GILFRANCISCO [*]

O jornalista baiano João Amado Pinheiro Viegas (1865-1937), foi um polemista por temperamento e o brilho dos debates atraia a atenção de muitos leitores. Como muitos da época faziam imprensa um pouco à boêmia, misturando com a literatura, pois os jornais e revistas anda não dispunham de tabelas fixas para salários e isso o levava uma vida financeira precária, às vezes pernoitando na própria redação. Viegas travou algumas polêmicas marcantes em jornais baianos, mas a de 1925 teve destaque na imprensa local, quando travou acirrada discussão com J. C. Ferreira Gomes, por causa do artigo Chistus Iperat, de Otávio Mangabeira (1886-1960), político baiano que ocupou os mais altos postos a que um político pode aspirar.

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Retornando do Rio de Janeiro em fins de 1911, após muitos anos de militância no jornalismo na capital federal e abandonar um cargo público, como fiscal do consumo, Pinheiro Viegas retoma suas atividades literárias em Salvador, fundando o jornal Brasil Moderno, um hebdomadário ilustrado de Ciências, Letras, Artes e Livre Crítica Social, que teve vida efêmera, conseguindo editar apenas três números. O jornal tinha como redatores os escritores: Pedro Kilkerry, Monteiro de Almeida, Silva Freire, Antônio Viana e Anísio Viana.[1]

Impresso em bom papel, o sumário do número 1 é o seguinte: Nós. Sursun cor (soneto), Pethion de Villar. História Natural, Egas Moniz. O Rádio, Paes Barreto. Crônica do Rio, Mile. Esfinge, O Sargento Pedro (transcrição), Xavier Marques. Carta do Meu Tempo, Altamirando Requião. Verdade (soneto), Tito de Barros. Versos do Coração, Eufrosina Miranda. Carlos Brandão, Pinheiro Viegas. Primavera Sagrada, Carlos Brandão. Brasil-República, Gustavo de Menezes. Ad Veneris Lacrimas, Pedro Kilkerry. De monóculo…, K. Lago de Mistério, Napoleão Muler. Expediente: Echos, Sarcófago, Teatro, Avisos, Reclamos, Anúncios, etc.

Este primeiro número do ilustrado magazine Brasil Moderno, moldado nas publicações congêneres que se editavam nas cultas cidades europeias, trazia cinco clichês na primeira página: Egas Moniz Barreto de Aragão, seguindo-se os do acadêmico Paes Barreto, o da poeta Eufosina Miranda, o de Carlos Brandão e do célebre quadro de Leonardo da Vinci, Gioconda, roubada da galeria do Louvre em Paris.[2]

O número dois, também de novembro, deste magazine ultramoderno e bem editado, pelo experiente jornalista Pinheiro Viegas, aparece ornado com o retrato do conhecido literato e distinto professor da Faculdade de Direito da Bahia, um conto inédito de Almachio Diniz, sob epígrafe – uma estrofe de Muset, além de artigos e poesias de vários e bons poetas.

O número três, dezembro de 1911 é ilustrado com os retratos de Augusto Viana, diretor da Faculdade de Medicina, Lemos Brito, brilhante redator-chefe do Diário da Tarde e líder da maioria na Câmara dos Deputados e Antonio Viana, poeta, associado da Nova Cruzada e duas grandes fotografias da Faculdade de Medicina.

Entre as colaborações, destacamos as seguintes: A Gênese endotelial dos leucócitos mononucleares e sua crítica, Egas Moniz, professor da Faculdade de Medicina. Sul e Norte, Paes Barreto. Um plágio do sr. Abel Botelho, Pinheiro Viegas. Notas de um louco, Silva Freire. Noturnos (versos), Pedro Kilkerry.[3] Cigano (soneto), Aleides Freitas. Poema Barbado, Altamirando Requião. O número três do Brasil Moderno, saiu com atraso de alguns dias, devido ao acúmulo de trabalhos da tipografia. O jornal Brasil Moderno foi bem recebido pela crítica local. Vejamos alguns desses comentários:

O Brasil Ilustrado

Fotos: Arquivo Pessoal

Com este título deve sair brevemente, nesta capital, um hebdomadário ilustrado de ciências, letras, artes e livre crítica social, dirigido proficientemente pelo jornalista Pinheiro Viegas, nosso conterrâneo e há alguns anos ausentes. Terá colaboração escolhida entre literatos daqui e do Rio de Janeiro. Ao novo órgão, que promete ser muito interessante, auguramos vida próspera.”

                                                                 Jornal de Notícias, 11de outubro, 1911

“Para o próximo número, promete-nos o Brasil Moderno, colaboração de vultos notáveis na literatura baiana como os de Almachio Diniz, Henrique Câncio e outros.

Ao ilustrado confrade, os nossos melhores votos de progresso e boas vindas.”

Diário da Bahia, 19 de novembro, 1911

Brasil Moderno

“É título de uma gazeta-revista que acaba de surgir entre nós sob a direção do Sr. Pinheiro Viegas.

O formato é sugestivo, o papel e a impressão ótimos, a colaboração variadíssima e escolhida, sendo seus colaboradores nomes de firmada reputação literária como Pethion de Villar, Xavier Marques, Álvaro Reis, Roberto Correia, Altamirando Requião, Silio Boccanera”.

                           Revista do Brasil. Bahia, Ano VI, nº14, 30 de novembro, 1911

“Agradecido pela visita fazemos votos porque o Brasil Moderno tenha vida longa nesse nosso meio malfadado, onde raramente tomam vulto tentativas dessa ordem.”

Diário da Bahia, 1º de.dezembro, 1911

Brasil Moderno

“Apareceu, nesta capital, sob a direção do Sr. Pinheiro Viegas, um periódico sob o título pomposo de Brasil Moderno.

No seu segundo número, apareceu um conto inédito de Almachio Diniz, sob a epigrafe – Uma estrofe de Musset – estampando-se dois belos clichês do nosso diretor, homenagem esta que merece os nossos agradecimentos pela sua espontaneidade.”

                                                  A Seára de Ruth, Ano I, nº24, 9.dezembro, 1911

“Ao ilustre confrade sr. Pinheiro Viegas que com tanta inteligência dirige o Brasil Moderno, enviamos os nossos melhores votos de prosperidade, e que seja esse bem feito magazine a atalaia da literatura nesta capital, trabalhando sempre pelo progresso lítero-científico do nosso amado país.”

                                                                            A Bahia, 15 de dezembro, 1911

Pinheiro Viegas, que foi tão mal entendido pela crítica de seu tempo e que realmente só podia surpreender e chocar o leitor baiano das três primeiras décadas do século passado, por ser sua obra um dos pontos de ruptura com o mundo contemporâneo, exercendo no texto surpreendente desarticulação da linguagem. Muitos subestimaram sua capacidade inventiva (criador de uma linguagem telegráfica e polifônica), por nunca perceberem a permanente e enriquecedora conexão entre o moderno e a modernidade. Viegas desejava ir além… Não visava simplesmente documentar uma realidade social humana, mas penetrar na ambiguidade e fluidez de sua própria produção literária.

Dotado de um espírito audacioso e inquieto, o também editor, Pinheiro Viegas, através das publicações no jornal Brasil Moderno, são o registro de suas convicções ideológicas e políticas e de seu profundo prazer intelectual.

Essa curta experiência de editor, que marcou de modo definitivo e inovador, os magazines da época na Bahia, era algo que Pinheiro Viegas, mostrando-se movido por um ideal de transformação da sociedade, lutou desde jovem pelas suas convicções e sua atividade editorial foi decorrência desta postura.

Portanto, a figura de Pinheiro Viegas perpassa, sem dúvida, a história do jornalismo na Bahia, onde seus textos, em todo esse conjunto de atos e de fatos vividos e revividos, nos esclarecem sobre a inteireza de seu engajamento, como pessoa, escritor e jornalista, na construção cultural deste país. Por isso ocupa lugar de destaque entre os renovadores da prosa jornalística, tendo como bom exemplo a linguística densa e complexa, que constrói um universo maldito de Wilde, Baudelaire e Rimbaud, as vezes vendo o mundo pela ótica da loucura, mundo estranho e desconexo, que traduz a angústia não perante a morte, mas perante a vida.

A revolução política de 1912 na Bahia transformou tudo. A disputa pelo poder entre o Partido Republicano Conservador e o Partido Republicano Democrático, leva ao bombardeio de Salvador em 10 de janeiro pelo Exército e a eleição de José Joaquim Seabra em 25 de fevereiro ocorre sob intervenção militar.

Os escritores passaram a pensar menos em termos literários, as ideias foram substituídas por outras preocupações, como na remodelação da cidade. Os sobrados coloniais que ocupavam grande parte do traçado da cidade, mas entre eles já começam a surgir suntuosos prédios de arquitetura neoclássica e eclética. 1912 é o ano em que se inicia a construção do Teatro Municipal, na Praça Castro Alves, e do Cine-Teatro Olympia, na rua Dr. José Joaquim Seabra, local onde existia o Cinematógrafo Íris.

Em virtude da política desfavorável, tendo como consequência os empastelamentos de vários jornais, inclusive dois deles não voltaram a funcionar (A Hora e o Diário da Bahia), além da invasão da Faculdade de Direito por tropas do Exército, como represália a uma brincadeira estudantil, à passagem de uma banda de música daquela corporação pela porta da Faculdade. [4]

O velho e experiente jornalista tinha uma energia que lhe parecia inesgotável, vivendo como uma lâmpada de 1000 watts, mas sentiu a grande hostilidade da época e desiste do jornal Brasil Moderno e retorna ao Rio de Janeiro, República das Letras.

Na história do jornalismo indígena, particularmente no da Bahia, avultará, sempre, o nome de Pinheiro Viegas, que deixou vários trabalhos publicados e amanhã, quando se fizer um estudo amplo da história da imprensa baiana, o seu nome aparecerá como o de um dos que mais contribuíram para o seu desenvolvimento e para a sua grandeza. Viegas dedicou toda a sua vida à imprensa.


[1] A Publicação de Brasil Moderno coincide com as comemorações dos cem anos do primeiro jornal baiano, Idade d’ouro do Brasil, publicado em 14 de maio de 1811, pela Tipografia de Manuel Antonio da Silva Serva.

[2] Mona Lisa (1503-1505), óleo sobre madeira 77 cm X 53 cm, Museu do Louvre, Paris (França) foi recuperado em 12 de dezembro de 1913.

[3] Este poema recebeu depois o título de É o Silêncio… A Cópia foi fornecida a Muricy por Álvaro Killkerry. MURICY, Andrade, Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, 1ª ed. INL, vol. III, 1952, p. 22-23.

[4] O escritor sergipano, Jackson de Figueiredo (1891-1928), na época estudante da Faculdade Livre de Direito da Bahia, durante a intervenção militar, foi atingido no olho por uma baioneta, deflagrada por um dos soldados envolvidos no confronto. Este incidente foi comandado por Joaquim de Magalhães Cardoso (1888-1959), depois governador do Estado do Pará em 1955.

[*] É jornalista e professor universitário. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com]