Por Pedro Alves, G1 PE


Débora e o filho, José Ricardo, que teve Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) — Foto: Reprodução/WhatsApp

"É uma sensação horrível. Você só pensa besteira, mas é o momento que a gente mais se agarra com Deus. Ele teve uma parada cardíaca e me tiraram de perto dele. Mas, como no hospital as salas são de vidro, eu vi muita coisa. Para uma mãe, ver o que é vi, é muito ruim".

O depoimento é da dona de casa Débora Ferreira, de 37 anos, mãe do adolescente José Ricardo, um dos primeiros casos notificados em Pernambuco da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), doença rara associada à Covid-19.

O garoto, que completou 14 anos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Correia Picanço, no Recife, ficou 18 dias internado, sendo dois deles intubado, devido a complicações da doença recentemente descoberta.

Na terça-feira (25), o governo do estado confirmou a primeira morte de criança com quadro relacionado à SIM-P. Ao todo, há nove casos no estado, sendo uma morte, um paciente internado em enfermaria e outros sete, incluindo o menino José Ricardo, já curados.

Síndrome rara associada ao coronavírus preocupa médicos em Pernambuco

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José Ricardo foi socorrido pela primeira vez em junho, em uma Unidade de Pronto Atendimento com febre, dor de cabeça e dor abdominal. Ele foi liberado, mas, diante do agravamento dos sintomas, voltou ao local (veja vídeo acima).

Na UPA, os médicos acreditavam que se tratava de apendicite. Ele foi, então, transferido para o Hospital da Restauração (HR), no Centro do Recife.

"Fizeram uma tomografia e viram que ele não tinha apendicite, mas um comprometimento pulmonar. No domingo, fomos transferidos para o Correia Picanço e, na segunda-feira, ele foi intubado. Lá, fizeram o teste de Covid-19 e deu positivo. Metade do pulmão, coração e rins estavam comprometidos. Ele só foi extubado na quarta-feira à tarde. Ele teve manchas vermelhas e deu um derrame no olho dele", afirmou Débora.

José Ricardo, de 14 anos, foi atendido no Hospital Correia Picanço, no Recife — Foto: Reprodução/WhatsApp

Seis casos de crianças com a nova síndrome foram notificados no Correia Picanço, mas também há notícias de casos nos hospitais Oswaldo Cruz e Barão de Lucena, todos na capital pernambucana.

A síndrome surge dias a semanas após o contato com o novo coronavírus e todos os pacientes do estado tiveram como sintoma em comum febre persistente.

"A gente não sabe como ele pegou a Covid-19. Lá em casa moramos eu, ele, minha mãe e minha filha de 18 anos. Todos estávamos isolados e a única saída que José Ricardo deu foi dois dias antes de ficar doente, para consertar a bicicleta. Mesmo assim, nenhuma de nós apresentou sintomas da doença. No hospital, as médicas conversaram comigo e disseram que o que ele tinha era uma síndrome derivada", disse.

José Ricardo ganhou um bolo da equipe médica quando fez aniversário no hospital — Foto: Reprodução/WhatsApp

No dia 15 de julho, ainda no hospital, José Ricardo fez aniversário, e celebrou a data sob os aplausos da equipe médica, com um bolo e presentes levados pelos profissionais de saúde. Mas mesmo fora de perigo, segundo a mãe, ele ainda sofre com sequelas da síndrome.

"Eu noto que ele está mais agitado, menos paciente, um pouco diferente. Ele ainda está sendo acompanhado por um reumatologista, mas estamos esperando um exame de ecocardiograma para continuar o tratamento", disse.

Síndrome rara

No Correia Picanço, o caso de José Ricardo foi o primeiro a ser notificado desde que houve o alerta para a existência da síndrome. Segundo a médica intensivista pediátrica Patrícia Monteiro, que atendeu o garoto, ele provavelmente chegou ao hospital no fim da fase aguda da Covid-19, já que fez três testes e, em um deles, o resultado foi negativo.

"Ele fez um teste RT-PCR na Restauração, mas, quando chegou ao Correia Picanço, ainda não tínhamos o resultado. Eu fiz outro e, no mesmo dia, pedi um teste rápido, que deu positivo. O primeiro teste, feito no outro hospital, também deu positivo. O segundo, feito dois dias depois, já deu negativo", afirmou a médica.

O primeiro caso notificado no Correia Picanço chegou à unidade hospitalar no final de abril. Na época, não havia relato da SIM-P e o diagnóstico foi feito de forma retrospectiva. A paciente era uma menina que tinha 9 anos de idade e teve diagnóstico positivo tanto para Covid-19 quanto para dengue hemorrágica.

Alerta

Quando o Reino Unido acendeu a luz vermelha para a SIM-P, a Sociedade Brasileira de Pediatria emitiu um alerta para que os médicos monitorassem os casos e passassem a notificá-los.

As crianças e adolescentes que são diagnosticados com a SIM-P podem ter tido contato com o novo coronavírus, mas ter tido a doença causada por ele de forma assintomática ou com poucos sintomas. A síndrome é um processo inflamatório do organismo relacionado a uma resposta da infecção pelo Sars-Cov-2.

"Foi a partir do caso de José Ricardo, primeiro a ocorrer depois do alerta do Ministério da Saúde, que começamos a voltar os olhos para esses casos. Vários critérios são necessários para classificar os casos como a SIM-P. Dor abdominal intensa, erupções cutâneas, diarreia, vômitos, enteremia ocular importante, que, na visão de um leigo, parece conjuntivite. Esses são alguns sintomas", afirmou.

Ainda segundo a médica, o fato de ser uma síndrome que se apresenta tardiamente em relação ao contágio pelo novo coronavírus dificulta o diagnóstico.

"Uma grande parte dos casos não tem o swab [teste molecular feito por meio de amostras da garganta ou nariz] positivo. É uma manifestação tardia, que aparece de duas até seis semanas depois da Covid-19, que o organismo desenvolve depois. Quando íamos atrás de quem poderia ter tido a síndrome, sempre havia um discurso de 'há um mês teve contato com o tio que teve Covid-19', 'há uns 30 e poucos dias a gente saiu'. Assim, foi possível fazer uma análise de quem passou pelo hospital e podia ser um caso", declarou.

Covid-19 em Pernambuco

Pernambuco registra 1.069 novos casos e 20 óbitos pela Covid-19.

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O número total de mortes em Pernambuco pela Covid-19 subiu para 7.480 e o de casos, para 122.147, com o registro de 1.069 novas confirmações da doença e 20 óbitos, divulgados nesta quinta-feira (27) pela Secretaria Estadual de Saúde (veja vídeo acima).

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