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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

História em quadrinhos

Os quadrinhos de D W Ribatski

Política e mecânica quântica nos quadrinhos brasileiros

Em 2016, durante a feira de histórias em quadrinhos Des.gráfica, tive a oportunidade de conhecer duas HQs de D W Ribatski, isto é, “Campo em branco”, 2013, em coautoria com Emilio Fraia, e “Fixação por insetos”, 2016. Nas duas tramas, são tematizados fenômenos singulares: (1) em “Campo Branco”, há alternância do mesmo lugar em diferentes regiões do espaço, quando as personagens se deparam com um caminho levando a locais distintos; (2) em “Fixação por insetos”, o protagonista conhece seu duplo, entretanto, devido a outra história de vida, embora sendo ele, trata-se de outra pessoa.

Nas duas HQs, tematizam-se paradoxos, antes de tudo, físicos, nos quais o universo é descrito por meio de ondas de probabilidade, ou melhor, por meio da mecânica quântica; todavia, por se tratar da interpretação do mundo pelos seres humanos, além de fenômenos quânticos, eles se tornam paradoxos cognitivos, portanto, psicológicos. Dessa maneira, em meio às leituras possíveis das histórias de Ribatski, nada impede de entender tais paradoxos enquanto metáforas do sujeito ou expressões da compreensão do mundo. Do ponto de vista quântico, em linhas gerais, os corpos podem ocupar o mesmo lugar simultaneamente, um único percurso pode levar a lugares diferentes e existe a probabilidade de haver dois ou mais corpos iguais entre si. Ciente disso e com criatividade, sem descuidar dos aspectos psicológicos e semióticos em que a fragmentação do sujeito encontra paralelos na física, D W procura respostas tanto para as visões de mundo do homem contemporâneo, quanto para a realidade material se desvendando diante da humanidade.

Nessa questão, o autor chega a atualizar, ao lado de outros artistas, um tópico recorrente em literatura, quer dizer, as diferenças entre narrativas estranhas, fantásticas e maravilhosas. Na literatura, são chamadas “estranhas” as narrativas com fatos singulares, porém, perfeitamente explicáveis por meio da razão. Para o teórico da linguagem Tzvetan Todorov, o conto “A Queda da Casa de Usher”, de Edgar Allan Poe, é um conto estranho, pois os acontecimentos, supostamente sobrenaturais, são explicados por meio da ciência ou da coincidência; na trama, a ressureição da irmã de Usher é, na verdade, o despertar de um ataque de catalepsia e a casa, desde sua primeira descrição, já apresentava sinais de ruína, por isso, nada havendo de excepcional na queda sobre si mesma. Contrariamente, as narrativas “maravilhosas”, como o romance “Drácula”, de Bram Stoker, são baseadas no sobrenatural; nelas há, justamente, relatos inexplicáveis, tais quais a existência do vampiro e seus poderes além da vida e da morte. Nas narrativas “fantásticas”, por fim, restam dúvidas a respeito do insólito, oscilando-se entre as explicações racionais e a presença do sobrenatural.

Ora, o tratamento dado por D W em suas histórias é derivado dessa tradição que, afinal, não é apenas literária, aparecendo no teatro, no cinema, na ópera e, entre outras linguagens, nos quadrinhos. Há, porém, em “Campo Branco” e “Fixação por insetos”, uma inovação, quer dizer, aquilo geralmente tomado por sobrenatural nessas tramas, feito o mesmo caminho desembocar em lugares distintos ou pessoas multiplicadas, que só encontrariam explicação racional por meio da alucinação ou da loucura, deixa de ser “maravilhoso” para, mediante a física quântica, tornar-se “estranho” e, até mesmo, integrar-se como outra questão, bastante “fantástica”, na vida das pessoas no mundo moderno.

Ribatski, semelhantemente a todo artista inventivo, não se detém apenas em questões filosóficas, ele também investe na militância política. Nessa temática, sem deixar de causar estranhamento nos leitores menos atentos, a personagem Bastião da Justiça, criada em parceria com Gabriel Goes, está construída sobre equívocos. Bastião não significa apenas posto avançado com vistas a defesa de territórios, Bastião também é abreviação de Sebastião, quem, na HQ “Bastião da Justiça”, publicada antes da eleição de Jair Bolsonaro em 2018, não passa de um fascista, valendo-se do patriotismo para praticar crimes e desmandos; logo na capa, o suposto herói combate panteras negras, satanistas, minorias sexuais e comunistas. Esse vilão homofóbico, cristão e neonazista pretende ser o herói dos reacionários, causando estranheza nos leitores que esperariam, no final da história, por seu fracasso, apostando na derrota dele por revolucionários, em vez de o ver sair vitorioso, conforme acontece. A contestação, entretanto, reside justamente aí, na lamentável vitória do fascismo e na exposição de quem, infelizmente, concorda com as práticas do infame Bastião, cujo nome, ironicamente, está escrito nas cores da bandeira nacional.

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