Pitágoras

Quem foi

Pitágoras foi um importante matemático e filósofo grego. Nasceu no ano de 570 a .C na ilha de Samos, na região da Ásia Menor (Magna Grécia). Provavelmente, morreu em 497 ou 496 a.C em Metaponto (região sul da Itália). Embora sua biografia seja marcada por diversas lendas e fatos não comprovados pela História, temos dados e informações importantes sobre sua vida.

Com 18 anos de idade, Pitágoras já conhecia e dominava muitos conhecimentos matemáticos e filosóficos da época. Através de estudos astronômicos, afirmava que o planeta Terra era esférico e suspenso no Espaço (idéia pouco conhecida na época). Encontrou uma certa ordem no universo, observando que as estrelas, assim como a Terra, girava ao redor do Sol.

Recebeu muita influência científica e filosófica dos filósofos gregos Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes.

Enquanto visitava o Egito, impressionado com as pirâmides, desenvolveu o famoso Teorema de Pitágoras. De acordo com este teorema é possível calcular o lado de um triângulo retângulo, conhecendo os outros dois. Desta forma, ele conseguiu provar que a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa.

Atribui-se também a ele o desenvolvimento da tábua de multiplicação, o sistema decimal e as proporções aritméticas. Sua influência nos estudos futuros da matemática foram enormes, pois foi um dos grandes construtores da base dos conhecimentos matemáticos, geométricos e filosóficos que temos atualmente.

Principais filósofos da Escola Pitagórica:

– Filolau de Crotona
– Temistocleia
– Arquitas de Tarento
– Alcmeão de Crotona
– Melissa

Alguns pensamentos (frases) de Pitágoras:

– Não é livre quem não consegue ter domínio sobre si.

– Todas as coisas são números.

– Aquele que fala semeia; aquele que escuta recolhe.

– Com ordem e com tempo encontra-se o segredo de fazer tudo e tudo fazer bem.

– Educai as crianças e não será preciso punir os homens.

– A melhor maneira que o homem dispõe para se aperfeiçoar, é aproximar-se de Deus.

– A Evolução é a Lei da Vida, o Número é a Lei do Universo, a Unidade é a Lei de Deus.

– Ajuda teus semelhantes a levantar a carga, mas não a carregues.

 

Feitos de Pitágoras

Pitágoras percorreu por 30 anos o Egito, Babilônia, Síria, Fenícia e talvez a Índia e a Pérsia, onde acumulou ecléticos conhecimentos: astronomia, matemática, ciência, filosofia, misticismo e religião. Ele foi contemporâneo de Tales de Mileto, Buda, Confúcio e Lao-Tsé.

Quando retornou a Samos, indispôs-se com o tirano Polícrates e emigrou para o sul da Itália, na ilha de Crotona, de dominação grega. Aí fundou a Escola Pitagórica, a quem se concede a glória de ser a “primeira Universidade do mundo”.

A Escola Pitagórica e as atividades se viram desde então envoltas por um véu de lendas. Foi uma entidade parcialmente secreta com centenas de alunos que compunham uma irmandade religiosa e intelectual. Entre os conceitos que defendiam, destacam-se:

prática de rituais de purificação e crença na doutrina da metempsicose, isto é, na transmigração da alma após a morte, de um corpo para outro. Portanto, advogavam a reencarnação e a imortalidade da alma;

lealdade entre os membros e distribuição comunitária dos bens materiais;

austeridade, ascetismo e obediência à hierarquia da Escola;

proibição de beber vinho e comer carne (portanto é falsa a informação que os discípulos tivessem mandado matar 100 bois quando da demonstração do denominado Teorema de Pitágoras);

purificação da mente pelo estudo de Geometria, Aritmética, Música e Astronomia;

classificação aritmética dos números em pares, ímpares, primos e fatoráveis;

“criação de um modelo de definições, axiomas, teoremas e provas, segundo o qual a estrutura intrincada da Geometria é obtida de um pequeno número de afirmações explicitamente feitas e da ação de um raciocínio dedutivo rigoroso” (George Simmons);

grande celeuma instalou-se entre os discípulos de Pitágoras a respeito da irracionalidade do ‘raiz de 2’. Utilizando notação algébrica, os pitagóricos não aceitavam qualquer solução numérica para x² = 2, pois só admitiam números racionais. Dada a conotação mística atribuída aos números, comenta-se que, quando o infeliz Hipasus de Metapontum propôs uma solução para o impasse, os outros discípulos o expulsaram da Escola e o afogaram no mar;

na Astronomia, idéias inovadoras, embora nem sempre verdadeiras: a Terra é esférica, os planetas movem-se em diferentes velocidades nas várias órbitas ao redor da Terra. Pela cuidadosa observação dos astros, cristalizou-se a idéia de que há uma ordem que domina o Universo;

aos pitagóricos deve-se provavelmente a construção do cubo, tetraedro, octaedro, dodecaedro e a bem conhecida “seção áurea”;

na Música, uma descoberta notável de que os intervalos musicais se colocam de modo que admitem expressões através de proporções aritméticas. Pitágoras – assim como outros filósofos gregos pré-socráticos – também descreveu o poder do som e seus efeitos sobre a psique humana. Essa experiência musicoterápica possivelmente foi utilizada mais tarde por Aristóteles como base teórica para sua definição de música, que, segundo ele, era uma “arte medicinal”.

Pitágoras é o primeiro matemático puro. Entretanto é difícil separar o histórico do lendário, uma vez que deve ser considerado uma figura imprecisa historicamente, já que tudo o que dele sabemos deve-se à tradição oral. Nada deixou escrito, e os primeiros trabalhos sobre o mesmo deve-se a Filolau, quase 100 anos após a morte de Pitágoras. Mas não é fácil negar aos pitagóricos – assevera Carl Boyer – “o papel primordial para o estabelecimento da Matemática como disciplina racional”. A despeito de algum exagero, há séculos cunhou-se uma frase: “Se não houvesse o ‘teorema Pitágoras’, não existiria a Geometria”.

Ao biografar Pitágoras, Jâmblico (c. 300 d.C.) registra que o mestre vivia repetindo aos discípulos: “todas as coisas se assemelham aos números”.

A Escola Pitagórica ensejou forte influência na poderosa verba de Euclides, Arquimedes e Platão, na antiga era cristã, na Idade Média, na Renascença e até em nossos dias com o Neopitagorismo.

Pensamentos de Pitágoras

Educai as crianças e não será preciso punir os homens.

Não é livre quem não obteve domínio sobre si.

Pensem o que quiserem de ti; faz aquilo que te parece justo.

O que fala semeia; o que escuta recolhe.

Ajuda teus semelhantes a levantar a carga, mas não a carregues.

Com ordem e com tempo encontra-se o segredo de fazer tudo e tudo fazer bem.

Todas as coisas são números.

A melhor maneira que o homem dispõe para se aperfeiçoar, é aproximar-se de Deus.

A Evolução é a Lei da Vida, o Número é a Lei do Universo, a Unidade é a Lei de Deus.

A vida é como uma sala de espetáculos: entra-se, vê-se e sai-se.

A sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la ou amá-la tornando-se filósofos.

Anima-te por teres de suportar as injustiças; a verdadeira desgraça consiste em cometê-las

Os Versos de Ouro de Pitágoras

Os Versos de Ouro da tradição pitagórica constituem um documento de valor inestimável. Este texto breve e único é um mapa preciso do caminho prático para a sabedoria divina.

 

É verdade que o documento tem sido mantido em um relativo esquecimento, como tantos outros que pertencem à sabedoria tradicional do ocidente. Mas isso só aumenta o valor da sua descoberta pessoal por parte do leitor. Por outro lado, o significado desse texto brilha hoje  dentro de um contexto maior, pelo qual as filosofias clássicas grega e romana vêm, desde o século 20, recuperando gradualmente a sua visibilidade e a sua popularidade.

 

Traduzo os Versos a partir do texto de Hierocles de Alexandria , com base na versão inglesa feita por N. Rowe em 1707, e adotada hoje pela maior parte dos estudiosos da tradição pitagórica. Examinei outras versões dos Versos, em vários idiomas, mas opto por essa versão de Hierocles em inglês, cotejada, em alguns casos, com a de Fabre d’Olivet. Acrescento comentários e informações adicionais com base na filosofia clássica e na filosofia esotérica.

 

Os Versos de Ouro expressam em poucas palavras e com uma clareza definitiva o compromisso de vida dos pitagóricos de todos os tempos. Sua mensagem será provavelmente tão atual dentro de  20 ou 25 séculos como era na Grécia e na Roma antigas. Por outro lado, durante a complexa transição atual para uma civilização planetária e democrática, os Versos apontam e sinalizam impecavelmente o caminho da autoregeneração de cada indivíduo, que constitui a base fundamental para um renascimento coletivo da sabedoria no futuro a médio prazo.

 

A seguir, pois, um texto imortal, que se pode e deve ler e reler muitas vezes ao longo do tempo. É um mapa, um guia e um tratado completo sobre a vida dos sábios.

 

1. Honra em primeiro lugar os deuses imortais, como manda a lei.

 

Os deuses ou espíritos imortais são os grandes instrutores da humanidade, os Adeptos mencionados na literatura teosófica clássica, os grandes Rishis da Índia antiga e os Imortais da tradição taoísta. Esotericamente, a lei referida aqui é a lei da evolução, que guia simultaneamente o cosmo e cada ser que vive nele.

 

Mas, de acordo com o ponto de vista de Fabre d’Olivet, o Verso fala da lei e dos costumes do país em que se vive. Assim, até para evitar perseguições em tempos de intolerância, o praticante dos Versos de Ouro pode adotar qualquer religião externa, adaptando-se à cultura em que nasceu, enquanto  segue internamente a doutrina esotérica dos pitagóricos.

 

2. A seguir, reverencia o juramento que fizeste.

 

A decisão de buscar a verdade, manifestada através de um juramento ou voto espiritual, é uma expressão dinâmica da nossa conexão interior com o mundo divino. Daí sua importância, a ponto de ser colocada na abertura dos Versos de Ouro. Este juramento, no seu aspecto mais profundo, é  simplesmente a decisão, tomada em nosso próprio coração, de seguir o caminho da sabedoria. (O juramento dos pitagóricos é discutido com mais detalhes no Verso 48.)

 

3. Depois os heróis ilustres, cheios de bondade e luz.

 

Os heróis ilustres são seres de alto grau de evolução, embora ainda não tenham chegado à libertação espiritual alcançada pelos  Adeptos ou Imortais.

 

4. Homenageia então os espíritos terrestres, e manifesta por eles o devido respeito.

 

Os espíritos terrestres são os homens bons e sábios.

 

5. Honra em seguida a teus pais, e a todos os membros da tua família.

 

Cumprir os deveres familiares e ter um comportamento equilibrado no plano emocional garante uma boa parte da tranqüilidade básica necessária à busca da sabedoria divina. O desapego é igualmente importante. Um instrutor espiritual dos Himalaias escreveu no século 19 para um discípulo leigo, Alfred Sinnett: “Parece pouco a você que o ano anterior tenha sido empregado apenas em seus ‘deveres familiares’? Não; que melhor causa para recompensa, que melhor disciplina que o cumprimento do dever a cada hora e a cada dia? Creia-me, meu ‘aluno’,  o homem ou a mulher que é colocado pelo Carma no meio de deveres, sacrifícios e amabilidades pequenos e definidos irá, através do fiel cumprimento deles, erguer-se à dimensão maior do Dever, do Sacrifício e da Caridade para com toda a humanidade. Que melhor caminho, para a iluminação buscada por você,  que a vitória diária sobre o Eu, a perseverança apesar da ausência de progresso psíquico visível, o suportar da má-sorte com aquela serena resistência que a transforma em vantagem espiritual – já que o bem e o mal não podem ser medidos por acontecimentos no plano inferior ou físico?”

 

6. Entre todos os outros, escolhe como amigo aquele que se distingue por sua virtude.

 

Na sua obra intitulada “Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates”, Xenofonte conta como Sócrates ensinou a Cristóbulo a arte de afastar-se de homens ignorantes. Ao terminar sua exposição, o sábio aconselha:  “Fica tranqüilo, Cristóbulo: procura fazer-te bom e, uma vez bom, põe-te à caça dos corações virtuosos.”

 

7. Aproveita sempre suas suaves exortações, e segue o exemplo das suas ações virtuosas e úteis.

 

8. Mas evita, tanto quanto possível, afastar-te do teu amigo por um pequeno erro.

 

9. Porque a força é limitada pela necessidade.

 

Hierocles comenta: “É para o nosso benefício mútuo que a lei da amizade nos une, para que os nossos amigos possam ajudar-nos a crescer em virtude, e para que nós possamos, reciprocamente, ajudá-los em seu progresso nesse sentido. Porque, como companheiros de viagem no caminho que leva a uma vida melhor, nós deveríamos, para nosso proveito comum, transmitir a eles as coisas boas que possamos descobrir, talvez com mais clareza que eles.” E Hierocles faz uma advertência: “Há apenas uma coisa que não devemos aceitar em um amigo, que é que ele caia em um comportamento corrupto”. Nesse ponto, como sempre, valem mais os atos que as palavras. Mas, acrescenta Hierocles, nessa situação “não devemos vê-lo como inimigo, porque já foi nosso amigo, nem devemos vê-lo como nosso amigo, por causa do seu comportamento decadente”.

 

10. Lembra que todas essas coisas são como eu te disse.

 

11. Mas acostuma-te a vencer essas paixões: primeiro, a gula; depois a preguiça, a luxúria e a raiva.

 

Segundo Hierocles, “essas são as paixões que devemos restringir e manter dominadas, para que elas não possam descompor e obstruir a nossa razão.”

 

12. Nunca faças junto com outros, nem sozinho, algo que te dê vergonha.

 

13. E, sobretudo, respeita a ti mesmo.

 

Os versos 12 e 13 recomendam duas coisas inseparáveis: a auto-restrição e o auto-respeito, ou, em outras palavras, a abstenção do erro e a auto-estima. De fato, só com respeito por nós mesmos –  um sentimento que na verdade é amor pelo que há de mais puro e  elevado em nós – podemos ter uma suave disciplina não-repressiva que nos permite abster-nos daquilo que sabemos que é errado.

 

14. Pratica a justiça com teus atos e com tuas palavras.

 

15. E estabelece o hábito de nunca agir impensadamente.

 

16. Mas lembra sempre um fato, o de que o destino estabelece que a morte virá a todos;

 

17. E que as coisas boas do mundo são incertas, e assim como podem ser conquistadas, podem ser perdidas.

 

18. Suporta com paciência e sem murmúrios a tua parte, seja qual for,

 

19. Dos sofrimentos que o destino determinado pelos deuses lança sobre os seres humanos.

 

Temos aqui as idéias centrais adotadas mais tarde pelos filósofos estóicos. O filósofo-imperador neoestóico Marco Aurélio recomendava: “Vive cada dia da tua vida como se fosse o último”. Os estóicos construíram sua filosofia sobre a idéia da indiferença diante da dor e do prazer externos e de curto prazo. Essa regra básica da arte de viver ocupa lugar central em Sócrates, Platão, e muitos outros filósofos, para não falar em tradições orientais como Raja Ioga e  outras.

 

Em relação ao Verso 19, Platão escreve em A República que “Deus” –  que para os gregos é a pluralidade estrutural do mundo divino, a idéia universal – nunca é o causador dos sofrimentos de alguém.  Ali, Platão faz Sócrates afirmar: “Deus não é a causa de tudo, mas tão-somente do bem”. Estaria, então, equivocado o Verso 19? Não. O Verso não é fatalista. O “destino determinado pelos deuses” e que é lançado sobre o ser humano foi criado pelo próprio homem. Os “deuses”, as inteligências divinas em seu funcionamento coletivo, apenas ordenam e organizam, natural e espontaneamente, o carma ou destino que a própria humanidade cria para si. Por isso é errado rezar ou pedir favores a deuses ou seres divinos. A solução prática é agir bem e acertadamente, esperando que o bom carma amadureça para que os seus resultados possam ser colhidos. No entanto, as orações são úteis sempre que servem para que o nosso pensamento se erga acima das angústias. O pensamento positivo dá bons frutos, e embora as orações não tenham valor como pedidos, elas funcionam como mecanismos de elevação da consciência.

 

20. Mas esforça-te por aliviar a tua dor no que for possível,

 

21. E lembra que o destino não manda muitas desgraças aos bons.

 

O destino, como vimos,  é o carma, isto é, o encadeamento de ações e reações da vida. O carma, diz o verso 21, não manda muitas desgraças aos bons. Está correto. Porém, a vida é complexa, e é oportuno lembrar uma advertência de Helena Blavatsky, que escreveu o seguinte em 1883: “O chela” – isto é, o aprendiz da sabedoria eterna – “é levado a enfrentar não só todas as más propensões latentes em sua natureza, mas, por acréscimo, todo o conjunto de poder maléfico acumulado pela comunidade e nação a que ele pertence. Porque ele é uma parte integral daqueles agregados, e tudo o que afeta tanto o homem individual como o grupo (cidade ou nação) reage um sobre o outro. Nesta instância a luta pela bondade destoa do conjunto da maldade em seu meio ambiente, e atrai sua fúria sobre si.”

 

Esse parece ser o motivo pelo qual grande quantidade de seres que trabalharam pela regeneração humana foram severamente perseguidos, ou pelo menos incompreendidos, em seu tempo. Entre eles estão Sócrates, Pitágoras, Apolônio de Tiana, São Francisco de Assis, São João da Cruz,  Martim Lutero, Mahatma Gandhi, Alessandro Cagliostro  e a própria Helena Blavatsky. E foram milhares. A vida de Jesus, no Novo Testamento, simboliza e retrata esse mesmo processo. Porém, é central o  fato de que, sendo bons, eliminamos as fontes e a causa do nosso sofrimento. E isso ocorre mesmo que, a curto prazo, haja desafios e dificuldades. Não é por acaso que o caminho da libertação espiritual passa pelo desapego e pela indiferença à dor e ao prazer.

 

Esse verso também sugere que, se formos bons e altruístas, teremos uma quota de felicidade. Mas essa felicidade será predominantemente interior e não surgirá de uma vida externamente prazenteira ou indulgente.

 

22. O que as pessoas pensam e dizem varia muito; agora é algo bom, em seguida é algo mau.

 

23. Portanto, não aceites cegamente o que ouves, nem o rejeites de modo precipitado.

 

24. Mas, se forem ditas falsidades, retrocede suavemente e arma-te de paciência.

 

25. Cumpre fielmente, em todas as ocasiões, o que te digo agora:

 

26. Não deixes que ninguém, com palavras ou atos,

 

27. Te leve a fazer ou dizer  o que não é melhor para ti.

 

28. Pensa e delibera antes de agir, para que não cometas ações tolas,

 

Um raja iogue dos Himalaias escreveu, no século 19, em uma carta para sua discípula ocidental Laura C. Holloway: “Como você pode discernir o real do irreal, o verdadeiro do falso? Só através do autodesenvolvimento. Como conseguir isso? Primeiro, precavendo-se contra as causas do auto-engano. E isso você pode fazer dedicando-se, em determinada hora ou horas fixas, a cada dia, totalmente só, à autocontemplação, a escrever, a ler, a purificar suas motivações, a estudar e corrigir seus erros, ao planejamento do seu trabalho na vida externa. Essas horas deveriam ser reservadas como algo sagrado e ninguém, nem mesmo o seu amigo ou seus amigos mais íntimos, deveria estar com você naquele momento. Pouco a pouco sua visão ficará clara, você descobrirá que as névoas se dissipam (…).”

 

29. Porque é próprio de um homem miserável agir e falar de modo impensado.

 

A expressão “homem miserável” significa aqui “homem que sofre”, um ser que passa por misérias.

 

30. Mas faze aquilo que não te trará aflições mais tarde, e que não te causará arrependimento.

 

31. Não faças nada que sejas incapaz de entender,

 

32. Mas aprende tudo o que for necessário aprender, e desse modo terás uma vida feliz.

 

33. Não esqueças de modo algum a saúde do corpo,

 

Uma espiritualidade empobrecida e estreita,  baseada em crenças cegas e  cerimônias, acabou provocando na cultura ocidental um tradicional desprezo pelo corpo, como se só o espírito fosse bom e a “carne” fosse má. Esse grave erro tem levado à visão do caminho espiritual como algo distanciado da prática concreta. Para a sabedoria eterna, como para a filosofia clássica, o corpo é o templo habitado pelo espírito, e deve ser tratado com respeito e consideração. Matéria, energia e espírito são três aspectos da mesma Vida Una . Assim, o corpo é um instrumento prático para vivenciar e expressar o que é sagrado.

 

34. Mas dá a ele alimento com moderação, o exercício necessário e também repouso à tua mente.

 

Aqui parece ter havido uma contaminação do texto ao longo do tempo. Na versão disponível atribuída a Hierocles, lemos, literalmente: “Mas dá a ele bebida e carne na medida certa, e também o exercício que ele necessita”. Na verdade, sabe-se que as comunidades pitagóricas eram vegetarianas. Como a menção a consumo de carne está fora de contexto, opto, em parte, pela versão de Fabre d’Olivet, que diz, literalmente: “Dá, com moderação, alimento ao corpo, e à mente repouso”.

 

35. O que quero indicar com a palavra moderação é aquilo que não te provocará mal-estar.

 

Os extremos devem ser evitados. Essa é uma menção ao caminho do meio e ao avanço gradual a ser realizado pelo aprendiz, sem pressa e sem pausa.

 

36. Acostuma-te a uma vida decente e pura, sem luxúria.

 

37. Evita todas as coisas que causarão inveja.

 

Isso nem sempre é possível para o aprendiz.  Até mesmo a bondade e a sinceridade de alguém podem ser motivos de inveja – por exemplo, por parte daqueles que decidiram fazer ouvidos surdos à sua própria consciência. Aquele que optou pela astúcia pode sofrer agudamente  ao ver as ações corretas e as motivações puras de alguém que escuta a voz do coração. Um tal indivíduo poderá invejar e atacar o aprendiz da sabedoria, tentando legitimar e confirmar desse modo, para si mesmo e para os outros, a sua decisão de abandonar como algo “impossível” ou “utópico”, a prática da sinceridade. Veja, a propósito, o comentário ao Verso 21. Porém, a cautelosa recomendação do Verso 37 é fundamental. Servirá para reduzir em boa parte os sofrimentos no caminho do aprendizado.

 

38. E não cometas exageros no uso de bens materiais. Vive como alguém que sabe o que é honrado e decente.

 

39. Não ajas movido pela cobiça ou avareza. É excelente usar a justa medida em todas essas coisas.

 

40. Faze apenas as coisas que não podem ferir-te, e decide antes de fazê-las.

 

Os princípios da conduta pitagórica devem ser ponderados uma e outra vez, até que sejam absorvidos em cada um dos níveis de consciência e nas práticas da rotina diária do aprendiz. Os caminhantes espirituais gradualmente se transformam, eles mesmos,  na verdade universal que é tema do seu estudo e da sua contemplação. Por isso os Versos 38 a 40 reforçam duas  idéias fundamentais sugeridas antes: agir moderadamente e nunca atuar de modo impensado.  Segundo o Verso 40, devemos antecipar mentalmente as conseqüências das nossas ações e evitar aquilo que nos causará mais mal do que bem. Quase toda ação causa efeitos contraditórios, alguns agradáveis, outros desagradáveis. Há ações altruístas, por exemplo, que implicam um grau de sacrifício relativamente alto a curto ou a médio prazo. Mas o saldo das ações deve ser positivo a longo prazo. E a decisão a respeito delas deve ser soberana.

 

41. Ao deitares, nunca deixes que o sono se aproxime dos teus olhos cansados,

 

42. Enquanto não examinares com a tua consciência mais elevada todas as tuas ações do dia.

 

43. Pergunta: “Em que errei? Em que agi corretamente? Que dever deixei de cumprir?”

 

44. Recrimina-te pelos teus erros, alegra-te pelos acertos.

 

Cada dia da vida é a imagem em miniatura de uma vida inteira. Pela manhã cedo temos a vitalidade de uma criança, e à noite sentimos o cansaço de alguém que é muito velho. A revisão pitagórica nos permite avaliar o carma plantado e o carma colhido durante aquele dia. Desse modo podemos dormir mais completa e profundamente, e com a consciência em paz. O estudante da sabedoria esotérica fica, assim, livre para o aprendizado que ocorre durante o sono do seu corpo físico. Porque, como se sabe, certos sonhos podem ser fonte importante de ensinamento espiritual.

 

O hábito da auto-observação previne alguns erros e corrige outros. Essa prática também prepara a revisão do passado que irá ocorrer na fase final da velhice, e mesmo no último minuto da nossa vida física. Essas revisões finais do conjunto da existência servem, por sua vez, para antecipar e definir o rumo geral da vida após a morte, inclusive os seus dois principais estágios, que são o kama-loka (etapa de purificação) e o devachan (etapa divina).

 

De modo semelhante, em pequena escala, a revisão ao final de cada dia ajuda a definir o rumo e a qualidade de tudo o que irá ocorrer durante o sono e até o novo despertar. Graças à revisão pitagórica do final do dia, cada nova manhã traz consigo uma vida mais livre do perigo de repetir os erros do passado, e mais aberta para o potencial ilimitado de felicidade que cada ser humano tem sempre diante de si.

 

45. Pratica integralmente todas essas recomendações. Medita bem nelas. Tu deves amá-las de todo coração.

 

46. São elas que te colocarão no caminho da Virtude Divina,

 

O termo virtude – areté, em grego – não é algo a ser cultivado superficial ou artificialmente, como pode ocorrer no contexto de certas teologias cristãs. Areté, explica Platão, é aquela atividade própria e específica de uma determinada coisa ou pessoa. A virtude de uma bibicleta é o movimento, a virtude de um peixe é nadar, e a virtude de um médico é curar. Assim, também, a virtude divina da alma humana é uma característica e uma vocação essencial da parte superior e racional do indivíduo. Ela é o dharma, o Tao, aquilo que surge naturalmente de uma alma imortal livre de apegos externos.

 

47. Eu o juro por aquele que transmitiu às nossas almas o Quaternário Sagrado,

 

48. A fonte da Natureza, cuja evolução é eterna.

 

O Quaternário Sagrado é a Tétrade ou tetraktys (em grego), o quatro sagrado pelo qual juravam os pitagóricos. “Aquele que transmitiu o Quaternário” é o Mestre, cujo nome se evitava pronunciar em vão. Esse era o juramento mais inviolável dos pitagóricos. O quaternário sagrado simbolizava a unidade que se mostra em quatro aspectos no mundo visível, e também o eu imortal em sua ação concreta.

 

Um certo quaternário sagrado aparece também nos escritos esotéricos e reservados de H.P. Blavatsky. É verdade que, ao escrever sobre a constituição oculta do ser humano, ela ensinou publicamente sobre o quaternário inferior e mortal e a tríade imortal. Nesse seu primeiro esquema, o quaternário mortal é constituído de: 1)Sthula-sharira (corpo físico), 2) Prana (princípio vital), 3) Linga-sharira (modelo sutil ou arquétipo usado pela vitalidade, o que inclui a herança genética do indivíduo), e 4) Kama (o centro dos sentimentos animais). Já a tríade imortal é formada por 5) Manas (mente), 6) Buddhi (inteligência espiritual) e 7) Atma (o princípio supremo). Esse enfoque permite ao estudante uma primeira aproximação do tema.

 

Porém, escrevendo para seus alunos esotéricos em um texto que só foi publicado após sua morte, H.P. Blavatsky revelou um outro esquema setenário, traçado do ponto de vista da energia superior. Nele, há um quaternário sagrado e uma tríade inferior. Desse ponto de vista o quaternário é formado por 1) Ovo Áurico (aparece aqui a aura imortal), 2) Atma, 3) Buddhi  e 4) Manas; e há uma tríade inferior com 5) Kama, 6) Linga-sharira e 7) Prana. O corpo físico, Sthula-sharira, não aparece nesse segundo esquema.

 

A tétrade sagrada dos pitagóricos parece ter sido conhecida também pelos chineses. Geometricamente, a sua apresentação é  a seguinte:

   .

                            .      .

                         .      .     .

                      .     .       .     .

A primeira linha da figura representa a unidade e o divino. A segunda linha, a dualidade e a materialidade. A terceira linha significa a tríade, o eu imortal em evolução, que reúne em si a unidade e a dualidade. E a quarta linha simboliza a tétrade ou perfeição, que expressa a vacuidade e a plenitude. Presente na figura está também a década, ou dez, a soma total dos pontos, que simboliza o cosmo.

Desse modo, o quaternário sagrado pelo qual juravam os pitagóricos significa: 1) o conjunto dinâmico e cíclico da unidade divina; 2) o processo da manifestação do mundo divino na matéria;  e 3) o cosmo que tudo contém.

 

49. Nunca comeces uma tarefa antes de pedir a bênção e a ajuda dos Deuses.

 

Essa prática é recomendada em diferentes tradições religiosas orientais e ocidentais. Na França do século 17, por exemplo, o irmão Lawrence, usando a técnica da presença divina, orava, ao começar cada tarefa: “Oh, ser divino, já que você está comigo, e que para cumprir meu dever devo agora concentrar minha mente em uma tarefa concreta, peço-lhe a graça de continuar em Sua Presença. E peço que, para isso, Você lance sobre mim a bênção da Sua ajuda, receba os frutos do meu trabalho, e seja o proprietário de todas as minhas afeições.”

 

50. Quando fizeres de tudo isso um hábito,

 

51. Conhecerás a natureza dos deuses imortais e dos homens,

 

52. Verás até que ponto vai a diversidade entre os seres, e também aquilo que os reúne em si e os coloca em unidade uns com os outros.

 

53. Verás então, de acordo com a Justiça, que a substância do Universo é a mesma em todas as coisas.

 

“De acordo com a Justiça”, isto é, “na medida dos teus méritos”. A palavra justiça, neste caso, significa a lei do carma. A vida recebe de cada um conforme a sua possibilidade, e dá a cada um conforme os seus méritos. A cada ação corresponde uma reação igual, no sentido inverso: “quem planta, colhe”. O fato de que a substância do Universo é a mesma em todas as partes, mencionado no Verso 53, também expressa a Lei da Justiça e do Equilíbrio Universal. O filósofo pitagórico Thomas Stanley escreveu em sua obra sobre a vida e os ensinamentos de Pitágoras que há uma amizade universal unindo todos os seres e todas as coisas. E um Mestre de Sabedoria escreveu em uma das suas Cartas: “A Natureza uniu todas as partes do seu Império por meio de fios sutis de simpatia magnética, e há uma relação mútua até mesmo entre uma estrela e o homem”

 

54. Desse modo não desejarás o que não deves desejar, e nada nesse mundo será desconhecido de ti.

 

A felicidade não consiste em ter o que se deseja, mas em não desejar o que não é adequado. Os desejos pessoais distorcem a realidade  e mantêm o ser humano na ignorância. Uma das definições de nirvana, o estado de êxtase e de libertação espiritual, é “ausência total de desejos”. Essa é a porta que leva à lucidez ilimitada do sábio, através da qual ele se conecta com a força do cosmo.

 

55. Perceberás também que os homens lançam sobre si mesmos suas próprias desgraças, voluntariamente e por sua livre escolha.

 

56. Como são infelizes! Não vêem, nem compreendem que o bem deles está a seu lado.

 

57. Poucos sabem como libertar-se dos seus sofrimentos.

 

58. Esse é o peso do destino que cega a humanidade.

 

O peso do destino é o aspecto negativo do carma humano; a carga acumulada de erros cometidos pela humanidade. O chamado carma positivo, ao contrário, é o peso da carga acumulada dos acertos humanos. Os santos e sábios defendem a humanidade das conseqüências mais graves dos seus próprios erros – como se ela fosse uma criança – ao mesmo tempo que orientam sua evolução. E poucos poderiam duvidar de que a humanidade está em uma etapa relativamente infantil do seu desenvolvimento espiritual.

 

59. Como grandes cilindros, os seres humanos rolam para lá e para cá, sempre oprimidos por sofrimentos intermináveis,

 

60. Porque são acompanhados por uma companheira sombria, a desunião fatal entre eles, que os lança para cima e para baixo sem que percebam.

 

Um ensinamento básico e central da tradição esotérica é o da unidade e da fraternidade universal de todos seres.

 

A propósito dos versos 59 e 60, Fabre d’Olivet contribui com a seguinte imagem: “indefesos e  arrastados pelas paixões, lançados  para lá e para cá por ondas adversas em um oceano sem praias, eles rolam sem nada ver, incapazes de resistir ou de ceder à tempestade”.

 

61. Trata, discretamente, de nunca despertar desarmonia, mas foge dela!

 

Uma formulação mais estritamente literal deste Verso, na versão de Hierocles, seria: “Ao invés de provocar e estimular a desunião, eles deveriam evitá-la cedendo espaço.”

 

Mas é oportuno destacar que há  pelo menos dois tipos de união ou harmonia. Existe uma harmonia aparente, mantida como fachada para evitar e reprimir a liberdade e a independência natural dos seres; e há outra harmonia interior, de coração, que é capaz de identificar, respeitar e preservar as diferenças naturais entre os seres. Essa verdadeira harmonia não é sinônimo de uniformidade externa, mas nasce de uma relação criativa e positiva entre seres e possibilidades diferentes.

 

62. Oh, Grande Zeus,  pai dos homens, você os livraria de todos os males que os oprimem, se você mostrasse a cada um o Espírito que é seu guia.

 

O Espírito que guia cada ser humano é o seu próprio eu imortal, também chamado de mônada, Atma, ou Atma-Buddhi.

 

63. Porém, tu não deves ter medo, porque os homens pertencem a uma raça divina,

 

De fato, tanto a origem como o destino da nossa humanidade são divinos. Luz no Caminho, um clássico da literatura esotérica, afirma: “A alma humana é imortal e seu futuro é o futuro de algo cujo crescimento e esplendor não têm limites”.

 

64. E a natureza sagrada revelará a eles os mistérios mais ocultos.

 

65. Se ela comunicar a ti os seus segredos, colocarás em prática, com facilidade, todas as coisas que te recomendo.

 

Quando a disciplina espiritual nos parece difícil, isso ocorre porque ainda não compreendemos bem a realidade da vida. A verdade é que a ausência de disciplina traz dificuldades muito maiores.

 

66. E ao curar a tua alma a libertarás de todos esses males e sofrimentos.

 

67. Mas evita as comidas pouco recomendáveis para a purificação.

 

68. E a libertação da alma; usa um claro discernimento em relação a elas, e examina bem todas as coisas,

 

69. Buscando sempre guiar-te pela compreensão divina que tudo deveria orientar.

 

70. Assim, quando abandonares teu corpo físico e te elevares no mais puro éter,

 

O éter é um dos níveis inferiores do Akasha, a substância primordial ou Luz Astral. E a recíproca é verdadeira: “O akasha (palavra sânscrita) é a síntese do éter, é o éter superior”, diz Helena Blavatsky. No contexto específico do Verso 70, éter significa o mundo da luz astral, as condições da vida após a morte, que são determinadas pelo carma produzido em vida.

 

71. Serás divino, imortal, incorruptível, e a morte não terá mais poder sobre ti.

 

Este Verso final simboliza não só o momento em que se alcança a sabedoria em termos gerais, mas também a conquista da libertação espiritual, o adeptado – a condição de um Mahatma, um Buda, um Arhat, um Rishi ou Imortal. Nesse estágio a alma conhece o Nirvana e não tem mais necessidade de renascer

Pitágoras e a Música

Nenhum músico teve tanta importância no período clássico quanto Pitágoras. Conforme conta a lenda, Pitágoras foi guiado pelos deuses na descoberta das razões matemáticas por trás dos sons depois de observar o comprimento dos martelos dos ferreiros. A ele é creditada a descoberta do intervalo de uma oitava como sendo referente a uma relação de frequência de 2:1, uma quinta em 3:2, uma quarta em 4:3, e um tom em 9:8. Os seguidores de Pitágoras aplicaram estas razões ao comprimento de fios de corda em um instrumento chamado cânon, ou monocorda, e, portanto, foram capazes de determinar matematicamente a entonação de todo um sistema musical. Os pitagóricos viam estas razões como governando todo o Cosmos assim como o som, e Platão descreve na sua obra, Timeu, a alma do mundo como estando estruturada de acordo com estas mesmas razões. Para os pitagóricos, assim como para platão, a música tornou-se uma natural extensão da matemática, bem como uma arte. A matemática e as descobertas musicais de Pitágoras foram, desta forma, uma crucial influência no desenvolvimento da música através da idade média na Europa.

Teorema de Pitágoras:

Talvez a obra mais famosa de Pitágoras seja seu teorema, relacionando os lados de um triângulo retângulos.

” Num triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos.”

Os catetos são os lados que formam o ângulo reto e a hipotenusa é o lado maior do triângulo. Na figura seguinte, a e b são os catetos e h é a hipotenusa. Assim, podemos escrever a seguinte expressão:

 

Repara que com as partes coloridas dos quadrados construídos sobre os catetos (fig.1) é possível preencher totalmente o quadrado construído sobre a hipotenusa (fig.2), isto é, a área do quadrado da hipotenusa é igual à soma das áreas dos quadrados do catetos.

 

 

Um modo popular de enunciar o teorema de Pitágoras é o seguinte: A caminho de Siracusa disse Pitágoras aos seus netos, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos.

 

Os números Irracionais

Para os Pitagóricos, tudo era número, os números eram a essência das coisas. Como eles apenas conheciam os números racionais (naturais e fracções de naturais) foi com grande surpresa e choque que descobriraram que havia segmentos de recta cuja medida não pode ser expressa por um número racional. Essa descoberta é atribuida a um aluno de Pitágoras que tentava descobrir a medida da diagonal de um quadrado de lado 1.

 

Perante o problema de haver algo que não podia ser expresso pelos números que eles conheciam, os Pitagóricos ocultaram essa descoberta de modo a não macular a “perfeição” dos números.

 

 

 

A personalidade de Hitler

Os primeiros anos

O pai de Hitler (cujo nome original, até o ter alterado já no final da vida, era Schicklgruber) era um funcionário menor de alfândega ao serviço da Áustria. Hitler foi o único filho da sua terceira mulher. O pai de Hitler faleceu quando ele tinha 14 anos, não deixando quaisquer recursos que lhe permitissem continuar a estudar. Foi para Viena com a sua mãe, na esperança de poder vir a ser arquiteto, mas vendo-se forçado a trabalhar para ganhar a vida como assistente de pintor e efetuado pequenas vendas. Depois de passar alguns anos em Viena, decidiu instalar-se em Munique (1912). Estes anos de penúria foram fundamentais na formação tanto da sua filosofia de vida quanto da sua personalidade; aliás, foi provavelmente nessa altura que pela primeira vez assimilou as teorias anti-semitas e pan-germânicas típicas dos nacionalistas extremistas da época.

Hitler teve pouco rendimento na escola e não recebeu o certificado, interrompendo os estudos aos 16 anos, em 1905. Por dois anos viveu ocioso em Linz. Após a morte da mãe, Klara Hitler, em 1908, ainda vivia de pequeno rendimento, com o qual se manteve em Viena. Desejava ser estudante de arte, mas falhou duas vezes que tentou entra para a Academia de Artes. Por alguns anos viveu só e isolado, conseguindo uma pequena renda com a pintura de cartões postais e anúncios, e vagando de um abrigo municipal para outro.

Em 1913 Hitler mudou para Munique. Foi chamado temporariamente à Áustria para ser examinado para o exército (1914) e foi rejeitado como inapto, mas quando começou a guerra de 1914, apresentou-se como voluntário do exército alemão. Serviu durante a guerra, foi ferido em 1916 e envenenado por gás dois anos depois. Por bravura em ação foi duas vezes condecorado com a cruz de ferro, uma condecoração rara para um cabo. Com alta do hospital após a derrota alemã, ficou alistado no seu regimento e designado como agente político, juntou-se ao pequeno Partido dos Trabalhadores Alemães em Munique (fundado por Drexler, Feder e Eckart em 1919). O partido era pequeno, comprometido com um programa de princípios socialistas, de liderança dividida, e tinha apenas 53 membros quando Hitler juntou-se a ele.

De trato difícil, Hitler não foi logo bem aceito. Porém, conscientes de que o futuro do partido dependia do seu poder de organizar a publicidade para conseguir fundos, os dirigentes deram-lhe a presidência com poderes ilimitados em julho de 1921. Desde logo ele decidiu criar um movimento de massas.

Munique havia se tornado o lugar de encontro de antigos e insatisfeitos soldados do exercito alemão, relutantes de retornar a vida civil, e por agitadores políticos empenhados no tradicional separatismo ou em protestos contra o governo republicado de Berlim. Visando esse público, Hitler engajou-se em uma incansável propaganda através do jornal do partido o Volkischer Beobachter (“Observador popular”) e por meio de uma sucessão de comícios desenvolveu seu talento único para magnetizar e liderar massas, rapidamente crescendo de uma audiência de uns poucos interessados para milhares de seguidores.

Uma figura importante era Ernest Röhm que, além de membro do novo Partido, fazia parte do comando distrital do exercito, e era responsável por garantir a proteção do governo da Baviera, o qual, porque dependia do exército local para a manutenção da ordem, tacitamente aceitava suas violações da lei e sua política de intimidação. Röhm foi de grande ajuda. Foi ele quem recrutou as esquadras, o chamado “braço forte”, utilizadas por Hitler para proteger os comícios do partido, atacar os socialistas e os comunistas. Em 1921 estas foram formalmente organizadas sob as ordens de Röhm em um exército privado do partido, o SA (Surmabteilung).

Hitler reuniu ao seu lado vários dos lideres nazistas que mais tarde seriam julgados ou acusados de crimes de guerra: Alfred Rosenberg, Rudolf Hess, Hermann Göring, e Julius Streicher.

O clímax desse rápido crescimento do partido nazista na Bavária veio com a tentativa de golpe para tomada do poder, o atentado de Munique (Hall da Cerveja) em novembro de 1923, quando Hitler e o general Erich Luderndorff tentaram forçar o comando do exército a proclamar uma revolução nacional. Quando levado a julgamento Hitler tirou vantagem da imensa publicidade que o acontecimento lhe deu. Ele também tirou uma lição do golpe – que o movimento precisava chegar ao poder por meios legais. Foi sentenciado a prisão por cinco anos, mas ficou preso somente nove meses, e isto com suficiente conforto para preparar o primeiro volume do seu Mein Kampf.

Ele considerava a desigualdade entre as raças e os indivíduos como parte de uma imutável ordem natural e exaltava a raça ariana como o único elemento criativo da humanidade.

Toda moralidade e verdade era julgada por este critério: se era de acordo com o interesse e preservação do povo. A unidade do povo encontrava sua encarnação no Führer, dotado de autoridade absoluta. Abaixo do Führer o Partido formado dos melhores elementos do povo e também seu guardião. O maior inimigo do Nazismo era o rival Marxismo. Além do Marxismo ele via o maior inimigo de todos, os Judeus, que era para Hitler a própria incarnação do mal.

A Alemanha não poderia encontrar seu destino sem o Lebensraum (“espaço vital”), terras para abrir e alimentar a crescente população alemã. O espaço vital deveria ser encontrado na Ucrânia e nas terras do leste Europeu, terras a serem tomadas ao povo eslavo, que ele classifica de untermenschen (subumanos), e diz ser governado por uma conspiração judeu-comunista com sede em Moscou.

Hitler percebia mais rapidamente que qualquer um como podia tirar vantagem de uma situação. Após sua saída da prisão suas rendas derivavam ao azar do provimento pelos fundos do partido e de escrever em jornais nacionalistas. A crise de 1929 abriu um período de instabilidade econômica e política. Hitler pode pela primeira vez alcançar uma audiência nacional quando teve a ajuda das organizações e jornais do partido Nacionalista, associado aos nazistas. Recebia doações dos industriais, ansiosos por usá-lo para estabelecer uma forte ala direita, anti-trabalhista, recursos que colocaram o partido em base financeira sólida, permitindo que ele fizesse seu apelo emocional para a classe média baixa e os desempregados, baseada na proclamação de sua fé de que a Alemanha acordaria de seus sofrimentos para retomar sua grandeza natural.

Colocado em posição forte pelo grande apoio popular, em novembro de 1932 Hitler propalou, por todos os artifícios de sedução de massas e com a habilidade de um ator, que a chancelaria era o único cargo que aceitaria, e isto por meio constitucional, não revolucionário. Em janeiro de 1933 o presidente Hindenburg, do partido nacionalista, convidou-o para primeiro ministro da Alemanha e ele assumiu o cargo.

Ele era indiferente a roupas e comida, nunca fumando ou bebendo chá, ou álcool, porém não tinha inclinação pelo trabalho regular. Ele continuou, mesmo mais tarde, como Führer, a rebelar-se contra a rotina, uma característica que ele atribuía ao seu temperamento artístico. Sua meia irmã Ângela Raubal e suas duas filhas passaram a viver com ele. Hitler apaixonou-se por uma das sobrinhas, Geli, mas mostrou-se tão obsessivamente ciumento que isto levou a moça ao suicídio em 1931. Hitler ficou inconsolável. Depois interessou-se por Eva Braum, que se tornou sua amante. Ele raramente permitia que ela aparecesse em público e disse não casar-se porque prejudicaria sua carreira.

Uma vez no poder, Hitler tratou de estabelecer uma ditadura absoluta. O incêndio no palácio (Reichstag), uma noite de 1933, aparentemente provocado por um comunista holandês, Marius van der Lubbe, deu-lhe a desculpa para um decreto suspendendo todas as garantias de liberdade e para uma intensificada campanha de violência. Ele nunca pensou em desapropriar os líderes da indústria alemã, uma vez que servissem os interesses do estado nazista. Nestas condições, o partido chegou a uma votação expressiva nas eleições daquele ano.

O velho amigo Ernst Röhm, como cabeça da SA, era visto com grande desconfiança pelo exército. Göring e Heinrich Himler estavam ansiosos por remover Röhm, mas Hitler hesitava. Finalmente, em 1934, ele chegou a uma decisão e Röhm e outros foram executados sem julgamento. Satisfeitos por verem a SA aniquilada, os chefes militares apoiaram as ações de Hitler. Quando o presidente Paul von Hindenburg morreu eles consentiram na fusão do cargo de primeiro ministro ou chanceler com o da presidência da república o que colocava todos os poderes nas mãos de Hitler, inclusive o comando das forças armadas. Os militares, oficiais e soldados, passaram a fazer juramento pessoalmente a Hitler. No plebiscito Hitler teve 90 por cento de apoio. Por desinteresse em assuntos de rotina e por interessar-se mais pelos grandes lances de política que havia delineado no seu livro Mein Kampf, Hitler deixou a administração inteiramente aos cuidados de seus subalternos, que agiam arbitrariamente em todas as questões internas de sua esfera de mando. A reunião em um único país de todas as regiões onde viviam alemães era sua principal diretriz de conquista.

Antes que suas planejadas campanhas se tornassem possíveis, era necessário remover as restrições que o Tratado de Versalhes impunha à Alemanha. Hitler usou toda a arte da propaganda para que a Europa o visse como o campeão contra o odiado comunismo soviético e insistiu que ele era um homem de paz que apenas desejava remover as injustiças do Tratado de Versalhes. Retirou a Alemanha da Liga das Nações no mesmo ano de sua confirmação como Führer, ao final de 1933, despertando um novo ânimo nos alemães, que impulsionaria o desenvolvimento do país nos cinco anos seguintes.

A aliança com a Itália, já prevista no Mein Kampf, rapidamente tornou-se realidade como resultado do ressentimento dos italianos contra a Inglaterra e a França pela oposição feita à ocupação italiana da Etiópia. Em outubro de 1936 estava formado o “eixo” Roma-Berlim e pouco depois o pacto contra a Rússia assinado com o Japão, e um ano mais tarde esses dois pactos referendados em um pacto único, o Eixo Tóquio-Roma-Berlim.

Em novembro de 1937 Hitler delineou seus planos de conquista em um encontro secreto com seus líderes militares, a começar pela Áustria e a Checoslováquia. Três anos antes, em meados de 1934, ele havia estimulado uma revolta entre os nazistas da Áustria, que reivindicavam a anexação à Alemanha. Com o apoio da embaixada alemã, organizaram um golpe e assassinaram o chanceler Engelbert Dollfuss. Porém Mussolini, o ditador italiano, havia mobilizado tropas para intervir contra o golpe, que fracassou. Hitler voltou à carga no início de 1938, assegurando-se primeiro do apoio da Itália. Quando o chanceler Kurt von Schuschnigg decidiu efetuar um plebiscito sobre a reclamada anexação, Hitler imediatamente ordenou a invasão da Áustria pelas tropas alemãs. Entrou gloriosamente em Viena, e proclamou então uma gratidão imorredoura a Mussolini por este não haver, desta vez, interferido.

Seguiu-se a anexação da Checoslováquia, onde o nazismo também tinha seus adeptos e agitadores entre a minoria alemã. A questão pareceu solucionada com a interferência da França e Inglaterra, e do amigo Mussolini, que propuseram a integração à Alemanha da parte do país cujos habitantes eram de origem alemã.

Com esta solução, Hitler adiou apenas temporariamente seu plano de anexação, apenas até a desordem popular estimulada pelos nazistas lhe fornecer motivo para invadir o país proclamando sua anexação em março de 1939. Imediatamente após, suas ameaças fizeram que o governo Lituano cedessem parte de seu território na fronteira com a Prússia Oriental, um enclave alemão no norte da Polônia.

A resistência. Concluídas as anexações, Hitler procedeu às conquistas necessárias a criar o “espaço vital” que desejava para a Alemanha. Seu primeiro objetivo era a Polônia. Assegurou-se do apoio italiano, que inclusive lhe forneceria tropas, com um novo acordo em maio de 1939, e celebrou em agosto outro pacto de conveniência, com a Rússia, para que esta não interferisse no seu projeto. A invasão da Polônia foi efetuada antes do inverno daquele ano.

Isto precipitou uma reação que Hitler não desejava para tão cedo: a Inglaterra e a França declararam guerra à Alemanha. Obrigado a voltar sua atenção imediatamente para o oeste europeu, tentou negociar a paz com os novos inimigos, sem resultado. Iniciou então sua ofensiva contra a França e a Inglaterra indiretamente, invadindo primeiro a Dinamarca e a Noruega, em abril de 1940, países antes não envolvidos e apanhados de surpresa pelas forças alemãs. Pelo norte apanhou de surpresa também a França, cujas linhas de defesa fortificadas no leste ficaram sem efeito. Entusiasmado, Mussoline também entrou na guerra em apoio aos alemães.

A resistência a Hitler na França foi comandada por De Gaulle, de Londres. Inicialmente, para resistir ao ataque alemão iniciado em maio de 1940, o presidente da França, Paul Reynaud, apelou para um herói francês da primeira guerra mundial, o marechal Petain, que foi nomeado primeiro ministro. O marechal concluiu porém que o exército francês não tinha chances contra a moderna máquina de guerra alemã, e pediu o armistício.

Hitler assinou um armistício com a França vingando as arrogantes exigências dos franceses colocadas no tratado de Versalhes, na capitulação da Alemanha em 1918.

Como preço pelo armistício, Hitler exigiu o pagamento em matérias primas e alimentos para o esforço de guerra alemão. O Armistício incluía uma cláusula de trabalhos forçados dos jovens franceses nas fábricas alemãs, o que levou a juventude francesa a refugiar-se nos campos. Alguns deles se arriscaram e vários perderam a vida como heróis da resistência ao invasor, principalmente em atos de sabotagem contra o transporte de trabalhadores franceses e produtos para a Alemanha. O General Charles De Gaulle fugiu para a Inglaterra, de onde exortou os compatriotas a resistirem aos nazistas. De Gaulle voltaria, após a guerra, para governar a França.

Petain instalou seu governo em Vichy, na parte sul que restou à autonomia francesa, abaixo de uma linha imaginária entre a fronteira com a Suíça, na altura de Genebra, a um ponto a 19 km a leste de Tours e dali para sudoeste até a fronteira com a Espanha, seguindo por 48 quilômetros até o a costa mediterrânea..

Auge do conflito. No verão de 1940 Hitler iniciou uma preparação a longo prazo para a invasão da Rússia. mas alguns contratempos para esse projeto surgiram. Primeiro, Mussolini, sem saber das intenções de Hitler, adiantou-se na captura da Grécia. Como resultado desta e de outras aventuras, precisou do socorro dos alemães tanto nos Balcãs, como também no Norte da África. Outro imprevisto foi o golpe de Estado na Iugoslávia em março de 1941, depondo um governo que havia feito um tratado com os alemães. Considerando isto um insulto à Alemanha e a ele próprio, Hitler ordenou imediatamente a invasão da Iugoslávia. Tudo isto representou um desfalque no seu ataque contra a Rússia, que lançou em junho do mesmo ano. Apesar de tudo, estava tão confiado no sucesso que não providenciou roupas de inverno para as tropas, prometendo aos soldados que estariam de volta ao lar antes do inverno. A campanha porém, não teve o mesmo êxito de todas as invasões anteriores, prolongando-se até o inverno para o qual as forças alemãs não estavam nem um pouco preparadas. No auge do frio, em dezembro do mesmo ano, os russos, apesar de inferiores em armamento e técnica de combate, começaram a contra atacar com êxito. Ao mesmo tempo, ocorreu o até hoje incompreensível ataque Japonês a Pearl Harbor. Sem querer por em risco o tratado que tinha com o Japão e que era uma esperança de conduzir os russos a lutar no leste e no oeste, Hitler declarou prontamente guerra aos Estados Unidos, ao lado do Japão. Acreditando piamente na superioridade racial germânica, Hitler não levou em conta a força que uma mobilização total dos Estados Unidos poderia significar, mesmo pressionado em duas frentes pelo Eixo, pela ameaça que vinha tanto pelo Atlântico, da Europa nazificada, quanto pelo Pacífico, do leste fanatizado. As batalhas se multiplicaram em várias frentes na Europa, no Atlântico, na África, na Ásia e no Pacífico.

Apesar de ocupado com uma conflagração mundial, Hitler estava confiado em que imporia uma nova ordem mundial e Himmler foi encarregado de preparar a nova Europa. Os campos de concentração foram ampliados e a eles acrescentados campos de extermínio como os de Auschwitz e Mauthausen, assim como criadas unidades móveis de extermínio. Os judeus da Alemanha e dos países ocupados foram aprisionados e executados, fuzilados ou mortos em câmaras de gás.

A conta geralmente apresentada é de 5 a 6 milhões de pessoas sacrificadas, no que Hitler chamou de solução final para o problema judeu. Milhares morreram também em experiências médicas alucinadas, e nas execuções indiscriminadas de reféns, de adversários políticos e de membros da resistência nos países ocupados. A propaganda utilizava o rádio e o cinema. A atriz sueca Kristina Süderbaum tornou-se uma estrela dos filmes de propaganda do partido; sua figura nórdica loura encarnou a ideologia racial Nazista. Casada com Veit Harlan, um dos principais diretores de filme da era nazista, Süderbaum estrelou em vários de seus trabalhos, incluindo o profundamente anti-semítico Jud Süss, de 1940.

Declínio do poder. Ao final de 1942 as derrotas na África – em el-Alemein – e na Rússia – em Stalingrado – e mais o bombardeio dos aliados, Inglaterra e Estados Unidos, sobre o território da própria Alemanha, indicavam uma reviravolta na guerra desfavorável aos nazistas. Hitler porém recusava-se a visitar as cidades bombardeadas e a ler ou acreditar nos relatórios de seus generais. Quando Mussolini foi preso, tentou uma operação para resgatá-lo, e enviou tropas para ocupar as posições das tropas italianas que haviam se rendido. Continuou a resistir ao avanço russo às custas de grandes perdas para o exército alemão, tanto em número de mortos quanto em unidades aprisionadas. A batalha naval também perdeu fôlego, na medida que o inimigo aprendeu a combater com êxito e destruir os submarinos alemães.

Apesar de escapar a vários atentados contra a sua vida, o mais perigoso dos quais por explosão de uma bomba colocada sob a sua mesa de reunião com seus generais no quartel de comando na Prússia Oriental (parte da atual Polônia), Hitler não esmoreceu. Em lugar de tentar uma paz que permitiria salvar ainda boa parte da Alemanha, retirou-se para uma fortaleza subterrânea em Berlim, cidade que pretendia defender com os últimos recursos de seu exército, ao qual negou permissão para que se rendesse.

Quando as tropas soviéticas entraram na Capital a luta nas ruas e os bombardeios aéreos reduziram a cidade a ruínas.

Só então Hitler entendeu que era o fim e tomou duas providências: casar-se oficialmente com Eva Braum e ditar o seu testamento aos seus auxiliares.

Em seu testamento político conclamou o povo a continuar a luta contra os judeus e apontou Karl Dönitz como chefe do estado e Josef Goebbels como primeiro ministro.

Recolheu-se com a mulher aos seus aposentos e esta tomou veneno, e ele ou tomou veneno ou atirou em si mesmo. Seus corpos foram em seguida incinerados.

Na França, após a libertação de Paris pelas tropas aliadas, De Gaule declarou nulo o governo de Vichy. O marechal Petain, que fora levado pelos alemães para um abrigo na Alemanha, retornou à França voluntariamente para ser julgado; faleceu na prisão em 1951, aos 95 anos de idade. Na Itália, libertada pelas tropas americanas junto às quais um contingente brasileiro teve presença marcante, Mussoline foi executado. O Japão assinou a rendição após os ataques atômicos realizados pelos americanos contra Hiroshima e Nagasaki, em 1945

NAZISMO

Comunismo, Nazismo, Fascismo, Integralismo e Positivismo são ideologias semelhantes quanto a pedirem um Estado forte, terem uma receita racional ou científica para o desenvolvimento, dependerem ou esperarem por uma guerra ou revolução para domínio mundial, e terem origem em minorias fanáticas extremamente ativas. Essas ideologias (pessoalmente e para meu uso, eu defino “ideologia” como uma tese sociopolítica em adequação a um conceito peculiar de natureza humana), na ordem em que estão citadas, decrescem em sua virulência, embora, sob objetos diferentes, a agressividade do comunismo e do nazismo se eqüivalham.

Um movimento forte pede outro igualmente forte ou que lhe seja superior, para que seja contido; resulta que ditaduras podem nascer como antíteses umas às outras. O nazismo surgiu em oposição ao comunismo e a ditadura de Vargas, no Brasil, e também o governo militar na década de sessenta e setenta surgiram em oposição aos progressivamente fortalecidos integralismo e comunismo.

O comunismo difere das outras ideologias citadas porque pressupõe uma terra arrasada sobre a qual edificará um novo regime e um novo Estado, enquanto as que a ele se opõem, ao contrário e obviamente, adotam valores como tradição, família, propriedade e, no caso do nazismo, a raça.

Quanto ao mais, todas têm em comum alguns aspectos principais como:

1. Um corpo oficial de doutrinas que abarca todos os aspectos da vida individual e social na pretensão de criar um estágio final e perfeito da humanidade; bem como na conquista do mundo tendo em vista uma sociedade nova.

2. Um partido político conduzido por um líder autoritário, que supostamente reúne a elite social e os intelectuais (jornalistas, escritores, cineastas, compositores musicais), os quais sistematizam em planos a ação política e se encarregam da formulação e divulgação do apelo passional ideológico.

3. Um sistema repressivo secreto baseado no terror, montado para identificar e eliminar indivíduos e movimentos dissidentes.

4. Envolvimento político das forças armadas mediante infiltração de agentes, doutrinação do partido, concessão de privilégios e centralização absoluta do comando. Monopólio quase total de todos os instrumentos de luta armada.

5. Controle de todas as formas de expressão e comunicação, desde as artísticas e públicas até os simples contatos particulares interpessoais.

6. Controle centralizado do trabalho e da produção pela politização das entidades corporativas; planejamento rigidamente centralizado da economia através de planos de produção e destinação de bens.

Origem e características do nazismo

A ameaça de internacionalização do comunismo após a revolução russa de 1917 foi responsável pelo surgimento de governos fortes, ditatoriais ou não, em praticamente todos os países mais adiantados. Enquanto em alguns ocorreu apenas um endurecimento quanto a grupos ativistas socialistas, em outros instalaram-se ditaduras cujas ideologias ou se opunham frontalmente às propostas comunistas, ou buscavam neutralizá-las com medidas de segurança nacional no bojo de um projeto político com forte apelo às massas (o fascismo de Mussolini, o justicialismo de Peron, o sindicalismo de Vargas). O nazismo foi uma proposta de oposição frontal.

O Nacional Socialismo, em alemão Nationalsozialismus, ou Nazismus, foi um movimento totalitário triunfante na Alemanha, em muitos aspectos parecido com o Fascismo italiano, porém mais extremado tanto como ideologia quanto na ação política.

Filosoficamente foi um movimento dentro da tradição de romantismo político, hostil ao racionalismo e aos princípios humanistas que fundamentam a democracia.

Com ênfase no instinto e no passado histórico, afirmava a desigualdade dos homens e das raças, os direitos de indivíduos excepcionais acima das normas e das leis universais, o direito dos fortes governarem os fracos, invocando as leis da natureza e da ciência que pareciam operar independentemente de todos os conceitos do bem e do mal. Demandava a obediência cega e incondicional dos subordinados aos seus líderes. Apesar de ter sido um movimento profundamente revolucionário, buscou conciliar a ideologia nacionalista conservadora com sua doutrina social radical.

O partido nasceu na Alemanha em 1919 e foi liderado por Adolf Hitler a partir de 1920. Seu principal objetivo era unir o povo de ascendência alemã à sua pátria histórica, mediante sublevações sob a fachada falsa de “autodeterminação”. Uma vez reunida, a raça alemã superior, ou Herrenvolk, governaria os povos subjugados, com eficiência e a dureza requerida conforme seu grau de civilização.

Figuras intelectuais como o conde de Gobineau, o compositor Richard Wagner, e o escritor Houston Stewart Chamberlain influenciaram profundamente a formulação das bases do Nacional Socialismo com seus postulados de superioridade racial e cultural dos povos “Nórdicos” (Germânicos) sobre todas as outras raças Européias.

Os judeus deviam ser discriminados não por sua religião mas pela “raça”. O Nacional Socialismo declarou os judeus, não importava sua educação ou desenvolvimento social, fundamentalmente diferentes e para sempre inimigos do povo alemão.

Propaganda

As dificuldades econômicas da Alemanha e o a ameaça do comunismo que a classe média e os industriais temiam, foi o que os líderes do partido tiveram em mente na fase de sua implantação e de sua luta por um lugar no cenário político alemão. Para explorar esses fatores Adolf Hitler, o primeiro lider expressivo do nazismo (em 1926 ele suplantou Gregor Strasser, que havia criado um movimento nazista rival no norte da Alemanha) juntou a fé na missão da raça alemã aos mandamentos de um catecismo revolucionário em seu livro Mein Kampf (1925-27), o evangelho da nova ideologia. No livro Hitler enfatiza quais deveriam ser os objetivos práticos do partido e delineia as diretrizes para sua propaganda. Ele salienta a importância da propaganda adequar-se ao nível intelectual dos indivíduos menos inteligentes da massa que pretende atingir, e que ela é deve ser avaliada não pelo seu grau de verdade mas pelo sucesso em convencer. Os veículos da propaganda seriam os mais diversos, incluindo todos os meios de informação, eventos culturais, grupos uniformizados, insígnia do partido, tudo que pudesse criar uma áurea de poder. Hitler escolheu a cruz suástica como emblema do nazismo, acreditam alguns de seus biógrafos que devido ao fato de ter visto esse símbolo talhado nos quatro cantos da abadia dos beneditinos em Lambach-am-Traum, na Áustria superior, onde ele havia estudado quando criança.

Repressão

Simultaneamente com a propaganda, o partido desenvolveu instrumentos de repressão e controle dos oponentes. Na fase vitoriosa do partido, esses instrumentos foram o comando centralizado de todas as forças policiais e militares, a polícia secreta e os campos de concentração. Todos os oponentes ao regime eram declarados inimigos do povo e do Estado. Membros da família e amigos deviam ajudar na espionagem para não serem punidos como cúmplices, o que espalhou um temor geral e coibia qualquer crítica ao regime ou aos membros do governo. Por intimidação, a Justiça tornou-se completamente subordinada aos interesses do partido sob a alegação de que aqueles eram interesses do povo.

Brutalidade

Um espírito de disciplina militar traduzido em um automatismo de obediência assinalado pelo característico bater dos calcanhares impedia, entre militares e civis, a reação às ordens mais absurdas recebidas de qualquer superior hierárquico, o que permitiu à repressão atingir um grau de brutalidade metódica e eficiente nunca vistos. Foi decretada a eliminação não apenas dos judeus, mas de todos que não se conformavam aos padrões de cidadania estabelecidos na doutrina, quer por inconformismo político, quer por defeito eugênico ou falhas morais. Gabriel Marcel, em “Os homens contra o homem”, ressalta a elaborada técnica utilizada para voltar contra si mesmos os judeus, levando-os a aviltar-se e a se odiarem, instigando entre eles disputas por alimento, em que perdiam sua dignidade.

Trajetória do nazismo

O partido nazista chegou ao poder na Alemanha em 1933 e constituiu um governo totalitário chefiado pelo seu único líder Adolf Hitler. Nos anos entre 1938 e 1945 o partido expandiu-se com a implantação do regime fora da Alemanha, inicialmente nos enclaves de população alemã nos países vizinhos, depois nos países não germânicos conquistados. Como movimento de massa o Nacional Socialismo terminou em abril de 1945, quando Hitler cometeu suicídio para evitar cair nas mãos dos soldados soviéticos que ocuparam Berlim.
Primeira Grande Guerra

Hitler entrou para um regimento de reserva bávaro no início da Primeira Grande Guerra, servindo nas trincheiras como mensageiro. Atingiu o posto de Gefreiter (aspirante), foi ferido na batalha do Somme (1916) e gaseado em 1918. Convenceu-se de que a Alemanha tinha sido traída pelas influências judaicas e marxistas e regressou da guerra amargurado com a sua derrota. De regresso à Bavária assistiu, e mais tarde ensinou, a cursos destinados a fazer com que os ex-combatentes se mantivessem afastados do bolchevismo; foi nessa altura que cedeu à influência de Gottfried Feder, o pai intelectual do movimento nazi.

Hitler assume a liderança dos nazis

Seguidamente tornou-se o sétimo membro de um insignificante grupo político de Munique, o Partido dos Trabalhadores Alemães, distinguindo-se muito rapidamente graças à sua quase hipnótica oratória popular. Através dos seus amigos, Erich Röhm, um oficial de Munique, e von Epp, manteve-se em constante contacto com o exército alemão, o Reichswehr. Substituiu o fundador e líder do partido Anton Drexler, em 1921. Nessa altura, já o partido se chamava Partido Operário Nacional-Socialista Alemão e adotará as máximas nacionalistas e anti-marxistas de Hitler. Depois de uma discussão com Röhm sobre o papel das recém-criadas forças SA (Sturmabteilung) (os camisas castanhas), Hitler organizou um destacamento especial formado pelos seus próprios soldados políticos disciplinados em vez dos arruaceiros de rua sempre envolvidos em zaragatas – os camisas castanhas de Röhm. Estas tropas foram estabelecidas formalmente em 1926 com o nome de SS (Schutzstaffel), à semelhança dos fasci di combattimento de Mussolini.

Prisão e Mein Kampf

Considerando que a república de Weimar estava à beira do colapso, Hitler desencadeou um golpe em Munique, em Novembro de 1923, em associação com Röhm, o herói de guerra Ludendorff e Goering, numa tentativa de impor Ludendorff como ditador. O golpe falhou e Hitler foi preso e julgado por traição. Foi condenado a cinco anos de prisão e durante o tempo em que esteve preso no forte de Landsberg trabalhou com Rudolf Hess na versão definitiva do livro Mein Kampf.

Construindo o partido

Durante o tempo que passou na prisão, o Partido Nazi quase se desintegrou por completo, de modo que assim que foi libertado, em 1924, graças a uma anistia, dedicou-se de imediato à reconstrução da organização do partido. Apesar de, durante algum tempo, os irmãos Strasser, criadores do Partido Nazi no norte da Alemanha, terem sido mais influentes entre os membros do partido que Hitler, ele foi recuperando gradualmente o tempo perdido e acabou por conseguir afastar totalmente os Strasser. Em 1930 era já o líder incontestado de um partido que contava com um número considerável de membros. Os fundos doados pelos grandes industriais, que viam o nacional-socialismo como a única forma de se salvaguardarem contra o comunismo, eram cada vez mais significativos. O Nacionalismo acabou por suplantar o Socialismo em termos do programa do partido, apesar de determinados chavões revolucionários continuarem a ser utilizados.

Quando a crise econômica de 1930 fez a sua aparição, Hitler explorou sabiamente o descontentamento das classes trabalhadoras e dos elementos mais sólidos das classes médias, que viam o seu nível de vida ameaçado pela crise. A sua retórica converteu muitas pessoas e, nas eleições seguintes, em Setembro de 1930, os nazis aumentaram a sua representação no Reichstag, o parlamento alemão, de 12 para 107 representantes. Hitler apresentou-se contra Hindenburg nas eleições presidenciais de 1932 e, embora tenha sido vencido na segunda volta, conseguira granjear 13 milhões de votos e tornara-se uma força política de peso. Perante uma situação política que se deteriorava rapidamente, o chanceler Brüning sentiu-se obrigado a governar por lei e, apesar de ser aparentemente um liberal, o seu regime criou as condições que conduziriam à ditadura. Em Junho de 1932 demitiu-se do cargo de chanceler, tendo-lhe sucedido Papen. Hitler via-se a si próprio como o herdeiro ideal para o cargo de chanceler, mas não tinha contado com a oposição do velho regime de direita, que contava com o apoio dos industriais e dos junkers (proprietários rurais pertencentes à aristocracia). Von Papen dissolveu o Reichstag e convocou novas eleições, mas o Partido Nazi dobrou o seu número de representantes para 230 e Hitler viu-se finalmente na posição de líder do maior partido alemão. Por fim, Hitler e von Papen chegaram a um acordo: Hitler renunciaria à secção socialista do seu programa partidário e von Papen libertaria os subsídios dos industriais directamente para os cofres de Hitler e convenceria Hindenburg a aceitá-lo como chanceler (Janeiro de 1933).

O Terceiro Reich

Em 1933, a república de Weimar deu lugar ao Terceiro Reich e, no final do mesmo ano, o sistema de partido único havia-se tornado a forma de governo oficial. Os opositores políticos desapareceram, quer assassinados quer enviados para campos de concentração. Tendo, de um modo geral, eliminado a oposição por toda a Alemanha, Hitler concentrou a sua atenção nos últimos redutos de dissensão dentro do seu próprio partido. Durante a Noite dos Facas Longas, a 30 de Junho de 1934, mais de 100 figuras nazis importantes foram assassinadas, entre os quais Gregor Strasser, Röhm, Kurt von Schleicher e a sua mulher. Todo o poder passava agora pelo executivo nacional-socialista, o que, na prática, significava através do próprio Hitler. Quando em Agosto de 1934 Hindenburg morreu, Hitler foi declarado o seu sucessor, declinando o título de Reichspräsident (Presidente do Reich) a favor dos de Fuhrer (líder) e Kanzler (chanceler).

O Holocausto

A partir do momento em que Hitler chegou ao poder, instituiu um reinado de terror contra judeus, homossexuais, ciganos e oponentes políticos. As medidas anti-semitas foram introduzidas aos poucos, começando com os boicotes aos negócios judeus em Abril de 1933 e culminando nos horrores dos campos de extermínio e na Solução Final (1941). A propaganda oficial era dirigida contra os judeus, alimentando os antigos ódios populares, como na noite de terror organizado da Kristallnacht (Noite de cristal) , durante a qual as lojas e propriedades judaicas foram atacadas e destruídas por populares a soldo do governo (9/10 de Novembro de 1938). Os judeus eram cada vez mais marginalizados, graças a uma combinação de propaganda pejorativa e de leis antijudaicas, tal como a que obrigava todos os judeus a usar uma estrela amarela na roupa, o que os tornava alvos visíveis tanto para a repressão oficial quanto para a hostilidade privada. Assim que a Segunda Grande Guerra começou, estas políticas foram transpostas para os países ocupados pela Alemanha e, por volta de 1941, já existia uma rede de campos de extermínio, em particular na Polônia. O Holocausto alcançou o seu ponto mais alto após a conferência de Wannsee, a 20 de Janeiro de 1942, um encontro durante o qual os mais elevados oficiais nazis desenvolveram uma política sistemática de extermínio eficiente. Não existem estatísticas precisas para o número de vítimas dos nazis, mas crê-se que por volta do final da guerra cerca de 6 milhões de judeus e perto de um milhão de pessoas de outros grupos, tais como eslavos e ciganos, designados como Unsermensch (sub-humanos), já tinham perecido.

Reconstruindo o poder alemão

Tendo assegurado a sua posição na Alemanha, Hitler deu início à sua longa campanha para restaurar o poder alemão na Europa, recorrendo para tal a um cada vez maior número de graves quebras dos acordos e ignorando abertamente a opinião dos outros países europeus. Iniciou um intenso programa de rearmamento, organizado secretamente, a princípio, e depois de forma cada vez mais flagrante. Por exemplo, a Alemanha não estava autorizada a possuir uma força aérea mas, sob a desculpa de se tratar de uma linha aérea civil, Hermann Goering construiu absolutamente do nada a Luftwaffe, anunciando oficialmente a sua existência em Abril de 1935.

Hitler voltou depois a sua atenção para as cláusulas territoriais dos diversos tratados que a Alemanha se tinha comprometido a respeitar, começando pelo plebiscito da região do Saar, em Janeiro de 1935. O resultado, influenciado em parte pelo terrorismo, foi uma esmagadora maioria a favor do regresso à Alemanha, tendo Hitler usado estes resultados como um incentivo para denunciar as cláusulas militares do tratado de Versalhes (Março de 1935) e para introduzir o serviço militar obrigatório na Alemanha. Um ano mais tarde arriscou o envio das suas tropas até à zona desmilitarizada do Reno, desafiando abertamente o acordo de Locarno de 1925, o qual, segundo ele, havia sido ultrapassado pela aliança franco-soviética. A remilitarização da margem direita do Reno foi seguida por dois anos de ativas preparações militares alemãs, combinadas com uma reformulação total da economia, de modo a tornar a Alemanha auto-suficiente.

Quando estalou a guerra civil de Espanha, em Julho de 1936, Hitler aproveitou a oportunidade para testar os seus recém-formados exército e força aérea ao lado das forças de Franco. Outros acontecimentos no estrangeiro durante os anos de 1936-1937, tais como a incapacidade da Sociedade das Nações em verificar a aventura abissínia de Mussolini, aumentaram a tensão na Europa e muito contribuíram para o fortalecimento da posição de Hitler. Mussolini era um aliado natural e os dois países tornaram-se aliados com o Eixo Roma-Berlim de Outubro de 1936.

Expansionismo no estrangeiro

A partir do final de 1937, Hitler optou por uma política estrangeira agressivamente expansionista que, durante dois anos, apenas lhe trouxe sucessos espetaculares. Em Março de 1938 anexou a Áustria, manipulando uma súbita crise nas relações austríaco-alemãs, enviando o exército alemão para o outro lado da fronteira e declarando o Anschluss, a incorporação da Áustria no Reich. De seguida começou a implantar a campanha para a libertação dos Sudetas, uma área de etnia alemã dentro da Checoslováquia – tal atitude não passava de um ataque a um estado soberano unido por tratado às potências ocidentais e por laços étnicos à Rússia. Contudo, Hitler compreendia perfeitamente as realidades inerentes à situação política imediata e sabia bem de mais que o ocidente não estava preparado para lutar. O acordo de Munique de Agosto de 1938 entregou-lhe os Sudetas em troca da promessa de que não exigiria mais territórios – a mesma promessa que fizera quando da anexação da Áustria. Logo de seguida, durante o ano de 1939, apoderou-se dos restantes territórios da Checoslováquia e, ao mesmo tempo, anunciou a anexação de Memel, violando diretamente o tratado de Versalhes. Por essa altura, aos olhos do alemão médio, Hitler parecia ser não apenas o conservador da paz mas também um estadista de mão cheia, ultrapassando todos os seus predecessores e alargando-as fronteiras do Reich. Em menos de um ano, acrescentara 10 milhões de alemães ao Terceiro Reich, quebrara o formidável bastião da expansão alemã para sudeste e tornara-se o maior ditador europeu desde a época de Napoleão.

O início da guerra

Em Março de 1939, Hitler renunciou ao pacto de não-agressão com a Polônia, de 1934 e exigiu a devolução de Danzig e do corredor polaco. O Reino Unido e a França garantiram a independência polaca e avisaram Hitler de que estavam dispostos a lutar pela Polônia. Hitler ficou algo abalado com este procedimento, em particular quando as duas potências ocidentais entraram em negociações com Moscou. Contudo, em vez de abandonar os seus desígnios, preferiu esquecer momentaneamente o seu ódio pelo comunismo e propor um pacto de não-agressão à URSS. Estaline concordou e o pacto Molotov-Ribbentrop foi assinado a 23 de Agosto de 1939. Afastado o perigo da interferência soviética, Hitler lançou o seu Blitzkrieg sobre a Polónia a 1 de Setembro de 1939 e, dois dias mais tarde, o Reino Unido e a França declararam guerra.
Blitzkrieg

Depois da invasão da Polônia, a Alemanha avançou rapidamente sobre a Holanda, a Bélgica e a França, tendo lançado, ao mesmo tempo, invasões sobre a Noruega e a Dinamarca. Os espetaculares acontecimentos da Primavera e Verão de 1940 culminaram no armistício com a França, o que apenas confirmou o gênio de Hitler aos olhos do alemão médio. Na Primavera de 1941, as forças alemãs invadiram a Jugoslávia e a Grécia, enquanto a força aérea atacava o Reino Unido com os seus bombardeiros e a marinha os barcos que transportavam as provisões.

Batalha do Reino Unido e plano Barba Ruiva

Hitler decidiu atingir os britânicos atacando o império a oriente. No entanto, este plano dependia da neutralidade da URSS e, não estando absolutamente certo deste fato, Hitler e os seus conselheiros decidiram fazer coincidir um ataque ao Egito com a invasão da própria URSS – a operação Barba Ruiva, de Junho de 1941. Esta foi uma decisão fatal que fez entrar em cena um inimigo poderoso e que abriu uma segunda frente, tendo acabado por revelar as fraquezas essenciais subjacentes a toda a Weltpolitik (política) de Hitler. É bem possível que ele tenha tomado esta decisão contra a opinião dos outros líderes nazis e, de um modo geral, contra a opinião do estado-maior alemão. A partir daí esforçou-se por afastar a URSS dos Aliados ocidentais realçando a cruzada anti bolchevique da Alemanha.

As campanhas alemãs dos balcãs e do Mediterrâneo foram brilhantes em termos de planejamento e execução, mas a intervenção britânica na Grécia e a resistência britânica em Creta e na Líbia atrasaram o planejamento de Hitler em termos de tempo e, à medida que o Verão de 1941 chegava ao fim, tornava-se óbvio que o otimismo alemão tinha sido excessivo. Os revezes na batalha de Inglaterra (Julho de 1941) constituíram um terrível golpe para o moral alemão e, durante algum tempo, Hitler permaneceu silencioso; no entanto, numa reunião, a 4 de Outubro, anunciou uma operação gigantesca que provocaria a derrota da URSS. Depois do esmagamento do exército alemão mesmo antes de chegar a Moscovo, Hitler despediu o comandante-chefe, Brauchitsch, em Dezembro de 1941, e assumiu pessoalmente o controlo de todas as operações militares. Quando os Estados Unidos entraram na guerra, após o ataque a Pearl Harbor (Dezembro de 1941), quatro quintos do mundo passaram a estar em luta contra a Alemanha.

O declínio 1942-1943

A mensagem do Ano Novo de 1942, de Hitler, assinalou um declínio na grandeza das suas afirmações, apesar de os exércitos alemães continuarem a constituir uma força poderosa. Com efeito, no início de 1942, os exércitos alemães posicionados na USSR chegaram ao Volga, em Estalinegrado, enquanto Rommel ameaçava o Cairo e Alexandria, no norte de África. No entanto, antes do Outono chegar ao fim, Rommel tinha sido derrotado em El Alamein e os soviéticos haviam destroçado o 6º exército de von Paulus frente a Estalinegrado. Hitler começou a falar cada vez menos da vitória alemã e mais da incapacidade dos Aliados em derrotarem a Alemanha e não tardou que surgissem novas crises. Mussolini foi deposto em Julho de 1943 e a Itália capitulou perante os Aliados.

1944

Depois de os exércitos alemães terem sido expulsos da USSR e após o Dia D, em Junho de 1944, dia em que ocorreu a chegada das forças aliadas à Normandia, tornou-se óbvio que ao contrário do que Hitler previra os Aliados não seriam empurrados de volta ao mar. A oposição alemã, liderada por generais, industriais, liberais e até elementos de esquerda, tentou um golpe de estado, a conspiração da bomba de Julho. O sinal de partida deveria ser o assassinato de Hitler, mas a bomba que foi colocada no quartel-general por um oficial da sua guarda, de nome von Stauffenberg, não o matou e o golpe falhou. A única coisa em que este golpe foi bem sucedido foi em ter feito com que Hitler embarcasse numa das mais sangrentas purgações de sempre: milhares de homens e mulheres passíveis de liderar um outro golpe foram executados (a maior parte dos quais sem nada ter a ver com a conspiração) para evitar que, no futuro, se envolvessem num outro levantamento. Himmler tomou a seu cargo o comando do exército na Alemanha, de modo a reforçar ainda mais o controlo nazi sobre ele. Contudo, à medida que o ano decorria, os Aliados iam avançando.

1945, a derrota

Ao mesmo tempo que os Aliados se lançavam sobre a Alemanha, em Abril de 1945, Hitler casava com a sua amante, Eva Braun, a 29 de Abril de 1945, e no dia seguinte ambos cometiam suicídio, no abrigo anti-aéreo por baixo da chancelaria de Berlim. É tido como certo que os corpos foram de seguida queimados no pátio.

Mais quem era esse individuo aos olhos da Psicologia?

Dr. Henry A. Murray
Análise da Personalidade de Adolph Hitler:
Com as previsões de seu comportamento futuro e sugestões
para lidar com ele agora e Após a rendição da Alemanha

INTRODUÇÃO

Em 1943, as forças aliadas queria entender constituição psicológica de Hitler, a fim de prever, na medida do possível, o seu comportamento como os Aliados continuaram a sua condução da guerra e para antecipar a sua resposta à derrota da Alemanha. Os Aliados estavam também buscando entender a psique nacional alemão para adquirir uma compreensão de como convertê-los em uma “nação amante da paz.”Este relatório foi escrito para o OSS pelo Dr. Henry A. Murray, pré-guerra Diretor da Clínica de Psicologia de Harvard. Dr. Murray, obviamente, foi forçado pelas circunstâncias a psicanalisar o assunto a partir de uma distância. Ele reuniu informações de uma variedade de segunda mão fontes, tais como genealogia de Hitler, a escola e registros militares, relatórios públicos dos eventos na imprensa e no cinema, informações OSS; próprios escritos de Hitler; biografias de Hitler, e “Homem de Hitler a – Notas para um histórico do caso, “um artigo escrito por WHD Vernon, sob supervisão do Dr. Murray. A partir desses recursos e sua “teoria das necessidades” da personalidade, o Dr. Murray criou um perfil psicológico que previu corretamente o suicídio do líder nazista em face da derrota da Alemanha.

Com o benefício da retrospectiva e mais de 60 anos de avanços científicos, pode-se apreciar esta análise da personalidade de Hitler e também pegar um vislumbre de uma aplicação inicial de psicologia da personalidade por um dos fundadores da disciplina. Explorações Dr. Murray de personalidade (Nova Iorque: Oxford Press, 1938) estabeleceu psicologia da personalidade como uma ciência comportamental.Murray explorou uma teoria da personalidade em que a interação de 20 necessidades psicogênicas de força variando produzido tipos de personalidade distintos. Murray atrelado a personalidade de Hitler como “narcism counteractive”, um tipo que é estimulado pelo insulto real ou imaginário ou lesão.Segundo o Dr. Murray, as características deste tipo de personalidade são: guardar rancor, baixa tolerância para a crítica, demandas excessivas de atenção, incapacidade de expressar gratidão, uma tendência a depreciar, intimidar e outros culpa, desejo de vingança, de persistência na face da derrota, extrema vontade própria, auto-confiança, incapacidade de tomar uma piada, e da criminalidade compulsivo. Dr. Murray concluiu que Hitler tinha essas características (e outros) para um grau extremo e não tinha as qualidades de compensação que ronda uma personalidade equilibrada.

A linguagem da teoria das necessidades pode parecer pouco familiar aos leitores de hoje já que a teoria da personalidade mudou-se para a nova terminologia e teorias. No entanto, o estilo de escrita do Dr. Murray e linguagem descritiva fazer este relatório como inteligível para o leitor leigo de hoje como para o Mundo psicólogo era a II Guerra.

Cornell Law Library tem o prazer de compartilhar esse relatório, parte da nossa coleção Donovan julgamentos de Nuremberga, em seu formato original.

Fontes: AdolfHitler.ws: Arquivo Histórico, NoBeliefs.com (Freethinkers), e Vida Kimmo Nummela Of Führer Em Pictures.

 

“Hitler é um monstro da maldade, insaciável em seu desejo de sangue e riquezas. Não contente em ter a Europa sob seus calcanhares, agora leva sua carnificina e desolação para as vastas terras da Rússia e da Ásia. Sua máquina de guerra não pode ficar parada, precisa estar em constante movimento, ceifando vidas humanas e eliminando lares e direitos de centenas de milhões de homens. Mais que isso, precisa ser alimentada não só com cadáveres mas também com petróleo. E agora esse patife sanguinário lança seus exércitos mecanizados para novos patamares de massacre, pilhagem e devastação” Winston Churchill 

Link para baixar o Relatório do Dr. Henry A. Murray,Ph.D

http://www.youblisher.com/p/420164-Relatorio-Analise-Psicologica-da-Personalidade-de-Adolf-Hiler-Em-ingles/

Ps. Este relatório esteve sob sigiloso durante 60 anos na Universidade de Cornell.

Assista ao Documentário:

http://www.youtube.com/watch?v=_Q-6H4xOUrs

História da computação

O desenvolvimento da tecnologia da computação foi a união de várias áreas do conhecimento humano, dentre as quais: a matemática, a eletrônica digital, a lógica de programação, entre outras.

A capacidade do ser humano em calcular quantidades nos mais variados modos foi um dos fatores que possibilitaram o desenvolvimento da matemática e da lógica. Nos primórdios da matemática e da álgebra, utilizavam-se os dedos das mãos para efetuar cálculos.

A mais antiga ferramenta conhecida para uso em computação foi o ábaco, e foi inventado na Babilônia por volta de 2400 a.C. O seu estilo original de uso, era desenhar linhas na areia com rochas. Ábacos, de um design mais moderno, ainda são usados como ferramentas de cálculo.

O ábaco dos romanos consistia de bolinhas de mármore que deslizavam numa placa de bronze cheia de sulcos. Também surgiram alguns termos matemáticos: em latim “Calx” significa mármore, assim “Calculos” era uma bolinha do ábaco, e fazer cálculos aritméticos era “Calculare”.

No século V a.C., na antiga Índia, o gramático Pānini formulou a gramática de Sânscrito usando 3959 regras conhecidas como Ashtadhyāyi, de forma bastante sistemática e técnica. Pānini usou meta-regras, transformações e recursividade com tamanha sofisticação que sua gramática possuía o poder computacional teórico tal qual a Máquina de Turing.

Entre 200 a.C. e 400, os indianos também inventaram o logaritmo, e partir do século XIII tabelas logarítmicas eram produzidas por matemáticos islâmicos. Quando John Napier descobriu os logaritmos para uso computacional no século XVI, seguiu-se um período de considerável progresso na construção de ferramentas de cálculo.

John Napier (1550-1617), escocês inventor dos logaritmos, também inventou os ossos de Napier, que eram tabelas de multiplicação gravadas em bastão, o que evitava a memorização da tabuada.

A primeira máquina de verdade foi construída por Wilhelm Schickard (1592-1635), sendo capaz de somar, subtrair, multiplicar e dividir. Essa máquina foi perdida durante a guerra dos trinta anos, sendo que recentemente foi encontrada alguma documentação sobre ela. Durante muitos anos nada se soube sobre essa máquina, por isso, atribuía-se a Blaise Pascal (1623-1662) a construção da primeira máquina calculadora, que fazia apenas somas e subtrações.

A primeira calculadora capaz de realizar as operações básicas de soma e subtração foi inventada em 1672 pelo filósofo, físico e matemático francês Blaise Pascal.

Pascal, que aos 18 anos trabalhava com seu pai em um escritório de coleta de impostos na cidade de Rouen, desenvolveu a máquina para auxiliar o seu trabalho de contabilidade.

A calculadora usava engrenagens que a faziam funcionar de maneira similar a um odômetro.

Pascal recebeu uma patente do rei da França para que lançasse sua máquina no comércio. A comercialização de suas calculadoras não foi satisfatória devido a seu funcionamento pouco confiável, apesar de Pascal ter construído cerca de 50 versões.

A máquina Pascal foi criada com objetivo de ajudar seu pai a computar os impostos em Rouen, França. O projeto de Pascal foi bastante aprimorado pelo matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1726), que também inventou o cálculo, o qual sonhou que, um dia no futuro, todo o raciocínio pudesse ser substituído pelo girar de uma simples alavanca.

Em 1671, o filósofo e matemático alemão de Leipzig, Gottfried Wilhelm Leibniz introduziu o conceito de realizar multiplicações e divisões através de adições e subtrações sucessivas. Em 1694, a máquina foi construída, no entanto, sua operação apresentava muita dificuldade e sujeita a erros.

Em 1820, o francês natural de Paris, Charles Xavier Thomas, conhecido como Thomas de Colmar,projetou e construiu uma máquina capaz de efetuar as 4 operações aritméticas básicas: a Arithmomet. Esta foi a primeira calculadora realmente comercializada com sucesso. Ela fazia multiplicações com o mesmo princípio da calculadora de Leibnitz e efetuava as divisões com a assistência do usuário.

Todas essas máquinas, porém, estavam longe de ser considerado um computador, pois não eram programáveis. Isto quer dizer que a entrada era feita apenas de números, mas não de instruções a respeito do que fazer com os números.

Os Algoritmos

No século VII, o matemático indiano Brahmagupta explicou pela primeira vez o sistema de numeração hindu-arábico e o uso do 0. Aproximadamente em 825, o matemático persa Al-Khwarizmi escreveu o livro Calculando com numerais hindus, responsável pela difusão do sistema de numeração hindu-arábico no Oriente Médio, e posteriormente na Europa. Por volta do século XII houve uma tradução do mesmo livro para o latim: Algoritmi de número Indorum. Tais livros apresentaram novos conceitos para definir sequências de passos para completar tarefas, como aplicações de aritmética e álgebra. Por derivação do nome, atualmente usa-se o termo algoritmo.

A Revolução Industrial

Em 1801, na França, durante a Revolução Industrial, Joseph Marie Jacquard, mecânico francês, (1752-1834) inventou um tear mecânico controlado por grandes cartões perfurados. Sua máquina era capaz de produzir tecidos com desenhos bonitos e intrincados. Foi tamanho o sucesso que Jacquard foi quase morto quando levou o tear para Lyon, pois as pessoas tinham medo de perder o emprego. Em sete anos, já havia 11 mil teares desse tipo operando na França.

Babbage e Ada

A origem da ideia de programar uma máquina vem da necessidade de que as máquinas de tecer produzissem padrões de cores diferentes. Assim, no século XVIII foi criada uma forma de representar os padrões em cartões de papel perfurado, que eram tratados manualmente. Em 1801, Joseph Marie Jacquard (1752-1834) inventa um tear mecânico, com uma leitora automática de cartões.

A ideia de Jacquard atravessou o Canal da Mancha, onde inspirou Charles Babbage (1792-1871), um professor de matemática de Cambridge, a desenvolver uma máquina de “tecer números”, uma máquina de calcular onde a forma de calcular pudesse ser controlada por cartões.

Foi com Charles Babbage que o computador moderno começou a ganhar forma, através de seu trabalho no engenho analítico. O equipamento, apesar de nunca ter sido construído com sucesso, possuía todas as funcionalidades do computador moderno. Foi descrito originalmente em 1837, mais de um século antes que qualquer equipamento do gênero tivesse sido construído com sucesso. O grande diferencial do sistema de Babbage era o fato que seu dispositivo foi projetado para ser programável, item imprescindível para qualquer computador moderno.

Tudo começou com a tentativa de desenvolver uma máquina capaz de calcular polinômios por meio de diferenças, o calculador diferencial. Enquanto projetava seu calculador diferencial, a ideia de Jacquard fez com que Babbage imaginasse uma nova e mais complexa máquina, o calculador analítico, extremamente semelhante ao computador atual.

O projeto, totalmente mecânico, era composto de uma memória, um engenho central, engrenagens e alavancas usadas para a transferência de dados da memória para o engenho central e dispositivos para entrada e saída de dados. O calculador utilizaria cartões perfurados e seria automático.

Sua parte principal seria um conjunto de rodas dentadas, o moinho, formando uma máquina de somar com precisão de cinquenta dígitos. As instruções seriam lidas de cartões perfurados. Os cartões seriam lidos em um dispositivo de entrada e armazenados, para futuras referências, em um banco de mil registradores. Cada um dos registradores seria capaz de armazenar um número de cinquenta dígitos, que poderiam ser colocados lá por meio de cartões a partir do resultado de um dos cálculos do moinho.

Por algum tempo, o governo britânico financiou Babbage para construir a sua invenção.

Além disso tudo, Babbage imaginou a primeira máquina de impressão, que imprimiria os resultados dos cálculos, contidos nos registradores. Babbage conseguiu, durante algum tempo, fundos para sua pesquisa, porém não conseguiu completar sua máquina no tempo prometido e não recebeu mais dinheiro. Hoje, partes de sua máquina podem ser vistas no Museu Britânico, que também construiu uma versão completa, utilizando as técnicas disponíveis na época.

Durante sua colaboração, a matemática Ada Lovelace publicou os primeiros programas de computador em uma série de notas para o engenho analítico. Por isso, Lovelace é popularmente considerada como a primeira programadora. Em parceria com Charles Babbage, Ada Augusta (1815-1852) ou Lady Lovelace, filha do poeta Lord Byron, era matemática amadora entusiasta. Ela se tornou a pioneira da lógica de programação, escrevendo séries de instruções para o calculador analítico. Ada inventou os conceitos de subrotina, uma seqüência de instruções que pode ser usada várias vezes, loop, uma instrução que permite a repetição de uma sequência de cartões, e do salto condicional, que permite saltar algum cartão caso uma condição seja satisfeita.

Babbage teve muitas dificuldades com a tecnologia da época, que era inadequada para se construir componentes mecânicos com a precisão necessária. Com a suspensão do financiamento por parte do governo britânico, Babbage e Ada utilizaram a fortuna da família Byron até a falência, sem que pudessem concluir o projeto, e assim o calculador analítico nunca foi construído.

Ada Lovelace e Charles Babbage estavam avançados demais para o seu tempo, tanto que até a década de 1940, nada se inventou parecido com seu computador analítico. Até essa época foram construídas muitas máquinas mecânicas de somar destinadas a controlar negócios (principalmente caixas registradoras) e algumas máquinas inspiradas na calculadora diferencial de Babbage, para realizar cálculos de engenharia (que não alcançaram grande sucesso).

A Lógica Binária

Por volta do século III a.C., o matemático indiano Pingala inventou o sistema de numeração binário. Ainda usado atualmente no processamento de todos computadores modernos, o sistema estabelece que sequências específicas de uns e zeros podem representar qualquer número, letra ou imagem.

Em 1703 Gottfried Leibniz desenvolveu a lógica em um sentido formal e matemático, utilizando o sistema binário. Em seu sistema, uns e zeros também representam conceitos como verdadeiro e falso, ligado e desligado, válido e inválido. Levou mais de um século para que George Boole publicasse a álgebra booleana (em 1854), com um sistema completo que permitia a construção de modelos matemáticos para o processamento computacional. Em 1801 apareceu o tear controlado por cartão perfurado, invenção de Joseph Marie Jacquard, no qual buracos indicavam os uns, e áreas não furadas indicavam os zeros. O sistema está longe de ser um computador, mas ilustrou que as máquinas poderiam ser controladas pelo sistema binário.

As máquinas do início do século XIX utilizavam base decimal (0 a 9), mas foram encontradas dificuldades em implementar um dígito decimal em componentes eletrônicos, pois qualquer variação provocada por um ruído causaria erros de cálculo consideráveis.

O matemático inglês George Boole (1815-1864) publicou em 1854 os princípios da lógica booleana, onde as variáveis assumem apenas valores 0 e 1 (verdadeiro e falso), que passou a ser utilizada a partir do início do século XX.

Shannon e a Teoria da Informação

Até a década de 1930, engenheiros eletricistas podiam construir circuitos eletrônicos para resolver problemas lógicos e matemáticos, mas a maioria o fazia sem qualquer processo, de forma particular, sem rigor teórico para tal. Isso mudou com a tese de mestrado de Claude E. Shannon de 1937, A Symbolic Analysis of Relay and Switching Circuits. Enquanto tomava aulas de Filosofia, Shannon foi exposto ao trabalho de George Boole, e percebeu que tal conceito poderia ser aplicado em conjuntos eletro-mecânicos para resolver problemas de lógica. Tal ideia, que utiliza propriedades de circuitos eletrônicos para a lógica, é o conceito básico de todos os computadores digitais. Shannon desenvolveu a teoria da informação no artigo de 1948 A Mathematical Theory of Communication, cujo conteúdo serve como fundamento para áreas de estudo como compressão de dados e criptografia.

Hollerith e sua máquina de perfurar cartões

Por volta de 1890, Dr. Herman Hollerith (1860-1929) foi o responsável por uma grande mudança na maneira de se processar os dados dos censos da época.

O próximo avanço dos computadores foi feito pelo americano Herman Hollerith (1860-1929), que inventou uma máquina capaz de processar dados baseada na separação de cartões perfurados (pelos seus furos). A máquina de Hollerith foi utilizada para auxiliar no censo de 1890, reduzindo o tempo de processamento de dados de sete anos, do censo anterior, para apenas dois anos e meio. Ela foi também pioneira ao utilizar a eletricidade na separação, contagem e tabulação dos cartões.

Os dados do censo de 1880, manualmente processados, levaram 7 anos e meio para serem compilados. Os do censo de 1890 foram processados em 2 anos e meio, com a ajuda de uma máquina de perfurar cartões e máquinas de tabular e ordenar, criadas por Hollerith e sua equipe.

As informações sobre os indivíduos eram armazenadas por meio de perfurações em locais específicos do cartão. Nas máquinas de tabular, um pino passava pelo furo e chegava a uma jarra de mercúrio, fechando um circuito elétrico e causando um incremento de 1 em um contador mecânico.

Mais tarde, Hollerith fundou uma companhia para produzir máquinas de tabulação. Anos depois, em 1924, essa companhia veio a se chamar como International Business Machines,ou IBM,como é hoje conhecida.

O primeiro computador

O primeiro computador eletro-mecânico foi construído por Konrad Zuse (1910-1995). Em 1936, esse engenheiro alemão construiu, a partir de relés que executavam os cálculos e dados lidos em fitas perfuradas, o Z1.

Há uma grande polêmica em torno do primeiro computador. O Z-1 é considerado por muitos como o primeiro computador eletro-mecânico.

Zuse tentou vender o computador ao governo alemão, que desprezou a oferta, já que não poderia auxiliar no esforço de guerra. Os projetos de Zuse ficariam parados durante a guerra, dando a chance aos americanos de desenvolver seus computadores, o chamado Eniac. Depois de alguns anos a população começou a usar o chamado computador,e acabaram ficando dependentes dele, pois hoje essa máquina é cada vez mais precisa, podendo fazer pesquisas e trabalhos.

A guerra e os computadores

Durante o travamento da Segunda Guerra Mundial a Marinha americana, em conjunto com a Universidade de Harvard, desenvolveu o computador Harvard Mark I, projetado pelo professor Howard Aiken, com base no calculador analítico de Babbage. O Mark I ocupava 120m³ aproximadamente, conseguindo multiplicar dois números de dez dígitos em três segundos. Este computador gigante permitiu ter o primeiro centro de computação no mundo, assim dando o início á era moderna dos computadores.

Em segredo, o Exército dos Estados Unidos também desenvolvia seu computador. Esse usava apenas válvulas e tinha por objetivo calcular as trajetórias de mísseis com maior precisão.

Simultaneamente, e em segredo, o Exército Americano desenvolvia um projeto semelhante, chefiado pelos engenheiros J. Presper Eckert e John Mauchy, cujo resultado foi o primeiro computador a válvulas, o Eletronic Numeric Integrator And Calculator (ENIAC)[2], capaz de fazer quinhentas multiplicações por segundo. Tendo sido projetado para calcular trajetórias balísticas, o ENIAC foi mantido em segredo pelo governo americano até o final da guerra, quando foi anunciado ao mundo.

O engenheiro John Presper Eckert (1919-1995) e o físico John Mauchly (1907-1980) projetaram o ENIAC: Eletronic Numeric Integrator And Calculator. Com 18 000 válvulas, o ENIAC conseguia fazer 500 multiplicações por segundo, porém só ficou pronto em 1946, vários meses após o final da guerra.

Os custos para a manutenção e conservação do ENIAC eram proibitivos, pois dezenas a centenas de válvulas queimavam a cada hora e o calor gerado por elas necessitava ser controlado por um complexo sistema de refrigeração, além dos gastos elevadíssimos de energia elétrica.

No ENIAC, o programa era feito rearranjando a fiação em um painel. Nesse ponto John von Neumann propôs a ideia que transformou os calculadores eletrônicos em “cérebros eletrônicos”: modelar a arquitetura do computador segundo o sistema nervoso central. Para isso, eles teriam que ter três características:

Codificar as instruções de uma forma possível de ser armazenada na memória do computador. Von Neumann sugeriu que fossem usados uns e zeros.

Armazenar as instruções na memória, bem como toda e qualquer informação necessária a execução da tarefa, e

Quando processar o programa, buscar as instruções diretamente na memória, ao invés de lerem um novo cartão perfurado a cada passo.

Este é o conceito de programa armazenado, cujas principais vantagens são: rapidez, versatilidade e automodificação. Assim, o computador programável que conhecemos hoje, onde o programa e os dados estão armazenados na memória ficou conhecido como Arquitetura de von Neumann.

Para divulgar essa ideia, von Neumann publicou sozinho um artigo. Eckert e Mauchy não ficaram muito contentes com isso, pois teriam discutido muitas vezes com ele. O projeto ENIAC acabou se dissolvendo em uma chuva de processos, mas já estava criado o computador moderno…

O nascimento da Ciência da Computação

Antes da década de 1920, o computador era um termo associado a pessoas que realizavam cálculos, geralmente liderados por físicos em sua maioria homens. Milhares de computadores, eram empregados em projetos no comércio, governo e sítios de pesquisa. Após a década de 1920, a expressão máquina computacional começou a ser usada para referir-se a qualquer máquina que realize o trabalho de um profissional computador, especialmente aquelas de acordo com os métodos da Tese de Church-Turing.

O termo máquina computacional acabou perdendo espaço para o termo reduzido computador no final da década de 1940, com as máquinas digitais cada vez mais difundidas. Alan Turing, conhecido como pai da Ciência da Computação, inventou a Máquina de Turing, que posteriormente evoluiu para o computador moderno.

O Trabalho Teórico

Os fundamentos matemáticos da ciência da computação moderna começaram a serem definidos por Kurt Gödel com seu teorema da incompletude (1931). Essa teoria mostra que existem limites no que pode ser provado ou desaprovado em um sistema formal; isso levou a trabalhos posteriores por Gödel e outros teóricos para definir e descrever tais sistemas formais, incluindo conceitos como recursividade e cálculo lambda.

Em 1936 Alan Turing e Alonzo Church independentemente, e também juntos, introduziram a formalização de um algoritmo, definindo os limites do que pode ser computado, e um modelo puramente mecânico para a computação. Tais tópicos são abordados no que atualmente chama-se Tese de Church-Turing, uma hipótese sobre a natureza de dispositivos mecânicos de cálculo. Essa tese define que qualquer cálculo possível pode ser realizado por um algoritmo sendo executado em um computador, desde que haja tempo e armazenamento suficiente para tal.

Turing também incluiu na tese uma descrição da Máquina de Turing, que possui uma fita de tamanho infinito e um cabeçote para leitura e escrita que move-se pela fita. Devido ao seu caráter infinito, tal máquina não pode ser construída, mas tal modelo pode simular a computação de qualquer algoritmo executado em um computador moderno. Turing é bastante importante para a ciência da computação, tanto que seu nome é usado para o Turing Award e o teste de Turing. Ele contribuiu para as quebras de código da Grã-Bretanha na Segunda Guerra Mundial, e continuou a projetar computadores e programas de computador pela década de 1940; cometeu suicídio em 1954.

Alan Turing

Alan Mathison Turing nasceu em 23 de junho de 1912 em Londres, filho de um oficial britânico, Julius Mathison e Ethel Sara Turing. Seu interesse pela ciência começou cedo, logo que aprendeu a ler e escrever, distraia-se fatorando números de hinos religiosos e desenhando bicicletas anfíbias. A maior parte do seu trabalho foi desenvolvido no serviço de espionagem, durante a II Grande Guerra, levando-o somente por volta de 1975 a ser reconhecido como um dos grandes pioneiros no campo da computação, Em 1928, Alan começou a estudar a Teoria da Relatividade, conhecendo Christopher Morcom, que o influenciou profundamente. Morcom morreu em 1930 e Alan se motivou a fazer o que o amigo não teve tempo, durante anos trocou correspondências com a mãe de Morcom a respeito das idéias do amigo e se maravilhou com a possibilidade de resolver problemas com a teoria mecânica quântica.Chegou inclusive a escrever sobre a possibilidade do espírito sobreviver após a morte.

Depois de concluir o mestrado em King’s College (1935) e receber o Smith’s prize em 1936 com um trabalho sobre a Teoria das Probabilidades, Turing se enveredou pela área da computação. Sua preocupação era saber o que efetivamente a computação poderia fazer. As respostas vieram sob a forma teórica, de uma máquina conhecida como Turing Universal Machine, que possibilitava calcular qualquer número e função, de acordo com instruções apropriadas.

Quando a II Guerra Mundial eclodiu, Turing foi trabalhar no Departamento de Comunicações da Gran Bretanha (Government Code and Cypher School) em Buckinghamshire, com o intuito de quebrar o código das comunicações alemãs, produzido por um tipo de computador chamado Enigma. Este código era constantemente trocado, obrigando os inimigos a tentar decodifica-lo correndo contra o relógio. Turing e seus colegas cientistas trabalharam num sistema que foi chamado de Colossus, um enorme emaranhado de servo-motores e metal, considerado um precursor dos computadores digitais.

Durante a guerra, Turing foi enviado aos EUA a fim de estabelecer códigos seguros para comunicações transatlânticas entre os aliados. Supõe-se que foi em Princeton, NJ, que conheceu Von Neumann e daí ter participado no projeto do ENIAC na universidade da Pensilvânia..

Terminada a guerra, Alan se juntou ao National Physical Laboratory para desenvolver um computador totalmente inglês que seria chamado de ACE (automatic computing engine).Decepcionado com a demora da construção, Turing mudou-se para Manchester. Em 1952, foi preso por “indecência”, sendo obrigado a se submeter à pisicoanálise e a tratamentos que visavam curar sua homossexualidade.Turing suicidou-se em Manchester, no dia 7 de junho de 1954, durante uma crise de depressão, comendo uma maçã envenenada com cianureto de potássio.

O Teste de Turing

O teste consistia em submeter um operador, fechado em uma sala, a descobrir se quem respondia suas perguntas, introduzidas através do teclado, era um outro homem ou uma máquina. Sua intenção era de descobrir se podiamos atribuir à máquina a noção de inteligência.

Von Neumann

O matemático húngaro John Von Neumann (1903-1957) formalizou o projeto lógico de um computador.

Em sua proposta, Von Neumann sugeriu que as instruções fossem armazenadas na memória do computador. Até então elas eram lidas de cartões perfurados e executadas, uma a uma. Armazená-las na memória, para então executá-las, tornaria o computador mais rápido, já que, no momento da execução, as instruções seriam obtidas com rapidez eletrônica.

A maioria dos computadores hoje em dia segue o modelo proposto por Von Neumann.

Esse modelo define um computador seqüencial digital em que o processamento das informações é feito passo a passo, caracterizando um comportamento determinístico (ou seja, os mesmos dados de entrada produzem sempre a mesma resposta).

Primeiros computadores pessoais

Até o final dos anos 1970, reinavam absolutos os mainframes, computadores enormes, trancados em salas refrigeradas e operados apenas por alguns poucos privilegiados. Apenas grandes empresas e bancos podiam investir alguns milhões de dólares para tornar mais eficientes alguns processos internos e o fluxo de informações. A maioria dos escritórios funcionava mais ou menos da mesma maneira que no começo do século. Arquivos de metal, máquinas de escrever, papel carbono e memorandos faziam parte do dia-a-dia.

Segundo o Computer History Museum, o primeiro “computador pessoal” foi o Kenbak-1, lançado em 1971. Tinha 256 bytes de memória e foi anunciado na revista Scientific American por US$ 750; todavia, não possuía CPU e era, como outros sistemas desta época, projetado para uso educativo (ou seja, demonstrar como um “computador de verdade” funcionava). Em 1975, surge o Altair 8800, um computador pessoal baseado na CPU Intel 8080. Vendido originalmente como um kit de montar através da revista norte-americana Popular Electronics, os projetistas pretendiam vender apenas algumas centenas de unidades, tendo ficado surpresos quando venderam 10 vezes mais que o previsto para o primeiro mês. Custava cerca de 400 doláres e se comunicava com o usuário através de luzes que piscavam. Entre os primeiros usuários estavam o calouro da Universidade de Harvard, Bill Gates, e o jovem programador, Paul Allen, que juntos desenvolveram uma versão da linguagem “Basic” para o Altair. Pouco tempo depois, a dupla resolveu mudar o rumo de suas carreiras e criar uma empresa chamada Microsoft.

Nos anos seguintes, surgiram dezenas de novos computadores pessoais como o Radio Shack TRS-80 (O TRS-80 foi comercializado com bastante sucesso no Brasil pela Prológica com os nomes de CP-300 e CP-500), Commodore 64, Atari 400 e outros com sucesso moderado.

A Apple e a popularização

Em 1976, outra dupla de jovens, Steve Jobs e Steve Wozniak, iniciou outra empresa que mudaria o rumo da informática: a Apple.

Jobs e Wozniak abandonaram a Universidade de Berkeley para poderem se dedicar ao projeto de computador pessoal criado por Wozniak, o Apple I. Como Wozniak trabalhava para a HP, o seu projeto precisava ser apresentado para a empresa que recusou de imediato a idéia. Isso abriu o caminho para a criação da Apple, empresa fundada pelos dois que comercializaria os computadores. Montados na garagem de Jobs, os 200 primeiros computadores foram vendidos nas lojas da vizinhança a US$ 500 cada. Interessado no projeto, Mike Makula (na época vice-presidente de marketing da Intel), resolveu investir US$ 250 mil na Apple.

Alguns meses depois, já em 1977, foi lançado o primeiro microcomputador como conhecemos hoje, o Apple II. O equipamento já vinha montado, com teclado integrado e era capaz de gerar gráficos coloridos. Parte da linguagem de programação do Apple II havia sido feita pela Microsoft, uma variação do BASIC para o Apple II. As vendas chegaram a US$ 2,5 milhões no primeiro ano de comercialização e, com o seu rapido crescimento de vendas, a Apple tornou-se uma empresa pública (ou seja, com ações que podem ser adquiridas por qualquer um na bolsa de valores) e ela construiu a sua sede principal – Infinite Loop – em Cupertino, Califórnia.

Com o sucesso do Apple II, vieram o Visicalc (a primeira planilha eletrônica inventada), processadores de texto e programas de banco de dados. Os micros já podiam substituir os fluxos de caixa feitos com cadernos e calculadoras, máquinas de escrever e os arquivos de metal usados para guardar milhares de documentos. Os computadores domésticos deixaram então de ser apenas um hobby de adolescentes para se tornarem ferramentas indispensáveis para muitas pessoas.

Entretanto, até o começo dos anos 1980, muitos executivos ainda encaravam os computadores pessoais como brinquedos. Além das mudanças de hábitos necessárias para aproveitar a nova tecnologia, os mais conservadores tinham medo de comprar produtos de empresas dirigidas por um rapaz de 26 anos que há menos de 5 trabalhava na garagem dos pais.

Os computadores pessoais para empresas

Em 1980, a IBM estava convencida de que precisava entrar no mercado da microinformática e o uso profissional dos micros só deslanchou quando ela entrou nesse mercado. A empresa dominava (e domina até hoje) o mercado de computadores de grande porte e, desde a primeira metade do século XX, máquinas de escrever com sua marca estavam presentes nos escritórios de todo mundo. Como não estava acostumada à agilidade do novo mercado, criado e dominado por jovens dinâmicos e entusiasmados, a gigantesca corporação decidiu que o PC não podia ser criado na mesma velocidade na qual ela estava acostumada a desenvolver novos produtos.

Por isso, a empresa criou uma força tarefa especial para desenvolver o novo produto. Assim, um grupo de 12 engenheiros liderados por William C. Lowe foi instalado em um laboratório em Boca Raton, na Flórida, longe dos principais centros de desenvolvimento da corporação que, até hoje, ficam na Califórnia e em Nova Iorque. O resultado desse trabalho foi o IBM-PC, que tinha um preço de tabela de US$ 2.820, bem mais caro que os concorrentes, mas foi um sucesso imediato. Em 4 meses foram vendidas 35 mil unidades, 5 vezes mais do que o esperado. Como observou o jornalista Robert X Cringley: “ninguém nunca tinha sido despedido por comprar produtos IBM”. Os micros deixaram definitivamente de ser um brinquedo.

A Parceria IBM – Microsoft

Como todo computador, o IBM PC precisava de um Sistema Operacional para poder ser utilizado. Durante o processo de desenvolvimento do IBM PC, houve uma tentativa sem sucesso de contratar a Digital Research, uma empresa experiente na criação de Sistemas Operacionais, para o desenvolvimento do Sistema Operacional da IBM.

Sem outra alternativa, a IBM recorreu a Microsoft que ofereceu um Sistema Operacional para a IBM, mas na verdade eles não tinham nada pronto. Ao assinar o contrato de licenciamento do DOS (Disk Operating System – Sistema Operacional de Disco) para a IBM, Bill Gates e Paul Allen foram atrás da Seatlle Computer, uma pequena empresa que desenvolvia o Sistema Operacional QDOS e que o vendeu para a Microsoft por US$ 50.000 sem imaginar o fim que esse sistema teria.

A Microsoft então adaptou-o e criou o PC-DOS. O contrato com a IBM previa uma royalty (de 10 a 50 dólares por cada máquina vendida) e um pequeno pagamento inicial. Mas o sistema continuava sobre propriedade da Microsoft, assim como a possibilidade de distribuir versões modificadas (MS-DOS).

Esse contrato é, sem dúvida alguma, um dos mais importantes do século XX pois, através desse contrato, a Microsoft deixou de ser uma microempresa de software para se tornar a empresa mais poderosa no ramo da informática e tornar Bill Gates um dos homens mais ricos do mundo atual.

A aposta da Apple para continuar no topo

Em dezembro de 1979, a Apple Computer era a empresa de maior sucesso da microinformática. O carro chefe da empresa, o Apple II+ já estava presente em escolas e residências da elite americana. Entretanto, as máquinas ainda eram difíceis de usar. Para operar um microcomputador, era preciso conhecer a “linguagem” do sistema operacional e a sintaxe correta para aplicá-la. Todas as interações do usuário com a máquina eram feitas através da digitação de comandos. Uma letra errada e a operação não era realizada, exigindo a digitação do comando correto. Assim, antes de aproveitar os benefícios da informática, era indispensável aprender todos os comandos de controle do computador.O computador da Apple estava com quase 2 anos de existência e já começava a ficar velho. A empresa precisava criar algo novo para continuar competindo.

A Xerox, empresa que dominava o mercado de copiadoras, acreditava que o seu negócio poderia perder rentabilidade com a redução do fluxo de documentos em papel, por causa do uso de documentos em formato eletrônico. Foi criado então, em 1970, o Palo Alto Research Center (PARC) com o intuito de inventar o futuro.Nessa época o PARC desenvolvia muitas novidades como as redes locais e impressoras laser, mas a pesquisa mais importante era a interface gráfica e o mouse. Após grandes desastres na tentativa de comercializar computadores do PARC (o computador do PARC saia por US$ 17 mil enquanto o da IBM custava apenas US$ 2,8 mil), a Xerox desistiu do projeto.

Steve Jobs também desenvolvia nos laboratórios da Apple Inc. a interface gráfica. Buscando saber detalhes de como ela ficaria depois de pronta, trocou opções de compra de ações da Apple por uma visita detalhada de três dias ao PARC. O primeiro produto lançado pela Apple usando os conceitos criados pela Xerox foi o Lisa. Apesar de moderno, não chegou a ser produzido em grande quantidade, pois o mercado não estava preparado para pagar quase US$ 10 mil apenas pela facilidade de uso.

Em 1979 Jef Raskin, um especialista em interfaces homem-máquina, imaginou um computador fácil de utilizar e barato para o grande público. Ele então lançou as bases do projeto Macintosh. O projeto inovador do Macintosh atraiu a atenção de Steve Jobs, que saiu do projeto Lisa com sua equipe para se concentrar no projeto Macintosh. Em janeiro de 1981, ele tomou a direção do projeto, forçando Jef Raskin a deixar o mesmo.

Em 24 de janeiro de 1984 surgiu o Macintosh, o primeiro computador de sucesso com uma interface gráfica amigável, usando ícones, janelas e mouse. Sua acolhida foi extremamente entusiástica, grande parte disso devido as campanhas publicitárias em massa da Apple. O principal anúncio de seu lançamento foi durante o intervalo da Super Bowl XVIII (evento comparável com a importância da Copa do Mundo para o Brasil). Essa propaganda é conhecida como “1984”, pois era baseada no livro “Nineteen Eighty-Four” (Mil Novecentos e Oitenta e Quatro) de George Orwell, e retrata um mundo no qual todos eram submetidos ao regime totalitário do “Big Brother” (Grande Irmão). Uma heroína representada por Anya Major destroí um telão no qual o Big Brother falava ao público. O intuito do comercial era relacionar a IBM ao “Big Brother” e a heroína à Apple.

Os “IBM-PC Compatíveis”

O mesmo grupo que criou o IBM-PC também definiu que o componente básico do computador, a BIOS, seria de fabricação exclusiva da IBM. Esse chip tem a finalidade de fornecer aos PCs uma interface de entrada e saída de dados. Como todos os outros componentes do computador eram fabricados por outras empresas, a IBM tinha nesses chips a sua maior fonte de renda e a única coisa que vinculava qualquer PC à IBM.

Algumas empresas, dentre elas a Compaq, aplicaram a técnica de engenharia reversa no BIOS, clonaram-na e construíram computadores similares ao da IBM. Em novembro de 1982, a Compaq anuncia o Compaq Portable, primeiro PC que não usa a BIOS da IBM e mantém 100% de compatibilidade com o IBM PC.

Esses computadores são conhecidos como “IBM PC compatíveis” e são os PCs que são vendidos nas lojas até hoje, apenas bem mais evoluídos do que os primeiros PCs. Isso levou a IBM a se tornar uma simples empresa que fabricava computadores pessoais e concorria como qualquer outra nesse mercado. A IBM praticamente abandonou o mercado de PCs e se dedicou ao mercado de servidores, na qual é imbatível até hoje.

Gerações de computadores

A arquitetura de um computador depende do seu projeto lógico, enquanto que a sua implementação depende da tecnologia disponível.

As três primeiras gerações de computadores refletiam a evolução dos componentes básicos do computador (hardware) e um aprimoramento dos programas (software) existentes.

Os computadores de primeira geração (1945–1959) usavam válvulas eletrônicas, quilômetros de fios, eram lentos, enormes e esquentavam muito.

A segunda geração (1959–1964) substituiu as válvulas eletrônicas por transistores e os fios de ligação por circuitos impressos, o que tornou os computadores mais rápidos, menores e de custo mais baixo.

A terceira geração de computadores (1964–1970) foi construída com circuitos integrados, proporcionando maior compactação, redução dos custos e velocidade de processamento da ordem de microssegundos. Tem início a utilização de avançados sistemas operacionais.

A quarta geração, de 1970 até hoje, é caracterizada por um aperfeiçoamento da tecnologia já existente, proporcionando uma otimização da máquina para os problemas do usuário, maior grau de miniaturização, confiabilidade e maior velocidade, já da ordem de nanossegundos (bilionésima parte do segundo).

O termo quinta geração foi criado pelos japoneses para descrever os potentes computadores “inteligentes” que queriam construir em meados da década de 1990. Posteriormente, o termo passou a envolver elementos de diversas áreas de pesquisa relacionadas à inteligência computadorizada: inteligência artificial, sistemas especialistas e linguagem natural.

Mas o verdadeiro foco dessa ininterrupta quinta geração é a conectividade, o maciço esforço da indústria para permitir aos usuários conectarem seus computadores a outros computadores. O conceito de supervia da informação capturou a imaginação tanto de profissionais da computação como de usuários comuns.

A Computação Móvel e a convergência de mídias

No início do século XXI, a partir de iniciativas de empresas como o Google, a Nokia e, sobretudo, a Apple, iniciaram uma extensão da quarta geração de computadores que resultou na unificação de linguagens de tecnologias já existentes, e conseqüente extensão das funcionalidades. A computação pessoal deixou de se limitar aos chamados desktops (outrora chamados de “microcomputadores”) e passou a incluir outros dispositivos como telefones celulares e aparelhos de televisão, bem como uma nova categoria de dispositivos chamado tablet – uma espécie de computador delgado e portátil, sem teclado físico nem mouse e com tela sensível ao toque, do tamanho de um livro. Aplicações de uso geral passaram a ser portadas para esses dispositivos e, devido ao desenvolvimento da computação em nuvem, arquivos armazenados em um dispositivo puderam ser sincronizados em outros dispositivos, tornando a computação onipresente. Estes conceitos, que estão em curso atualmente, estão progressivamente tornando mídias físicas externas obsoletas, salvo talvez os cartões de memória.

Realizações para a sociedade

Apesar de sua pequena história enquanto uma disciplina acadêmica, a ciência da computação deu origem a diversas contribuições fundamentais para a ciência e para a sociedade. Esta ciência foi responsável pela definição formal de computação e computabilidade, e pela prova da existência de problemas insolúveis ou intratáveis computacionalmente. Também foi possível a construção e formalização do conceito de linguagem de computador, sobretudo linguagem de programação, uma ferramenta para a expressão precisa de informação metodológica flexível o suficiente para ser representada em diversos níveis de abstração.

Para outros campos científicos e para a sociedade de forma geral, a ciência da computação forneceu suporte para a Revolução Digital, dando origem a Era da Informação. A computação científica é uma área da computação que permite o avanço de estudos como o mapeamento do genoma humano

A ciência normalmente é cumulativa, isto é, constroem-se instrumentos mais poderosos, efetuam-se medidas mais exatas, precisam-se melhor e ampliam-se os conceitos das teorias, etc. Embora os paradigmas possam mudar, as pesquisas normalmente evoluem com base em resultados do passado, que se constituem em fundamentos de um desenvolvimento posterior. O cientista estará mais seguro em suas pesquisas e mais preparado para novos desafios se souber de que forma seu assunto específico evoluiu historicamente, quais as dificuldades maiores, as soluções adotadas e os problemas pendentes. No caso da Computação, é necessário que apareçam trabalhos feitos por gente da área, com conhecimento ‘semântico’ e ‘sintático’ dos conceitos relacionados aos computadores. Esses trabalhos servirão como base e referência aos estudantes e novos pesquisadores, assim como ajudarão o não-especialista a entender um pouco melhor o surgimento dessa tecnologia que revolucionou a sociedade do século XX.
A História da Computação está marcada por interrupções repentinas, por inesperadas e imprevistas mudanças, tornando difícil a visão da evolução dos computadores mediante uma mera enumeração linear de invenções-nomes-datas. O desejo de conhecer as vinculações que os atos de determinados homens estabeleceram no tempo vem acompanhado do impulso de compreender o peso desses atos no conjunto da História da Computação. Buscar uma compreensão dos fatos pelos acontecimentos que o precederam, este é um dos principais objetivos que estará presente nesta visão crítica da História da Computação, com ênfase conceitual. Também se busca compreender e estabelecer as diretrizes para uma disciplina pertencente à História da Ciência: a História da Computação. Esta seria o resultado da seleção das idéias, teorias e conceitos que ajudaram os homens na sua procura pela automatização dos processos aritméticos e que conduziram à tecnologia dos computadores e à sociedade da informação.

Acessar o livro de Cléuzio Fonseca Filho:

http://www.youblisher.com/p/420079-Please-Add-a-Title/

Marcos e Figuras da Ciência Moderna

Há figuras na história da ciência em que é difícil separar a ficção da realidade. Galileu Galilei (1564-1642) é um desses casos. É-lhe atribuída a criação da ciência moderna. Embora seja bastante exagerada esta afirmação ela contém algo de verdade.

O Novo Universo. 

A concepção de que o universo não tinha centro, nem limites, e que a terra não girava à volta do Sol, fora já sustentada na antiga Grécia, mas a concepção dominante foi sempre a contrária.   Aristóteles, o grande génio da filosofia, apresentou, em defesa do geocentrismo, argumentos que foram considerados durante séculos irrefutáveis. Estes argumentos eram corroborados pelas descrições do Universo feitas na Bíblia. A grande ruptura com esta concepção geocentrica ocorreu somente no século XVI. Entre os que contribuíram para a revolução que então aconteceu destaca-se Nicolau Copérnico (1473-1543). Na sua obra Sobre as Revoluções dos Corpos Celestes explicou em pormenor como era mais belo ou estético que o centro do universo não fosse a Terra, mas o Sol. Como escreveu: “Neste templo (o cosmos), o mais belo que existe, quem poderia achar para esta lâmpada (o Sol) um lugar melhor que este (o centro), de onde pode iluminar ao mesmo tempo todas as coisas?”.

Galileu Galilei também acreditava nesta harmonia cósmica, no entanto as suas observações levaram-no a concluir que a mesma não se encaixava na antiga concepção do cosmos, finito e hierarquizado segundo graus de perfeição. As observações com a luneta revelaram-lhe que a lua não era um corpo cristalino e sem peso, pelo contrário tinha vales e altas montanhas. Acreditou mesmo que possuía rios, mares e florestas. Esqueceu-se de afirmar era habitada. O Sol perdeu também a sua perfeição cristalina, quando lhe descobriu manchas. Par espanto de todos descobriu que um planeta, Saturno, era rodeado de anéis. Esta imagem era inconcebível na concepção anterior dos astros. Todos deviamnaturalmente de ser esféricos, porque a forma mais perfeita de todas era a esfera. Observando o movimento pendular do lampadário do Duomo de Pisa mostrou ainda que o mesmo se devia ao movimento de rotação da Terra. Estes e outros fatos eram mais do que suficientes para sustentar que foi ele que apresentou provas concludentes a favor da concepção heliocêntrica do Cosmos, embora não tenha sido o seu criador.

A Criação da Física Experimental. A concepção matemática da natureza defendida por Galileu não era nova, os pitagóricos foram os primeiros a formulá-la na antiga Grécia, mas ninguém o conseguira demonstrar. Neste aspecto, fez aquilo que ninguém alcançara: fazer uma descrição matemática dos movimentos dos corpos. Para isso utilizou um novo método – o método experimental. Não foi também ele o seu criador. Há muito que pululavam por toda a Europa filósofos que o defendiam, afirmando que todas as teorias deveriam ser demonstradas através de experiências. Mas Galileu foi mais longe, construiu instrumentos para medir rigorosamente, por exemplo, a queda dos corpos. Afirmou todavia que fazia estas experiências não para se convencer a si mesmo, mas para convencer os outros.

Uma coisa podemos todavia concluir, é que quando Galileu morre, todos aqueles que se dedicavam à descoberta da natureza, tinham-no como uma referência. Ele era o símbolo de uma ciência que procurava através do método experimental, descobrir as leis matemáticas que governavam os fenômenos naturais. A nova concepção do universo, heliocêntrica, apesar de ser condenada pela Igreja era aceite por uma vasta comunidade científica. Lentamente desde finais do século XV começou a difundir-se uma outra concepção mais radical que retomava as idéias dos atomistas gregos: o universo era infinito e os corpos constituidos por átomos. Mas essa é outra história.

Isaac Newton (1642-1727) é outra das figuras envolta em lendas, são-lhe atribuídas mais descobertas do que aquelas que terá porventura feito. Não parece ter qualquer veracidade a história da maçã que lhe caiu em cheio no nariz quando debaixo de uma macieira refletia sobre os problemas da filosofia natural. Tudo não passou de um invenção do seu sobrinho que contou a Voltaire e este se encarregou escrever e difundir. Outras coisas oferecem todavia menos dúvidas.

O Cálculo Infinitesimal foi o poderoso instrumento matemático que lhe serviu para muitas das suas descobertas. A sua criação foi o culminar do trabalho de gerações de matemáticos desde a antiga Babilônia, passando no século XVII por figuras como Fermat ou Descartes, e a que Leibniz (1646-1716) deu a forma que hoje lhe conhecemos.

A invenção foi atribuída a Newton, o que é injusto para Leibniz. O importante é que Newton o soube aplicar e ensinou outros a fazê-lo.

O Universo Newtoniano. A idéia que o universo é uma espécie de um grande relógio que funciona segundo leis naturais simples (matemáticas), e que uma vez posto em movimento por Deus se mantém eternamente, não era seguramente uma idéia nova. Ao longo de todo o século XVII muitos a haviam defendido como Descartes. Mas a descoberta da Lei da Gravitação Universal por Newton, deu uma outra consistência a estas idéias. Era a prova que faltava para que pudesse ser assumida como uma teoria científica. A astronomia matemática tornava-se assim uma das referências fundamentais da ciência moderna. A sua mecânica assentava em alguns princípios que julgou eternos: o conceito de um tempo e um espaço absolutos, e a transmissão instantânea da atração gravitacional. A história veio depois a mostrar que em ciência, nada é absoluto, tudo está sempre a ser revisto. No seu tempo, os países passaram a medirem-se não apenas pelo seu desenvolvimento econômico, mas também pelo avanço das suas ciências. Newton teve neste ponto uma influência determinante, não fosse um dos símbolos do progresso e poder do Reino Unido.

A imagem do universo de Newton deixou ao seus contemporâneos como o retrato fiel da natureza não durou nem meio século. Era demasiado estático, numa altura que os homens começavam a pedir mudanças. Em meados do século XVIII aparecem as primeiras teorias sobre a origem do universo. Muitas das suas formulações eram idênticas às dos antigos atomistas da antiga Grécia e Roma, mas o modo como eram agora apresentadas faziam uma grande diferença. Em 1745, o naturalista Buffon apresenta uma hipótese sobre a formação da Terra e dos Planetas, dizendo que se haviam formado a partir de fragmentos de matéria solar que haviam sido libertados em conseqüência de um choque entre o Sol e um grande cometa. Dez anos depois o célebre filósofo Kant, em 1755, formula uma nova explicação para a origem do sistema solar, com base em leis inerentes à própria matéria, sem intervenção de forças divinas, sobrenaturais. No final do século, o matemático e astrônomo Laplace publica, em 1796, a obra Exposição do Sistema do Mundo, onde enuncia, nas notas,a sua hipótese da formação do sistema solar que, em muitos pontos, era idêntica à de Kant. A sua hipótese é rapidamente aceite entre os cientistas que a adotam durante mais de século e meio.

Há medida que se difundia estas novas concepções do universo, mais clara se tornava a questão de fundo: – Porque excluir o Homem de um processo evolutivo que se aceitava ter ocorrido no Universo? No século V a.C. já Anaximandro de Mileto havia afirmado que os primeiros homens tinham origem noutros espécies, oriundas do mar. As primeiras idéias evolucionistas, apoiadas em observações naturalistas, devem-se ao botânico Lamarck (1744-1829). Outros se lhe seguiram. O mais célebre de todos foi Charles Darwin (1809-1882), que se tornará especialmente conhecido pela sua teoria sobre a evolução da espécie humana. Darwin caracteriza-a como um brutal processo de seleção natural das espécies de primatas, através da qual só os mais aptos sobrevivem, e os menos aptos são progressivamente eliminados. O Homem atual, se perdia desta forma a presunção de ter sido criado diretamente por Deus, não deixava contudo de poder orgulhar-se de resultar de um apuramento entre os melhores, os mais aptos. No nosso século, a ciência irá precisamente sustentar não devemos confundir mais adaptados ao meio como mais inteligentes. O Homem terá surgido dos mais fracos e impreparados biologicamente para resistirem às adversidades do meio. Esta desvantagem aguçou-lhes a inteligência, levando-os a inventarem outros recursos para poderem sobreviver.

O campo das ciências médicas no século XIX é atravessado por notáveis descobertas que proporcionarão erradicar as causas que milenares flagelos. Num campo insuspeito, o das doenças mentais, Sigmund Freud ((1856-1939) mudará a nossa concepção do próprio homem. Acreditando que existia um determinismo na nossa atividade psíquica que nos permite explicar mesmos as ações aparentemente sem qualquer explicação, descobriu que a causa profunda do nosso comportamento estava no Inconsciente, onde encontrou uma força dinâmica onde se agitam desejos e paixões, que nos “dirigem” desde que nascemos, apesar de todas as censuras.

Conceitos oriundos do método psicanalítico, criado por Freud, irão influenciar todas as ciências, ditas sociais e humanas. Foi acusado de reduzir as causas do comportamento humano, a simples problemas de natureza sexual. Uma coisa é certa, as suas idéias permitiram-nos perceber que os verdadeiros motivos que nos levam a agir, não são necessariamente os que afirmamos ou temos consciência. O homem tornou-se mais do que nunca um enigma para ele próprio.

Há figuras incontornáveis no século XX, uma delas é Albert Einstein (1879-1955). Em 1905, com apenas 26 anos de idade, publica quatro estudos que revolucionaram as bases da ciência moderna, pondo fim aos princípios absolutos de Newton. No primeiro artigo, aplicando à luz a teoria dos quanta de Max Planck, explica o efeito fotoelétricos: os quanta de luz, suficientemente enérgicos, podem extrair elétrons dos corpos em que batem. O próprio Planck hesita em aceitar esta conclusão. No segundo artigo, demonstra que o movimento browniano, que se manifesta pela ação caótica das partículas diluídas num gás ou num líquido, é um verificação observável da teoria molecular da matéria.

No terceiro artigo estabelecia o célebre princípio da equivalência da energia e da massa. O quarto formulava as bases da Teoria da Relatividade, primeiro restrita a sistemas com movimentos uniformes uns em relação aos outros. Chega assim à mítica fórmula: E = mc2. O seu significado pode não ser facilmente apreendido, mas todos sabemos que a mesma foi provada de uma forma absolutamente terrível com a bomba atômica, onde uma pequeníssima quantidade de urânio transforma a sua massa minúscula em enorme energia. Uma quantidade que foi suficiente para arrasar as cidades de Hiroxima e Nagazaqui. Com Einstein não apenas se modificaram os nossos conceitos sobre o espaço, tempo, energia, matéria e tantos outros que deixaram de ser encarados como algo absoluto. Foi também durante a sua vida que se alterou o nosso entendimento em relação à ciência. Esta deixou de ser apenas sinônimo de progresso da humanidade, para ser igualmente sinônimo de atentados contra o gênero humano em que participam muitos cientistas. A ciência tornou-se hoje um vasto conjunto de atividades, altamente especializadas, envolvendo enormes investimentos, cujos resultados se expressam freqüentemente sob a forma de teorias dificílimas de entender pelos não iniciados. Mas nunca foi tão necessário, como agora, compreendê-la. Esta parece ser a única certeza.

 

Demócrito e suas Teorias

Demócrito fez uma tentativa bem independente de reconstrução. Como Sócrates, seu contemporâneo, defrontou-se com as dificuldades referentes ao conhecimento, levantadas pelo seu concidadão Protágoras e outros, e, da mesma forma que ele, deu grande atenção ao problema do comportamento, ao qual também os sofistas deram impulsos. Ao contrário de Sócrates, porém, ele era um autor volumoso, e nós ainda podemos constatar, através dos seus fragmentos, que era um dos maiores escritores da Antigüidade. Para nos, contudo, é como se não tivesse escrito quase nada; de fato, sabemos menos a seu respeito do que de Sócrates. Isto deve-se ao fato de ele ter escrito em Abdera, e as suas obras na realidade nunca foram bem conhecidas em Atenas, onde teriam tido a possibilidade de serem preservadas, como aquelas de Anaxágoras e outrem, na biblioteca da Academia. Não é certo que Platão haja conhecido alguma coisa sobre Demócrito, pois que as poucas passagens no Timeu e alhures, no qual parece que o reproduz, são facilmente explicadas pelas influências pitagóricas que afetaram a ambos. Aristóteles, por outro lado, conhece bem Demócrito, pois era também jônio do Norte.

É certo, não obstante, que as obras completas de Demócrito (que incluem as obras de Leucipo e outros, bem como as de Demócrito) continuaram a existir, porquanto a escola as conservou em Abdera e Teos ao longo dos tempos helenísticos. Por isso, foi possível para Trasilo, sob o reinado de Tibério, fazer uma edição das obras de Demócrito, organizada em tetralogias, exatamente como sua edição dos diálogos de Platão. Mesmo isso não foi suficiente para preservá-las. Os epicuristas, que tinham a obrigação de ter estudado o homem a quem deviam tanto, detestavam qualquer tipo de estudo, e provavelmente nem se preocuparam em multiplicar os exemplares de um escritor cujas obras teriam sido um testemunho permanente para a carência de originalidade que caracterizou o próprio sistema deles.

Sabemos extremamente pouco sobre a vida de Demócrito. Como Protágoras, era natural de Abdera na Trácia, uma cidade que nem mereceria a reputação proverbial de embotamento, considerando que pode dar origem a dois homens de tanta envergadura. Quanto à data do seu nascimento, temos apenas conjeturas para nos orientar. Em uma das principais obras, afirmou que elas foram escritas 730 anos após a queda de Tróia; não sabemos; porém, quando, segundo a suposição dele, isto ocorrera. Havia nessa época e posteriormente diversas eras em uso. Disse também algures que, quando Anaxágoras era velho, ele era jovem, e a partir dai concluiu-se que nasceu em 460 a.C. Parece, entretanto, cedo demais, visto estar baseado na hipótese de que tinha quarenta anos quando se encontrou com Anaxágoras, e a expressão “jovem” sugere menos que esta idade. Demais, cumpre-nos encontrar um espaço para Leucipo entre eles [Demócrito] e Zenão. Se Demócrito morreu, como se diz, com a idade de noventa ou cem anos, de qualquer maneira ainda vivia quando Platão fundara a Academia. Mesmo a partir de fundamentos meramente cronológicos, é falso classificar Demócrito entre os predecessores de Sócrates, e obscurece o fato de que, como Sócrates, ele tentou responder ao seu distinto concidadão Protágoras.

Demócrito foi discípulo de Leucipo, e temos uma prova contemporânea, a de Glauco de Régio, que também os pitagóricos foram seus mestres. Um membro posterior da escola, Apolodoro de Quizico, diz que tomou conhecimento por intermédio de Filolau, o que parece muito provável. Isto esclarece o seu conhecimento geométrico, bem como, outros aspectos do seu sistema. Sabemos, outrossim, que Demócrito falou nas obras das doutrinas de Parmênides e Zenão, que chegou a conhecê-las através de Leucipo. Fez menção a Anaxágoras, e parece ter dito que a sua teoria do sol e da lua não era original. Isto pode referir se à explicação dos eclipses, que geralmente fora atribuída em Atenas, e sem dúvida alguma na Jonia, a Anaxágoras, ainda que Demócrito naturalmente estivesse ciente de ser ela pitagórica.
Diz-se ter visitado o Egito, mas há uma certa razão para se acreditar que o fragmento onde isto é mencionado (fragmento 298 b) é apócrifo. Há um outro (fragmento 116) no qual ele diz: “Eu fui a Atenas e ninguém tomou conhecimento de mim”. Se disse isto, sem dúvida deu a entender que não conseguira causar uma impressão tal como o fizera o seu mais brilhante concidadão Protágoras. Por outro lado, Demétrio de Falerão afirmou que Demócrito jamais visitou Atenas; então é possível que este fragmento também seja apócrifo. Seja como for, ele deve ter despendido a maior parte do seu tempo no estudo, ensinando e escrevendo em Abdera. Não era um sofista itinerante do tipo moderno, mas sim o cabeça de uma escola regular.

A verdadeira grandeza de Demócrito não está na teoria dos átomos e do vazio, que ele parece ter exposto bem conforme a tinha recebido de Leucipo. Menos ainda está no seu sistema cosmológico, que deriva mormente de Anaxágoras. Pertence inteiramente a uma outra geração que a desses homens, e não está preocupado de modo especial em encontrar uma resposta a Parmênides. A questão à qual tinha que se dedicar era a de sua própria época. A possibilidade de ciência havia sido negada, bem como todo o problema do conhecimento levantado por Protágoras, e era isto que exigia uma solução. Ademais, o problema do comportamento tornara-se premente. A originalidade de Demócrito, portanto, está precisamente na mesma linha que a de Sócrates.
Teoria do Conhecimento

 

Demócrito procedeu como Leucipo ao fazer uma avaliação puramente mecânica da sensação, e é provável que ele seja o autor da doutrina minuciosa dos átomos com respeito a este assunto. Uma vez que a alma se compõe de átomos como qualquer outra coisa, a sensação deve consistir no impacto dos átomos externos sobre os átomos da alma, e os órgãos dos sentidos devem ser simplesmente ”passagens” (póroi = poros) através das quais estes átomos se introduzem. Disto decorre que os objetos da visão não são estritamente as coisas que nós mesmos presumimos ver, mas as “imagens” (deíkela, eídola) que os corpos estão constantemente emitindo. A imagem na pupila do olho era considerada como a coisa essencial em visão. Não é, porém, uma semelhança exata do corpo do qual provém, pois está sujeita às distorções causadas pela interferência do ar. Este é o motivo por que vemos as coisas a distância de um modo embaraçado e indistinto, e por que, se a distância for grande, não podemos vê-las de modo algum. Se não houvesse ar, mas somente o vazio, entre nós e os objetos da visão, isto não seria assim; “poderíamos ver uma formiga rastejando no firmamento”. As diferenças de cor devem-se à lisura ou aspereza das imagens ao tato. A audição explica-se de uma maneira similar. O som é uma torrente de átomos que jorram do corpo sonante e produzem movimento no ar entre ele [corpo] e o ouvido. Chegou, portanto, ao ouvido junto com aquelas porções do ar que se Ihe assemelham. As diferenças de paladar são devidas às diferenças nas figuras (eide, skhémata) dos átomos que entram em contato com os órgãos desse sentido; e o olfato explica-se semelhantemente, embora não com os mesmos detalhes. De modo idêntico, o tato, considerado como o sentido pelo qual sentimos o calor e o frio, o molhado e o seco e outros que tais, é afetado de acordo com a forma e o tamanho dos átomos chocando nele.
Aristóteles afirma que Demócrito reduziu todos os sentidos ao tato, e é realmente verdade se entendermos por tato o sentido que percebe qualidades, tais como forma, tamanho e peso. Este, todavia, deve ser cautelosamente distinguido do sentido próprio do tato, que acima foi descrito. Para compreender esta questão, temos que considerar a doutrina do conhecimento “legítimo” e “ilegítimo”

É aqui que Demócrito entra nitidamente em conflito com Protágoras, que asseverou serem todas as sensações igualmente verdadeiras para o objeto sensível. Demócrito, pelo contrário, considera falsas todas as sensações dos sentidos próprios, posto que elas não têm uma contrapartida real fora do objeto sensível. Nisto, naturalmente, está em conformidade com a tradição eleática onde repousa a teoria atômica. Parmênides afirmara claramente que o paladar, as cores, o som e outros semelhantes eram apenas “nomes” (onómata), e é bastante idêntico a Leucipo que disse algo de parecido, apesar de não haver razão de se acreditar que ele tenha elaborado uma teoria sobre o assunto. Seguindo o exemplo de Protágoras, Demócrito foi obrigado a ser explícito com referência à questão. Sua doutrina, felizmente, foi-nos preservada através de suas próprias palavras. “Por convenção (nómo)”: disse ele (fragmento 125), “há o doce; por convenção há o amargo; por convenção há o quente e por convenção há o frio; por convenção há a cor”.Porém, na realidade (etee), há os átomos e o vazio. Deveras, as nossas sensações não representam nada de externo, apesar de serem causadas por algo fora de nós, cuja verdadeira natureza não pode ser apreendida pelos sentidos próprios. Esta é a razão por que a mesma coisa às vezes dá a sensação de doce e às vezes de amargo. “Pelos sentidos”, afirmou Demócrito (fragmento 9), “nós na verdade não conhecemos nada de certo, mas somente alguma coisa que muda de acordo com a disposição do corpo e das coisas que nele penetram ou Ihe opõem resistência”. Não podemos conhecer a realidade deste modo, pois “a verdade jaz num abismo” (fragmento 117). Vê-se que esta doutrina tem muito em comum com a distinção moderna entre as qualidades primárias e secundárias da matéria.

Demócrito, pois, rejeita a sensação como fonte de conhecimento, exatamente como fizeram os pitagóricos e Sócrates; contudo, como eles, ressalva a possibilidade de ciência, afirmando que existe uma outra fonte de conhecimento que não a dos sentidos próprios. “Há”, diz ele (fragmento 11), “duas formas de conhecimento (gnóme): o legítimo (gnesíe) e o ilegítimo (skotíe). Ao ilegítimo pertencem todos estes: a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato. O legítimo, porém, está separado daquele”. Esta é a resposta de Demócrito a Protágoras. Ele diz que o mel, por exemplo, é tanto amargo quanto doce, doce para mim e amargo para você. Na realidade, é “não mais tal do que tal” (oudèn mãllon toion è toion). Sexto Empírico e Plutarco afirmaram claramente que Demócrito argüiu contra Protágoras, e o fato, por conseguinte, está fora da discussão.

Ao mesmo tempo, não se pode ignorar que Demócrito dera uma explicação puramente mecânica deste conhecimento legítimo, como o fizera do ilegítimo. Defendeu, com efeito, que os átomos fora de nós poderiam afetar diretamente os átomos da nossa alma sem a intervenção dos órgãos dos sentidos. Os átomos da alma não se restringem a algumas partes específicas do corpo, mas nele penetram em qualquer direção, e não há nada que os impeça de ter contato imediato com os átomos externos, chegando assim a conhecê-los como realmente são. O “conhecimento legítimo” é, afinal de contas, da mesma natureza do “ilegítimo”, e Demócrito recusou-se, como Sócrates, a fazer uma separação absoluta entre os sentidos e o conhecimento. “Pobre Mente”, imagina ele os sentidos dizerem (fragmento 125); “é por causa de nós que conseguiste as provas com as quais atiras contra nós. Teu tiro é uma capitulação.” O conhecimento “legítimo” não é, apesar de tudo, pensamento, mas uma espécie de sentido interno, e seus objetos são como os “sensíveis comuns” de Aristóteles.
Como seria de esperar de um seguidor dos pitagóricos e de Zenão, Demócrito ocupou-se com o problema da continuidade. Em uma passagem digna de nota (fragmento 155), ele o confirma desta forma: “Se um cone fosse cortado por um plano em linha paralela à base, o que se deveria pensar das superfícies das duas partes cortadas? Seriam iguais ou desiguais? Se forem desiguais, farão irregular o cone, pois ele terá muitas incisões em forma de degraus e muitas asperezas. Se forem iguais, então as partes cortadas serão iguais, e o cone terá a aparência de um cilindro, que é composto de círculos iguais e não desiguais, o que é o maior absurdo”. Segundo um comentário de Arquimedes, parece que Demócrito prosseguiu afirmando que o volume do cone era a terça parte do volume do cilindro sobre a mesma base e do mesmo peso, cujo teorema foi demonstrado primeiro por Eudoxo. É evidente, pois, que ele estava empenhado em problemas tais como aqueles que finalmente deram origem ao método infinitesimal do próprio Arquimedes. Vemos mais uma vez como foi importante a obra de Zenão como um fermento intelectual.
Teoria do Comportamento

 

As concepções de Demócrito sobre o comportamento seriam até mais interessantes do que a sua teoria do conhecimento, se pudéssemos restabelecê-las integralmente. É muito difícil, porém, ter certeza sobre quais dos preceitos morais a ele atribuídos são genuínos. Não há dúvida de que o tratado Sobre a Boa Disposição ou Bem-Estar (Perí Euthymíes) era seu. Foi utilizado livremente por Sêneca e Plutarco, e alguns fragmentos importantes do tratado sobreviveram.

[O tratado] partia (fragmento 4) do princípio de que o prazer e a dor (térpsis e aterpsíe) são o que determina a felicidade. Isto quer dizer fundamentalmente que a felicidade não deve ser procurada nos bens exteriores. “A felicidade não reside em rebanhos, nem em ouro; a alma é a moradia do daímon” (fragmento 171). Para compreender isto, devemos lembrar que a palavra daímon, que significava propriamente um espírito protetor do homem, tem sido usada no sentido equivalente de “boa sorte”. É, como foi dito, o aspecto individual de týkhe, e a palavra grega que traduzimos por “felicidade” (eudaimonía) baseia-se neste uso. De um lado, pois, a doutrina da felicidade ensinada por Demócrito é intimamente afim com a de Sócrates, embora dê mais ênfase ao prazer e à dor. “O melhor para o homem é levar a vida com o máximo de alegria e o mínimo de aborrecimentos” (fragmento 189).
sto não é, porém, hedonismo vulgar. Os prazeres dos sentidos são prazeres verdadeiros tão breves como as sensações são verdadeiro conhecimento. “O bom e o verdadeiro são a mesma coisa para todos os homens, mas o agradável é diferente para gente diferente” (fragmento 69). Além disso, os prazeres dos sentidos são de duração demasiado curta para preencher uma vida, e facilmente se transformam ao contrário. Nós somente podemos ter certeza de superar a dor pelo prazer se não procurarmos os nossos prazeres nas coisas “mortais” (fragmento 189).

O que devemos nos esforçar por conseguir é o “bem-estar” (euestó) ou a “alegria” (euthymíe), e este é um estado da alma. Para atingi-lo, devemos ser capazes de ponderar, julgar e discernir o valor dos diferentes prazeres. Demócrito afirmou, como Sócrates, que “a ignorância do melhor” (fragmento 83) é a causa do erro. Os homens puseram a culpa na sorte, mas esta é apenas uma “imagem” que inventaram para justificar a sua própria ignorância (fragmento 119). 0 grande principio que nos deve guiar é o da “simetria” ou “harmonia”. Este é, sem dúvida, pitagórico. Se aplicarmos este critério aos prazeres, poderemos alcançar o sossego, o sossego do corpo, que é a saúde, e o sossego da alma, que é a alegria, cujo sossego se deve procurar principalmente nos bens da alma. “Quem escolhe os bens da alma, escolhe os mais divinos; quem escolhe os bens do ‘tabernáculo’ (isto é, o corpo), escolhe os humanos” (fragmento 37).
Para o nosso presente objetivo, não é necessário discutir detalhadamente a cosmologia de Demócrito. Ela é totalmente retrógrada e demonstra, se fosse preciso uma demonstração, que o seu real interesse está em outro sentido. Ele herdara a teoria dos átomos e do vazio de Leucipo, que foi um verdadeiro gênio neste campo, e, quanto ao resto, contentou-se em adotar a crua cosmologia dos jônios, como Leucipo houvera feito. Deve ter conhecido ainda o sistema mais cientifico de Filolau. A idéia da forma esférica da Terra era amplamente difundida na época de Demócrito, e Sócrates é descrito no Fédon tomando-a por certa. Para Demócrito, a Terra era ainda um disco. Ele também aderiu a Anaxágoras defendendo que a Terra era sustentada no ar “como a tampa de uma tina”, cuja concepção Sócrates rejeita enfaticamente. Por outro lado, Demócrito parece ter contribuído valiosamente à ciência natural. Infelizmente, as nossas informações são extremamente escassas para possibilitar mesmo uma reconstrução aproximada do seu sistema. A perda da edição completa das suas obras feita por Trasilo é talvez a mais deplorável das muitas perdas desse tipo. É possível que tenham sido abandonadas à ruína porque Demócrito chegara a compartilhar do descrédito que o prendera aos epicureus. O que temos dele foi preservado principalmente porque ele foi um grande criador de frases notáveis, que foram dignas de constar nas antologias. Este, porém, não é o tipo de material que se requer para a interpretação de um sistema filosófico, e é muito duvidoso se de fato conhecemos as suas idéias mais profundas. Ao mesmo tempo, não podemos deixar de reconhecer que é sobretudo pelo seu mérito literário que lamentamos a perda das obras. Tem-se a impressão de que ele se situa à parte da corrente principal da filosofia grega, e é a esta que devemos agora retornar. Do nosso ponto de vista, o único fato importante com referência a Demócrito é que ele também sentiu a necessidade de uma resposta a Protágoras.

OBRAS UTILIZADAS

DURANT, Will, História da Filosofia – A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.

FRANCA S. J., Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.

PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís, História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.

VERGEZ, André e HUISMAN, Denis, História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.

Coleção Os Pensadores, Os Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Introdução à teoria das descrições de Russell

Usamos cotidianamente um conjunto de expressões para captar, selecionar ou referir uma determinada coisa particular e podermos em seguida dizer algo sobre essa coisa. Expressões desse tipo incluem nomes próprios, como “Platão” ou “João”, descrições definidas, como “o rei da França” ou “o autor da República”, demonstrativos, como “este” ou “isto”, etc. O uso cotidiano de tais expressões pode parecer não envolver problema filosófico algum. Afinal, o que poderia haver de mais banal? Mas, infelizmente (ou felizmente?) há problemas filosóficos dificílimos envolvidos aí. Bertrand Russell notou isso, e desenvolveu uma curiosa análise das expressões do segundo tipo mencionado, estendendo-a, posteriormente, às do primeiro tipo. Russell pensava que se a sua análise estivesse correta, seria capaz de resolver um conjunto de problemas filosóficos que vão da filosofia da linguagem à metafísica. O principal objetivo deste trabalho é propor uma introdução acessível a essa análise, conhecida como Teoria das Descrições, sem esquecer o número gigantesco de críticas e defesas levantadas a favor e contra ela.

Em 1905 Russell publicava um pequeno artigo chamado “On Denoting”, onde apresentou sua famosa teoria das descrições. Esta teoria tornou-se um verdadeiro paradigma da discussão na filosofia contemporânea. Consiste num método de análise de descrições definidas (expressões do tipo “o tal-e-tal”) e indefinidas (expressões do tipo “um tal-e-tal”). Ainda hoje, a teoria das descrições recebe muitas críticas e elogios. Deu origem a novos debates sobre temas como referência, nomes próprios, análise, problemas metafísicos relativos à existência de certas entidades, etc. Não me ocuparei de qualquer destes problemas exaustivamente, embora cada um mereça uma discussão isolada. O meu interesse neste texto é uma questão mais geral: oferecer uma introdução à teoria das descrições e um ligeiro debate sobre o valor do método de análise oferecido por Russell como um todo.

Embora a teoria das descrições se tenha tornado bastante popular e por algum tempo quase imune a críticas (na verdade, foram quarenta e cinco anos sem críticas influentes, o que é um grande feito em filosofia), em 1950 P. F. Strawson publicou uma vasta crítica, que pretendia atacar praticamente toda teoria de Russell. Daí para frente, as críticas não pararam mais, passando por Donnellan, Kripke e muitos outros. Essas críticas podem dividir-se em dois grupos (distinção de Peter Hylton 2003: 228): as que dizem respeito à correção da análise de Russell para descrições definidas e as que dizem respeito à extensão dessa análise para os nomes próprios. Neste texto apresento apenas as primeiras.

Este trabalho está dividido em quatro partes. Na primeira, faço uma pequena explicação de funções proposicionais e quantificadores. As noções de função proposicional e de quantificador são de extrema importância para a compreensão da teoria das descrições. Em “On Denoting” Russell expõe essas noções de modo um tanto complicado. Acabei optando por dedicar a Parte I a uma exposição informal desses conceitos. Penso que isso facilitará a leitura do restante do texto, mas, para aqueles que já têm um conhecimento mínimo desses tópicos, nada será perdido se começarem a leitura diretamente pela segunda parte. Na segunda, exponho os três enigmas que, segundo Russell (e neste ponto tinha razão), uma teoria satisfatória da denotação deve resolver. Nas Partes III e IV exponho respectivamente a teoria das descrições e as suas críticas.

I. Noções fundamentais

As noções que serão explicadas nesta parte são as de função proposicional e de quantificador. O intuito, como já foi dito, é facilitar a compreensão do que vem a seguir, e a exposição será bastante informal. Comecemos por função proposicional.

Em Introdução à Filosofia Matemática Russell afirma que muitos lógicos foram levados a erros por falta do aparato das funções proposicionais1 (Russell 1919: 202). Esse aparato é uma ferramenta importante na tentativa do filósofo de resolver problemas filosóficos com a teoria das descrições. Russell define funções proposicionais da seguinte maneira:

Uma função proposicional, de fato, é uma expressão que contém um ou mais constituintes indeterminados, tais que, quando se atribui valores a esses constituintes a expressão se torna uma proposição. Em outras palavras é uma função cujos valores são proposições. (Russell 1919: 188)

Deste modo, “x é mortal” é uma função proposicional, e quando se atribuir um valor a x, torna-se uma proposição verdadeira ou falsa. Por exemplo, se x for substituído por Sócrates, tornar-se-á uma proposição cujo valor é verdadeiro. Enquanto x permanecer indeterminado, a função não é verdadeira nem falsa. A função “x é mortal” pode ser simbolizada como M(x) onde M simboliza o predicado mortal e x é a variável. Neste contexto, exemplos de funções proposicionais seriam os seguintes:

1) x é mortal, ou M(x)
2) x é bonito, ou B(x)
3) x é uma girafa, ou G(x)

Vimos que em 1 a substituição de x por Sócrates gera uma proposição verdadeira. Mas se substituirmos x por Sócrates em 2 teremos “Sócrates é bonito” e, portanto, uma proposição falsa (todo mundo sabe que ele era feio). Do mesmo modo, se substituirmos x por Sócrates em 3 teremos uma proposição falsa. Visto isso, passemos aos quantificadores.

Mencionei que uma função não é nem verdadeira nem falsa, pois não é uma proposição; contudo, podemos dizer quantas vezes uma função forma uma proposição verdadeira. Para isso usamos quantificadores. Note-se os seguintes exemplos:

1) Todo x é mortal.
2) Nenhum x é mortal.
3) Algum x é mortal.

4 significa que qualquer valor que atribuirmos a x em “x é mortal”, resultará numa proposição verdadeira. 5 significa que as substituições nunca resultarão numa proposição verdadeira, e 6 significa que pelo menos uma vez a substituição resultará numa proposição verdadeira2. Assim, poderíamos dizer o seguinte:

“4” significa que: “x é mortal” é verdadeira para todo valor de x.3
“5” significa que: “x é mortal” é falsa para todo valor de x.
“6” significa que: “x é mortal” é verdadeira para pelo menos um valor de x.4

Se, como antes, formalizarmos a função “x é mortal” como M(x), e formalizarmos “para todo (valor de) x” como (x) e “para algum (valor de) x” como (∃x). Teremos que:

4: (x) M(x)
6: (
x) M(x)

A partir daqui, podemos formalizar 5, nenhum x é mortal, como a negação de 6:

5: ~(x) M(x)

Portanto, “todo o x é mortal” seria equivalente a “para todo o x, x é mortal”, “algum x é mortal” seria equivalente a “existe um x que é mortal” e “nenhum x é mortal” seria equivalente a “não existe um x que é mortal”. Por hora isto é suficiente.5

II. Três enigmas

Finalmente, podemos passar para os três enigmas. Todos os enigmas que mencionarei surgem de concepções aparentemente legítimas e que não deveriam nos levar a problema algum — mas levam. Em primeiro lugar, há uma classe de termos, chamados termos singulares, que servem de exemplos aparentemente incontroversos de termos que utilizamos para selecionar ou referir coisas no mundo. Dentre esses termos, estão os nomes próprios e as descrições definidas. (Qual é o significado dos nomes próprios e das descrições definidas? O que mais poderia ser se não o objeto referido por eles?). Pode parecer muito plausível alegar, com relação a esses termos, que a única contribuição que fazem para o significado das frases a que pertencem é a introdução de um referente. Desse modo, a única contribuição que o nome “Sócrates” faz para o significado da frase “Sócrates é mortal” é introduzir um objeto (nomeadamente, a própria pessoa Sócrates) no discurso e, em seguida, com o resto da frase, lhe predicamos uma propriedade (obviamente, a propriedade de ser mortal).

O mesmo aconteceria com descrições definidas como “O atual presidente do Brasil”. Se digo “O atual presidente do Brasil gosta de cachaça”, estou selecionando um objeto particular (Lula) e lhe atribuindo uma propriedade (a propriedade de gostar de cachaça). Para ver como isso é plausível à primeira vista, tente encontrar outro significado para essas expressões, que não o objeto selecionado por elas, e provavelmente encontrará bastante dificuldade. À teoria que afirma que a única função semântica de nomes, descrições ou qualquer outro termo singular é introduzir um referente chamarei teoria da referência direta.6

Nem sempre as coisas são tão simples. Como veremos a seguir, essas intuições aparentemente óbvias nos deixam numa situação difícil, colocando três problemas dificílimos de serem resolvidos. Esses problemas foram uma das principais razões para Russell ter recusado que a única função das descrições definidas é introduzir um referente no discurso (posteriormente, alegou o mesmo em relação aos nomes). Vejamos, então, os enigmas.7

Primeiro enigma: o problema da substituibilidade

Russell expõe este problema da seguinte maneira:

“Se “a” é idêntico a “b” o que quer que seja verdadeiro de um é verdadeiro do outro, e até se pode substituir um pelo outro em qualquer proposição sem alteração da verdade ou falsidade dessa proposição. Ora, George IV desejava saber se Scott era o autor de Waverley; e de fato Scott era o autor de Waverley. Conseqüentemente, podemos substituir “o autor de Waverley” por “Scott” e dessa maneira provar que George IV desejava saber se Scott era Scott”.8 (Russell 1905: 35; tradução minha)

Vimos que aparentemente não haveria problema algum em presumir que o significado de uma descrição definida ou um nome próprio é o objeto selecionado ou referido por eles. Conforme sabemos, Lula é o presidente do Brasil, e, portanto, as expressões “Lula” e “o atual presidente do Brasil” selecionam ou referem o mesmo objeto. Ora, uma vez que supomos antes que o significado de uma descrição ou nome é o objeto referido por eles (e o objeto referido por ambas expressões é o mesmo), devemos presumir também que “Lula” e “O atual presidente do Brasil” signifiquem a mesma coisa. Assim, essas expressões seriam semanticamente equivalentes, ou seja, contribuem da mesma forma para o significado das frases que as contêm.

Se isto for assim, então a substituição de um pelo outro não deveria alterar a verdade da proposição. Desse modo, a substituição de “Lula” em “Lula gosta de cachaça” por “o atual presidente do Brasil”, resultaria em “O atual presidente do Brasil gosta de cachaça”. Essa substituição não muda o valor de verdade da proposição. Se a primeira é verdadeira, então a segunda também será, e se a primeira for falsa, então a segunda também será.

Agora, imagine que João deseja saber se Lula é o atual presidente do Brasil. Podemos expressar o desejo de João dizendo que “João deseja saber se Lula é o atual presidente do Brasil”. Ora, seguindo o que foi dito acima, eu poderia substituir “o atual presidente do Brasil” por “Lula”, nessa frase. E o resultado seria que “João deseja saber se Lula é Lula”. O problema é que nesse caso, diferentemente do caso citado anteriormente, a substituição de um termo singular por outro termo singular co-referencial (ou seja, que refere a mesma coisa) parece ter alterado a verdade da proposição. Afinal, do fato de que João deseja saber se Lula é o presidente do Brasil não podemos concluir que ele deseja saber se Lula é Lula. “Lula é Lula” é uma identidade trivial e, com certeza, não era isso que João queria saber. Assim, alguma coisa parece estar errada com a noção de referência direta.

Segundo enigma: o enigma do terceiro excluído

Pense-se nos seguintes exemplos:

1) Lula é careca.
2) Lula não é careca.

Lembrando que a expressão “Lula” é um termo singular (um nome próprio), o seu significado deveria ser, segundo a teoria da referência direta, o objeto referido por ela. Desse modo, o significado do nome “Lula” é a pessoa Lula. Assim, 1 diz que essa pessoa é careca, e 2 que não é careca. Uma das duas será verdadeira, e a outra falsa. A verdade de uma implica a falsidade da outra. Isso significa dizer que “ou Lula é careca, ou Lula não é careca”, e não há uma terceira opção. Mas agora pense-se em:

3) O atual rei do Brasil é careca.
4) O atual rei do Brasil não é careca.

A expressão “O atual rei do Brasil” também é um termo singular e, assim, o seu significado deveria ser o objeto referido por ela. 3 diz, desse objeto, que é careca. 4 diz que não é careca. Do mesmo modo que no caso anterior, uma dessas duas teria de ser verdadeira. Não há terceira opção. Mas não existe atualmente rei do Brasil, e por isso ele não está nem entre as coisas carecas nem entre as coisas não carecas. Isso contraria a lei do terceiro excluído, que afirma que dada uma frase e sua negação, uma delas é verdadeira.

Poderíamos alegar que estas frases que dizem respeito ao atual rei do Brasil são destituídas de significado, e por isso não possuem valor de verdade. Uma vez que o significado da expressão “O atual rei do Brasil” é o objeto referido por ela, e dado que não há um objeto que essa expressão refira, também não tem significado. E já que essa expressão ocupa o lugar de sujeito gramatical nas frases 3 e 4, essas frases também não têm significado.

Mas isto parece absurdo, pois todos somos capazes de entendê-las perfeitamente. Assim, 3 e 4 devem ser dotadas de significado (pelo menos assim parece), e uma vez que “o atual rei do Brasil” é uma descrição definida, deve seu significado ao fato de selecionar um objeto. Entretanto, se essas frases têm significado, devem possuir valor de verdade e uma delas será verdadeira e a outra falsa. Mas, novamente, não há um atual rei do Brasil nem entre as coisas carecas nem entre as coisas não carecas.

Acabamos entrando no seguinte dilema: ou alegamos que essas frases acerca do atual rei do Brasil não têm significado, e isso seria muito contra-intuitivo. Ou teremos de explicar como uma dessas frases pode expressar uma verdade ou falsidade acerca de um rei que não existe. Em resumo, temos a seguinte pergunta: Como podemos dizer coisas verdadeiras ou mesmo falsas acerca de um ser que não existe?

Terceiro enigma: o problema das existenciais negativas

Pensemos na seguinte frase:

1) O atual rei do Brasil não existe.

Quem está informado sobre a história do Brasil sabe que atualmente não temos um rei. Portanto, o atual rei do Brasil não existe. Por sua vez, se não existe, então 1 expressa uma proposição verdadeira. Mas se 1 é verdadeira, é verdadeira acerca de quem?

Novamente, lembro que estamos supondo que a única contribuição que a descrição “o atual rei do Brasil” faz para o significado de 1 é o seu referente. Mas essa frase afirma justamente que essa descrição não tem referente, e se não tem referente, não pode ter significado. Como é óbvio que 1 é dotada de significado, a expressão “o atual rei do Brasil” deve ter referente. O problema é que se essa expressão tem um referente, então 1 deve ser falsa (e sua negação verdadeira). E assim, o atual rei do Brasil existe. E o tempo todo nós tínhamos um rei, e nem sabíamos.

O problema aqui é que isto acontecerá todas as vezes que tentarmos negar a existência de algo. Logo, é impossível negar a existência de algo sem implicar que existe.

O lógico Alexius Meinong (1904) ofereceu uma polêmica solução para este problema. Segundo ele, as confusões como estas surgem porque não notamos a distinção entre ser, não-ser e o que ele chamou de sosein. Por um lado, tanto eu como você, o Cristo Redentor (a estátua), o planeta Terra, etc., temos ser. Por outro, Pégaso, Papai Noel e o atual rei do Brasil não têm ser. Podemos dividir as coisas em seres e não-seres. Até aí tudo bem.

Mas Meinong acreditava que isso não bastava, pois havia uma coisa que seres e não-seres tinham em comum e, até ele, ninguém havia percebido isso. Todas as coisas (incluindo seres e não-seres) possuiriam sosein. Ou seja, todas elas poderiam possuir propriedades. E isso não vale apenas para Papai Noel ou o atual rei do Brasil, mas também para objetos que consideramos impossíveis, como o quadrado-redondo. Assim, em suas palavras:

o princípio não se aplica somente a objetos que de fato não existem, mas também a objetos que não poderiam existir porque são impossíveis. Não somente a tão solene montanha de ouro é feita de ouro, mas também o quadrado redondo é tão seguramente quadrado como redondo. (Meinong 1904: 82; tradução minha)

O quadrado redondo, a montanha de ouro e o atual rei do Brasil são objetos, assim como o Cristo Redentor, eu ou você, embora sejam objetos irreais.

Esta tese parece um pouco estranha; mas pensemos no seu poder explicativo. De acordo com ela, podemos perfeitamente negar a existência das coisas sem, com isso, implicar que elas existam. Assim, posso dizer que o atual rei do Brasil, ou o quadrado redondo, não existem, e dizer isso significa dizer que não são objetos reais. Entretanto, dizer que são não-seres ou objetos irreais não significa afirmar que não possuam propriedades. O atual rei do Brasil tem a propriedade de ser rei, e o quadrado redondo tem a propriedade de ser quadrado e redondo. O que falta a esses objetos é simplesmente a propriedade de existir. Em resumo, a tese de Meinong é simplesmente esta: todos os objetos têm propriedades, e “todos” inclui aqueles que existem e aqueles que não existem.9

Note-se que esta tese considera que existência é uma propriedade. Por outras palavras, dizer que um objeto existe é como dizer que é branco ou vermelho. Quando digo que uma coisa é branca, digo que tem a propriedade de ser branca e, do mesmo modo, dizer que algo existe é atribuir a propriedade da existência a essa coisa. No caso do atual rei do Brasil, posso dizer que tem a propriedade de ser rei, mas não tem a propriedade de existir.

Russell não ficou satisfeito com a solução de Meinong, alegando que feria o que denominou o nosso “sentido da realidade”, de modo que uma teoria que evitasse essas conseqüências deveria sempre ser preferível.

Vejamos então como Russell lidou com estes enigmas.

III. A teoria das descrições

Nesta parte exponho a teoria das descrições de Russell, e explico como esta teoria permite lidar com os três enigmas mencionados acima.

A teoria das descrições é uma tentativa de explicar tanto descrições indefinidas como descrições definidas. A diferença entre uma descrição definida e uma indefinida é que enquanto a primeira supostamente seleciona um objeto particular determinado, a segunda não. Ou seja, só as descrições definidas são, pelo menos aparentemente, termos singulares; as descrições indefinidas são termos gerais. Assim, “o atual presidente do Brasil” é uma descrição definida, enquanto “algum presidente do Brasil” ou “um presidente do Brasil” são descrições indefinidas. A primeira refere um objeto determinado, Lula, as outras referem qualquer presidente do Brasil. Russell dá muito mais atenção às descrições definidas do que às indefinidas. Isto porque está interessado em resolver os problemas abordados na parte anterior, e estes problemas afetam diretamente as descrições definidas.

Antes, porém, preciso explicar o que são proposições dependentes de objetos e proposições independentes de objetos.10

Proposições dependentes de objetos

Começo por dizer algo sobre o que é uma proposição. É possível compreender o conteúdo de algumas frases ou seqüências de palavras, enquanto outras parecem não ter conteúdo algum. Considere-se a frase “as idéias verdes dormem furiosamente juntas”. Essa seqüência de palavras, embora pareça ter uma estrutura gramatical perfeita, não parece expressar conteúdo algum. O que entendemos quando entendemos tal frase? Um exemplo mais claro seria “iefg xnyrrcn e8yrcb”, se alguém estava relutante em atribuir ou não algum conteúdo a frase anterior que pudesse ser compreendido, com certeza não estará relutante quanto a esta última. Sem dúvida, esta última não expressa coisa alguma. Em contrapartida, é claro que a frase “o gato está à janela” pode ser compreendida por qualquer falante competente da língua portuguesa. O que compreendemos quando compreendemos uma frase como essa é a proposição que a frase expressa.

Há ainda muito debate sobre a natureza de uma proposição ou mesmo se tal coisa é aceitável. Não entrarei em debates desse tipo aqui. Russell pensava que as proposições não podiam ser itens mentais, e sustentou que eram completamente independentes de nós. Na verdade, sustentou que as proposições eram entidades abstratas e que, de algum modo, poderiam conter objetos.11 Tudo isto é disputável e não entrarei nos méritos ou deméritos de Russell nesse ponto. O mais importante para o nosso trabalho é que uma proposição é o conteúdo expresso por uma frase declarativa, como “o gato está na janela” ou “a porta está aberta”, e que só esse conteúdo pode ser verdadeiro ou falso. Ou seja, a própria frase é só uma seqüência de sons (se for dita por alguém) ou de marcas de tinta (se for escrita), que não pode ser verdadeira ou falsa. Mas pode expressar algo, a proposição, que será verdadeira ou falsa.

Ora, o conteúdo de uma frase, a proposição que a frase exprime, pode depender ou não de objetos.

Pensemos no seguinte exemplo. Imagine que está numa aula entediante quando ouve dois garotos (que não sabe onde estão) conversando. Ouve um deles dizer “esta garota é uma beleza”. Você imagina que alguma garota passou por lá no momento em que o rapaz proferiu essa frase, e que o rapaz se referia a ela. Mas uma vez que você não podia ver a garota passar por lá e nem sabe a que garota ele se referiu, não pode saber que proposição foi expressa pela frase proferida pelo garoto.

É claro que neste momento você poderia alegar que sabe o que o garoto disse: sabe que ele disse, de alguma garota, que ela é uma beleza. Ao dizer isso, você não estará completamente errado, pois conhece as palavras usadas por ele e também sabe usá-las. E sabe que naquele contexto ele se referiu a alguém. Mas note-se que o que ele falou não foi que alguma garota é uma beleza, ele falou que esta garota é uma beleza. Para compreender completamente o que ele disse é necessário conhecer em alguma medida a garota referida por “esta”.

Dizer isto é dizer que “esta garota é uma beleza” exprime uma proposição que depende do objeto. Deste modo, uma proposição dependente do objeto é uma proposição que só podemos compreender se conhecermos ou pudermos identificar que coisa foi referida. (É muito comum que frases que contenham demonstrativos como “esta” ou “isto” expressem proposições desse tipo).

Agora imagine que no caminho para casa você encontra um amigo que lhe diz o seguinte:

1) Uma garota da sua classe me ama.

Nesse caso, não parece necessário conhecer qualquer garota particular para entender o que seu amigo disse. Por outras palavras, pode saber que proposição é expressa por 1 sem precisar de conhecer ou saber identificar uma garota em particular.

Imagine, por exemplo, que na sua classe só há meninos. Acaso isso o impediria de entender o que seu amigo disse? A resposta é que não. Você pode saber que proposição 1 exprime mesmo que não existam garotas na sua classe. Nas palavras de Blackburn (1984: 303) você pode saber que verdade ou falsidade particular a frase comunica. O que 1 afirma é que, dentre as pessoas da sua classe, há uma que é garota e ama o seu amigo. Entender 1 é entender isso, e nada mais.

O mesmo ocorre com as seguintes frases:

2) Todos os rapazes da sua classe são canalhas.
3) Nenhum rapaz da sua classe é fiel.

Tanto 2 como 3 podem ser compreendidas mesmo que a sua classe só tenha meninas. Ou mesmo que você não conheça qualquer rapaz da sua classe. O que 2 afirma é que de todas as pessoas da sua classe, se alguma é um rapaz, então é um canalha. E o que 3 afirma é que de todas as pessoas da sua classe, se alguma é um rapaz, então não é fiel.

Assim, 1, 2 e 3 expressam proposições independentes de objetos. Ou seja, podemos compreender a informação comunicada por elas sem precisar identificar um objeto determinado. Podemos saber em que circunstâncias essas proposições seriam verdadeiras ou falsas sem precisar identificar a coisa referida (na verdade, nem precisa de haver uma “coisa referida”).

Isto é importante porque as proposições dependentes de objetos e as independentes de objetos representam dois modos distintos de a linguagem se relacionar com o mundo. Russell pensava que a tese que afirma que o significado de um termo singular é o objeto referido por ele só faz sentido se a frase que contém o termo expressar uma proposição dependente do objeto. De outro modo essa tese não é possível.

A razão disso é bem simples. Parece perfeitamente legítimo alegar que o significado de “esta” em “esta garota é uma beleza” é a própria pessoa referida. Um indício disso é que para compreendermos a informação comunicada por essa frase precisamos de identificar essa pessoa. Mas não podemos dizer o mesmo de 1, 2 ou 3, pois, como vimos, podemos compreender a informação comunicada por elas mesmo que não haja uma coisa referida (ou que não saibamos qual é). Portanto, nesses casos o significado não pode depender da referência.

As frases que contêm quantificadores como “todos”, “pelo menos um”, “nenhum” podem não exprimir proposições dependentes de objetos.12 1 afirma que, considerando as pessoas da sua classe, existe uma que é menina e ama seu amigo. 2 afirma que, considerando as pessoas da sua classe, se for um menino, então é um canalha. 3 afirma que, considerando as pessoas da sua classe, se for um menino, então não é fiel.

Deve-se observar também que uma proposição pode ser dependente de objetos com respeito a uma coisa, mas não a outras. Por exemplo: “algum homem ama esta garota”. Não precisamos saber quem é o homem para compreender a proposição expressa por essa frase, mas temos que saber quem é a garota referida por “esta”.

Descrições definidas

Anteriormente, mencionei uma perspectiva que considera que as descrições definidas são termos singulares, à semelhança de nomes e demonstrativos. Vimos que esta perspectiva pode parecer bastante natural e não problemática. Mas também vimos que apresenta problemas difíceis, tendo de enfrentar os três enigmas mencionados. Seja como for, se descrições definidas são termos singulares, então as frases que as contém deverão expressar proposições dependentes de objetos. Ora, a principal tese de Russell em “On Denoting” é que as frases da forma “O F é G” não expressam proposições dependentes de objetos, mas, ao contrário, expressam proposições independentes de objetos. Tais frases não são realmente da forma sujeito-predicado: são frases quantificacionais complexas.

Para começar, as descrições definidas são expressões da forma “o tal e tal” ou “a tal e tal”, que se supõe selecionar um objeto determinado. Dessa maneira, as seguintes frases teriam a mesma estrutura:

1) Esta mochila é bonita.
2) O atual presidente do Brasil é baixo.

Estas frases são constituídas de um termo singular, que ocupa a posição de sujeito, e um termo predicado. Ou será que não? Russell argumentou veementemente que esse não é o caso de 2.

É fácil notar a diferença entre 1 e 2. No caso da primeira, só podemos entender a proposição expressa se pudermos identificar a coisa referida por “esta”. No caso da segunda, isso não é necessário. Posso não conhecer o presidente do Brasil e ainda assim entender o que 2 significa. Eu poderia saber o que significa mesmo que não houvesse um presidente do Brasil. Pensemos na frase seguinte:

2) O homem mais alto do mundo tem mais de dois metros.

Todo o lusófono competente entende 3, mas provavelmente a maior parte das pessoas não conhece o referente de “O homem mais alto do mundo”; conhecer a referência dessa expressão não é necessário para entender 3.

Assim, o significado ou conteúdo semântico das descrições definidas não pode ser o objeto referido por elas. Frases da forma “O F é G” não expressam proposições dependentes de objetos. Mas então, qual é a análise correta de tais expressões? Qual é o seu real significado? É aqui que entra a teoria das descrições.

Russell não forneceu uma resposta direta a esta pergunta. Não ofereceu uma definição de descrições no mesmo sentido em que a teoria da referência direta oferece. Esta última, como vimos, afirma que o significado de uma descrição definida é o objeto referido por ela, e ponto final. Ao contrário, Russell alega que explicar o papel semântico dessas expressões é explicar a sua contribuição para o significado das frases que as contêm. Por isso, a definição de Russell é uma definição contextual. As descrições definidas nada significam isoladamente; são símbolos incompletos.

Pensemos novamente em 2: “O atual presidente do Brasil é baixo”. A análise Russelliana interpreta 2 como a conjunção de três afirmações, que são:

2a) Existe atualmente um presidente do Brasil,
2b) existe no máximo um presidente do Brasil,
2c) seja quem for que é presidente do Brasil é baixo.

2b expressa a cláusula de unicidade. Quando dizemos “o presidente”, a presença do artigo definido “o” indica que não há mais do que um. É claro que muitas vezes dizemos coisas do tipo “o filho de João”, mesmo quando João tem mais de um filho. Mas nesses casos o contexto deixa claro de que filho estamos a falar, e a expressão é como se abreviasse “o filho do João de que estamos a falar”. (Como vimos, as descrições definidas diferem das descrições indefinidas. Quando dizemos “um presidente baixo” dizemos apenas que “existe um presidente baixo”.) Em linguagem mais simples, “o atual presidente do Brasil é baixo” expressa a idéia de que “existe um único presidente do Brasil e ele é baixo”. Isso pode ser formalizado como

(x) [[(Px (y) (Py y = x)] Bx]

A cláusula da unicidade é indicada pela fórmula em azul.

Um aspecto muito importante dessa análise é que, após análise, o suposto termo singular desaparece. A expressão “o atual presidente do Brasil” não aparece em “existe no máximo uma pessoa que é atualmente presidente do Brasil, e essa pessoa é baixa”. Não há mais um termo singular aqui sobre o qual possamos dizer que refere diretamente um objeto particular. Isso permitirá Russell resolver o primeiro enigma. Contudo, a solução do segundo e terceiro enigmas depende da distinção entre ocorrência primária e secundária de uma descrição definida. Por isso, falarei primeiro dessa distinção e, em seguida, da solução dos enigmas.

Ocorrência primária e secundária de descrições definidas

Quando a ocorrência de uma descrição definida implica a existência de um objeto que satisfaça a descrição, a ocorrência é primária; quando não o implica, a ocorrência é secundária.13

Podemos interpretar a frase “O João desejava saber se o autor da República era Platão” dos seguintes modos:

1) O João desejava saber se existe um e somente um homem que escreveu a República e se Platão era esse homem.
2) Existe um e somente um homem que escreveu a República e o João desejava saber se Platão era esse homem.

Em 1 a ocorrência é secundária, em 2 é primária. Para entender isso basta notar que 1 não implica a existência de um e somente um homem que tenha escrito a República; afinal, isso é uma das coisas que João deseja saber. Por outro lado, 2 implica a existência de tal homem. Podemos expressar isso dizendo que em 2 o âmbito da descrição “o autor da República” é maior que o do operador “deseja saber que…”, ou que a descrição ocorre antes do operador. No primeiro caso, a descrição ocorre depois do operador. Passemos então à solução dos enigmas.

Solução dos enigmas: substituibilidade

Vimos que a teoria da referência direta tinha dificuldade em explicar como pode a substituição de um termo por outro termo co-referencial, em certos contextos, alterar o valor de verdade de uma frase. Agora já temos uma solução para esse enigma. Voltemos à frase problemática:

1) O João deseja saber se o atual presidente do Brasil é o Lula.

Vimos anteriormente que se dois termos singulares são co-referenciais, então a substituição de um pelo outro não deveria alterar o valor de verdade da proposição. As expressões “Lula” e “o atual presidente do Brasil” são co-referenciais. Portanto, a substituição de “o atual presidente do Brasil” por “Lula”, em 1, não deveria alterar seu valor de verdade. Mas o resultado dessa substituição seria que “O João deseja saber se Lula é Lula”. Nesse caso, parece que a substituição altera o valor de verdade da proposição. Do fato de o João desejar saber se Lula é o presidente do Brasil, não podemos concluir que deseja saber se Lula é Lula.

Russell argumenta que o enigma surge apenas se considerarmos que as descrições definidas são termos singulares, à semelhança dos nomes próprios. Desse ponto de vista, a única contribuição que uma descrição faz para o significado da frase que a contém é a introdução de um referente. Mas se levarmos em conta a análise russelliana, poderemos parafrasear 1 do seguinte modo:

2) O João desejava saber se existe uma e somente uma entidade que preside atualmente o Brasil e se essa entidade é Lula.14

Agora pergunte-se o seguinte: quantos termos singulares 2 contém, além de “João”? Se prestarmos atenção, veremos que contém apenas um termo singular (nomeadamente, a expressão “Lula”). Após análise, o suposto termo singular “o atual presidente do Brasil” já não ocorre. Por outras palavras, o que parecia um termo singular, já não o parece. Já não há uma expressão na frase que possa, de modo óbvio, ser substituída por “Lula”; e se não há tal expressão, então já não temos o problema da substituição. Assim, o problema da substituibilidade desaparece, e acabou a conversa.15

Se antes parecia haver um problema, foi porque tratamos as descrições definidas como se fossem nomes próprios. Mas descrições não são como nomes. Um nome próprio limita-se a selecionar um objeto, e a única contribuição que faz para o significado das frases que os contêm é a introdução de um referente. Podemos expor essa diferença alegando que o modo como um nome e uma descrição referem é diferente. Uma descrição seleciona um objeto (quando há um) pelo fato de ser o único que satisfaz tal e tal característica. O nome “Paula” refere-se à Paula, mas não porque ela seja a única a possuir tais e tais características. A descrição “a minha namorada” também seleciona a Paula, mas só a seleciona porque ela é a única que tem a propriedade de ser a minha namorada.

Solução dos enigmas: terceiro excluído

Este enigma diz respeito ao modo como podemos formar proposições verdadeiras acerca de entidades que não existem. Vimos que a sua solução dependia da distinção entre ocorrência primária e ocorrência secundária de descrições definidas.

Russell pensava que em casos como “o atual rei do Brasil é careca”, ou seja, casos que envolvem descrições definidas que não têm denotação, quando a descrição tem uma ocorrência primária a proposição onde ela ocorre é falsa, e quando a ocorrência é secundária a proposição pode ser verdadeira.

Na sua ocorrência primária, a frase é analisada como se segue:

3) Existe uma e somente uma entidade que é agora rei do Brasil e esse rei é careca.

Neste caso, considera-se que a descrição eliminada, “o rei do Brasil”, é primária, pois implica a existência de um único rei do Brasil. Ora, sabemos que o Brasil atualmente não tem rei, portanto 3 é falsa.

Quanto à negação da frase com a descrição definida, temos dois casos: um em que é verdadeira e outro em que é falsa. É falsa se significar

4) O atual rei do Brasil não é careca.

Neste caso a ocorrência de “o atual rei do Brasil” é primária. A proposição analisada ficaria: “existe uma e somente uma entidade que é agora rei do Brasil e não é careca”. Visto que a propriedade de ser agora rei do Brasil não pertence a qualquer entidade, 4 é falsa. No entanto a negação é verdadeira se significar

5) É falso que o atual rei do Brasil é careca.

Ou seja, “É falso que existe uma e somente uma entidade que é agora rei do Brasil e é careca”. Neste caso é verdadeira; porém, a ocorrência da descrição é secundária. A descrição não implica aqui a existência de coisa alguma. Pelo contrário, nega-se que a descrição refira algo. Isto porque no segundo caso a negação ocorre antes do quantificador existencial, enquanto no primeiro a negação aparece depois do quantificador (no meio da frase). Por outras palavras, no primeiro caso o âmbito do quantificador é maior do que o da negação, enquanto no segundo o âmbito da negação é maior. Para entendermos isto basta notar como ambas ficariam se fossem totalmente formalizadas. A primeira poderia ser expressa por

(x) [[(Bx (y) (By x = y)] Cx];

E a segunda poderia ser expressa por

(x) [[Bx (y) (Cy x = y)] Cx].

Mais uma vez, o problema surgiu por termos confundido descrições com termos singulares. A frase “O atual rei do Brasil é careca” não expressa uma proposição dependente de objetos.16 Para que a frase expresse uma proposição verdadeira ou falsa não é necessário que introduza diretamente um objeto no discurso.

Solução dos enigmas: existenciais negativas

Este enigma diz respeito a como podemos negar consistentemente a existência de algo. Assumir a teoria da referência direta levou ao difícil problema de não poder negar a existência de coisa alguma. Pois ao negarmos a existência de algo, sempre implicávamos que ela existia. E assim, acabamos chegando à conclusão de que o Brasil deverá ter um rei, embora ninguém saiba. A outra alternativa era a de Meinong, que sustentou que, embora o atual rei do Brasil não existisse, era um objeto. Nenhuma dessas alternativas parecia muito agradável. Por um lado, Russell não queria aceitar a conseqüência da teoria da referência direta; por outro, também não estava satisfeito com a idéia de postular objetos irreais.

Se o problema com a tese da referência direta era considerar que as descrições definidas são termos singulares, o problema de Meinong foi considerar que a existência não era senão mais um predicado. Russell argumenta que existência não é um predicado, mas um quantificador. A análise correta de “O atual rei do Brasil não existe” não seria “Existe uma e só uma entidade que é agora rei do Brasil e essa entidade não existe”. Ao contrário, a análise correta seria:

6) É falso que existe uma e só uma entidade que é agora rei do Brasil.

O que é equivalente a:

6′) É falso que pelo menos uma, e no máximo uma, entidade é agora rei do Brasil.

Que por sua vez podemos exprimir deste modo:

6”) Nenhuma substituição de x em “x é agora o único rei do Brasil” resultará numa proposição verdadeira.

Desse modo, 6 é verdadeira, e sua verdade não implica a existência de um atual rei do Brasil. Quando dizemos “O atual rei do Brasil não existe” não estamos dizendo que o atual rei do Brasil não tem a propriedade da existência ou que é um objeto irreal. Pelo contrário, estamos dizendo que a função “x é agora o único presidente do Brasil” nunca dá origem a uma proposição verdadeira. E não há contradição alguma nisso.

Mais uma vez, a proposição expressa por 6 é independente de objetos, e não precisa haver referente algum para que seja dotada de significado. Ainda, repare-se que a ocorrência da descrição “O atual rei do Brasil” é secundária, e portanto, 6 pode ser verdadeira, mesmo que não haja um referente. Assim, resolve-se o problema das existenciais negativas.

O resultado final de tudo isto seria uma elegante teoria e nenhum problema. Mas Strawson não pensou assim.

IV. Críticas à teoria das descrições

Strawson

Quarenta e cinco anos depois da publicação de “On Denoting”, Strawson publicava “On Referring”, um pequeno artigo que disputava praticamente todos os pontos da teoria das descrições definidas de Russell.

A intenção principal de Strawson não era disputar se Russell resolveu ou não os enigmas que se propôs resolver. Ao contrário, a sua intenção era oferecer um método alternativo de análise de descrições, que não apresentasse tantas conseqüências indesejáveis e que fizesse justiça ao matizes da linguagem comum. O que está em jogo é saber se Russell realmente fornece uma análise correta das expressões da forma “o tal-e-tal”. Antes de entrarmos nas críticas, é preciso explicar algumas coisas.

Frase, expressão e suas utilizações

A palavra “utilização” é uma palavra-chave para entendermos a crítica de Strawson a Russell. Strawson pensava que “fazer referência”, “ser acerca de” e a verdade e falsidade eram características da utilização de uma expressão ou frase. Para tornar isso mais claro, falarei brevemente sobre essas distinções.

Tomemos como exemplo a frase “o atual presidente do Brasil é sábio”. É natural dizer que esta frase já foi utilizada em diferentes épocas e situações. Alguém que a proferisse hoje parece estar proferindo a mesma frase que alguém que a proferiu durante a presidência de Fernando Henrique. Mas na verdade não é literalmente a mesma frase; é apenas uma frase igual. Por outras palavras, quem profere esta frase hoje e quem a proferia durante a presidência de Fernando Henrique proferia uma frase do mesmo tipo. Neste contexto, uma frase é um tipo.

Se isto não ficou totalmente claro, considere-se o seguinte exemplo. Imagine que você e eu vamos à banca logo de manhã e que cada um de nós compra um exemplar da última edição do jornal Folha de São Paulo. Num certo sentido, ambos temos o mesmo jornal nas mãos: ambos temos a Folha de São Paulo. Mas noutro sentido cada um de nós tem um jornal diferente nas mãos; cada um está com uma cópia ou exemplar diferente da Folha. Por outras palavras, temos exemplares diferentes nas mãos, mas são exemplares do mesmo tipo. Do mesmo modo, se eu proferir hoje a frase “o atual presidente do Brasil é sábio”, estarei proferindo uma frase do mesmo tipo daquele que a proferiu no ano de 1994. Contudo, as frases proferidas por cada um de nós são exemplares ou espécimes diferentes.

Também não é difícil perceber que essa frase pode ser utilizada de diferentes maneiras. Por exemplo, duas pessoas que a proferem, uma durante a presidência de Fernando Henrique e outra durante a presidência de Lula, fizeram utilizações diferentes dela. Mas duas pessoas que a proferem durante a presidência de Lula fizeram a mesma utilização. Isto porque no primeiro caso cada utilização expressa uma proposição diferente, enquanto no segundo as duas utilizações exprimem a mesma proposição. Ou seja, uma pessoa que profere a frase “o atual presidente do Brasil é sábio” durante a presidência de Lula faz uma afirmação diferente daquele que profere a mesma frase durante a presidência de Fernando Henrique. A frase pode expressar uma proposição verdadeira no primeiro caso e falsa no segundo, e é usada para falar acerca de pessoas particulares diferentes em cada caso.

Por fim, afirma Strawson, duas pessoas que proferiram a mesma frase durante a presidência de Lula, embora tenham feito a mesma utilização, fazem elocuções diferentes. Sendo assim, cada elocução é uma elocução diferente. Strawson considerava que se podia fazer distinções análogas entre uma expressão, a sua utilização e a sua elocução. Isto é, uma expressão pode ser utilizada de diferentes maneiras, para mencionar diferentes indivíduos, e duas pessoas que utilizam uma expressão da mesma maneira, como “o presidente do Brasil”, estão, ainda assim, fazendo elocuções diferentes.

Pensemos na conclusão que emerge do que foi dito até aqui. Strawson pensava que uma mesma frase poderia ser falsa ou verdadeira dependendo da utilização que fazemos dela. Uma mesma frase pode, em diferentes utilizações, “ser acerca de” diferentes pessoas. Do mesmo modo, uma mesma expressão pode ser utilizada para mencionar ou fazer referência a diferentes indivíduos, coisas, lugares, etc. Conclui-se daqui que a verdade, a falsidade, o “ser acerca de”, não são funções de uma frase (ou da proposição expressa por ela), tal como mencionar ou fazer referência não são funções de uma expressão. A verdade, a falsidade, o “ser acerca de”, o fazer referência, são funções das utilizações que fazemos de uma frase ou expressão.

Strawson acusa Russell de confundir uma frase ou expressão com as suas utilizações. Ao fazer as distinções de que falei, Strawson pretende distinguir entre o que podemos dizer acerca de frases e expressões e o que podemos dizer acerca de utilizações das mesmas. Russell, afirma Strawson, não atentou no fato de que fazer referência, dizer verdades e falsidades, são funções da utilização de uma frase ou expressão. Veremos que, ao sustentar isto, Strawson chega a concepções consideravelmente opostas às de Russell no que diz respeito a muitos pontos importantes. Segundo Strawson, Russell teria ignorado as diferentes maneiras de se utilizar uma frase ou expressão e, com isto, chegou a uma noção equivocada de significado, confundindo o significado de uma frase com uma utilização num contexto particular.

Subjacente a todas as críticas de Strawson está uma concepção radicalmente diferente de significado.17 Vimos que Russell pensava que o significado de uma frase era a proposição expressa por ela e que as proposições eram entidades abstratas e independentes de nós. Se Russell queria analisar o significado de uma frase, então bastava ver que proposição ela expressava. Também vimos que, no caso de proposições independentes de objetos, não era necessário identificar objeto algum para compreendê-la. Em exemplos como “O atual presidente do Brasil é sábio”, a proposição expressa por essa frase acaba por ter uma forma completamente diferente da frase original. A frase original tem uma estrutura sujeito-predicado e aparentemente contém um termo singular. Mas, depois da análise, percebemos que o que é dito por essa frase é que “existe uma e no máximo uma entidade que é agora presidente do Brasil e ele é sábio”. Russell considerava que a análise revelava a verdadeira forma lógica da frase. Nesse caso, a forma real da proposição seria a forma lógica e não a forma gramatical. Gramaticalmente, é uma frase sujeito-predicado; mas sua forma real é uma afirmação existencial complexa. Com isso, Russell conseguiu evitar vários problemas.

Quando uma frase expressa uma proposição dependente de objeto, algum tipo de conhecimento acerca do objeto é necessário para compreendê-la, e assim, o contexto da elocução desempenha um papel mais importante. Vimos que para compreender “esta menina é uma beleza” temos que saber que menina foi referida, quem passou por lá no momento da elocução. Por outro lado, quando uma frase expressa uma proposição independente de objetos, podemos conhecer o significado dessa frase sem prestar muita atenção ao contexto da elocução. Strawson pensava que essa desatenção de Russell no que diz respeito ao contexto era um erro. Como vimos, Strawson pensava que falar acerca de coisas, fazer referência, etc., são ações humanas; somos nós que referimos as coisas e não as expressões. Não podemos simplesmente encarar o significado de uma frase ou expressão como uma abstração. Se prestarmos mais atenção às circunstâncias em que as pessoas proferem frases e referem coisas, veremos que a análise de Russell é, em muitos pontos, insuficiente. Vejamos então as críticas que emergem dessa concepção.

Crítica à análise das descrições

Depois de fazer estas distinções básicas entre expressão e frase e suas utilizações, Strawson começa a sua crítica a Russell. Critica vários aspectos da noção russelliana de descrições definidas. As críticas mais importantes dizem respeito a) à noção russelliana de significado, b) ao valor de verdade das proposições que contêm estas descrições no lugar de sujeito gramatical, e c) à afirmação de Russell de que as pessoas que utilizam tais frases afirmam ou implicam logicamente a existência de uma e somente uma entidade que obedece à descrição. Discutirei cada um destes pontos por ordem.

a) A noção russelliana de significado

Voltemos à frase

1) Esta menina é uma beleza.

É claro que para compreender o que alguém, ao proferir 1, está dizendo, temos de saber a que pessoa “esta” se refere. Mas isso, argumenta Strawson, não significa que o significado de “esta” seja a pessoa referida. Para o compreender, basta notar que se uma criança pergunta à sua mãe qual é o significado de “esta”, a mãe não vai apontar para um ou outro objeto. Ao contrário, vai ensinar a criança a usar essa expressão corretamente. Saber o significado de “esta” é saber como usar essa expressão em vários contextos, e não saber a que coisa particular a expressão refere num contexto particular. Do mesmo modo, saber o significado de “o atual presidente do Brasil é sábio” é saber usar essa frase em vários contextos que, como foi mencionado, podem originar usos bem diferentes (por exemplo, usada no ano de 1994 e usada em 2009). Mesmo Russell teria de aceitar que a frase “O atual presidente do Brasil é sábio” poderia expressar diferentes proposições em diferentes contextos. E Strawson argumenta que conhecer uma dessas proposições não é saber o significado dessa frase. Contra Russell, afirma:

“Se falo a respeito do meu lenço, posso, talvez, tirar do meu bolso o objeto ao qual me refiro. Mas não posso tirar do meu bolso o significado da expressão “o meu lenço”.” (1950: 45).

Esta crítica de Strawson é um erro. Conforme o próprio Russell menciona no artigo “Mr. Strawson on Referring” (1957), esta crítica só funciona porque Strawson escolhe muito bem os exemplos que utiliza. O que faz Strawson pensar que o problema depende das diferentes circunstâncias em que podemos usar frases ou expressões é o fato de oferecer exemplos envolvendo expressões indexicais, como “atual”, “meu” ou “isto”. O significado destas expressões muda facilmente com o contexto. Por exemplo, “atual” pode significar diferentes momentos do tempo dependendo da época em que é utilizada. Embora o próprio Russell tenha dado exemplos que envolvem essas expressões, poderia tê-los modificado. Ao invés de “o atual presidente do Brasil” poderíamos ter falado de “o presidente do Brasil em 2009”. Voltando ao exemplo 1, Russell não pretendia dar uma explicação semântica de “esta” naquele contexto, mas apenas notar que entender o que é dito nesse contexto envolve a identificação de uma coisa referida. E isso até Strawson poderia aceitar. Voltaremos depois a debates que envolvem contextos.

b) Valor de verdade

Vimos que Russell considerava que qualquer pessoa que proferisse agora a frase “o atual rei do Brasil é careca” estaria expressando uma proposição verdadeira ou falsa. Strawson disputará fortemente essa afirmação, argumentando que em casos como esses a questão de saber se o que foi dito é verdadeiro ou falso simplesmente não se coloca.

Para responder à pergunta “como podemos formar proposições verdadeiras acerca de entidades que não existem?” Russell se valeu de sua distinção entre ocorrência primária e ocorrência secundária de descrições definidas. Argumenta que, em casos como “o atual rei do Brasil é careca”, a proposição é falsa se a ocorrência da descrição for primária, podendo ser verdadeira se a ocorrência for secundária. Em todo caso, quem profere essa frase sempre expressa uma proposição verdadeira ou falsa. Contudo, Strawson argumenta que embora Russell acerte ao afirmar que qualquer um que proferisse agora essa frase estaria proferindo uma frase dotada de significado, erra ao concluir que qualquer um que a proferisse agora estaria dizendo algo verdadeiro ou falso.

Strawson pensa que se alguém proferir agora a frase mencionada, não estaria dizendo algo verdadeiro ou falso. Pergunta o que responderíamos a uma pessoa que proferisse, com ar de seriedade, a frase “o atual rei do Brasil é careca”. Provavelmente, afirma, não diríamos “não é verdade”. Mas e se essa pessoa nos perguntasse se o que ela acaba de dizer é verdadeiro ou falso? Diríamos que é falso ou diríamos que é verdadeiro? A resposta de Strawson: “nenhuma das duas; que a questão de saber se a sua afirmação é verdadeira ou falsa simplesmente não surge” (1950: 46).

O que Strawson quer dizer é que seria de algum modo estranho afirmar que, nesse caso, a frase proferida expressa uma proposição verdadeira ou falsa. Num caso como o exposto, não diríamos que a pessoa disse algo verdadeiro ou falso, mas apenas que está equivocada, ou seja, que o Brasil não é uma monarquia. Por outro lado, essa frase não é destituída de significado; o fato de que poderia ser utilizada para dizer algo verdadeiro ou falso mostra que é dotada de significado. Uma frase, como vimos, é um tipo, e esta mesma frase poderia ser utilizada noutras circunstâncias para dizer coisas verdadeiras ou falsas. Mais uma vez, se Russell não percebeu isso, foi porque não prestou atenção suficiente nos diferentes contextos de uso de uma determinada frase ou expressão.

Contudo, esta crítica de Strawson tem um ponto fraco. Strawson só mostra que algumas vezes as pessoas hesitam em dizer que uma frase é verdadeira ou falsa; mas daí não se segue que não é verdadeira nem falsa. Além disso, Strawson é ambíguo em relação à sua tese. É difícil saber se o que pretende sustentar é que as frases contendo descrições vazias no lugar do sujeito gramatical não têm valor de verdade; ou se pretende que essas frases têm um terceiro valor de verdade, a que chama nem verdadeiro nem falso. Se optar pela primeira, então poderia dizer que nesse caso a pessoa simplesmente não faz uma afirmação, e, por isso, não pode dizer que o que disse é verdadeiro ou falso. Se optar pela segunda, então terá de aceitar que, embora a pessoa tenha feito uma afirmação, esta não é verdadeira nem falsa.

Ambigüidades à parte, não é óbvio que em casos onde uma descrição vazia é usada, não dizemos algo verdadeiro ou falso. Pensemos no seguinte exemplo:

2) O atual rei do Brasil é careca.

Segundo Strawson, 2, se proferida hoje, não é nem verdadeira nem falsa. Segundo Russell, é falsa. Strawson pensa que os usos cotidianos da linguagem favorecem a sua tese (afinal, ninguém diria que 2 expressa uma proposição verdadeira ou falsa). Mas agora considere-se o seguinte:

3) É falso que o atual rei do Brasil é careca.

Strawson alegaria que 3 também não seria nem verdadeira nem falsa, pois não existe atualmente um rei do Brasil — a descrição é vazia. Mas o que dizer de 4?

4) Se não há qualquer rei do Brasil, então é falso que “o atual Rei do Brasil é careca”.

Neste caso, as nossas intuições já não estão do lado de Strawson. É legítimo supor que a maior parte das pessoas diriam que 4 é verdadeira. Mas Strawson teria de admitir que não é verdadeira nem falsa, pois “o atual rei do Brasil” é uma descrição vazia. Note-se que para que a teoria das descrições esteja correta, basta que 4 seja verdadeira. Pois o que 4 mostra é justamente que o fato de não existir atualmente um rei do Brasil é suficiente para tornar falsa a proposição expressa por “o atual rei do Brasil é careca”. E isso é exatamente o que Russell queria. Considere-se também o seguinte exemplo:

A minha namorada traiu-me com o atual rei do Brasil.

Intuitivamente esta frase é falsa, e é difícil supor que as pessoas diriam que não é falsa. Mas novamente, Strawson teria de admitir que não é verdadeira nem falsa. São possíveis muitos outros exemplos (ver Kempson 1977: 139-158; Ludlow 2004; Neale 1990: 15-47), mas como o próprio Strawson admite (1964: 313), isso pode apenas significar que há exemplos que favorecem os dois lados. Deste modo, seria preferível que fosse possível explicar por que hesitamos em dizer que 3 é falsa.

Russell poderia esboçar uma resposta aqui do seguinte modo: É verdade que se alguém dissesse agora que o atual rei do Brasil é careca, não diríamos que é falso. Mas quando uma pessoa afirma “o atual rei do Brasil é careca” e nós replicamos que está enganada, que o Brasil não é uma monarquia, o que estamos fazendo é justamente negar a frase proferida. O que ocorre neste caso é aquela ambigüidade quanto à negação referida anteriormente. (Vimos que a negação de 3 tanto pode ser “é falso que existe um único rei do Brasil e ele é careca” como “existe um único rei do Brasil e é falso que seja careca”.) Neste exemplo, a negação seria verdadeira, pois a ocorrência da expressão “o atual rei do Brasil” é secundária. Portanto, o que estaríamos dizendo de fato é que “é falso que existe uma e somente uma entidade que é agora rei do Brasil e é careca”. Se hesitamos em dizer que 3 é verdadeira ou falsa é justamente porque essa ambigüidade não está clara na nossa linguagem comum. Ao afirmarmos que 3 é falsa, o nosso interlocutor poderia entender que estaríamos afirmando a existência de um atual rei do Brasil que, no entanto, não é careca. Por outras palavras, as pessoas poderiam ter a impressão que ao afirmar que “o atual rei do Brasil é careca” é falsa, estaríamos afirmando que “o atual rei do Brasil não é careca”. É justamente por haver essa ambigüidade na negação de 3 que as pessoas hesitam. A teoria das descrições não só explica perfeitamente essa hesitação como também justifica o fato de ser natural que ocorra em alguns contextos.

No entanto, as críticas de Strawson não param aí.

c) Uma só entidade

Como vimos, Russell pensava que alguém que proferisse a frase “o atual rei do Brasil é careca” estaria implicando logicamente que “existe uma e somente uma entidade que é agora rei do Brasil”. Strawson contestará tanto a cláusula da existência como a cláusula da unicidade.

Strawson argumenta que quem profere agora a frase “o atual rei do Brasil é careca” não está afirmando a existência de um atual rei do Brasil. Ao contrário, quem profere tal frase está pressupondo isso. Se eu digo que o atual rei do Brasil é careca, é porque acredito que existe um atual rei do Brasil, mas a existência não é afirmada na minha elocução.

Embora inicialmente essa objeção pareça plausível, dissolve-se mal vemos que Russell não precisa alegar que quem profere “o atual rei do Brasil é careca” está afirmando que exista um atual rei do Brasil. A única coisa que Russell precisa alegar é que quem profere essa frase implica logicamente a existência de um rei. Como Lycan (2000: 30) observa, implicar não é o mesmo que afirmar. A frase “Toninho tem um metro e setenta” implica que Toninho tem menos de trinta metros, mas não afirma isso. Se Strawson pretende sustentar que implicar é o mesmo que afirmar, então o ônus da prova é dele.

Além disso, há um certo mistério envolvido na noção de Strawson de pressuposição. O que é uma pressuposição? Será um fenômeno pragmático (ou seja, algo que as pessoas fazem)? Ou será um fenômeno semântico (algo que as frases ou as expressões fazem)? Strawson parece optar pelo segundo.18 A pressuposição seria uma relação lógica, de modo que P pressupõe P‘ se, e só se, P‘ é uma precondição tanto para verdade como para falsidade de P. Por exemplo, vimos que Strawson pensava que se alguém proferisse 2 (“o atual rei do Brasil é careca”) não estaria dizendo algo nem verdadeiro nem falso, porque a descrição “o atual rei do Brasil” é vazia. Nesse caso, a existência de um atual rei do Brasil é uma precondição tanto para a verdade como para a falsidade de 2. Em casos onde o atual rei do Brasil não existe, 2 não é nem verdadeira nem falsa. Isso leva de volta à discussão acerca do valor de verdade; se as críticas de Strawson não funcionam quanto aquele ponto, não funcionarão aqui também.

Outro ponto disputado por Strawson é a cláusula de unicidade. Essa parece a crítica mais poderosa. Russell pensava que a presença do artigo definido indica unicidade. Deste modo, quando dizemos que x é o atual presidente do Brasil, não estamos dizendo apenas que x preside atualmente ao Brasil, mas também que x é o único presidente do Brasil. Strawson argumenta que há casos em que isto é manifestadamente falso. Por exemplo, quando alguém diz:

6) A mesa está coberta de livros.

A expressão “a mesa” é, sem dúvida, uma descrição definida. Todavia, é evidentemente falso que a expressão “a mesa” só tenha aplicação no caso de existir uma e não mais que uma mesa no universo. O que é indicado pela presença do artigo definido em questão é que há uma mesa, e não mais que uma, que está sendo referida; e não que há uma e apenas uma mesa em todo universo. A teoria das descrições parece comprometer-nos com a alegação de que quem profere a frase acima está implicando que há uma única mesa no universo, e isso é um absurdo. E não é nem um pouco difícil pensar noutros exemplos onde isso ocorra (“o gato está à janela”, “a panela está destapada”, etc.).

O problema aqui é o seguinte: A descrição definida “a mesa” parece ter uma aplicação perfeitamente legítima nesse caso, mesmo que não exista somente uma mesa no universo. Existem vários objetos que satisfazem essa descrição, mas ainda assim em vários contextos podemos usá-la para referir uma e somente uma coisa. Essas descrições, que podem ser aplicadas com sucesso mesmo quando mais de uma coisa as satisfaz, são denominadas descrições incompletas. Ao problema envolvendo essas descrições chamarei problema das descrições incompletas.

Em primeiro lugar, note-se que não é um problema que diga respeito particularmente ao caso das descrições definidas. Ocorre para praticamente qualquer quantificador19 (ver Neale 1990: 94-98 e Soames: 2005: 394-396). Imagine o leitor que acaba de chegar de um jantar e alguém lhe pergunta como foi; em resposta, você diz:

7) Estava todo o mundo doente.

Obviamente “todo o mundo” não quer dizer todas as pessoas do mundo; quem afirma 7 nem tem a intenção de que assim fosse. Portanto, o problema aparece aqui também.

É aqui que Strawson parece ter mais força; nesses casos, o contexto parece desempenhar um papel importantíssimo. De algum modo, o contexto parece permitir-nos restringir o domínio de quantificação. O que garante que eu consiga referir uma e só uma mesa com 6 é um fator contextual, e a teoria das descrições não abarcaria isso.

Num primeiro momento, alguém poderia pensar que o que ocorre nestes casos é que todos envolvem situações onde podemos identificar um determinado objeto e, por este motivo, as proposições aí expressas são dependentes, e não independentes, de objetos.20 Assim, nesses exemplos, as descrições definidas ocorrem na verdade como termos singulares. Por exemplo, todos os contextos onde é natural proferir 6 são contextos em que há uma mesa diante de nós e que supomos que nosso interlocutor será capaz de compreendê-la. A expressão “a mesa” poderia, ou até deveria, ser substituída por “aquela mesa”. Uma vez que os casos com os quais Russell está preocupado são aqueles em que a frase contendo a descrição expressa uma proposição independente de objetos (frases cuja compreensão do significado não envolvem a identificação de um objeto), esses exemplos não seriam problemáticos para ele. Mas infelizmente essa estratégia não funciona. Pensemos noutro exemplo:

8) O assassino deve ser insano.

Imagine-se que alguém profere 8 ao ver um corpo de um bom rapaz que foi violentamente assassinado. Ora, não há um assassino identificado neste caso; ainda assim, é uma descrição incompleta. A expressão “o assassino”, em 8, não indica que há um e só um assassino no universo. E assim, o problema permanece.

Outra estratégia para escapar deste problema é a estratégia da elipse. Essa estratégia alega que o contexto da elocução fornece o material para completar a descrição incompleta, que abreviaria esse material. Grice (1981: 277), por exemplo, argumenta que a descrição “a mesa” em 6 poderia ser só uma abreviatura de “a mesa nesta sala”, e esta última seria univocamente satisfeita (ou seja, só haveria um objeto que a satisfizesse). No caso de 8, poderíamos supor que a descrição “O assassino” abrevia a descrição “o assassino da pessoa tal e tal”, e assim por diante.

Esta estratégia entra em alguns apuros no que diz respeito à forma lógica. Se a descrição “a mesa”, em 6, abrevia uma descrição maior, então a forma lógica da proposição expressa por ela não é “existe uma e somente uma mesa que está cheia de livros” e sim “existe uma e somente uma mesa, nesta sala, que está cheia de livros”. E o mesmo ocorreria com 8. Assim, a análise russelliana será enormemente relativizada a contextos, pois diferentes contextos podem fornecer diferentes materiais para serem abreviados. A forma lógica de 6 e 8 dependeria desses contextos.

Outra estratégia ainda seria alegar que Russell realmente forneceu a análise correta acerca do que é realmente dito com 6 e 8, mas que essas frases podem gerar proposições pragmaticamente enriquecidas; que seriam o que o falante realmente tencionaria comunicar. Essa é a estratégia de Soames (2005: 377-399). Há muitos pontos a explicar aqui, pois a estratégia dele é complicada. Grosso modo, é o seguinte. O conteúdo semântico ou significado de 8 é realmente como se segue:

 

8′) Existe um e só um assassino e ele é insano.

Mas esse conteúdo, combinado com um dado contexto de elocução, o contexto já mencionado, pode gerar uma proposição totalmente diferente que nem sequer implique 8′. Se supomos que estamos à frente da vítima e em posição de identificá-la, essa proposição pragmaticamente enriquecida pode ser:

8”) Existe um e só um assassino dessa pessoa e esse assassino é insano [onde “dessa pessoa” se refere à vítima].

Uma vez que 8” não implica 8′, a segunda nem sequer foi afirmada em qualquer sentido que seja.21 Na verdade, a combinação da elocução com o contexto gerou uma proposição completamente diferente.

Esta solução é diferente da elipse porque não considera que a descrição “o assassino” (em 8) abrevia uma descrição maior; considera que a descrição “o assassino” nem sequer ocorre na proposição pragmaticamente enriquecida. Não se dá o caso de a forma lógica de 8 ser diferente em cada contexto; ao contrário, a forma lógica é sempre a mesma. A forma lógica de 8 é sempre 8′, mas a proposição expressa em 8′ não é a proposição expressa no contexto considerado. Contudo, Soames não diz muito sobre como 8” é um enriquecimento pragmático de 8′. Uma vez que muito raramente usamos frases como “o assassino é insano” para expressar uma proposição que contenha a forma lógica russelliana, ainda fica a dúvida de saber como os outros usos podem ser meros enriquecimentos de “existe um e somente um assassino”.

Seja como for, parece que num ponto Strawson tem razão: qualquer que seja a saída para a sua objeção, terá de ser mais sensível aos contextos de elocução do que Russell gostaria. Mas, novamente, esta não é uma objeção exclusiva à teoria das descrições.

Donnellan

Vimos que Russell e Strawson discordam quanto ao que seria correto sobre o valor de verdade de frases como “o atual rei do Brasil é careca”. Enquanto para o primeiro essa frase expressa uma proposição falsa, o segundo alega que não é falsa nem verdadeira. Mas Donnellan (1966, 1968), pelo menos num caso específico, discorda de ambos.

Donnellan pensa que nenhum dos dois foi capaz de perceber a diferença entre o que denomina uso atributivo e uso referencial de uma descrição definida. Donnellan alega que se existem dois usos distintos de descrições definidas, pode ser que o valor de verdade seja diferente em cada caso. No caso do uso referencial, uma frase contendo uma descrição definida pode expressar uma proposição verdadeira mesmo quando nada obedece à descrição. Vejamos exemplos de cada caso:

  1. Uso atributivo: Suponhamos um caso em que uma pessoa chamada “João” foi injustamente assassinada. Suponhamos também que costumava ser uma pessoa boa e que aparentemente não tinha inimigos. Devido à maneira que o crime foi cometido, alguém pode afirmar “o assassino de João é insano”. Se a pessoa que profere essa frase não tem idéia de quem seja o assassino e apenas acusa de insanidade quem quer que seja o autor do crime, então está fazendo o uso atributivo de uma descrição definida. Neste contexto, uma pessoa usa uma descrição definida atributivamente para declarar algo sobre quem quer ou o que quer que satisfaça univocamente a descrição.
  2. Uso referencial: Suponhamos que Pedro foi acusado de assassinar João e esteja sentado na cadeira do réu num julgamento. Imaginemos também que começou a exaltar-se e a comportar-se de maneira indevida. O promotor, aproveitando-se da situação, diz que “o assassino de João é insano”. As pessoas que assistem ao julgamento não teriam dificuldade de entender que o promotor, ao dizer isso, referiu-se a Pedro. Este seria um exemplo de uso referencial de uma descrição definida. Neste contexto, um falante usa uma descrição definida referencialmente numa afirmação para a audiência captar de quem ou de que coisa está falando, declarando então algo sobre a pessoa ou coisa referida.

Donnellan pretendia mostrar que as conseqüências da descoberta de que o João não foi afinal assassinado são diferentes em cada caso. Suponhamos que o João faleceu por outro motivo qualquer e que tudo não passou de um engano. Russell deveria dizer que no primeiro exemplo (uso atributivo) a frase “o assassino de João é insano” expressa uma proposição falsa — porque não há qualquer assassino. Strawson, por sua vez, deveria dizer que não é falsa nem verdadeira, já que nada obedece à descrição. Portanto, retornaríamos ao antigo ponto de divergência.

Contudo, Donnellan argumenta que o segundo exemplo (uso referencial) seria problemático para ambos filósofos. No segundo exemplo, ainda que o Pedro não tenha assassinado o João, o promotor estava falando dele, do seu comportamento. Poderíamos imaginar perfeitamente que a platéia entendeu a quem o promotor se referia, ou que o Pedro poderia acusar o promotor de dizer falsidades sobre ele. O caso é que Donnellan argumenta que a frase proferida (ou a proposição expressa) pelo promotor pode ser tanto verdadeira (no caso de o Pedro ser realmente insano) como falsa (no caso de não ser). Por um lado, isso seria problemático para Strawson, que deveria afirmar que não é verdadeira nem falsa. Por outro, Russell deveria afirmar que nunca poderia ser verdadeira, já que nada satisfaz a descrição “o assassino de João”.

A importância disso é que, ao contrário do que Russell e Strawson pensaram, Donnellan considera que no uso referencial essa frase poderia expressar uma proposição verdadeira, mesmo que nada satisfizesse univocamente a descrição usada. E a moral da história é que existem dois usos das descrições e não um. A teoria das descrições não reconhece essa ambigüidade, e conduz a suposições falsas acerca do valor de verdade das proposições contendo descrições usadas referencialmente.

Donnellan cita outros exemplos. Imagine-se que você está numa festa e, ao ver um homem com uma taça com um líquido transparente, diz ao seu amigo:

1) O homem bebendo Martini é muito elegante.

Agora imagine-se que este homem não estava bebendo Martini; que o líquido na sua taça era água mineral, embora você não o soubesse. Teria isso tornado 1 falsa? Parece que não. O seu amigo seria perfeitamente capaz de entender de quem você estava falando, mesmo que a pessoa referida não se encaixasse na descrição “o homem bebendo Martini”. E se esse homem realmente fosse elegante, então 1 seria verdadeira. E assim por diante.

Evans (1982: 52) esboça uma resposta não muito satisfatória a essa objeção. Alega que as objeções de Donnellan não são relevantes para a teoria das descrições. Considera que Russell estava preocupado com o que Evans denomina usos puros de descrições definidas, onde não se põe a questão de invocar conhecimento identificativo. Se prestarmos atenção aos exemplos de usos referenciais de descrições mencionados acima, vemos que envolvem situações onde o ouvinte pode identificar a pessoa ou coisa referida (na verdade, os ouvintes podem mesmo ver ou apontar para a coisa referida). A teoria das descrições ocupa-se principalmente de casos onde este tipo de conhecimento identificativo não existe.

Devitt (1981: 36-42), embora tenha objetivos bem diferentes de Evans, também aceita que os casos de usos referenciais envolvem um tipo especial de relação com o objeto referido. Alega que, em todos esses casos, temos uma conexão causal com o objeto referido. Essa conexão causal só ocorre quando temos alguma experiência do objeto. Nesse caso, o promotor usou a descrição “o assassino de João” referencialmente, pois estava em condições de ver o objeto ao qual se referiu (podia ver o Pedro).

O problema destes pontos de vista é que Donnellan poderia perfeitamente recorrer a exemplos onde este tipo de conhecimento identificativo, ou experiência do objeto, não existe. Imagine-se que o seu país é uma monarquia e que todos sabem (embora tenham medo de dizer) que o rei foi enganado por um usurpador, que finge ser o rei enquanto mantêm o verdadeiro rei sob prisão. Como você é uma pessoa da classe mais abastada, foi convidado (pelo usurpador) para uma festa no castelo. Ao chegar lá, encontra dois guardas em frente ao portão principal e diz-lhes o seguinte:

2) O rei convidou-me.

Ora, podemos perfeitamente supor que os guardas entendem que você está falando do usurpador, mesmo que não obedeça à descrição “o rei”. E, neste caso, 2 parece verdadeira, ainda que seja o usurpador que o tenha convidado. Mas aqui não estamos em posição de apontar ou ter qualquer conhecimento identificativo do usurpador. Podemos imaginar também que nem você nem os guardas o tenham visto alguma vez, ou tido qualquer experiência desse tipo.22

Entretanto, embora estes exemplos levantem uma dificuldade à teoria das descrições, talvez seja um exagero supor que a explicação correta do que ocorre é haver uma ambigüidade no uso de descrições.23 Kripke (1977), com base numa distinção feita por Grice (1975) argumentou nessa direção. Comecemos pela distinção de Grice. Pense-se na seguinte frase:

3) Paula é uma linda garota.

3 parece significar nada mais nada menos que Paula é uma linda garota. É isto que é literalmente dito pela frase. Mas agora suponha-se que alguém profere 3 com um tom de voz inequivocamente sarcástico ou irônico. Ainda diríamos que esse é o significado de 3? Nesse contexto, 3 parece implicar justamente o contrário, que Paula não é uma linda garota, ou até mesmo que é uma garota muito feia.

É aqui que entra a distinção de Grice. Se não conhecêssemos o contexto particular onde 3 foi proferida, não teríamos pudor em dizer que significa literalmente que Paula é uma linda garota. Mas não foi isso que a pessoa do exemplo quis dizer ao proferi-la; esta não tinha a intenção de comunicar o significado literal da frase. Grice expressou isso dizendo que nesses casos o significado literal é diferente do significado do locutor (ou significado de quem fala). Chama-se significado literal ao conteúdo literal ou semântico da frase. Ou seja, aquilo que a frase significa por si. E chama-se significado do locutor ou do falante ao que o falante tenciona dizer com a frase.

Note-se que esta diferença acontece devido a aspectos pragmáticos, que dizem respeito aos contextos de elocução e ao modo como as elocuções são feitas. No primeiro exemplo, a pessoa poderia ter proferido 3 com um tom de voz irônico ou mesmo ter feito uma careta. É isso que lhe permite comunicar, proferindo 3, algo diferente do seu significado literal. Obviamente, aceitar que esse tipo de fenômeno ocorre não implica que a nossa análise do significado literal, ou conteúdo semântico, de 3 esteja equivocada.

Kripke considera que algo de muito semelhante ocorre com os exemplos de usos referenciais de descrições. Donnellan não teria percebido que a mesma diferenciação pode ser feita no que diz respeito à referência de uma descrição. Assim, Kripke distingue entre referência semântica e referência de quem fala. A referência semântica de uma descrição é o objeto (se existir) que univocamente a satisfaz. A referência de quem fala é o objeto que o falante deseja referir, o objeto para o qual tenciona chamar a atenção dos interlocutores.24

Voltemos ao exemplo de uso referencial de uma descrição. No exemplo do tribunal, onde o promotor diz “O assassino do João é insano”, a referência semântica de “o assassino do João” é quem quer que seja aquela única pessoa que satisfaz essa descrição, e neste ponto Russell tinha razão. Mas, por outro lado, o promotor tinha a intenção de referir o Pedro e, por isso, a referência de quem fala era o Pedro.

Por uma razão ou outra, podemos ser bem-sucedidos ao fazer os nossos ouvintes conhecer as nossas intenções, de modo que possam saber a quem temos a intenção de referir ou de quem queremos falar. Porém, parece que mais uma vez serão fatores contextuais que o determinarão. No exemplo do tribunal, como Evans mencionou, podemos supor que os ouvintes podem identificar o Pedro e entender que o promotor fala dele. No exemplo do rei, poderíamos supor que os guardas sabiam que era mais apropriado dizer “o rei” do que “o usurpador”, para evitar sofrer retaliações. Seja como for, o uso referencial de uma descrição parece ser mais um fenômeno pragmático do que semântico, em nada mudando a análise de Russell.

Deste modo, quando o promotor disse que “o assassino do João é insano”, o que literalmente disse foi que “existe uma e só uma pessoa que matou o João e ela é insana”. Se o João não foi assassinado, então o que o promotor disse é literalmente falso. Contudo, esta não era a intenção do promotor; o que ele queria dizer era que o Pedro é insano. Por fatores deste gênero, os ouvintes poderiam perfeitamente entender o que o promotor queria dizer, mas isso em nada muda a análise do significado literal ou semântico de “o assassino do João é insano”. Há apenas uma análise semântica correta das descrições, e essa seria a de Russell. Não há aí ambigüidades. Há muito a ser explicado, temos de explicar como os interlocutores podem conhecer as nossas intenções, como o contexto o permite fazer, etc. Mas esse é o papel da pragmática.25

Espero ter conseguido oferecer uma introdução acessível e relevante ao problema das descrições definidas. Mas devo notar que muitos pontos não foram apresentados. As descrições definidas podem ser usadas para explicar o significado ou a referência dos nomes próprios, mas não o mencionei nem expliquei como isso se faz, pois trata-se de um debate autônomo. Também não mencionei os debates sobre a ficção, que envolve descrições como “o detective mais famoso de Baker Street”, que é uma personagem de ficção. O problema das descrições é hoje central em filosofia da linguagem, extravasando para outras áreas; é utilizada, por exemplo, nas discussões ontológicas sobre o que há (Quine: 1953) e nas discussões em filosofia da arte sobre a razão pela qual nos emocionamos com obras de ficção (Chisholm: 1972).26

Sagid Salles Ferreira

sagidnetto@hotmail.com

Universidade Federal de Ouro Preto

Notas

  1. Russell refere-se aqui sem dúvida a Meinong (1904), cuja tese veremos na Parte II.
  2. Note-se que “algum” quer dizer “pelo menos um”; assim, “algum x é mortal” é equivalente a “existe pelo menos um x que é mortal”. Não há problema se existir apenas um, ou mais do que um.
  3. O que é o mesmo que dizer que qualquer substituição de x resultará numa proposição verdadeira.
  4. Que é o mesmo que dizer que pelo menos uma substituição de x resultará numa proposição verdadeira. Quem ler o “On Denoting” encontrará uma notação muito mais complicada, porque Russell (por motivos que não nos dizem respeito aqui — mas ver Hylton 2003) define a noção de “sempre verdadeira” ou “verdadeiro para qualquer valor de x” como fundamental e indefinível e, em seguida, define as outras com base nela.
  5. Em Haack (1978: 71-90), Blackburn (1984: 303-306) e Inwagen (2000) encontra-se explicações bem claras e completas dos quantificadores.
  6. Embora a teoria da referência direta envolva, à primeira vista, os problemas mencionados em seguida, há muitas tentativas de torná-la imune. A teoria da referência direta não precisa sustentar que todos os termos que estou chamando aqui de termos singulares funcionam da mesma maneira. Pode-se argumentar, e de fato é isso que é feito hoje, que embora descrições definidas não sejam diretamente referenciais, os nomes próprios e demonstrativos são. Ver, por exemplo, Nathan Salmon (1998) e David Braun (1993).
  7. Na verdade, existem quatro, e não três, enigmas a que hoje se supõe ser possível responder recorrendo à teoria de Russell das descrições. Mas Russell, em “On Denoting”, preocupou-se apenas com três. Não trabalharei aqui esse outro enigma, conhecido como “quebra-cabeças de Frege”, apresentando por Frege em seu “Über Sinn und Bedeutung” (1892).
  8. Russell, Bertrand (1905) “On Denoting”. In Analytic Philosophy: An Anthology. Edited by Martinich, A. P. and Sosa, David. University of Texas at Austin: Blackwell. 2006. PP. 35 (tradução minha).
  9. É comum interpretar a tese de Meinong erroneamente. Lycan (2000: 19) interpreta Meinong como se afirmasse que existem coisas que não existem. Isso é um erro; como vimos, o que Meinong alega é que tanto o que existe como o que não existe possuem sosein, ou seja, podem possuir propriedades. Na verdade, parece que o próprio Russell o interpretou erroneamente. Uma boa defesa e exposição da tese meinongiana encontram-se em Chisholm (1972).
  10. Na verdade, é possível expor a teoria das descrições sem falar de proposições dependentes e independentes. Contudo, isso implicaria ocultar muito do que Russell pensou sobre a relação entre a linguagem, o pensamento e o mundo. Em qualquer caso, esta não é a razão principal pela qual decidi expor as coisas deste modo. Algumas discussões irão depender em alguma medida do que será dito aqui. A mesma estratégia que adoto aqui foi adotada por Stephen Neale (1990) e por Blackburn (1984). O segundo desenvolve uma ampla discussão sobre proposições dependentes e independentes.
  11. Para críticas à noção russelliana de que uma proposição pode conter objetos como constituintes ver Plantinga (1983) e M. Davidson (2007). A melhor exposição que conheço da tese de Russell está em Wettstein (2004). Wettstein não trata especificamente a tese de Russell das proposições, mas desenvolve muitos pontos importantes acerca do modo como Russell viu a relação entre linguagem e mundo.
  12. É importante frisar o “podem”, pois, como menciono no parágrafo seguinte, também é possível que uma frase contendo um quantificador expresse uma proposição dependente de objetos. Encontrar condições necessárias e suficientes que uma proposição deve satisfazer para depender ou não de objetos pode ser mais difícil do que parece. Até agora, notei apenas que a compreensão de uma proposição dependente de objetos exige a identificação de um objeto, enquanto a compreensão de uma proposição independente não o exige. Ou ainda, saber que verdade particular é expressa por uma proposição dependente de objetos requer a identificação de um objeto. Por exemplo, para saber que verdade particular “esta menina é uma beleza” expressa, tenho de conhecer a referência de “esta menina”. Mas outras coisas poderiam ser ditas. Não me arriscarei indo muito além. Para os nossos propósitos, isto é suficiente.
  13. Numa apresentação deste texto no Grupo de Estudos em Filosofia Analítica da UFOP pude notar, pelas perguntas que me foram feitas, que o modo como Lycan (2000: 25) e Salmon (1998: 876) expõem essa distinção pode gerar confusão. Pode parecer (embora essa não seja a intenção desses autores) que a distinção entre ocorrência primária e secundária é uma distinção que apenas se aplica ao âmbito da negação (discuto isso depois), mas isto é falso. O primeiro exemplo de Russell para explicar essa distinção é de duas frases que não contêm o operador de negação. Ver Russell (1905: 37). Ver também Donnellan (1966).
  14. Alguém poderia perguntar por que não interpretar essa frase de modo que a ocorrência da descrição fosse primária e não secundária. Contudo, em ambas as interpretações a descrição “o atual presidente do Brasil” desaparece após análise. Assim, em nenhuma das interpretações o enigma apareceria. Mas há outros problemas relacionados com essa interpretação alternativa; ver Blackburn (1972).
  15. Contudo, Russell enfrenta aqui um problema curioso. Uma vez que, devido a problemas que não tratarei aqui, Russell acaba por considerar que os nomes próprios são, na maior parte das vezes, equivalentes a descrições, o problema da substituibilidade volta com toda força. Imaginemos que o nome “Lula” é equivalente à descrição “o atual presidente do Brasil”. Se isso for assim, então poderemos substituir “Lula” em 2 por “o atual presidente do Brasil”, e assim, provar que “João desejava saber se o atual presidente do Brasil era o atual presidente do Brasil”. É claro que não é isso que João desejava saber. Mas essa é outra história, e não é meu objetivo tratar aqui da tese de Russell acerca dos nomes.
  16. Claro que “Brasil” é um termo singular, e a frase expressa uma proposição dependente de objetos com respeito ao Brasil, mas não com respeito ao homem que atualmente reina no Brasil. E isso é o que nos interessa aqui. Não precisamos conhecer ou identificar qualquer rei para compreender a frase.
  17. Sobre isso ver Grayling (1982: 109).
  18. Alguns autores sugerem que Strawson tinha em mente uma noção semântica de pressuposição. Ver, por exemplo, Haack (1978: 106) e Neale (1990: 54). Haack cita Strawson (1964) como indício; porém, não consigo ver tal indício no texto de Strawson. Dummett (1960) tem também uma interessante discussão sobre o tema.
  19. Mas, é claro, é bem provável que Strawson ficasse feliz com isso, e isso de modo algum transforma o problema num pseudoproblema ou algo do tipo.
  20. Donnellan (1968: 204) pensou algo bem próximo disso. Segundo ele, o problema das descrições incompletas só ocorria para o que denominou “usos referenciais de descrições”. Veremos o que Donnellan queria dizer por “usos referenciais de uma descrição” na próxima secção.
  21. Se não ficou claro por que 8” não implica 8′, note-se que de “existe um e só um assassino dessa pessoa” não se segue que “existe um e só um assassino em todo universo”.
  22. Para outro exemplo desse tipo ver Searle (1979: 216).
  23. Note-se que ocorrem casos semelhantes com os nomes próprios, e nem por isso postulamos dois usos dos nomes. Suponha-se que vejo alguém à distância e penso que é Jorge e digo “Jorge está vindo”. Mas na verdade acabo descobrindo que era Marcos, e não Jorge, que estava vindo em minha direção. Parece que eu disse algo verdadeiro acerca de Marcos, mesmo que tenha usado o nome “Jorge”. O exemplo é de Kripke (1977: 395).
  24. Kripke (1977: 399) define a referência de quem fala como o objeto que quem fala deseja referir e que essa pessoa pensa preencher as condições para ser o referente semântico. A parte em itálico gera um problema. Não é necessário que quem fala acredite que o objeto satisfaz as condições do referente semântico. Por exemplo: podemos imaginar que o promotor nem acreditava que o Pedro era o assassino do João (e, portanto, o referente semântico de “o assassino do João”), tendo usado “o assassino do João” como um mero artifício retórico.
  25. Para mais discussões sobre usos referenciais de descrições, ver Lycan (2000: 32-37), Searle (1979: 213-250), MacKay (1968), Soames (1994: 360-376) e (2005: 392-394) e Loar (1976: 496-516). Soames, como era de esperar, apresenta a mesma solução que apresentou para descrições incompletas, defendendo que no uso referencial o que temos é o gerar de uma proposição pragmaticamente enriquecida.
  26. Gostaria de agradecer a algumas pessoas. Ao professor Sérgio Miranda, por intermináveis discussões em filosofia da linguagem e por ler uma primeira versão desse trabalho e criticá-lo completamente. A todos os integrantes do Grupo de Estudos em Filosofia Analítica da UFOP (GEFA) por discutirem várias vezes as minhas interpretações e cada argumento apresentado aqui. Ao professor Desidério Murcho por me dar a oportunidade de terminar esse trabalho, e ler, corrigir e fazer mais críticas. À Paula Akemy que sempre tem a paciência de ler e criticar tudo que escrevo.

Referências

  • Blackburn, Simon (1972) “Searle on Descriptions”. In Mind. Vol. 81, No. 323, pp. 409-414.
  • Blackburn, Simon (1984) Spreading the Word: Groundings in the Philosophy of Language. Oxford Clarendon Press, 2004.
  • Braun, David (1993) “Empty Names”. In Davidson, Matthew org., On Sense and Direct Reference. The McGraw-Hill Companies, 2007.
  • Chisholm, Roderick M. (1972)“Beyond Being and Nonbeing”. In Brentano and Meinong Studies. New York: editions Rodopi B. V., 2008.
  • Davidson, Matthew (2007) “Transworld Identity, Singular Propositions, and Picture-Thinking”. In Davidson, Matthew, org., On Sense and Direct Reference. The McGraw-Hill Companies, 2007.
  • Devitt, Michael (1981) “A Causal theory of designation (1 e 2)”. In Designation. Columbia University Press.
  • Donnellan, Keith (1966) “Reference and Definite Descriptions”. In: Davis, Steven, org. (1991) Pragmatics — a Reader. Oxford University Press, New York. pp. 52-64.
  • Donnellan, Keith (1968) “Putting Humpty Dumpty Together Again”. In: The Philosophical Review. Vol. 77, No 2, pp. 203-215. Duke University Press.
  • Donnellan, Keith (1974) “Speaking of Nothing”. In: The Philosophical Review. Vol. 83, No 1, pp. 3-31. Duke University Press.
  • Donnellan, Keith (1972) “Proper Names and identifying descriptions”. In: Davidson, Matthew, org. (2007) On sense and reference direct. The McGraw-Hill Companies. pp. 107-124
  • Donnellan, Keith (1966) “Substitution and Reference”. In: The Journal of Philosophy. Vol. 63, No 21, pp. 685-688. Journal of Philosophy, Inc.
  • Dummett, Michael (1960) “Pressupposition”. In: Truth and other enigmas. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1978. pp.25-28
  • Evans, Gareth (1982) The Varieties of Reference. Clarendon Press- Oxford University Press- New York. 2002.
  • Frege, Gottlob (1892) “Sobre o Sentido e a Referência”. In: Lógica e filosofia da linguagem. Tradução: Paulo Alcoforado. São Paulo: Cultrix, 1978.
  • Grayling, A. C. (1982) “Existence, pressupposition and Descriptions”. In: An Introduction Philosophical Logic. Blackwell Publishing, 2008. pp.88-121
  • Grice, Paul (1975) “Logic and Conversation”. In: Studies in the way of words. Harvard University Press, 1989. pp.22-40
  • Grice, Paul (1981) “Presupposition and Conversational Implicature”. In: Studies in the way of words. Harvard University Press, 1989. pp.269-282.
  • Haack, Susan (1978) Filosofia das Lógicas. Tradução: Cezar Augusto Mortari & Luiz Henrique de Araújo. São Paulo: Unesp, 2002.
  • Hylton, Peter (2003) “The theory of descriptions”, In: Griffin, Nicholas (2003) The Cambridge Companion to Bertrand Russell. Cambridge University Press, pp. 202-240.
  • Hylton, Peter (1990) Russell, idealism and the emergences of analytic philosophy . New York: Oxford University Press.
  • Inwagen, Peter Van (2000) “Quantification and fictional discourse”. In: Everett, Anthony J. & Hofweber, Thomas, orgs. (2000) Empty Names, Fiction and the puzzles of non-existence”. CSLI Publications.
  • Kempson, Ruth M. (1977) “The logic of natural language”. In: Semantic Theory. Cambridge University Press, 1996. pp. 139-158.
  • Kripke, Saul A. (1977) “Speaker’s reference and semantic reference”. In: Ludlow, Peter, org. (1997) Readings in the philosophy of language. The Massachusetts Institute of Technology Press (MIT). pp.383-414.
  • Kripke, Saul A. (1979) “A Puzzle about belief”. In: Davidson, Matthew, orgs. (2007) On sense and direct reference. The McGraw-Hill Companies. pp.1002-1036.
  • Lejewski, Czeslaw (1954) “Logic and Existence”. In: Jacquett, Dale. org. (2002) Philosophy of Logic: An anthology. Blackwell Publishers. pp.147-155.

ORAÇÃO I, II e III DE M. T. CÍCERO CONTRA L. CATILINA

Tradução do Padre Antônio Joaquim. Fonte: Atena Editora, 1938

Esta oração, pronunciada no dia 8 de novembro do ano 63 c C, é talvez a mais conhecida entre as orações de Cícero.

Cícero investe violentamente contra Catilina, que teve a ousadia de apresentar-se no Senado, embora todos saibam que um exército de revolucionários o espera na Etrúria, chefiado por Mânlio. Catilina mereceria a morte; porém Cícero não pede ao Senado que o processe. Roma pode ter a certeza que ele, Cícero, com a sua solêrcia, garantirá a liberdade do povo romano. Catilina, porém, deixe a cidade. Roma não quer mais saber dele, pois as suas culpas e torpezas são bem conhecidas. Deixe a cidade e, se quer, se junte aos seus companheiros, bem dignos dele, que o esperam para marchar contra Roma. Cícero não o teme, pois, com a ajuda de Júpiter Stator, o exterminará e, com ele a todos os inimigos da República.

Exórdio.

ATÉ quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? quanto zombará de nós ainda esse teu atrevimento? onde vai dar tua desenfreada insolência? É possível que nenhum abalo te façam nem as sentinelas noturnas do Palatino, nem as vigias da cidade, nem o temor do povo, nem a uniformidade de todos os bens, nem este seguríssimo lugar do Senado, nem a presença e semblante dos que aqui estão? Não pressentes manifestos teus conselhos? não vês a todos inteirados da tua já reprimida conjuração? Julgas que algum de nós ignora o que obraste na noite próxima e na antecedente, onde estiveste, a quem convocaste, que resolução tomaste?

Oh tempos! oh costumes! Percebe estas coisas o Senado, o cônsul as vê, e ainda assim vive semelhante homem! Que digo, vive? antes vem ao Senado, é participante do conselho público, assinala e designa com os olhos, para a morte, a cada um de nós. E nós, homens de valor, nos parece ter satisfeito à República, evitando as suas armas e a sua insolência. Muito tempo há, Catilina, que tu devias ser morto por ordem de cônsul, e cair sobre ti a ruína que há tanto maquinas contra todos nós.

Porventura o insigne P. Cipião, Pontífice Máximo, não matou a Tibério Graco, por deteriorar um pouco o estado da República? e nós devemos sofrer a Catilina, que com mortes e incêndios quer assolar o mundo? Passo em silêncio aqueles antiquíssimos exemplos, de quando C. Servílio Ahala matou com sua própria mão a Spúrio Melo, que procurava introduzir novidade. Houve antigamente na República esta fortaleza de reprimirem homens de valor com os mais severos castigos seja ao cidadão pernicioso que ao cruelíssimo inimigo. Temos contra ti, Catilina, decreto do Senado veemente e severo; não falta conselho à República; nós, abertamento o digo, nós somos os que faltamos.

Poderes dos cônsules.

2. Decretou antigamente o Senado que Lúcio Opímio atendesse a que a República não recebesse algum detrimento; não se meteu uma só noite em meio que não fossem mortos C. Graco, de pai avô e antepassados nobilíssimos, e M. Fúlvio, consular, com seus filhos. Com semelhante decreto do Senado se entregou a República aos cônsules Caio Mário e Lúcio Valério; porventura tardou a República um só dia com a morte e suplício a Lúcio Saturnino, tribuno do povo, e a Caio Servílio, pretor? Mas nós há já vinte dias que consentimos se embotem os fios desta autoridade; temos o mesmo decreto do Senado, metido nas tábuas, como espada na bainha; segundo esta deliberação do Senado, Catilina, devias logo ser morto. Mas vives, e vives não para ceder, mas para te confirmar no teu atrevimento. Desejo, Padres Conscritos, ser clemente para convosco; desejo não ser cobarde em tamanhos perigos da República, mas a mim mesmo me condeno de inerte e culpado.

Há tropas na Itália contra a República, assentadas na garganta da Etrúria; cresce cada dia o número dos inimigos, mas o seu capataz e general o estamos vendo dentro de nossos muros, maquinando sempre a ruína da República. Se agora te mandasse prender, se te mandasse matar, mais receio que todos os bons dissessem que o fizera tarde, de que alguém que obrara cruelmente. Mas por certa causa não estou ainda resoluto a executar o que há muito devia ter feito. Matar-te-hei finalmente então, quando ninguém houver tão malvado, tão perdido, tão teu semelhante, que não confesse que isto se obrou com razão.

Enquanto houver quem se atreva a defender-te, viverás, e viverás como agora vives, cercado de muitas minhas fortes guardas, para que não te possa levantar contra a República; também os olhos e ouvidos de muitos, sem tu o sentires, te espreitarão, e guardarão como até agora o fizeram.

Planos da conspiração.

3. Portanto, Catilina, que podes mais esperar, se nem a noite com as suas trevas pode encobrir teus iníques congressos, nem a casa mais retirada conter com suas paredes a voz da tua conjuração? Se tudo se faz manifesto, se tudo sai a público? Crê-me o que te digo: muda de projeto, esquece-te de mortandades e incêndios; por qualquer parte te haveremos às mãos. Todos teus desígnios são para nós mais claros que a luz, o que bem é reconheças comigo. Não te lembras do que eu disse no Senado em 21 de Outubro, que Mânlio, ministro e sócio das tuas maldades, havia de estar armado em certo dia, o qual dia havia de ser o 26 de Outubro? Escapou-me, pois, Catilina, não só uma coisa tão horrível, mas nem ainda o dia? Eu mesmo disse que tu deputaras o dia 28 de Outubro para mortandade dos nobres; e então foi quando muitas das pessoas principais da cidade fugiram de Roma, não tanto por se salvarem, como por atalharem teus intentos. Poderás porventura negar-me que naquele próprio dia, por estares rodeado de minhas guardas e das minhas diligências, te não pudeste mover contra a República, quando, retirando-se os mais disseste que te contentavas com a minha morte? E quando esperavas tomar a Prendeste por assalto de noite ao primeiro de Novembro, não achaste aquela colônia municionada por minha ordem, e com meus presídios, guardar e sentinelas? Nada obras, nada maquinas, nada cogitas que eu não só não ouça, mas veja e penetre claramente.

Catilina tentou matar Cícero.

4. Recorda-te enfim comigo desta última noite, e conhecerás que com maior cuidado velo eu para o bem da República do que tu para a sua destruição. Digo, pois, que foste na primeira noite pelos Falsários para casa de Marco Leca (hei-de falar claro) onde concorreram muitos sócios da mesma loucura e perversidade; atrever-te-ás porventura a negá-lo? porque te calas? se ò negares convencer-te-ei; pois aqui estou vendo no Senado alguns que estiveram contigo. Deuses imortais! onde estamos? que República temos? em que cidade vivemos? Aqui, aqui, Padres Conscritos, entre nós, neste gravíssimo e santíssimo Conselho do Mundo, estão os que meditam a minha ruína, a de todos nós, a desta cidade e do universo. Eu cônsul, os estou vendo, e lhes peço parecer; e a quem com ferro devia acabar, nem siquer molesto com a voz. Estiveste pois, Catilina, naquela noite em casa de Leca; repartiste as regiões da Itália, determinaste para onde querias que cada um fosse, elegeste os que deixarias em Roma e os que levarias contigo; designaste os bairros da cidade para os incêndios, afirmaste que brevemente sairias de Roma, disseste que ainda demorarias um pouco, por estar eu ainda em vida; achaste dois cavaleiros romanos que te livraram deste cuidado, e te prometeram que pouco antes de amanhecer me matariam em meu mesmo leito. Tudo isto soube eu, apenas acabado o vosso congresso; fortifiquei e municionei minha casa com maiores guardas; não recebi os que pela manhã mandaste a saudar-me, vindo os mesmos, que eu tinha predito a pessoas de muito crédito que haviam de vir buscar-me naquele tempo.

Catilina deve sair da cidade.

5. Sendo tudo isto assim, Catilina, prossegue o que principiaste, vai-te enfim da cidade, abertas estão as portas, anda; há muito tempo te desejam por general aqueles teus acampamentos de Mânlio; leva contigo todos os teus, ou ao menos muitos deles, limpa esta cidade; já não podemos viver mais contigo, nem eu o posso sofrer, tolerar, consentir. Infinitas graças devo dar aos deuses imortais, e a esse mesmo Júpiter Stator, antiquíssimo protector desta cidade, de ter tantas vezes escapado a esta tão horrível torpe e prejudicial peste da República. Não convém que por causa de um homem perigue muitas vezes a República. Enquanto me armaste traições, Catilina, sendo eu cônsul designado, não me defendi com guardas públicas, mas com diligências particulares; quando nos próximos comícios consulares me quiseste matar, reprimi teus perversos intentos com o socorro dos amigos e soldados, sem tumulto algum; enfim todas as vezes que me acometeste, pessoalmente te resisti, posto que visse andar a minha ruína emparelhada com grande calamidade da República; agora já acometeste abertamente toda a República, os tempos dos deuses eternos, as casas de Roma, as vidas dos cidadãos, e em uma palavra, tocas a arruinar e destruir toda a [tália. Mas como não me resolvo ainda a pôr em obra o principal e próprio deste Império, executarei o que é de menor severidade e para o bem público mais proveitoso, pois se te mandar matar, ficará na República o demais esquadrão de conjurados. Se saíres (como te persuado há muito), ficará a República limpa desta enorme sentina de teus sócios. E duvida porventura, Catilina, mandando eu fazer o que já executavas de tua livre vontade? Manda o cônsul sair da cidade o inimigo. Perguntas-me se porventura para o desterro? não te mando; mas se me consultas, aconselho-te.

Os bons romanos odeiam Catilina.

6. Que coisa há ainda nesta cidade que te possa dar gosto, pois ninguém há que não te tema? fora desta conjuração de gente estragada, ninguém há que não te aborreça. Que nódoa de torpeza doméstica se não tem lançado na tua vida? que infâmia em matérias particulares se não tem amontoado sobre aqueles labéus? que lascívia de olhos, que atrocidade de mãos, que perversidade deixou jamais de haver em todo teu corpo? que mancebo houve, a quem não enredasses com atrativos viciosos, e a quem não conduzisses ou para insolências com armas, ou para dissoluções com incentivos? E que é o que há pouco obraste, quando com a morte da tua primeira mulher despojaste a casa para novas bodas? não acumulaste sobre esse delito outra incrível maldade? o que eu passo em claro, e de boa mente sofro se cale, para que não conste que existiu nesta cidade, ou se deixou sem castigo tão enorme crime. Passo em silêncio a perdição dos teus bens, que sabes te está iminente nos próximos Idos. Não falo no tocante às particulares ignomínias de teus vícios, nem na tua doméstica penúria e miséria, mas no que pertence ao governo da República, e à vida e proveito de todos nós. Pode porventura, Catilina, agradar-te a luz desta cidade, ou este ar que respiramos, sabendo que nenhum dos circunstantes ignora que no último de Dezembro, sendo cônsules Lépido e Fúlvio, estiveste armado no comício do povo? que ordenaste uma esquadra para matares os cônsules e pessoas principais da cidade? que não foi razão alguma ou temor que tivesses, mas a fortuna da República a que conteve a tua protérvia e desaforo? Mas deixo já isto que nem é ignorado, nem há muito cometido. Quantas vezes estando eu já eleito, quantas, sendo já cônsul, me quiseste matar? a quantos golpes, atirados de modo que pareciam ine-/ vitáveis, escapei eu, como lá dizem, com um pequeno desvio do corpo? Nada fazes, nada consegues, nada maquinas, que eu logo não saiba; e nem por isso cessas de levar por diante teus projetos e intentos. Quantas vezes te arrancaram já essa faca das mãos? quantas te caiu por acaso e escorregou? e ainda assim não podes estar muito tempo sem ela; na verdade, não sei a que sacrifícios a consagraste e dedicaste, que: julgas preciso cravá-la no corpo do cônsul. ,

A cidade exige a expulsão de Catilina.

7. E que vida é ao presente essa tua? falarei pra contigo, não como agastado com a ira que devo, mas movido da compaixão que não mereces. Há pouco chegaste ao Senado; em um tão grande congresso, qual de teus amigos e parentes te saudou? não havendo memória que tal jamais sucedesse a ninguém, esperas que te afrontem de palavra, sendo já condenado pelo gravíssimo juízo desta taciturnidade? Que foi isto que assim que chegaste se evacuaram estas ordens de assentos? que vem a ser que assim que te sentaste, todos os consulares, que designaste para a morte, deixaram devoluta e nua esta parte de assentos? Enfim de que ânimo julgas levar isto? Por certo que se os meus servos me temessem da sorte que a ti temem os teus patrícios, abandonaria sem demora a própria casa; e tu ainda te não resolves a deixar a cidade? Se eu me visse tão gravemente suspeito e ofendido de meus cidadãos, antes quereria carecer da sua presença, que sofrer que com tão maus olhos me vissem todos. E tu, conhecendo pelo próprio remorso de teus delitos esta justa e geral indignação, que há tanto mereces, ainda duvidas retirar-te da vista e presença daqueles que te não podem suportar nem ver? Se teus pais se temessem de ti e te aborrecessem, e os não pudesse sem nenhum modo aplacar, creio te retirarias de seus olhos para outra parte; pois, agora que a pátria, mãe comum de todos nós, te aborrece e teme, não julgando de ti outra coisa senão que meditas o seu parricídio, porque não respeitarás a sua autoridade, seguirás o seu juízo, temerás o seu poder? Ela é a que, como falando contigo, te diz desta sorte: Muitos anos há que não houve maldade que não viesse de ti, nenhum delito sem ti; em ti só não se castigou a morte de muitos cidadãos, as opressões e roubos de nossos aliados. Não só tiveste poder de infrigir as leis e as causas, mas de as abolir. Ainda que tudo isto não se devia tolerar, ainda assim o sofri como pude; mas o estar eu toda em temor unicamente por teu respeito, o temer-se a Catilina com qualquer rumos que haja, o nâo se poder tomar conselho algum contra mim, que não dependa da tua protérvia, não se deve levar à paciência. Portanto, vai-te já daqui, livra-me deste temor, se bem fundado para não estar oprimida, se vão para deixar de temer.

O Senado e Catilina.

8. Se, como disse, a pátria te dissesse estas coisas, não mereceria conseguir sua pretensão, ainda que a não pudesse conseguir com força? Por que motivo tu próprio te foste entregar à prisão? Com que fim disseste que, por evitar suspeitas, querias morar em casa de Marco Lépido, do qual não sendo recebido, te atreveste a vir também comigo e pedir-me te recolhesse em minha casa? E recebendo de mim por resposta que em nenhum modo podia estar seguro contigo dentro das mesmas paredes, havendo grande risco ainda dentro dos mesmos muros, buscaste a Quinto Metelo, pretor, do qual repudiado, passaste para casa do teu companheiro, o excelente varão Marco Marcelo, a quem avaliaste de suma diligência para te guardar, de suma sagacidade para vigiar e de sumo valor para te vingar. Mas quão longe deve estar do cárcere e prisão quem se julga a si mesmo digno dela? Sendo isto assim, Catilina, não podendo aqui viver com ânimo sonegado, duvidas ir-te para alguma terra e entregar à fugida uma vida salvada de muitos castigos justos e merecidos? Já que assim — dizes tu — propõe isso ao Senado. E se esta ordem resolver que vás para o desterro, prometes obedecer-lhe? Não proporia tal, por desdizer de meus costumes, mas ainda assim o farei, para que saibas o que eles julgam de ti. Sai já de Roma, Catilina, livra de temor a República; se esperas por este preceito, parte já para o desterro. Pois que, Catilina, que atendes? que consideras no silêncio dos circunstantes? Sofrem, calam-se; para que esperas que falem com autoridade aqueles que bem te dão a conhecer a sua vontade calando? Se eu dissesse semelhantes coisas a este ótimo mancebo Públio Séxtio, ou ao meritíssimo Marco Marcelo já o Senado a mim cônsul me faria violência, e com razão me poria as mãos; mas quanto a ti, Catilina, quando se acomodam, aprovam; quando sofrem, determinam; quando calam, clamam; nem só estes, cuja autoridade amas e vidas desprezas, mas também aqueles honradíssimos cavaleiros romanos e os outros cidadãos de valor que rodeiam o Senado, cujo concurso pouco há que pudeste ver, conhecer sua vontade, e ouvir suas palavras, cujas mãos e armas há muito que mal posso conter, que vão sobre ti, fácil me é persuadi-los te acompanhem até as portas, como a quem deixa o que há muito deseja destruir.

Cícero prevê os ódios contra si.

9. Mas para que falo eu? para que te contenhas? para que te emendes? para que cuides em fugir? para que tragas ao pensamento algum desterro? Oxalá te metessem tal na cabeça os deuses imortais! Ainda que vejo que, se aterrado com estas minhas vozes, te resolveres a desterrar-te, quanta tempestade de ódio mio virá sobre mim por causa da fresca memória das tuas maldades, se não for agora, ao menos para o futuro; mas eu o estimo muito, contanto que a calamidade seja particular e fique salva a República do perigo. Mas não há que pretender te façam abalo teus vícios, que te amedrontem os castigos das leis, que cedas às calamidades da República; nem tu és sujeito de qualidade a quem o pejo desvia da lorpeza, dos perigos o temor, ou da insolência a razão. Portanto, como já disse repetidas vezes, vai-te daqui; e se, como dizes, porque sou teu inimigo me queres exasperar, caminha direito para o desterro; grande tempestade de censuras e malquerenças tenho que sofrer, se por mandado do cônsul fores desterrado; mas eu os sofrerei. Porém se não queres concorrer para o meu crédito e glória, sai com essa enorme quadrilha de perversos; parte para Mânlio, subleva cidadãos perversos, separa-te dos bons, peleja contra a pátria, regozija-te com essa ímpia quadrilha, de modo que não pareça te desterro para os estranhos, mas que os teus te convidam à sua companhia. Mas para que te convido eu, sabendo que já mandaste os homens que te esperam armados na Praça Aurélia; labendo que com Mânlio tens aprazado dia certo; e que remeteste adiante aquela águia de prata a que levantaste altar em tua casa, a qual creio te há-de ser funesta a ti e a todos os teus. Como poderás agora, indo a essas mortandades, carecer muito tempo daquela a quem costumavas venerar, de cujos altares passaste muitas vezes essa ímpia mão direita para homicídios de cidadãos?

Catilina que vá junto dos seus amigos.

10. Irás enfim algum dia para onde há muito te arrebata essa desenfreada e louca ambição, o que te não dá pena, mas gosto excessivo; pois para esse desvario te gerou a natureza, adestrou a vontade e guardou a fortuna; nunca tu desejaste não digo já ócio, mas nem ainda guerra, senão iníqua, agrega” do um exercito de gente perdida e desesperada de toda a fortuna e esperança. Que alegria não será ali a tua? quão excessivo o prazer? com que júbilo não folgarás loucamente, quando nessa tua aluvião de gente não vires um só homem de bem? Para semelhante modo de vida se encaminharam aqueles teus laboriosos exercícios, que se contam, de jazeres para executar e manter adultérios e abominações; velar não só para armar traições ao sono dos maridos, mas também aos cabedais dos ociosos. Terás onde ostentar aquele teu ilustre sofrimento de fome, frio e penúria de tudo, com que brevemente te verás consumido. Tanto como isto aproveitei, quando te exclui do consulado, para que antes perseguisse a República desterrado, do que a vexasse cônsul, e para que o que iniquamente empreendeste mais se chamasse latrocínio do que guerra.

Cícero não teme o ódio ou os perigos e cuida da salvação da pátria.

11. Agora, Padres Conscritos, para desterrar c repelir de mim uma quase justa queixa da pátria, concedei toda a atenção ao que vos vou dizer, e o imprimi bem em vossos ânimos e memória. Se a pá-tria, pois, (que amo mais do que a vida) se toda a Itália e toda a República me dissessem: Que fazes, Marco Túlio? consentes se vá embora aquele que sabes ser inimigo, aquele que vês há-de-ser o general de uma iminente guerra, a quem sabes o esperam por seu capitão os arraiais inimigos, o autor desta protérvia, o príncipe dos conjurados, o sublevador dos servos, o arruinador das cidades, parecendo deste modo não que o lançaste fora da cidade, mas que o mandaste vir contra ela? Por que não o mandaras antes prender, matar e punir com o último suplício? Que é que te impede? Porventura o costume dos maiores? Não sucedeu poucas vezes castigarem os particulares Com pena de morte a cidadões perversos. Porventura as leis que estabelecem o castigo de cidadões romanos? Nunca nesta cidade lograram foro de cidadãos os que se rebelaram contra a República. Temes acaso o ódio da posteridade? Notável agradecimento dás ao povo romano, pois não sendo conhecido senão pelos teus predicados pessoais, sem nenhuma recomendação de antepassados, te elevou tão velozmente por todos os graus de honra ao supremo governo, se por atenção a ódio ou temor de algum perigo fazes pouco caso do bem dos teus concidadãos. E se algum temor tens de ódio, não é mais para temer que aborreçam a cobardia e protervia, do que a severidade e valor? Porventura quando a guerra assolar a Itália, quando as cidades forem vexadas, e arderem os edifícios, parece-te que não arderas tu então no incêndio do ódio?

Os motivos pelos quais Cícero não reputa acertada a condenação à morte de Catilina.

12. A estas justíssimas razões da República e daqueles cidadãos que sentem o mesmo, responderei eu em poucas palavras. Se eu, Padres Conscritos, tivesse por mais acertado condenar à morte a Catilina, não concedera a este gladiador uma só hora de vida. Porque se os outros heróis e nobilíssimos cidadãos se não contaminaram, mas honraram com o sangue de Saturnino, dos Gracos e de Flaco, por certo não teria eu de recear que, morto este parricida de cidadãos me resultassem daqui ódios para a posteridade; e ainda que os visse iminentes sobre mim, sempre assentei reputar por glória malquerenças resultadas de obras de valor. Contudo, há alguns nesta ordem que ou não vêem o que está para vir, ou se o vêem, dissimulam; os quais fomentaram as esperanças de Catilina com brandas sentenças; e, não dando crédito à conjuração, a arraigaram à nascença; cuja autoridade, seguindo outros muitos não só perversos, mas ignorantes, diriam se eu o castigasse, que obrara com tirania e despotismo. Agora porém entendo que quando ele chegar aos arraiais de Mânlio, para onde caminha, não haverá ninguém tão insensato que não conheça estar feita a conjuração, ninguém tão ímprobo que o não confesse. Mas morrendo ele só, creio que só por um pouco se poderá reprimir esta ruína da República, e não acabar inteiramente. Se der consigo daqui fora, levando de companhia os seus e, agregando de toda parte os desgarrados, os levar para o mesmo lugar, extinguir-se-á não só esta enorme peste da República, mas a mesma semente e geração de todos os perversos.

Peroração. Invocação a Júpiter.

13. Muito tempo há, Padres Conscritos, que andamos metidos nestes perigos de conjurações e traições; mas não sei por que causa os frutos de todas as maldades e insolências brotaram em tempo do meu consulado. Se, porém de tão grande corrupção for morto só este, entendo que só por um pouco tempo íicaremos livres de cuidado e temor, e durará o perigo e ficará reconcentrado nas veias e entranhas da República. Assim como os enfermos de doença grave, que padecem frio e febre, bebendo água fria, ao princípio parecem ficar aliviados, mas depois se sentem muito mais aflitos, assim esta enfermidade da República, se a aliviarmos com o castigo deste, ficando vivos os mais, se agravará com maior veemência. Portanto, Padres Conscritos, retirem-se os perversos, separem-se dos bons, juntem-se a uma parte; enfim, como já disse muitas vezes, dividam-se de nós com o muro; cessem de armar traições ao cônsul em sua casa, de cercar a morada do pretor de Roma, de rondar com armas o Senado, de juntar feixes e archotes para abrasar esta corte, enfim traga cada um escrito no rosto o que sente da República. Eu vos prometo, Padres Conscritos, que tanta será em mim a diligência, tanta em vós a autoridade, tanto nos cavaleiros romanos o valor, tanta em todos os bons a concórdia, que com a retirada de Catilina tudo vejais manifesto, ilustrado, suprimido, vingado. Com estes prognósticos e sumo proveito da República parte já Catilina, com essa tua pestilencial quadrilha de protervos, que se agregaram com todo o gênero de maldades e parricidios para essa ímpia e execranda guerra. Então, Júpiter Stator, que aqui foste colocado por Rômulo com os mesmos auspícios com que fundou esta cidade, e a que com verdade chamamos Stator desta corte e Império, o apartarás e a seus sócios de teus altares e templos, dos edifícios da cidade e seus múrmuros, das vidas e bens dos cidadãos, e a todos os inimigos dos bons, a todos os adversários da pátria, a todos os ladrões da Itália, juntos entre sí com o vínculo de seus delitos e abominável sociedade, vivos e mortos os castigarás com eternos suplícios.

ORAÇÃO II DE M. T. CÍCERO CONTRA L. CATILINA

Pronunciada no dia 9 de novembro, isto é somente um dia depois da primeira, numa assembléia popular, é a segunda catilinária uma das mais per feitas, do ponto de vista estético, entre as orações de Cicero. Catilina, amedrontado pela acusação do cônsul, resolveu deixar a cidade e juntar-se a Mânlio, Esta fuga é uma confissão de culpa, e como tal Cícero a interpreta e comenta. Defende-se de duas acusações que lhe podem ser imputadas: a de excessiva indulgência, por ter deixado fugir a Catilina, e a de excessiva severidade por ter constrangido ao exílio um cidadão romano, sem ter as provas da sua culpa.

Descreve, depois, Cícero as categorias de cidadãos que estão do lado dos conjurados. Contra essa gente, contra esses degenerados não há dúvida nenhuma que os homens de bem que defendem a liberdade, terão vitória certa e esmagadora.

Exórdio. Cícero felicita-se pela fuga de Catilina.

ENFIM romanos, lançado tenho fora, despedido e seguido na saída, com minhas palavras, a Lúcio Catilina, que insolentemente se enfurecia, respirando atrocidades e maquinando perfidamente a ruína da pátria. Já ao fim se foi, retirou, escapou e arremessou daqui fora; já aquele monstro e abismo de maldade não forjará perdição alguma contra estes muros, dentre deles. Vencido temos por certo a este único general da guerra civil; já não andará entre nós aquele punhal; já não o temeremos no campo, nem no foro, nem no Senado, nem enfim dentro de nossas domésticas paredes. Excluído ficou do seu posto, quando foi lançado da cidade; já faremos justa guerra com o inimigo, sem que ninguém o impeça. Deitamos sem dúvida a perder o homem e o vencemos gloriosamente, quando de ocultas traições o lançamos em um manifesto latrocínio. E se não levou a espada ensanguentada, como queria, se saiu, ficando nós vivos, se lhe arrancamos as armas das mãos, se deixou salvos os cidadões e em pé a cidade, com que tristeza vos não parece ficaria ele aflito e acabrunhado? Agora derribado está, romanos, e vendo-se destruído e rechaçado, certamente volve muitas vezes os olhos a esta cidade, chorando de não a ter podido tragar; e ela me parece estar-se alegrando de ter vomitado e lançado fora esta horrenda peste.

Catilina saiu da cidade. Os seus amigos, porém, ficaram em Roma.

2. Porém se alguém há de tal gênio (qual convinha que todos tivessem) que disto mesmo, de que a minha oração se alegra e triunfa, me acuse fortemente, por não ter antes prendido do que lançado fora tão capital inimigo, não é esta culpa minha mas dos tempos. Muito há que convinha ter morto e castigado a Catilina com grandíssimo suplício, segundo de mim Ò requeria o costume dos maiores, a severidade deste Império e a República. Mas quantos julgais haveria que não dariam crédito ao que eu denunciasse? quantos néscios vos parece se não haviam a capacitar? quantos o defenderiam? quantos com maldade lhe dariam favor? Se dando cabo dele entendesse ficáveis livres de perigo, muito há que eu tivera morto a Catilina, não só com risco de ódios, mas da própria vida; porém como via que nem todos tínheis ainda isto por certo, e que se o punisse de morte, como merecia, oprimido com inimizade, não poderia eu perseguir a seus sócios, reduzi o negócio a estes termos, de poderdes pelejar quando vísseis claramente o inimigo; cujo inimigo podereis conhecer quanto eu o julgo digno de temor, de sentir que saia da cidade pouco acompanhado. Oxalá que ele levasse consigo todas as suas tropa. Levou-me a Tongilo que ele começou a amar desde a meninice; a Publício e Munácio, que carregados de dívidas que contraíram por glutões, nenhum medo podiam meter à República. E que casta de homens deixou ele? não são os mais endividados, sem poder, sem nobreza?

Os armados de Catilina não devem ser temidos.

3. Portanto, com estas legiões gaulesas, e com estas levas de soldados que Quinto Metelo fez no capo Piceno e Galicano, e com estas tropas que agregamos cada dia, em sumo desprezo tenho aquele exérvito amontoado de velhos estropiados, camponeses licenciosos e rústicos estragados; daqueles, que antes quiseram não comparecer em juízo do que deixar de seguir aquele exército; aos quais se eu lhes mostrar, não digo o poder do nosso exército, mas o édito do pretor ficarão aterrados. Antes eu quisera que tivesse levado consigo a estes que vejo andar vagando pela praça, estar junto à cúria e vir ao Senado; que reluzem com ungüentos e brilham com galas; os quais, se aqui ficaram estais certos que não deveis temer tanto aquele exército como a estes que o desampararam. E ainda estes se devem temer mais, por uma razão particular, qual é pressentirem que eu sei o que meditam, e nem assim se moverem. Sei a quem foi cometida a Apúlia, a quem coube a Etrúria, a quem o campo Piceno, a quem o Galicano, quem requereu para si as traições domésticas de mortandades e incêndios desta cidade; sabem que todas as deliberações da noite antecedente me foram noticiadas; manifestei-as ontem no Senado; fugiu o mesmo Catilina; estes que esperam? muito se enganam se esperam que dure sempre a minha brandura.

Felicidade da República pela fuga de Catilina.

4. Tenho conseguido o que desejava, isto é, que todos vós conhecêsseis estar formada a conjurarão contra a República, salvo se há quem se persuada que os semelhantes de Catilina não sentem como Catilina. Já não tem lugar a brandura, a mesma matéria está clamando por severidade; uma coisa lhe concedo ainda: saiam, retirem-se, não consintam que 0 infeliz Catilina se consuma com saudades suas; mostrar-lhes-ei o caminho; tomou pela estrada Aurélia; se quiserem apressar-se, o alcançarão de tarde. Oh afortunada República, em lançar fora esta sentina da cidade. Por certo que com esta só retirada de Catilina me parece ficou aliviada e contente a República. E que maldade ou crime se pode fingir nem excogitar que não concebesse? Que venéfico, que briguento, que ladrão, que assassino, que parricida, que falsificador de testamentos, que onzeneiro, que lascivo, que dissoluto, que adúltero, que meretriz, estragador da mocidade, que vicioso, que perdido é possível achar em toda a Itália que não confesse ter vivido com Catilina familiarissimamente? Que homicídio se fez nestes anos sem ele? Houve sujeito algum que fosse de tanto tropeço à mocidade, como ele? ora amava a um com suma torpeza, ora servia ao amor de outros abominavelmente; a estes prometia o fruto da sua desonestidade, àqueles a morte de seus pais, não só compelindo-os, mas ajudando-os. E com que presteza não juntou da cidade e dos campos uma aluvião de gente perdida? Não houve, não digo já em Roma, mas em canto algum da Itália, homem acabrunhado de dívidas, a quem não convocasse para esta inaudita e atroz conspiração.

Os inimigos da pátria serão punidos.

5. E para que conheçais os seus diversos exercícios em várias classes de matérias, não há gladiador distinto por seu atrevimento que não confesse ter sido amigo de Catilina; nenhum comediante leviano e depravado que não diga fora seu companheiro. Contudo, a um sujeito assim acostumado a adultérios e maldades, e a sofrer fome, sede e vigílias, o aclamavam eles por valoroso, quando empregava os subsídios e os instrumentos da virtude na luxúria e na ousadia. Se estes seus sócios o seguirem, se da cidade saírem infames aluviões de homens desesperados, que felizes nós, que afortunada a República, que ilustre e nobre será o meu consulado! Não são já medianas as dissoluções destes homens, nem humanos e toleráveis os seus atrevimentos; nada cogitam senão mortes, incêndios, roubos. Estragaram seu patrimônio, consumiram em comezainas seus bens, há muito que a fazenda e há pouco o crédito lhes começou a faltar; permanece porém a luxúria que possuíam em abundância. Se no vinho e jogo buscassem somente glutonarias e meretrizes, nada deles se podia esperar, contudo se deviam sofrer; mas quem levará em paciência que homens cobardes armem traições a varões fortíssimos, os estultos aos mui prudentes, os glutões aos sóbrios, os sonolentos aos vigilantes; os quais pondo-se à mesa em banquetes, abraçados com mulheres impudicas, lânguidos com o vinho, oprimidos de fastos, coroados de flores, untados de pomadas, debilitados com adultérios, arrotam em seus falares mortandades de bons e incêndios da cidade? A estes creio estar iminente alguma fatalidade, e próximo, ou que certamente se lhe vem chegando, o castigo devido à sua protervia, maldade, insolência e desonestidade; e se o meu consulado o puder arrancar, pois os não pode sarar, se propagará a República não por pouco tempo, mas por muitos séculos. Não há nação alguma a que ao presente temamos; não há rei que possa fazer guerra ao povo romano; todas as coisas externas estão em sossego por terra e por mar, pelo valor de um só homem; a guerra doméstica é a que persiste, dentro estão as traições, dentro está o peri-go, dentro o inimigo; com a luxúria, com a loucura, com a insolência temos de pelejar. Desta guerra, romanos, me declaro por general; sobre mim tomo a raiva de homens perdidos; o que de algum modo se pode curar, o curarei; o que se houver de cortar, não consentirei se difunda em prejuízo da cidade. Portanto, ou saiam ou se aquietem; e se persistem na cidade com a mesma tenção, bem podem esperar o que merecem.

Catilina foi juntar-se a Mânlio.

6. Mas ainda há, romanos, alguns que dizem que Catilina fora por mim desterrado; os que semelhante coisa dizem, os desterraria eu, se o pudesse conseguir com minhas palavras. Não pôde aquele timorato e modestíssimo homem sofrer a voz do cônsul, que o mandara ir para o desterro; obedeceu, foi. Ontem, romanos, depois que por pouco não me mataram em minha casa, convoquei o Senado para o templo de Júpiter Scator, onde relatei o sucedido aos Padres Conscritos; concorrendo ali Catilina que senador houve que o nomeasse? quem o saudou? quem enfim deixou de olhar para ele, como para um cidadão perdido, ou, para melhor dizer, um execrando inimigo? Além disto, os principais daquela ordem deixaram vaga e nua aquela parte dos assentos, onde ele se chegou. Então eu, aquele cônsul rigoroso que com palavras desterra os cidadãos, perguntei a Catilina se na sua assembléia noturna estivera ou não na Casa de Marco Leca; e, como aquele atrevidíssimo homem, convencido da sua própria consciência, se calasse, manifestou o demais: disse-lhe o que obrara naquela noite, onde estivera, que determinara, como estava delineada toda a forma da guerra. Hesitando ele e parando, lhe perguntei porque duvidava ir para onde havia tanto tinha determinado; sabendo eu ter ele enviado adiante armas, machados, feixes, trombetas, estandartes e aquela águia de prata a que fez altar em sua casa. Impeli para o desterro aquele que via ter já principiado a guerra? Mas julgo que este Mãnlio (o centurião que assentou arraiais no campo de Fésulas) em seu nome publicou a guerra ao povo romano; que aqueles arraiais não esperam agora a Catilina por seu general; e que ele, desterrado, caminhará, segundo dizem, para Marselha, e não para aqueles arraiais?

Cícero é disposto a tudo sofrer para que a República se salve.

7. Infeliz sorte é a de quem administra e conserva a República. Se agora Catilina, embaraçado e atônito com minhas resoluções, trabalhos e perigos, e repentinamente aterrado, mudar de parecer, desamparar os seus, se deixar do projeto de fazer guerra, e deste caminho que levava para atrocidades e pelejas voltar os passos para a fugida e o desterro, não se há de dizer que eu o despojei de armas insolentes, nem que fora atônito e aterrado com minhas diligências, nem repelido de suas esperanças e pretensões, mas que, sem ser condenado e inocente, o desterra o cônsul com a violência e ameaças; e ainda haverá quem, fazendo-o ele assim, o não tenha por perverso, mas digno de compaixão, e a mim não por cônsul diligentíssimo, mas cruelíssimo tirano. Muito estimo, romanos, experimentar a borrasca desse ódio sem causa e injusto, contanto que vós fiqueis livres do perigo desta horrível e execranda guerra. Diga-se embora que eu o lancei, contanto que vá para o desterro; mas credê-me que não há de ir. Nunca eu, romanos, por me livrar de malquerenças, chegarei a pedir aos deuses imortais que ouçais que Catilina vem capitaneando exército inimigo e discorre armado pela campanha, mas ainda assim dentro de três dias o ouvireis. Muito mais temo que em algum tempo se irem, pelo não ter antes lançado por força, do que de o ter despedido; mas se há sujeitos que, tendo-se ele ido, dizem que fora lançado, se fosse morto que diriam? ainda que os que dizem que Catilina fora para Marselha, não tanto se queixam disto como o receiem. Nenhum destes é tão compassivo que não queira antes que ele vá para Mânlio, do que para Marselha. Mas se o que ele obra o não considerasse primeiro, por certo que antes quereria ser morto no roubo do que viver desterrado; agora porém, que nada lhe tem sucedido fora da sua vontade e pensamento, exceto o sair de Roma, ficando nós vivos, antes desejamos que vá para o desterro do que nos queixemos disso.

As classes de cidadãos nocivos à República.

8. Mas para que falo tanto tempo de um inimigo, e tal inimigo que confessa que o é, e a quem não temo, porque um muro está no meio, como sempre desejei? Destes que ficam em Roma, que estão conosco, não dizemos nada? Na verdade, sendo possível, eu os não desejo tanto castigar como sarar e reconciliar com a República; nem sei porque não possa ser, se me quiserem ouvir. Expor-vos-ei pois, romanos, os gêneros de homens de que se formam estes esquadrões; e depois aplicarei a cada um o remédio que puder, com meu conselho e oração. Os primeiros são aqueles que, tendo grandes dívidas, têm ainda maiores cabedais, de cujo amor prendidos se não querem soltar. A classe desses homens é muito honrada, pois são ricos; mas a sua vontade e causa desaforada. Tu com campos, tu com propriedade de casas, tu com dinheiro, tu com família, tu adornado e abundante de tudo e duvidas cortar pelas tuas posses e recobrar o Crédito? Que é o que esperas? a guerra? para que? julgas que na assolação geral de tudo há-de ser privilegiados os teus bens? Esperas novas tábuas? Enganam-se os que as esperam de Catilina. Por benefício meu saíram a público novas tábuas, mas para se venderem os bens em almoeda; nem estes que têm posses se podem de algum outro modo livrar das dívidas; e se já se tivesse resolvidos a fazê-lo e não quisessem pagar as usuras com o fruto dos seus prédios, teríamos agora mais ricos e melhores cidadãos. Mas parece-me que estes homens se não devem temer, porque, ou se podem apartar desta opinião ou se persis tem nela, mais me parece que farão súplicas à Re publicar, do que tomarão armas contra ela.

Segunda e terceira classes de cidadãos nocivos.

9. Outro gênero é o daqueles que, carregados de dividas, esperam contudo, e querem mandar e governar, crendo que, perturbada a República, conseguirão as honras que não podem obter com ela sossegada. Aos quais me parece se deva intimar isto unicamente, como a todos os mais, a saber, que tirem o sentido de poder obter o que pretendem; primeiramente, porque eu sou o que velo, presido e governo a República. Além disto, porque há ânimos grandes nas pessoas de probidade, grande concórdia, grande multidão, grandes tropas de soldadesca; enfim, porque os deuses imortais presentes hão-de dar auxílio a este invicto povo, nobilíssimo Império e formosíssima cidade, contra tão enorme maldade. E no caso que cheguem a conseguir o que desejam com a maior insolência, porventura esperam nas cinzas da cidade o sangue dos cidadãos, seus cônsules, ditadores ou ainda reis, conforme o deseja seu ânimo perverso e malvado? Não vêem que, se conseguirem o que desejam, forçosamente o hão-de conceder a algum foragido ou gladiador?

O terceiro gênero é de idade já avançada, mas robusta com o exercício; a cujo gênero pertence o mesmo Mânlio, a quem sucede agora Catilina. São estes homens daquelas colônias que Sila constituiu em Fésulas, as quais entendo serem todas de ótimos cidadãos e varões fortíssimos; mas estes são camponeses que com dinheiros inesperados e repentinos se ostentam com grande pompa; estes são os que ao mesmo tempo edificam como afortunados, se gloriam com prédios, liteiras, numerosas famílias, aparatosos banquetes, encravando-se em dívidas, de sorte que se quiseram se ver livres delas, têm de ressuscitar a

Sila da sepultura; os quais foram também os que meteram a alguns rústicos pobres e necessitados em esperança daquelas rapinas. A uns e outros ponho do mesmo gênero de ladrões e roubadores; e os aconselho que cessem de seus furores e tirem o pensamento de banimentos e ditaduras. Tão escaldada está esta cidade do que lhe sucedeu naqueles tempos, que me parece não só os homens, mas nem ainda os brutos sofrerão tal coisa.

Quarta e quinta classes de cidadãos nocivos.

10. 0 quarto gênero é na verdade vário, mesclado e turbulento: estes há muito se vêem oprimidos de modo que nunca levantaram a cabeça; dos quais uns por inércia, outros por má administração de bens, e outros também por gastos, perigam por dívidas antigas; e, cansados de citações, condenações e penhoras, se diz passaram muitos da cidade e dos campos para aqueles arraiais. A estes não tenho eu tanto por soldados valorosos como negadores brandos. Se estes homens não podem subsistir, caiam, mas de sorte que não só a cidade, mas nem ainda os seus vizinhos próximos o sintam; não entendo por que causa, não podendo viver com decoro, querem morrer com infâmia; ou por que razão se capacitam será menor a sua dor morrendo acompanhados do que sós.

O quinto gênero é de parricidas, brigões e demais facinorosos; os quais eu não separo de Catilina,se não podem arrancar dele; morram embora na quadrilha já que são tantos que não cabem no cárcere. O último gênero de homens é não só no número, mas da mesma geração e vida própria de Catilina, da sua escolha e ainda da sua amizade e afeto; estes são os que vedes de cabelo penteado, polidos, sem barba ou bem barbados, com túnicas de mangas e talares, vestidos de véu e não de togas; cuja industriosa vida e laborioso desvelo todo se manifesta nas ceias das madrugadas. Nestes rebanhos andam todos os jogadores, todos os adúlteros, todos os impuros e desonestos; estes meninos não lépidos e delicados não só aprendem a amar e ser amados, a cantar e dançar, mas também a esgrimir punhais e ministrar venenos; se estes não saírem e perecerem, ainda que Catilina pereça, sabei que haverá na República este seminário de Catilina. Mas que pretendem estes infelizes? Porventura hão-de levar consigo as suas mulherzinhas para os arraiais? como poderão estar sem elas, principalmente nestas compridas noites? Como poderão aturar o Apenino e aquelas saraivas e neves? salvo se julgam sofrerão mais facilmente o inverno, por terem aprendido a dançar nús nos banquetes? Que temerosíssima guerra, quando Catilina se achar com esta coorte de lascivos!

Os virtuosos combatem contra os nocivos.

11. Aparelhai agora, romanos, contra tão ilustres tropas de Catilina os vossos presídios e os vossos exércitos; oponde primeiramente àquele estropiado e consumido gladiador os vossos cônsules e generais; e contra aquela esquadra de arrogantes e fracos naufragrantes levai a flor e valentia de toda a Itália; as cidades das colônias e municípios competirão com as rústicas aluviões de Catilina. Quanto às demais tropas, adornos e presídios vossos, eu me não atrevo a compará-los com a penúria e miséria daquele ladrão. Porém, se deixadas estas coisas de que abundamos, ele necessita de Senado, de cavaleiros romanos, de cidade, de erário, de tributos, de toda a Itália e de todas as províncias, e das nações estrangeiras; se deixadas, digo, estas coisas, quisermos que contendam entre sí as mesmas causas litigantes, daqui mesmo poderemos conhecer quão prostrados eles estejam. Desta parte peleja o rubor, daquela a dissolução; daqui a piedade, dali a protervia; daqui a lialdade, dali a perfídia; daqui a constância, dali a insolência; daqui a honestidade, dali a torpeza; daqui a continência, dali a luxúria; daqui enfim a justiça, a temperança, a fortaleza, a prudência e todas as virtudes pelejam com a iniquidade, com a lascívia, com a cobardia, com a temeridade e com todos os vícios; e por último a abundância com a pobreza, a reta razão com a sem-razão, o bom juízo com a demência, e a boa esperança com a desesperação de todas as coisas. Em semelhante contenda a batalha, ainda que faltem as diligências dos homens, porventura os mesmos deuses imortais não darão favor para que estas preclaríssimas virtudes vençam a tantos e tão enormes vícios?

Defendam, os romanos, as suas casas.

12. Sendo isto, assim, romanos, defendei, como já vos disse as vossas casas com guardas e vigias; quanto a mim, tenho dado as ordens e providências precisas sobre a segurança da cidade, sem incômodo vosso nem tumulto algum. Todos os das colônias e municípios, certificados por mim desta invasão noturna de Catilina, facilmente defenderão suas cidades e contornos. Os gladiadores, de que agregou o maior esquadrão, que entende ser seguríssimo, posto que estejam de melhor ânimo que parte dos patrícios, contudo serão reprimidos pelo nosso poder. Quinto Metelo, a quem eu, antevendo isto, mandei diante para o campo Piceno e Galicano, ou dará cabo do homem ou atalhará todos seus movimentos e pretensões; do mais que se deve determinar, obviar e executar darei logo parte ao Senado, que já vedes convocar-se. Quanto aos que ficaram em Roma e nela foram deixados por Catilina, certamente para ruína da cidade e de todos vós, posto que sejam inimigos, como nasceram cidadãos, os quero uma e outra vez admoestar. Se a alguém parece frouxa a minha mansidão até agora, saiba que só esperou se fizesse público o que estava encoberto; quanto ao mais, não me posso esquecer de ser esta a minha pátria, ser eu cônsul destes seus habitadores, e que com eles hei-de viver, ou por eles morrer. As portas estão sem guardas, não há traidor algum pelo caminho; se alguém quiser sair, pode atender por si; o que na cidade se amotinar, de quem eu souber não só ação, mas princípio algum dela, ou intento contra a pátria, experimentará haver nesta cidade cônsules vigilantes, excelentes magistrados, um integérrimo Senado, armas e cárceres que nossos maiores quiseram servissem para castigar delitos manifestos e atrozes.

Peroração.
13. Tudo isto, romanos, se executará de sorte que, sendo eu o único capitão e general togado, se apaziguarão as mais relevantes coisas sem o menor reboliço, os maiores perigos, e a guerra intestina e doméstica mais cruel, de que há memória, sem o menor tumulto; o que ordenarei em forma, romanos, que quanto puder ser, ninguém, ainda protervo, pagará nesta cidade a pena do seu delito. Mas se a força de um manifesto atrevimento e o iminente perigo da pátria me necessitarem a sair desta brandura, executarei o que parece apenas se podia desejar em tão enorme e atraiçoada guerra; a saber que nenhum dos bons pereça, e com o castigo de poucos possais ficar salvos. Isto, romanos, vos não prometo fiado na minha prudência e conselhos humanos, mas em muitas e indubitáveis insinuações dos deuses imortais, pelos quais guiado, entrei nesta esperança e projeto. Eles gão os que não de longe, como costumavam dantes, nem de inimigos externos e remotos, mas aqui presentes, com o seu poder e auxílio, defendem os templos e casas de Roma. Rogai-os, romanos, e venerai-os como deveis, para que vencidas todas as forças inimigas por terra e por mar, defendam aquela cidade que quiseram fosse a mais formosa, florescente e poderosa, da execranda perversidade de cidadãos perdidos.

 

ORAÇÃO III DE M. T. CÍCERO CONTRA L. CATILINA – Resumo

Os conjurados que Catilina, ao deixar a cidade, tinha deixado em Roma, articulam-se e tentam tratativas com os embaixadores dos Alóbrogos, que por acaso se encontravam em Roma, para patrocinar a causa dos seus patrícios contra os governadores romanos. Em consequência de delações, afinal, Cícero consegue provas materiais da conjuração. Na noite do 2 de Dezembro manda prender os principais conjurados. Na manhã do dia 3, reúne o Senado e procede ao interrogatório dos presos. O Senado resolve que os imputados continuem em estado de detenção e decreta que o cônsul seja publicamente agradecido pela sua ação em defesa da pátria. Acabada a sessão do Senado, Cícero pronuncia a terceira catilinária, para informar ao povo, reunido no foro, da marcha dos acontecimentos. Diz que nunca Roma correu perigo maior do que acaba de desaparecer, sem recorrer a medidas militares, sem perturbação da cidade, unicamente por diligência dele, que soube defender a pátria ameaçada pelos conjurados. Exorta os romanos a agradecer aos deuses e a continuar na vigilância contra os maus cidadãos.

Cicero acusando Catilina no senado (Afresco de Cesare Maccari, século XIX)

Exórdio.

VENDO estais, romanos, neste dia a República, a vida de todos vós, os vossos bens e interesses, as vossas mulheres e filhos, e a esta felicíssima e belíssima benevolência dos deuses para convosco, livre do ferro e fogo, e como arrancada da garganta da morte, com meus trabalhos, resoluções e perigos. E não sendo para nós menos gostosos e ilustres os dias em que somos livres de algum perigo, que aqueles em que nascemos; por ser a alegria da conservação certa, e a condição com que nascemos duvidosa, e porque nascemos sem o sentir e nos conservamos com prazer; por certo que se a Rômulo, fundador desta cidade, colocou a nossa benevolência e aclamação no número dez deuses imortais, também para convosco e vossos descendentes deve ter honra aquele que conservou esta cidade, depois de fundada e engrandecida; pois extinguimos as chamas que quase prendiam e rodeavam todos os templos, altares, casas e muros de Roma e por nós mesmos rebatemos as espadas desembainhadas contra vós, desviando seus fios de vossas cabeças. Sendo tudo isto já aclarado, descoberto e manifesto por mim no Senado, expor-vos-ei agora brevemente, romanos, o modo com que o averigüei a vim claramente a compreender, para que vós que o não sabeis e esperais o possais conhecer.

Os entendimentos com os Alóbrogos.

2. Primeiramente, tanto que Catilina há poucos dias deu consigo fora desta cidade, deixando nela os sócios da sua protervia e capitães desta maldita guerra, sempre estive alerta, procurando como nos poderíamos salvar de tão enormes e solapadas traições. Porque, quando lancei fora da cidade a Catilina (pois já não temo que seja odiosa esta palavra, em tempo em que mais se deve temer o ter ele saído com vida), então que o queria exterminar, julguei que os demais conjurados sairiam com ele, ou que persistindo na cidade, com a sua falta ficariam fracos e debilitados; e tanto que vi que os mais atrevidos e insolentes eram os que estavam conosco e ficavam em Roma, consumei dias e noites em ver o que faziam e maquinavam; porque como entendi que nos vossos ouvidos acharia menos crédito a minha relação, pela incrivel exorbitância do atentado, reduzi o negócio a tais termos que cuidásseis na vossa segurança quando vísseis o mal diante dos olhos. Portanto, assim que soube que P. Lêntulo solicitara os enviados dos Alóbrogos, para acender guerra além dos Alpes e levantar tumultos na Gália; e que estes foram remetidos para seus patrícios, de caminho com cartas e avisos para Catilina; e que lhes deram por companheiro a Voltúrcio, também com cartas para Catilina; entendi se me oferecia comodidade de conhecer e manifestar ao Senado e a vós claramente todo o negócio, como sempre pedia aos deuses eternos. Por cuja causa no dia de ontem chamei à minha presença os pretores Lúcio Flaco e Caio Pontínio, tão valorosos como amantes da República, contei-lhes tudo o que se passava e lhes declarei o que me parecia se fizesse. Aceitaram eles a incumbência sem escusa nem demora alguma, como possuídos dos mais nobres e ilustres pensamentos para com a República, e sobre tarde chegaram disfarçados à ponte Mixilvia, onde se separaram um do outro para as quintas vizinhas, ficando-lhes em meio a ponte e o Tibre. Para este mesmo lugar, sem que ninguém o suspeitasse, conduziram muitos homens de valor; e também eu mandei da prefeitura de Reate muitos mancebos escolhidos com armas, dos que ordinariamente me costumo valer para segurança da Republica. Sendo já quase três horas da noite, entrando na ponte os enviados dos Alóbrogos, e de volta com eles Vultúrcio com grande comitiva, dão os nossos sobre eles; tiram uns e outros as espadas. Só os pretores eram cientes do negócio, os mais o ignoravam.

Encontradas as cartas comprovadoras da conspiração.

3. Acudindo neste passo Pontínio e Flaco, se apaziguou a principiada peleja; todas as cartas que havia na comitiva, sem se abrirem, ficaram entregues aos pretores, e aqueles que foram presos foram trazidos a mim ao romper do dia. Imediatamente mandei chamar a Cimbro Gabínio, perversíssimo maquinador de todas estas maldades, que até então nada suspeitava do sucedido. E depois dele foi chamado o mesmo Lúcio Statílio, após este Cetego, e último de todos veio Lêntulo, que, fora do seu costume, entendo que tinha velado toda a noite antecedente ocupado em distribuir as cartas. Pareceu a personagens mui principais e ilustres desta corte, que com a notícia desta surpresa concorreram a mim em grande número, que melhor seria que as cartas se abrissem antes de as apresentar ao Senado, para que no caso que nada se achasse nelas não parecesse que imprudentemente levantara eu tamanho motim na cidade; mas eu repugnei a tal fazer, não querendo expor a matéria de um perigo público, senão em um congresso público. Pois ainda no caso, romanos, que se não encontrassem as coisas que me tinham denunciado, ainda assim julguei que em tamanhos perigos da República não devia recear fazer demasiada diligência. Convoquei, como vistes, um numeroso Senado. E entretanto, avisado pelos Alóbrogos, ordenei a Caio Sulpício, homem de valor, que fosse à casa de Cetego, donde ele transportou avultadíssimo número de punhais e espadas.

Os conspiradores são interrogados.

4. Fiz que entrasse Vultúrcio sem os gauleses, e lhe prometi por ordem do Senado salvo-conduto, exortando-o a que sem temor dissesse o que sabia. Recobrando ele então um pouco de medo, disse que Públio Lêntulo lhe tinha dado instruções e cartas para Catilina, para que se aproveitasse do favor dos servos, e logo marchasse para Roma com o exército; com o projeto de que, pondo fogo à cidade por toda a parte, como estava delineado e distribuído, e feita uma infinita carniceria nos cidadãos, estivesse ele pronto a embaraçar se salvassem os que fugissem, e a ajuntar-se com os seus capitães da cidade. Introduzidos os gauleses, disseram que Lêntulo, Cetego e Statílio lhes tinham dado cartas para os da sua nação e tomado juramento de fidelidade; e que tanto estes como Cássio lhes tinham ordenado que remetessem para a Itália com toda a presteza a cavalaria, pois que tropas de infantaria lhes não faltariam. E que Lêntulo lhes assegurara que, segundo os vaticínios das Sibilas e respostas dos agoureiros, ele era aquele terceiro Cornélio que forçosamente haveria de ter o governo desta cidade e Império; que Cina e Sila tinham sido os dois primeiros que lhe precederam; e que acrescentara que este ano, o décimo depois do perdão das vestais e vigésimo do incêndio do Capitólio, era o termo fatal desta cidade e Império. Disseram também houvera entre Cetego e os mais este debate: que Lêntulo e outros queriam se executasse a mortandade nos dias saturnais, e que a Cetego lhe parecera demasiada esta demora.

Os acusados confessam a traição.

5. Por abreviar, romanos, fiz que apresentassem as cartas que diziam lhes havia dado cada um dos conjurados. Primeiramente mostrei a Cetego o seu sinete, cortei o fio, ali; tinha escrito de sua mão: que ele cumpriria ao Senado e ao povo gaulês o que com seus enviados tinha ajustado; e lhes rogava executassem eles também o que seus legados lhes ordenassem. Então Cetego, que pouco antes inquirido acerca dos punhais e espadas que se lhe acharam, respondera e afirmara que sempre fora curioso de ter boa ferragem; depois de lidas as cartas, desanimado e abatido e convencido da própria consciência, de repente se calou. Introduzido Statílio, reconhecera a sua letra e sinete. Leram-se as cartas que continham quase o mesmo; confessou. Mostrei depois a Lendo as cartas, e perguntei-lhe se conhecia o sinete. Disse que sim. E lhe tornei dizendo: Bem conhecido é este sinete, por ser a imagem de teu avô, varão esclarecido, que amou cordialmente a sua pátria e cidadãos e que ainda assim mudo como está te devia coibir de semelhante desatino. Pelo mesmo modo se leram as suas cartas para o Senado e povo dos Alóbrogos. Dei-lhe faculdade de dizer o que quisesse sobre a matéria sujeita. Entrou ele primeiro a negar; passado porém algum tempo, vendo todo o enredo declarado e público, se levantou, perguntando aos gauleses que negócio tinham com ele; e semelhantemente a Vultúrcio, e respondendo estes resumidamente e com firmeza que o negócio era o para que bastantes vezes tinham sido conduzidos à sua casa; e como lhe perguntassem se não tinha com eles comunicado nada dos vaticínios das Sibilas, aturdido então com a enormidade do seu delito, deu a conhecer quanto pode o remorso da consciência; porque, podendo-os contradizer, contra o que todos julgavam de repente se calou. Tanto como isto o desamparou não só aquele talento e eloqüência que sempre teve, mas a insolência e audácia em que a ninguém cedia, por força do crime patente e manifesto. Mandou então Vultúrcio que logo se exibissem as cartas que dizia ter recebido de Lêntulo para Catilina. Aqui, perturbando-se Lêntulo descompassadamente, reconheceu, não obstante, o seu sinete e letra. Estavam escritas sem firma por estes termos: “Quem eu seja o poderás saber desse que te envio; cuida em portar-te como homem, considera para onde tens de caminhar, vê o que te é necessário e procura agregar o socorro de todos, ainda dos ínfimos.” Foi depois introduzido Gabínio, o qual, entrando a principio a responder despropositadamente, por fim não negou nada do que os gauleses o acusavam. Quanto a mim, romanos, tanto tenho por provas certíssimas e indícios de crime as cartas, os sinetes, as notas, e enfim as confissões de cada um deles, como tenho por muito mais certo a cor, os olhos, os semblantes, o silêncio; assim pasmaram, assim pregaram os olhos no chão, assim olhavam de quando em quando uns para os outros às furtadelas, que já não parecia que outrem os descobria, mas eles a si próprios.

As deliberações do Senado.

6. Referidas e expostas claramente as provas, romanos, consultei o Senado sobre o que queria se fizesse neste importantíssimo negócio da República. Proferiram os principais aspérrimas e severíssimas sentenças, que sem discrepância seguiu todo o Senado. E porque ainda não está lançado em escritura o decreto, expor-vos-ei de memória o que julgou o Senado. Em primeiro lugar se me deram as graças com honorificentíssimas expressões, por ter com meu valor, conselho e prudência livrado a República de sumos perigos. Depois disto se deram os merecidos louvores a Lúcio Flaco e Caio Pontínio, pretores, por terem executados as minhas ordens com valor e fidelidade: e também ao constante varão meu colega se deu louvor de não ter admitido a seus conselhos e da República, os cúmplices da conjuração. E assim julgaram que Públio Lêntulo, sendo deposto da pretoria fosse preso; e do mesmo modo fossem levados à prisão Caio Cetego, Lúcio Statílio, Públio Gabínio, que todos estavam presentes. 0 mesmo se decretou contra Lúcio Cássio, que pedira para sí a incumbência de pôr fogo à cidade; e contra Marco Cepário, a quem se tinha declarado estar-lhe encarregada a Apúlia, para sublevar os pastores; contra Públio Fúrio, homem daquelas colônias que Sila estabeleceu em Fé-sulas; contra Quinto Ânio Chilo, que sempre andara com Fúrio nesta revolta dos Alóbrogos; contra Públio Umbreno, homem liberto de quem constava ter sido o primeiro que conduzira os gauleses a Gabínio. Deste modo, romanos, se houve o Senado com tal brandura que salva a República de tão enorme conjuração e avultado poder e número de inimigos, com o castigo de nove homens períidíssimos, entendeu se poderia mudar para bem a tenção dos mais. Também em meu nome se decretaram preces públicas aos deuses imortais, em ação de graças pelo singular favor com que me assistiram, coisa que a nenhum togado, senão a mim sucedeu desde a fundação de Roma. 0 decreto era concebido nestes termos: por ter livrado a cidade de incêndio, os cidadãos de mortandade e a Itália de guerra. Cujas preces, romanos, se as compararmos com as outras, acharemos a diferença, que aquelas foram ordenadas por alguma prosperidade da República, estas só pela ter conservado. Portanto, tudo o que principalmente se devia fazer, está feito e acabado; porque Públio Lêntulo, ainda depois de convencido pelas provas e pela sua própria confissão, sendo por sentença do Senado degredado não só das prerrogativas de pretor, mas de cidadão, ainda assim renunciou o magistrado; de sorte que, se o Ínclito Caio Mário não violou o magistrado quando matou ao pretor Caio Gláucia, de quem o Senado nada decretara, muito menos o violamos nós castigando a Públio Lêntulo.

Muito maiores teriam sido os perigos se Catilina tivesse ficado em Roma.

7. Agora, romanos, que tendes já apanhados e presos os capitães desta iniquíssima e perigosíssima guerra, estais certos que se arruinaram todas as tropas, todas as esperanças, todas as forças de Catilina. Por certo que quando eu o lancei da cidade, era o meu projeto, romanos, que excluído Catilina, não tinha que temer nem a sonolência de Públio Lêntulo, nem a roncaria de Lúcio Cássio, nem a detestada fúria de Cetego. Aquele era o único entre todos estes que se devia temer, mas só quando estivesse dos muros a dentro da cidade; tudo sabia, com todos tinha entrada, tinha poder e ousadia, havia nele talento capaz de grandes planos, e este talento não era desacompanhado de eloqüência e atividade. Para reduzir a efeito seus diversos desígnios, tinha certos sujeitos escolhidos e designados, e quando ordenava alguma coisa não a dava por feita; em tudo era presente, previsto, vigilante, ativo; nem o podia contrastar o frio, a fome ou a sede. A um homem pois (a dizer o que sinto, romanos), tão acre, tão pronto, tão atrevido, tão sagaz, tão esperto para o mal, tão diligente em distúrbios, se não o obrigasse a sair das traições caseiras para o bélico latrocínio, mal poderia impedir que viesse sobre vós tão horrível tempestade. Não havia este pôr-vos por prazo de vossas vidas os saturnais, nem anunciar à República tanto antes o dia do destroço e fatalidade; nem cair no descuido de lhe apanharem o sinete, as cartas, as testemunhas claras do delito. Tudo isto na sua ausência se tem feito de modo que jamais furto doméstico se descobriu nem provou tão claramente como esta horrenda conspiração contra a República. E se Catilina até o presente dia estivesse na cidade (posto que, enquanto esteve me opus e resisti a todos os seus desígnios), contudo, a falar singelamente, me seria preciso brigar com ele; nem com tal inimigo dentro de Roma, livraria de tamanhos perigos a República com tanta paz, sossego e silêncio.

Profecias dos agoureiros.

8. Todo este negócio, romanos, tenho conduzido de modo que parece não se ter nele executado nem disposto coisa alguma, senão por vontade e conselho dos deuses imortais; o que não só podemos conjecturar, por parecer superior à capacidade humana a direção de tão relevantes coisas, como porque nos acudiram, no presente tempo, com auxílio e socorro tão oportuno que parece quase os podíamos ver com os olhos. Pois ainda omitindo o que se refere, de serem vistas da parte do Ocidente fogueiras de noite, e o céu ardendo em fogo, como também raios e terremotos, e tantas outras coisas que têm sucedidas neste meu consulado, que parecia predizerem os deuses imortais o que atualmente sucede, o que agora direi não se deve omitir nem deixar em silêncio. Lembrados estais como, sendo cônsules Cota e Torquato, caíram raios sobre muitas torres do Capitólio, quando os simulacros dos deuses imortais foram derribados, as estátuas dos varões antigos despedaçadas, e as tábuas de bronze das leis derretidas, e ferido também com um raio aquele que fundou esta cidade, Rômulo, que, como sabeis estava dourado no Capitólio, em figura de menino, aos peitos da loba. Em cujo tempo, concorrendo os agoureiros de toda a Toscana, disseram estarem próximas mortandades, incêndios, ruínas das leis, guerra civil e doméstica, e que se vinha aproximando o ocaso desta corte e Império, se os deuses imortais, aplacados de todo o modo possível, não desviassem com o seu poder este destino. Por cuja causa, segundo as respostas daqueles, se celebraram jogos por dez dias, não se omitindo coisa que parece conveniente para aplacar os deuses; os mesmos agoureiros mandaram que o simulacro de Júpiter se fizesse mais avultado, e colocasse em pedestal alto e se voltasse para o Oriente, ao contrário do que antes estava; e acrescentaram, dizendo, se persuadiam que, se aquele simulacro que vedes visse o nascimento do Sol, o foro e cúria, todos os projetos que clandestinamente se planejavam em prejuízo da corte e Império se patenteariam de sorte que o Senado e povo romano os veriam claríssimamente. Mandaram pois os cônsules que na dita forma se colocasse; mas tanta foi a morosidade da obra que nem os cônsules passados nem nós o colocamos antes do presente dia.

Os acontecimentos obedeceram à vontade dos deuses.

9. Nestas circunstâncias, romanos, quem haverá tão inimigo da verdade, tão inconsiderado e insensato, que negue serem todas estas coisas que vemos, e em especial esta corte, governadas pela disposição e poder dos deuses imortais? pois sendo respondido que péssimos cidadãos maquinavam mortandades, incêndios e a assolação da República, o que então a alguns parecia incrível, por ser uma tão exorbitante maldade, agora os vistes não só projetado, mas empreendido por cidadãos perversos. E porventura não se está vendo o que parece feito por ordem de Júpiter, mandar eu que o simulacro se colocasse ao mesmo tempo em que os conjurados por minha ordem foram levados ao templo da Concórdia? o qual, assim que foi colocado e voltado a vós e ao Senado, tanto o Senado como vós vistes tudo o que se ordira contra o bem comum descoberto e patenteado. Nisto se fazem eles dignos ainda de maior ódio e castigo, pois não só inteiraram queimar as vossas casas, mas os mesmos templos e altares dos deuses com funestos e sacrílegos incêndios; se a estes eu disser lhes resisti, demasiado louvor me atribuirei a mim próprio, nem merecerei que me sofram; aquele Júpiter foi quem lhes resistiu, ele salvou o Capitólio, ele estes templos, ele esta cidade, e o que a todos vos quis salvar; guiado dos deuses imortais, entrei neste projeto e demanda, e cheguei a conseguir tão importantes provas. Quanto à solicitação dos gauleses, nunca Lêníulo nem os mais inimigos domésticos confiariam coisas tão importantes, nem entregariam cartas a homens bárbaros e desconhecidos, se os deuses imortais não enfatuassem um conselho tão desenfreado e atrevido. E parece-vos que, chegando a desordenar-se uma cidade vizinha, os gauleses, que são os únicos que só podem e querem fazer guerra ao povo romano, desprezariam a esperança de um Império e coisas tamanhas, que lhe ofereciam varões patrícios, e antepor a vossa conservação às suas riquezas, se não entrasse aqui o poder divino? principalmente podendo-nos vencer não pelejando mas calando?

Os romanos devem agradecer aos deuses.

10. Portanto, romanos, já que se determinou se dessem graças em todos os templos, celebrai estes dias com vossas mulheres e filhos; pois sendo certo que muitas vezes se têm dado aos deuses imortais os justos e devidos cultos, também é certo que mais justos nunca se deram. Fostes livres de uma morte cruelíssima e infelicíssima, e livres sem mortes, sem sangue, sem exército, sem batalha. Venceste sendo eu o vosso único capitão e general togado. Se vos lembrardes, romanos, de todas as discórdias civis que ouvistes e vistes, achareis que Lúcio Sila matou a Públio Sulpício, desterrou da pátria a Caio Mário, que a havia defendido, e a muitos homens de valor uns desterrou, outros matou. O cônsul Cineu Octávio com mão armada lançou fora de Roma a seu colega; todo este lugar se alastrou de cadáveres e nadou em sangue de cidadãos. Venceu depois Cina com Mário, e sucedeu que, assassinados os varões mais esclarecidos, se extinguiram as luzes desta corte. Vingou de* pois Sila a crueldade desta vitória, não é preciso dizer com que diminuição de cidadãos e calamidade da República. Desconcordou Marco Lépido com o preclaríssimo Quinto Catulo; não chorou a República tanto a morte daquele como a de todos os mais. Advertindo, romanos, que aquelas discórdias não eram sobre extinguir a República, mas mudar de governo; não queriam que não a houvesse, mas ser nelas príncipes; nem a queriam abrasar, mas florescer nela. E ainda assim, não intentando nenhuma daquelas discórdias a destruição da República, foram tais que a não apaziguou alguma amigável concórdia, mas o estrago dos cidadãos. Porém nesta guerra, a mais enorme e cruel de quantas há memória, guerra tal qual nunca gente bárbara fez à sua nação, e na qual foi por Léntulo, Catilina, Cássio, Cetego posta lei que todos que se pudessem salvar da cidade fossem tratados como inimigos, me portei de sorte, romanos, que todos ficassem salvos; e entendendo os vossos inimigos que só ficariam os cidadãos que escapassem de uma infinita carnicería, e da cidade aquilo a que não pudesse escapar o fogo, eu conservei sãos e salvos a cidade e cidadãos.

Cícero pede aos romanos que lembrem o seu zelo na defesa da República.

11. Por tão relevantes serviços vos não peço outro prêmio de meu valor, nenhuma insígnias de honra, nenhum monumento de glória mais que a perpétua lembrança deste dia; nos vossos ânimos quero depositar todos os meus triunfos, todos os adornos de honra, monumentos de glória e insígnias de louvor; nada amortecido me pode deleitar, nada mudo, nada do que outros menos dignos podem conseguir. A vossa memória, romanos, perpetuará minhas ações, as vossas relações as engrandecerão, e as histórias perpetuarão e estabelecerão; e o mesmo dia que creio será eterno, se dedicará à conservação da República e memória do meu consulado; e se dirá houvera no mesmo tempo nesta cidade dois cidadãos, dos quais um pusera limites ao Império, não com os fins da terra, mas do céu, e o outro conservara salda a morada e trono deste mesmo Império.

Peroração.

12. Porém como é diferente a condição e fortuna das ações que eu obrei, e a daqueles que fizeram guerra estranhas, por ter eu de viver com aqueles mesmos que venci e subjuguei, e aqueles deixaram os inimigos mortos ou sapeados, a vós compete, romanos, cuidar em que, sendo aos outros de utilidade as suas ações, as minhas me não sejam de detrimento. Eu acautelei que as danadas e malignas tenções de homens atrevidíssimos vos não prejudicassem; a vós pertence cuidar em que a mim não me danifiquem; posto que, romanos, nenhum mal me podem eles fazer, pois tenho grande favor nos bons, que ganhei para sempre, grande reputação na República, que sem falta me defenderá, o testemunho da consciência, que se for desprezado pelos que me quiserem ofender a sí próprios se manifestarão. Também, romanos, me acho em tal valor que não só não hei-de ceder a nenhum atrevimento, mas resolutamente arcar com todos os facinorosos. E se todas as violências dos inimigos domésticos, repelidos de vós, se voltarem contra mim só, a vós toca, romanos, mostrar qual há de ser a recompensa dos que pela vossa conservação se expuseram ao ódio e a todos os perigos. Quanto a mim, que posso eu mais conseguir pela utilidade da vida, principalmente não vendo, acima das dignidades e glória com que me tendes honrado, para onde subir? Sendo particular, me haverei de sorte, romanos, que conserve e dê novo lustro ao que obrei no consulado, para que, se alguma malquerença contraí, no governo da República, só prejudique aos inimigos, e a mim me aumente a glória. Enfim, me portarei na República de modo a lembrar-me das ações que fiz, procurando mostrar procederam de virtude e não de acaso. Vós, romanos, pois já é noite, rendei veneração àquele Júpiter, guarda dessa cidade e vosso, e retirai-vos a vossas casas; e posto que já não haja perigo, contudo as defendei como na primeira noite, com guardas e vigias; e eu darei providência para que não seja preciso fazê-lo assim mais tempo, e possais viver em perpétua paz.

A Imprensa, O Rádio e a Televisão

Imprensa é a designação coletiva dos veículos de comunicação que exercem o Jornalismo e outras funções de comunicação informativa — em contraste com a comunicação puramente propagandística ou de entretenimento.

O termo imprensa deriva da prensa móvel, processo gráfico aperfeiçoado por Johannes Guttenberg no século XV e que, a partir do século XVIII, foi usado para imprimir jornais, então os únicos veículos jornalísticos existentes. De meados do século XX em diante, os jornais passaram a ser também radiodifundidos e teledifundidos (radiojornal e telejornal) e, com o advento da World Wide Web, vieram também os jornais online, ou ciberjornais, ou webjornais. O termo “imprensa”, contudo, foi mantido.

História da imprensa periódica

Já foi dito que, se o termo “Jornalismo” é relativamente moderno, a sua história é muito antiga e se confunde, inevitavelmente, com a da imprensa, desde quando Johannes Guttenberg aperfeiçoou a técnica de reprodução de textos por meio do uso dos tipos móveis.

Primórdios

Desde séculos antes, publicações tinham sido criadas e distribuídas regularmente pelos governos. As primeiras reproduções da escrita foram, sem dúvida, obtidas sob um suporte de (cera) ou de (argila) com os selos cilíndricos e cunhas, encontrados nas mais antigas cidades da Suméria e da Mesopotâmia do século XVII a. C.

A primeira publicação regular de que se tem notícia foi a Acta Diurna, que o imperador Augusto mandava colocar no Fórum Romano no século I de nossa era. Esta publicação, gravada em tábuas de pedra, havia sido fundada em 59 a.C. por ordem de Júlio César, trazendo a listagem de eventos ordenados pelo Ditador (conceito romano do termo). Na Roma Antiga e no Império Romano, a Acta Diurna era afixada nos espaços públicos, e trazia fatos diversos, notícias militares, obituários, crônicas esportivas, entre outros assuntos.

O primeiro jornal em papel, Notícias Diversas, foi publicado como um panfleto manuscrito a partir de 713 d.C., em Kaiyuan, em Pequim, na China. Kaiyuan era o nome dado ao ano em que o jornal foi publicado. Em 1041, também na China, foi inventado o tipo móvel. O alfabeto chinês, entretanto, por ser ideográfico e não fonético, utiliza um número de caracteres muito maior que o alfabeto latino europeu. No ano de 1908, os chineses comemoraram o milenário do jornal Ta King Pao (Gazeta de Pequim), apesar de a informação não ter comprovação absoluta.

Em 1440, Johannes Guttenberg desenvolve a tecnologia da prensa móvel, utilizando os tipos móveis: caracteres avulsos gravados em blocos de madeira ou chumbo, que eram rearrumados numa tábua para formar palavras e frases do texto.

Na Baixa Idade Média, as folhas escritas com notícias comerciais e econômicas eram muito comuns nas ruidosas ruas das cidades burguesas. Em Veneza, as folhas eram vendidas pelo preço de uma gazeta, moeda local, de onde surgiu o nome de muitos jornais publicados na Idade Moderna e na Idade Contemporânea.

Esta arte propagou-se com uma rapidez impressionante pelo vale do Rio Reno e por toda a Europa. Entre 1452 e 1470, a imprensa conquistou nove cidades germânicas e várias localidades italianas, bem como Paris e Sevilha. Dez anos depois, registava-se a existência de oficinas de impressão em 108 cidades; em 1500, o seu número era de 226.

Durante o século XVI os centros mais produtivos eram as cidades universitárias e as cidades comerciais. Veneza continuou a ser a capital da imprensa, seguida de perto por Paris, Leon, Frankfurt e Antuérpia. A Europa tipográfica começava a deslocar-se de Itália para os países do Norte da Europa, onde funcionava como elemento difusor do humanismo e da Reforma oriunda das cidades italianas.

 

A imprensa pré-industrial

 

A primeira publicação impressa periódica regular (semanal), o Nieuwe Tijdinghen, aparece em 1602, na Antuérpia. Os primeiros periódicos em alemão são fundados em 1609: o Relation aller fürnemmen und gedenckwürdigen Historien (Relação de todas as notícias notáveis e rejubilantes), em Estrasburgo, e o Avisa Relation oder Zeitung. Em 1615, surge o Frankfurter Journal, primeiro periódico jornalístico, também semanal e em alemão.

Em 1621, surgiu em Londres o primeiro jornal particular de língua inglesa, The Corante. No ano seguinte, um pacto entre 12 oficinas de impressão inglesas, holandesas e alemãs determinou intercâmbio sistemático de notícias entre elas. No mesmo ano, Nathaniel Butler fundou também em Londres o primeiro hebdomadário: o Weekly News, que, a partir de 1638, seria o primeiro jornal a publicar noticiário internacional. Foi seguido na França por La Gazette, de Théophraste Renaudot cujo primeiro número foi publicado em 30 de maio de 1631, e na Holanda pelo Courante uyt Italien ende Duytschlandt, em 1632.

 

O primeiro jornal em português foi fundado em 1641, em Portugal: era A Gazeta da Restauração, de Lisboa.

O jornal mais antigo do mundo ainda em circulação foi o sueco Post-och Inrikes Tidningar, que teve início em 1645. Até então, estas publicações tinham periodicidade semanal, quinzenal, mensal ou irregular. Foi só a partir de 1650 que surgiu o primeiro jornal impresso diário do mundo, o Einkommende Zeitungen (Notícias Recebidas) fundado na cidade alemã de Leipzig.

A primeira revista, em estilo almanaque, foi o Journal des Savants (Diário dos Sábios), fundado na França em 1665.

No Novo Mundo, o primeiro jornal apareceu nas colónias britânicas da América do Norte (futuros Estados Unidos), publicado em Boston: o Publick Occurrences, Both Forreign and Domestick, que no entanto só teve uma edição. De 1702 a 1735 circulou o primeiro jornal diário em inglês, o Daily Courant, de Samuel Buckley, também nas colônias britânicas. Em 1729, nasceu o Pennsylvania Gazette, de Benjamin Franklin, primeiro jornal a se manter com renda publicitária. No mesmo ano eram fundados a Gaceta de Guatemala e Las Primicias de la Cultura de Quito, primeiros jornais latino-americanos. O primeiro jornal diário da América foi a Gaceta de Lima, circulando diariamente a partir de 1743.

Em 1728, é criado o St. Peterburgo Vedomosti, o jornal mais antigo da Rússia, ainda em circulação.

A Imprensa de Massas e a Industrialização

Nos séculos XVIII e XIX, os líderes políticos tomaram consciência do grande poder que os jornais poderiam ter para influenciar a população e proliferaram os jornais de facções e partidos políticos. O The Times, de Londres, começa a circular em 1785, com o nome de The Daily Universal Register. Seria rebatizado para The Times três anos depois.

No século XIX, os empresários descobriram o potencial comercial do jornalismo como negócio lucrativo e surgiram as primeiras publicações parecidas com os diários atuais. Nos Estados Unidos, Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst criaram grandes jornais destinados à venda em massa. Em 1833, foi fundado o New York Sun, primeiro jornal “popular”, vendido a um centavo de dólar. Já The Guardian, um dos jornais mais vendidos do Reino Unido até hoje, surge em 1821.

O Brasil demora a conhecer a imprensa, por causa da censura e da proibição de tipografias na colônia, impostas pela Coroa Portuguesa. Somente em 1808 é que surgem, quase simultaneamente, os dois primeiros jornais brasileiros: o Correio Braziliense, editado e impresso em Londres pelo exilado Hipólito da Costa; e a Gazeta do Rio de Janeiro, publicação oficial editada pela Imprensa Régia instalada no Rio de Janeiro com a transferência da Corte portuguesa.

Acompanhando a industrialização ocidental, o Japão ganha seu primeiro jornal em 1871, com o Yokohama Itachi Uhciha Shimbun (Notícias Diárias de Yokohama). Atualmente, o Japão é o país com maior índice de circulação per-capita no mundo.

Surgiram, ainda no século XIX, empresas dedicadas à coleta de informações sobre a atualidade que eram vendidas aos jornais. Estas empresas foram conhecidas como agências de notícias ou agências de imprensa. A primeira delas foi fundada em 22 de outubro de 1835 pelo francês Charles-Louis Havas: a Agence des Feuilles Politiques, Correspondance Générale, que viria a se tornar a atual Agence France-Presse.

Em 1848, jornais de Nova York se juntam para formar a agência Associated Press, durante a guerra dos EUA contra o México. O principal motivo da associação, na época, era contenção de custos entre os periódicos.

Em 1851 o alemão Paul Julius Reuter funda a agência Reuters. No mesmo ano é fundado o The New York Times, o principal jornal de Nova Iorque e atualmente um dos mais importantes nos Estados Unidos e no mundo.

A United Press International é criada em 1892. A agência alemã Transocean é fundada em 1915 para cobrir a I Guerra Mundial na Europa, com a visão da Tríplice Aliança. Em 1949, três agências alemãs se unem para formar a Deutsche Presse-Agentur (DPA).

Novas tecnologias de comunicação

O início da Guerra Civil dos Estados Unidos, em 1861, é um marco para a imprensa, pelas inovações técnicas e novas condições de trabalho. Repórteres e fotógrafos recebem credenciais para cobrir o conflito. De lá, desenvolvem o lead para assegurar que a parte principal da notícia chegará à redação pelo telégrafo. Os jornais inventam as manchetes, títulos em letras grandes na primeira página, para destacar as novidades da guerra. O primeiro jornal a enviar correspondentes para dois lados de uma guerra foi o The Guardian, de Manchester, na Guerra Franco-Prussiana, em 1871.

Em 1844, a invenção do telégrafo por Samuel Morse revoluciona a transmissão de informações, e permite o envio de notícias a longas distâncias. Mas o telégrafo só ganharia um aumento exponencial da sua capacidade a partir da instalação dos cabos submarinos, na segunda metade do século XIX, que unem os continentes. O primeiro despacho transatlântico por telégrafo, por exemplo, foi enviado pela AP em 1858. A comunicação por telégrafo liga o Brasil à Europa a partir de 1874; começam a chegar ao país despachos de agências internacionais.

Também aparecem novidades nas técnicas de impressão. A primeira rotativa começa a funcionar em 1847, nos EUA. No ano seguinte, The Times de Londres cria rotativa que imprime 10 mil exemplares por hora. O linótipo foi inventado em 1889, por Otto Merganthaler, revolucionando as técnicas de composição de página com o uso de tipos de chumbo fundidos para gerar linhas inteiras de texto.

A fotografia começou a ser usada na imprensa diária em 1880. A Alemanha foi o primeiro país a produzir revistas ilustradas graficamente com fotografias.

Em 1919, surge o New York Daily News, primeiro jornal em formato tablóide.

A primeira transmissão de rádio transatlântica foi feita em 1903, por Marconi. As primeiras emissoras de rádio, sugidas na década de 1920, tomaram grande parte do protagonismo dos jornais no acompanhamento passo-a-passo dos fatos da atualidade. Ao mesmo tempo, apareceram os cinejormais, filmetes de atualidades cinematográficas. O primeiro deles, o Fox Movietone News, surgiu em 1927, com o uso do som no cinema.

As primeiras transmissões de televisão foram feitas nos Estados Unidos nos anos 1930, e já nos anos 1950 a televisão competia com o rádio pela possibilidade de transmitir informação instantaneamente, com o adicional sedutor da imagem. O videotape foi inventado em 1951, mas só começou a ser usado em larga escala a partir dos anos 1970.

Jornalismo e seu alcance global

O final do século XX assistiu a uma revolução nas tecnologias de comunicação e informação, levando à formação de uma meios de comunicação como instituições (privadas) de alcance global, tanto para o jornalismo quanto para o entretenimento (cultura e diversões).

Em 1962, o jornal norte-americano Los Angeles Times utiliza fitas perfuradas para agilizar a composição em linotipos. Naquele mesmo ano, entrou no ar o Telstar 1, primeiro satélite de telecomunicações específico para os mídia. Sete anos depois, realizou-se a transmissão da chegada da missão Apollo 11, dos EUA, à Lua.

Desde a segunda metade do século XX, várias empresas editorais publicam jornais semanais que se assemelham a revistas, tratando de conteúdo generalista ou temático. Muitas revistas, então, deixam de existir. A revista Life deixou de ser publicada em 1972. No Brasil, desaparecem O Cruzeiro e Realidade.

Em 1973, apareceram os primeiros terminais computadorizados para edição jornalística. A fotocomposição começava a substituir a linotipia. No jornal Minneapolis Star, começou a ser testado um sistema que possibilitava a diagramação eletrônica e o envio das páginas direto para a impressão, eliminando o processo de composição manual.

Em 1980, começam as transmissões da rede CNN, que em pouco mais de 10 anos tornar-se-ia a referência em jornalismo televisivo internacional. Ela ganha notoriedade mundial com a cobertura da Guerra do Golfo em 1991.

Os canais internacionais de televisão por assinatura, televisão a cabo e a Internet comercial só chegaram ao Brasil em 1992. Em 11 de setembro de 2001, isso possibilita a transmissão ao vivo do maior atentado terrorista da História.

Falta de Liberdade de Expressão e Censura

Um dos maiores problemas da imprensa mundial é a falta de liberdade de expressão e a censura do jornalismo em alguns países. Geralmente, a falta de Liberdade de Expressão pode ser encontrada em países onde há uma ditadura, onde a imprensa local deve obedecer sempre as ordens do Governo, ou então, é censurada por tempo indeterminado. Em nações onde há ditadura, são poucas as organizações que sempre obedecem os ditadores.

Censura no Brasil durante a Ditadura Militar

Durante a Ditadura Militar do Brasil, várias organizações de meios de imprensa – seja rádio, TV ou jornais – foram censurados pois não obedeciam as ordens do governo militar que foi formado no golpe militar de 1965 a 1967, que derrubou o então presidente João Goulart.

Um pouco mais de dados

Um breve apanhado sobre a história da imprensa
A comunicação sempre se fez presente em todos os estágios de evolução humana. Ainda da Idade da Pedra, data a primeira manifestação de comunicação do homem: a Arte Rupestre – arte em rochas. As pinturas nas paredes das cavernas do período Paleolítico representam esse antigo anseio do ser humano pelo ato de comunicar.

Com o crescente desenvolvimento do “Homo sapiens”, o número de informações aumentou sobremaneira e a forma de repasse de tais informações, por conseguinte, se especializou. A fabricação do papel por chineses, no século VI a. C., propiciou o florescer da cultura. Mas somente com a invenção da imprensa por Gutenberg, em 1438, a propagação da informação ganhou um fabuloso impulso.

A partir do século XV, então, os novos acontecimentos políticos, econômicos ou sociais, do Ocidente, passaram a ser registrados em papeis que circulavam nas áreas mais habitadas de cada país. Surgem, pois, as primeiras impressões efêmeras da humanidade: as gazetas, com informações úteis sobre a atualidade; os pasquins, folhetos com notícias sobre desgraças alheias e os libelos, folhas de caráter opinativo. Da combinação destes três tipos de impressos resultaria, no século XVII, um gênero intitulado jornalismo.

A origem do jornal se deu em solos ingleses, franceses, alemães e, mais tardiamente, em terreno norte-americano. Naturalmente, o crescimento do impresso periódico ocorreu de forma distinta, em cada nação. Contudo, o jornalismo em geral sofria rígidos controles do governo, o qual impunha leis severas para o seu funcionamento. Era a censura que começava a travar o pleno progresso dos impressos.

À medida que o jornal instigava seus leitores a pensar, a estimular seu senso crítico e a debater sobre a política vigente, a imprensa era vista por autoridades do Estado como prejudicial ao seu governo.

Surgiu, pois, na Inglaterra, a lei que impunha que todo jornal deveria pagar um selo para ter a permissão de circulação, o que por seu turno, fez aumentar o preço do exemplar e diminuir a sua venda. A imprensa da França viveu sob a autorização prévia, ou seja, todo o conteúdo do jornal era, assim, supervisionado por uma organização corporativa antes de ser publicado. Estados Unidos e Alemanha também padeceram com severos controles do Estado o que lhes condenou, assim como nos outros países, a ter uma vida medíocre com a publicação de assuntos de pouca relevância.

Tal cenário, no entanto, se transformou após a Revolução Francesa. Pois foi a partir dela que o jornal de todo o mundo pode demonstrar a sua real função social. Os inúmeros fatos advindos com a Revolução propiciaram uma enorme curiosidade por parte das pessoas, o que ocasionou um considerável aumento do público leitor. Este era, então, o impulso que a imprensa necessitava para a sua própria promoção, ainda que os olhares repressores não deixassem de se recair sobre os escritos impressos.

Outro fator significativo para a evolução do jornalismo foi a industrialização. A crescente mecanização tornou o processo de impressão mais rápido, mais barato e dinâmico. Logo, o público leitor aumentou consideravelmente. O século XIX é um marco divisório para toda a imprensa mundial, pois datam desse período as primeiras grandes inovações do jornal.

Nos Estados Unidos, o progresso da imprensa possibilitou a popularização do jornal sensacionalista, o qual expunha em primeira página imagens e notícias de caráter extremamente violentos. Nessa ocasião, os jornais norte-americanos já eram bastante ilustrados e surgem, então, as histórias em quadrinhos – seção humorística do impresso que fez grande sucesso na época.

O pleno desenvolvimento da imprensa ianque, entretanto, era impedido pela enorme extensão territorial do país. Uma saída para tal dificuldade foi a criação de cadeias – agências que estendiam informações locais a nível nacional. As cadeias ianques lograram enormes sucessos com o controle de centenas de jornais, todavia a crise de 1929 abalou a economia nacional e vetou tal êxito. Surgiu, pois, um novo formato de jornal na tentativa de diminuir gastos – o tablóide, com metade do tamanho normal de uma folha e com menos número de páginas.

A Inglaterra, por sua vez, inovou produzindo jornais com uma maior variedade de assuntos; atendendo, assim, a um maior público. O jornal inglês passava a conter espaço para os acontecimentos do dia, notícias sobre esportes, informações de interesse feminino, manchetes na capa e um modelo de página melhor definido.

A França pós-industrialização passou a ter jornais de várias tendências, estilos e orientações. No âmbito da política, germinavam jornais de esquerda, de centro e de direita. Mas também faziam-se presentes jornais religiosos e monarquistas. Já a Alemanha não operou mutações muito relevantes. Apenas as suas folhas ganharam uma paginação mais arejada, com um conteúdo mais rico e variado.

É bem verdade que desde a gênese do jornalismo, a censura sempre existiu, mas foi durante a I Guerra Mundial, que os jornais passaram a viver sobre um regime de censura ferrenha. Os impressos que não obedecessem às regras dos censores eram apreendidos e, inclusive, suspensos. As informações sobre a guerra eram obtidas por intermédio de oficiais militares que controlavam o que devia ser repassado ou não. Apenas no terceiro ano da guerra, os jornalistas foram autorizados para ir à frente da batalha, podendo colher, assim, informações in loco.

Na II Grande Guerra, os jornais já disputavam a atenção do público com o rádio e a televisão. Fato este que conferiu uma adaptação do jornal escrito à nova situação vigente. De agora em diante, as campanhas publicitárias, tímidas no século passado, começariam a ocupar maior lugar de destaque nos impressos, a fim de manter o equilíbrio econômico do periódico. A imprensa passava, desde então, a assumir, cada vez mais, uma postura empresarial como única forma de permanecer existindo.

 

Cronologia da imprensa escrita mundial

59 a.C. – Surge e, Roma o primeiro noticiário o Acta Diurna.

1438 – 1440 – O alemão Johann Gutenberg inventa a tipografia. Sua prensa usa tipos móveis de metal em relevo que retêm a tinta, tornando possível a reprodução de um texto com base na impressão dos mesmos caracteres.

1632 – Lançamento do jornal francês Gazzete de France, considerado o primeiro semanário impresso no mundo.

1645 – A Academia Real de Letras da Suécia promove o lançamento do sueco Post Och Inrikes Tidningar, o mais antigo jornal em circulação no mundo.

1663 – 1665 – Impressão das primeiras revistas do mundo: a alemã Erbauliche Monaths Unterredungem, a francesa Journal des Sçavans e a inglesa Philosopical Transation.

1702 – Começa a circular o primeiro jornal diário do mundo, o inglês Daily Courant.

1731 – Lançamento da The Gentleman’s, a primeira revista de entreteminento do mundo.

1758 – Lançamento do jornal espanhol Diário Noticioso.

1783 – Lançamento dos jornais diário norteamericanos Pennsylvania Evening Post e New York Daily Advertiser.

1788 – Fundação do jornal inglês The Times, o mais famoso do século XIX.

1789 – 1799 – No período da Revolução Francesa são lançados na Europa 1,5 mil títulos, que representam o dobro dos 150 anos anteriores.

1814 – O alemão Friedrich Koenig (1774 – 1833) cria a impressora a vapor, capaz de imprimir até 1,1 mil exemplares por hora. O jornal londrino The Times foi o primeiro a ser impresso com a nova técnica.

1818 – O francês Pierre Lorilleux (1788 – 1865) inventa a tinta para impressões, que garantiu qualidade gráfica e rapidez para as publicações.

1835 – É fundada na França a primeira agência de notícias do mundo: a Agência Havas, criada por Charles-Auguste Havas. Ela transmite via pombo-correio informações financeiras da bolsa de Valores de Londres

1836 – O jornal francês La Presse é o primeiro a publicar anúncios pagos.

1842 – A revista inglesa The Illustrated London News é a primeira revista a usar ilustrações.

1845 – O francês Jacob Worms (1800 – 1889) inventa a primeira máquina rotativa, pela qual a impressora é alimentada com rolos contínuos de papel (bobinas). No ano seguinte, o norte-americano Robert Roe aprimora o invento e aumenta a velocidade de impressão para 5 mil páginas por hora.

1851 – Lançamento do jornal The New York Times, nos Estados Unidos.

1854 – Lançamento do jornal francês Le Figaro.

1861 – O norte-americano Matthew Brady faz o primeiro trabalho de fotojornalismo na Guerra Civil Americana.

1877 – Lançamento do jornal The Washington Post, nos EUA.

1880 – A primeira fotografia publicada pela impensa surge no jornal Daily Herald, nos Estados Unidos.

1884 – O alemão Ottmar Mergenthaler (1854 – 1899) inventa a linotipo, uma máquina para composição e fundição de caracteres que torna obsoletos os tipos móveis alinhados manualmente. O alinhamento mecânico permite a impressão numa velocidade seis vezes maior. Final do século XIX – A imprensa escrita sofre permanentes mudanças tecnológicas, principalmente na parte gráfica. A impressão em cores e a rotogravura (processo destinado à tiragem em prensa rotativa, que possibilita a gravação direta do cilindro de cobre) proporcionam mais qualidade às publicações.

1903 – Fundação do jornal inglês Daily Mirror.

1906 – O alemão Casper Herman constrói a primeira máquina offset, método de impressão que transfere caracteres ou imagens para o papel por meio de um cilindro de borracha.

1912 – O russo Lênin funda o jornal Pravda. A publicação circula até 1992 e chega a alcançar uma tiragem de 10 milhões de exemplares.

1923 – Lançamento da revista semanal norte-americana Time. A cobertura sistemática dos acontecimentos internacionais influencia revista do mundo inteiro.

1932 – O francês Henri Cartier-Bresson inicia carreira fotográfica, tornando-se o mais influente fotojornalista de sua época.

1936 – Começa a circular a revista ilustrada de informação norte-americana Life.

1944 – Fundação dos jornais franceses Le Monde e Libération.

1947 – Lançamento da revista semanal alemã Der Spiegel. Década de 50 – A fotocomposição é introduzida na maioria dos jornais e revistas. Os textos e as fotos são produzidos em papel cuchê, montados a mão (past-up) e fotografados (fotolito).

1953 – Fundação do semanário francês L’Express, que leva ao grande público assuntos políticos, financeiros e econômicos.

1968 – O tablóide britânico Daily Mirror torna-se o jornal de maior circulação no Ocidente.

1972 – 1974 – Bob Woodward e Carl Bernstein publicam o escândalo Watergate no Washington Post.

Década de 80 – Com a informatização das empresas jornalísticas, todas as etapas da produção se tornam, digitalizadas. Os textos são elaborados em computador e a editoração eletrônica substitui a fotocomposição. Nesse novo processo, as páginas também são diagramadas no computador e o fotolito é gerado do arquivo eletrônico.

1988 – A Agência de notícias France-Warner, maior conglomerado de mídia do mundo.

1989 – Formação da Time-Warner, maior conglomerado de mídia do mundo. Década de 90 – O sistema filmless (sem filme) possibilita a gravação diretamente no cilindro de impressão por meio de impulsos eletrônicos transmitidos pelo computador, eliminando a utilização do fotolito. O filmless permite também a impressão de uma publicação em diferentes localidades simultaneamente.

1992 – Primeira edição do The New York Times in Review.

1997 – O Museu da Notícia é inaugurado em Washington (EUA). É o primeiro no mundo dedicado exclusivamente à notícia.

1997 – A morte da princesa Diana num acidente de carro em Paris, enquanto fugia de fotógrafos (conhecidos como paparazzi), acirra a discussão a respeito da ética dos meios de comunicação e do direito à privacidade .

Como surgiu o Rádio

Tudo começou em 1863 quando, em Cambridge – Inglaterra, James Clerck Maxwell demonstrou teoricamente a provável existência das ondas eletromagnéticas. James era professor de física experimental e apartir desta revelação outros pesquisadores se interessaram pelo assunto.  O alemão  Henrich Rudolph Hertz (1857-1894) foi um deles.

O princípio da propagação radiofônica veio mesmo em 1887, através de Hertz. Ele fez saltar faíscas através do ar que separavam duas bolas de cobre. Por causa disso os antigos “quilociclos”  passaram a ser chamados de “ondas hertzianas” ou “quilohertz”.

A industrialização de equipamentos se deu com a criação da primeira companhia de rádio, fundada em Londres – Inglaterra pelo cientista italiano Guglielmo Marconi.  Em 1896 Marconi já havia  demonstrado o funcionamento de seus aparelhos de emissão e recepção de sinais na própria Inglaterra, quando percebeu a importância comercial da telegrafia.

Até então o rádio era exclusivamente “telegrafia sem fio”, algo já bastante útil e inovador para a época, tanto que outros cientistas e professores se dedicaram a melhorar seu funcionamento como tal. Oliver Lodge (Inglaterra) e Ernest Branly (França), por exemplo,  inventaram o “coesor”,  um dispositivo que melhorava a detecção. Não se imaginava, até então, a possibilidade do rádio transmitir mensagens faladas, através do espaço.

E as inovações continuavam a surgir… o rádio evoluía rapidamente !

Em 1897 Oliver Lodge inventou o circuito elétrico sintonizado, que possibilitava a mudança de sintonia selecionando a freqüência desejada.

Lee Forest, desenvolveu a válvula triodo. Von Lieben, da Alemanha e o americano Armstrong empregaram o triodo para amplificar e produzir ondas eletromagnéticas de forma contínua.

Também no Brasil o rádio crescia: um Padre-cientista gaúcho, chamado Roberto Landell de Moura, nascido em 21 de janeiro de 1861, construiu diversos aparelhos importantes para a história do rádio e que foram expostos ao público de São Paulo em 1893.

Teleauxiofono (telefonia com fio)

Caleofono (telefonia com fio)

Anematófono (telefonia sem fio)

Teletiton (telegrafia fonética, sem fio, com o qual duas pessoas podem comunicar-se sem serem ouvidas por outras)

Edífono (destinado a ducificar e depurar as vibrações parasitas da voz fonografada, reproduzindo-a ao natural)

Já em 1890 o padre-cientista Landell de Moura previa em suas teses a “telegrafia sem fio”, a “radiotelefonia”, a “radiodifusão”, os “satélites de comunicações” e os “raios laser”. Dez anos mais tarde, em 1900, o Padre Landell de Moura obteve do governo brasileiro a carta patente nº 3279, que lhe reconhece os méritos de pioneirismo científico, universal, na área das telecomunicações. No ano seguinte ele embarcou para os Estados Unidos e em 1904, o “The Patent Office at Washington” lhe concedeu três cartas patentes: para o telégrafo sem fio, para o telefone sem fio e para o transmissor de ondas sonoras.

Padre Landell de Moura  foi precursor nas transmissões de vozes e ruídos.

Nos Estados Unidos foram anos de pesquisas, tentativas e aprimoramentos até Lee Forest instalar a primeira “estação-estúdio” de radiodifusão, em Nova Iorque, no ano de 1916. Aconteceu então o primeiro programa de rádio, que se tem notícia. Ele tinha conferências, música de câmara e gravações. Surgiu também o primeiro registro de   radiojornalismo, com a transmissão das apurações eleitorais para a presidência dos Estados Unidos.

 

A “Era do Rádio”

A partir de 1919 começa a chamada “Era do rádio”.

O microfone surge através da ampliação dos recursos do bocal do telefone, conseguidos em 1920, nos Estados Unidos, por engenheiro da Westinghouse.

Foi a própria Westinghouse que fez nascer, meio por acaso, a radiofusão. Ela fabricava aparelhos de rádio para as tropas da Primeira Guerra Mundial e com o término do conflito ficou com um grande estoque de aparelhos encalhados. A solução para evitar o prejuízo foi instalar uma grande antena no pátio da fábrica e transmitir música para os habitantes do bairro. Os aparelhos encalhados foram então comercializados.

A primeira transmissão radiofônica oficial no Brasil, foi o dircurso do Presidente Epitácio Pessoa, no Rio de Janeiro, em plena comemoração do centenário da Independência do Brasil, no dia 7 de setembro de 1922. O discurso aconteceu numa exposição, na Praia Vermelha – Rio de Janeiro e o transmissor foi instalado no alto do Corcovado, pela Westinghouse Electric Co.

Para se ter uma idéia de porque a época ficou conhecida como a “Era do Rádio”, nos EUA o rádio crescia surpreendentemente. Em 1921 eram 4 emissoras, mas no final de 1922, os americanos contavam 382 emissoras.

A chegada do rádio comercial não demorou. Logo as emissoras reivindicaram o direito de conseguir sobreviver com seus próprios recursos. A pioneira no rádio comercial foi a WEAF de Nova Iorque, pertencente à Telephone and Telegraf Co..  Ela irradiava anúncios e cobrava dois dólares por 12 segundos de comercial e cem dólares por 10 minutos.

O “pai do rádio brasileiro” foi Edgard Roquete Pinto. Ele e  Henry Morize fundaram em 20 de abril de 1923, a primeira estação de rádio brasileira: Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Foi aí que surgiu o conceito de “rádio sociedade” ou “rádio clube”, no qual os ouvintes eram associados e contribuíam com mensalidades para a manutenção da emissora.

O Dia Mundial das Telecomunicações  é  comemorado em 17 de maio porque foi nesta data, em 1865, que institui-se a “União Telegráfica Internacional”.

Datas Importantes

 

1887 – Henrich Rudolph Hertz descobre as ondas de rádio.

1893 – Padre Roberto Landell de Moura, faz a primeira transmissão de palavra falada, sem fios, através de ondas eletromagnéticas.

1896 – Gluglielmo Marconi realiza as primeiras transmissões sem fios.

1922 – Primeira transmissão radiofônica oficial brasileira.

1923 – Roquette Pinto e Henrique Morize fundam a primeira emissora brasileira Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

É feita a primeira transmissão de rádio em cadeia no mundo, envolvendo a WEAF e a WNAC, de Boston.

No dia 30 de novembro é criada a Sociedade Rádio Educadora Paulista – PRA-E.

1926 – John Baird realiza as primeiras transmissões de imagens

1931 – É fundada a PRB 9 – Rádio Record de São Paulo.

No início dos anos 30 o Brasil já tinha 29 emissoras de rádio, transmitindo óperas, músicas e textos instrutivos.

1932 – O Governo de Getúlio Vagas autoriza a publicidadee em rádio.

Ademar Casé  estréia seu programa na Rádio Philips. Casé (avô da atriz Regina Casé) criou o 1º jingle do rádio brasileiro: “Oh! Padeiro desta rua/Tenha sempre na lembrança/Não me traga outro pão/Que não seja o pão Bragança…”

1933 –  O americano Edwing Armstrong demonstra o sistema FM para os executivos da RCA.

1934 – Criada a Rádio Difusora, apelidada de “Som de Cristal”, onde surge o termo “radialista”, inventado por Nicolau Tuma.

Com a crescente necessidade de formação de pessoal para atuar dentro das emissoras, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, pioneira, transformou-se na Rádio Municipal do Rio de Janeiro, conhecida como Rádio Roquete Pinto. De norte a sul do Brasil, as rádios começaram a influenciar o modo de vida das pessoas, lançando ao estrelato grandes nomes da música, como Francisco Alves, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Silvio Cladas, Dóris Monteiro etc.

1935 – Acontece na Alemanha, a primeira emissão oficial de TV.

Assis Chateaubriand inaugura em 25 de setembro a PRG-3, Rádio Tupi do RJ.

1936 – Em Londres é inaugurada a estação de TV da BBC.

Ao som de “Luar do Sertão”, às 21 horas do dia 12 de setembro, ouvia-se: “Alô, alô Brasil! Aqui fala a Rádio Nacional do Rio de Janeiro!”.  Surge a PRE-8, adquirida por apenas 50 contos de réis da Rádio Philips.

O ano de 1936 marca também a estréia no rádio de Ary Barroso . Um polêmico narrador esportivo que tocava gaita quando narrava os gols. Tornou-se uma das mais importantes figuras do Rádio. Começou na Rádio Cruzeiro do Sul, do Rio de Janeiro. Apresentador de vários programas de sucesso e compositor da música “Aquarela do Brasil”, entre outras.

1938 – Início da televisão na Rússia.

No dia das bruxas, a rádio americana CBS, apresenta o programa “A Guerra dos Mundos”, com Orson Welles, que simula uma invasão de marcianos aos Estados Unidos. O realismo era tamanho que uma onda de pânico tomou conta do País. O locutor anunciava: “Atenção senhoras e senhores ouvintes… os marcianos estão invadindo a Terra…”.  A emissora teve que interromper a transmissão tamanha foi a confusão.

Também em 1938 acontece a primeira transmissão esportiva em rede nacional no Brasil, na Copa de 38, por Leonardo Gagliano Neto, da Rádio Clube do Brasil do RJ.

1939 – O americano Edwin Armstrong inicia operação da primeira FM em Alpine, New Jersey.

Almirante  (“a maior patente do rádio!”) chamava-se Henrique Foréis Domingues. Fez sucesso nas décadas de 30 e 40. Criou o primeiro programa de auditório do rádio barsileiro, chamado “Caixa de Perguntas”. Em 1939, na Rádio Nacional.

1941 – Em 12 de julho, começa a transmissão da primeira rádio novela do País, que foi apresentada durante cerca de três anos, pela PRE-8, Rádio Nacional do RJ.  Era a novela “Em Busca da Felicidade” . A seguir foi a vez de “O Direito de Nascer”.

Na década de 40 entra no ar o primeiro jornal falado do rádio brasileiro:  o “Grande Jornal Falado Tupi”, de São Paulo.

Surge o noticiário mais importante do rádio brasileir: o “Repórter Esso”.  A primeira transmissão aconteceu às 12h45min do dia 28 de agosto de 1941, quando a voz de Romeu Fernandez anunciou o ataque de aviões da Alemanha à Normandia, durante a 2ª Guerra Mundial.  O gaúcho Heron Domingues marcou a história do rádio apresentando durante anos o “Repórter Esso”. Em São Paulo a transmissão era feita pela Record PRB-9.

O humorista Chico Anysio começou no rádio, na década de 40, produzindo e apresentando programas, entre eles o “Rua da Alegria”, na Rádio Tupi do Rio de Janeiro.

1942 – Abelardo Barbosa (Chacrinha) surgiu no final dos anos 30, na PRA-8 Rádio Clube de Pernambuco. Em 1942 ele foi para a Rádio Difusora Fluminense. A partir de então ficou conhecido como Chacrinha, pois a emissora ficava numa chácara em Niterói. É criado o “Cassino do Chacrinha”.  Em 1959 o “Velho Guerreiro” estréia na Televisão.

1946 – Surgem os gravadores de fita magnética, dando maior agilidade ao rádio.

1948 – Na Rádio Nacional  faz sucesso o programa “Balança mas não cai”.

Como surgiu a Televisão

Bourdieu nasceu no dia 01 de agosto de 1930, em Denguin, no Béarn, uma região rural do sudoeste da França. Estudou na escola fundamental em meio a filhos de camponeses, operários e pequenos comerciantes, em uma vila conhecida por seu arcaísmo, objeto dos seus primeiros estudos etnológicos.

Pierre Bourdieu, é considerado um dos grandes sociólogos do século XX, escreveu em diversas áreas, seus estudos abrangem um número interminável de objetos, desde a etnologia árabe, o sistema de ensino, a igreja, o Estado, o esporte, a arte, a literatura, o lazer e a economia. Seus estudos tratam da mediação entre o agente social e a sociedade, aborda diversos campos e as relações de força que os agentes exercem para se manter nestes espaços.

Nesta obra autor verificou materialmente toda forma de agir e a metodologia (sensacionalismo, drama, cinismo ….) utilizada no campo  jornalístico.

Num segundo momento é destacada a estrutura, que apesar de intangível se estabelece e produz seus efeitos sobre todos os campos científicos a partir de um capital simbólico meramente refletido no poder estabelecido pela mídia.

Esta obra  é divida em três capítulos o primeiro aborda o estúdio e seus e seus bastidores, o  segundo capitulo trata da estrutura invisível e seus efeitos no mercado, já o terceiro discorre sobre a influência do jornalismo nos jogos olímpicos.

Nesta resenha será abordada apenas o primeiro e o segundo capitulo em forma de tópicos.

Estúdio e os bastidores

O autor coloca que em geral não se pode dizer grandes coisas na televisão, muito menos sobre a televisão.  São impostas certas condições para poder falar na televisão. O autor diz ter a impressão de que o importante não é dizer alguma coisa e sim se fazer ser visto na televisão.

Uma censura invisível

Perde-se a autonomia, o assunto é imposto, as condições da comunicação são impostas e principalmente o limite de tempo, se é que alguma coisa possa ser dita. E as pessoas estão tão envolvidas neste processo, mas não percebem esta censura. Os jornalistas manipulam e são manipulados. Como isto pode ser visto: salários exorbitantes, entrada e saída de apresentadores, denuncias de escândalos, em seguida notícias de variedades acabam por contribui para desviar o telespectadores do essencial.

A televisão exerce de forma particular violência simbólica: através de notícias de variedades, de sensacionalismo, sexo, sangue, drama e o crime, fazem o subir o índice de audiência e distraem. A televisão trabalha com fatos ônibus que na visão do autor são os fatos que interessam a todo mundo. Não causa polêmica, não envolve disputa, mas também não traz nada de importante. Essas notícias não permitem: reflexão, critica até por que, quando é colocado algo que tem algum ponto construtivo é cortado por assuntos de variedades ou ainda mais banais.

Na concepção de (…) ao insistir nas variedades, preenchendo esse tempo raro com o vazio, com nada ou quase nada, afastam-se as informações pertinentes que deveriam possuiro cidadão para exercer seus direitos democráticos (BOURDIEU, 1997, p.23).

Ocultar mostrando

Na visão de Bourdieu ocultar mostrando é mostrar uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso se fizesse o que supostamente se faz, isto é, “informar”. Geralmente ocorre que, mesmo quando se mostra algo importante, é mostrado de forma tão superficial que se torna insignificante. (exemplo: mostra se corrupção, e seguida apresentam cenas que despertam o raciocínio do telespectador).

O jornalista tem uma espécie de óculos, mostra o que é preciso mostrar no sentido de se manter na mídia, para isso recorre a determinados meios: dramatização,  as imagens que exageram os acontecimentos e eles abusam do poder das palavras.

Para Bourdieu (…) essas palavras fazem coisas, criam fantasias, medos fobias, ou simplesmente representações falsas. (BOURDIEU, 1997, p.26).

A imagem tem efeito real, ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver. As variedades, os incidentes ou os acidentes cotidianos podem estar carregados de implicações políticas, éticas. (BOURDIEU, 1997, p. 28)

A circulação circular da informação

Omundo dos jornalistas é mundo dividido em que há conflitos, concorrências, hostilidades (BOURDIEU, 1997, p.30). Na busca pelo melhor índice de audiência a noticia se torna uniforme. Trabalha-se com a urgência do momento e não o pensamento.

Segundo o autor eles pensam por ‘idéias feitas’. As ‘idéias feitas’ de que fala Flaubert são idéias aceitas por todo mundo, banais, convencionais… tais idéias que quando aceitamos, já estão aceitas…(BOURDIEU, 1997, p.40)

A estrutura invisível e seus efeitos

Tudo isso não é por acaso- O mundo do jornalismo é um microcosmo que tem leis próprias e que é definido por sua posição no mundo global e pelas atrações e repulsões que sofre da parte dos outros microcosmos (BOURDIEU, 1997, p. 55) A vidado jornalismo e sua própria existência está baseada e materializada de forma completa,  e em fatores que se originam nas relações mantidas por todo um campo de acontecimentos que se compõem no próprio jornalismo. Mantendo desta forma uma relação onde o jornalismo é subjugado aos interesses do mundo que o rodeia.

 

Fatias de mercado e concorrência

Para compreender o que pode fazer um jornalista é preciso entender (…) a posição do órgão de imprensa que ele se encontra e qual sua própria posição no espaço de seu jornal ou de sua emissora (BOURDIEU, 1997, p.56).

Bourdieu aborda o campo como um:

(…) espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior desse espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou conservar esse campo de forças. Cada um, no interior desse universo, empenha em sua concorrência com os outros a força (relativa) que detém e que define sua posição no campo e, em conseqüência, suas estratégias (BOURDIEU, 1997, p.57).

Este é composto por todo um universo de interesses e o próprio capital simbólico do profissional que esta transmitindo naquele determinado momento. Tal fato é notável pela influência e o poder de moldar e construir idéias, que se revelam na relação exercida sobre a massa televisiva que é conduzida e manipulada pelas idéias de maior capital simbólico.

Uma força de banalização

Os efeitos pela emergência tende a: banalizar, uniformizar,conformar e despolitizar. Nos anos 50 a televisão se preocupava com documentários, estava mais direcionado para assuntos culturais. Já a televisão dos anos 90, busca audiência – trabalha com produtos brutos, exibe experiências reais do cotidiano do povo.

Luta por audiência.

A composição das noticias e fatos jornalísticos são meticulosamente manipulados e agrupados para a condução da massa, com objetivo de atingir o maior publico possível. Tendo assim,  a satisfação plena de suas expectativas mesmo que isso esteja refletido em um jornalismo  sensacionalista (estratégias utilizadas para se manter no campo). Estes fatores determinam uma relação de interdependência do jornalismo com todos os outros campos de produção cultural, social, política, cientifico e outros.

A influência da televisão no jornalismo

Para compreender tudo que é produzido e apresentado pelo jornalismo televisivo é preciso compreender os fatores que influenciam este campo( para atingir o melhor índice de audiência requeridos pela produção. O jornalista e os fatos jornalísticos se tornam reféns do sensacionalismo, cinismo, técnica no uso de palavras…).

Partindo deste pressuposto temos a noção clara das ações que constroem idéias baseadas no capital simbólico de quem detém os meios de produção (exemplo TV Globo). Baseada nesta lógica o poder simbólico, para aqueles que o detém se materializa em suas estratégias de ações, que direcionam o grupo conforme seus objetivos e necessidades.

A influência do jornalismo

Na concepção do autor o campo jornalístico está sobre a pressão da mídia e do poder econômico que define e influência todos os outros campos: literário, artístico, cientifico de forma a definir toda uma estrutura.

As propriedades do campo jornalístico se traduzem nas atividades desempenhadas pelos profissionais desta área, que obedecem a um padrão pré-estabelecido pelo mercado.

O campo jornalístico baseado em audiência acaba por influenciar outros campos, sendo uma intrusão á medida que divulga a informação e atua encima desta baseada em parâmetros sensacionalistas, tornando certos produtos intelectuais menos requintado ao nível do publico que se deseja atingir.

Nesta obra o autor verificou materialmente formas de agir e a metodologia utilizada no trabalho no jornalístico. Destacando a estrutura, que apesar de intangível se estabelece e produz seus efeitos sobre todos os campos científicos, a partir de um capital simbólico meramente refletido no poder estabelecido pela mídia. A preocupação central de Bourdieu neste trabalho é que a televisão enquanto meio de expressão do pensamento se transforme em um instrumento de opressão simbólica.

BOURDIEU, Pierre, Sobre a televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 1997.

 

 

 

A Historia da Linguagem Escrita e Falada e Gestual e o Analfabetismo funcional

A linguagem é um instrumento de que nos servimos para comunicar o que pensamos e sentimos… E nela construímos e fertilizamos a nossa imaginação. Isto é, a linguagem é um poderoso meio de transmissão e de aquisição de conhecimentos, mas igualmente um meio de criação, permitindo a possibilidade de regenerar-se e satisfazendo a apurada sensibilidade e veia artística dos que nela procuram espelhar a realidade intangível e fazer ouvir-se o eco da sua interioridade.

É evidente que, como qualquer organismo vivo, uma língua é fruto de alterações, de contaminações, de enriquecimentos e de empréstimos, que se sucederam e vão sucedendo ao longo do tempo. Neste sentido, é nosso propósito poder satisfazer, ainda que modestamente, o interesse dos estudantes e dos curiosos que, nas suas viagens ‘cibernáuticas’ pretendam encontrar respostas para algumas das suas dúvidas acerca da historia de evolução.

Consideração Gerais

Durante muito tempo, na história da educação, as diferenças lingüísticas foram compreendidas mais como deficiências de certos grupos, do que como características naturais de estudantes que eram provenientes de diferentes contextos e, portanto, representantes de diferentes universos culturais. A partir do momento que o homem passou dos sons guturais para palavras mais inteligíveis ele pôde passar seus conhecimentos para outros homens e seus descendentes, surgindo daí a história falada. Isso fez com que as gerações seguintes pudessem aproveitar as experiências dos antepassados e aprimorá-las, chegando ao alto progresso tecnológico de nossos dias.

A linguagem oral perdurou durante muito tempo como grande suporte para a preparação dos futuros dirigentes do poder dentro da sociedade. Mesmo com a descoberta da escrita, a aprendizagem se dava em forma de conselhos morais e compartimentais, no intuito de preparar o indivíduo para “falar bem”. Uma educação reservada à classe dominante. O homem percebe que a linguagem escrita poderá dá uma contribuição significativa no processo educacional. A escrita começa a fazer parte da vida do homem a partir dos escritos deixados pelos pais onde os filhos seguem suas orientações com obediência, assim se dava a transmissão da aprendizagem. A escrita abre novos horizontes, pois possibilita o homem por meio de um conjunto de sinais, símbolos e regras registrar a linguagem falada exprimir pensamentos, sentimentos e emoções. Ocorre a institucionalização da educação, inicialmente direcionada para os filhos de reis e outros jovens de sua escolha, com a orientação de um mestre. Depois se estende para os indivíduos que exercem a arte; recebe uma instrução intelectual.

Para as classes excluídas e oprimidos, sem arte nem parte nenhuma escola e nenhum treinamento, mas, em modo e em graus diferentes a mesma aculturação que desce do alto para as classes subalternas. Essa educação permanece imutável durante milênios. Mais tarde na Grécia, com a escrita alfabética surge um meio democrático de comunicação e de educação, e a escola escrita se abre tendencialmente a todos os cidadãos, com a fundação da escola pública. O uso da escrita difundiu-se rapidamente, podemos considerar uma das grandes guinadas na história da humanidade, pois possibilita o homem informar-se e comunicar-se através escritos, como: manuais, livros, jornais correspondência. A leitura e a escrita se intensifica com a invenção da imprensa por Gutenberg no século XV, motivou a expansão e circulação da informação promovendo a produção literária e científica.

Com o mercantilismo homem o sente necessidade de desenvolver novas técnicas e construir máquinas mecânicas (ábaco), que possibilite a realização de cálculos matemáticos mais confiáveis. A produção de imagens em câmaras também marca o desenvolvimento tecnológico, porque é graças a esse primeiro passo que ocorre a expansão e a utilização das imagens tão presentes nos dias de hoje. A tecnologia e a educação caminham em passos largos na, com o desenvolvimento tecnológico e o aperfeiçoamento da fotografia, do cinema e dos novos recursos de comunicação, a arte e técnica caminham juntas favorecendo significativamente a fotografia e a arte.

Linguagem Oral ou Falada

Língua falada é a forma de comunicação humana na qual palavras derivadas de um grande vocabulário (normalmente pelo menos 10.000) juntamente com diversos nomes são pronunciados pela boca. Todas as palavras são formadas por um conjunto limitado de vogais e consoantes, e estas palavras faladas são estruturadas em séries de orações e frases organizadas sintaticamente. O vocabulário e a sintaxe, juntamente com os fones que ela utiliza, definem sua identidade como uma língua natural específica. Pode ser descrita como a “língua por excelência”, ou a “língua viva”.

Existem algumas línguas humanas que contém seu próprio vocabulário e sintaxe mas que no entanto não são faladas, porém através de gestos. Línguas gestuais têm a mesma origem natural que as línguas faladas, e muitas vezes as mesmas complexidades gramaticais, porém utilizam-se das mãos, braços e rosto, no lugar da boca e de partes dela, como seu local de articulação.

Através da audição as pessoas adquirem conhecimento de sua língua materna, aprendendo-a a partir dos indivíduos que as cercam, geralmente suas mães. A língua falada é mais rica que o idioma escrito; transcrições de um discurso oral, por exemplo, mostrando diversas inflexões e hesitações que geralmente são omitidas de outras formas escritas de representação da fala, como roteiros.

Muitos idiomas falados são escritos. Mesmo hoje, no entanto, existem diversos idiomas no mundo que podem ser falados mas não têm uma forma escrita padronizada. Estas idiomas podem ser expressos de forma escrita através do alfabeto fonético internacional ou outras formas de transcrição. A língua oral é marcada por características que a diferenciam da língua escrita, como maior informalidade, mais redundâncias e menos conservadorismo, e consideravelmente maior espaço para renovação e criatividade.Até mesmo do ponto de vista da sintaxe, a língua falada geralmente tem seu próprio conjunto de padrões gramaticais, que pode ser bem diferente do que é usado na língua escrita. Em muitos idiomas, a forma escrita é considerada uma língua diferente, uma situação chamada de diglossia.

Apresentação

Tomando como ponto de partida a variação inerente a todo sistema lingüístico, procuraremos demonstrar como variação e mudança são dois processos intimamente relacionados.
Considerando que uma língua não se realiza uniformemente em todo o território em que é usada e apresenta variedades de ordem geográfica, social, etária, profissional, situacional, podemos concluir que a variação histórica é decorrência natural desse processo de diferenciação. Assim, o conceito de mudança lingüística deve ser encarado como resultado de uma gama de variedades, presentes todo o tempo e em todas as circunstâncias de uso de determinada língua. Essa concepção contraria uma visão purista que considera o uso não-culto de uma língua como responsável por sua deterioração e esfacelamento.
Nesta perspectiva, abordaremos o português no contexto das línguas românicas (francês, espanhol, italiano, entre outras), que constituem a continuação do latim, língua do Império Romano.
O conhecimento das condições lingüísticas e extra-lingüísticas que caracterizam a história da língua portuguesa é de grande utilidade para o ensino, por permitir compreender o dinamismo da linguagem — a história de uma língua está invariavelmente ligada à história de seu povo, aos acontecimentos de natureza política e social.

A história da linguagem escrita

Anda junto com o desenvolvimento da civilização. Alguns dizem que a origem da escrita foi há 50.000 anos de nossa era (com incisões em pedra ou osso) e em 30.000 anos antes da nossa era (figuras gravadas ou pintadas). Os pictogramas constituem a primeira grande invenção do homem no domínio da escrita.

Outros estudiosos pensam de forma diferente. Eles registram a escrita suméria como a mais antiga, levando em conta seu caráter de escrita e não de pintura. Esta cultura antiga da Mesopotâmia, a dos sumérios, criou as primeiras cidades.

Os egípcios, anos depois, desenvolveram a escrita hieroglífica, constituída de belos sinais encontrados em seus túmulos, pirâmides, etc. Eles registraram textos religiosos e documentos importantes em papiros.

Surgiram várias classificações dos tipos de escrita. E a de M. Cohen é uma das mais conhecidas. Ele distingue três etapas:

  1. A dos pictogramas, arcaica e figurativa, que representa do conteúdo da língua;
  2. A dos ideogramas, sinais que representam de modo mais ou menos simbólico o significado das palavras;
  3. A dos fonogramas, sinais abstratos que representam elementos de palavras ou de sons, como nas escritas alfabéticas.
  4. Mas vamos tentar definir a escrita, o que é escrita?
  5. “Escrita é uma representação da língua falada por meio de signos gráficos.”
  6. diz o dicionário de linguística de Dubois. E continua mais adiante:
  7. “A fala se desenrola no tempo e desaparece; a escrita tem como suporte o espaço, que a conserva.”
  8. Escrita alfabética é a que recorre a sinais para representar determinados sons. A princípio, os alfabetos costumam ser silábicos; depois, passam a ser fonéticos.

Os fenícios da antiga cidade de Biblos desenvolveram, cerca de mil anos antes de Cristo, um sistema da língua escrita formado por 22 letras. Esta escrita, que era muito simples, rapidamente espalhou-se entre os outros povos semitas, e mais tarde atingiu a Pérsia e a Índia. Também foi adotada, mais tarde, pelos gregos, que indicaram as vogais naquele alfabeto dos fenícios.

Surgimento e importância dessa linguagem

Antes do surgimento da escrita, os gregos antigos encarregavam um mensageiro, que ia, de navio ou a cavalo, levar a notícia desejada. A comunicação só acontecia cara a cara. Passados mais de 3.000 anos desde a Guerra de Tróia, como você fica sabendo das notícias de guerra que acontecem no mundo hoje? A velocidade de informação que temos hoje só foi possível graças ao desenvolvimento da escrita.

O uso da escrita deu início a um tipo de comunicação que tornava possível entrar em contato com mensagens produzidas por pessoas que haviam morrido há séculos, ou distantes milhares de quilômetros.

Sabe-se que a escrita surgiu em diferentes lugares, tornando-se um poderoso apoio para a memória humana. Os povos antigos usavam as marcas gráficas inicialmente como uma ferramenta para registro do movimento do comércio, depois como registros de todos os acontecimentos que envolviam a sociedade. Usando materiais diferentes, os textos eram copiados, à mão, um a um. A possibilidade de grafar a informação conferia a durabilidade necessária, para escrever leis, que fixavam costumes e determinavam quem devia obediência a quem.
Ultrapassando barreiras

Com o advento da escrita, foi possível atravessar a barreira do tempo e preservar informações sobre modos de vida de povos que viveram há milhares de anos ou informar sobre outros povos, que vivem em locais muito distantes dos centros de difusão das informações. A durabilidade do sinal grafado e a possibilidade de acesso à informação por um número cada vez maior de pessoas mudaram profundamente a história da humanidade.

No século 15, a invenção da imprensa tornou possível a reprodução de livros e o acesso à leitura para um maior número de pessoas do que até então tinha sido possível. A descoberta da impressão se deu graças à invenção de Gutemberg que, ao conseguir uma impressão nítida, possibilitou a reprodução de um mesmo material em um tempo muito rápido, o que teve como consequência a produção de milhares de livros em pouco tempo. O surgimento da instituição escola e a alfabetização da massa trabalhadora tornaram possível o acesso à comunicação escrita em larga escala.
Características da comunicação escrita

Na comunicação escrita temos um autor que está distante falando para um leitor, na maioria das vezes desconhecido. Para que o leitor compreenda o que se passa, é necessário que o autor dê o máximo de informações que puder referente ao contexto, ao assunto, à finalidade da informação. Veja um exemplo:
1) Dois garotos brigavam furiosamente na rua.
2) Um senhor passa por eles e separa a briga:
– Você não tem vergonha? Bater num menino bem menor que você, seu covarde!
3) E o menino:
– O senhor queria o quê? Que eu ficasse esperando ele crescer?

(Ziraldo, “Mais anedotas do bichinho da maçã”. São Paulo: Melhoramentos, 1993)
As informações relacionadas às frases 1, 2 e 3, explicam ao leitor o contexto, ou seja, o lugar e a situação em que se dá o fato. Se o leitor presenciasse a cena, essas informações seriam necessárias? Não.

A primeira consequência que percebemos do uso da escrita na história é o fato de os indivíduos não precisarem mais estar em comunicação direta para entrar em contato uns com os outros. A segunda é que a escrita instaura um novo modo de comunicação. Na comunicação direta, podemos dizer simplesmente “olá, como vai?”, ao encontrarmos um conhecido. Essa frase, sem maiores explicações, tem sentido porque ambos os indivíduos sabem onde estão, quem são um e outro, que tipo de vínculo tem em comum.
Explícito e completo

Na comunicação escrita, ao contrário, a informação – por não ser imediatamente percebida – precisa ser mais explícita, mais completa, para garantir a sua interpretação. Isso é o que acontece quando lemos um romance. O autor precisa apresentar as características do lugar físico e social onde ocorrem os fatos – o ambiente, o espaço – e as características físicas e psíquicas das personagens, para que o leitor possa interpretar os fatos em uma dada direção. Daí o texto escrito ser, em geral, menos econômico que o mesmo texto, dito oralmente, numa interação face a face.

Quando lemos um romance, por exemplo, e se o texto nos emociona, ficamos com a impressão de que o autor fala de coisas relacionadas à nossa vida, fala diretamente conosco. O texto que nos fala tão diretamente, porém, foi antes selecionado, revisado, muitas vezes alterado após a produção inicial, porque – entre o autor e o seu leitor – existem os interesses da empresa editora, a avaliação do editor quanto ao interesse do assunto, o cálculo do investimento a ser feito e o cálculo do retorno financeiro para a editora, com as vendas do livro.

A Língua portuguesa

O que é a língua portuguesa?

O PORTUGUÊS é a língua que os portugueses, os brasileiros, muitos africanos e alguns asiáticos aprendem no berço, reconhecem como patrimônio nacional e utilizam como instrumento de comunicação, quer dentro da sua comunidade, quer no relacionamento com as outras comunidades lusofalantes.
Esta língua não dispõe de um território contínuo (mas de vastos territórios separados, em vários continentes) e não é privativa de uma comunidade (mas é sentida como sua, por igual, em comunidades distanciadas). Por isso, apresenta grande diversidade interna, consoante as regiões e os grupos que a usam. Mas, também por isso, é uma das principais línguas internacionais do mundo.
É possível ter percepções diferentes quanto à unidade ou diversidade internas do português, conforme a perspectiva do observador.
Quem se concentrar na língua dos escritores e da escola, colherá uma sensação de unidade.
Quem comparar a língua falada de duas regiões (dialetos) ou grupos sociais (socioletos) não escapará a uma sensação de diversidade, até mesmo de divisão.

Unidade

Uma língua de cultura como a nossa, portadora de longa história, que serve de matéria prima e é produto de diversas literaturas, instrumento de afirmação mundial de diversas sociedades, não se esgota na descrição do seu sistema linguístico: uma língua como esta vive na história, na sociedade e no mundo.
Tem uma existência que é motivada e condicionada pelos grandes movimentos humanos e, imediatamente, pela existência dos grupos que a falam.
Significa isto que o português falado em Portugal, no Brasil e em África pode continuar a ser sentido como uma única língua enquanto os povos dos vários países lusofalantes sentirem necessidade de laços que os unam. A língua é, porventura, o mais poderoso desses laços.
Diz, a este respeito, o linguista português Eduardo Paiva Raposo:

A realidade da noção de língua portuguesa, aquilo que lhe dá uma dimensão qualitativa para além de um mero estatuto de repositório de variantes, pertence, mais do que ao domínio linguístico, ao domínio da história, da cultura e, em última instância, da política. Na medida em que a percepção destas realidades for variando com o decorrer dos tempos e das gerações, será certamente de esperar, concomitantemente, que a extensão da noção de língua portuguesa
Diversidade

A diversidade linguística que o português apresenta através do seu enorme espaço pluricontinental é, inevitavelmente, muito grande e certamente vai aumentar com o tempo.
Os linguistas acham-se divididos a esse respeito: alguns acham que, já neste momento, o português de Portugal (PE) e o português do Brasil (PB) são línguas diferentes; outros acham que constituem variedades bastante distanciadas dentro de uma mesma língua.
Consulte, a este respeito, o Fórum dos Linguistas.

Analfabeto funcional

É a denominação dada à pessoa que, mesmo com a capacidade de decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolve a habilidade de interpretação de textos e de fazer as operações matemáticas. Também é definido como analfabeto funcional o individuo maior de quinze anos e que possui escolaridade inferior a quatro anos, embora essa definição não seja muito precisa, já que existem analfabetos funcionais com nível superior de escolaridade

Níveis de alfabetização funcional

Existem três níveis distintos de alfabetização funcional, a saber:

  • Nível 1, também conhecido como alfabetização rudimentar, compreende aqueles que apenas conseguem ler e compreender títulos de textos e frases curtas; e apesar de saber contar, têm dificuldades com a compreensão de números grandes e em fazer as operações aritméticas básicas.
  • Nível 2, também conhecido como alfabetização básica, compreende aqueles que conseguem ler textos curtos, mas só conseguem extrair informações esparsas no texto e não conseguem tirar uma conclusão a respeito do mesmo; e também conseguem entender números grandes, conseguem realizar as operações aritméticas básicas, entretanto sentem dificuldades quando é exigida uma maior quantidade de cálculos, ou em operações matemáticas mais complexas.
  • Nível 3, também conhecido como alfabetização plena, compreende aqueles que detêm pleno domínio da leitura, escrita, dos números e das operações matemáticas (das mais básicas às mais complexas).

O Analfabetismo funcional no mundo

Já houve um tempo que a pessoa alfabetizada era aquele que sabia apenas assinar seu nome, contudo, o termo analfabetismo,criado em 1958 pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e tem seu significado relacionado a indivíduos desprovidos de condições suficientes para ler ou escrever um enunciado simples. Já o analfabetismo funcional, conceito também criado pela UNESCO em 1978, inclui pessoas com menos de quatro séries concluídas e refere-se a uma pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever algo simples, não tem as habilidades necessárias para viabilizar o seu desenvolvimento pessoal e profissional. Esse conceito está mais adequado a realidade econômica e tecnológica do mundo moderno.
Se formos analisar o que é ser alfabetizado ou não, devemos analisar também o contexto social, econômico e político do país, levar em consideração o processo de globalização e as novas tecnologias necessárias às novas formas de trabalho e comunicação, os quais quem não conhece é considerado analfabeto para a sociedade. Por exemplo, um indivíduo que não entende o mínimo na área de informática hoje em dia, dificilmente encontrará uma colocação mais favorável no mercado de trabalho. Portanto é uma espécie de analfabeto. O analfabeto digital.

O Analfabetismo 

O analfabetismo é um problema social cujas origens está na política implantada para atender durante séculos algumas parcelas da população. Não é à toa que veremos os piores índices justamente nos paises mais pobres. Historicamente dependentes.
Alfabetizar no nosso país sempre foi sinônimo de poder. Claro, afinal quem tem o conhecimento tem também os meios de decidir o que é melhor para si e para os outros dentro do seu território.Poder ler significa ter os meios de conhecer o mundo que o cerca.

Portanto, no Brasil, os portugueses resguardaram-se excluindo inicialmente o direito dos indivíduos de aprenderem. Mais tarde esse direito foi dado aos filhos dos nobres, indivíduos ligados à Coroa Portuguesa. As melhores escolas e universidades estavam fora do país, sendo que o povo não podia enviar seus filhos para o exterior.
Era vedado o acesso à leitura e a escrita mas com a Lei Saraiva(1882) vetou o voto do analfabeto, (critérios mantidos, alguns anos mais tarde, pela Constituição republicana de 1891).

O analfabetismo emergiu no Brasil como uma questão política, não como uma questão econômica. O analfabeto passou a ser alvo de interesse de políticos que buscavam programas capazes de ensinar o individuo a ler e escrever o mínimo, sem ter que refletir ou mesmo entender o que lia.

Os dados mostram que o analfabetismo de adultos está concentrado principalmente na faixa mais pobre da população. Erradicá-lo poderia representar um impacto positivo sobre a renda do trabalhador. Mas será que isso interessa aos ricos? Devidamente alfabetizado, transformado em um leitor costumaz, esse cidadão seria um questionador, conheceria seus direitos, teria o poder dado pelo saber e o acesso às boas vagas e os bons salários que ficam guardados para as classes mais abastadas.

A pluralidade e diversidade do Brasil e mesmo da Bahia deve ser levada em consideração por qualquer entidade que queira erradicar o analfabetismo.

Considerações Gerais

Ao falarmos em língua de sinais estamos a referir-nos a língua materna/natural de uma comunidade de surdos, isto é, uma língua de produção manuo-motora e de recepção visual, com vocabulário e gramática próprios, não dependente da língua oral, usada pela comunidade surda e alguns ouvintes, tais como parentes de surdos, intérpretes, professores e outros.

Aspectos comuns

Arbitrariedade: As línguas orais são majoritariamente arbitrárias, não se depreende a palavra simplesmente pelo sua representatividade, mas é necessário conhecer o seu significado. A iconicidade encontra-se presente nas línguas de sinais, mais do que nas orais, mas a sua arbitrariedade continua a ser dominante. Embora, nas línguas de sinais, alguns gestos sejam totalmente icônicos, é impossível, como nas línguas orais, depreender o significado da grande maioria dos sinais, apenas pela sua representação.

Comunidade: As línguas orais têm uma comunidade que as adquirem, como língua materna, cujo desenvolvimento se faz através de uma comunidade de origem, passando pela família, a escola e as associações. Todas as línguas orais têm variações linguísticas. Todas as línguas gestuais possuem estas mesmas características.

Sistema linguístico: As línguas orais são sistemas regidos por regras. O mesmo acontece com as línguas de sinais, conforme referenciado por Stokoe (1960).

Produtividade: As línguas orais possuem a características da produtividade e da recursividade, sendo possível aos seus falantes nativos produzirem e compreenderem um número infinito de enunciados, mesmo que estes nunca tenham sido produzidos antes. Acontece o mesmo com as línguas de sinais, sendo encontradas a criatividade e produtividade nas produções, por exemplo, da LGP, pelos seus gestuantes nativos, parecendo não haver limite criativo.

Aspectos contrastivos: As línguas orais possuem aspectos contrastivos, isto é, as unidades fonológicas do sistema de determinada língua estabelecem-se por oposições contrastivas, ou seja, em pares de palavras, em que a substituição de uma unidade fonológica (um fonema) por outra altera o significado da palavra (por exemplo: parra e barra). Acontece o mesmo nas línguas de sinais, sendo que em vez de unidade fonológica, muda um pequeno aspecto do gesto (por exemplo, na LGP: método e liberdade).

Evolução e renovação: As línguas orais modificam-se, como no caso das palavras que caem em desuso, outras que são adquiridas, a fim de aumentar o vocabulário e ainda no caso da mudança de significado das palavras. O mesmo acontece nas línguas de sinais, a fim de responder às necessidades que a evolução socio-cultural impõe (por exemplo, na LGP, os seis gestos de “comboio”, ou os gestos de “filme”).

Aquisição:A aquisição de qualquer língua oral é natural, desde que haja um ambiente propício desde nascença. Na língua gestual acontece de igual forma, não tendo o indivíduo surdo que exercer esforço para aprender uma língua de sinais, ou necessidade de qualquer preparação especial.

Funções da linguagem: As línguas orais podem ser analisadas de acordo com as suas funções. O mesmo acontece com as línguas de sinais. As funções são: a função referencial,a emotiva, a conotativa, a fática, a metalinguística, e a poética.

Processamento: Embora usando modalidades de produção e percepção, as línguas orais e de sinais são processadas na mesma área cerebral.

A Língua de Sinais – O Outro lado da moeda

Uma língua de sinais (português brasileiro) ou língua gestual (português europeu) é uma língua que se utiliza de gestos, sinais e expressões faciais e corporais, em vez de sons na comunicação. As línguas de sinais são de aquisição visual e produção espacial e motora. São as línguas naturais de cada comunidade de Surdos, ao redor do globo. Há no mundo muitas línguas de sinais usadas como forma de comunicação entre pessoas surdas ou com problemas auditivos. Muitas delas receberam reconhecimento oficial em vários países.

As Línguas de sinais no Mundo

Assim como entre os idiomas falados, é grande a variedade de línguas de sinais ao redor do mundo.

Muitos linguistas se dedicaram a estudar diferentes línguas gestuais, concluindo que estas apresentavam diferenças consideráveis entre si. Deve-se levar em conta que diferenças culturais são determinantes nos modos de representação do mundo. Assim, os surdos sentem as mesmas dificuldades que os ouvintes quando necessitam comunicar com outros que utilizam uma língua diferente.

Cada país tem a sua própria língua gestual. Tomando como exemplo alguns países lusófonos, vemos que utilizam diferentes línguas de sinais: no Brasil existe a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), em Portugal existe a Língua Gestual Portuguesa (LGP), em Angola existe a Língua Angolana de Sinais (LAS), em Moçambique existe a Língua Moçambicana de Sinais (LMS).

Além disso, da mesma forma que acontece nas línguas faladas oralmente, existem variações linguísticas dentro da própria língua de sinais, isto é, regionalismos e/ou sotaques. Essas variações se devem a ligeiras diferenças culturais e influências diversas no sistema de ensino do país, por exemplo. Há, inclusive, uma língua de sinais pretensamente universal, análoga ao Esperanto, conhecida como Gestuno, que é usada em convenções e competições internacionais.

A língua de sinais é ainda usada em situações em que pessoas sem quaisquer deficiências, ao nível da visão ou audição necessitam comunicar, sem poderem usar sons. Exemplos disso são a comunicação entre mergulhadores e certos rituais de iniciação entre aborígenes australianos, em que é proibido falar oralmente por um período de tempo.[carece de fontes]

Não se sabe quando as línguas de sinais se iniciaram, mas sua origem remonta possivelmente à mesma época ou a épocas anteriores àquelas em que foram sendo desenvolvidas as línguas orais. Uma pista interessante para esta possibilidade das línguas de sinais terem se desenvolvido primeiro que as línguas orais é o fato que o bebê humano desenvolve a coordenação motora dos membros antes de se tornar capaz de coordenar o aparelho fonoarticulatório. As línguas de sinais são criações espontâneas do ser humano e se aprimoram exatamente da mesma forma que as línguas orais. Nenhuma língua é superior ou inferior a outra, cada língua se desenvolve e expande na medida da necessidade de seus usuários.

Também é comum aos ouvintes pressupor que as línguas de sinais sejam versões sinalizadas das línguas orais; por exemplo, muitos acreditam que a LIBRAS é a versão sinalizada do português; que a Língua Americana de Sinais é a versão sinalizada do inglês; que a Língua Japonesa de Sinais é a versão sinalizada do japonês; e assim por diante. No entanto, embora haja semelhanças ou aspectos comum entre as línguas de sinais, devido a um certo contágio linguístico, as línguas de sinais são autônomas, não derivando das orais e possuindo peculiaridades que as distinguem umas das outras e das línguas orais.

A língua de sinais é tão natural e tão complexa quanto as línguas orais, dispondo de recursos expressivos suficientes para permitir aos seus usuários expressar-se sobre qualquer assunto, em qualquer situação, domínio do conhecimento e esfera de atividade. Mais importante, ainda: é uma língua adaptada à capacidade de expressão dos surdos. Por outro lado, a Língua de Sinais, embora seja a língua natural dos surdos, não é a língua materna de qualquer surdo.

A leitura labial

A leitura labial é uma técnica aplicada principalmente por surdos, em que sons e palavras emitidas pelo interlocutor são captadas pela leitura (interpretação) dos movimentos de seus lábios.

Estudos demonstram que mesmo o leitor labial mais experiente consegue captar apenas em torno de 50% do que se é dito. Boa parte de sua habilidade está ligada à sua capacidade de intuir o que esta sendo dito, completando o restante, proferido de maneira ilegível, ou mesmo naturalmente irreconhecível. Sons como “p” e “m”, “d” e “n” e “s” e “z”, podem ser facilmente confundidos entre si.

Alfabeto dactilológico

A difusão do alfabeto datilológico de uma só mão entre os ouvintes gerou a pressuposição de que esse alfabeto é a própria língua de sinais, que há uma única língua de sinais e que essa língua é universal. No entanto, o alfabeto dactilológico é apenas um suplemento das línguas de sinais, cuja função é a soletração de palavras das línguas orais, tais como, nomes próprios, siglas, empréstimos, etc.

De acordo com o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), o alfabeto dactilológico usado atualmente no Brasil é um conjunto de 27 formatos, ou configurações diferentes de uma das mãos, cada configuração correspondendo a uma letra do alfabeto do português escrito, incluindo o “Ç”.

É muito aconselhável soletrar devagar, formando as palavras com nitidez. Entre as palavras soletradas, é melhor fazer uma pausa curta ou mover a mão direita para o lado esquerdo, como se estivesse empurrando a palavra já soletrada para o lado. Normalmente o alfabeto manual é utilizado para soletrar os nomes de pessoas, de lugares, de rótulos, etc., e para os vocábulos não existentes na língua de sinais.

Os sinais de pontuação, tais como, vírgulas, ponto final e de interrogação, às vezes, são desenhados no ar. Preposições e outras classes de palavras de que a língua não dispõe são inseridas na sinalização por meio da datilologia, ou do alfabeto manual.

Características próprias das línguas de sinais

Kyle e Woll apontam algumas propriedades exclusivas das línguas de sinais, tais como o uso de gestos simultâneos, o uso do espaço e a organização e ordem que daí resultam. Assim, as línguas de sinais possuem uma modalidade de produção motora (mãos, face e corpo) e uma modalidade de percepção visual.

Embora existam aspectos universais, pelos quais se regem todas as línguas de sinais, a comunicação gestual dos Surdos não é universal. As línguas de sinais, assim como as orais, pertencem às comunidades onde são usadas, tendo apresentando diferenças consideráveis entre as determinadas línguas.

As línguas de sinais não seguem a ordem e estrutura frásicas das línguas orais, assim o importante não é colocar um sinal atrás do outro, como se faz nas línguas orais (uma palavra após a outra). O importante em sinais é representar a informação, reconstruir o conteúdo visual da informação, pois os surdos lidam com memória visual. As línguas de sinais possuem sua gramática própria, assim como as línguas orais possuem as suas, sendo elas totalmente independentes.

A Dactilologia

A dactilologia (português europeu) ou datilologia (português brasileiro) ou alfabeto manual é um sistema de representação, quer simbólica, quer icônica, das letras dos alfabetos das línguas orais escritas, por meio das mãos. É útil para se entender melhor a comunidade surda, faz parte da sua cultura e surge da necessidade de contacto com os cidadãos ouvintes.

Em geral, é um erro comparar o alfabeto manual com a língua gestual (no Brasil: língua de sinais), quando, na realidade, pois este é a anotação, por meio das mãos, das letras das línguas orais e dos seus principais caracteres.

Integração do surdo na sociedade

A pessoa surda tem mais dificuldades em adaptar-se ao mundo que o rodeia e à sociedade em que vive, do que uma pessoa ouvinte. Professores, estudiosos e os próprios surdos têm, ao longo do tempo, alcançando muitos êxitos na integração do surdo na sociedade

Clic Aqui e aprenda a Linguagem de Sinais on-line:

http://www.librasnet.com.br/shockwave/menu/menu.htm

Esta é uma gentileza do site:

Dicionário Libras

www.dicionariolibras.com.br/

A linguagem do Braille

A educação dos cegos

Foi no século XVIII que se iniciou, de forma sistemática, o ensino dos cegos. Valentin Haüy (1745-1822), homem de ciência e homem de coração, fundou em Paris, em 1784, a primeira escola destinada à educação dos cegos e à sua preparação profissional.

Homem de coração, Valentin Haüy teve a ideia de instruir os cegos depois de haver contemplado, na Feira de Santo Ovídio, em Paris, um espectáculo que o chocou profundamente.

Sobre um estrado, por conta de um empresário sem escrúpulos, dez cegos exibiam-se como fantoches.

Homem de ciência, influenciado pelas filosofias sensistas segundo as quais tudo vinha dos sentidos, Valentin Haüy entendeu que na educação dos cegos o problema essencial consistia em fazer que o visível se tornasse tangível.

Adaptou, pois, para o seu uso, os processos dos videntes. Aliás, Valentin Haüy foi o primeiro a defender o princípio de que, tanto quanto fosse possível, a educação dos cegos não deveria diferenciar-se da dos videntes.

Na sua escola, para a leitura, adoptou o alfabeto vulgar, que se traçava em relevo na expectativa de que as letras fossem percebidas pelos dedos dos cegos. Para a escrita (redacções e provas ortográficas), serviu-se de caracteres móveis. Os alunos aprendiam a conhecer as letras e os algarismos, a combinar os caracteres para formar palavras e números e a construir frases.

Tudo isso não passava de meros exercícios tipográficos, sempre condenados à destruição.

O problema da educação dos cegos só ficou satisfatoriamente resolvido com a invenção e adopção do Sistema Braille – processo de leitura e escrita por meio de pontos em relevo hoje empregado no mundo inteiro.

O Sistema Braille é um modelo de lógica, de simplicidade e de polivalência, que se tem adaptado a todas as línguas e a toda a espécie de grafias. Com a sua invenção, Luís Braille abriu aos cegos, de par em par, as portas da cultura, arrancando-os à cegueira mental em que viviam e rasgando-lhes horizontes novos na ordem social, moral e espiritual.

Luís Braille

Luís Braille era natural de Coupvray, pequena aldeia a leste de Paris, onde nasceu a 4 de Janeiro de 1809. Era o filho mais novo de Simão Renato Braille, o correeiro da localidade, e de Mónica Baron. Tinha um irmão e duas irmãs.

A sua vida foi uma vida humilde. Das mais modestas. Em 1812, quando brincava na oficina do pai, Luís Braille feriu-se num dos olhos. A infecção progrediu, transmitiu-se ao olho são, vindo o pequeno a ficar completamente cego algum tempo depois. Pouco deve ter conservado em termos de imagens visuais ou de recordações dos rostos e dos lugares que rodearam a sua infância.

Os pais souberam assegurar, da melhor maneira possível, a primeira educação deste seu filho cego. Sabe-se que Luís Braille frequentou a escola da sua aldeia, beneficiando assim do contacto com pequenos condiscípulos videntes. Sabe-se também que quando Luís Braille chegou à escola que Valentin Haüy havia fundado com carácter privado, e que, depois de ter passado por diversas vicissitudes, tinha então o nome de Instituição Real dos Jovens Cegos, sabia fazer franjas para os arneses. Este trabalho foi a base do desenvolvimento da sua destreza manual.

O pai de Luís Braille teve conhecimento da existência da Instituição Real dos Jovens Cegos, em Paris, e escreveu repetidas vezes ao director para se inteirar dos trabalhos que ali se realizavam e certificar-se de que eram verdadeiramente úteis para a educação do seu filho. Depois de algumas hesitações, decidiu-se pelo internamento.

Luís Braille deu entrada na Instituição em 15 de Fevereiro de 1819. Ali estudou e leu nos livros impressos em caracteres ordinários, ideados por Valentin Haüy. Era habilidoso, aplicado e inteligente. Carácter sério, dele também se pode dizer que era a honradez em pessoa. Espírito metódico e apaixonado pela investigação, nele predominava a imaginação criadora e a mentalidade lógica.

A partir de 1819 Luís Braille viveu uma vida de internado na Instituição dos Jovens Cegos, que foi para ele como que um segundo lar. Mas passava as suas férias em Coupvray e aqui residiu também todas as vezes que a doença o obrigou a prolongados repousos. Em Coupvray permaneceram os seus restos mortais desde 10 de Janeiro de 1852, já que a sua morte se verificou em Paris, a 6 do mesmo mês.

No centenário da sua morte, em Junho de 1952, representantes de quarenta países foram em romagem a Coupvray, ao túmulo de Luís Braille, e acompanharam a transladação do seu corpo para o Panteão dos Homens Ilustres. Era o reconhecimento da França, para quem o nome de Braille é um raio do esplendor da intelectualidade e do humanismo francês. Era a gratidão dos cegos de todo o mundo, para quem Braille, mais do que um nome, é um símbolo. Símbolo da emancipação conquistada, para todos os cegos, por um dos seus.

Da sonografia de Barbier ao sistema braille

No próprio ano em que Luís Braille foi admitido como aluno da Real Instituição, o capitão de artilharia Carlos Barbier de la Serre começou a interessar-se pela escrita dos cegos.

Numa outra fase desta evolução Barbier teve a ideia de designar as coordenadas dos seus símbolos sonográficos por certo número de pontos (indicativos da linha e da coluna a que o símbolo pertencia) colocados em duas filas verticais e paralelas. Assim, por exemplo, o sinal que estivesse em última posição na segunda linha seria representado por dois pontos na fila vertical esquerda e seis pontos na fila vertical direita.

Neste ponto da sua evolução a sonografia de Barbier estava concebida e realizada para que os videntes se entendessem no que concerne à escrita secreta por meio de pontos, que deviam fazer-se com o lápis ou a pena.

Mas, sendo Barbier capitão de artilharia, algum dia terá pensado na necessidade de os oficiais em campanha expedirem mensagens na obscuridade. Assim, em novo aperfeiçoamento, introduziu os pontos em relevo para ir ao encontro dessa necessidade. Barbier inventou um pequeno instrumento por meio do qual, com auxílio de um estilete, podiam gravar-se no papel todos os símbolos do seu sistema. E deu o nome de escrita nocturna sem lápis e sem tinta a esta sonografia mais aperfeiçoada. A escrita noturna podia até tornar possível decifrar mensagens no escuro, contando os pontos com os dedos.

O tacto acabou por aparecer como elemento essencial para a interpretação dos símbolos formados por pontos em relevo, que agora constituíam a sonografia de Barbier. Foi então que lhe ocorreu, não se sabe devido a que circunstâncias, pôr esta sonografia, ou escrita noturna , ao serviço dos cegos. Do ponto de vista psicológico, coube-lhe o mérito de evidenciar que a leitura por meio de pontos é mais adequada para o sentido do tacto do que as letras vulgares em relevo linear.

Em Março e Abril de 1821, depois de ter experimentado com alguns cegos, Carlos Barbier foi recebido na Instituição e apresentou a sua escrita noturna . Mas as grandes dimensões dos caracteres tornavam difícil conhecê-los ao primeiro contacto táctil e lê-los sem ziguezaguear com o dedo através das linhas.

Por outro lado, os princípios fonéticos em que o sistema assentava faziam dele, apesar dos seus méritos, um sistema pouco prático.

O sistema de Barbier nunca foi usado na Instituição, mas constituiu a base dos trabalhos que Luís Braille realizou por volta de 1825. Luís Braille reconheceu que os sinais com mais de três pontos em cada fila ultrapassavam as possibilidades de uma única percepção táctil. Tratou, pois, de lhes reduzir as proporções, de modo a obter sinais que pudessem formar uma verdadeira imagem debaixo dos dedos. Além disso, criou uma convenção gráfica, atribuindo a cada símbolo valor ortográfico e não fonético, em perfeita equivalência com os caracteres vulgares.

Aponta-se geralmente o ano de 1825 como a data do aparecimento do Sistema Braille, mas só em 1829 Luís Braille publicou a primeira edição do seu Processo para Escrever as Palavras, a Música e o Canto-Chão por meio de Pontos, para Uso dos Cegos e dispostos para Eles , a que deu forma definitiva na segunda edição publicada em 1837.

Na edição de 1829 há 96 sinais. Os sinais estão agrupados em nove séries de dez sinais cada uma e mais seis suplementares. Apenas as quatro primeiras séries correspondem ao sistema que atualmente conhecemos. As restantes séries combinam pontos e traços, aproveitando, pois, elementos dos métodos anteriores de escrita linear.

O Processo de 1829 proporcionou uma excelente base de experimentação. Sabe-se que por volta de 1830 o Sistema Braille se começou a empregar nas aulas para a escrita de exercícios. Esta feliz iniciativa fez com que se prescindisse dos sinais com traço liso, muito difíceis de escrever.

A edição de 1837 confirma o alfabeto e estabelece uma estenografia rudimentar, que evoca claramente a sonografia de Barbier. Normaliza a representação dos números, que vêm formados pelos sinais da primeira série precedidos do que ainda hoje conhecemos como sinal numérico . Os sinais de pontuação são representados com os sinais que constituem a atual quinta série.

A edição de 1837 contém ainda uma notação que, nas suas linhas essenciais, constitui o núcleo da musicografia braille dos nossos dias.

O triunfo do sistema braille

Era necessário um cego para imaginar um alfabeto táctil. E também foi preciso, em muitos sítios, o esforço perseverante dos cegos para impor o seu uso. Os professores e diretores de escolas especiais, quase sempre pessoas videntes, eram contrários à adoção de um alfabeto duro para a vista. Por isso, agarravam-se ao princípio de Haüy segundo o qual a educação dos cegos não deveria diferenciar-se da dos videntes, levavam esse princípio ao exagero e não renunciavam à leitura em caracteres comuns. Só o formidável impulso dos cegos que se serviam do alfabeto braille pôde obrigar os responsáveis pela sua educação a reconhecer os frutos que a aplicação deste alfabeto produzia nas escolas.

Coisa diferente aconteceu nos países ou regiões em que não era conhecido nenhum outro método de leitura e escrita para cegos. Foi o caso da América Latina, onde a história da educação das pessoas cegas começa com o Sistema Braille. A chegada do braille, o início da alfabetização e educação e também a criação de imprensas e bibliotecas para cegos foram fenômenos simultâneos.

Na França. – A Instituição Real dos Jovens Cegos, onde o Sistema Braille foi concebido e aperfeiçoado, demorou 25 anos a aceitá-lo de maneira definitiva. Aponta-se a data de 1854 como a da implantação do Sistema Braille em França.

Na Instituição era conhecido outro método de leitura para cegos. O diretor foi jubilado prematuramente e o novo diretor pretendeu voltar ao relevo linear, impondo-o no campo literário entre 1840 e 1850. Durante esses anos de eclipse o braille afirma-se na música (há obras impressas em que o texto literal aparece em caracteres ordinários em alto relevo e a música em notação braille) e os alunos e professores usam-no nas suas coisas pessoais.

NO BRASIL. – A data de 1854 pode também considerar-se como o ponto de partida da difusão do Sistema Braille fora da França. Nesse ano foi levada a cabo, na Instituição Real dos Jovens Cegos, a impressão de um método de leitura em língua portuguesa, registrado no Museu Valentin Haüy com o nG 1439.

Acontece que um rapaz cego, José Álvares de Azevedo, regressou ao Brasil depois de ter estudado durante seis anos em Paris. O Dr. Xavier Sigaud, médico francês que esteve ao serviço da corte imperial brasileira e pai de uma filha cega, Adélia Sigaud, conheceu-o e apresentou-o ao Imperador D. Pedro II, conseguindo despertar o seu interesse para a possibilidade de educar os cegos. O Dr. Xavier Sigaud foi o primeiro diretor do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamin Constant, inaugurado no Rio de Janeiro em 17 de Setembro de 1854.

EM PORTUGAL. – Adélia Sigaud estava em Lisboa por volta de 1885. É conhecida na história da tiflologia em Portugal como Madame Sigaud Souto . Aqui estava também, por essa altura, Léon Jamet, que era organista na igreja de S. Luís dos Franceses e havia estudado na Instituição de Paris.

A convivência com estes dois não videntes instruídos motivou, em 1887, um grupo de pessoas a fundar a Associação Promotora do Ensino dos Cegos.

Em 1888 a APEC inaugurava a sua primeira escola, que adotou a classificação de asilo-escola e tomou por patrono António Feliciano de Castilho em 1912, ao instalar-se em Campo de Ourique, em edifício próprio.

Branco Rodrigues (1861-1926) colaborou com Madame Sigaud Souto. Foi o primeiro grande impulsionador da valorização dos cegos em Portugal. Em 1896, depois de ter instruído alguns alunos na escola da APEC, criou uma aula de leitura e de música no Asilo de Nossa Senhora da Esperança, em Castelo de Vide. Em 1897, numa sala cedida pela Misericórdia de Lisboa, instalou outra aula de leitura. Fundou escolas que vieram a transformar-se no Instituto de Cegos Branco Rodrigues, em S. João do Estoril, e no Instituto S. Manuel, no Porto. Dotou essas instituições com bibliotecas braille, literárias e musicais, quer adquirindo livros impressos no estrangeiro, quer promovendo a sua produção por transcritores e copistas voluntários.

Além disso, com a colaboração de um habilidoso funcionário da Imprensa Nacional, fez as primeiras impressões em braille que apareceram em Portugal. A primeira impressão foi em 1898, de um número especial do Jornal dos Cegos , comemorativo do 4º centenário do descobrimento do caminho marítimo para a Índia.

NOS PAÍSES GERMÂNICOS. – A segunda edição do Processo , em 1837, foi confeccionada para dar a conhecer o Sistema Braille e assegurar a sua difusão no estrangeiro. Apresentava o Pai Nosso em seis línguas – latim, italiano, espanhol, inglês, alemão e francês -, com a correspondente versão em caracteres ordinários em relevo linear. Sabe-se que esta edição foi remetida a todas as escolas de cegos então existentes.

Mas nos países germânicos o Sistema Braille levou 40 anos a impor-se. Era acusado de erguer um muro entre os cegos e os videntes. Não se queria aceitar um processo que os videntes não podiam ler senão após um período de aprendizagem.

Uns estavam demasiado apegados à rotina e outros queriam ser também inventores. Por isso, o sistema original francês haveria ainda de sofrer um novo embate. Em Santa Maria de Leipzig, fazendo malabarismos com o braille, idearam um alfabeto no qual as letras com menos pontos correspondiam às letras mais usadas em língua alemã. Assim, a primeira série representava as letras e, m, r, u, i, l, p, g, d, f. O Congresso Internacional de Paris, em 1878, liquidou estas diferenças por grande maioria, inclinando a balança para o sistema francês. Assistiram representantes da Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Suécia, Suíça, Estados Unidos…

NOS ESTADOS UNIDOS. – De todos os países de línguas européias só os Estados Unidos da América se atrasaram muito em seguir este movimento. Na maior parte das instituições usavam-se os caracteres romanos juntamente com o New York Point ou Wait System . Neste sistema, o retângulo braille tinha três pontos de largura por dois de altura. O acordo apenas surgiu no Congresso de Little Rock, em 1910.

O braille original impunha-se pelas suas próprias virtudes.

O sistema braille e a vida dos cegos

O Sistema Braille é constituído por 63 sinais, obtidos pela combinação metódica de seis pontos que, na sua forma fundamental, se agrupam em duas filas verticais e justapostas de três pontos cada. Estes sinais não excedem o campo táctil e podem ser identificados com rapidez, pois, pela sua forma, adaptam-se exatamente à polpa do dedo.

Na leitura qualquer letra ou sinal braille é apreendido em todas as suas partes ao mesmo tempo, sem que o dedo tenha que ziguezaguear para cima e para baixo. Nos leitores experimentados o único movimento que se observa é da esquerda para a direita, ao longo das linhas. Não somente a mão direita corre com agilidade sobre as linhas, mas também a mão esquerda toma parte ativa na interpretação dos sinais. Em alguns leitores a mão esquerda avança até mais ou menos metade da linha, proporcionando assim um notável aumento de velocidade na leitura.

Dispondo de um processo fácil de leitura, o gosto pelos livros estendeu-se amplamente entre os cegos e ocupou um lugar importante na sua vida. À instrução oral sucedeu a instrução pelo livro. O conhecimento intelectual, sob todas as suas formas (filosofia, psicologia, teologia, matemáticas, filologia, história, literatura, direito…), tornou-se mais acessível aos cegos.

Os benefícios do Sistema Braille estenderam-se progressivamente, à medida que as aplicações revelavam todas as suas potencialidades. As estenografias tornaram a escrita mais rápida e menos espaçosa. As máquinas de escrever permitiram fazer simultaneamente todos os pontos de um sinal, em vez de os gravar um a um, com o punção. Enfim, obteve-se o interponto, graças a um sistema de precisão em que é possível intercalar os pontos do reverso de uma página com os do seu anverso.

Nos dias de hoje as novas tecnologias representam o mais espantoso contributo para valorizar o Sistema Braille, depois da sua invenção. A drástica redução de espaço proporcionada pelo braille eletrônico é exemplo disso. Um livro em braille com 2000 páginas de formato A4 pode ficar contido numa só disquete. Uma vez introduzido o texto desse livro no computador, o utilizador cego tem ao seu alcance toda a informação não gráfica disponível no ecrã, que pode ler através de um terminal braille.

Um outro exemplo é a facilidade de imprimir textos em braille. Introduzidos no computador, os textos podem ser submetidos a um programa de tratamento específico e sair numa impressora braille. Os textos assim tratados podem utilizar-se, quer na produção direta em papel, quer na produção de placas de impressão, conforme o número de exemplares a obter. A impressão de livros, permitindo a sua multiplicação, tem um efeito cultural considerável.

A utilização do sistema braille nos nossos dias

Não obstante as virtudes do Sistema Braille, não obstante a extensão dos seus benefícios, temos de reconhecer que nos nossos dias existe uma tendência para a menor utilização do braille e para o abaixamento da qualidade do braille que se utiliza. O alerta foi dado quando o uso dos livros sonoros se começou a generalizar, mas há outros fatores que igualmente explicam a crise. Entre estes fatores conta-se a exiguidade dos fundos bibliográficos braille, que podem eventualmente não corresponder às necessidades dos potenciais utilizadores. Em Portugal, por exemplo, a maior parte do braille que se produz é destinada ao ensino, designadamente aos estudantes que freqüentam o ensino regular.

A crise do braille também tem a ver com dificuldades inerentes ao próprio braille, sobretudo quando, como acontece atualmente entre nós, essas dificuldades são agravadas por um ensino mal orientado. Efetivamente, hoje em dia, durante a Escolaridade Obrigatória, os nossos estudantes cegos não são motivados para a prática do braille nem o conhecem em todas as suas modalidades. Lêem pouco, o processo de reconhecimento dos caracteres é lento e eles cansam-se depressa. Incapazes de ler a um ritmo satisfatório, fogem de utilizar os livros e manuais que já vão tendo ao seu dispor. Recorrem preferencialmente a textos introduzidos no computador, que ouvem com recurso à voz sintética, ou servem-se de leituras feitas por outrem, normalmente gravações em fita magnética (livros sonoros).

A falta de leitura direta reflete-se, naturalmente, na escrita, que é deficiente quanto ao braille e desconcertante quanto à ortografia.

Os livros sonoros e a informática são muito importantes para o desenvolvimento cultural dos cegos, mas nada poderá ou deverá substituir o braille como sistema base da sua educação.

Tal como a leitura visual, a leitura braille leva os conhecimentos ao espírito através de mecanismos que facilitam a meditação e assimilação pessoal daquilo que se lê. O braille permite estudar os quadros em relevo e ler eficientemente os livros técnicos. O braille é, ainda, o único meio de leitura disponível para os surdocegos. Por outro lado, a perfeição na escrita está relacionada com a leitura braille que cada um faz, pois é através dela que entra em contacto com a estrutura dos textos, a ortografia das palavras e a pontuação.

A qualidade do ensino do braille é decisiva para uma leitura destra e para a aquisição de hábitos de leitura. Se os alunos cegos, como as outras crianças, forem motivados para a prática normal e constante do seu método de leitura e escrita, a leitura será rápida e tornar-se-á também mais agradável e instrutiva, porque a atenção, menos requerida pelo trabalho de reconhecimento dos caracteres, irá mais em ajuda do pensamento. Ao acabarem de ler, as crianças e jovens cegos terão aprendido alguma coisa e estarão mentalmente dispostos a partir para novas leituras.

Ora, é a ler que se ganha e se desenvolve o gosto pela leitura. Só o gosto de ler garante que o processo de aquisição de cultura não se interromperá ao sair da Escola, apesar das vicissitudes do quotidiano. E não se pode ignorar a importância da cultura como fator de integração social, como instrumento de trabalho e como elemento de conscientização na vida das pessoas cegas.

É, pois, necessário rever a política até agora seguida pelo Ministério da Educação no que toca ao ensino dos alunos cegos, para que os passe a habilitar a ler e a escrever braille exactamente como os demais alunos são habilitados a ler e a escrever. Levar os jovens cegos a utilizar abusivamente meios que são complementares do braille, não lhes fornecer os livros em braille e outros materiais de que precisam e já existem ou é possível produzir, abandoná-los a si mesmos ou às condições que o meio familiar e a sua escola lhes dêem, equivale a comprometer seriamente, no dia de amanhã, as suas possibilidades de afirmação, tanto na vida profissional como nas atividades de lazer.

Você que deseja auxiliar um portador de deficiência visual siga estas instruções para baixar e utilizar o programa disponibilizado pelo Ministério da Educação:

Braille Fácil

O programa Braille Fácil permite que a criação de uma impressão Braille seja uma tarefa muito rápida e fácil, que possa ser realizada com um mínimo de conhecimento da codificação Braille. Através do Braille Fácil, tarefas simples como impressão de textos corridos são absolutamente triviais.

O programa é composto de

editor de textos integrador

editor gráfico para gráficos táteis

pré-visualizador da impressão Braille

impressor Braille automatizado

simulador de teclado Braille

utilitários para retoque em braille

utilitários para facilitar a digitação

O texto pode ser digitado diretamente no Braille Fácil ou importado a partir de um editor de textos convencional. O editor de textos utiliza os mesmos comandos do NotePad do Windows, com algumas facilidades adicionais. Uma vez que o texto esteja digitado, ele pode ser visualizado em Braille e impresso em Braille ou em tinta (inclusive a transcrição Braille para tinta).

A digitação de textos especiais (como codificações matemáticas ou musicais) pode ser feita com o auxílio de um simulador de teclado Braille, que permite a entrada direta de códigos Braille no texto digitado. O editor possui ainda diversas facilidades que agilizam muito a inserção de elementos de embelezamento ou o retoque de detalhes do texto Braille. É possível a criação de desenhos táteis através de um editor gráfico simples.

Como instalar a versão

Pegue aqui o Braille Fácil 3.5a

ou a penúltima versão estável: Braille Fácil 3.4

A instalação é bem simples: execute o programa que foi baixado. Normalmente não é preciso alterar nada no processo de instalação, devendo-se clicar simplesmente em “avançar” a cada confirmação pedida.

Instalação de impressoras que usam driver de impressão, em particular aquelas ligadas a USB:

instale o driver da impressora, antes de conectar a impressora.

conecte a impressora, ligue e deixe o driver fazer o primeiro contato com ela.

inicie o braille fácil e acione o menu de configurar impressora braille: informe o tipo e selecione a opção para ligação em PRN.

quando for imprimir, será aberta uma janela para escolha da impressora. Escolha aquela que corresponder ao driver que foi instalado.

configure também o número de linhas de impressão física como sendo um a mais do que o número de linhas da configuração de parâmetros de impressão, tanto no menu de configuração de impressora quanto nas chaves de configuração da própria impressora.

Nota:
Esta versão do Braille Fácil não permite a configuração física da impressora. Você terá que usar os botões da impressora para selecionar os parâmetros de impressão. Consulte o manual do equipamento para fazer esta configuração corretamente. Em particular,

Para antigos usuários do Braille Fácil: pode instalar em cima da versão 3.0 ou anterior, não há problema.

Pegue aqui o Manual do Braille Fácil

Pegue aqui o programa Monet

O Monet é um fantástico editor gráfico para produção tátil, cujo resultado é totalmente compatível com o Braille Fácil. É possível embutir ou incluir gráficos na página de textos, gerando um material final de grande beleza gráfica. O uso do Monet também viabiliza a criação de gráficos matemáticos simples com grande rapidez.

Pegue aqui o Manual do Desenhador Monet

Pegue aqui o Manual do antigo programa de pintura: Braille Pintor
Implementações introduzidas

O Braille Fácil 3.5a implementa o comando <F*> através do qual é possível embutir no texto, uma cópia da área de transferência ou arquivo de música proveniente do programa Musibraille, sendo também compatível com a geração de gráficos do programa Monet.

Clique aqui para conhecer os detalhes da implementação do Braille Fácil 3.1

Clique aqui para conhecer os detalhes da implementação do Braille Fácil 3.0
Equipe responsável pelo desenvolvimento

O Braille Fácil foi criado por

José Antonio Borges
Geraldo José Chagas Jr.

Projeto Dosvox
Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ
O Monet foi criado pela OSCIP Acessibilidade Brasil.

Guilherme Lira – Gerência de projeto:

Fabio Oshiro – Análise e programação

José Antonio Borges – Consultor
Suporte técnico especializado para a criação das versões 3.0 e 3.1

Ana Cláudia da Silva Carneiro – Chefe do Departamento de Imprensa Braille do Instituto Benjamin Constant

Minoru Nagahashi – Responsável pela Informática da Imprensa Braille da Fundação Dorina Nowill

Carlos Ferreira – Consultor técnico do Ministério da Educação – Portugal
Homenagens especiais

O Prof. Jonir Bechara da Comissão Brasileira de Braille, foi o principal impulsionador do desenvolvimento do programa Braile fácil, e em particular um dos principais motivadores pela criação da versão do transcritor do Braille Unificado Brasil-Portugal, tendo gerado as orientações técnicas mais relevantes sobre o processo de transcrição durante o desenvolvimento deste programa.

Um agradecimento especial ao grupo de transcritores e revisores do Instituto Benjamin Constant e da Fundação Dorina Nowill, pelas críticas construtivas e testes exaustivos do sistema. Graças a estes dedicados e competentes grupos foi possível a criação de um programa bastante robusto e que dá solução para um número enorme de dificuldades inerentes ao processo de impressão Braille.

Nosso agradecimento ao empenho do Analista de Sistemas Carlos Ferreira, pela paciência com que conduziu a especificação dos novos requisitos do Braille Fácil para que este atendesse às características diferenciadas da impressão Braille em Portugal.
Quem é o detentor dos direitos sobre o Braille Fácil?

Os direitos autorais do programa Braille Fácil pertencem ao Instituto Benjamin Constant.

Este programa foi produzido com recursos provenientes do FNDE para os projetos do Livro Didático em braille e dos Centros de Apoio Pedagógico do MEC – Brasil.

Os recursos para as melhorias da versão 3.1a foram obtidas através de um contrato de desenvolvimento com a Fundação Dorina Nowill.

O Braille Fácil é distribuído gratuitamente.

Clique aqui para conhecer o projeto CAP

Envie carta para Antonio Borges

Fonte: http://intervox.nce.ufrj.br/brfacil/

O Maior Literato Filosofo de Todos os Tempos

A Lei Natural

“XXII – A verdadeira lei é a reta razão em harmonia com a natureza, difundida em todos os seres, imutável e sempiterna, que, ordenando, nos chama a cumprir o nosso dever, e, proibindo, nos aparta da injustiça. E, não obstante, nem manda ou proíbe em vão aos bons, nem ordenando ou proibindo opera sobre os maus. Não é justo alterar esta lei, nem é lícito derrogá-la em parte, nem ab-rogá-la em seu todo. Não podemos ser dispensados de sua obediência, nem pelo Senado, nem pelo povo. Não necessitamos de um Sexto Aelio que no-la explique ou no-la interprete. E não haverá uma lei em Roma e outra em Atenas, nem uma hoje e outra amanhã, ao invés, todos os povos em todos os tempos serão regidos por uma só lei sempiterna e imutável. E haverá um só Deus, senhor e governante, autor, árbitro e sancionador desta lei. Quem não obedece esta lei foge de si mesmo e nega a natureza humana, e, por isso mesmo, sofrerá as maiores penas ainda que tenha escapado das outras que consideramos suplícios.” (De republica, III, 22).

Marco Túlio Cícero, advogado, orador, filósofo estóico, senador e escritor romano. O maior dos oradores e pensadores políticos romanos.

Cícero nasceu numa antiga família da classe eqüestre, duma povoação do interior do Lácio, a quem tinha sido dada a cidadania romana somente em 188 a.C., e que nunca tinha por isso participado na vida política de Roma.

O pai proporcionou aos dois filhos, Marco, o mais velho, e Quinto, uma educação muito completa, sendo que Marco Túlio Cícero, após ter aprendido na escola pública e ter chegado a maioridade, passando a vestir a toga virilis, foi entregue aos cuidados do célebre senador e jurista romano Múcio Cévola que o pôs a par das leis e das instituições políticas de Roma.

Durante a Guerra Social do princípio do século I a.C., 91 a 88 a.C., Cícero passou brevemente pela vida militar, passo necessário para poder participar plenamente na vida política romana, tendo estado presente numa campanha militar sob o comando do cônsul Pompeu Estrabão, pai de Pompeu o Grande.

Regressado a vida civil, começou a estudar filosofia com Filão, o Acadêmico, mas a sua atenção centrou-se na oratória que estudou com a ajuda de Molo, o principal retórico da época, e de Diodoto, o Estóico.

Cícero é considerado o primeiro romano que chegou aos principais postos do governo com base na sua eloquência, e ao mérito com exerceu as suas funções de magistrado civil.

“Que as armas cedam à toga, o triunfo militar à glória cívica.”

O primeiro caso importante que aceitou foi a defesa de Amerino, um escravo liberto, acusado de parricida por um favorito de Sila, nessa época ditador de Roma.

Esta ação corajosa levou-o a sair prudentemente de Roma, após a conclusão do pleito, tendo viajado durante dois anos, oficialmente para se restabelecer de uma doença.

Em Atenas reencontrou o seu colega de escola Pompónio Ático, com quem estabelecerá a partir daí uma longa, e muito célebre, Correspondência.

No Oriente concluiu a sua formação filosófica e retórica.

Regressado a Roma em 76 a.C. após a morte de Sila, começou a sua carreira política, sendo nomeado questor da Sicília no ano seguinte, província que governou com sucesso.

De regresso a Roma aceitou dirigir, em 70 a.C., o processo que a população da ilha intentou contra o pro-pretor da ilha, Verres, por corrupção.

Venceu o processo obrigando este a sair de Roma.

No ano seguinte, 69 a.C., cinco anos depois de regressar da Sicília, foi eleito edil e mais tarde, cumpridos os dois anos de intervalo entre magistraturas, foi escolhido para pretor, 66 a.C., discursando pela primeira vez a partir da Rostra – a antiga plataforma dos oradores no Fórum de Roma – em defesa da Lex Manilia, que pretendia entregar a Pompeu o governo de várias províncias orientais, como base para atacar o rei do Ponto, Mitríades VI Eupator, em luta contra Roma no norte da península da Anatólia, Ásia Menor.

No fim da sua actuação como pretor, decidiu concorrer ao consulado, tendo por isso recusado a nomeação para o governo de uma província do império, o pagamento normal para o exercício do cargo de pretor.

Foi eleito cônsul em 62 a.C., para o exercício do ano seguinte.

Nesse cargo conseguiu destruir a Conjuração de Catilina, tendo sido declarado Pai da Pátria por essa atuação em defesa das instituições republicanas.

Mas o regresso triunfal de Pompeu a Roma, e a institucionalização do primeiro Triunvirato, fez com que as ambições políticas de Cícero sofressem um rude golpe, fazendo com que voltasse às atividades forense e literária.

“Somente os idiotas se lamentam de envelhecer.”

Mas a atuação de um seu inimigo político, P. Clódio, que criticava a atuação de Cícero durante a conjuração de Catilina, devido a execução dos conjurados sem julgamento, fez com que abandonasse voluntariamente Roma em 58 a.C. e a Itália indo para o exílio na Grécia, por onde focou, até que se instalou em Tessalônica no norte da província, o que não impediu a votação de uma lei que o desterrava.

A perseguição de P. Clódio continuou, atacando a família mais próxima e as propriedades de Cícero, até que Pompeu interveio e conseguiu, com a ajuda de parentes e de amigos de Cícero, que o Senado se decidisse a chamá-lo do exílio.

Quando regressou, em 57 a.C., o Senado foi recebê-lo as portas da cidade, sendo a sua entrada quase uma procissão triunfal.

Seis anos mais tarde, em 51 a.C., devido a uma lei de Pompeu, que obrigava os senadores de nível consular ou pretoriano a dividirem as províncias vagas entre si, foi governar a Cilícia.

Aí, nas costas meridionais da Ásia Menor, antigo centro da pirataria do Mediterrâneo oriental, lutou vitoriosamente contra tribos rebeldes das montanhas, recebendo dos seus soldados o título de Imperador.

Demitiu-se e regressou a Roma por volta do ano 50 a.C., com intenção de reclamar a realização de um triunfo.

Mas o começo das lutas entre Pompeu e César, que deram origem a Guerra Civil, impediram a sua efectivação.

“Se ao lado da biblioteca houver um jardim, nada faltará.”

Foi o período mais crítico do ponto de vista moral e político da vida de Cícero.

Querendo manter-se neutral na feroz luta política da época tentou agradar aos dois campos, sem conseguir agradar a nenhum deles.

Mas manteve-se sempre mais perto de Pompeu, e do partido senatorial, do que de César, e do partido popular, e de facto acabou por se decidir, mas muito timidamente, pelo campo senatorial.

Após a batalha de Farsalia, 48 a.C., e a fuga consequente de Pompeu e a morte deste no Egito, recusou-se a comandar tropas e regressou a Roma, governada por Antônio enquanto representante pessoal de César.

Cícero passou então a dedicar-se integralmente a filosofia e a literatura, sendo desta época o tratado De Republica.

Os empréstimos feitos a Pompeu, naturalmente não pagos, empobreceram-no, tendo necessidade de pedir a assistência do seu velho amigo Ático, e de se divorciar da sua mulher, Terência, casando com Publilia, uma jovem de meios.

Nessa período, Túlia, filha do seu primeiro casamento, morreu, o que provocou o divórcio da sua segunda mulher, que não terá mostrado suficiente pesar pela morte da enteada.

Estes fatos provocaram a publicação de De Consolatione.

O assassinato de César em 44 a.C. trouxe-o de novo para o centro da actividade política.

Tentou recuperar a influência política, e a direção do partido senatorial, mas Antônio ocupou o lugar de Júlio César, e a Cícero só lhe restou escrever as orações contra o sucessor de César conhecidas como Filípicas.

A sua oposição a Antônio granjearam-lhe o interesse de Octávio.

Cícero não se deixou enganar pelo filho adotivo de César, e as resoluções do Senado contra Antônio tiveram origem nele.

Mas Octávio, eleito cônsul, chegou a acordo com Antônio e Lépido, antigo general de Júlio César, formando-se o segundo triunvirato.

Cícero retirou-se com alguns familiares para Túsculo, a sul de Roma.

Aí teve conhecimento que Octávio o tinha abandonado e que Antônio o tinha colocado na lista dos proscritos, uma declaração de morte.

Viajou para Fórmio, na costa adriática, com intenção de embarcar para a Grécia.

Mas acabou por ficar afirmando «Moriar in patria soepe servata» (Morra eu na pátria que tantas vezes salvei), o que aconteceu as mãos de soldados comandados por um seu antigo cliente.

Cortaram-lhe a cabeça e as mãos e, por ordem de Antônio, pregaram-nas na Rostra.

 

Clic e Baixe Da República:

http://www.youblisher.com/p/417472-Da-Republica/