Terra da Gente

Por Paulo Augusto, Terra da Gente


  • - É o primeiro registro do estabelecimento de arraias da América do Sul em outro continente.

Conhecida como arraia-de-fogo ou arraia-olhos-de-pavão — Foto: Potamotrygon_new_england/ Wikimedia Commons

Um estudo inédito feito por pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Espanha, República Tcheca e Indonésia detectou pela primeira vez a invasão e reprodução de arraias da América do Sul em outro continente.

Popularmente conhecida por arraia-de-fogo ou olhos-de-pavão, a espécie Potamotrygon motoro, nativa das bacias dos rios Uruguai, baixo Paraná, Paraguai, Orinoco e Amazonas foi encontrada no rio Brantas, que fica no leste da ilha de Java, na Indonésia.

Na mesma região, também foi constatada a presença de outra brasileira, a arraia-peróla, Potamotrygon jabuti. Inclusive alguns exemplares recolhidos para a pesquisa eram animais jovens. “Na biologia das invasões, a gente considera uma espécie exótica como estabelecida quando existe a presença de juvenis ou jovens. Esta evidência sugere que essas espécies estão adaptadas no ambiente receptor.

Arraia-pérola — Foto: Wikimedia Commons

Neste caso, foram encontrados três indivíduos adultos, junto com os juvenis. O que significa que elas estão se reproduzindo e aparentemente bem ambientadas no rio Brantas”, explica André Lincoln Barroso de Magalhães, professor de Ecologia de Biomas Tropicais da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), o único pesquisador brasileiro que participou da publicação deste artigo internacional.

O estudo divulgado recentemente na revista científica Scientific Reports do grupo Nature, apontou que futuramente essas arraias nativas do Brasil estarão presentes em cinco ilhas da Indonésia e se nada for feito para conter essa invasão, a expectativa é que essa espécie invasora se espalhe por todo o país do Sudeste asiático.

Os animais se reproduzem rápido e encontraram nas águas doce do continente asiático, as mesmas condições ambientais dos rios onde são nativas no Brasil.

Arraia encontrada no Rio Madeira. Nome cientifico Potamotrygon motoro, com tamanho de 60 cm. Possui um ferrão na calda — Foto: Bruno Barros/Unir/Divulgação

Tradição: “novo rico” solta animais exóticos para demonstrar que tem dinheiro

Uma das hipóteses para a introdução das arraias-de-fogo e arraias-pérola na Indonésia é cultural. Se tornou comum no país, famílias que ascenderam de classes sociais pobres soltarem animais exóticos na natureza como uma demonstração de poderio econômico.

“É como um ritual onde os novos ricos compram um animal caro que vem de outro país, como por exemplo, as arraias e depois soltam essas espécies exóticas no rio Brantas. É uma questão de status social”, afirma André.

Conheça mais sobre a espécie — Foto: Steven G. Johnson/ Wikimedia Commons

Na década de 1980, arraias nativas da América do Sul foram levadas para a Indonésia, Cingapura e Malásia. Esses países asiáticos são grandes produtores de peixes ornamentais e mantêm boa parte do comércio internacional do setor.

Outra possibilidade para essa invasão de arraias brasileiras seria a aquisição desses animais em lojas especializadas. “Aquaristas inexperientes compram a arraia quando ela ainda é pequena, depois que o animal cresce e já não cabe mais no aquário, a pessoa se assusta e solta nos rios”, explica o pesquisador brasileiro.

As arraias da América do Sul são uma ameaça no país asiático porque competem por alimento com outras que são nativas da região. “Essas arraias brasileiras podem predar vários peixes e girinos de anfíbios endêmicos, ou seja, que só existem na Indonésia. Essas invasões poderão causar danos ecológicos irreversíveis como a extinção de espécies locais”, alerta o biólogo da UFOP.

arraias brasileiras podem predar vários peixes e girinos de anfíbios endêmicos — Foto: Amanda Góes/Barracudas

Risco à saúde pública: 1º registro de pescador ferido na Indonésia

Na parte posterior da cauda é que as arraias escondem o perigo. A espécie tem veneno no ferrão usado como defesa, por isso um ataque pode provocar graves lesões e infecções.

Um estudo internacional, publicado recentemente, foi o primeiro a documentar envenenamento provocado pelas arraias no país asiático. A vítima foi um pescador ferroado no antebraço.

“O homem relatou uma dor insuportável, que era pior do que ser esfaqueado por uma adaga afiada. Isso mostra, que as arraias já estão estabelecidas por lá e fazendo vítimas”, ressalta André.

No artigo, o pesquisador brasileiro sugere que a Indonésia adote um protocolo de atendimento às futuras vítimas, igual ao que já é adotado no Brasil. “As secretarias de saúde do Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo tem uma metodologia para limpar os ferimentos, desinfectar e tratar o paciente com medicamentos. A sugestão é que essa nossa experiência no atendimento e tratamento, ajude as vítimas na Indonésia”, explica o biólogo da UFOP.

Os autores da pesquisa sugerem ainda que as autoridades ambientais da Indonésia façam campanhas de prevenção e educação ambiental. “O rio Brantas é utilizado para extração da areia, também é frequentado por pescadores e pessoas que usam o lugar para o lazer. Onde tem muito ser humano, com certeza vai ter arraias ferroando”, comenta André.

Arraias também são invasoras em algumas regiões do Brasil

Em 1982 as cachoeiras de Sete Quedas, no rio Paraná, desapareceram da paisagem para a criação do lago da Usina Hidrelétrica de Itaipu, na fronteira do Brasil com o Paraguai.

Aparição de raia negra causou grande emoção entre os membros da equipe — Foto: Nauther Andrés/Projeto Mantas do Brasil

A mudança nesse cenário proporcionou, entre outros impactos, a invasão de espécies de peixes. “As espécies de peixes do rio Paraná que estavam abaixo de Sete quedas evoluíram para ficar só nessa região, à jusante. As espécies acima evoluíram para ficar só na região à montante, mas com a construção do reservatório de Itaipu, todas essas espécies se misturaram”, explica André.

As arraias negras (Potamotrygon amandae) e pintadas (Potamotrygon falkneri) estão incluídas nessas invasões por causa de Itaipu. “Elas invadiram o Alto Paraná e já estão quase na divisa de São Paulo com Minas Gerais. Já fizeram várias vítimas nessas regiões dentre banhistas e pescadores que sofreram com as ferroadas”, conclui o pesquisador da UFOP.

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