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Enchente, Nestor e Poesia.

Quem mora em Santo Amaro sabe: é só chover bastante e coincidir com cheia da maré, os rios Subaé e Sergimirim - que cortam visceralmente toda cidade - correm risco de transbordar. As águas não pedem passagem, surpreendem e invadem as ruas, residencias, lojas. 

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Dentre tantas enchentes, em especial a de 1982, há relatos de que ocorreu algo inusitado, descrito até em livro pelo professor Édio Souza, em O Bondinho da Saudade (1992, p.26). Contudo, é importante ressaltar Nestor da Costa Oliveira, uma das referencias quando se fala na produção literária da cidade, professor que assim como Édio, inspirou e promoveu o exercício da leitura e produção artística. 

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Sobre tal enchente, descreve ter visto páginas boiando no meio da correnteza e logo reconheceu: Espelho de Três Faces, do seu amigo Nestor. Primeiramente, desacreditou. Porém, pegou uma das páginas que tinha o seguinte poema:


Rio Subaé


I

Rolando leve, rolando

Te vais, num murmúrio brando

E, a água barrenta trescala

Um cheiro de fêmea nova,

Que o Senhor machacaz prova

Na escuridão da Senzala.


II

Ungida em triste acalanto,

Desafia em teu seio em pranto

Toda a história da cidade;

Um rico Senhor de Engenho,

Portador do Santo Lenho,

Crucifica a castidade…


III 

Sem cavalheiro nem drama,

Nos braços de uma mucama,

Dorme e sonha um ser franzino;

E João Ninguém responde

Pelas culpas do Visconde, 

E sai mulato o menino!


IV

Por curvos caminhos tredos,

Cortando velhos segredos,

Madraceiro, o Rio vai

Para que a gente, hoje, entenda,

Não tivesse a mão comenda,

Sobrando brasões ao pai


Houve na praça alvoroço,

Que esbarrou no Senhor-Moço,

Negrinho ao jogo-da-argola…

E o desgraçado cativo,

Ninguém sabe se está vivo

Ou se voltou para Angola


VI

Entremosta os seios duros,

- como dois frutos maduros 

Na casa Grande, a Josina… 

Provocam fome e ternura; 

Foi-se, um dia a formosura

Do colo da negra-mina!


VII

Descendo cansado e lento

viste o amor e o sofrimento,

Mais sofrimento que amor… 

Por isso rolas, gemendo

Sob a noite, estremecendo

As ribas do vale em flor…


VIII

O sonho dos namorados,

Que janela dos sobrados,

(Em tempos que longe vão…)

Ainda num doido anseio, 

Palpita e treme teu seio,

Rio do meu coração!


IX

Lava o peito aberto em fráguas

Na profundez dessas águas 

De quem, por muito te amar, 

Deseja descer comigo, 

Procurando o mesmo abrigo 

Que buscas na alma do mar!


(Nestor da Costa Oliveira - Espelho de Três Faces)


Nestor, infelizmente faleceu. Porém professor Édio está vivíssimo e reside na cidade. Embora maltratada e com o patrimônio histórico se degradando mais e mais, Santo Amaro nos surpreende: não se importando com o factual, e sim pelos discursos simbólicos criados envoltos destes fatos - independente de serem rumores ou não.

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