Vida

Luis Fernando Verissimo: “O papel do cronista é dar seu testemunho”

Luis Fernando Verissimo: “O papel do cronista é dar seu testemunho”

O cronista gaúcho completa 80 anos e presenteia seus leitores com uma coletânea de aforismos bem-humorados e sua primeira incursão na
literatura infantil

RUAN DE SOUSA GABRIEL
24/09/2016 - 06h00 - Atualizado 26/09/2016 16h47

O escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo é superlativo até no nome. Praticou todos os tipos imagináveis de texto literário: romances, contos, peças teatrais, roteiros para a televisão, tirinhas e, é claro, crônicas. Apresentou, ao leitor brasileiro, personagens memoráveis – como a Velhinha de Taubaté e o Analista de Bagé. E, em seus textos sobre a política brasileira, provou que o lirismo, a piada e a inteligência podem conviver nos mesmos parágrafos.

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Verissimo completa 80 anos nesta segunda-feira (26), mas as celebrações se estendem até outubro, quando seus novos livros chegam às livrarias. Verissimas: frases, reflexões e sacadas sobre quase tudo (Objetiva, 210 páginas, R$ 44,90) é uma coleção de aforismos colhidos nas crônicas do autor pelo publicitário e jornalista Marcelo Dunlop. Há definições de Verissimos sobre quase todas as coisas do mundo, como futebol, higiene, o PMDB, Patrícia Pillar e netos: “As três melhores coisas do mundo são pudim de laranja, gol do Internacional e netos, não necessariamente nessa ordem”. E os netos também ganham presente. O livro As gêmeas de Moscou (Companhia das Letrinhas, 32 páginas, R$ 34,90), a primeira incursão de Verissimo na literatura infantil, será lançado no próximo dia 2. Ilustrado por Rogério Coelho, o livro explora a solidariedade e a rivalidade entre duas irmãs.

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Tímido, o aniversariante concordou em responder a algumas perguntas de ÉPOCA por e-mail.

Luis Fernando Verissimo (Foto: Sylvio Sirangelo)


 

Verissimas (Foto: ÉPOCA)


 

Luis Fernando Verissimo (Foto: ÉPOCA)


 

ÉPOCA – Como é fazer 80 anos?
Luis Fernando Verissimo –
Pois é, a gente se distrai e quando vê está com 80 anos. Mas ainda não estou pronto para fazer um balanço da minha vida. Talvez na secreta esperança de que ainda vou ter muito, muito tempo para isto.

ÉPOCA – Em outubro, o senhor publica As gêmeas de Moscou. Como é escrever para crianças?
Verissimo –
Escrever para um público jovem é difícil. Você precisa ser acessível sem ser condescendente. As gêmeas de Moscou é meu primeiro trabalho para um público infantil, e não sei se acertei o ponto.

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ÉPOCA – O senhor praticou todos os tipos imagináveis de texto literário (romance, conto, crônica etc.), escreveu para a televisão e tocou numa banda de jazz. Como essa interdisciplinaridade toda influencia a literatura que o senhor produz?
Verissimo –
Eu comecei a escrever tarde, com mais de 30 anos. Até então só tinha feito algumas traduções do inglês e não tinha a menor intenção de ser jornalista ou escritor. Quando me deram um espaço assinado no jornal, eu, por assim dizer, me descobri. E esta tem sido a minha atividade principal. O resto, os contos e os romances são decorrências do trabalho como cronista. Na música, apenas realizei o sonho de ser jazzista, ou pelo menos poder brincar de ser jazzista, que é o que eu faço até hoje.

ÉPOCA – Além do prazo, quais as diferenças entre a escrita de crônicas e a escrita de textos mais longos, como contos e romances?
Verissimo –
Eu comparo a diferença entre escrever textos curtos e escrever romances com a diferença entre um barco a vela e um transatlântico. Num barco a vela você pode ir sozinho para onde quiser, só cuidando da variação dos ventos; num transatlântico, precisa pensar nos passageiros, nas dificuldades em navegar e atracar um barco grande e saber aonde exatamente quer chegar.

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ÉPOCA – Autores como Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos consagraram a crônica como um gênero marcado pela leveza e pelo lirismo. Hoje proliferam na imprensa as crônicas políticas, que se prestam a fazer análises no calor do momento. Como o senhor vê esse movimento da crônica? É possível manter o lirismo quando se fala de política?
Verissimo – Não sei como estariam escrevendo hoje o Rubem Braga, o Paulo Mendes Campos, o Fernando Sabino, o Antonio Maria, o Sergio Porto etc. Certamente seriam crônicas diferentes das que eles escreviam então, mas grandes crônicas assim mesmo. O talento não envelhece. E é possível, sim, escrever sobre qualquer coisa, inclusive política, de uma maneira pessoal e atraente.

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ÉPOCA – O senhor costuma se posicionar politicamente em suas crônicas. Como o senhor vê a atual crise política e econômica que o Brasil atravessa?
Verissimo –
Nós tivemos um governo pretensamente de esquerda, que não chegou a ser bem isto, mas foi mais à esquerda do que qualquer governo anterior, e agora estamos vendo a reação represada do conservadorismo e da direita. O PT tem grande parte da culpa pelo que lhe aconteceu, mas o fato é que, por um breve e brilhante momento, tivemos inclusão social e diminuição da desigualdade inéditas no Brasil.

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ÉPOCA – Qual o papel do cronista nestes tempos políticos conturbados?
Verissimo –
Acho que o papel do cronista não é não pregar ou fazer proselitismo, mas dar seu testemunho. E acho que todo mundo deve ter lado, e deixar claro qual é.

ÉPOCA – O senhor é conhecido como um homem de esquerda. Qual avaliação que o senhor faz dos governos petistas e do impeachment de Dilma Rousseff?
Verissimo –
Como dizem que disse o Mao Tsé-tung sobre a Revolução Francesa, é cedo para dizer o que houve no Brasil nestes tempos. Vamos esperar o julgamento da História. Só lamento que eu não vou estar aqui para ouvir o veredito.

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ÉPOCA – Em Verissimas, o novo livro que reúne seus verbetes, a atriz Patrícia Pillar é mencionada 18 vezes, sempre como sinônimo daquilo que há de mais belo neste mundo e como uma das únicas provas convincentes da existência de Deus (ao lado do pudim de laranja). Há inclusive um verbete intitulado “Patrícia Pillar”. Ela sabe desses seus sentimentos? E o que sua mulher acha disso?
Verissimo –
Tanto a Patrícia quanto a minha mulher sabem que é tudo brincadeira. Só não é brincadeira que eu já admirava a Patrícia pela sua beleza e pelo seu talento e, quando a conheci pessoalmente, passei a admirá-la ainda mais. Ela é bonita em todos os sentidos. 

ÉPOCA – O senhor é um tímido confesso. Como lida com a timidez? Que conselho o senhor daria para seus leitores tímidos?
Verissimo – Timidez não tem cura, mas pode ser controlada, como a malária. E diminui com o tempo. Tenho até falado em público e cada vez o pânico é menor.

ÉPOCA – O que o senhor está lendo?
Verissimo –
The Devil gets his due, do crítico americano Leslie Fiedler (1917-2003).








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