29/10/2014 07h00 - Atualizado em 30/10/2014 13h03

Aos 84 anos, 'mestre do horror' volta a publicar livros após hiato de 20 anos

Rubens F. Lucchetti ostenta 1.547 títulos em sete décadas de carreira.
'O horror nasceu comigo, está no DNA', diz escritor ícone do pulp fiction.

Amanda PioliDo G1 Ribeirão e Franca

Rubens F. Lucchetti tem mais de 1,5 mil títulos publicados (Foto: Amanda Pioli/G1)Rubens F. Lucchetti à frente do cartaz do filme 'O Escorpião Escarlate' (1990), que tem roteiro do escritor (Foto: Amanda Pioli/G1)

Aos 84 anos e acompanhado dos gatos de estimação, bruxas, caveiras e da amiga máquina de escrever, Rubens Francisco Lucchetti é uma figura emblemática. Em Jardinópolis (SP), onde vive há pelo menos dez anos, o escritor conhecido como ‘mestre do horror’ celebra a volta aos holofotes, 20 anos após a última publicação. O curioso é que mesmo longe das prateleiras das livrarias, Lucchetti não deixou um dia sequer de escrever.  “Eu sempre tive uma coisa de querer mais, nunca fiquei satisfeito com coisa pequena. Sempre tive ambição de extrapolar. Sempre gostei de desafio.”

Lucchetti vive com o filho Marco Aurélio em Jardinópolis, SP (Foto: Amanda Pioli/G1)Aos 84 anos, Lucchetti vive com o filho Marco Aurélio
em Jardinópolis, SP (Foto: Amanda Pioli/G1)

Ao longo de 70 anos dedicados a contos de terror, investigações policiais e contos eróticos, Lucchetti encerra o jejum com a edição de ‘As Máscaras do Pavor’, originalmente publicado em 1974, mas que ganhou uma atualização e mais páginas. “É uma história de mistério que deixa o leitor preso até a última linha. A protagonista é uma repórter de televisão que está entrevistando famosos atores de terror que estão chegando para uma Mostra de Cinema de Horror. Mas daí começa a acontecer uma série de crimes baseados nos filmes clássicos deste estilo. Você vê ali o Jack, o estripador, o Fantasma da Ópera, Lobisomem, Drácula”, conta, sem revelar outros detalhes para não estragar o suspense.

Representante do estilo pulp fiction, Lucchetti ostenta números improváveis para qualquer outro escritor. Segundo ele, são 1547 títulos publicados, 300 quadrinhos assinados, mais de 25 roteiros de filmes, três programas de televisão, centenas de artigos divulgados em revistas e jornais, e produções para rádio. “O horror nasceu comigo, está no DNA. Eu não sei explicar porque escolhi o horror, que escrevo aliado ao suspense. É o que eu sei fazer. Eu adoro essa fantasia e, no fundo, é o que a gente cresce ouvindo. O que são os contos de fada? São histórias de terror em que a gente se apaixona pelas bruxas. E foi essa perspectiva que foi me moldando.”

Ao lado dos gatos e acompanhado da velha máquina de escrever, o escritor diz nunca ter parado de criar (Foto: Amanda Pioli/G1)Ao lado dos gatos e acompanhado da máquina de escrever, o escritor diz nunca ter parado de criar (Foto: Amanda Pioli/G1)

Há 1547 livros
Lucchetti nasceu em Santa Rita do Passa Quatro (SP), no dia 29 de janeiro de 1930, mas se mudou com a família para São Paulo, onde deu os primeiros passos na literatura. Aos 12 anos, conseguiu emplacar o primeiro texto da vida. “Eu ficava imaginando as minhas histórias sendo publicadas. Até que eu descobri que uma gráfica editava um jornalzinho do bairro, que chamava ‘O Lapiano’. Aí eu pensei comigo, 'e se eu pegasse um conto meu e mandasse?' Então, peguei um dos meus contos, coloquei em um envelope. Para mim, aquilo era um exercício de imaginação. (...) Passadas umas duas semanas, em um sábado, eu vi o jornalzinho com meu conto lá. Chamava ‘A Última Testemunha’”, conta.

Por volta de 1945, o escritor conseguiu que seus textos fossem lidos em um conhecido programa radiofônico, conduzido por Octavio Gabus Mendes. As produções chamaram tanto a atenção do apresentador pela originalidade, que, na época, ele teria afirmado que o jovem escritor "tinha uma imaginação muito fértil e que poderia ser aproveitado na televisão", aparelho ainda inédito no Brasil. Lucchetti ressalta a felicidade que sentiu ao ser reconhecido e por receber o primeiro impulso na carreira que gostaria de seguir.

Lucchetti guarda, com carinho, sua coleção de obras publicadas em décadas de carreira (Foto: Amanda Pioli/G1)Lucchetti guarda sua coleção de obras publicadas
em décadas de carreira (Foto: Amanda Pioli/G1)

Entretanto, uma reviravolta nos planos fez com que a família precisasse se mudar para Ribeirão Preto. “Aquilo para mim foi a mesma coisa que pegar um passarinho na selva e colocar dentro de uma gaiola. Eu fiquei revoltado. Pensava que tinham cortado o meu futuro”, diz.

Mas a paixão pelo suspense e pelo horror superou a sensação do plano frustrado na capital. Lucchetti cresceu lendo as histórias policiais mais famosas entre as décadas de 1940 e 1960, inspiradas na literatura de Arthur Conan Doyle, criador do detetive Sherlock Holmes, e Agatha Christie, em ‘Assassinato no Expresso Oriente’ e ‘Convite Para Um Homicídio’. “Eu comecei a pegar o meu estilo daqueles autores americanos e ingleses. Eles têm uma linguagem muito particular, que é você dar mais ênfase às cenas que ao enredo. O enredo é só um fiozinho de história. O que importa mesmo são as boas cenas. Eu peguei essa habilidade porque eu escrevia muito. Isso ficou tão enraizado que até hoje eu escrevo assim. Eu tenho fascinação por esse tipo de história”, explica.

Vampiros, fantasmas, zumbis, assassinos e policiais povoam títulos como 'Noite Diabólica' (1963), ‘Os Vampiros Não Fazem Sexo’ (1974) e ‘O Fantasma de Tio William’ (1992). Parte da obra de Lucchetti ganhou grande repercussão nacional quando chegou aos cinemas. Uma parceria com o cineasta José Mojica Marins, famoso no papel do personagem Zé do Caixão, rendeu a produção de 15 filmes, entre eles os sucessos ‘O Estranho Mundo do Zé do Caixão’ (1967), ‘Ritual dos Sádicos’ (1969) e ‘Inferno Carnal’ (1976).

Capas de livros de Rubens F. Lucchetti (Foto: Reprodução)Capas de livros de autoria de Rubens F. Lucchetti
(Foto: Reprodução)

Outro ponto curioso da obra de Lucchetti é que ele sempre transferiu os cenários de sua obra a endereços fictícios nos EUA e na Inglaterra, com o detalhe de que nunca esteve nestes países. “Aqui, como não existe esta tradição, uma polícia investigativa fica falso. Não tem gente para investigar pistas até chegar ao criminoso. (...) Muita gente, inclusive, dizia que era impressionante como eu nunca estive nos lugares, mas sabia descrever tão bem. Não era uma coisa falsa, era como se eu estivesse lá.”

Por causa das criações, ao invés de escritor, Lucchetti prefere ser chamado de ficcionista. “Eu li, certa vez, que todo escritor é mentiroso, porque faz ficção. Então por que não usar o termo certo? Eu sou ficcionista”, ressalta.

Mas parte da obra do mestre do horror chegou às livrarias assinada com pseudônimos como Vincent Lugosi, Brian Stockler e Myléne Damarest para atrair público. As obras feitas por encomenda, como Lucchetti se refere, incluem a biografia de uma atriz fictícia, inspirada em quatro atrizes reais que admirava. Ao mostrar a alma feminina, 'Confissões de uma Estrela' figurou entre os mais vendidos de São Paulo durante meses e ressaltou a capacidade do autor de dominar vários estilos além daquele do qual se tornou mestre.

Escritório do horror
Em Jardinópolis, além da sessão de livros assinados só por ele, seja com o nome real ou com o pseudônimo, Lucchetti também mantém uma das mais importantes bibliotecas de livros populares do país, segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). São cerca de 40 mil publicações.

A paixão pela arte é tão grande que, nem mesmo afastado dos holofotes, o 'mestre do horror' deixou de produzir. Tanto que, por meio de uma parceria com uma editora, materiais inéditos serão, finalmente, publicados, enquanto seus principais sucessos vão ser reeditados. Inicialmente, serão 15 livros lançados através do selo Corvo.

Mestre do horror segura trabalho que lhe rendeu indicação ao Prêmio Jabuti 2014 (Foto: Amanda Pioli/G1)Mestre do horror segura obra que lhe rendeu
indicação ao Prêmio Jabuti (Foto: Amanda Pioli/G1)

Outras obras, por misturarem estilos, vão ser publicadas fora do selo, mas nem por isso são menos relevantes. Entre elas, o autor destaca “Rachel”, que, em suas palavras, é uma história de vampiros sem vampiros. “Só no final você entende o motivo. É a história de um pesquisador que está traduzindo poemas de Edgar Allan Poe. O clima da casa onde ele está afeta as pessoas. É como se ela tivesse vida própria e vai se apoderando dos personagens. E tem uma mulher, a esposa do protagonista, que é totalmente enigmática. Eu procurei reunir nela todas as personagens femininas do Edgar Allan Poe. E o final é totalmente terrível e ninguém espera”.

Também está prevista a criação de material escolar a partir das ilustrações de seus livros e quadrinhos, além da possível produção de um filme intitulado “As Mortas-Vivas do Lago Maldito”.

Em 2014, ele foi indicado na categoria ilustração ao Prêmio Jabuti, pelo livro ilustrado 'Fantasmagorias', do qual foi roteirista. Mesmo sem ter ganhado a edição, o nome do mestre do horror promete se manter vivo por muito tempo. “Desejo criar todos os dias. Adoro brincar com o leitor. Irei criar até o meu último dia de vida. Quero ver minhas obras ou parte delas publicadas (...) e penso ainda um dia poder chegar a Hollywood”, afirma.

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