O mundo mágico de Escher

M. C. Escher, Relatividade, 1953, litografia, 29,1 x 29,4 cm. The M.C. Escher Company B.V. Baarn, The Netherlands
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MARCELO GUIMARÃES LIMA*

Comentários sobre a exposição no CCBB do artista gráfico holandês

O paradoxo de um espaço delimitado, restrito ou confinado e, ao mesmo tempo, multiplicado, o infinito não como o formalmente ilimitado, mas como adição contínua de figuras ou elementos discretos, é o paradoxo do espaço em Escher, que nos remete à experiência singular da vertigem unida à… claustrofobia.

foto: Marcelo Guimarães Lima

O Mundo Mágico de Escher foi uma exposição apresentada no espaço do Centro Cultural do Banco do Brasil, na região central da cidade de São Paulo (em 2011). Aqui apontamos brevemente algumas características da arte de Escher e observamos certa ressonância entre a poética do artista holandês e o espaço arquitetural e urbano em São Paulo.

Sabemos que a forma geométrica é sempre o resultado de operações sistematizadas, de transformações das figuras. Assim, a imagem em Escher, na sua geometriatransformativa, nos remete ao paradoxo das equivalências e da multiplicidade, a unidade do diverso e a diversidade do idêntico, das reversões, circularidades e continuidades espaçotemporais ali onde a experiência comum apenas vislumbra o discreto, o sentido ou a trajetória única e o descontínuo ou isolado, e vice-versa.

As artes gráficas são as artes das superfícies ou dos planos. Sobretudo em algumas das litografias de Escher, elas adquirem uma densidade e presença análogas às da pintura. As artes gráficas (gravura, litografia, água-forte, aquatinta, xilogravura e técnicas ou disciplinas complementares) são artes de planos superpostos que transfiguram as superfícies e as luzes em transparências resultantes do diálogo entre sombras e luz em tensões complementares e equilíbrios variados.

Dia e noite, 1938, xilogravura, 39,2 x 67,8 cm. The M.C. Escher Company B.V. Baarn, The Netherlands

Vistos na penumbra da sala de exposições do Centro Cultural do Banco do Brasil em São Paulo, estes cinzas e negros adquiriam uma espécie de vibração quase “musical”. A questão dos ritmos visuais é, sem dúvida, central em Escher, e se relaciona com as questões centrais da imagem e da representação.

Para o artista peculiar e “inatual” que foi o gravador holandês em seu tempo, a questão da obra de arte se distinguia das questões “puramente” ou focadamente estéticas para centrar-se na investigação estrutural e estruturante da imagem e da representação como portas de acesso, por tensões e contrastes, ao ser e à realidade.

Foi necessário ao criador Escher a tenacidade e, de certo modo, o isolamento e a constante reiteração de uma busca particular e balizada, com todos os seus eventuais percalços, para a produção, em seus melhores momentos, de uma visão poética original, isto é: uma estética própria, capaz de transfigurar processos representativos e questões formalizantes em obras de arte singulares portadoras de uma emoção única, por meio da qual o método e a medida podem se revelar como fundamentos da nossa relação sensível e senciente ao real e a nós mesmos.

São Paulo, a cidade – labirinto, é pano de fundo ideal para a visão em labirinto de Escher. O contexto espacial e arquitetônico do edifício do Centro Cultural do Banco do Brasil no centro de São Paulo, reformado em 1927, de formas “ecléticas” (ambíguas, amalgamadas, heterogêneas) entre o Neoclássico e a Art Nouveau, reafirmava, na aparência, na configuração do espaço, ritmos e estruturas visuais, proporções e percursos, esta afinidade encontrada entre o artista e a cidade, em uma espécie de inusitado, discreto mas efetivo diálogo entre a obra de arte e a arquitetura.

Castrovalva, 1930, litografia, 53,6 x 41,8 cm. The M.C. Escher Company B.V. Baarn, The Netherlands

A lógica da imaginação em Escher se apresenta e se desenvolve como disciplina do olhar, como uma espécie de pedagogia da visão por meio da qual aprendemos a intuir nas superfícies e nos espaços que nos são habituais outras dimensões, outros contrastes, outros percursos do real e da subjetividade.

Edifício do Centro Cultural do Banco do Brasil, na região central de São Paulo (2011). Foto: Marcelo Guimarães Lima

*Marcelo Guimarães Lima é artista plástico, pesquisador, escritor e professor.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Salem Nasser Eleonora Albano Luiz Bernardo Pericás João Carlos Salles Lorenzo Vitral Mariarosaria Fabris Benicio Viero Schmidt Celso Favaretto Alexandre de Freitas Barbosa Walnice Nogueira Galvão Ronald Rocha José Costa Júnior Mário Maestri Paulo Nogueira Batista Jr José Dirceu Boaventura de Sousa Santos Alysson Leandro Mascaro Airton Paschoa Dênis de Moraes Gabriel Cohn Carlos Tautz Andrés del Río Milton Pinheiro Jean Marc Von Der Weid Luiz Carlos Bresser-Pereira Ricardo Musse João Sette Whitaker Ferreira André Singer Caio Bugiato Luiz Marques Eliziário Andrade Leda Maria Paulani João Carlos Loebens José Luís Fiori Chico Alencar Lincoln Secco Luiz Eduardo Soares Priscila Figueiredo Paulo Fernandes Silveira Manuel Domingos Neto Érico Andrade Annateresa Fabris Maria Rita Kehl Rubens Pinto Lyra Celso Frederico Lucas Fiaschetti Estevez Marcelo Guimarães Lima Leonardo Sacramento Claudio Katz Gilberto Maringoni Ronaldo Tadeu de Souza Paulo Capel Narvai Armando Boito Otaviano Helene José Micaelson Lacerda Morais Bento Prado Jr. Rodrigo de Faria Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Flávio Aguiar Liszt Vieira João Feres Júnior Antonino Infranca Gilberto Lopes Francisco de Oliveira Barros Júnior Ronald León Núñez Thomas Piketty João Adolfo Hansen Berenice Bento Julian Rodrigues Atilio A. Boron Luis Felipe Miguel Jean Pierre Chauvin Samuel Kilsztajn Osvaldo Coggiola Flávio R. Kothe Michael Roberts Matheus Silveira de Souza Daniel Costa Ricardo Fabbrini Valerio Arcary Alexandre de Lima Castro Tranjan Rafael R. Ioris Fernando Nogueira da Costa Fábio Konder Comparato Michel Goulart da Silva Henri Acselrad André Márcio Neves Soares Luiz Roberto Alves Ladislau Dowbor Eugênio Bucci Antônio Sales Rios Neto Dennis Oliveira Andrew Korybko Denilson Cordeiro Fernão Pessoa Ramos Luiz Renato Martins José Raimundo Trindade Marjorie C. Marona Tarso Genro Tales Ab'Sáber Kátia Gerab Baggio Francisco Fernandes Ladeira Marcus Ianoni Igor Felippe Santos Jorge Luiz Souto Maior Tadeu Valadares Eugênio Trivinho Eduardo Borges João Lanari Bo Alexandre Aragão de Albuquerque Ricardo Abramovay Henry Burnett Renato Dagnino Everaldo de Oliveira Andrade Yuri Martins-Fontes Daniel Brazil Ari Marcelo Solon Leonardo Boff Jorge Branco Leonardo Avritzer Chico Whitaker Marcos Silva Juarez Guimarães Antonio Martins Manchetômetro Carla Teixeira Remy José Fontana Elias Jabbour Vanderlei Tenório Michael Löwy Vladimir Safatle Slavoj Žižek Sergio Amadeu da Silveira Marilena Chauí Bernardo Ricupero Marcos Aurélio da Silva Francisco Pereira de Farias Marilia Pacheco Fiorillo Heraldo Campos João Paulo Ayub Fonseca Luciano Nascimento Vinício Carrilho Martinez Gerson Almeida Marcelo Módolo Sandra Bitencourt José Machado Moita Neto Afrânio Catani Paulo Sérgio Pinheiro Alexandre Juliete Rosa Plínio de Arruda Sampaio Jr. Bruno Fabricio Alcebino da Silva Ricardo Antunes Luís Fernando Vitagliano Paulo Martins Anselm Jappe José Geraldo Couto Eleutério F. S. Prado Luiz Werneck Vianna Bruno Machado Daniel Afonso da Silva

NOVAS PUBLICAÇÕES