Blog do Luciano Trigo

Por Luciano Trigo, G1


Clarice Lispector é retratada no livro 'Gente de Letras', de Loredano — Foto: Reprodução/Loredano

Por mais que se esteja familiarizado com seu trabalho, cada desenho de Cássio Loredano provoca no observador uma sensação de encanto e estranhamento. Linhas inacabadas, sombreados inusitados e grandes espaços vazios se combinam em uma rara alquimia, resultando em verdadeiros retratos da alma.

Já objeto de outras coletâneas, o talento reconhecido e premiado do artista recebe mais um merecido registro em “Gente de Letras” (editora Sapoti, 200 pgs. R$ 50), que reúne cerca de 200 caricaturas de escritores, publicadas ao longo de cinco décadas em O Globo e outros jornais e revistas no Brasil e no exterior (Pasquim, Opinião, La Reppublica, El País, Frankfurter Allgemeine, Libération etc). Freud, Machado de Assis, Lima Barreto, Clarice Lispector, Euclides da Cunha, Marguerite Yourcenar, Oscar Wilde, Virginia Woolf, Franz Kafka, James Joyce e Vladimir Nabokov são alguns dos escritores retratados.

Loredano reduz a caricatura aos seus elementos essenciais, quase sempre sem usar a cor – que só aparece em detalhes acessórios, como a flor na lapela de Machado, no desenho da capa do livro. Subvertendo convenções do gênero, seu foco não é o humor, mas a captura da essência de cada personagem, os traços psicológicos que o definem – traços que se materializam em olhos melancólicos (Kafka) ou fora da órbita (Sartre); em mãos esqueléticas (Michel Houellebecq) ou gorduchas (Carlos Heitor Cony); em bigodes fartos (Nietzsche, Elias Canetti) ou sutis (Fernando Pessoa). Sempre elegante e discreto, Loredano não tem como objetivo provocar gargalhadas, mas falar à inteligência do leitor.

Nascido no Rio de Janeiro em 1948, Loredano também é um especialista nos desenhistas Nássara e J.Carlos, – sobre quem já escreveu mais de um livro – e pesquisador da história da ilustração no Brasil. “Sempre tive confessa predileção por desenhar animais literários”, ele escreve no texto de apresentação. “Escritores são em geral fisionomias de maior intensidade e interesse, e seu trabalho é mais bonito e de maior duração e influência do que o da maioria das outras tribos. Retratá-los, quase sempre com clara simpatia, é capaz de ter sido uma forma inconsciente de retribuir, ainda que infimamente, as alegrias que há todos esses anos eles me vêm pondo no colo e na alma”.

Caricatura de Euclides da Cunha feita por Loredano — Foto: Reprodução/Loredano

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