Wilson Baptista, o poeta da imagem

Emílio Moura por Wilson Baptista, 1939. O poeta aparece desenhando uma caricatura de Cyro dos Anjos
Emílio Moura por Wilson Baptista, 1939. O poeta aparece desenhando uma caricatura de Cyro dos Anjos

Wilson Baptista é um fantástico personagem de Belo Horizonte. Fotógrafo , grande parte de seu acervo reúne algumas das mais belas imagens da capital mineira das primeiras décadas – incluindo aí aquela em que viviam os modernistas.

Nascido em 1913, em Belo Horizonte, advogado, Baptista ficou viúvo aos 80 anos. Aos 95, casou-se novamente. Morreu em 2014, deixando oito filhos, além de mais de 20 netos e bisnetos.

Em homenagem a Wilson, publicamos um texto do jornalista João Pombo Barile, além de fotos de escritores, gentilmente cedidas por seu filho, Paulo Baptista.

Cyro dos Anjos com filha ao piano por Wilson Baptista, 1940. Cyro é autor de um dos livros fundamentais da literatura brasileira,
Cyro dos Anjos com filha ao piano por Wilson Baptista, 1940. Cyro é autor de um dos livros fundamentais da literatura brasileira, “O amanuense Belmiro”

“Próximo de completar um centenário de vida no próximo mês de julho, o fotógrafo Wilson Baptista não é, nem de longe, o protótipo do velinho aposentado, melancólico ou cabisbaixo e que fica em casa reclamando do mundo. Pelo contrário. Entusiasmado, sempre feliz, ele adora conversar. “Tenho sangue Caiapó. E isto talvez explique um pouco esta minha animação e vontade de viver”, afirma o fotógrafo logo na entrada de sua casa.

E foi assim, com uma grande vontade de prosear, que seu Wilson recebeu a reportagem, durante mais de duas horas. Sempre muito bem disposto, e contado muitos casos, ele mostrou um pouco do seu acervo fotográfico. E que pode ser resumido numa palavra: sensacional.

Apesar de ter se formado advogado, naquele distante ano de 1937 pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o amor pela fotografia sempre esteve presente na vida deste belo-horizontino. Trabalhando primeiro como funcionário da prefeitura, e mais tarde em cartório, o cotidiano do trabalho burocrático nunca impediu que seu Wilson abandonasse sua maior paixão: a fotografia. Paixão que faria com que ele acabasse formando um dos mais importantes acervos da história de nossa cidade. Fotos que ajudam a contar a história dos últimos oitenta anos da capital.

João Etienne Filho por Wilson Baptista, 1939. Formador de várias gerações de escritores, João Etienne foi um dos maiores agitadores culturais de Belo Horizonte
João Etienne Filho por Wilson Baptista, 1939. Formador de várias gerações de escritores, João Etienne foi um dos maiores agitadores culturais de Belo Horizonte

“Belo Horizonte era muito diferente do que é hoje”, conta o artista. “A cidade muito menor e não era todo mundo que fotografava”, relembra para em seguida emendar. “Sempre me considerei um fotógrafo amador. O pessoal me pedia para fazer uns retratos e tal. E eu não podia negar, né?”, afirma de maneira modesta.

Rapidamente seu Wilson nos convida para conhecer o seu acervo e que conta hoje com mais de 10 mil imagens. Fotógrafo das antigas, afinal suas primeira clicadas foram dadas ainda nos anos 1930, entro no seu estúdio de edição crente que passarei várias horas do dia perdido no meio de rolos antigos a procura das melhores fotos para ilustrar esta matéria.

Ledo engano: organizadíssimo, o fotógrafo aos poucos vai revelando seu precioso tesouro. Pequeno detalhe: num poderoso Mac e que ele manuseia com a habilidade de um garoto de quinze anos que fica o dia inteiro na internet. Clica dali, clica daqui, na tela vão surgindo dezenas de fotos digitalizadas e que ajudam a reconstituir parte importante de Belo Horizonte. Muitas feitas há mais de 70 anos. Todas devidamente numeradas e catalogadas. “Sempre gostei de computador. Divirto-me muito com estas engenhocas”, afirma ao explicar tanta intimidade com o mundo digital.

Das lentes da máquina do seu Wilson podemos ver momentos importantes da história da nossa cidade. Tendo começado a fotografar em 1932, ele registraria, por exemplo, a inauguração das avenidas Antônio Carlos e Amazonas e a construção do Conjunto JK, do Colégio Estadual Central e do edifício do Bemge. Em 1939, convidado pelo prefeito José Osvaldo de Araujo, ele monta um álbum sobre Belo Horizonte para o I Congresso Brasileiro de Urbanismo. Seu Wilson sobrevoa então a cidade em um pequeno avião do correio aéreo. As primeiras imagens aéreas da nossa capital. “Até hoje me lembro do medo que passei dentro do avião”, conta. “O piso da aeronave era de lona e a gente ficava o tempo todo balançando”.

Jose Carlos Lisboa por Wilson Baptista. José Carlos, um dos mais refinados críticos de sua geração, escreveu o
Jose Carlos Lisboa por Wilson Baptista. José Carlos, um dos mais refinados críticos de sua geração, escreveu o “Pequeno Guia da Literatura Universal”

Embora só recentemente a mídia tenha se interessado pelo trabalho de Wilson Baptista, seu papel na cena fotográfica mineira é antigo. E sua atuação no Foto Clube de Minas Gerais, do qual foi um dos fundadores e o primeiro presidente ainda na década de 1950, foi fundamental para nossa cidade.

A qualidade de seu trabalho anteciparia muito do que viria a caracterizar a fotografia brasileira nas décadas de 1940 e 1950. E exibições como a mostra coletiva realizada, no ano passado, pela Fundação Clóvis Salgado, e duas retrospectivas – uma na Casa do Baile, em 2007, e no Instituto dos Arquitetos do Brasil, em 2000 –, tem servido como um reconhecimento, ainda que tardio da obra do grande fotógrafo mineiro.

Humilde, mineiramente, seu Wilson se diverte com o reconhecimento, bastante tardio, que seu trabalho vem recebendo nos últimos anos com exposições em várias partes da cidade. “Fico feliz que as pessoas me procurem e que gostem do meu trabalho. Sinceramente não esperava este reconhecimento não”, afirma o artista que prepara um livro para comemorar os cem anos de vida.

Longa vida para este grande artista mineiro.”

(Texto de João Pombo Barile. Publicado na revista Encontro, em 2013)

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