A arte de desenhar

por Jéssica Santos

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Ser Grafiteiro

Grafiteiro é artista de rua. Homem ou mulher da pura manifestação underground. Com estilo e visões estéticas individuais. Assim, pelas ruas de Manaus grafiteiros antigos, novos, ligados ou não ao movimento hip-hop fazem o seu rolê.

Na rua, cada um desses artistas tem um pseudônimo escolhido por eles próprios, para representar a forma aguerrida com a qual provocam as autoridades para se expressar. Rogério Arab é um desses artistas de rua. “Arab” foi o pseudônimo escolhido por ele, principalmente por causa da cultura árabe, que admira. Cabelos longos, lisos e pretos, corpo magro, sorriso franco e uma tranquilidade pintada no rosto. Ele nos leva de volta aos anos 1980, quando entrou para o mundo da arte de rua.

Foi Peu, seu irmão mais velho, que o influenciou a pichar e, assim, foi deixando suas marcas pelas ruas a partir de 1989, aos 14 anos de idade, pichando os muros de Belém do Pará. O movimento já era grande e Arab e seu irmão faziam parte da “gangue”, assim como muitos outros jovens da sua terra natal. Quase dez anos depois, ele partiu para o grafite.

Arab e sua família vieram para Manaus. “Viemos para cá porque minha irmã se casou e veio morar na cidade, e também porque tivemos alguns problemas lá na época, então resolvemos ficar por aqui”, disse ele. Mas esse grafiteiro viu que a capital do Amazonas não tinha a cultura de se manifestar através da pichação e do grafite, então ele e outros iniciaram o movimento na cidade, por volta de 1995. A partir daí o grafite foi crescendo e aparecendo! Muitos jovens foram influenciados pela arte trazida por Arab e também começaram a desenhar por aqui.

Boné, cara de menino, sapatos grandes, bermudão e spray na mão. Leco foi um dos rapazes que começou a grafitar graças a Arab.  Vindo do Maranhão, ele se lembra de como entrou no mundo da arte: “Em 2001, vi o Arab na TV falando sobre uma oficina de grafite; fui lá e foi assim que comecei”. O rapaz faz a arte por lazer e garante: “faço grafite por gosto, não faço nada comercial e, por incrível que pareça, minha profissão é fazer a segurança do patrimônio público”, diz ele embaraçado.

Rogério Arab também não vive do grafite, mas ele diz: “Tudo que consegui até hoje veio da arte urbana; tenho um cargo na Prefeitura, sou chamado para solucionar problemas de vandalismo urbano e também produzo eventos culturais”. Arab ministra palestras em diversos eventos e ainda faz trabalhos artísticos de forma comercial, grafite comercial. “Hoje tento impor meu estilo, e até cobro mais caro por isso, afinal, estilo é uma coisa única; mas quando não dá, não tem jeito, tem que grafitar o que o cliente pede, e do jeito que pedir”.

Um rap tocando no aparelho de CD do carro e Arab explica porque ele, Leco e outros grafiteiros gostam desse tipo de som. “Ser grafiteiro é fazer parte de um grande movimento, é defender a arte urbana. E o som do rap é assim; geralmente traz um manifesto”. Ele faz questão de ressaltar: “No meu caso, já me identificava com o rap antes mesmo de conhecer a arte urbana”.

Diz-se que o grafite é uma forma mais elaborada de manifestação. Pichação é a assinatura da pessoa ou siglas de gangues. É uma maneira de ser visto, mas sem a elaboração e produção que se usa no grafite. Para Arab, a diferenciação entre pichação e grafite, feita pela sociedade em geral, é meramente estética: “Para nós, artistas urbanos, essas culturas são uma coisa só, pois tem o mesmo fundamento: deixar a marca, mostrar pensamentos, sentimentos e maneiras de ver a vida e a arte”.

Arab tem um estilo bem diferente do formato artístico dos outros grafiteiros. Vindo do Pará, trouxe a cultura marajoara consigo e a retrata em forma de grafite nos muros de Manaus. Sem muita informação sobre os estilos existentes, acabou criando um estilo próprio.

A arte marajoara, que inspira o artista, é uma produção artística, sobretudo em cerâmica, dos habitantes da Ilha de Marajó, no Pará, considerada a mais antiga arte cerâmica do Brasil e uma das mais antigas das Américas. Traços simétricos e símbolos geométricos fazem parte do estilo dessa arte tão tradicional. Arab costuma usar apenas as cores preta, branca e bege. “O meu estilo é único, reconhecido facilmente, enquanto os demais, apesar de diferentes uns dos outros, são iguais para quem não conhece essa arte urbana”, diz ele com orgulho.

Já Leco trabalha com o estilo das letras ilegíveis e supercomplexas de se fazer. “Sou reconhecido pelo wildstyle e tenho minha marca: sempre desenho o ‘e’ ao contrário e a segunda letra com uma cor diferente”, conta vaidoso.

E ser grafiteiro não é fácil! Tem que encarar o sol quente, o cheiro forte do spray, algumas pessoas que passam gritando “vai trabalhar!” e, às vezes, até a polícia. “Em 2002, eu e um amigo estávamos grafitando no nosso bairro, aí chegou a polícia e fomos pegos. Ficamos detidos um dia inteiro!”, revela Leco.

Leco leva para o muro que vai pintar um papel com o desenho já planejado, enquanto Arab prefere improvisar, criando seu desenho na hora ou durante o grafite. “Às vezes, o desenho sai sem nada a ver com o que eu queria fazer”, diz Arab achando graça. Assim, ele pára, olha o muro, pensa durante alguns minutos no que vai fazer e aí começa inesperadamente a desenhar. Retoca, corrige e acaba se mostrando perfeccionista.

Em Manaus, o grafite já toma conta dos muros e viadutos. Podem ser encontrados em qualquer lugar por onde você passe; mas os mais vistos e lembrados são aqueles que estão nas principais ruas da cidade. Avenidas e ruas bastante conhecidas são as molduras favoritas dos artistas. “Como artistas, queremos ter nosso trabalho apreciado por um grande número de pessoas”, diz Arab, para quem a pichação aparenta ser tudo igual, mas ela é basicamente a assinatura de uma pessoa, o bastante para identificar sua autoria.

A família de Arab é grande. “Meu filho mais velho fala ‘meu pai é o rei do grafite’, mas ele ainda é pequeno para se ligar nisso. Já a opinião de minha mãe era bem formada: no início, ela brigava muito comigo. Eu chegava a passar a noite fora de casa para estar com o pessoal do grafite; era muito rebelde. Mas fazia isso porque sempre acreditei muito no que faço”. Já a família de Leco sempre o apoiou: “Meus pais nunca tiveram nada contra eu fazer grafite; pelo contrário, sempre me deram a maior força!”

Como disse, o grafite está, muitas vezes, relacionado ao hip-hop. Arab e Leco são ligados ao movimento, mas não são “militantes”. Aliás, segundo Arab, “o movimento não vem mais influenciando tanto os grafiteiros, que hoje começam, na maioria das vezes, com pichação e depois vão partindo para trabalhos mais elaborados”.

Quanto ao jeito de se vestir, os grafiteiros são bem simples: shorts e sandálias de dedo. Mas Arab trouxe consigo o estilo do hip-hop: bermuda bem larga e sapatos grandes. Contudo, faz questão de dizer: “Uso bermudão porque sou muito magro e não gosto de usar nada apertado”.

Ele vem notando a transformação do grafite em Manaus. “Observo que o grafite vem crescendo; ninguém parou de grafitar. Subiu o nível técnico e novas pessoas vão aparecendo também, inclusive várias garotas. Tenho notado que essa arte gráfica está retornando às suas origens, buscando unir atitude e qualidade artística. Com isso, é de se esperar que a arte seja visionária e respeitada, mas sempre malcriada”, diz Arab.

Sorridente, ele não é tão simpático com todos que conhece. “Algumas pessoas ficam brigando por liderança porque adquiriram algum conhecimento sobre a arte. Esses caras querem ser mais do que são, pois eu tenho mais identidade com o movimento e não fico brigando para comandar”. Dessas pessoas, o artista prefere nem ter proximidade.

Já Leco nem liga para essas desavenças. “Falo com todo mundo, ou melhor, todo mundo fala comigo; algumas pessoas têm alguns conflitos pessoais, mas eu pessoalmente não tenho isso com ninguém”.

Mas grafiteiro gosta mesmo é de se reunir com os amigos e, assim, ir levando a vida, na tranquilidade e fazendo o que gosta. Sempre rodeados de cultura, Arab e Leco não ficam uma semana sem grafitar, em eventos ou simplesmente por lazer.

Ser cartunista

Cartunista é artista que traz alegria, com estilo de desenho que costuma ser caricatural. Também pode ser chamado assim quem faz quadrinhos de forma geral. Outro Rogério, o Romahs, é um cartunista de mão cheia! Faz todo tipo de desenho. É um desses caras ditos geniais. Gigante pelo tamanho do seu talento, Romahs é, na verdade, um cara simples, gente boa e com muitos sonhos para realizar.

Mas nem só de desenhar vive Romahs: “Sou roteirista e esse é meu diferencial, já que nem todo mundo que desenha cria. Já pintei painel, cenário para peça teatral, letreiro, cartazes, mas já fui até reprovado para fazer cartaz de supermercado!” O artista diz que aprendeu a fazer de tudo – charge, quadrinhos, cartum e caricatura. “Me forcei a aprender de tudo, porque o mercado é limitado e não queria perder oportunidades”.

Hoje, Romahs trabalha como cartunista no Jornal “A Crítica” e como roteirista da “Turma da Mônica”. O artista tem uma carreira sólida, mas batalhou muito para conquistá-la.

No início dos anos 2000, Romahs começou a fazer uma revista chamada “Ultra Lins”, da Fundação Nilton Lins. “Criávamos heróis pra o mercado local. As histórias se passavam em Manaus, então havia vilões atacando uma madeireira ou batalhando nas proximidades do Teatro Amazonas”. A revista chamou a atenção e Romahs foi indicado como melhor roteirista do ano, num prêmio oferecido pela revista especializada “Mundo dos Super-Heróis”. Na banca avaliadora estava ninguém menos que o editor da Maurício de Sousa Produções, Sidney Gusman. “Ele me conheceu graças a essa indicação e a uma coletânea de fanzines que lançamos, eu e meus amigos”, recorda.

Mas como Rogério Romahs Mascarenhas se tornou roteirista das histórias da Turma da dentuça? Foi lançada uma coletânea com artistas brasileiros redesenhando “A Turma da Mônica” do jeito que quisessem e entre eles estava o amazonense. O MSP 50 (Maurício de Souza por 50) surgiu para comemorar os 50 anos do trabalho de Maurício de Souza. A história de Romahs fecha o livro, contando a história de como Mônica ganhou Sansão e se tornou a menina corajosa e brava que conhecemos.

“Maurício de Souza fez questão de escolher a história que abriria e fecharia o livro. Fico feliz que ele tenha escolhido a minha para concluir a coletânea”, diz orgulhoso, Romahs. A primeira publicação do MSP 50 foi criada por artistas famosos; a segunda, com artistas de todo o país, e a próxima será apenas com histórias dos funcionários de Maurício de Souza, “ouro da casa”. E agora Romahs é um deles.

“Graças à coletânea MSP 50, eu pude conhecer o estúdio do Maurício e percebi que os roteiristas não estavam presentes ali. Então, perguntei ao Gusman, onde estão os roteiristas de vocês? E ele respondeu que, há alguns anos, o Maurício mandou todos trabalharem em casa, porque percebeu que assim eles criam melhor, trabalhando num ambiente seu”. Foi assim que Romahs se deu conta de que poderia escrever para a turminha sem sair de Manaus.

Alguns meses depois, escreveu uma história do personagem Piteco, enviou e entrou para o time! “Quando digo que sou roteirista da Turma da Mônica, as pessoas nem acreditam, até desdenham”, diz ele. Ele mesmo se confessa um pouco deslumbrado ao ver seu trabalho nas bancas. “Foi fantástico quando vi minha história publicada; você se imagina criança, lendo aquela revistinha e agora a criando!”.

Romahs já é um artista reconhecido, sem nunca ter saído de Manaus. “Trabalhar fora não está nos meus planos atuais. Me sinto muito bem trabalhando aqui, mas se a oportunidade surgir vou considerar. Se for interessante, quem sabe…”.

Parece que na vida deste artista uma coisa leva a outra. E como tudo começou? O parintinense se lembra da sua cidade com saudosismo: “A Parintins que eu conheci foi soterrada e construíram outra em cima. Sou de uma Parintins romântica, ‘interiorzão’ mesmo, com ruas amplas, barro, mato, lagoa. Era interior, mas eu estava plugado com o mundo pela TV e pelas revistas de HQ; sempre fui apaixonado por cinema, quadrinhos e desenhos animados”, recorda.

“Meus pais me viam como os artistas de Parintins, os artesãos do boi-bumbá. Estudei com o Irmão Miguel, um frei católico que tinha um ateliê onde ensinava a fazer esculturas de gesso, como muitos meninos da época. Aprendi muitas coisas, mas não era minha praia; meu negócio era desenhar”, diz ele, enfático.

Assim, o garoto percebeu que as oportunidades se encontravam em Manaus. “Vim para Manaus, estudar na Escola Técnica, que acabou sendo meu passaporte para aprender o que eu queria e aplicar o cartum”. Ali ele estudou várias coisas, mas o cartum aprendeu sozinho, observando e imitando.

Esperou uma oportunidade fazendo outras coisas, entre elas ser artista de rua. “Comecei assim, com os fanzines que vendia na rua; mais do que sustento, eu queria chamar atenção, mostrar meu trabalho”. E conseguiu. Os fanzines do pessoal dessa época, entre eles Rogério, foram publicados pela editora Valer, como uma coletânea.

Buscava emprego em algum jornal de Manaus. “Mostrei meu portfólio para o novo jornal da época, Jornal do Norte, e coincidentemente o então cartunista de lá estava saindo”, conta rindo. “O diretor do jornal achava que tínhamos combinado tudo”. Tentou trabalhar com publicidade, mas lá “não me tratavam com seriedade, como profissional, então voltei para o jornal. Eu não tinha um plano B, ou ia ser desenhista, ou… desenhista! Então, sempre me esforcei para ser bom no que faço. Convencer meus pais de que essa poderia ser uma profissão, e que poderia sustentar uma família desenhando bonequinhos, foi uma briga, não foi fácil!”.

Antes de conseguir uma carreira sólida e ser o artista requisitado que é hoje, Romahs ficou desempregado durante um tempo e ficava na parada de ônibus observando as pessoas. “Fiz um arquivo de imagens; adoro pesquisar um assunto para desenhar”.

Hoje, o mercado está mais aberto para os desenhistas, segundo Romahs. Pode-se pensar o mundo todo, por causa da internet. “Mandava meu fanzines para meus ídolos por correio, mas hoje posso enviar meus trabalhos diretamente para o e-mail de editoras. Hoje já nos tratam com seriedade. Nós, profissionais, devemos nos valorizar para valorizar também o trabalho do outro”. O artista ressalta que ninguém da área trabalha só com o mercado de Manaus, sempre procuram outras editorias fora do Estado.

Sobre os outros desenhistas, como os grafiteiros, Romahs fala que os considera bastante: “Respeito muito os artistas urbanos. Meu trabalho é parecido com o dos grafiteiros; um se inspira no outro, mas o trabalho dos pichadores eu acho chato!”

Romahs já não é um artista de rua e observa as pessoas que na teoria não “aproveitam” o mercado que existe e trabalham pelas vias da cidade: “Acredito que isso se trata de uma ideologia. Adriano Furtado, por exemplo, é um artista que tem outro objetivo, vende fanzines na frente de shoppings, faz desenhos pra camisetas, painéis. Acredito que é uma opção porque ninguém o está banindo do mercado”, diz Romahs.

Enquanto isso acontece, Romahs escreve seus roteiros e faz suas tirinhas para o jornal. “Bia e Luli” é a tirinha do artista que sai diariamente no Jornal “A Crítica”. As personagens são inspiradas na sua própria família. “Ela me inspira muito, mas fico por aí criando o tempo todo; tudo pode ser ideia para uma história”. No seu tempo livre, Romahs até foge dos desenhos: “Quando vou a uma festa de aniversário, algumas vezes pedem ‘desenha o rostinho das crianças?’, quando vejo, já tem uma fila delas esperando”, conta. Ossos do ofício, artista!

Ele já chegou longe? Pois saiba que Romahs tem muitos sonhos e o principal é ser autor de seus próprios produtos. “Ilustro livros dos outros; faço parte de uma equipe criativa, mas quero lançar um livro meu e 2012 será um ano decisivo”, diz Romahs.

Bom, ninguém duvida de seu potencial para realizar seus sonhos pessoais e instigar os nossos.

Uma resposta para “A arte de desenhar

  1. Demais a materia. Por favor, me de o contato de Arab. Obrigado.

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