Uma saga sergipana

Sergipe carrega, não apenas como fama mas e principalmente como legado, a imagem de útero de intelectuais, pátria de filósofos, conquistada graças as gerações que viveram o século XIX, experimentando a organização de uma sociedade livre, emancipada, capaz de definir as linhas do seu futuro. É certo que grande número desses homens ilustres viveram fora de Sergipe, verdade compreensível se tomada as condições locais para abrigar reformadores, cujas obras dão fundamentos à cultura brasileira.

A noção da liberdade conquistada, que foi muito além do ato régio de 8 de julho de 1820, encontra respaldo em Fausto Cardoso, que ensinou que: “A liberdade só se prepara na história com o sangue dos povos, o esforço dos homens, o cimento do tempo. E se ela não é o preço de uma vitória, não é liberdade; será tolerância, favor, concessão, que podem ser cassados sem resistência, por quem quer que se revista do Poder. Não gera caracteres nem cria personalidade. Enerva, dissolve, abate, humilha, corrompe e transforma os povos em míseras sombras.” (Discurso pronunciado na sessão da Câmara Federal, em 9 de junho de 1902, e conhecido como Lei e Arbítrio).

Foram muitos os frutos da emancipação política de Sergipe, proporcionados pela rédea própria do Governo, pelo desenvolvimento da economia, pela valorização da identidade cultural, pelas condições que passaram a existir em todo o território sergipano. Um vai e vem de gente do comércio, da indústria, das diversas profissões, construindo uma nova cidadania para Sergipe e

Secretário Oliveira Júnior, Governador Marcelo Déda, Felipe Aragonez de Faria e Luiz Antônio Barreto, ao fundo o Palácio Museu Olímpio Campos

para os sergipanos. Daqui saíram muitos, chegaram outros, na troca oportuna da contribuição para formar uma imagem social reconhecida no curso do tempo. Assim como ainda hoje há orgulho em torno dos nomes dos vultos ilustres que brilharam no Brasil, oriundos do pequeno Sergipe, chegaram à terra sergipana algumas também ilustres figuras, como os médicos Domingos Guedes Cabral e José Cândido de Faria, ambos baianos, ambos fixados em Laranjeiras.

Guedes Cabral, jovem médico da turma de 1875, na Faculdade de Medicina da Bahia, teve sua tese sobre As funções do cérebro rejeitada, por contrapor aos padrões vigentes quanto ao conhecimento científico. Veio para Sergipe, clinicou em Laranjeiras, foi Orador do Gabinete de Leitura de Maroim, declarou-se livre pensador e influiu para que Laranjeiras entrasse em ebulição cultural, com a propaganda republicana, com a presença dos missionários norte americanos que criaram a Igreja Presbiteriana, em 1884, e com a contribuição de Felisbelo Freire, Silvio Romero, Fausto Cardoso, que deram sustentação ao movimento republicano em Sergipe, com grande contingente de vultos paranjeirenses, como Baltazar Góes, Vicente de Oliveira Ribeiro, Manoel Curvelo de Mendonça, dentre outros. Em 1883 Guedes Cabral voltou para a Bahia e morreu naquele mesmo ano.

José Cândido de Faria declarou, ao matricular-se na Faculdade de Medicina de Montpellier, na França, como natural da Bahia. Supõe-se, agora, que ele teria nascido em território de litígio, entre Sergipe e Bahia. Em 8 de julho de 1829, ao fim do curso, apresentou tese sobre Cólera-morbos. Seu bisneto Felipe Aragonez de Faria admite que o médico José Cândido de Faria tenha chegado a Sergipe, ainda na década de 1830, instalando-se em Laranjeiras, onde fundou o Hospital de Caridade, com o célebre Dr. Francisco Alberto de Bragança, em 1840. Depois de enfrentar surtos de várias doenças, José Cândido de Faria morreu de cólera, em 1855, aos 52 anos, deixando quatro filhos do seu casamento, em Laranjeiras, com a espanhola Josefa Aragonez: Cândido José Aragonez de Faria, Adolfo Aragonez de Faria, Júlio Aragonez de Faria e Henrique Aragonez de Faria. Com a morte do marido, Josefa Aragonez de Faria foi para o Rio de Janeiro, onde tinha parentes e levou com ela os filhos. Pouco tempo depois, com 30 anos, morreu, deixando os filhos sem amparo. A pensão dada pelo Império e que serviu à viúva, iria servir, também, aos filhos do médico. Candido José Aragonez de Faria cresceu estudando arte, fundando jornais, produzindo caricaturas, retratos e ilustrações que logo chamaram a atenção dos críticos. Seu irmão Adolfo, igualmente seguia a carreira artística, sendo também caricaturista e fotógrafo, cujo atelier era bem freqüentado no centro do Rio de Janeiro. Os dois outros filhos não seguiram a mesma profissão. Um morreu cedo, o outro, formado em engenharia, sobreviveu no mercado das construções.

Cândido Aragonez de Faria deixou o Rio de Janeiro e foi morar em Porto Alegre, onde continuou fundando jornais e publicando seus trabalhos. De Porto Alegre foi para Buenos Aires e da capital portenha mudou para Paris, instalando seu famoso atelier, no qual trabalhou até 1910, quando morreu, aos 55 anos, deixando um filho, também artista, Jacques Aragonez de Faria. Em Paris, Cândido Aragonez de Faria dominou a arte do cartaz, produzindo mais de três centenas de cartazes para a Casa Pathé, pioneira na 7ª arte na França. Produziu cartazes de propaganda para os mais diversos espetáculos, capas de partituras e outras ilustrações que consagraram o seu talento de artista. Os cartazes dos filmes dos Irmãos Pathé, contudo, parece ser o maior legado de Cândido Aragonez de Faria, ou simplesmente FARIA, como assinava as suas obras.

Felipe Aragonez de Faria é o pesquisador, procurando em vários lugares as fontes esclarecedoras da saga de sua família laranjeirense, tendo já produzido dois livros: Los Aragonés – Gaditanos emigrantes al Brasil em el siglo XIX e Um médico brasileiro nos tempos do cólera – José Cândido de Faria (1803-1855). Estão em fase final de redação um livro sobre Cândido Aragonez de Faria e outro sobre Adolfo Aragonez de Faria, na expectativa que em 2011, data da morte, centenária, do artista, Sergipe  possa celebrar a efeméride e passar a conhecer melhor o filho de Laranjeiras.

Em mais uma viagem a Sergipe, Felipe Aragonez de Faria pesquisou e tratou de uma programação para 2011, que deve ser, de toda a justiça, declarado Ano Cândido Faria, engrandecendo ainda mais o panteão dos vultos ilustres que Sergipe deu ao Brasil e ao mundo. 

Legenda:

            Retrato de Cândido Faria entre as bandeiras do países onde viveu: Brasil, Argentina e França. Óleo de Charles Lévy, 1905, existente no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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