioso de pintar.

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