Por Itana Alencar, G1 BA


Bebê teve rosto machucado ao ser puxada à força durante parto com fórceps na Bahia; mãe levou 42 pontos — Foto: Arquivo pessoal

Uma jovem de 25 anos denuncia ter sofrido violência obstétrica na Maternidade Professor José Maria de Magalhães Netto, em Salvador. Ela conta que, sem que fosse avisada, o parto foi induzido por um fórceps, instrumento de metal para extrair a bebê. Ela levou 42 pontos e a criança teve o rosto machucado no procedimento. O caso foi registrado na Ouvidoria do Estado da Bahia.

Ayodele Onawale, que é estudante de Administração, conta que a situação aconteceu no dia 15 de agosto, quando esteve na unidade médica para dar à luz. Além da violência que sofreu no parto e do ferimento no rosto da filha, ela também relata não ter sido adequadamente assistida pelos profissionais da maternidade.

"Às 8h da manhã, mais ou menos, a minha bolsa estourou. Comecei a perder líquido e fui para a maternidade. Chegando lá, eles fizeram o exame de toque e aí viram que tinha 6,5 cm de dilatação e me internaram. Até então, eles mandaram eu tomar banho, aí eu tomei o banho e fiquei lá, porque eu tinha que ficar internada. Todos os meus pertences, inclusive o celular, ficaram com meu pai. Ele não podia entrar, e eu tive que ficar lá só. Meu pai ficou do lado de fora, porque foi ele quem me levou, e assim começou", lembra ela do dia de desespero que passou.

"Fiquei lá o dia inteiro, sem ser assistida por ninguém. Se eu tinha que ir no banheiro, eu pedia e ninguém ajudava. Eu ia só".

A dilatação de Ayodele evoluía, mas ela não sentia dor, o que é incomum durante o trabalho de parto. A jovem conta que se passou muito tempo até que alguém revolvesse agir. Depois de passar horas com a dilatação evoluindo, uma enfermeira resolveu induzir as contrações com remédio.

"Mesmo com a dilatação aumentando, eu não tinha contrações, não sentia dor. Então lá estava. E minha dilatação aumentando. Eu fiquei lá por muito tempo, sem ninguém me assistir. Eu pedia informação e ninguém dava. Um segurança veio para saber como eu estava, porque meu pai pediu. Eu falei para ele, e meu pai continuava do lado de fora esse tempo inteiro", diz.

"Até que viram que não estava com dor e a dilatação estava aumentando, chegou a 8 cm, e eles resolveram me dar um medicamento para induzir as contrações".

Quando a medicação começou a fazer efeito, Ayodele passou a sentir a dor. Só depois de várias horas, permitiram que a mãe dela entrasse para assistir ao parto. A jovem conta que só foi levada para uma sala de pré-parto quando já era de noite, cerca de 12 horas após ter dado entrada na maternidade.

"Eu comecei a sentir algumas dorezinhas, que era como se fossem proveniente da dor do parto. Com isso, minha mãe entrou, porque ela poderia assistir ao parto. Meu pai não entrou. Aí eles logo avisaram que ela só iria assistir ao parto e ia embora. Então ela entrou com minhas coisas, com as coisas do bebê e lá ficamos. De 9h da manhã, eu fui entrar no pré-parto, nessa sala de parto, umas 20h. E nisso começou essa saga", conta.

"Eu comecei a sentir essas contrações, e aí fizeram mais exames de toque, sem nenhuma ultrassom ter sido feita desde a hora em que eu cheguei".

Depois da primeira medicação que Ayodele teve que tomar, ela conta que a equipe seguiu aplicando mais medicamentos, sob o pretexto de que ajudariam no parto. Em um novo exame de toque, a enfermeira obstetra chegou a dizer que sentia a cabeça da criança encaixada na posição de sair.

"A única coisa que fizeram foi o exame de toque, só o toque. A enfermeira obstetra, que era quem estava comigo para fazer o parto, dizia: '8 cm de dilatação! Vamos, mamãe, tem que sentir mais dor!'. E nisso, eles induzindo medicamentos para que eu sentisse dor. E aí eu sentia dor e no exame de toque ela falava: 'Aqui já está a cabecinha, faça força. Já está saindo'. Eu fazia toda a força do mundo e não conseguia ter um parto normal, natural. Até que ela viu que eu não iria conseguir, e pediu para que eu, em cima da maca, me sentasse em cima de uma espécie de cadeirinha", lembra.

Caso aconteceu na Maternidade de Referência Professor José Maria de Magalhães Netto — Foto: Gabriel Gonçalves/G1 Bahia

A cadeirinha que Ayodele cita é uma banqueta semelhante a um vaso sanitário, geralmente utilizada em partos para que a grávida fique em uma posição que facilite a saída do bebê. Mesmo em cima do equipamento, a jovem não conseguia dar à luz e só descobriu o motivo depois que um médico foi examiná-la.

"Em cima da maca, ela colocou essa espécie de cadeirinha para eu sentar e fazer mais força. E nada. E o tempo todo ela me tocava e dizia que era a cabecinha da criança. Quando ela viu que eu não iria conseguir, ela chamou o médico", conta a jovem.

"Esse médico veio e quando ele fez o exame de toque, ele percebeu que não era a cabeça, era a orelha. Ou seja, minha filha estava atravessada em mim".

Ayodele e a mãe, que estava na sala assistindo a toda essa situação, quiseram saber se era possível fazer uma cesariana, devido à posição da criança.

"O médico explicou que, por terem induzido para que fosse um parto natural, se eu fizesse uma cesariana, eu poderia morrer, ou minha filha, ou nós duas, porque já tinha passado de ser um parto cesária. A menina já estava mais abaixo do que poderia ser cesárea", relata.

Ayodele conta que foi nesse momento que sofreu mais uma violência: foi submetida a um parto com uso de fórceps sem ser comunicada da situação.

No Brasil, não existe uma lei que caracterize a violência obstétrica. Apesar disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) enquadra nesse quesito qualquer comportamento por parte dos profissionais de saúde que cause desrespeito, maus-tratos e abusos durante o parto em instituições, além da situação ser considerada violação dos direitos humanos.

A jovem recebeu anestesia raquidiana, que é aplicada pelas costas e ameniza dores na região do ventre. No momento em que a filha foi puxada, ela teve a pele rasgada e precisou tomar 42 pontos.

"Ele não falou que seria um parto de fórceps. Falou que chamaria uma anestesista e que aí eu ia tomar anestesia e eles iriam fazer um procedimento para ajudar no parto. Até aí, ok. A anestesista veio, tomei uma [anestesia] rack [raquidiana], e o procedimento começou. Eles lá no exame de toque e eu não sentia dor por causa da rack. Porém, eu sentia muita cãibra, muita, muita. Eu reclamava e eles nem aí. Minha mãe estava começando a se desesperar, porque até então ela viu tudo".

"Aí eles começaram a induzir, foi quando eu vi aqueles dois ferros e o meu desespero bateu. Só que como eu estava da cintura para baixo imóvel, que minha mãe ainda perguntou o porquê do fórceps, eles enfiaram o fórceps em mim, giraram a minha filha, para por na posição certa, depois enfiaram novamente o fórceps e aí puxaram".

Bebê teve rosto machucado ao ser puxada à força durante parto com fórceps na Bahia; mãe levou 42 pontos — Foto: Arquivo pessoal

Depois que a bebê nasceu, mãe e avó perceberam a marca no rosto da criança. Ayodele conta que a mãe dela questionou várias vezes ao médico sobre o machucado, e ele não respondia às perguntas.

"Quando puxaram a menina, a gente viu a marquinha no rosto, que estava parecendo uma queimadura. Como se a gente tivesse esquentado uma colher e passado no rosto da criança. Fora que ela estava muito roxinha, e o olhinho também estava meio machucadinho. Aí começou o nosso desespero. Minha mãe começou a se desesperar e perguntar o porquê, e eles não responderam nada das nossas perguntas, nem o porquê machucou, nem como iria tratar, nada".

"Mesmo com todo o processo que eu já tinha passado, sem sentir as minhas pernas ainda, levei 42 pontos, e aí eu fiquei desnorteada. Eu não conseguia pegar minha filha, porque eu estava com muita dor".

Ela e a mãe precisaram insistir para que o médico respondesse a uma das perguntas. Depois de todo o trauma que passou, ela foi levada para tomar banho e acabou desmaiando.

"A gente ficou contestando, contestando, e ele só falava: 'Ah, mamãe, a pele de bebê sara rápido'. Essa foi a única resposta que me deram. Aí o desespero batia, eu saí de mim. Uma mãe ver um filho nascer daquela forma, ainda machucado, entra em desespero. Eu acho que eu estava delirando, porque eu gritava.Além disso, depois de todo esse processo, saíram todos da sala e ficou a técnica de enfermagem. Ela falou: 'Vamos tomar banho'. Eu falei para ela que não estava conseguindo, e ela fez com que eu me levantasse da maca para sentar em uma cadeira. Nesse processo, eu desmaiei, apaguei".

A jovem conta também que pouca higienização foi feita na sala, que estava muito suja de sangue. Depois de tomar banho, ela ainda precisou insistir para que a mãe a acompanhasse durante a noite, por causa do trauma que viveu.

"Mesmo nessa pandemia, eles não tiveram higienização em nada, a todo momento a sala estava muito suja de sangue. Tomei banho e aí eu comecei a dizer que não iria ficar na maternidade sozinha, porque não tinha condições. E eles o tempo todo dizendo que não poderia ter acompanhante por causa dessa época de pandemia. Eu comecei a dizer que não ia ficar só, e eles decidiram deixar minha mãe lá só aquela noite, sendo que eu entrei umas 9h e só fui ter a minha bebê era umas 22h22. Eu só subi para o quarto 1h [do dia 16]", lembra.

Ayodele conta ainda que, depois ter o rosto machucado pelo fórceps durante o parto, a bebê foi machucada novamente no mesmo lugar ao ser levada para tomar banho.

"A bebê teve que completar 24 horas para tomar banho. No dia que foram dar banho na minha bebê, machucaram novamente o rostinho dela. Uma técnica de enfermagem disse que achava que aquilo ali era um sinal no rosto, aí minha revolta bateu novamente".

Depois de sair da maternidade, a jovem registrou o caso na Ouvidoria do Estado, porque a Maternidade Professor José Maria de Magalhães Netto é pública.

O G1 entrou em contato com a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), que administra a unidade, para saber quais providências estão sendo tomadas, bem como se a secretaria apura a situação, mas não havia sido respondido até a última atualização da reportagem

Veja mais notícias do estado no G1 Bahia.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!