O que é política, afinal?

O que é política #politica

Os pastoralistas indoeuropeus não poderiam imaginar que o nome dado às suas cidadelas fortificadas no topo das colinas rochosas gregas iria resumir grande parte das ações humanas. O grego pólis (de onde veio a polícia) é a raiz de vários conceitos.

As cidades-estados gregas eram orientadas pela gestão das coisas da pólis, a politika. O modo de organizar pólis quer como monarquia, tirania, oligarquia ou democracia — era a politeia, o regime político. Por fim, veio a politiké, a técnica ou arte de governar.

Essa distinção grega foi, infelizmente, fundida no português. Talvez fosse intriga dos romanos, para quem a democracia era a res publica, termo que também traduzia politeia. Já o conhecimento, tanto sistemático quanto artístico, de gerir a coisa pública era a civilis scientia ou rerum civilium scientia. Algo onde a civilidade aflorava, com certeza.

No século XIII foi redescoberto e popularizado no ocidente europeu o tratado sobre a Política de Aristóteles. O interesse pelos estudos reacendeu. O termo latinizado acabou inspirando pensadores como Cristina de Pisano, Dante, Maquiavel e Guicciardini.

Enquanto o português manteve uma só palavra, o acepção tripartida que o termo política possui em inglês: politics, polity e policy.

  • Politics é o jogo. São as articulações com cartas de poder para alcançar algum objetivo. Não há avanço em policies sem politics. É a parte mais detestada e demonizada da política. É aqui que os ideais são concretizados ou postos de lado em nome de alianças. O poeta John Godfrey Saxe teria dito “Se soubessem como linguiças e as leis são feitas, ninguém as consumiram”. A versão avacalhada recebe nome de politicagem.
  • Polity são as regras do jogo ou as estruturas constitucionais. Compreende tanto sistemas e regimes de governo como as grandes ideologias que norteiam as sociedades de Estado e os partidos políticos.
  • policy é tanto a estratégia quanto o objetivo da jogada. É o conjunto de diretrizes que norteiam a ação gestora de um governo. No português equivale aproximadamente à expressão “políticas públicas”.

Além dessas três distinções fundamentais sobre política, há outras que são vitais.

O cientista político português (e ele próprio com larga experiência nas salas do poder) Adriano Moreira (1922-2022) definia a arte política, politikè, como a arte de governar os povos, a arte de escolher e aplicar os meios necessários para realizar os interesses da coletividade tanto na ordem interna quanto na ordem internacional pelos detentores do poder político. Note que é uma arte empírica e centrada em quem realmente possui meios de executá-la.

O politólogo conservador Carl Schmitt (1888-1985) desconfiava da polity. Para ele toda a ordem, inclusive a ordem legal aceita, resultava do exercício da autoridade em momentos de decisão. Para tal, a politics seria a base sobre a qual executava policies e criava um ideal aceito de polity. Schmitt desdenhava a democracia liberal, pois as policies acabariam sempre em negociatas. Seria o político ou das Politische, cujo domínio seria em fazer a distinção entre o amigo e o inimigo, tal como distinguir o feio e o belo é o domínio da estética.

No francês há uma interessante distinção entre le politique e la politique. A primeira, no masculino é um campo social onde são postos os conflitos de interesses para serem arbitrados por decisores cujas autoridades foram legitimadas pela sociedade. Referir-se du politique é dizer sobre a coesão social. Já a feminina la politique designa as interações e os relacionamentos na luta pela conquista e pelo exercício do poder.

SAIBA MAIS

Aristóteles. Política. Tradução de Maria Aparecida de Oliveira Silva. Edipro, 2019.

Boussaguet, Laurie, Sophie Jacquot, Pauline Ravinet. Dictionnaire des politiques publiques. Presses de Sciences Po, 2019.

Lima, Deyvison Rodrigues. “Do impolitico ao das Politische: notas sobre um diálogo ausente entre Roberto Esposito e Carl Schmitt.” Trans/Form/Ação 41 (2018): 95-118. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2018.v41n2.06.p95

Schmitt, Carl.The Concept of the Political. London: The University of Chicago Press, 2007 [Der Begriff des Politischen, 1927, 1933].

Schmitt, Carl. O conceito do político (1932). Tradução de Álvaro Valls. Petrópolis: Vozes, 1992.

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