Por Danutta Rodrigues e Itana Alencar, G1 BA


Mãe Stella de Oxóssi comandou o Ilê Axé Opô Afonjá por mais de quatro décadas — Foto: Danutta Rodrigues

Um ano após a morte de Mãe Stella de Oxóssi, o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, que fica em Salvador, vai conhecer a nova Iyalorixá neste sábado (28). Fechado desde o falecimento de Mãe Stella, no dia 27 de dezembro de 2018, o terreiro de candomblé é um dos mais importantes do país e carrega o legado de Mãe Stella, que dirigiu a casa por mais de quatro décadas.

Segundo o presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá e um dos 12 obás de Xangô do terreiro, Ribamar Daniel, quando falece a Iyalorixá ou um Babalorixá de qualquer terreiro, a comunidade fica de luto, quando há uma ausência total de rituais religiosos durante um ano. A Iyalorixá é responsável por comandar o terreiro, alimentar a casa, e fazer todas as obrigações religiosas.

"Então, durante esse ano, a única obrigação religiosa que se faz é a obrigação fúnebre, que é chamada de axexê. Então, tem o primeiro axexê, que começa no dia em que ela é sepultada, e, durante sete dias, faz-se a festa de despedida para que o espírito dela, que nós chamamos de egum, seja liberado, deixe a terra, que é o aiyê, e vá para o orum, que é o céu".

De acordo com Ribamar, que também é ogã do terreiro [cargo masculino no candomblé], essa cerimônia é realizada com um mês, três meses, seis meses, e a primeira etapa encerrou na sexta-feira (27), com um ano. Sendo que as atividades que precedem a sucessão começaram uma semana antes do dia da morte de Mãe Stella, para terminar no dia em que ela faleceu.

Sucessora de Mãe Stella de Oxóssi será escolhida neste sábado

Sucessora de Mãe Stella de Oxóssi será escolhida neste sábado

"No nosso caso, o axexê começou no dia 22 [de dezembro] e vai terminar no dia 28 [de dezembro]. No dia do encerramento será feito o jogo de búzios em que Xangô, que é o nosso patrono, o orixá da justiça, vai indicar a pessoa que vai substituir a Iyalorixá, sendo essa próxima a sexta Iyalorixá do terreiro, e a quinta substituta de Mãe Aninha, que foi a fundadora”, explica Ribamar.

O ogã ainda destacou que o terreiro tem tradição matriarcal devido a uma ordem da fundadora da casa, Mãe Aninha, que determinou que a sucessão do Opô Afonjá seria sempre assumida por mulheres. “A expectativa é muito grande. Como a associação é matriarcal, Xangô poderá escolher a filha de santo mais antiga, ou uma filha de santo mais nova", conta Ribamar.

Terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador — Foto: Andréa Silva/TV Bahia

Segundo ele, tem mães de santo famosas da Bahia que foram escolhidas jovens, ainda sem as obrigações completas, e tiveram que cumprir o ritual de completar suas obrigações religiosas.

"Então, no terreiro, qualquer uma delas poderá ser a Iyalorixá, resta Xangô escolher. E a palavra de Xangô é inquestionável. Se Xangô escolheu, tem que ser respeitado”, completou.

Durante um ano de luto, quem assumiu o Opô Afonjá foi o conselho religioso, que é dirigido por Mãe Ditinha de Yemanjá. Ela é a Iyakekerê, a mãe pequena do Opô Afonjá, a segunda pessoa mais importante do terreiro.

Ribamar Daniel, presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá e um dos 12 obás de Xangô do Ilê Axé Opô Afonjá — Foto: Itana Alencar/G1

"Ela é como se fosse a ‘vice’ da Iyalorixá, que só assume quando a titular está ausente. No caso do falecimento, ela fica na titularidade durante um ano. E poderá até ser ela a mãe de santo, ela é a mais antiga do terreiro, mas também pode ser escolhida a mais nova. Por coincidência, a nossa Iyakekerê é a mais antiga 'feita' [filha de santo] do terreiro. Depois de Mãe Stella, ela é a mais velha, embora não seja tão velha porque ela foi feita com cinco anos de idade. Xangô também irá escolher a Iyakekerê. Tudo vai depender de Xangô", explica Ribamar.

Legado

Quadro de Mãe Stella pendurado na casa de Ribamar Daniel — Foto: Itana Alencar/G1

Estudiosa e divulgadora da crença religiosa africana, Mãe Stella foi a primeira ialorixá no Brasil a escrever livros e artigos sobre o candomblé. Em 2013, foi eleita por unanimidade para a Academia de Letras da Bahia, ocupando a cadeira de número 33 cujo patrono é o poeta Castro Alves.

Para Ribamar, um dos maiores legados de Mãe Stella foi quando ela "rompeu" com a igreja católica, que foi o momento em que a Iyalorixá discordou do sincretismo religioso.

"Rompeu no bom sentido, quando ela disse que o candomblé não precisava ser sincrético, ser atrelado à religião católica. O candomblé era uma religião igual a qualquer outra religião porque nós temos dogma, temos liturgia, nós temos rituais. São três fundamentos que se baseiam para uma religião. E esses três princípios básicos nós temos no candomblé", conta.

“Ela foi uma mãe-irmã importantíssima. Ela foi uma literata, ela foi uma pessoa que fez parte da Academia Baiana de Letras, ela foi a primeira Iyalorixá a escrever livros...Tem uma frase dela muito importante que diz: o que não se escreve, o tempo leva", relembra Ribamar.

"Então, com isso ela passou a escrever com a religião dos orixás, não sobre as coisas mais importantes do candomblé, mas dando a importância do valor que é uma religião afro-brasileira. Então, pra mim esse foi o maior legado de Mãe Stella, e esse legado é que vai perpetuar, que vai manter, e nada vai apagar. Era uma pessoa leve, inesquecível, que jamais será esquecida pelos filhos de santo, pelos baianos, pelo mundo todo", destaca o ogã.

Mãe Stella lançou canal no YouTube — Foto: Reprodução

Para Graziela Dhomini, companheira de Mãe Stella, o ano sem a Iyalorixá foi de intenso trabalho para perpetuar a obra da mãe de santo.

"Trabalhei esse ano todo, depois do segundo dia do enterro dela, no outro eu já estava escrevendo e estou lançando os dois livros que ela me pediu. Estou inaugurando neste sábado a Fundação Portal da Lua, que é um memorial sobre ela, na Ilha de Itaparica, em Vera Cruz", conta Graziela.

"Para mim ela vive, ela vive dentro do meu coração. E uma pessoa que passa pela terra como ela tem que fazer com que a obra seja lembrada permanentemente. Eu estou fazendo, através da coleção dos livros que já tínhamos escrito para editar, o relançamento de um e o lançamento de outro. O site da Fundação [http://fundacaoportaldalua.com.br] também está muito bonito", diz a psicóloga.

“Ela não morreu nem um dia pra mim. Eu vivo com ela 24 horas por dia. Escrevendo poemas e tudo mais”, conclui Graziela.

Biografia

Mãe Stella de Oxóssi — Foto: Reprodução/TV Globo

Considerada uma das maiores Iyalorixás do país, Mãe Stella nasceu no dia 2 de maio de 1925, em Salvador. Foi a quarta filha de Esmeraldo Antigno dos Santos e Thomázia de Azevedo Santos. Aos 13 anos de idade, foi levada pela tia, que a criava, para o terreiro de mãe Aninha, a fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá. Um ano depois, foi iniciada no candomblé.

Na juventude, sempre gostou de ler. Formou-se enfermeira, profissão que exerceu durante 30 anos. Em 1976, aos 51 anos de idade, foi escolhida pelos orixás para ser a nova líder do terreiro de São Gonçalo do Retiro. Mãe Stella foi a quinta ialorixá a comandar o Ilê Axé Opó Afonjá. Em 1999, Mãe Stella conseguiu que o terreiro fosse tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Em 2005, recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Quatro anos depois, recebeu o mesmo título pela Universidade do Estado da Bahia. Além disso, Mãe Stella foi agraciada com a Comenda Maria Quitéria, da Prefeitura de Salvador, com a Ordem do Cavaleiro, do Governo do Estado, e a Ordem do Mérito, do Ministério da Cultura.

O livro “Mãe Stella de Oxóssi – Estrela nossa, a mais singela!”, obra organizada pelo escritor Marcos Santana, conta a história de vida da ialorixá com poesias, depoimentos, resenhas e análises de algumas de suas produções intelectuais. A obra foi lançada em 2014, no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.

Em 2014, ela também foi homenageada da Flica, festa literária que é realizada todos os anos na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano. Na mesma época, criou a biblioteca itinerante adaptando um ônibus para levar a qualquer lugar livros que abordam curiosidades sobre todas as religiões.

Mãe Stella lançou aplicativo com orientações e mensagens de fé em 2017 — Foto: Alan Tiago Alves/G1

Em 2017, Mãe Stella idealizou e lançou um aplicativo com orientações e mensagens de fé e motivação e ainda decidiu criar um canal no YouTube com ensinamentos e referências da cultura iorubá, memórias, depoimentos e textos sobre a sua vida.

Nesse mesmo ano, ela já estava morando na cidade de Nazaré, a cerca de 210 quilômetros de Salvador. Ela se mudou da capital baiana para lá depois de um desentendimento entre filhos de santo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, e a companheira dela, Graziela Dhomini.

Em 27 de dezembro de 2018, Mãe Stella morreu na cidade de Santo Antônio de Jesus, no recôncavo da Bahia, aos 93 anos, após mais de dez dias internada no Hospital INCAR por causa de uma infecção. Uma multidão acompanhou o sepultamento de Mãe Stella, que aconteceu no dia 29 de dezembro, em Salvador, após uma decisão judicial devido a um impasse entre a companheira da Iyalorixá e os filhos de santo do terreiro.

Em 9 de abril deste ano, uma obra de arte composta por esculturas do orixá Oxóssi e de Mãe Stella foi inaugurada. As esculturas foram instaladas no início da Avenida Mãe Stella de Oxóssi, via que liga a Av. Paralela à orla do bairro de Stella Maris, em Salvador.

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Orixá de quase 7m e imagem de Mãe Stella de Oxóssi são inauguradas em avenida com nome da Ialorixá em Salvador — Foto: Cid Vaz/TV Bahia

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