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  • Custódio Coimbra: O poeta da fotografia fala ao Bafafá

    Da Redação em 03 de Abril de 2020    Informar erro
    Custódio Coimbra: O poeta da fotografia fala ao Bafafá

    Nascido em 1954, o fotógrafo Custódio Coimbra é apontado como uma referência da fotografia no Brasil. Com mais de 40 anos de carreira, registrou os principais acontecimentos da cidade e do país. Autodidata, chegou a cursar quatro faculdades, mas para a nossa sorte encontrou um porto seguro na fotografia. Além de exímio profissional de fotojornalismo, sua obra contempla imagens incríveis do Rio de Janeiro, quase que um poeta da natureza.
     
    Em entrevista ao Bafafá, Custódio faz uma radiografia da carreira e conta detalhes da profissão. Ele revela que possui um acervo de mais de 1,2 milhão de fotos e dá dicas para o melhor clique. “É preciso ter técnica, mas saber usar o coração também”. Questionado se tem alguma utopia, não pisca. “Vivo de utopias, sem elas eu morro. A utopia está em tudo”.
     
    Como foram sua infância e juventude?
    Eu nasci em 1954, ano em que Getúlio Vargas morreu. A minha infância foi no bairro Quintino Bocaiuva, na Zona Norte do Rio, ao lado dos meus quatro irmãos e uma irmã. Brincávamos na terra, de subir em árvores para pegar goiaba, soltar pipas, triângulo, bola de gude, futebol na rua descalço (riso). Meu mundo era ali, o máximo que circulava era quando ia ao médico na Beneficência Portuguesa, na Glória. Só frequentava a praia na Pedra de Guaratiba que já conhecia desde que estava na barriga da minha mãe (riso). Morei lá até os oito anos, quando me mudei para o Méier. A Zona Sul só fui descobrir mesmo quando adolescente.
     
    Chegou a estudar fotografia ou é autodidata?
    Nunca estudei fotografia. Sou formado em vestibulares (riso). Passei para engenharia na UFRJ em 1972. Não fiquei nem meio ano e fiz prova para música onde estudei um ano. Depois fui estudar belas artes no Fundão e finalmente Ciências Sociais no IFCS.
     
    Quando descobriu a vocação pela fotografia?
    Paralelo a isso, a fotografia já me acompanhava. Ainda em Quintino, com oito e nove anos, frequentava clubes de fotografias com meus irmãos. Aprendíamos ampliação, revelação, cromo. O laboratório fazia parte do kit do fotógrafo. Tinha que preparar as químicas. Eu era o mascote da turma. Ficava encantado com a imagem aparecendo numa luz vermelha. O grupo, chamado GRAFO (Grupo Amador de Fotografia) durou três anos, os meus irmãos foram casando e eu herdei o laboratório. Com 11 anos, ganhei uma máquina fotográfica Yashica e passei a fotografar. Nessa câmera eu podia dividir ao meio os filmes de 35 mm.
    Um dia, já com uns 15 anos, no colégio Metropolitano no Méier, rolou um concurso de fotografia. Isso ascendeu a chama e resolvi ir para a rua registrar cenas da cidade. Entre os lugares, Cinelândia, Largo da Carioca quando ainda estavam construindo o metrô. Era um desafio para mim. Sem saber nada de política, já tinha sensibilidade social.
     
    E o primeiro emprego?
    Eu comecei a fotografar cenas de rua. Saltava na Central e voltava caminhando até o Méier (riso). Semanalmente fazia um itinerário diferente. Fotografava pessoas e casas, sempre gostei do ser humano. Minha primeira foto foi publicada no O Globo, era um pessoal da tal Falange Patriótica, grupo de extrema direita, discursando na Cinelândia. Eu estava no Amarelinho e saí clicando. Achei que era um registro importante e fui à redação do jornal e doei a foto que acabou publicada (riso). Gostei e passei a oferecer fotos a jornais como O Pasquim, O Bondinho e O Repórter. Neste último, me ofereci para trabalhar de graça e posteriormente passaram a me pagar uma “mesada”. Dois anos depois fomos dispensados sob a alegação de contenção de despesa. Antes disso, tinha fotografado o Glauber Rocha três meses antes de morrer. Como eu tinhas as fotos eles me recontrataram e as publicaram como as últimas fotos do diretor baiano.
     
    No início dos anos 80 passei a trabalhar em jornais sindicais. Em 82, fui contratado pelo jornal Última Hora que estava sendo reformulado para atuar na campanha do Moreira Franco. Conheci todas as delegacias do Rio de Janeiro (riso). Paralelamente, recebi um convite do Jornal do Brasil para cobrir os fins de semana. Até que um dia saí na capa do JB e acabei demitido da Última Hora (riso). Aí eu liguei para o Jornal do Brasil e eles me disseram que tinha aberto uma vaga e que eu estava sendo contratado por eles (riso). Fiquei no JB de 84 a 89 até ser admitido no O Globo um ano depois onde estou até hoje. Tive a sorte, de cara, de cobrir a Copa do Mundo da Itália de 90.
     
    No período no JB qual foi a foto que mais te destacou?
    Foi no velório do Tancredo Neves, no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. Ganhei o respeito de toda a classe fotográfica, pois fui o único fotógrafo que conseguiu fotografar um tumulto que resultou na morte de cinco pessoas.
     
    E no O Globo?
    Uma delas foi a visita do então presidente da União Soviética Michael Gorbatchov à Rocinha. Nesta ocasião, você Ricardo, então correspondente da Rádio Itatiaia no Rio, estava junto com teu próprio carro. Saímos em cortejo perseguindo o líder soviético. Outra foi na eleição de 89, em Passo Fundo, no RS, o Collor participava de uma carreata ele foi vítima de uma “ovação” que atingiu a comitiva.
     
    Como foi a introdução da cor nos jornais?
    No O Globo aconteceu em 1990. Até 92, apenas a primeira página era em cores e o miolho em PB. A gente tinha que decidir na rua se a foto iria para a primeira página ou não. Tinha que trocar o filme (riso). Tentaram usar o cromo, mas viram que não dava, pois era específico para revistas.
     
    O que pesa mais na hora de fotografar? O coração ou o olhar?
    Você atinge o coração pelo olhar. É preciso ter técnica, mas saber usar o coração também.
     
    Como foi a transição para o digital?
    Foi um pouco traumático, porque de repente você perde a tua história física. Eu fui um dos últimos a mudar para digital no O Globo. Resisti enquanto pude. A mudança começou em 2001 e só adotei o digital em 2003.
     
    E o que fez com os negativos?
    Eu tenho mais de 1,2 milhão de fotos guardadas em casa, entre PB, negativo e cromos.
     
    E gostou adotar o digital?
    Claro, antes tínhamos que nos conter em qualquer tipo de cobertura. Você saía fotografando até a chapa 15. Dali tinha que parar, pois o filme era só até 36 fotos. Isso limitava, pois você corria o risco de ficar sem filme. Com o digital passei a fazer filmes com fotografias. Incorporei outro ensinamento. Acaba que o processo final é o mesmo, o equipamento é que é diferente. Hoje tudo é digital, inclusive o analógico. O digital permite ter um arquivo muito maior. A fotografia tinha grãos, o digital é quadrado, isso muda o resultado final de quem vê.
     
    Você acompanhou a evolução da fotografia?
    Acompanhei toda a evolução da fotografia. Tive sempre o mais avançado para trabalhar. Tive muitas vezes que improvisar para a foto chegar até a redação. A minha experiência mostrou que fazer um trabalho sobre determinado tema pode ter uma semana ou um mês ou pode durar 10 ou 20 anos. Tenho um acervo enorme de transportes, menores de rua, questões de saúde, hospitais. Sempre gostei de fazer tudo.
     
    E fotografar a natureza, também é jornalismo?
    Para mim tudo é jornalismo. Dentro do fotojornalismo faço fotos de arte. O pintor parte da tela em branco e constrói a sua pintura, o fotógrafo parte do caos e tem que sair limpando para dar a essência da informação. Uma foto de um grito de dor pode ter arte também. O futebol também. É um momento que você crava.
     
     
    Alguma sugestão para uma boa fotografia?
    Ação e olhar é a dupla. Mas, tem de ter intuição e paciência. A fotografia é captar o sincronismo da vida, tornar visível o invisível. A experiência pesa, mas eu fazia boas fotos quando não tinha (riso). Apertar o dedo é um desafio, é usar a máquina como a maior arma que pode ter numa guerra. O fotógrafo não se aposenta. Não tem idade, cor, sexo, nem classe. Essa mágica é ótima.
     
    Como você vê uma experiência como o Jornal Bafafá que completou 18 anos?
    O Bafafá para mim é como o jornal O Repórter. É um ponto de fuga para pensar e viver. Daqui a 50 anos o Bafafá vai ser lembrado.
     
    Tem alguma utopia?
    Vivo de utopias, sem elas eu morro. A utopia está em tudo.
     
    Entrevista concedida ao editor da Agenda Bafafá, Ricardo Rabelo.
    Março de 2020


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