Terra da Gente

Por Luciano Lima*


Observar a natureza não se resume a registrar e estudar os animais. A flora também é algo surpreendente. A coluna "Histórias Naturais" desta semana destaca curiosidades de um dos grupos de plantas mais característicos da natureza brasileira.

Início da florada da bromélia símbolo 'Portea petropolina Mez' — Foto: Raul Mourão/UFJF

Os Jardins Suspensos da Babilônia foram considerados uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Segundo relatos, eram compostos por vários níveis de jardins de plantas exóticas suspensos por torres. Se destacavam por sua elaborada estrutura e eram irrigados por um complexo sistema de canais. Como o nome sugere, eles provavelmente se localizavam na antiga cidade de Babilônia e acredita-se que foram construídos durante o reinado do rei Nebuchadnezzar II, por volta do século VI a.C.. Reza a lenda que o rei mandou construir os jardins, pois a rainha Amytis sentia falta das montanhas cobertas por vegetação da sua cidade natal

Apesar de descritos por diferentes fontes históricas, não há evidências concretas de que os Jardins Suspensos da Babilônia tenham existido de fato. Jamais foram encontradas evidências materiais por meio de escavações arqueológicas e sua veracidade é objeto de debate entre historiadores e arqueólogos. Mas se há dúvidas sobre a existência desta Maravilha do Mundo Antigo na Babilônia, aqui no Brasil, basta você levantar os olhos em áreas de florestas mais preservadas, para se maravilhar com os Jardins Suspensos da Natureza Brasileira, formados por uma inacreditável riqueza de espécies de bromélias que também são mantidas por um engenhoso sistema de irrigação.

Histórias Naturais é a coluna semanal do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente — Foto: Arte/TG

As bromélias são uma família de plantas muito características. Entre suas peculiaridades estão suas folhas dispostas uma sobre as outras em formato de roseta. Embora muitas espécies sejam terrícolas, cerca de metade das bromélias são epífitas, ou seja, se desenvolvem sobre outras plantas. Mas é importante lembrar que as bromélias epífitas não são parasitas, ou seja, elas utilizam os galhos de outras plantas apenas como suporte e não "sugam" nutrientes das plantas onde se desenvolvem.

Suspensa no alto das árvores e tendo abandonado completamente a conexão com o solo, as bromélias epífitas são como as "aves" do mundo das plantas, algumas espécies são inclusive chamadas de "planta do ar". Nas alturas, suas raízes são incapazes de cumprir a função de absorver nutrientes do solo e servem apenas para fixação. Para contornar esse problema, as bromélias possuem estruturas microscópicas especiais nas folhas que lembram escamas e que permitem que elas absorvam água e nutrientes através da umidade do ar e da água presente nos tanques formados por suas folhas.

Bromélia nativa do Brasil, esta espécie é característica da Mata Atlântica — Foto: Arquivo TG

A disposição sobreposta das folhas das bromélias resulta, em muitas espécies, na formação de pequenos tanques de água que são como ecossistemas miniaturas. Além da água da chuva, muita matéria orgânica se acumula dentro desses tanques, fornecendo nutrientes não apenas para própria bromélia, mas sustentando uma verdadeira cadeia alimentar. Essa cadeia começa com algas e animais microscópicos e chega até aves e mamíferos carnívoros que buscam, insetos, aranhas, crustáceos, anfíbios e outros animais que se alimentam ou buscam abrigo entre as folhas das bromélias.

Mas, além de mamíferos, como o quati, e aves, como o arapaçu-de-garganta-branca, outros seres se alimentam de animais que caem nos tanques, as próprias bromélias. São conhecidas pelo menos três espécies de bromélias carnívoras, todas elas ocorrem no Brasil. Duas estão presentes na região do Monte Roraima, já Catopsis berteroniana pode ser encontrada na Mata Atlântica em parte do Nordeste, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Uma substância cerosa recobre as folhas dessa bromélia carnívoras e aparentemente ajuda na atração de insetos e dificulta que eles consigam escalar as folhas após cair no tanque. No entanto, diferente de muitas plantas carnívoras que produzem substâncias capazes de desintegrar aos poucos suas "presas", as bromélias carnívoras contam com microorganismos para realizar esse papel.

'Catopsis berteroniana' é uma bromélia "carnívora" — Foto: Scott Zona

É praticamente impossível morar no Brasil e nunca ter visto uma bromélia ao vivo. Quando o assunto é bromélias, nosso país mais uma vez faz jus ao título de "gigante pela própria natureza" e se destaca como aquele que possui a maior riqueza de espécie no mundo. Das cerca de 3730 espécies de bromélias conhecidas mais de 1360 ocorrem no Brasil. Na Colômbia, o segundo pais em riqueza de bromélias, existem aproximadamente 545 espécies, número bastante inferior a quantidade de espécies encontradas na Mata Atlântica, mais de 800.

Mas, morando no Brasil, além de já ter visto bromélias na natureza, você quase com certeza também já comeu uma bromélia, já que o abacaxi é o fruto de uma espécie de bromélia (Ananas cosmosus). O abacaxi é uma das poucas frutas nativas do Brasil que está entre as mais consumidas do mundo. Mas já era muito apreciada por diversos povos indígenas muito antes da chegada dos europeus no Brasil.

O abacaxi é o fruto de uma espécie de bromélia (Ananas cosmosus) — Foto: TV TEM/Reprodução

Por viverem nas alturas, não é coincidência que grande parte das bromélias sejam polinizadas por beija-flores. Para atrair a atenção das aves, muitas espécies possuem belíssimas inflorescências coloridas que acabam também chamando a atenção dos seres humanos. Não por acaso, as bromélias estão entre as principais plantas brasileiras utilizadas em paisagismo em jardins por todo o mundo. A existência dos Jardins Suspensos da Babilônia pode até ser um mistério, mas é certeza absoluta que seja na Babilônia ou nas florestas brasileiras as bromélias teriam e têm lugar garantido entre as maravilhas do mundo.

*Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente

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