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Usos e abusos do artigo 246 da Lei das S.As.
Não se deve admitir que acionistas comprem ações da companhia e abram processo contra o controlador por atos praticados antes da aquisição dos papéis
Nelson Eizirik
Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio ‎| Ilustração: Julia Padula

O artigo 246 da Lei das S.As. prevê que a sociedade controladora deverá reparar os danos que causar à companhia controlada quando praticar atos de abuso do poder de controle, cujas modalidades principais estão exemplificadas nos artigos 116 e 117 da mesma lei. A ação de responsabilidade (judicial ou arbitral) contra o controlador pelos prejuízos causados à companhia pode ser proposta, em primeiro lugar, pela própria companhia, na condição de prejudicada direta por tais atos. Porém, como o acionista controlador, de modo geral, não tem interesse em aprovar essa deliberação em assembleia geral, a Lei das S.As. também previu, no parágrafo primeiro do artigo 246, a possibilidade de a ação ser ajuizada pelos acionistas minoritários da companhia lesada. Trata-se da chamada “ação social ut singuli”, em que o acionista minoritário busca a restauração do patrimônio da companhia, reduzido por ato ilegal do controlador. 


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A ação social proposta pelo minoritário para haver reparação dos danos causados pelo controlador pode ser apresentada: 1) por acionistas titulares de ações que representem pelo menos 5% do capital da companhia (ou percentual menor, previsto na Instrução CVM 627); ou 2) por acionista titular de qualquer participação social, desde que preste caução pelas custas e honorários devidos caso a demanda seja julgada improcedente. 

Como o acionista minoritário, no caso, está agindo no interesse da companhia, uma vez que seu prejuízo é indireto, a Lei prevê um “prêmio” para a sua atuação: a sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas do processo, pagará honorários de advogado de 20% e prêmio correspondente a 5% ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização (parágrafo segundo do artigo 246). A Lei das S.As., portanto, visa a incentivar o “enforcement” privado ao prever a legitimidade extraordinária dos acionistas minoritários para representarem os interesses da companhia. 

Por outro lado, deve-se evitar a proliferação das chamadas “strike suits”, durante algum tempo largamente adotadas nos EUA por investidores e advogados que procuravam falhas no comportamento da administração de uma companhia para depois comprar ou tomar emprestadas ações de sua emissão e iniciar uma ação contra ela, seus administradores ou acionistas controladores. Tais ações judiciais eram, de modo geral, encerradas mediante acordos em que a companhia comprava as ações dos autores da demanda por preços muito superiores aos de mercado. 

O artigo 246 da Lei das S.As. visa conciliar dois interesses: incentivar os acionistas minoritários indiretamente prejudicados por atos dos controladores a pedirem a reparação dos danos sofridos pela companhia, mediante prêmios aos autores da ação e seus advogados; e desestimular a propositura de “strike suits”, por caracterizarem atos de abuso da minoria, de modo a encontrar um equilíbrio entre permitir que minoritários proponham a ação de responsabilidade contra o controlador sem estimular comportamentos oportunistas daqueles que a promovem apenas para a obtenção dos prêmios. 

Os acionistas indiretamente prejudicados pelos atos ilegais dos controladores são apenas aqueles que já estavam na companhia à época de sua prática. Não se deve admitir que acionistas comprem ações da companhia e ingressem com demandas contra o controlador por atos praticados antes de tal aquisição, o que premiaria comportamentos oportunistas. Trata-se do princípio da “propriedade contemporânea”, que deve ser também aqui adotado. A nosso ver, permitir que qualquer investidor, já sabendo dos fatos que pretende reputar abusivos, adquira ações de uma companhia para, em seguida, iniciar um processo judicial ou arbitral teria o efeito que a Lei pretendeu evitar, pois estimularia a adoção de abusos da minoria e a propositura de ações de reparação de danos sem fundamento no interesse social.”  

*Nelson Eizirik é sócio do escritório Eizirik Advogados. 

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