Os sonhos lúcidos do surrealista René Magritte

René Magritte, Décalcomanie, 1966, © Photothèque R. Magritte / Banque d'Images, Adagp, Paris, 2016
René Magritte, Décalcomanie, 1966, © Photothèque R. Magritte / Banque d’Images, Adagp, Paris, 2016

FERNANDO EICHENBERG/ ZERO HORA

PARIS – “Abusa-se da palavra ‘sonho’ em relação a minha pintura”, queixou-se certa vez o artista belga René Magritte (1898-1967), considerado como um dos expoentes do surrealismo. O célebre pintor e suas nuvens, chapéus, cortinas, maçãs, velas, cachimbos, corpos fragmentados, personagens ou pássaros – em suas mais variadas combinações – invadiram os espaços do Centro Pompidou, em uma ambiciosa exposição parisiense neste início de outono europeu. Magritte, a traição das imagens reúne uma centena de telas, desenhos e documentos de arquivos, sem, no entanto, se reivindicar como retrospectiva do pintor.

A ideia foi fazer uma abordagem inédita da criação de Magritte, explorando seu interesse pela filosofia e seu contato com pensadores, que culmina com a publicação do ensaio “Isto não é um cachimbo” (1973), do filósofo francês Michel Foucault – fruto de sua correspondência com o artista e um questionamento dos fundamentos da representação na arte.

René Magritte, La trahison des images, 1929, © Photothèque R. Magritte / Banque d'Images, Adagp, Paris, 2016
René Magritte, La trahison des images, 1929, © Photothèque R. Magritte / Banque d’Images, Adagp, Paris, 2016

“O público se interessou por mim por todo tipo de motivos que não são muito bons”, lamentava Magritte. Sua obra não era “onírica”, defendia ele, mas bem o contrário. Tratava-se de “sonhos voluntários”.  “Esta vontade que me faz buscar imagens consiste, sobretudo, em produzir o máximo de luz possível. Só posso trabalhar na lucidez. Chama-se isso também de inspiração. Nunca sonhei com quadros a executar. O mundo não se apresenta como um sonho em meu sono. Só posso ‘ver’ uma tela quando estou totalmente desperto e disponho de um estado de espírito perfeito”, confessou.

Para ele, um imagem pintada não representa ideias ou sentimentos, mas sentimentos e ideias podem representar uma imagem pintada. “Meus quadros foram concebidos como sinais materiais da liberdade de expressão”, explicou certa vez. E acrescentou: “Mallarmé não dizia ‘Não é com ideias e sentimentos que se faz poesia, mas com palavras’? A poesia escrita é invisível, a poesia pintada tem uma aparência visível. O poeta que escreve pensa com palavras familiares, e o poeta que pinta pensa com figuras familiares do visível. A escrita é uma descrição invisível do pensamento, e a pintura é sua descrição visível”. Reflexões à parte, o singular humor das telas de Magritte está lá exposto nas salas do Centro Pompidou, para quem quiser ver, até 23 de janeiro de 2017.magritte_le_souvenir_dc_terminant_1942_