O Processo de extinção da antiga feira livre de Feira de Santana e a construção do Centro de Abastecimento 1975- 1976.

 

 Edson Campos[1]

 

Resumo: Elemento que ajudou no desenvolvimento econômico-social da cidade de Feira de Santana, a feira livre que deu nome a mesma e que surgiu no século XVIII irá passar, com a implantação da modernidade, a partir da dos finais da década de 1960 de aspecto tradicional da paisagem, a um elemento que, segundo o discurso da modernidade, enfeiava e emperrava a urbanização do centro da cidade. Nesse contexto vemos em Feira de Santana a implantação do CIS – Centro Industrial do Subaé – em 1970, nasce daí um ideal modernizante a partir da industrialização, no qual se busca quebrar a imagem de cidade comercial atrasada, e cria-se um ideário de cidade modelo, com uma estrutura moderna impulsionada pela industrialização. Nesse ponto, busca-se uma nova urbanização do centro da cidade de Feira de Santana na qual a antiga feira livre que tomava boa parte das atuais avenidas Getúlio Vargas e Senhor dos Passos, bem como ruas adjacentes nos 3 dias em que a feira se dava, não teria mais lugar. O projeto do Centro de Abastecimento surge como forma de relocar a feira e liberar o centro da cidade para a circulação de carros e pedestres nas principais avenidas e ruas do centro urbano de Feira de Santana. Buscaremos aqui analisar alguns pontos desse processo: suas origens, implantação como ideário, embates, conflitos e concretização, trazendo para o debate alguns fatos e questões relevantes desse fato histórico.

PALAVRAS-CHAVE: Feira de Santana; Feira livre; Modernização; Centro de Abastecimento

 Introdução

O presente trabalho busca analisar de forma sucinta o processo de“relocação” da antiga feira livre da cidade de Feira de Santana que tinha seus aspectos tradicionais advindos desde o final do século XVIII. Esse processo estava inserido dentro de outro processo macro, onde a modernização era palavra chave no contexto regional baiano desde o início da década de 1950.

 

Para tal, buscando um enfoque materialista histórico, procuramos dividir o trabalho a partir de uma abordagem contextual sócio-econômica, analisando questões históricas pertinentes como sociedade senhorial, a modernização e seus discursos, e a implantação de uma nova lógica de mercado capitalista da cidade de Feira de Santana.

 

Da feira de Sant’ana à Feira de Santana (contexto histórico geral)

Impossível é falar do desenvolvimento do comércio no Brasil e na Bahia, sem falar das feiras livres, que em muito marcaram, não só pelo seu comércio, mas pelo aspecto cultural que elas ganhavam em algumas regiões. Responsáveis pela fundação e o desenvolvimento de algumas cidades na história do mundo, as feiras livres tem sim uma relevância histórica quando procuramos as “raízes” do desenvolvimento comercial, quando estudamos sobre o abastecimento de algumas regiões em tempos passados, e, quando estudamos como essas formas de comércio foram gradativamente substituídas por uma nova lógica de mercado implantada pela modernidade.

 

A história da cidade de Feira de Santana é um grande campo para estudarmos alguns dos processos históricos supracitados. O próprio nome da cidade já denuncia. Feira de Santana se desenvolveu historicamente pelo elemento comércio, especialmente o comércio de gado que, por sua vez, desenvolvera a grande feira livre que ajudou a dar nome à cidade. Desde os finais do século XVIII com o gradativo desaparecimento da feira de gado do Capuame[2], na parte norte do recôncavo, o povoado de Santana dos Olhos D’Água e a região se desenvolveram em torno de duas feiras que aconteciam simultaneamente uma vez por semana, uma de gado e outra livre.  

 

Esses dois elementos conviveram (em boa parte do tempo dissociados) até a segunda metade do século XX. Porém desde o século XIX a região abrigava a mais importante feira de gado da Bahia e a maior feira livre do interior, a antiga localidade (fazenda) na qual se desenvolveu Feira de Santana que por sua vez se originou da freguesia de São José das Itapororocas teve assim um desenvolvimento ímpar na história do Estado, diferente do recôncavo, e da região cacaueira, por exemplo, que tiveram seu desenvolvimento marcado pela produção de gêneros visando à exportação (açúcar e cacau), Feira de Santana se desenvolveu a partir do comércio, com relações proto-capitalistas próprias e com características diferentes das regiões supracitadas.

 

A sociedade senhorial que nasceria dessas relações comercias, obviamente tirava proveito, e com certeza o seu poderio do comércio de gado que se instalou na região, basicamente, em todo período provincial e até a primeira metade do século XX (já com a república) a classe de proprietários de fazendas de criação de gado se converteria numa classe importante no campo econômico-social da cidade que se formou.

 

Traçando um breve histórico do desenvolvimento da cidade e da sociedade senhorial que se formou em Feira de Santana observamos que por conta da sua localização estratégica (ponto de encontro de estradas que ligavam o sertão a capital e ao recôncavo, especialmente à cidade de Cachoeira) e por suas condições naturais (bons pastos e fontes de água), Feira de Santana a partir do século XVIII se torna ponto de parada de tropeiros que traziam gado das regiões do São Francisco, do sudoeste baiano, e até de outras províncias como o Piauí para Salvador e o recôncavo. Rapidamente se desenvolvem em torno da região várias fazendas de criação de gado, mulas, cavalos carneiros e porcos, estas, por sua vez introduzem culturas de alguns gêneros alimentícios como a mandioca o milho e o feijão para a subsistência.

 

Os senhores que se instalaram na região tiravam proveito dessa localização estratégica, muitas vezes compravam o gado magro que era submetido a longas viagens a preços baratos, os engordavam em suas fazendas, depois os remetiam para os principais “mercados” compradores, Salvador e Recôncavo.  

 

Segundo Poppino, à medida que a população da paróquia crescia, o interesse pela agricultura tornava-se mais pronunciado, esse interesse explica-se pelo fato não só da subsistência, mas também da possibilidade de se negociar os gêneros na então pequena feira livre que acontecia às terças-feiras em torno da capela de Santana. Como a localidade era ponto de parada de tropeiros que transitavam do litoral ao sertão os  médios e grandes proprietários rurais da paróquia encontraram um empório fácil para seus produtos agrícolas. Para irem ao encontro desse mercado muitos fazendeiros puseram-se a cultivar maiores áreas de suas terras.

 

Em seu texto, Poppino nos dá uma síntese de como se deu o incremento da agricultura na região, bem como se desenvolveram as formas de trabalho naquela sociedade senhorial: 

 

Em resultado do incremento na agricultura, surgiram na paróquia duas classes distintas de trabalhadores rurais, escravos e livres. Os lucros ganhos com a venda da farinha, do feijão e do milho fizeram com que os fazendeiros mais ricos importassem escravos para lavrar a terra. Os escravos, todavia, representavam um grande empate de capital e muitos proprietários rurais preferiram alugar pequenas faixas de terra virgem aos trabalhadores livres, em número cada vez mais crescente. Ordinariamente, nenhuma soma em dinheiro entrava nessas transações. O fazendeiro recebia uma percentagem especificada da colheita, em pagamento pelo uso da terra. Em certas ocasiões, os meeiros podiam candidatar-se à compra da área da terra que cultivavam. (POPPINO. p.61)

 

Observamos a partir daí que a sociedade senhorial que caracterizou a região de Feira de Santana em seus primórdios utilizava-se de dois tipos de força de trabalho, os escravos e os “meeiros” que gozavam do usufruto dos meios de produção na propriedade do senhor e em troca lhes deviam obediência (e certamente trabalho extra no reduto senhorial quando o senhor necessitasse), e eram obrigados a pagar uma percentagem in natura pela colheita dos gêneros que cultivavam.

 

Vemos a partir disso que as relações de paternalismo com certeza existiram como existiram em boa parte da sociedade brasileira até o período republicano com o coronelismo. Alguns dos senhores que viveram na região de Feira de Santana e que distribuíram terras aos meeiros com certeza cobravam obediência aos seus “protegidos” por deixar estes cultivarem seus produtos e levarem à feira, e também votos quando as instituições republicanas e os processos eleitorais surgiram.  

 

Porém, não devemos supervalorizar a capacidade produtiva, nem tampouco as rendas obtidas por essas famílias de meeiros (nem de alguns escravos que possivelmente poderiam tiram proveito da chamada brecha camponesa[3]) em suas transações comercias, pois a região sofria secas em anos distintos, e a maior parte da produção, assim como grande parte do gado vindo de outras regiões, caía nas mãos de atravessadores que aferiam os maiores lucros com a venda dos produtos. Nesse ponto, é interessante notar que a atuação dos atravessadores pode desmistificar a idéia de um “mercado interno” na região, que afluía para Cachoeira e Salvador, pois em certa medida, a maioria do gado que caía na mão desses atravessadores se destinava às fazendas de engorda, e não iam diretamente para Salvador e Cachoeira, principais mercados compradores.

 

Certamente essas relações de trabalho e de comércio não sofreriam grandes transformações até o final do século XIX, e mesmo a introdução das culturas do fumo e de algodão na região –ainda no século XVIII- não alterariam a organização do trabalho naquela sociedade senhorial, nem tampouco seriam capazes de alterar a marcha do desenvolvimento econômico da região que orbitava em torno das feiras livre e de gado.

 

Também, não supervalorizando a feira livre, mas entendendo que ela era uma das principais fontes de abastecimento de toda uma grande região no século XIX atraindo comerciantes e consumidores do recôncavo e de outros locais do interior, não devemos nos esquecer que para os senhores que tiravam a sua maior renda do comércio de gado, a feira livre era um elemento secundário, que ajudava a atrair potenciais compradores de gado, cavalos, carneiros, etc. Notadamente a feira livre de Feira de Santana vai ganhar mais notoriedade e importância no século XX, é quando  a feira ganha mais importância para o abastecimento da cidade, cresce, se desenvolve e, posteriormente entra em choque com um projeto de modernização implantado por um ideário que nasce a partir do início de uma proto-industrialização que vai acontecer em Feira de Santana a partir  da década de 1960. 

 

Desenvolvimento e Transição de regimes: Modernidade X Tradição, e a implantação do Centro de Abastecimento (Contexto específico).

 

De pequeno arraial do século XVIII a localidade é erigida a vila em 1832, incluindo territórios desmembrados da grande comarca de Cachoeira. Cria-se, mesmo que precário, um aparato administrativo- Casa de Câmara, Cadeia, etc. Desloca-se a antiga feira de gado para o campo das Gameleiras (região que abriga atualmente o Fórum Filinto Bastos), e, data-se também desse período a deslocação da antiga feira livre que acontecia na praça e ruas que ficavam em frente à Igreja de Santana, a feira aconteceria a partir daí na região onde hoje abriga as avenidas Getulio Vargas e Senhor dos Passos, local mais espaçoso, que ficava mais próximo dos prédios municipais, e que convergira no centro da cidade, lembra-se aqui que esse local, e seus entornos abrigariam a tradicional feira livre de Feira de Santana até a década de 1970 do século XX.

 

A partir do avanço do século XIX a vila cresce impulsionada pelo comércio em suas feiras, em 16 de junho de 1873, por força de lei provincial, formou-se a Cidade comercial de Feira de Santana, nome que atestava o caráter e o potencial comercial da cidade.

 

Ainda sobre o desenvolvimento de Feira de Santana no século XIX consta do recenseamento de 1872 que a cidade abrigava na época, 32.955 habitantes e, certamente nos dias da feira livre essa população crescia substancialmente. Esses fatos ajudam a entender a dinâmica do desenvolvimento e do crescimento populacional da cidade, além do próprio crescimento vegetativo, comerciantes se estabeleciam, e famílias migravam atrás de oportunidades.

 

O crescimento e desenvolvimento da região no século XIX seguramente foi um processo importante para o interior, Feira de Santana, indiretamente viria a contribuir para o desenvolvimento de algumas regiões circunvizinhas, bem como outras regiões mais longínquas do território baiano. Esse fato é importante para entender como a cidade, já nas primeiras décadas do século XX, desbanca o recôncavo em importância econômica, e, ainda, com a construção da BR 324 no governo de J.J Seabra se insere num projeto de modernização da Bahia, e de quebra e/ou desestabilização dos tradicionais redutos senhoriais da capital,  do recôncavo e do sertão.

 

Em um levantamento feito pela prefeitura em 1956 aponta-se a existência de 154 logradouros, dos quais, 10 avenidas e praças pavimentadas a paralelepípedos, 82 ruas, 13 travessas becos, a essa altura uma “proto-urbanização” dá novas feições à cidade mais ainda não se registra nenhum choque com aspectos da feira livre. Ela sobreviveria mesmo aos 303 veículos a motor para passageiros e 561 para cargas, 9 hotéis e 57 pensões. A feira associou-se às lojas de artigos manufaturados e de luxo, parte para a revenda no interior e parte importada para Salvador. Isso mostra que e a feira livre até então não tinha entrado em choque com os interesses de uma classe dominante de comerciantes e de produtores de gado da região, que em certa medida aproveitavam – se dos dias de feira para fazer negócios e oferecer serviços

 

Entretanto, Feira de Santana iria assistir há um processo de modernização de fato muito depois da implantação da república, apesar de se configurar como a segunda maior cidade do Estado (desbancando Cachoeira e o recôncavo), só é a partir da década de 1960, na chamada quarta fase da república na Bahia, que a cidade começaria a se modernizar, algumas indústrias se implantam na cidade e em 1970 é criado o CIS- Centro Industrial do Subaé, local que abrigaria indústrias do sul-sudeste do país, bem como algumas multinacionais instaladas em Feira a partir de uma política de atração e de isenção de impostos ocorrida até os dias atuais. 

 

A partir da criação do CIS cria-se um esforço modernizador por parte da classe política e dominante da cidade, poderíamos dizer essa classe era heterogênea, formada por elementos que compunham uma “burguesia” que se desenvolveu com o comércio, e com elementos advindos da antiga ordem senhorial, que como já dissemos via a feira como um elemento secundário.

Na visão destes, Feira de Santana teria que se tornar uma cidade modelo para o interior baiano e para o nordeste. A classe dominante da cidade acreditava que a expansão  econômica do município seria assegurada pela industrialização. Ao lado dessa expansão supostamente impulsionada pela indústria, há a difusão de um  ideário desenvolvimentista que fincaria raízes na cidade por mais de uma década.

 

Esse esforço modernizador criaria um embate com a tradicional feira livre e os seus aspectos tradicionais abrindo assim o debate sobre a histórica feira livre e os caminhos para a extinção da mesma que muitos diziam ser “medieval”, anti-higiênica e vergonhosa para a segunda maior cidade da Bahia. Obviamente isso era uma ataque do discurso modernizador que queria justificar a extinção da feira e a implantação de novas formas de abastecimento estas dialogando com a modernidade.

 

Como bem dissemos, um ideário modernista nasce em Feira de Santana com o CIS- Centro Industrial do Subaé, a gradativa implantação de indústrias do centro-sul do país e de capital estrangeiro na cidade faz nascer na classe dominante política e em alguns feirenses menos abonados uma idéia de progresso meio “jucelinista”, era preciso modernizar, transformar o que era arcaico num curto espaço de tempo, (e a construção do Centro de Abastecimento foi um exemplo disso[4]) nessa perspectiva a feira livre com seus feirantes, desde os mais abonados vendedores de artefatos de couro até os mais simples vendedores de frutas era o alvo.

 

Na gestão do prefeito José Falcão da Silva 1972-1976, mais do que a idéia, nasce o projeto de “relocação” da feira para outra área onde seria construído o Centro de Abastecimento, fonte de críticas do poder público, que queria liberar e modernizar o centro da cidade, e de parte da população que assistia os transtornos que a feira trazia(barracas, sujeira, fechamento de ruas, etc) a feira passa ser demonizada por alguns setores políticos sociais e da imprensa local.

 

Em 1970, com a criação da Fundação Universidade de Feira de Santana – FUFS – através da Lei Estadual nº 2.784, de 24 de janeiro de 1970, a educação superior ganha novo rumo na cidade, e é aberto o caminho para a implantação da UEFS- Universidade Estadual de Feira de Santana (1976), primeira Universidade do interior. Esse fato é importante para entendermos não só a importância da cidade no contexto baiano da época, mas como o ideário de urbanidade e o esforço modernizador ganha contornos. Na visão da classe dominante, Feira de Santana agora teria a sua pujança assegurada não só pela sua proto-industrialização, mas por uma intelectualidade local que nasceria com a Universidade.

 

Lebra-se que há esses tempos a feira havia se agigantado tomando não só o prédio do Mercado Municipal, as avenidas Getúlio Vargas e Senhor dos Passos como também ruas transversais a essas avenidas, a tão defendida industrialização não traria uma quantidade substancial de empregos formais para a população (como até hoje não traz) que via na feira uma possibilidade de trabalho informal. Ademais, comerciantes da zona rural de Feira e de outras cidades como São Gonçalo dos Campos, Ipirá, Coração de Maria dentre outras traziam as suas mercadorias para serem vendidas, e pessoas dessas mesmas localidades circunvizinhas à Feira de Santana vinham não só fazer compras, mas usufruir de alguns serviços. Não era uma feira livre de um só dia como acontece em algumas cidades interioranas da Bahia até hoje. A feira livre de Feira de Santana acabava se estendendo por três dias, dos Sábados às Segundas- Feiras.

 

O acesso de comerciantes de outras regiões como Jacobina, Muritiba, Xique-Xique dentre outras, era favorecido pela localização estratégica de Feira de Santana, que se configura no maior entroncamento rodoviário do nordeste, fato que facilita os transportes de mercadorias e a locomoção de pessoas para Feira que é até hoje um entreposto comercial para mercadorias vindas de regiões como a do São Francisco.

 

O que aparentava ser três dias de “anarquia” no centro da cidade, seguia uma certa organização harmônica, a feira era distribuída em oito quilômetros quadrados, na verdade, a feira era dividida em  feiras menores: de um lado da praça João Pedreira encontrava-se a feira da banana; do outro lado a de carne-de-sol e toucinho; num trecho da rua Marechal Deodoro havia uma feira de móveis; noutro a de peixes secos e cereais; no fim da avenida Getulio Vargas a de madeira (portas, janelas, ripões, etc.); em frente a Igreja Senhor dos Passos, os camelôs e suas confecções baratas. Ruas eram fechadas para os carros, transeuntes se misturavam com pessoas que vinham de diferentes lugares vender e comprar mercadorias,  outras que iam só “bater papo e deixar o tempo passar”, e aos lojistas do centro que aproveitavam o movimento par lucrar, muitos desses ficariam temerosos com a remoção da feira daquele local.

 

Mais do que seus aspectos econômicos a feira trazia no seu bojo um aspecto sócio-cultural, no ano de 1975 começaria a construção do Centro de Abastecimentos e os debates nos meios populares e da imprensa sobre a construção do Centro e a relocação da feira. Em meio às discussões e indagações dos fatos o jornal Tribuna da Bahia em reportagem de 21 de agosto de 1975, traz uma reflexão sobre a feira livre de Feira de Santana que confirma o caráter econômico-sócio-cultural da mesma:

 

De fato, antes de ser um fato econômico – tão importante que o nascimento da cidade e seu desenvolvimento vieram em conseqüência dele -, a feira livre de Feira de Santana é um fato social com características especiais: tem gente que vai para a feira para não fazer nada, simplesmente para estar lá para vivê-la. “A população vive a feira, e nesse caso o viver a feira é mais uma atitude que uma necessidade econômica, esclarece Fernando Pinto.

A feira não envolve apenas a comercialização dos produtos, o confronto entre vendedor e comprador em torno da mercadoria exposta, mas atua como agente social de amplo significado para a unidade regional. Ali, as pessoas de todas as cidades da região se encontram, trocam informações, dão noticias, reecontram-se, separam-se. E neste caso a feira age como importante canal de comunicação social regional consolidando uma unidade socioeconômica entre as populações de Feira e demais cidades sobre sua influência.  CAMPOS, José. A grande Feira. Tribuna da Bahia. Salvador p.9 cad.2. 21 de agosto de 1975.

 

Entretanto, não adiantaram as diferentes visões, certezas e receios da época, a modernidade impunha a extinção da antiga feira, e não podemos perder de vista nessa análise que a modernidade e o capitalismo impunham também, direta ou indiretamente um novo modo de fazer compras, uma nova lógica de mercado, e uma quebra ou desestabilização de tradição que era forte, fazer compras na feira livre. Numa cidade capitalista moderna, os supermercados (como os de rede Paes Mendonça instalados em Feira de Santana na segunda metade da década de 1970) seriam as principais fontes de gêneros alimentícios e mercadorias diversas, daí talvez possamos entender de uma forma crítica porque o Centro de Abastecimento de Feira de Santana foi construído numa área de terreno irregular[5] e não visível às pessoas que chegavam à cidade, justamente numa cidade tão plana e que oferecia na época outras opções de terreno.

 

O Projeto “Cabana” que deu origem ao Centro de Abastecimento de Feira de Santana teve a sua primeira parte concluída em 07 de novembro de 1976 em meio à campanha política para sucessão à cadeira de prefeito, no mesmo ano começariam a remoção dos feirantes para o novo local, onde a tradicional feira livre de Feira de Santana iria ganhar novos aspectos, seria uma “feira” que aconteceria seis dias na semana, num local reservado. Porém a história mostraria que as promessas eram falhas, o novo local não era tão economicamente viável assim, e foi fonte de descaso em governos subseqüentes.

 

Nos dias atuais algumas feiras de bairro como as do Sobradinho, Estação e Cidade Nova sobrevivem em Feira de Santana em meio a uma proliferação de super e hipermercados onde os produtos industrializados das grandes marcas são postos a venda, todavia o capitalismo fez com que a maioria das pessoas (sobretudo as novas gerações) perdessem o costume de ir às feiras fazer compras de produtos típicos como tapioca, beiju, etc, e isso seguramente foi uma ação projetada, uma mostra de que, mais do que influir em aspectos econômicos de uma determinada região, as relações capitalistas pós modernas influem diretamente em aspectos culturais e originais de um povo.

 

Análise Documental.

 

A nossa principal fonte para a criação deste artigo foram a primeira e a segunda páginas do jornal Feira Hoje de 07 de novembro de 1976, data em que é inaugurada a primeira fase do Centro de Abastecimento de Feira de Santana.

 

O jornal que era o principal periódico da cidade de Feira de Santana na época traz uma reflexão sobre a inauguração do Centro de Abastecimento. No meio de uma disputa eleitoral para o cargo de prefeito (que no ano de 1976 ocorreu em 15 de novembro), a reportagem procura se mostrar isenta, porém não traz nenhuma crítica sobre o caráter eleitoral da obra. Primeiramente lembra o discurso oficial:

 

Nasceu da necessidade de desenvolvimento e do melhoramento urbano da cidade, com a preocupação de transformar a antiga e tradicional feira livre num ambiente em que a qualidade e a conservação dos produtos sejam preservadas, garantindo ainda ao feirante, um local condigno para o exercício de seu trabalho. ALENCAR, Helder. A feira começa mudar seu aspecto tradicional. Feira Hoje. Feira de Santana, p.1. 07 de Novembro de 1976.

 

Entretanto a reportagem mostra certas indagações que na época pareciam bastante pertinentes, perguntava-se: se o empreendimento seria capaz de absorver a grande gama de comerciantes; se o povo iria conseguir se adaptar a fazer compras em outro local; se o empreendimento seria capaz mesmo de acabar com o comércio informal no centro da cidade; etc.

 

Na nossa análise, esse discurso que pretende se mostrar “em cima do muro” e que na verdade enfatiza mais o empreendimento em si, não fazendo nenhuma crítica sobre a perda de um patrimônio e um aspecto histórico da cidade é pobre, e no fundo acaba corroborando com o desejo da classe dominante em acomodar as tensões sociais que se criaram em torno do caso.

 

Ora, como dissemos à cima, a construção do Centro de Abastecimento vem no bojo da implantação da modernidade e o surgimento de novas formas comerciais que seriam implantadas, a reportagem em momento algum cita esses fenômenos que faziam parte do contexto da época.

 

Lembra-se que os jornais de uma forma geral têm um caráter informativo, mas também podem abrir espaços para a crítica e a reflexão de alguns fatos que permeiam a sociedade e uma localidade. A fonte analisada é pobre e ausente de críticas mais profundas.

 

Conclusão.

 

Ao longo desse artigo procuramos analisar o processo histórico que acabou com a Feira livre da cidade de Feira de Santana, que tinha seus aspectos tradicionais advindos desde o século XVIII, e foi um importante vetor para o desenvolvimento da cidade e de toda uma região, para tal, buscamos implantar na nossa abordagem o método materialista-histórico dialético, trazendo elementos importantes para a discussão da temática.

 

As feiras se mostram como uma grande possibilidade de estudo no campo da história, não só pelo seu aspecto econômico, mas pelas características sociais que elas carregam. Combatidas por uma nova lógica capitalista moderna esses elementos que até bem pouco tempo eram responsáveis pelo abastecimento de algumas regiões estão se extinguindo.

 

Estudar a extinção das feiras num contexto de criação de uma nova lógica de mercado moderna, não é tarefa fácil, talvez tenha faltado nesse pequeno trabalho enfatizar mais questões relativas a esse fato. Todavia, dentro do tempo e dos recursos disponíveis achamos, para um primeiro momento, o resultado (trazer um olhar crítico do processo histórico estudado) satisfatório.

 

As perspectivas que se abrem a partir desse estudo são interessantes. Observar como a modernidade se implanta e os ditames que ela coloca no contexto da república na Bahia para além de Salvador e Recôncavo são assuntos carentes de observação. Talvez esse trabalho nos abra uma possibilidade para que no futuro trabalhemos melhor a temática.

 

Todavia com esse trabalho esperamos ter contribuído para o olhar de um fato histórico ainda pouco estudado: A extinção da antiga feira livre de Feira de Santana.        

 

 

Fontes Escritas:

Jornal Feira Hoje. Feira de Santana 07 de novembro de 1976, p.1

Jornal Tribuna da Bahia. Salvador 21 de Agosto de 1975 p.9, cad. 2.

 

Indicações:

GAMA, Joaquim Gouveia da. Pequena História de Feira de Santana. In: Feira de Santana – Seu Passado. UEFS.2000.

 

MOREIRA, Vicente Deocleciano. A Feira está morta. Viva a Feira. In: Projeto Memória da Feira Livre de Feira de Santana, 1984. p.09

 

MOREIRA, Vicente Deocleciano. Projeto Memória da Feira Livre de Feira de Santana– Segunda fase texto n° 2. In: Revista Sitientibus. Feira de Santana n° 14 págs. 205 a215. 1996.

 

POPPINO.E Rollie: Feira de Santana. Editora Itapuã. Salvador 1968.

 

SANTOS, Alane Carvalho. A integração de Feira de Santana no processo de industrialização baiana: O Centro Industrial do Subaé. In: Feira de Santana nos tempos da modernidade: o sonho da industrialização. Salvador; UFBA, 2002.  

 

SANTOS, Alane Carvalho. Desenvolvimento, Civilização e Modernidade: O sonho da industrialização em Feira de Santana. Salvador; UFBA, 2003.

 

 

    

 


[1] Edson Campos, estudante do 7° semestre do curso de licenciatura e bacharelado em história da UCSAL- Universidade Católica do Salvador.

 

[2] A feira de gado do Capuame ficava nas proximidades da atual cidade de Dias D’Ávila, terras que desde o século XVI pertenciam à Casa da Torre, data-se dessa época e local a primeira feira de gado da Bahia. Essas terras foram gradativamente tomadas por plantações de cana e outros centros de comércio de gado começaram a se desenvolver, dentre estes Nazaré, Conceição de Feira e Feira de Santana que mais tarde se tornaria o principal centro de comércio de gado da Bahia. (Ver POPPINO, pág. 55).

[3] Utilizamos aqui o termo “brecha camponesa” corroborando com alguns historiadores da escravidão como João José Reis (no livro Negociação e Conflito) que comprovam que alguns escravos em algumas regiões na antiga sociedade senhorial escravista brasileira tinham acesso restrito a alguns meios de produção, principalmente terra, e que poderiam trabalhar uma ou duas vezes por semana nesta para aferir o seu sustento, parte do excedente poderia por ventura ser negociado em feiras livres. Acreditamos que esse fato, em certa medida, pode ter acontecido também na região de Feira de Santana.

 

[4] Menos de um ano, do início das obras até a conclusão da primeira fase.

[5] Parque Manoel Matias