No dia 10 de janeiro, a indústria brasileira de suco de laranja começou o dia com um abacaxi para descascar. Logo pela manhã, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) anunciou a retenção de carregamentos de suco de laranja do Brasil, que haviam sido desembarcados no porto de Delaware, no noroeste do país. O motivo era a desconfiança de que haveria no suco brasileiro resíduos de uma grande quantidade do fungicida carbendazim.

No País, o fungicida é utilizado para o controle de doenças da fruta, como a pinta preta e a estrelinha. Os americanos alegavam, de saída, que a presença de resíduos desse fungicida no suco era irregular na citricultura, apesar de os Estados Unidos permitirem a utilização em suas plantações de maçã.

Estava armado, assim, mais um cenário de guerra comercial entre o Brasil e os Estados Unidos sobre o que é certo ou errado na agricultura.

Lohbauer: “O suco brasileiro é saudável e segue as normas mundiais de produção de alimentos”

Para os citricultores brasileiros, o imbróglio não passa de estratégia comercial para resguardar a produção interna daquele país e o impasse nada teria a ver com o uso do fungicida. “Se for isso, o tiro vai sair pela culatra”, diz Frauzo Ruiz Sanches, citricultor e presidente do sindicato rural de Ibitinga, no interior de São Paulo. “Os americanos precisam do nosso suco.”

Segundo Sanches, o suco brasileiro pressiona os preços do similar local, pois seu custo de produção nas lavouras da Flórida é superior ao dos laranjais no Brasil. “No País, o custo para produzir uma caixa de laranja gira em torno de US$ 4”, afirma Sanchez. “Nos Estados Unidos é US$ 7.” A Flórida é o maior Estado americano produtor de laranja, com 147 milhões de caixas por safra. Do Brasil, os americanos compram 150 mil toneladas de suco concentrado que renderam cerca de US$ 250 milhões, em 2011, o equivalente a 13% das exportações nacionais do produto.

O motivo alegado para a retenção do suco de laranja brasileiro nos portos americanos – a quantidade de fungicida utilizada nas lavouras – é medido em parte por bilhão (PPB). Para Christian Lohbauer, presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), a decisão da FDA em exigir um limite máximo de 10 PPB tem caráter técnico-burocrático. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) determinam que o limite aceitável do fungicida na laranja é de até mil PPB.

“Exportamos para países e regiões mais exigentes, como o Japão, Canadá e a Europa, e não tivemos problemas”, diz Lohbauer. “O suco de laranja brasileiro é um produto saudável e está dentro das normas mundiais de produção de alimentos.”

Para Luiz Tejon, coordenador do núcleo de agronegócios da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, análises como as que foram realizadas pelos americanos devem se tornar cada vez mais rotineiras, para qualquer alimento. “O que o Brasil precisa fazer é se antecipar a elas”, diz Tejon. “As barreiras vão ser cada vez maiores se o País não criar novas tecnologias para detectar com mais precisão os resíduos na agricultura.”

Raio X

do mercado

americano

*

em toneladas

Consumo

800 mil

Produção

600 mil

Importação

200 mil

Compras do Brasil

150 mil

*Suco de laranja concentrado

Para tentar resolver o impasse do suco brasileiro, uma solução, apresentada por Lohbauer durante viagem aos Estados Unidos no final de janeiro, seria a substituição do fungicida por outros produtos similares, para evitar problemas futuros. “Entretanto, essa solução demora 18 meses para surtir efeito e os americanos precisariam ter paciência para a mudança”, diz. A proposta da CitrusBR pode não surtir nenhum efeito prático e há motivo para acreditar nessa hipótese. A venda de suco de laranja brasileiro nos EUA é alvo de críticas de produtores americanos, concentrados (sem trocadilho) no Estado da Flórida, e já resultou em disputa comercial que levou ambos os países à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2008. Nessa época, o governo americano passou a aplicar medidas antidumping sobre o suco de laranja brasileiro, alegando que o produto era vendido no país por um preço menor que no mercado brasileiro. O Brasil, então, recorreu contra as medidas na OMC, que decidiu em favor dos produtores brasileiros. A questão foi resolvida em junho de 2010, quando os EUA desistiram de apelar da decisão. “No caso do fungicida, seria bom chegarmos a um acordo de cavalheiros”, diz Lohbauer.