Por Raoni Alves e Marcos Serra Lima, g1 Rio


Zona Portuária do Rio terá galeria de arte a céu aberto com 11 mil m²

Zona Portuária do Rio terá galeria de arte a céu aberto com 11 mil m²

Ruas abandonadas, imóveis degradados e insegurança. Essa é a realidade de grande parte da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Está em andamento, porém, um plano de alterar de vez a cara da região, que já recebe intervenções artísticas desde antes dos Jogos Olímpicos de 2016.

Está prevista para janeiro de 2022 a conclusão da 1ª fase do Distrito de Arte do Porto (DAP). O projeto, que é financiado pela inciativa privada, pretende revitalizar os bairros Santo Cristo, Saúde e Gamboa através da arte de rua. Algumas das obras já podem ser vistas.

Os 3000m² de um galpão no Santo Cristo foram revitalizados com grafite — Foto: Marcos Serra Lima/g1

Inspirado no sucesso do Mural Etnias, do artista Eduardo Kobra, a ideia do DAP é transformar toda a região em uma enorme galeria de arte a céu aberto. Segundo os idealizadores, a maior de toda América Latina.

Responsável pelo projeto, Hiroshi Shibuya, diretor executivo do Núcleo de Ativação Urbana (NAU), acredita que a ação poderá modificar a relação do carioca com a Zona Portuária.

Para ele, toda a região do Porto Maravilha será beneficiada, do Santo Cristo ao Moinho Fluminense, passando pela Rodoviária do Rio e o Boulevard Olímpico. De acordo com Shibuya, também estão previstas ações sociais envolvendo hospitais e ONGs.

"Nós estamos utilizando a arte como mola propulsora do desenvolvimento social e territorial da região. Não se trata apenas de arte por arte. Se trata de desenvolver um território que precisa ser desenvolvido, desde o comércio até a parte social, atraindo novos moradores, atraindo novos empreendedores que queiram estar na região", explicou Hiroshi Shibuya.

Grafites, poesia e urbanismo

O Distrito de Arte do Porto começou a sair do papel no início de outubro, quando os primeiros murais foram entregues. Até o momento, são 3 mil m² de área pronta, com 18 obras de diferentes artistas.

O artista Marcelo Ment trabalha em mural gigante na Avenida Professor Pereira Reis, no centro do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/g1

Entre as próximas ações na região, a NAU pretende revitalizar a sede da Secretaria de Educação do Estado; fazer um mural de graffiti com a ajuda de drones; e lançar a campanha 'Poesia Stencil', onde 20 pessoas serão selecionadas através de uma votação na internet para eternizar suas frases em mobiliários urbanos do Porto Maravilha.

Essa última campanha é uma homenagem do Distrito de Arte do Porto a memória do Profeta Gentileza, artista de rua que ficou conhecido a partir da década de 1960 por fazer inscrições em viadutos do Rio.

Além dessas intervenções em destaque, está prevista a recuperação de diversos casarões da Rua Santo Cristo, umas das poucas vias comerciais do bairro. No projeto de revitalização, vários artistas vão pintar suas obras nas fachadas das antigas casas.

"A rua Santo Cristo é uma rua de comércio, mas são comércios muito antigos, casarões que tem uma arquitetura muito boa, super significativa, porem estão deteriorados, sem investimento e precisam de uma característica melhor. Nós vamos entrar ali junto com a Prefeitura, Conservação, Cdurp, RioLuz, Comlurb, um mega mutirão. Junto com os artistas, vamos promover uma ação em toda essa rua, gerando fachadas mais coloridas, mais vivas, transformando através da arte. Vai ser a integração desse corredor comercial ao Distrito de Arte do Porto", comentou Hiroshi.

Os murais do Boulevard Olímpico, no centro do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/g1

Outra iniciativa do grupo de trabalho será a aplicação da Arte Interativa do Asfalto (AIA). A ideia é pintar calçadas, ruas e avenidas. O artista que vai comandar essa produção será o grafiteiro Toz Viana.

"Estamos na fase final do diálogo com a CetRio e o Contran para que possa ser aprovado o layout. A ideia é que não faça nenhum tipo de interferência no esquema de segurança. Pelo contrário, o AIA vem para melhorar mais ainda a sinalização e a questões de transito e segurança nas vias", explicou Hiroshi.

Ao todo, o projeto de revitalização da região vai contar com seis fases. A primeira etapa é voltada para o bairro Santo Cristo. Em seguida, as intervenções vão ser feitas nos outros pontos do Porto Maravilha, como a região do Moinho Fluminense e da rodoviária.

"O Distrito de Arte do Porto não é só sobre arte, é sobre de que forma eu posso transformar e ressignificar uma região através da arte", comentou Hiroshi.

"Desenvolver uma região como o Porto para mim tem sido muito mais do que a realização de um sonho. É a possibilidade de construir do zero um futuro melhor. Basicamente, eu to colocando aqui todo o meu propósito de vida. Podendo olhar depois e saber que eu construí algo bacana e é nisso que a gente se agarra", disse o diretor da NAU.

Roteiro turístico

Segundo o presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), Gustavo Guerrante, a ideia de uma região completamente tomada pela arte de rua surgiu antes mesmo das obras para a Olimpíada de 2016.

Detalhe de grafite na Gamboa, centro do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/g1

A primeira intervenção urbana no local foi a derrubada da Avenida Perimetral. Em seguida, a construção do Túnel Marcello Alencar. E com essas grandes obras, vieram o Museu do Amanhã, a Orla Conde, o Museu de Arte do Rio, o VLT e outros pontos culturais da Zona Portuária. Ainda nessa época, a prefeitura já pensava em promover uma grande ocupação artística no Porto Maravilha.

"O Distrito de Arte do Porto, de fato, foi uma iniciativa que surgiu desde o projeto de revitalização. O maior marco disso é o mural do Kobra, que virou um local instagramavel, como se diz. Na época dos jogos olímpicos, tinha um conjunto de atividades muito grande acontecendo aqui na região. Atividades não só ligadas as olimpíadas, mas também ligada a cultura e a música, principalmente", contou Guerrante.

O presidente da Cdurp afirma que após os jogos olímpicos, a Zona Portuária passou por um período de abandono do poder público. Na opinião de Gustavo Guerrante, os próximos meses vão ser de grande movimentação de turistas por lá.

"Depois desse período olímpico, o número de atrações caiu e a gente teve uma crise econômica e política grande. Tivemos um prefeito, Marcelo Crivella, que não tinha realmente nenhum interesse de movimentar a região. Para completar, tivemos uma pandemia que tirou as pessoas da rua. Agora, a gente tem a expectativa do retorno das atividades, que de fato nós entendemos que terá um efeito parecido com o da olimpíada, com as pessoas querendo ir para rua, querendo comemorar, mas com uma demanda reprimida de interação, de cultura, de arte. E o Porto Maravilha é um ponto de encontro pra isso", comentou.

Meninos jogam futebol no Boulevard Olímpico, no centro do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/g1

"Não há lugar melhor no Rio, ou no país, para que a gente tenha um roteiro cultural que as pessoas aproveitem isso. E o Distrito de Arte do Porto é uma continuidade do processo de revitalização da região", completou Guerrante.

Miami e São Paulo como inspiração

O conceito que está sendo adotado no Porto Maravilha não é uma novidade mundo afora. A utilização da arte de rua como meio de transformação de uma região degradada já foi aplicada em outras cidades, como Miami e Berlim, por exemplo.

O processo aconteceu até mesmo na Orla Conde, trecho da Zona Portuária do Rio que ficou famoso pelas imagens icônicas do artista Eduardo Kobra. O local também serviu como inspiração para o Distrito de Arte do Porto.

Detalhe de grafite em galpão do centro do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/g1

Contudo, segundo Hiroshi Shibuya, a principal referência para o DAP foram as cidades de Miami e São Paulo.

Na cidade americana, por exemplo, o bairro de Wynwood passou por uma revolução e virou um cobiçado distrito de arte e design dos Estados Unidos. Não à toa, o local recebeu, em dezembro de 2019, o primeiro museu dedicado à arte do graffiti do mundo, o Museum of Graffitti.

"O Wynwood de Miami é uma das principais (inspirações), talvez a maior. Lá eles têm uma história muito parecida com o porto, de abandono, criminalidade e de como ele era antes deteriorada e como ela se renova e ressignifica através da arte", contou Hiroshi.

Mas a cidade de Miami não foi a única fonte para os executivos da NAU. Na América do Sul, uma pequena cidade chilena, localizada a 120 km da capital Santiago, também virou exemplo.

Em Valparaíso, os primeiros murais foram criados nos anos 1970, quando estudantes do Instituto de Arte da Universidade Católica decidiram tentar amenizar a deterioração dos edifícios do local. O objetivo era impedir que as pichações e cartazes deixassem a cidade feia. Atualmente, o projeto tornou-se a maior expressão coletiva de arte de rua no Chile.

"O diferencial de lá é que a cidade inteira abraçou o conceito. Você não tem só os muros comerciais, grandes galpões ou empresas, mas tem também várias casas que foram abertas para aqueles artistas. E consequentemente, isso se tornou um comércio também. Isso foi muito bacana porque ajudou a desenvolver o turismo, melhorou o aspecto visual, a questão de segurança e hoje a cidade ta no radar de várias pessoas no mundo que querem ir lá conhecer", argumentou Hiroshi.

Muro revitalizado com grafite na rua Professor Pereira Reis, centro do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/g1

A cidade de São Paulo também tem um projeto de revitalização baseado na arte de rua que deu certo. O famoso Beco do Batman, na Vila Madalena, é um tradicional endereço do graffiti paulistano. Lá, o conceito de museu a céu aberto também transformou para melhor o local.

"O Beco do Batman inspira muito a gente pela capacidade de transformação desses murais. Eles foram um dos primeiros grandes cases de ativação urbana através da arte", pontuou.

Recuperação da Orla Conde

Como parte da revitalização do Porto Maravilha, a Prefeitura do Rio anunciou no começo do mês o lançamento um processo de licitação para recuperação dos 3,5 km da Orla Conde.

O prédio da secretaria de Educação do RJ receberá um grafite em um mural de 1035m² — Foto: Marcos Serra Lima/G1

O objetivo é recuperar as calçadas, praças e vias de serviço do Boulevard Olímpico e recompor o paisagismo do local inaugurado em 2016.

O valor da contratação da empresa pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp) é estimado em R$ 2 milhões e a obra está prevista para começar ainda em 2021.

A expectativa é que toda a obra dure quatro meses. Depois, a Cdurp fará um novo contrato para a manutenção do espaço.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!