Durante as visitas de estudo que você fez à Polônia, a convite do Instituto Adam Mickiewicz, você esteve em quatro cidades: Gdańsk, Varsóvia, Łódź e Kraków. Alguma delas o intrigou especialmente?
Eu fui surpreendido pela Polônia. No Brasil, separados dessa parte do mundo, nós tentamos obter o maior número possível de informações sobre países geograficamente distantes. Coincidentemente, minha escola de ensino médio se localizava ao lado do consulado polonês. Lá eu conheci o cinema polonês, o design gráfico e, sobretudo, a escola polonesa de pôsteres. Eu visitei Gdańsk, Kraków, Varsóvia, e em seguida ouvi à respeito da cidade de Łódź. Essa foi uma descoberta significativa para mim!
Antes eu a conhecia apenas através dos filmes de Roman Polański, mas fiquei surpreendido pela diversidade da arquitetura, e essa é a minha principal área de interesse. Durante dias lindos e ensolarados, eu caminhei por Łódź com a minha câmera e cada beco era uma descoberta fascinante!
Em Gdańsk, por outro lado, senti as emoções históricas, já que no Brasil nós temos uma história parecida, em que o líder de um movimento sindicalista se tornou presidente. Luiz Inácio Lula da Silva veio de um ambiente parecido, nós vivíamos sob uma ditadura militar, mas o movimento social tinha uma escala menor.
No Brasil, nós acompanhávamos tudo que tinha relação com o Solidarność (“Solidariedade” – N. Do T.) da Polônia. E agora, após 25 anos, eu senti essas emoções novamente. Quando eu conversei com o guia do Estaleiro, falei que ainda que o tempo tivesse passado, o espírito dos eventos que ocorreram um quarto de século atrás continua presente aqui, especialmente na antiga oficina de trabalho de Lech Wałęsa. A visita à Nowa Huta (Nova Fundição), em Kraków, foi também bastante emocionante – uma cidade nova, construída segundo a utopia comunista.
Mas você não conta apenas a história dos lugares, mas também, como você próprio diz, rastreia os vestígios do dia a dia, os rastros das pessoas.
Um dia, em Varsóvia, teve uma manhã tão linda, enevoada. Eu fotografei os arranha-céus no centro da cidade, banhados na neblina, fotos maravilhosas, mas o tema do meu trabalho era diferente. Eu não queria criar cartões-postais da Polônia. Após ter assistido a um espetáculo-instalação de Stephan Stroux na Fundição de Zinco em Katowice, eu sabia que queria falar sobre a história e a cultura industriais, sobre as memórias do trabalho e dos lugares. Por isso que eu fotografo os vestígios humanos dentro dos locais industriais que estão abandonados e inativos, inscrições nas paredes, as calças de um trabalhador penduradas em uma corda em alguma fábrica. Dessa forma, eu me remeto às pessoas que trabalhavam nesse lugar no passado. Nas minhas fotografias, obviamente, aparecem também personagens, mas o papel principal é sempre da arquitetura, entendida como um cenário urbano.
Um fotógrafo polonês excepcional, Tomasz Tomaszewski, especialista em retratos íntimos, sempre diz que para tirar uma foto boa, é preciso se tornar invisível. A arquitetura cria desafios totalmente diferentes para o fotógrafo.
Em mim, a arquitetura desperta emoções muito grandes. Um dos excepcionais historiadores de arte brasileiros e precursor do modernismo afirmou que a arquitetura é música, e a música é arquitetura. Quando entro numa catedral ou prédio, fico arrepiado. Infelizmente não tenho a audição absoluta, algo que Beethoven ou Chopin tinham e permitiu que eles pudessem compor desde a infância, mas eu tenho em meu olhar algo que os grandes músicos encontram no som. O meu olhar substitui a minha audição, eu extraio prazer físico do ato de olhar.
O retrato é um tema fotográfico igualmente importante para mim, tenho em torno de 500 retratos na minha coleção. No Brasil, fotografar as pessoas é, às vezes, visto como um ato de agressão. Eu queria voltar para a Polônia exatamente para fazer retratos, ainda que o estabelecimento de relações com as pessoas, por causa da barreira linguística, deve ser muito difícil. Um outro tema que surgiu durante a minha visita à Polônia foram os interiores das casas. Eu queria ver como as pessoas moram, como vivem, com o quê se rodeiam, como são os seus espaços. Frequentemente recebo perguntas sobre o que eu gosto de fotografar dentro de interiores. Sempre respondo: o que é mais individual, único, pessoal; coisas, retratos, enfeites que estão pendurados nas paredes. Tudo que fala sobre a personalidade e o caráter dos moradores.
Em Praga, eu teria descoberto muito mais se pudesse ter entrado nos apartamentos. A minha atenção foi atraída também pelos portões, frequentemente destruídos, cobertos por pôsteres ou grafite. Nas fábricas abandonadas de Ursus, encontrei ferramentas que pareciam ter sido deixadas por trabalhadores que haviam saído, por alguns instantes, para almoçar. Um trabalho semelhante foi feito por um fotógrafo brasileiro com ascendência polonesa, que documentou as colônias e sociedades polonesas do sul do Brasil, e publicou um álbum chamado “Aqui e lá”. Não sei se você sabe, mas no Brasil temos uma “pequena Polônia”; eu fiquei fascinado pelas casas dos poloneses preenchidas, até o último pedaço de espaço vazio, com ícones de santos, fotos e lembranças.
As histórias dos trabalhadores, assim como a história dos moradores do bairro de Praga em Varsóvia, frequentemente falam sobre a pobreza, exclusão social, desemprego, vida marginalizada. Você, como artista, sente a necessidade de se pronunciar sobre esse assunto também?
Eu nunca estive interessado pela fotografia que denunciasse a pobreza, nem pela admiração à pobreza - essa é a tarefa dos repórteres fotográficos. Se eu fotografo a pobreza, é como se fosse uma evidência, um traço do modo de viver das pessoas em um lugar e tempo específicos. Eu não estou informando sobre um problema social. A fotografia no Brasil se foca em dois extremos – a estetização da pobreza e a exploração das tragédias, e isso é abordado pela fotografia jornalística, ou fotografia da natureza, da beleza da floresta amazônica, das suas floras e faunas exóticas. E entre esses extremos há o espaço da vida cotidiana, que eu procuro me focar. Iluminar essa realidade, fazê-la mais estética, elevá-la ao nível da arte.
No mundo inteiro, atualmente, há novos meios de distribuição de imagens, os grandes títulos da imprensa têm os seus compromissos perante consórcios de mídia e políticos, qualquer pessoa pode filmar uma manifestação ou um ato de violência com o celular, no Brasil estão sendo criadas organizações que ajudam a divulgar esse tipo de gravações. A fotografia artística pode ter uma carga ideológica, mas precisa prestar bastante atenção para não se tornar propaganda feita através de imagens, como eu recentemente presenciei na Rússia.
Eu moro próximo de São Paulo, e lá a pobreza está presente diariamente, mas ainda assim, sinto uma grande barreira ética em capturar isso em uma imagem. Teve um desenhista, escritor e humorista brasileiro chamado Millôr Fernandes, que dizia: “Não confie na pessoa que lucra através dos seus ideais”. Eu acho que dá para separar as suas crenças políticas do trabalho de um fotógrafo, cujo objetivo é a estética, e não a ideologia. O olhar do fotógrafo sempre tem que provir da sua sensibilidade.
Cristiano Mascaro é um fotógrafo brasileiro, há anos interessado em paisagens urbanas. Em 1968, se graduou em arquitetura e urbanismo na Universidade de São Paulo, onde também defendeu sua tese de doutorado. Atualmente trabalha com a fotografia, principalmente de arquitetura. Ao contrário do famoso casal de fotógrafos alemães Bernd e Hilla Becher, não se foca no arquivamento de formas industriais em desaparecimento. Mascaro usa o meio visual para analisar a identidade, imaginação, memória e espaço. Suas fotografias documentais realizadas em Buenos Aires, Havana, Berlim, Paris, Nova Iorque, Tóquio e São Paulo, foram apresentadas em numerosas exposições, e encontram-se em coleções privadas e públicas (por exemplo, no Centro Pompidou).
As suas impressões fotográficas da Polônia podem ser vistas na exposição “Vestígios de gente. Cristiano Mascaro/Sławomir Rumiak” (Ślady ludzi. Cristiano Mascaro/Sławomir Rumiak) , no MCK de Kraków. Em 2016, as fotografias serão apresentadas em uma das mais importantes galerias de arte contemporânea no Brasil - Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Culture.pl está produzindo a exibição.
Entrevistado por Anna Legierska, Culture.pl, tradução: Anna Biesiadecka
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