Casas
Por dentro da casa construída pelo artista italiano Fulvio Pennachi em 1940
Um patrimônio cultural pontuado em cada cômodo com obras de arte e histórias de vida do artista morto em 1992
2 min de leituraNão foram poucas as artes que Fulvio Pennacchi (1905-1992) dominou: pintura, desenho, muralismo, afresco, cerâmica e azulejaria, sem contar as investidas em design de mobiliário e cartazes publicitários. Todas essas vertentes se reúnem em um único e especialíssimo espaço: a casa que projetou e onde viveu, a partir de 1948, com a mulher, Filomena Matarazzo, e os oito filhos no Jardim Europa, em São Paulo, concretizada com as arcadas típicas de sua Toscana natal, o pátio interno arborizado, os adornos e todos os móveis, concebidos por ele e executados pelo Liceu de Artes e Ofícios.
O engenheiro Luiz Maiorana (1898-1961) deu corpo à construção, implantada em um lote de quase 3 mil m². Cada canto tem a marca do criador e é permeado de suas obras, inclusive a cozinha e os inúmeros banheiros. Os herdeiros admitem não saber ao certo quantos afrescos adornam a moradia na qual o ateliê ficou exatamente como seu dono o deixou ao falecer, aos 87 anos, três décadas atrás. O endereço, hoje sem uso residencial, é mantido pela família em homenagem à memória do patriarca.
Alguns diálogos ouvidos sob as loggias soam distantes da nossa realidade. Quando Giovanna Pennacchi, filha do artista, procura por determinado item, ouve de Lucas, o irmão caçula: “Está na escada da torre”. Contabilize-se esse elemento arquitetônico, incomum em nosso universo doméstico, à saudade que o imigrante sentia da Itália, de onde partiu em 1929, aos 24 anos – época em que seus feitos refletiam a inspiração renascentista e os temas religiosos.
Logo a paisagem brasileira, os colonos e a vida no campo começaram a se insinuar em suas criações. O homem simples (a “nossa gente”, como ele dizia) era interpretado pelas mãos de quem veio de um rigoroso ensino superior em Lucca, na Real Academia de Belas Artes. Pietro Maria Bardi, fundador do MASP, o considerava o maior pintor de afrescos do país, como conta o historiador Valério Pennacchi, autor de um livro sobre a produção do parente, e como atesta uma de suas maiores realizações, na Igreja Nossa Senhora da Paz, no bairro da Liberdade.
Integrante do Grupo Santa Helena, que juntou nomes de peso da arte nacional na década de 1930 no palacete que lhe emprestou o nome (e que, mesmo sendo um marco da arquitetura paulistana, veio abaixo em 1971), Pennacchi dedicava à arte todo o tempo disponível. Rabiscava enquanto esperava os filhos na saída do colégio ou a mulher em alguma consulta. “Suas ilustrações preenchiam qualquer papel que lhe caísse nas mãos”, conta Giovanna, responsável pelo espólio do pai ao lado dos sete irmãos. Por isso elas podem estar até em um caderno de contabilidade, misturadas a lembretes de afazeres cotidianos, o que torna ainda mais preciosos a casa e o acervo.
Nem mesmo as várias exposições de seu trabalho dão conta de expressá-lo tão bem quanto a residência – ela, sim, um retrato fiel do homem que produziu como poucos, foi professor e enriqueceu muitos interiores paulistanos com seus afrescos. Embora nem todos tenham sido conservados como desejariam os Pennacchi, outros ao menos foram removidos e transportados para um novo lar em operações complexas. É o cuidado que se espera diante de tamanho tesouro.