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Rogério Silva visto pelos meus olhos

Uma colaboração entre mim e Rogério Silva

Os desenhos à pena com tinta negra que Rogério executou têm uma riqueza muito abundante, são elaborações plásticas de grande complexidade narrativa; estabelecem relações perspéticas de orientação diferenciada; combinam seres ou entidades de natureza muito diferente no jogo de confrontações entre o rectilínio e o coleante, o compacto e o descontínuo, o claro e o escuro, etc. A ideia do movimento é constante e a velocidade que a conceção desenhística imprime a quase todos os elementos é generalizada.

um desenho original, a negro, de Rogério Silva (“esquecendo tempestades”), resultante de uma colaboração entre nós ambos (ver, por favor, Rogério Silva visto pelos meus olhos).

um desenho original, a negro, de Rogério Silva (“esquecendo tempestades”), resultante de uma colaboração entre nós ambos (ler, por favor, Rogério Silva visto pelos meus olhos).

As visões de Rogério Silva demonstram o optimismo de uma concepção cósmica da existência, com ordenações tectónicas que obedecem à tradição hierarquizada da grande pintura da era moderna, mas que não temem universos mais especializados e receptivos de ordenações interiores.

Na transição dos grandes espaços oceânicos para o questionamento íntimo da surrealidade não se perdem referências, não se degrada a estrutura mental e o caos não leva a melhor sobre a lucidez.

“composição”, desenho / Rogério Silva

“composição”, desenho / Rogério Silva

Esta observação é tanto mais pertinente, ao que julgo, por ter visto trabalhos seus de certa indeterminação e muito menor capacidade analítica do que a que caracteriza as suas mais avançadas produções.

Outra tarefa sugestiva para o observador atento é a multiplicidade dos planos activados, elemento que se encontra aqui demonstrado pelas inserções de cor que são possíveis e se tornam para o amigo desejoso – mais que de efeitos a revelar – de argumentos a esclarecer para si próprio!…

As simbologias ou cenografias alegóricas utilizadas foram-se singularizando ao longo do tempo, foram ultrapassando sujeições de conteúdo descritivo demasiado específico e – tanto quanto me é dado observar – o artista não percorreu todo o caminho que poderia ter andado, tendo-nos deixado em herança a enorme curiosidade de sabermos o que poderia ter feito na concretização de tais percursos.

Estes trabalhos não são designados por títulos que os diferenciem, aparecendo englobados como “composições”, nem sequer numerados. Esse facto, que revela a escassez do seu quantitativo, não lhe reduz a importância nem o significado.

Partindo da observação muito detalhada destas reproduções tenho feito descobertas muito interessantes. No caso deste desenho – uma entre muitas outras surpresas – surge, como a uma janela (de modo quase imperceptível), uma rapariga nua de seios firmes:

Rogério Silva, "composição", desenho

Da análise destes desenhos de Rogério nasceu a certa altura o desejo irreprimível de fazer inserções de cor, o que é possibilitado pelas ferramentas digitais de tratamento de imagens. Essa diligência resultou inicialmente de uma sensação de desamparo do preto e branco, em reproduções desprovidas do mínimo requinte visual, nomeadamente da confinação limítrofe, ou “passe-partout”.

Esta exploração torna-se produtiva, a meu entender, por oferecer leituras mais completas dos elementos contidos na obra original, cuja apreensão pode estar dissimulada pela excessiva austeridade da tecnologia utilizada (o uso do negro sobre branco numa escala muito concentrada) e pela complexidade que a técnica de execução pretende transmitir.

Ao entrarem no capítulo destas minhas “colaboração entre mim e o Rogério Silva”, servem as mesmas para demonstrar (a meu modo) a versatilidade e a eloquência dessas obras de Rogério. Sonho (ou pressinto?…) que ele acompanha de perto estas minhas explorações, exprimindo as suas dúvidas quando me engano ou sou mal sucedido, e encorajando-me a prosseguir quando as coisas me saem bem. A aventura está apenas a começar…

Ora vejamos uma composição que pretende reforçar o que se diz acima, pela repetição de um só elemento, maximizando o seu potencial plástico, usando habilidades a que o meu amigo não teve acesso:

exploração cromática de desenho original de Rogério Silva, com enquadramento

exploração cromática de desenho original de Rogério Silva, com enquadramento

Muito eu gostava de ter ido um tempo viver com o Rogério em Nova Bedford!…

O aproveitamento por artistas das obras de terceiros tem acontecido muito frequentemente ao longo da história das artes plásticas e, dos inúmeros casos muito conhecidos cito o do meu muito admirado Fernand Léger (com uma Mona Lisa), as inúmeras apropriações de pinturas, fotografias e ilustrações feitas por Valerio Adami, as imensas citações da banda desenhada de Roy Lichtenstein, as infindáveis citações de Erró, as ilimitadas e industrializadas adaptações gráficas Andy Warhol e tantos outros; Além daquelas que já vinham da grande tradição da pintura clássica e têm apenas um simples exemplo no “Déjeuner sur l’Herbe” de Edouard Manet inspirado em Ticiano e Rafael e que por sua vez Picasso aproveitou num quadro seu. Estes factos são mencionáveis em todos os formatos e feitios, e o número de casos – só na pintura clássica – deve andar mais nos milhares que nas muitas centenas.

Como sucedâneo desta experiência já estou a fazer o mesmo tipo de exercício com antigos desenhos meus!… Como prova disso (e tenho a complacência amiga de Rogério…) aqui fica um desenho feito logo após o regresso dos Açores, algo estridente (et pour cause…), onde estão presentes as “perspectivas inventadas” tão habituais em vários trabalhos feitos em Ponta Delgada:

despertar inquieto, Costa Brites, 1972

despertar inquieto, Costa Brites, 1972

Como já digo noutro sítio, a aventura apenas começou. Aos amigos, o meu abraço e… voltem sempre!…

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