Revista de Pastoral n. 16 | Afinal, o que é Identidade Confessional?

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Afinal, o que é a identidade confessional?

Ano VIII nº 16 | FEVEREIRO 2024 | ISSN 2525-8230

"Jesus disse ainda: “Com que poderei ainda comparar o Reino de Deus? Ele é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado”.

(Lc 13, 20-21)

PACTO EDUCATIVO GLOBAL

Uma releitura cristológica e pedagógica do pacto educativo global

Pe. José Miguel Cardoso

GESTÃO

Curso impulsiona a identidade confessional católica e reúne cerca de 200 profissionais

Comunicação ANEC

2º Simpósio Marista de Evangelização relaciona horizontes pastorais a urgências da sociedade brasileira

Comunicação Rede Marista Brasil

JUVENTUDES

Protagonismo: uma juventude em saída

Igor Leonardo Silva Penha

Infâncias

Projeto registros para Deus

Diego Martins Pires

Gincana bíblica on-line: uma experiência que veio para ficar

Ir. Laudete Maria Zambonin e Elenise Rita Hoffman

“Esconde-esconde”: o Divino se fez criança e aceitou brincar conosco

José Sotero dos Santos Neto

UNIVERSIDADES

Conferência Internacional de Pastoral Universitária: por uma visão poliédrica

Comunicação ANEC

ENTREVISTA - Frei Mario José Knapik, diretor Pastoral da ANEC Comunicação ANEC

Discurso da Sua Santidade, o Papa Francisco, aos participantes do Encontro de Capelães Universitários e Agentes de Pastoral, promovido pelo dicastério para cultura e educação

Papa Francisco

IGREJA | ARTIGO

Sumário 06 08 21 22 23 29 26 32 39 41 44 Editorial
Santo Agostinho e as escrituras Fr. Caio Filipe de Lima Pereira, OSA 47

Amizade Social: o que é? Comunicação da ANEC

IDENTIDADE CONFESSIONAL

A Campanha da Fraternidade 2024 e a escola: como aproveitar o tema em ambientes pedagógico-pastorais

Comunicação ANEC

A campanha da Fraternidade no contexto escolar

Rodrigo Alves Piatezzi

Afinal, o que é a Identidade Confessional?

Gregory Rial

O lugar da pastoralidade na Escola Católica Pe. Diego Andrade de Jesus Lélis

A Escola Católica e o testemunho da alegria do Evangelho Dom Denilson Geraldo, bispo auxiliar de Brasília

ESPIRITUALIDADE

Mistagogia: espiritualidade e investimento eficiente em vista da escola em pastoral Júlio César de Macedo Souza

A relevância dos momentos de reflexão para a interioridade humana Kelly

ESTANTE

EDUCAÇÃO CATÓLICA: caminho de evangelização ao humanismo solidário

Autor: Dom Antônio de Assis Ribeiro / Editora: Paulus, 2023.

O NOVO ROSTO DO CATOLICISMO BRASILEIRO: clero, leigos, religiosas e perfil dos padres novos

Campanha da Fraternidade 2024 vai refletir sobre a amizade social Comunicação ANEC
Aparecida
Kelly Aparecida Maidanchen Vilcheskn⁴² e Wellington
Eduarda Garcia
Maidanchen Vilcheskn e Wellington Minoru Kihara
Minoru Kihara Maria
Autor: Agenor Brighenti / Editora: Vozes, 2023 51 54 56 61 64 70 73 78 80 86 89 90

Expediente

CONSELHO SUPERIOR

Ir. Irani Rupolo - Presidente

Prof. Germano Rigacci Júnior - Vice Presidente

Ir. Cláudia Chesini - Secretária

Ir. Paulo Fossatti

Ir. Iranilson Correia de Lima

Pe. José Marinoni

Pe. Luís Henrique Eloy e Silva

Frei Gilberto Gonçalves Garcia

Silvana Sá de Carvalho

DIRETORIA NACIONAL

Pe. João Batista Gomes Lima - Diretor Presidente

Ir. Adair Aparecida Sberga - Diretora 1o Vice-presidente

Ir. Natalino Guilherme de Souza - Diretor 2o Vice-presidente

Ir. Selma Maria dos Santos - Diretora 1a Secretária

Fr. Mário José Knapik - Diretor 2o Secretário

Ir. Marli Araújo da Silva - Diretora 1a Tesoureira

Ir. Ivanise Soares da Silva - Diretoria 2a Tesoureira

SECRETARIA EXECUTIVA

Guinartt Diniz

SETOR DE ANIMAÇÃO PASTORAL

Gregory Rial

EQUIPE EDITORIAL

Pe. João Batista Gomes Lima - Editor-chefe

Fr. Mário José Knapik - Editor científico

Gregory Rial - Editor técnico

CONSELHO EDITORIAL

Antonio Boeing

Cláudia Chesini

Fabrizio Catenassi

Flávia da Costa Mentges

Gregory Rial

Humberto Silvano Herrera Contreras

Jorge Luiz de Paula

Marcus Aurélio Alves Mareano

Matheus Cedric Godinho

Rodinei Balbinot

Selma Maria dos Santos

Sérgio Rogério Azevedo Junqueira

Tiago Alves Torres

Valéria Andrade Leal

PRODUÇÃO GRÁFICA E EDITORIAL

Comunicação ANEC / Agência Kharis

REVISÃO TEXTUAL

Elisângela Dias Barbosa

Caro(a) leitor(a),

Com imensa alegria, apresentamos a edição n. 16 da Revista de Pastoral, uma compilação de reflexões, experiências e estudos que ecoam os princípios fundamentais da fé cristã, o que enriquece as práticas pastoral e educativa realizadas nas inúmeras instituições educacionais associadas à ANEC.

Neste volume, mergulhamos em temas diversos, abrindo caminho para uma abordagem profunda e atualizada da educação sob a perspectiva cristológica que nos é oferecida pelo Padre José Miguel Cardoso, assessor do Dicastério para Cultura e Educação da Sé. Também retomamos a discussão do Pacto Educativo Global, destacando a importância dele sob as óticas cristã e pedagógica, de forma a pavimentar o terreno para compreendermos a intersecção entre fé e aprendizado.

Nos relatos de experiência que recheiam esta edição, acompanhamos iniciativas de escolas associadas à ANEC para evangelizar as juventudes ao explorar ludicidade e engajamento, como o projeto Registros para Deus e a Gincana Bíblica on-line.

O texto reflexivo de José Sotero Neto nos faz olhar para a infância e ali vislumbrar a divindade no simples e no lúdico. O texto dele sobre o jogo “esconde-esconde” nos leva a contemplar a essência divina que se manifesta na simplicidade e na interação com as crianças.

Trazemos, ainda, uma cobertura especial sobre a Conferência Internacional de Pastoral Universitária, realizada em novembro de 2023, no Vaticano, com o tema “Visão Poliédrica”. Na matéria que descreve esse encontro, constam uma entrevista com o Frei Mário José Knapik e o discurso do Papa Francisco aos participantes do Encontro de Capelães Universitários e Agentes de Pastoral, em que ele ressaltou a importância de reinventar a presença da Igreja no ambiente universitário.

Além disso, exploramos a temática da Campanha da Fraternidade 2024, que traz à luz o conceito de Amizade Social, enraizando-o em contextos educacionais e pastorais.

No âmbito da identidade confessional, exploramos o significado desse conceito –Identidade Confessional – e o lugar da Pastoralidade na escola católica.

Na editoria de espiritualidade, aprofundamos nossa reflexão com temas que permeiam a interioridade humana, desde a importância dos momentos de reflexão até a

Editorial

mística presente no cotidiano, como na abordagem sensível da “mística do chinelo”.

Encerramos esta edição com a homilia do Dia dos Professores proferida pelo bispo auxiliar de Brasília, dom Denilson Geraldo, que fez uma reflexão atualizada sobre o lugar da escola católica na Igreja e na sociedade.

Em suma, a Revista de Pastoral n. 16 é um convite à contemplação, à reflexão e à ação, para proporcionar um olhar renovado sobre a educação, a fé e o compromisso pastoral em nossas vidas e em nossas comunidades.

Que esta leitura inspire ação e transformação em cada um de nós.

Com votos de uma jornada repleta de luz e sabedoria,

Equipe editorial

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PACTO EDUCATIVO GLOBAL

UMA RELEITURA

CRISTOLÓGICA E PEDAGÓGICA DO PACTO EDUCATIVO GLOBAL

Pe. José Miguel Cardoso¹

Texto da conferência pronunciada no VI Congresso Nacional de Educação Católica, ocorrido em Salvador, Bahia, em 29 de junho de 2023.²

1. O milagre da multiplicação dos lápis

Em 2015, quando visitava a ilha do Sal em Cabo Verde, em pleno oceano Atlântico, com um grupo de amigos, certo dia, fomos conhecer uma aldeia típica de uma comunidade tradicional para entregar alguns materiais escolares. Quando chegamos lá, o número de crianças era

¹Pe. José Miguel Cardoso

superior à quantidade de material que havíamos levado, o que nos deixou um pouco embaraçados. Começamos a distribuir os itens e reparamos que os lápis não iriam chegar para todos, até que uma das crianças mais velhas fez o seguinte: pegou o lápis, partiu-o ao meio, ficou com uma parte e deu a outra metade a uma criança mais nova.

José Miguel Fraga Cardoso nasceu em 1986, natural de São Torcato (Guimarães - Portugal), e foi ordenado presbítero em 2011, na Arquidiocese de Braga. No exercício pastoral, no período de 2011 a 2014, foi responsável pelo Gabinete do Arcebispo Primaz de Braga, coordenador do

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Departamento Arquidiocesano para as Comunicações Sociais e formador no Seminário Menor de Braga. De 2014 a 2018, foi pároco no arciprestado de Fafe (Gontim, Felgueiras, Estorãos, Revelhe e S. Romão de Arões), bem como presidente do Lar de Idosos de S. Romão de Arões, instituição que acolhe e apoia idosos vulneráveis, e presidente do Lar da Criança de Revelhe, instituição que acolhe crianças e jovens em risco. No período de 20182023, foi enviado a prosseguir estudos eclesiásticos em Teologia Dogmática na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (Itália). Desde 2023, trabalha no Dicastério para a Cultura e Educação da Cúria Romana (Vaticano). No exercício acadêmico, em 2010, finalizou o “Mestrado Integrado em Teologia”, na Universidade Católica Portuguesa (Braga), com uma tese intitulada “Caminhar na diferença. A diferença como categoria teológica”; em 2014, finalizou a “Licenciatura Canônica” em Teologia Pastoral com uma tese intitulada “Viver na diferença. Uma proposta face à globalização da indiferença”. Mais tarde, na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma), em 2020, finalizou a “Licenciatura Canônica em Teologia Dogmática”, com uma tese intitulada “O Ressuscitado na pós-modernidade. Interpretar a morte como lugar teológico”. Em 2022, finalizou o “Diploma em Teologia Prática com especialização em Pastoral Familiar”, com uma tese intitulada “Onde está o teu filho? Para uma pedagogia quotidiana diante da crise familiar”.

E, em 2023, finalizou o Doutoramento em Teologia Dogmática, com uma tese intitulada “Para uma escatologia sapiencial. A herança escatológica de Karl Rahner e Johann Baptist Metz”.

²Conferência no 6º Congresso Nacional da ANEC (29 de junho de 2023, Salvador, Bahia/Brasil).

Partindo desse autêntico “milagre” contemporâneo, que poderíamos definir como “a multiplicação dos lápis” (um pouco à semelhança daquele milagre da “multiplicação dos pães e peixes” feito por Jesus), ele recorda-nos aquela que é a finalidade última da educação: construir uma sociedade mais humana, fraterna e equitativa.

Nesse sentido, a primeira palavra é agradecer: o trabalho silencioso e exigente que você, na diferença e no contexto das suas funções, desenvolve para a educação das gerações mais novas, ensinando-as a partilhar os seus lápis, ou seja, a partilhar conhecimento e condições de estudo. Aliás, o Papa Francisco deixou-nos uma frase

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crucial que se tornou um autêntico refrão pedagógico: “não podemos mudar o mundo, se não mudamos a educação”³. Ao que poderíamos acrescentar: só conseguimos mudar a educação, se mudarmos o estilo de educar.

Posto isso, sem dúvida, um dos maiores riscos das escolas/universidades nos é dito por Caetano Veloso numa das suas célebres músicas: “desperdiçar o tempo, ao ponto de depois termos de pedir mais tempo ao próprio tempo” (cf. “Oração do Tempo”). As escolas e universidades distinguem-se de outros organismos sociais por oferecerem à existência humana um tempo específico e um tempo que não pode ser repetido: é um tempo único na vida para se formar!

De um modo genérico, é certo que a educação deve ser enriquecida com diversos contributos vindos das áreas da Antropologia, da Sociologia e da Psicologia que, na especificidade, contribuem para um processo mais personalizado e adaptado aos desafios dos jovens contemporâneos. E, durante este Congresso Nacional, certamente, escutaremos brilhantes e importantes reflexões para se repensar a educação hoje.

Todavia, sendo este um Congresso Nacional de Educação Católica, penso que seria fundamental não esquecermos a raiz básica da nossa educação e que, muitas vezes, tende a ser esquecida, dado que a essência de uma coisa está sempre na sua origem⁴. Talvez precisemos olhar para Jesus de um modo “mais pedagógico”, a fim de intuirmos quais horizontes pedagógicos que Jesus ainda aponta hoje aos nossos dias. E por quê? Porque, como indica o título do nosso Congresso, “Transformar o presente, para tecer o futuro” implica, também, um olhar para o passado, isto é: olhar a origem e a fonte da nossa identidade cristã. É daqui que advém a diferença da nossa identidade pedagógica, como nos descreve, de um modo mais aprofundado, o recente documento da Congregação para a Educação Católica, intitulado: A identidade da escola católica para uma cultura do diálogo (2022)⁵. Como tal, dividimos a nossa reflexão em dois momentos: primeiro, redescobrir a raiz que distingue uma educação católica; segundo, articular os princípios pedagógicos de Jesus com o Pacto Educativo Global (Papa Francisco), de modo a potencializar essa tal educação que seja capaz de mudar o mundo.

³ Francisco. Discurso aos participantes no IV Encontro de Scholas Occurrentes, 5 de fevereiro de 2015.

⁴ Heidegger. L’origine dell’opera d’arte (1935/36). 5.

⁵ Congregação para a Educação Católica. A identidade da escola católica para uma cultura do diálogo (Instrução). Cidade do Vaticano, 2022.

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2. Redescobrir a raiz de uma educação católica

Das muitas características que descrevem a identidade de Jesus, uma delas é a figura de “Jesus mestre” (Jo 13,13). Indo mais a fundo, da sua biografia, colhemos este princípio crucial da dimensão (humana) de Jesus: Ele, antes de ser mestre, foi aluno; antes de ser formador, foi formando; antes de ensinar, aprendeu. Sendo mais preciso, Jesus formou-se durante 30 anos para ser formador por apenas três anos. Vejamos, agora, em detalhe, esses dois momentos e que conteúdos podemos retirar para a educação contemporânea.

2.1 Jesus cresceu em estatura, sabedoria e graça

imagem: William Charles Thomas Dobson

A formação de Jesus resume-se a esta frase evangélica escrita depois da narração da Sua perda e do Seu reencontro no Templo, quando tinha 12 anos: “crescia em sabedoria, estatura e graça” (Lc 2,52). Ou seja, uma formação que inclui o âmbito físico (estatura), espiritual (graça) e intelectual (sabedoria).

Neste longo período de formação (30 anos) em Nazaré⁶, não obstante outros formadores⁷, Maria e José são os mais decisivos e introduzem o menino Jesus nas seguintes dimensões da formação humana: doméstica, prática, religiosa e afetiva⁸.

Acerca da dimensão doméstica, Jesus aprende com Maria as tarefas domésticas do quotidiano, bem como a arte da contemplação exterior e interior (Lc 1,19; Lc 2,51c).

Da dimensão prática, aprende com José a arte do trabalho de carpintaria (Mc 6,3; Mt 13,55), “sendo um trabalho físico que engloba o corpo, especialmente as mãos, exigindo concentração, paciência e silêncio, implicando criatividade, rigor e precisão“⁹. Além disso, “em casa, Jesus vive as realidades humanas que contemplaremos depois na vida pública: dormir e acordar, levantar-se ou colocar-se à mesa, beber e comer“¹⁰.

Também serão Maria e José a introduzir Jesus na dimensão religiosa, quer pelo ensino das orações tradicionais, o significado das festas judaicas, o exercício da

⁶ Não obstante o exílio de dois anos no Egito (Mt 2,13-23), bem como outras deslocações periféricas e as peregrinações a Jerusalém por ocasião das fes-

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tas judaicas, a maior parte do tempo de Jesus, vivido antes do início da vida pública, é passado, sobretudo, em Nazaré: Mc 1,9; Mt 2,23; 4,13; Lc 2,4.39.51; Jo 1,45-46; 19,20; At 10,38.

⁷ Cf. Begasse de Dhaem. Mysterium Christi, 143.

⁸ Cf. Cardoso. Onde está o teu filho? Para uma pedagogia quotidiana diante da crise familiar, 64-67.

⁹ Begasse de Dhaem. Mysterium Christi, 153.

¹⁰ Begasse de Dhaem. Mysterium Christi, 152.

liturgia doméstica e a pedagogia da oração pessoal. Aliás, a prática da oração (noturna) individual que Jesus opera durante a sua vida pública (Mc 6,46; Lc 5,16; 6,12) “deve fundar-se num hábito adquirido desde a sua juventude“¹¹ em casa.

Sobre a dimensão afetiva, podemos presumir que “os sentimentos manifestados por Jesus durante a vida pública formaram-se durante a sua vida em Nazaré (...), (onde) desenvolve uma rica vida afetiva: capacidade de afeiçoar-se, compaixão, alegria, tristeza, choro, medo, angústia, comoção, impaciência ou desilusão“¹².

Dessas quatro dimensões, fica evidente o seguinte: a formação paternal de Maria e José não é apenas teórica, mas, também, prática; não é apenas uma formação individual, mas, também, social. Por isso, podemos reiterar que é uma formação integral, visando o crescimento integral (e não apenas parcial) de Jesus.

2.2 Jesus mestre

Depois da etapa da formação, Jesus inicia a de formador, com o início da vida pública (30 anos). Sobre o estilo da formação de Jesus, sem dúvida, podemos elencar inúmeros aspectos, mas, aqui, circunscrevemo-nos a três.

Primeiro, Jesus oferece uma educação para todos (sem exclusão). Ele não escolhe um grupo uniformizado de apóstolos, mas um diverso, em que cada um possui histórias, dons e serviços diferentes¹³. Principalmente a esse grupo, Jesus se apresenta como o “formador dos futuros formadores” da sua Igreja. Ao

¹¹ Begasse de Dhaem. Mysterium Christi, 154.

¹² Begasse de Dhaem. Mysterium Christi, 155.

¹³ Cf. Mc 3,13-17; Mt 10,1-4; Lc 6,12-16; 9,1; Jo 1,40-49; Act 1,13.

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mesmo tempo, Jesus não forma apenas esse grupo restrito, mas todos aqueles com quem se encontra: quer as pessoas que não o acompanham diariamente (Mc 5,18-19; Lc 8,38-39), quer as pessoas que aparecem esporadicamente (Lc 19,1-10), quer os membros de outras regiões (Mc 9,38-39; Lc 9,49-50), quer as multidões que abarcavam todos os estratos sociais (Lc 6,17-19).

Segundo, Jesus educa para transformar vidas. Uma das formas de ensino mais recorrentes de Jesus diz respeito às parábolas. O que isso significa? Que Jesus não fala em modo metafísico, só compreensível para uma elite, mas fala de modo simples e para toda a gente. A parábola permite um efeito pedagógico maior que o simples discurso instrutório: não é uma narrativa abstrata, mas uma que permite a encarnação do ouvinte dentro da própria história da parábola, desencadeando nele uma reação ética de confronto com a própria vida¹⁴. Ou seja, a formação de Jesus não visa apenas a transmissão de conteúdos, mas, também, visa mudar a própria vida dos ouvintes.

Terceiro, Jesus educa para o limite. Além da palavra, Jesus também educa pela experiência, nomeadamente a experiência do limite, que, no fundo, visa evitar dois extremos: o pessimismo antropológico e a omnipotência humana. Por um lado, a experiência do fracasso, como quan-

do, no discurso das bem-aventuranças, Jesus anuncia as futuras dificuldades e contrariedades que os discípulos atravessarão na missão (Mt 5,11) e, como tal, Jesus apela a uma confiança em Deus, que jamais abandona o humano. Por outro lado, a experiência do sucesso, como quando os 72 discípulos (Lc 10,2-12) são enviados em missão e, mais tarde, regressam contentes porque as coisas correram bem (Lc 10,17), Jesus reprova essa atitude de arrogância humana porque devemos nos manter humildes, dado que tudo deve ser visto como um mérito de Deus, que age pela ação humana, e não um exclusivo mérito do humano (Lc 10,1819). Ou seja, a formação de Jesus não é apenas teoria. Ele faz das próprias experiências da vida uma forma de aprendizagem que complementa a teoria: caso contrário, a educação reduz-se a uma utopia.

Nesse sentido, se, antes, referíamos que Maria e José foram os grandes formadores de Jesus até os 30 anos, agora devemos acrescentar um outro formador decisivo, que se torna mais visível durante a vida pública de Jesus: o Pai do Céu, como explicita, de um modo particular, o evangelista São João. Por diversas vezes, vemos Jesus referindo-se ao Pai (oração, diálogo, testemunho). Isso demonstra que, mesmo sendo formador, Jesus mantém a humildade de se aconselhar e continuar a formar com o Pai¹⁵,

¹⁴ Cf. Ricouer. Posizione e funzione della metafora nel linguaggio biblico, 106.

¹⁵ Cf. Cardoso. Onde está o teu filho? Para uma pedagogia quotidiana diante da crise familiar, 68.

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num movimento permanente.

Ora, tendo por base essa abordagem ao nosso Mestre, daqui retemos duas breves conclusões. A primeira é a de que ninguém pode educar sem se formar prévia e permanentemente; a segunda é que somos sempre uma “obra dos outros”, pelo que ninguém aprende apenas por si próprio, o que nos torna responsáveis pela educação dos outros. Ou seja, Jesus, enquanto mestre, forma formadores para que, depois, se tornem formadores de outros futuros formadores, numa cadeia inter-temporal que chega até aos nossos dias.

Posto isso, e de modo a tornarmo-nos mais plausível à vitalidade dos ensinamentos de Jesus, passemos a um confronto entre a vida de Cristo e o Pacto Educativo Global.

3. Jesus diante do Pacto Educativo Global

Em 2019, o Papa Francisco lançou uma ideia¹⁶ que se concretizou em 15 de outubro de 2020: a criação de um Pacto Educativo Global que envolvesse uma série de organismos políticos e educativos no compromisso de uma renovação pedagógica.

Tendo presentes as linhas gerais deste Pacto Educativo Global, seria importante que o relêssemos agora, à luz do nosso formador central, Jesus Cristo (e que analisamos no ponto anterior), dan-

do, assim, uma visão cristológica a esse documento. Nesta linha, analisaremos seus sete princípios sob quatro chaves de leitura: a enumeração de alguns riscos pedagógicos atuais, o contributo dos conteúdos pedagógicos de Jesus, as competências pedagógicas a serem desenvolvidas e a proposta de alguns desafios pedagógicos práticos (que depois deverão ser adaptados o melhor possível a cada situação escolar), a fim de implementarmos este mesmo Pacto Educativo Global.

3.1 Colocar a pessoa no centro

Porque Deus nos criou diferentes e individuais, embora a educação seja em grupo, ela deve visar o crescimento de cada um na própria singularidade. Não se trata de subjugar a identidade pessoal a uma ideologia comunitária, mas de entrelaçar a identidade pessoal na identidade comunitária.

Um dos riscos que a globalização acarreta para a educação é a uniformização da população mediante uma padronização do ensino: isto é, encaixar as pessoas em determinados padrões sociais, os quais, muitas vezes, estão subjugados a determinados interesses econômicos.

Diante desse cenário, Jesus nos ensinou que “o sábado foi criado para o humano, e não o humano para o sábado” (Mc 2,27-28). O que isso quer dizer? Que a lei deve ter como finalidade promover o humano, e não o ostracizar, porque o risco

¹⁶ Cf. Ricouer. Posizione e funzione della metafora nel linguaggio biblico, 106.

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de qualquer ideologia é tornar-se um totalitarismo: anular a diversidade¹⁷. E a riqueza típica da cultura brasileira implica uma ulterior atenção pedagógica: o saber integrar todos os estudantes, apesar das diferenças étnicas e culturais. Como tal, compete às escolas e universidades educar para a singularidade, pois uma pessoa não vale pelo número de likes que tem no Instagram, mas porque é um ser único e amado por Deus. E aqui deixamos um desafio concreto: além de um acompanhamento pedagógico personalizado, não poderíamos desafiar os jovens a ter um “diário do estudante”, em que narrem a própria “singular história acadêmica”?

DIÁRIO DE ESTUDANTE - analisar o contexto atual onde diário é algo cada vez menos utilizado - talvez se a escola disponibilizasse nos aplicativos e sistemas de aluno essa opção - mas é necessário compreender também a provocação disruptiva do celular dentro do ambiente escolar.

3.2 Escutar as gerações mais novas

Um outro risco da educação é a adultização do ensino. Ou seja, uma educação pensada por adultos, a partir das expectativas dos adultos e segundo as intuições dos adultos. É certo que os adultos devem tomar a dianteira da educação, mas ela não pode ignorar um dos princípios da Evangelii Gaudium: a realidade é superior à ideia¹⁸.

Jesus, numa das belas passagens do Evangelho, deixa-nos este refrão pedagógico: “deixai vir a mim as criancinhas” (Mt 19,14-15). Não são apenas os adultos que têm coisas para ensinar aos mais novos; os mais novos também têm coisas para ensinar aos adultos¹⁹, nomeadamente: a humildade, a alegria, a honestidade e, sobretudo, a curiosidade.

Como tal, compete às escolas e universidades o desafio de um educar para a escuta: escutar os anseios e as perguntas dos mais novos, envolvendo-os no projeto educativo. Como nos explica a filósofa

¹⁷ Cf. Cardoso. Onde está o teu filho? Para uma pedagogia quotidiana diante da crise familiar, 68.

¹⁸ Cf. Francisco. Evangelii Gaudium, 231.

¹⁹ Cf. Francisco. Christus vivit, 246.

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Simone Weil, a atenção é uma escuta que implica um aproximar-se do outro para podermos escutar com qualidade e, escutando o outro, escutamo-nos a nós mesmos. É como um respirar: esvaziamo-nos (expirando) para depois nos voltar a encher (inspirando) com os outros, enriquecendo-nos mutuamente²⁰.

Diante da atual geração juvenil dos “fones nos ouvidos”, é importante desafiar os agentes educativos para essa dimensão da escuta, para a qual deixamos um desafio concreto: a fim de que os estudantes possam ter um maior papel consultivo nas decisões escolares, não será útil criar mecanismos pedagógicos que favoreçam uma “cultura da escuta” que ouça as perguntas e os anseios deles?

3.3 Promover a mulher

Felizmente, desde meados do séc. XX, a mulher tem assumido um maior protagonismo na vida social, precisamente porque dispôs das mesmas condições educativas do homem. No entanto, sabemos que, ainda hoje, em muitas geografias do mundo, continua a haver diversas formas de discriminação feminina em âmbito escolar, porque essa conquista ainda não está terminada.

A própria postura de Jesus ao se aproximar das mulheres (Mc 1,29-31), ao ser encontrado por elas (Jo 4,5-26), ao curá-las (Lc 13,10-16), ao defendê-las (Jo 8,3-11), ao instrui-las (Lc 10,38-42), ao aceitá-las como parte do grupo dos discípulos

(Lc 8,1-2), entre outros exemplos, revela como Deus jamais desvaloriza a dignidade da mulher. Aliás, no próprio mistério pascal, são as mulheres que ocupam um lugar em destaque, sobretudo a Sua mãe Maria: quando os homens fogem, são as mulheres que permanecem ali a acompanhar Jesus na via para o Calvário (cf. 4ª / 6ª / 8ª estação da Via-Sacra), a estar com Ele na Cruz (Jo 19,25-27), são as primeiras a confirmar a Sua Ressurreição (Jo 20,11-18) e a esperar a descida do Espírito Santo, ocorrida no dia de Pentecostes (Act 1,14). E, como se não bastasse, na própria eclesiogênesse, observamos um forte protagonismo feminino, quer na colaboração missionária (Act 16,15-40), quer no serviço de diaconado (Rm 16,1).

Como tal, compete também às escolas e universidades educar para a paridade. E aqui deixamos um desafio concreto: a promoção de certos eventos que elucidem a biografia de determinadas mulheres que moldaram a própria história da humanidade poderá ajudar a desencadear uma maior consciência feminina numa sociedade ainda bastante patriarcal? E, hoje, saudamos a memória da Santa Irmã Dulce (1920-1992), que apadrinha este Congresso. Na verdade, o mundo não se constrói apenas com grandes presidentes, com grandes descobertas científicas ou com grandes discursos musculados. Ele se constrói, também, com pequenos gestos, como nos ensinou essa mulher religiosa.

²⁰ Weil. Waiting for God, 147.

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3.4 Responsabilizar a família

A nossa primeira escola não é a do Ensino Fundamental. Nem temos como primeiro professor aquela pessoa instruída que ensina na escola. A nossa primeira escola é a nossa família, e o nosso primeiro professor é o colo (as mãos) da nossa própria mãe²¹. Diante desse dado, jamais podemos abdicar de uma relação umbilical entre escola e família. O risco é o de cairmos numa hegemonia pedagógica escolar que instruiu jovens à margem do seu contexto familiar. Devemos criar essa circularidade vital entre estas duas comunidades: a familiar e a educativa. Caso contrário, criamos um dualismo existencial com efeitos na personalidade do estudante: ele não pode ser uma pessoa no seio familiar e outra no seio escolar, mas a mesma pessoa que cresce em sintonia nessas duas comunidades que se complementam.

Como demonstramos no ponto anterior, a família foi um elemento decisivo na própria formação de Jesus (Lc 2,52), desde o nascimento até o início da vida pública. E, hoje, não devemos ter receio de afirmar que a família é, também, um seio de formação. Devemos defender uma “exclusividade pedagógica da família”. O que isso quer dizer? Quer dizer que há certos conteúdos que, se não for a família a transmiti-los, não serão transmitidos ou o serão de modo deturpado. De

um modo sintético, partilho uma breve síntese de uma reflexão precedente, em que apresento uma proposta pedagógica de oito exercícios práticos que uma família pode desenvolver no seu contexto familiar quotidiano e que defino como as Oito Bem-aventuranças da Filiação²². A saber: bem-aventurados os filhos que têm sonhos; bem-aventurados os filhos que dominam a gramática das emoções; bem-aventurados os filhos que conhecem a biografia dos seus pais; bem-aventurados os filhos que emprestam os seus tênis aos irmãos; bem-aventurados os filhos que aprendem com a derrota; bem-aventurados os filhos que se sujam na natureza; bem-aventurados os filhos que acreditam sem terem visto; bem-aventurados os filhos que choram a morte dos seus familiares.

Desse modo, compete às escolas e universidades educar para a vida, essa vida que brota graças a uma família. E aqui deixamos outros desafios concretos: será que temos celebrado dignamente o Dia da Família na escola, ou apenas nos empenhamos a celebrar efusivamente as outras festas civis e culturais? No processo de educação, será que temos consciência que, por detrás de um estudante, está sempre uma história familiar, muitas vezes marcada por momentos de fragilidade e ruptura?

²¹ Cf. Recalcati. Le mani della madre, 19-24.

²² Cf. Cardoso. Onde está o teu filho? Para uma pedagogia quotidiana diante da crise familiar, 104-131.

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3.5 Abrir-se ao acolhimento

Um ulterior risco da educação é o educar apenas para os resultados acadêmicos. O ranking das escolas, feito a partir da média de resultados, do qual advém uma hipotética maior credibilidade de uma instituição de ensino, não pode ser a razão última da sua existência. Não descurando esse pormenor, as instituições de ensino devem, também, ser capazes de criar oportunidades de estudo para os mais pobres e educá-los sem discriminação, bem como fomentar nos seus estudantes o sentimento de solidariedade com os mais pobres.

Disso foi exemplo o próprio Jesus, pelo que devemos reparar neste pequeno detalhe: Jesus, mais do que falar “sobre” os pobres, “sobre” os frágeis e “sobre” os marginalizados, falava “com” os pobres, “com” os frágeis e “com” os marginalizados (Mc 1,33-34). Dessa forma, compete às escolas e universidades educar para a fragilidade, sobretudo neste tempo em que parece que só é válido aquele que é jovem, belo e famoso²³. E aqui deixamos um desafio concreto: além das visitas de estudo que as escolas organizam para conhecer monumentos e locais emblemáticos, não seria oportuno organizar, também para os estudantes, visitas ou exercícios de voluntariado nos hospitais pediátricos ou nas casas de saúde (autênticos “monumentos de humanismo”) para despertar essa sensibilidade pela fragilidade?

3.6 Renovar a economia e a política

Um outro risco associado ao anterior trata-se da finalidade última da educação: formar apenas profissionais, e não cidadãos. Porque a finalidade última da educação não é a glória pessoal do estudante, mas capacitá-lo a transformar o próprio contexto, mediante as próprias aptidões profissionais, de modo a construir o maior bem possível. Na verdade, o mais importante na formação não é que o aluno tire a nota máxima, mas que ele renda o máximo. A isso acrescenta-se um outro elemento: a formação profissional dele deve torná-lo um “vigilante social” do próprio sistema político e econômico em que habita, mediante o seu olhar crítico e denunciador de injustiças, de modo a garantir o justo equilíbrio social²⁴.

Acresce, ainda, que, infelizmente, temos assistido a um desinteresse crescente da população pelos temas políticos, o que acarreta um grave problema: a política pode ser manipulada por alguns, em vez de ser debatida por todos. Por esse motivo, compete às escolas e universidades

²³ Cf. Galimberti. I miti del nostro tempo, 44-46.

²⁴ Cf. Congregação para a Educação Católica. Educar ao humanismo solidário, 16-19.

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educar para a comunidade, incutindo nos estudantes essa responsabilidade pelo bem comum, como nos ensina Jesus no seu discurso das bem-aventuranças (Mt 5,3-10).

E aqui deixamos mais um desafio concreto: será que não podemos criar campanhas de solidariedade social nas nossas instituições escolares, desenvolvendo, assim, a consciência política dos nossos estudantes?

3.7 Cuidar da casa comum

Diante de uma geração que aprendeu a controlar tudo com um fácil click nas plataformas digitais – uma “praça“ onde os jovens passam muito tempo“²⁵ –, importa que se tenha a consciência de que a vida não se reduz ao mundo digital, pois existe, também, um mundo real. Mais do que nunca, a questão ecológica tornou-se um aspecto de sobrevivência da própria humanidade. Se o mundo é “uma casa comum”, partilhada por todos, então todos devem se sentir responsáveis

²⁵ Francisco. Christus vivit, 87.

²⁶ Cf. Francisco. Laudato Si’, 203-208.

pelo cuidado dessa casa²⁶. O próprio Jesus demonstrou um carinho especial pelo meio ambiente, como quando instruiu os apóstolos mediante uma contemplação da natureza (Mt 6,26) e quando demonstrou o poder divino ao conter a força da natureza (acalmar o vento: Mc 4,39).

Como tal, compete às escolas e universidades educar para a ecologia, resgatando os estudantes da escravidão do mundo digital para colocá-los em uma dimensão ativa no mundo real. E aqui deixamos um último desafio concreto: no meio das atividades extrapedagógicas, as escolas poderiam proporcionar “experiências ambientais”, tais como o voluntariado na limpeza de parques naturais ou o simples peregrinar por meio da natureza?

4. De consumidores a produtores de lápis

Para terminar, o filme Gênio Indomável (Good Will Hunting), de 1997, vencedor de dois Óscares da Academia de Hollywood, narra a história interessante de um jovem estudante dotado de uma inteligência acima da média, mas cuja vida atravessa uma enorme tempestade juvenil. Em todo o filme, há uma pergunta tácita que desinstala a reflexão do espectador:

o que é mais importante no ensino: aprender coisas ou aprender a viver as coisas?

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Penso que esse é o grande desafio da educação hoje. E não nos esqueçamos disto: quando Jesus encarnou neste mundo, Ele veio apenas para nos ensinar uma coisa. Ele veio apenas para nos ensinar a viver. Logo, aqui reside a raiz profunda de uma educação católica: educar segundo Aquele que é o grande “formador dos formadores”. Porque se hoje o Evangelho produz poucos frutos, talvez

²⁵ Cf. Vieira. Sermão da Sexagésima, IX.

seja porque as palavras dos formadores sejam apenas palavras humanas, e não palavras de Deus²⁷, pois se desligaram da fonte – Jesus Cristo.

Por fim, deixo esta pergunta em suspenso para a nossa reflexão: se um dia um aluno teu não tiver um lápis para escrever, tu serás capaz de partir o teu lápis a meio e dar-lhe a outra metade?

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GESTÃO

CURSO IMPULSIONA A IDENTIDADE CONFESSIONAL CATÓLICA E REÚNE

CERCA DE 200 PROFISSIONAIS

Comunicação ANEC

A educação católica desempenha um papel vital na formação de jovens e na perpetuação dos valores e princípios da fé católica. Em um mundo cada vez mais diversificado e globalizado, o desafio de manter a identidade confessional católica sólida na educação é cada vez mais relevante. Pensando nisso, a Associação Nacional de Educação Católica (ANEC) promoveu, nos meses de outubro e novembro, o curso Impulsionando a Identidade Confessional Católica , que reuniu mais de 200 participantes em uma série de encontros dedicados à reflexão e ao aprimoramento da identidade das escolas católicas no contexto educacional brasileiro.

O curso, que integra o programa de formação PastoLAB , foi cuidadosamente desenvolvido com o objetivo de abordar uma variedade de temas de maneira prática, concreta e criativa, para fortalecer a identidade confessional das escolas católicas. Durante cada encontro, especialistas e educadores se reuniram para discutir tópicos cruciais, os quais podem contribuir para a construção de identidades mais robustas e distintas nas instituições católicas de ensino.

A programação abordou uma ampla diversidade de questões relacionadas à identidade confessional católica. Cada encontro foi estruturado de forma a permitir discussões profundas e experiências de aprendizado significativas. Entre os temas abordados, estavam: identidades e identitarismos; gestão pastoral; compromisso eclesial e currículo evangelizador; carismas congregacionais; educação para a fraternidade e ecologia integral; importância do marketing educacional e o pacto educativo “glocal“ nas escolas católicas.

Para Gregory Rial, coordenador do setor de Animação Pastoral da ANEC, o curso representa um passo significativo no esforço contínuo de aprimorar a identidade das escolas católicas. “Com uma programação abrangente e a participação ativa de especialistas e educadores comprometidos, o curso foi uma oportunidade valiosa para fortalecer a missão e a identidade das instituições de ensino católicas, garantindo que elas continuem a desempenhar um papel significativo na formação da juventude brasileira e na sociedade como um todo”, afirma.

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GESTÃO

2º SIMPÓSIO MARISTA DE EVANGELIZAÇÃO

RELACIONA HORIZONTES PASTORAIS A URGÊNCIAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Comunicação Rede Marista Brasil

De 9 a 11 de outubro, Porto Alegre (RS) recebeu a 2ª edição do Simpósio Marista de Evangelização, uma iniciativa da União Marista do Brasil (Umbrasil) que foi coordenada pela equipe da Rede Marista Brasil. O encontro foi realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) e reuniu cerca de 300 pessoas – entre pastoralistas, colaboradores e gestores de todo o Brasil –, que, juntas, buscaram fortalecer processos internos de evangelização e apontar novos horizontes pastorais como resposta às necessidades sociais.

Durante os três dias de evento, a comunidade Marista teve a oportunidade de participar de conferências, mesas-redondas e minicursos – atividades voltadas à evangelização em um mundo diverso e às ações pastorais e suas vulnerabilidades. Na programação, 15 conferencistas compartilharam experiências e trouxeram insights.

“Ficamos bastante motivados para a realização desta segunda edição do Simpósio. O evento foi uma oportunidade única para reunir profissionais de várias regiões do país para nos integrarmos em uma perspectiva de rede, fortalecer processos e apontar novos caminhos para as necessidades da nossa sociedade”, afirma o gerente de Identidade, Missão e Vocação do Marista Brasil, Irmão Paulo Soares.

Dentre os temas abordados durante o encontro, estão: Comunicar o Evangelho num mundo complexo; Análise de conjuntura da Evangelização Marista no Brasil; Evangelização e cultura digital; e Desigualdade social como raiz das vulnerabilidades. As escolas participantes do Simpósio também apresentaram experiências locais durante sessões de comunicação. O conteúdo das apresentações será publicado pela PUC/RS em edição especial de anais de evento.

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JUVENTUDES

PROTAGONISMO:

UMA JUVENTUDE EM SAÍDA

Igor Leonardo Silva Penha²⁸

Um novo tempo se inicia para a juventude salesiana de Brasília. É tempo de colocar a mochila nas costas e sair ao encontro das várias realidades, dos diversos “pátios”, do rosto de Cristo presente no semblante de cada pessoa. Nesse contexto de Igreja em saída que nos propõe o Papa Francisco em sua Encíclica Evangelii Gaudium, as juventudes da Escola Salesiana Brasília têm promovido, dentro e fora dos muros da comunidade educativa-pastoral, movimentos organizados, com o intuito de estabelecer uma relação de compromisso com a pessoa do outro, num modelo de evangelização pautado em ações práticas de afeto, alegria e solidariedade.

Articulação da Juventude Salesiana –AJS

Criada há 25 anos, como resposta ao desejo de Dom Bosco, fundador da Família Salesiana, que sonhou com esse grande movimento em prol da promoção, evan-

gelização e educação integral para a juventude e com a juventude, sendo protagonista da própria história, a “AJS” propõe, desde a sua criação, uma abertura ao engajamento dos jovens nos diversos ambientes de missão ao redor do mundo. Desse modo, os jovens “não são apenas beneficiários da missão, mas sujeitos e protagonistas dela: jovens unidos pelos mesmos ideais, de diversos modos, em favor da evangelização e da promoção humana de outros jovens” (Comissão Nacional da Pastoral Juvenil Salesiana, 2016, p. 15).

Dois anos após o período mais severo da pandemia de covid-19 – em que os nossos jovens se viram obrigados a viverem em um regime de isolamento, no qual o potencial criativo, a capacidade de interação e a alegria do encontro foram tomados pelo medo, pelas incertezas e, muitas vezes, pela depressão –, os grupos da AJS presentes nas comunidades salesianas iniciaram um novo tempo, com nova esperança e novos desafios.

²⁸ Coordenador de Pastoral na Escola Salesiana de Brasília

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A saudade do encontro com os amigos, do abraço apertado, das boas conversas e do carisma presente em cada grupo reacendeu a chama do Cristo no coração de muitos que atenderam ao chamado para recomeçarem o lindo movimento de vivência compartilhada do Evangelho e da Cultura da Paz. Logo no início das atividades em nossa escola, no fim de 2022, a alegria voltou a tomar conta do coração de cada um dos meninos e das meninas. Esse entusiasmo foi notado claramente na participação ativa nos encontros, nas celebrações dentro e fora da escola e nas missões salesianas que levaram nossos jovens a adentrarem em realidades nunca vistas de perto por muitos deles.

Entre essas experiências, os jovens destacaram a Jornada Missionária Salesiana, realizada em julho de 2023, na cidade de Palmas (TO), ocasião em que vivenciaram seis dias de alegria, formações, experiência de comunidade e missão de evangelização pela cidade. “Eu não tenho dúvidas de que essa experiência me fez crescer como pessoa e como cristã. Conheci novos amigos e vivi momentos que me permitiram me aproximar mais ainda de Jesus”, relata a estudante Clara Beatriz, da 1ª série do Ensino Médio.

Aldeia que educa – Por um Humanismo Solidário

Criado na pandemia, o programa “Aldeia que educa”, da Escola Salesiana Brasília, proporciona aos estudantes um aprofundamento na temática da ecologia in-

tegral e da sustentabilidade, em consonância com os compromissos do Pacto Educativo Global e da Encíclica Laudato Si’, ambos propostos pelo Papa Francisco. Em seus encontros semanais, os jovens entendem, debatem e desenvolvem propostas e soluções para frearem os impactos negativos em nosso planeta.

Em 2023, um dos projetos propostos pelos estudantes do 9° ano ganhou vida e se tornou realidade. O projeto Embaixadores da alegria proporcionou momentos de interação, carinho e solidariedade aos idosos e às crianças assistidos pelo Instituto Integridade, localizado na região administrativa do Núcleo Bandeirante (DF). A proposta surgiu dos próprios estudantes, mediante uma proposição de trabalho em sala de aula conduzida pelo professor da disciplina Aldeia que educa, Gabriel de Oliveira, com momentos de formação, planejamento e ação.

O resultado foi tão positivo que o projeto foi escolhido para receber o Selo Social do Distrito Federal em 2023. A estudante Ayla de Oliveira Abreu, do 9° ano, relatou que a experiência com as crianças e os idosos marcou sua vida, trouxe boas memórias afetivas e lhe abriu os olhos para um novo tipo de realidade, o que proporcionou a ela um amadurecimento como ser humano. “Foi um momento de relembrar com eles experiências de vida que me marcaram como pessoa”, disse.

Orgulhamo-nos imensamente dos nossos jovens e do grande potencial humano e solidário deles para seguirmos na missão de formar bons cristãos e honestos cidadãos.

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REFERÊNCIAS

Princípios norteadores da articulação das juventudes. Comissão Nacional da Pastoral Juvenil Salesiana. Brasília, DF: Edebê, 2016. Disponível em: edbbrasil.org.br/gratuitos/principios-norteadores.pdf. Acesso em: 25 out. 2023.

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INFÂNCIAS

PROJETO REGISTROS PARA DEUS

Bárbara Maix, uma figura notável do século XIX, foi uma mulher à frente do tempo, uma religiosa austríaca fundadora da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria. Ela escreveu cartas que deixaram um legado, as quais são uma janela para sua mente visionária e apaixonada. Elas oferecem uma perspectiva íntima sobre sua jornada espiritual, seu compromisso com a educação e a promoção dos direitos das mulheres, bem como sua dedicação à obra social. Nas cartas, Bárbara expressa sua profunda fé, sua luta contra os desafios enfrentados pela Igreja Católica na época e seu desejo de transformar a sociedade por meio da educação e do amor cristão. Escritas em uma linguagem cativante e eloquente, as cartas de Bárbara Maix revelam uma mulher corajosa e determinada. O trabalho pioneiro dela deixou um impacto duradouro nas comunidades em que atuou. As palavras de Bárbara são um testemunho da força e da resiliência das mulheres que desafiaram as normas sociais e buscaram a mudança

em uma época em que a voz delas, muitas vezes, era silenciada. Ao explorar as cartas de Bárbara Maix, somos convidados a mergulhar em sua história e a apreciar seu legado como uma mulher inspiradora e defensora incansável dos direitos humanos. Suas palavras continuam a ecoar até os dias de hoje, nos lembrando da importância da perseverança, da compaixão e do compromisso com uma sociedade mais justa e igualitária.

Fortalecendo a Espiritualidade e Promovendo o Bem-Estar, busca conscientizar e incentivar a prática do diálogo com Deus como uma ferramenta poderosa para fortalecer a espiritualidade, aliviar o estresse, obter orientação e promover relacionamentos saudáveis. Em um mundo cada vez mais digital e volátil, a prática do diálogo com Deus, por meio dos registros escritos, destaca-se como uma ferramenta poderosa e necessária para a conexão espiritual. Os registros escritos preservam a história, promovem a clareza, permitem

²⁹ Mestre em Ciências, Especialista em Tecnologia da Comunicação e Informação na Educação, Licenciado em Biologia e Filosofia, Coordenador de Pastoral Escolar e Assessor dos Grupos de Jovens e Grêmio Estudantil do Colégio Madre Imilda (Rede ICM de Educação). Professor de Ensino Religioso e Filosofia no Colégio La Salle Carmo. Caxias do Sul - RS.

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uma comunicação pessoal e íntima, além de fornecer orientação e crescimento espiritual. Portanto, um projeto que incentive e valorize a importância do diálogo com Deus, por meio dos registros escritos, é fundamental para nutrir a espiritualidade, promover o autoconhecimento e enriquecer a experiência religiosa ou espiritual de cada indivíduo.

A metodologia adotada para esse projeto leva em consideração as diversas habilidades e limitações dos alunos e das turmas envolvidas. Primeiramente, o projeto foi oficialmente divulgado na escola pelo grupo de jovens, estabelecendo um engajamento inicial. Em seguida, durante a segunda quinzena de agosto, o projeto levou em conta as atividades pedagógicas já planejadas, referentes ao mês vocacional, de forma a garantir uma abordagem personalizada. Dessa forma, foi apresentada uma proposta específica para cada ano ou segmento, adaptando-se às respectivas necessidades e limitações.

ANO/SEGMENTO

Educação Infantil

1º ano

2º ano

3º e 4º ano

5º ano ao EM

METODOLOGIA

Desenhos para Deus

Palavras para Deus

Frases para Deus

Bilhetes para Deus

Cartas para Deus

Os professores regentes de cada turma desempenharam um papel fundamental,

em que auxiliaram na construção e execução dos registros, para garantir uma experiência educacional bem-sucedida e inclusiva para todos os educandos envolvidos. A experiência de escrever ou desenhar algo para Deus despertou muitos sentimentos, como o que aconteceu com um aluno do 5º ano ao escrever uma carta para Deus:

“Participar do projeto Registros para Deus foi uma experiência incrível! Nunca imaginei que poderia escrever uma carta para Deus, mas foi algo realmente especial. Pude expressar meus sentimentos mais sinceros e compartilhar minhas esperanças e sonhos com Ele. Aprendi muito sobre mim mesmo e sobre a importância de expressar gratidão e amor. Foi como se Deus estivesse realmente presente, ouvindo cada palavra que escrevi. Estou muito grato por ter tido essa oportunidade e mal posso esperar para participar de mais projetos inspiradores como este!”

Após a construção do material, os educandos tiveram a oportunidade de “postar para Deus” os registros, de forma simbólica, durante a Feira do Livro da escola, os quais foram recebidos pelos alunos do Grupo de Jovens. A culminância do projeto se deu na Celebração de encerramento do Mês da Bíblia, em que todas as cartas destinadas a Deus foram oferecidas a Ele.

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INFÂNCIAS

GINCANA BÍBLICA ON-LINE: UMA EXPERIÊNCIA QUE VEIO PARA FICAR

Ir. Laudete Maria Zambonin³⁰ e Elenise Rita Hoffman³¹

Para celebrar o Mês da Bíblia, a Pastoral Escolar da Rede Notre Dame promoveu, durante o mês de setembro de 2023, a I Gincana Bíblica on-line, que contou com a participação das quatorze turmas de 5º ano das oito escolas da Rede. O objetivo do evento era integrar os estudantes das escolas, promover o conhecimento da Bíblia e estimular a reflexão acerca dos conceitos e valores evangélicos, de forma lúdica e interativa, incentivando a vivência desses valores.

A gincana contou com momentos distintos off-line e on-line. Virtualmente, foram realizadas atividades nos turnos

IR. LAUDETE MARIA ZAMBONIN

da manhã e tarde, para contemplar, satisfatoriamente, os estudantes dos dois períodos escolares. As equipes foram convidadas a escolher um nome, uma cor e um grito de paz que as identificassem. A comissão avaliadora das tarefas foi composta por sete membros: algumas Irmãs, diácono permanente e profissionais da educação ligados à Rede Notre Dame. Para os momentos off-line, foram encaminhadas algumas tarefas por e-mail, pela professora regente da turma, com atividades que deveriam ser realizadas e encaminhadas pelo e-mail da gincana até determinada data ou preparadas para serem apresentadas no momento on-li-

³⁰ Graduada em Teologia e Pedagogia. Atuou como professora e vice-diretora em diferentes escolas mantidas pela Associação Notre Dame. Atualmente é vice-diretora do Colégio Maria Auxiliadora, em Canoas (RS), e coordenadora da Pastoral Escolar da Rede Notre Dame de Educação.

³¹ Graduada em Administração de Empresas e Psicologia. Possui especialização em Gestão do Comportamento Organizacional e em Desenvolvimento de Grupos. Atuou na área de Recursos Humanos como Consultora Interna e Externa em organizações privadas de diversos segmentos. Atualmente é Psicóloga Organizacional e Pastoralista da Notre Dame de Educação.

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ne. As tarefas foram as mais variadas: produção de um mural de divulgação na escola sobre a participação das equipes na gincana, realização de um teatro a partir de texto bíblico apresentado pela Pastoral Escolar, charadas bíblicas, busca na escola por pessoas com nomes dos apóstolos, composição de uma paródia a partir de um texto bíblico, entre outras atividades.

Um dos pontos mais emocionantes da gincana foi a apresentação da tarefa do teatro. Nela, as equipes participantes deveriam encenar para as turmas de 4º ano das escolas a parábola contida no ícone escolhido para representar a Pastoral Escolar em 2023. O ícone contém a representação da parábola do “Bom Samaritano” e foi escolhido por expressar o compromisso das Irmãs de Notre Dame com o tema da Congregação: “Renovar a face da Terra: cultivar a cultura do encontro e do cuidado”. Então, primeiramente, os alunos deveriam identificar a parábola no ícone, encontrar e ler o texto bíblico de referência e realizar a tarefa (deveria ser encaminhada uma filmagem desse momento para o e-mail da gincana, para apreciação da comissão avaliadora).

As produções dos alunos foram belíssimas! Todas as turmas se caracterizaram, realizaram a atividade no pátio, no auditório de algumas escolas, em salas de aula e ao ar livre. Com certeza, foi um momento de muito aprendizado, pois alguns pastoralistas das escolas trouxeram a dúvida dos estudantes: “Por que

ajudar uma pessoa que não conheço e com a qual não tenho afinidades culturais?”. Eis que o aprendizado surge a partir da reflexão do ensinamento de Jesus: é exatamente sobre fazer o bem sem olhar a quem e amar os nossos irmãos e irmãs por eles serem filhos de Deus.

A gincana também contou com uma tarefa solidária, na qual as turmas foram convidadas a arrecadar alimentos, itens de higiene e limpeza, bem como roupas para atender às famílias atingidas pelas intempéries climáticas no estado do Rio Grande do Sul. No mês de setembro, houve um volume excessivo de chuvas e a presença de ciclones em algumas regiões do estado, o que causou enchentes e, consequentemente, pessoas desabrigadas. As equipes engajaram todos os colegas na realização da tarefa e, graças a isso, muitas doações foram feitas.

A situação das chuvas e dos problemas oriundos dela foi outra oportunidade de aprendizado. A data prevista para a entrega das atividades e a realização dos momentos on-line foi alterada do dia 29 de setembro para o dia 5 de outubro, até porque algumas cidades onde a Rede Notre Dame possui escolas foram acometidas pelos fenômenos climáticos e tiveram as aulas suspensas.

A realização da I Gincana Bíblica on-line da Rede ND foi um momento de diversão e aprendizado. Foi possível ver os alunos manuseando o livro sagrado e satisfeitos por conhecerem os colegas das outras escolas da Rede. Os objetivos que a gincana propunha foram atingidos com

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êxito, e alguns alunos verbalizaram a alegria em conhecer e interagir com outros colegas. Além disso, a comissão avaliadora constatou a animação e o engajamento das equipes ao apresentarem o grito de paz e ao realizarem as tarefas propostas.

Em 2024, a gincana continua!

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INFÂNCIAS

“ESCONDE-ESCONDE”: O DIVINO SE FEZ

CRIANÇA E ACEITOU BRINCAR CONOSCO

José Sotero dos Santos Neto³²

“Quando a estrela acende ninguém mais pode apagar

Quando a gente cresce tem um mundo pra ganhar Brincar, dançar, saltar, correr

Meu Deus do céu onde é que eu vim parar?”

A compreensão sobre a infância, no decorrer da história da humanidade, sofreu uma série de transformações. Destaca-se, de imediato, na trajetória histórica, o “não lugar” que, durante anos, a criança ocupou. Na Idade Média, conforme aponta Philippe Ariès (1978), não havia uma separação clara entre o que seria adequado para crianças e o que seria específico da vivência dos adultos.

Desde a gênese, a palavra “infância” carrega consigo o estigma da incapacidade, da incompletude perante os mais experientes, relegando-lhe uma condição subalterna diante da sociedade. Era um ser anônimo, sem um espaço determinado socialmente. A infância é um conceito que começará a se desenvolver, segundo Zygmunt Bauman (1998), a partir dos séculos XVI e XVIII, por meio da Revolução

JOSÉ SOTERO DOS SANTOS NETO

Educacional. Dessa maneira, a concepção moderna de infância, ainda presente em alguns espaços em nossos dias, apresenta-se assim: uma fase da vida em que os indivíduos precisariam de cuidados especiais e deveriam estar resguardados de algumas informações que pudessem lhes ser nocivas, para que se desenvolvessem e se constituíssem, no futuro, como adultos plenos.

Por outro lado, no espaço-tempo da contemporaneidade, a infância conquistou outro status. O século XX representou um marco na inserção da criança na sociedade, pois a infância passou a ser reconhecida como um período fundamental no desenvolvimento do ser humano, com características próprias e práticas específicas.

³² Irmão Marista, licenciado em Letras Vernáculas e bacharel em Teologia. O artigo já foi publicado na Revista Sou Catequista.

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Vale ressaltar que o reconhecimento e os novos conhecimentos sobre a infância trouxeram valorização e proteção para a criança, que passou a ter direitos garantidos por lei, assumindo uma posição prioritária nas políticas públicas, já que a melhoria na qualidade de vida das crianças é essencial para empreender transformações sociais[2]. Portanto, a partir do momento que se percebe a criança como sujeito de direitos, descortina-se um novo capítulo na história, embasado nos valores da dignidade e no respeito ao ser.

No avançar da reflexão sobre a infância, surge, principalmente na América Latina, o discurso sobre protagonismo infantil como ramificação de outros grupos que lutam por melhorias nas condições de vida. A palavra “protagonista” foi incorporada ao campo educacional como forma de promover a participação das crianças no processo educativo e na abertura de espaços que favoreçam o exercício da cidadania. A participação é um dos eixos fundamentais para promover o protagonismo da infância. Desde o paradigma do protagonismo infantil, fala-se na participação que reconhece a infância em sua capacidade e possibilidade de perceber, interpretar, analisar, questionar, propor e agir em seu ambiente social, comunitário e familiar.

Essa compreensão só se tornou possível com o desenvolvimento do conceito de infância e uma modificação na maneira

de entender a criança e de agir em relação a ela. Com os avanços ocorridos, a partir do século XX, nos estudos das áreas da educação e da saúde, sobretudo no campo da neurociência, a criança passou a ser reconhecida como cidadã, modificando profundamente as práticas com a infância, que passou a ser vista como um período de formação fundamental na vida do ser humano.

Além dos avanços nas áreas da educação e da saúde, a infância contou, também, com o surgimento, nas últimas décadas, de um emergente rosto na organização familiar, fruto da nova configuração das famílias, constituindo-se de distintas maneiras (pais separados, mães e pais solteiros, filhos criados por avós, entre outras) e de uma maior abertura na relação entre pais e filhos.

O cenário reflete um panorama de modificações no modelo educativo adotado pelas famílias na condução do desenvolvimento de seus filhos, tais como a introdução do diálogo, a mudança nos métodos repressivos, a flexibilização das regras e uma participação mais ativa dos filhos na dinâmica familiar. Esse fenômeno do respaldo da criança, a partir de um lugar diferenciado nas famílias e o fato da inserção social, elevou as crianças, na centralidade das discussões da atualidade, como um grupo formador de opinião. Ao longo da nossa exposição, vamos percorrer as etapas da brincadeira de esconde-esconde para interpretá-la à luz do trabalho pedagógico-pastoral.

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O PEGADOR, BATE-CARA NO PIQUE-ESCONDE: JESUS E AS CRIANÇAS[3]!

Naquele momento, os discípulos se aproximaram de Jesus e perguntaram: “Quem é o maior no Reino do Céu?” Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: “Eu lhes garanto: se vocês não se converterem e não se tornarem como crianças, vocês nunca entrarão no Reino do Céu. Quem se abaixa e se torna como essa criança, esse é o maior no Reino do Céu. E quem recebe em meu nome uma criança como esta, é a mim que recebe.”

(Mt 18, 1-5)

Com base nesse texto bíblico de Mateus (18, 1-5), pode-se propor uma redescoberta da infância, compreendendo as crianças como mediadoras da revelação divina. Nessa proposta relacional, elas integram o centro do processo evangelizador, de modo que suas vidas nos comunicam a novidade de Deus. Nessa empreitada, são necessários momentos significativos de encontro com o transcendente. Acreditamos que, de início, seja válida a aposta no potencial que a criança possui para se abrir à transcendência e vivenciar experiências profundas de espiritualidade, visto que a sensibilidade das crianças para o mistério e para a curiosidade sobre a vida favorece um maior encontro e uma familiaridade com o transcendente.

Jesus, no episódio relatado em Mateus (18, 1-5), ao responder a uma indagação

dos discípulos, apresenta uma criança no meio deles e convida-os a se parecerem com ela. Esse “tornar-se criança” é um convite para se colocar no mesmo nível do outro, fazer-se pequeno, ficar à medida dele. É um derrubar as barreiras, fazer um itinerário de aproximação do outro, descobrindo as potencialidades, as belezas e os desafios num processo de acolhida, principalmente naquilo que o outro carrega de “encarnação” de Cristo Jesus. Nesse diálogo com os discípulos, Jesus declara que as crianças simbolizam o que têm de melhor na humanidade, o reflexo que ele gostaria de ver reproduzido em cada um de nós. Jesus se identifica tanto com as crianças a ponto de dizer: “quem recebe em meu nome uma criança como esta, é a mim que recebe”. Na verdade, Jesus está misteriosamente escondido em cada criança e cada um está habilitado para reconhecê-Lo. Assim, precisamos despertar o Jesus internalizado em cada criança.

Comunguemos das palavras proféticas pronunciadas pelo Papa Emérito Bento XVI, no Santuário de Mariazell na Áustria: “Deus se fez pequeno por nós. Deus não vem com uma força exterior, mas vem na impotência de seu amor, que é o que constitui a sua força. Põe-se em nossas mãos. Pede o nosso amor. Convida-nos a também fazer-nos pequenos, a descer de nossos altos tronos e a aprender a ser crianças diante de Deus... O menino Jesus também nos lembra naturalmente todas as crianças do mundo, nas quais quer nos encontrar”.

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OS OUTROS JÁ ESTÃO ESCONDIDOS:

O DIVINO QUE SE ESCONDE NA INFÂNCIA

As crianças são apontadas como eleitas para receber os mistérios divinos, chave de revelação, sujeitos teológicos. Jesus, ao utilizar a imagem da infância, convida-nos sutilmente a fazer uma inversão irônica da rigidez da Lei, que não requer das crianças seu seguimento ou cumprimento. Desse horizonte, pode-se entender que Jesus ressignifica a noção de reino como uma realidade que ultrapassa o cumprimento do padrão religioso. Ele amplia nosso olhar sobre Deus e como nos aproximamos do divino; não se limita na interpretação e na vivência de homens adultos.

Em outro texto, defini esta lógica “adulto-cêntrica” da seguinte maneira: “Representa-se a vida do adulto, entre outras coisas, com a maturidade, a frieza nas decisões, a superação das instabilidades, a semeadura da razão, a efetividade dos resultados. E é na rigidez destes estereótipos onde muitas vezes perdemos a surpresa da espontaneidade, o frescor do contato dos corpos e a riqueza de caminhos que abrem nossa liberdade intrínseca. Em outros termos, nos esquecemos da condição lúdica que caracteriza a vida social e humana”.

Deus decide se revelar por meio da história, portanto nenhum discurso pode descrevê-Lo de maneira definitiva. Por outro lado, a imagem de Deus, na tradição cristã, é marcada fortemente por uma

visão masculina e adulta. Essa imagem masculinizadora do divino traz consigo um discurso ideológico que subordina o papel das mulheres e das crianças a uma posição de inferioridade em relação ao homem. Além disso, silencia por completo, em várias instâncias – social, familiar e eclesial –, o discurso da infância como uma alternativa de sujeitos ativos na elaboração teológica.

É perceptível que o adultocentrismo imperante legitima as formas de construir e exercitar teologia, principalmente no que diz respeito ao privilégio da manutenção de um lugar no poder que define a realidade e o controle do divino sobre a verdade revelada. O universo teológico precisa avançar para além do discurso habitual. Precisamos inserir, no campo reflexivo, elementos de corporalidade, redimensionar o olhar para aspectos experiencial, participativo e comunitário.

Dessa forma, integrar as crianças no fazer teológico significa um questionamento da lógica adulta. É um passo para desestabilizar a ordem e a estabilidade institucional dos poderes sociais e religiosos. É uma oportunidade para dar voz a um dos setores mais marginalizados da nossa sociedade. É um serviço de denúncia e desarmamento de uma prática de poder e domínio por parte dos adultos, especificamente dos homens. As percepções da realidade, assim como a “costura” entre as formas e os sentidos com as quais as construímos, precisam ser ressignificadas.

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UM ESCONDERIJO DESCOBERTO – O JOGO COMO OPÇÃO METODOLÓGICA

Vislumbrar a infância como espaçotempo teológico é aceitar o jogo como caminho para construir a vida, as ideias, as percepções e os lugares. No movimento missionário de Jesus Cristo, é passar para o outro lado da margem. O jogo caracteriza-se pela centralidade da diversão, dispõe o corpo como espaço primordial do movimento, em detrimento à dinâmica da razão. A compreensão do divino passa a ser uma “janela aberta”, visto que os exercícios lúdicos questionam as regras estabelecidas.

Considerar a infância, no ato de apalavramento de Deus, que é a teologia, é uma forma singela de apalavrar sobre as próprias crianças, com a contagiante finalidade de dar a elas um espaço de sentido, uma forma de localizá-las em um lugar central na criação de percepções. A infância é a representação da noção de processo, de abertura para aquilo que ainda está em devir, do poder do espontâneo. Por meio da teologia, enquanto lugar emancipatório e social que nos permite ver “além”, seremos motivados por esse frescor da infância em nosso encontro com o divino e nas formas institucionais, ao possibilitar um sentido novo e transformador nos discursos e nas práticas circundantes no universo das crianças.

Deus se revelou a elas e nelas. O que fazer para que essas vozes sejam escuta-

das? Como perceber a revelação divina no ser criança? O que devemos mudar em nosso adultocentrismo para nos abrirmos à surpresa dos gestos das nossas crianças?

Como resposta a essa visão racional, adultocêntrica e dogmática do teológico, impõe-se o processo do jogo, não apenas como uma prática específica da infância, mas como uma forma diferente e ousada de ver o mundo e a realidade. O próprio Jesus já nos provocava nesse sentido ao falar com os discípulos sobre “ser como crianças”. Os jogos divertem, abrem a imaginação, promovem o movimento do corpo, permitem sonhar e, com isso, promovem uma abertura à novidade transformadora da história revelada pelos milagres, os encontros e as surpresas da jornada dos discípulos enviados em missão. Diante desse cenário, Deus se apresenta de maneira descontraída, ao passo que sua revelação se transforma em um campo desconhecido de múltiplas possibilidades, promove os movimentos infinitos de todo o corpo e a liberdade que pulsa da vida. O poeta Rubem Alves nos ajuda na reflexão sobre o encanto da arte de jogar.

No jogo, o homem encontra significado, e, portanto, diversão, precisamente no fato de suspender as regras do jogo da realidade, que lhe convertem em um ser sério e em constante tensão. A realidade nos deixa doentes. Produz úlceras e depressões nervosas. O jogo, entretanto, cria uma ordem por meio da imaginação e, portanto, produto da liberdade.

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O exercício de fazer teologia a partir da arte do jogo implica mudar as regras da sua produção. É um ressignificar do labor teológico em seu formato adultocêntrico, possibilitando à infância a construção do seu lugar social, outro modo de relação com o divino. Assumir o lúdico da teologia reflete a abertura de inclusão para a infância, evidenciaque existe uma flexibilidade na imagem de Deus. Essa apropriação do processo revelatório divino por um público mais espontâneo revela que a beleza sutil da infância tem muito a contribuir na construção da civilização do amor.

É notório que a linguagem do brincar é a própria expressão da infância. O brincar apresenta inúmeras possibilidades e é a principal atividade das crianças. Na brincadeira, o mundo da infância se transforma e a criança produz cultura, constrói vínculos, interage com os pares, sente prazer e reflete a presença divina por meio do movimento gerador de vida, da leveza e da agilidade criativa. Infelizmente, a brincadeira está perdendo espaço para as mídias e para as rotinas intensas na escola. É urgente despertar a voz de esperança do profeta Jeremias, quando ele proclama: “as praças da cidade se encherão de meninos e meninas, que nelas brincarão”.

Ao brincar, a criança passa a interagir com o mundo que a cerca, desenvolve a imaginação e interioriza a realidade. Além disso, existe a possibilidade de potencializar a escuta das crianças em brincadeiras, ao motivá-las para o diá-

logo sobre os assuntos que lhes afetam, para que opinem de maneira compatível com o momento da vida em que elas se encontram. Nessa dinâmica de roda de conversa lúdica, as crianças poderão expressar o jeito “divertido” de relacionar-se com o transcendente.

O despertar do protagonismo infantil nasce dessas iniciativas que promovem a autoproteção e o empoderamento das crianças – para que elas ampliem a capacidade de argumentação e sejam escutadas de maneira integral. São nesses e em outros espaços lúdicos que existe a garantia do exercício da cidadania. Afinal, as crianças são sujeitos que se expressam e agem com singularidade, produzem cultura, aprendem nas interações sociais com os diversos interlocutores e são portadoras de um discurso teológico. Como afirmam White, Willmer e Bunge:

A teologia das crianças funciona como corretivo para esta marginalização ou invisibilidade das crianças no pensamento mais generalizado. A teologia das crianças sustenta que nós cristãos devemos seguir a Cristo e colocar as crianças em nossa elaboração teológica, porque isto é inerente à nossa fidelidade e nos une aos seguidores de Jesus. (2011:23).

O PEGADOR GRITA: “FULANO 1, 2, 3!” – POR UM RECOMEÇO DA BRINCADEIRA!

Pela nobreza de aceitar com simplicidade a mensagem evangélica, as crianças

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são dom e sinal da presença de Deus em nosso mundo, tanto que Jesus as acolheu com especial ternura, conforme Mateus 19, 14. Por sua vez, Rubem Alves reforça que “quem não sabe brincar e não é criança não se entende com Deus” (Ibid.: 20). Portanto, as crianças nos ajudam a aprender a respeito de quem é esse Deus que nos ama, sendo possível aprender, inclusive, de forma lúdica.

Mais uma vez, retomamos a máxima –“aprender a ser como as crianças” – para entender a lógica do reino de Deus. O contexto em que as crianças se apresentam a Jesus nos provoca que o êxito da pastoral da infância implica numa resistência perante os problemas, as críticas e as oposições que possam surgir. O próprio Jesus nos oferece o caminho: agir com amabilidade, com uma pedagogia da ternura. A pastoral de Jesus com a infância nos converte em defensores das crianças, em promotores de ações concretas, para promover a dignidade das

REFERÊNCIAS

crianças. É um convite a sermos ativistas pela infância, a sermos como as crianças, que são os mais indefesos e vulneráveis da sociedade. Na verdade, é o “despontar” de uma nova visão em relação à infância, que, no campo teológico, será o eixo universal na missão da Igreja.

A criança, como espaço sagrado, exige de cada um de nós uma atitude de reverência e cuidado. É necessário o desejo de aproximação dessa “terra santa”, que proporciona novas alegrias, descobertas, profunda aprendizagem e uma intensa humanização. Ao retirar nossas sandálias diante do chão sagrado e acolhermos a criança enquanto “terreno transcendental”, brotará um sentido que se vai descobrindo em detalhes do cotidiano, comunhão à mesa, abraços solidários e festivos, almas em diálogo rico e profundo, o sabor da graça na caminhada contínua nessa estrada estreita. Nesse contexto, as crianças são recebidas, abraçadas e se tornam sinais da nossa esperança cristã.

BUNGE, M. J.; WHITE, K. J.; WILLMER, H. (Ed.). Los Niños Como Clave Teológica. Uma aproximación teórica y experimental. Buenos Aires: Ediciones Kairos, 2011.

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UNIVERSIDADES

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE PASTORAL UNIVERSITÁRIA: POR UMA VISÃO POLIÉDRICA

Comunicação ANEC

Nos dias 23 e 24 de novembro de 2023, realizou-se um encontro de significativa importância para a Pastoral Universitária das Universidades Católicas na Sala Geral da Companhia de Jesus e na Sala do Consistório, em Roma. Organizado pelo Dicastério para Cultura e Educação da Santa Sé, o evento contou com a liderança do Cardeal José Tolentino de Mendonça e reuniu 200 participantes de 44 nacionalidades, encerrando um ciclo de dois dias de intensos debates e reflexões.

Durante esse encontro, o Papa Francisco enfatizou a importância da diversidade e da visão poliédrica na missão da educação católica. Para isso, destacou três pontos essenciais: apreciar as diferenças, acompanhar com cuidado e agir com coragem.

Frei Mário José Knapik, diretor pastoral da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC), participou ativamente e compartilhou suas percepções sobre a mensagem do Papa. De acordo com ele, “o encontro foi um marco importante para reforçar a essência da missão educativa nas universidades católicas. O Papa Francisco nos lembrou

da necessidade de apreciar as diferenças e valorizar a diversidade como base para a unidade”.

Frei Mário aprofundou a visão poliédrica destacada pelo Papa: “a ideia do poliedro é magnífica porque reflete a beleza da diversidade. O Papa nos lembrou que essa diversidade é a base da nossa riqueza e, como educadores, devemos treinar nossos olhos para captar e apreciar todas as nuances presentes em nossos alunos, colaboradores e contextos acadêmicos”.

O evento foi uma oportunidade única para a partilha de experiências e melhores práticas na Pastoral Universitária. “Foi incrível ver como diferentes realidades se encontraram para compartilhar práticas valiosas. A importância de uma Pastoral de processos, que vai além dos eventos pontuais, e a necessidade de investir na formação contínua dos jovens foram temas centrais”, pontua Frei Mário.

Além disso, ele ressaltou a ênfase do Papa Francisco no cuidado individual: “o Papa nos lembrou da importância de

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cuidar das sementes que Deus planta em cada pessoa. Devemos ser como jardineiros pacientes, permitindo que cada jovem cresça e se desenvolva, sem pressa por resultados imediatos”.

A presença da ANEC, representada, nesse encontro, por Frei Mário, reafirma o compromisso da associação com os princípios da Igreja Católica e sua missão evangelizadora. “A participação da ANEC neste evento nos inspira a continuar nossa jornada educativa de forma sinodal, em comunhão com o Papa Francisco e as

diretrizes da Santa Sé”, destaca.

O evento, presidido pelo Cardeal Tolentino de Mendonça, foi um verdadeiro ponto de convergência para a troca de ideias e experiências entre líderes e representantes da Pastoral Universitária de todo o mundo. O discurso do Papa Francisco e a participação ativa de Frei Mário Knapik proporcionaram reflexões valiosas para fortalecer a missão educativa das universidades católicas na diversidade do cenário acadêmico contemporâneo.

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Acima: A reitora da PUC Goiás, prof. Olga Ronchi e o vigário episcopal para a Cultura e Educação da arquidiocese de Goiânia, Pe. David Pereira de Jesus. Abaixo, os participantes do evento em audiência com o Papa Francisco.

Entrevista

Frei Mario José Knapik, diretor Pastoral da ANEC, participou, em novembro de 2023, do Congresso Internacional de Pastoral Universitária, promovido pelo Dicastério para Cultura e Educação da Santa Sé. Em entrevista à Revista de Pastoral da ANEC, o Frei Mário relata sobre o encontro, sobre a presença do Papa e sobre o papel da ANEC na animação da Pastoral Universitária.

Frei Mário, qual foi a principal mensagem transmitida pelo Papa durante o encontro em Roma, em relação ao objetivo e à missão da Pastoral Universitária nas universidades católicas?

O Papa Francisco condensou sua mensagem em três tópicos essenciais para a missão da Pastoral universitária: apreciar as diferenças, acompanhar com cuidado e agir com coragem. Com relação ao primeiro item, o Pontífice trouxe à luz o tema norteador do evento: rumo a uma visão poliédrica. Ele enfatizou que o poliedro reflete a confluência das diversas particularidades e preserva a originalidade de todas. Isso significa dizer que o poliedro possibilita uma convergência das distintas dimensões da vida, das diversas características constitutivas de um país, sem perder a originalidade do que é peculiar em cada nação. A missão dos educadores, ressalta o Papa, consiste em treinar nossos olhos para captar e apreciar as diferenças. Trata-se de adquirir uma visão poliédrica, em prol da unidade na diversidade dos contextos religiosos, sociais e culturais. No tocante ao acompanhamento com cuidado, o Pontífice

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Frei Mário Knapik, diretor Pastoral da ANEC, cumprimenta o Papa Francisco.

salientou que é preciso acreditar nas sementes que Deus lança na vida dos estudantes. É tarefa do educador, do agente de Pastoral, cuidar daquilo que cresce silenciosamente nos jovens, por vezes confusos, mas que, no decorrer do tempo e de todo o processo formativo, poderão se transformar em uma bela obra de arte. Com relação à coragem para evangelizar no ambiente universitário, o Papa realça a coragem de concentrar-se naquilo que é essencial. É preciso cultivar a ousada confiança daqueles que acreditam em nossa missão acadêmica.

Como o senhor avalia a importância do evento para a Pastoral Universitária e quais são as principais reflexões e os insights que surgiram durante a análise do objetivo e da missão dessa Pastoral?

O evento foi importante por diversas razões: primeiro porque possibilitou a reflexão, a interação e a partilha de experiências/vivências com representantes de 44 nacionalidades. Segundo, permitiu compreender a visão poliédrica no contexto da comunidade acadêmica, com ênfase na diversidade de cursos e de docentes qualificados para cada área do conhecimento. Essa realidade acadêmica expressa as diferentes faces ou partes de um poliedro. Assim como o poliedro não é uma esfera retilínea e plana, de igual modo, a universidade não é um todo contínuo e homogêneo. Terceiro, a Pastoral realiza suas atividades evangelizadoras como parte integrante da universidade, jamais como algo fora da realidade acadêmica. É evidente que o campo de atuação da Pastoral é multicultural e heterogêneo, inclusivo e sinodal. Por isso, a visão poliédrica é interessante. Quarto, precisamos acender a imaginação. A nossa vida é preparação para algo, para a imaginação do possível, do alcançável e concretizável. Não se constrói nada sem a imaginação. Se não estamos abertos para imaginar o possível, permanecemos fechados em nossa visão de mundo. A imaginação interroga as imagens que construímos no decorrer da vida para nos levar a uma outra compreensão das coisas – visão poliédrica.

Durante o encontro, foram compartilhadas reflexões, experiências e melhores práticas no campo da Pastoral Universitária em todo o mundo. Poderia destacar algumas conclusões a partir do que foi apresentado?

Primeiramente, percebe-se que o mundo está saturado de informações. Diante disso, a necessidade de escolher o caminho da complexidade unitiva se torna evidente. Essa abordagem permite dialogar e acolher a diversidade como uma possibilidade criativa e inovadora. Além disso, os jovens buscam experiências diretas e concretas. Eles esperam autenticidade e coerência nas palavras e ações daqueles que os orientam na Pastoral. Isso reflete a importância de ir além da simples organização de eventos e buscar uma Pastoral que se concentre em processos, especialmente na formação continuada dos jovens. Um aspecto crucial é compreender que o jovem atua como apóstolo de outros jovens. Portanto, investir na formação deles para

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evangelizar seus pares é essencial, pois cada grupo possui as próprias características e linguagens. Para alcançar os jovens, a abordagem por meio do voluntariado e de projetos sociais se mostra eficaz. Essa é uma área em que eles se engajam e se sentem motivados. Ademais, a necessidade de trazer experiências concretas de jovens que vivem ou viveram o cristianismo se mostra relevante. Isso pode servir de inspiração e conexão para os mais jovens, que buscam experiências reais em detrimento de teorias. A visão poliédrica, que engloba a maneira como comunicamos e testemunhamos a Boa Nova de Jesus aos jovens de diferentes culturas, realidades religiosas e classes sociais, é fundamental para a Pastoral. Por fim, é importante ressaltar que o novo surge não de estruturas conservadoras, mas, sim, de pessoas criativas e instituições abertas ao diálogo com a diversidade. Essa abertura é crucial para acompanhar a evolução e as necessidades dos jovens na sociedade contemporânea.

Qual é a importância de a ANEC estar representada neste encontro com o Papa?

A ANEC realiza sua missão evangelizadora em sintonia com as diretrizes e orientações da Santa Sé, da CNBB, CRB. A participação da ANEC neste evento promovido pelo Dicastério para a Cultura e Educação da Santa Sé realça o nosso modo de evangelizar, de forma sinodal, em comunhão com o Papa Francisco.

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DISCURSO DA SUA SANTIDADE, O PAPA

FRANCISCO, AOS PARTICIPANTES DO ENCONTRO DE CAPELÃES UNIVERSITÁRIOS E AGENTES DE PASTORAL, PROMOVIDO PELO DICASTÉRIO PARA CULTURA E

EDUCAÇÃO

Bom dia, irmãos e irmãs!

Saúdo o Cardeal Tolentino, os Superiores e Funcionários do Dicastério da Cultura e Educação e vocês: capelães universitários e agentes de Pastoral. É bom vê-los aqui para esta Conferência. A presença de todos faz ouvir as vozes dos estudantes, dos professores das diversas disciplinas e de todos aqueles cujo trabalho, muitas vezes oculto, contribui para o bom funcionamento de suas instituições educativas, as quais atendem às múltiplas culturas, às igrejas locais e aos diversos povos, incluindo inúmeros jovens e mulheres, entre eles refugiados e pobres, para quem o direito de estudar continua a ser um privilégio inacessível.

Vocês escolheram para os trabalhos o tema: “Rumo a uma visão poliédrica”. Como é de conhecimento de todos, esse é um assunto que está em meu coração. Usei-o no início do meu pontificado, quando observei que o ministério pasto-

ral não deve tomar como modelo a esfera, “onde cada ponto é equidistante do centro, não havendo diferenças entre um ponto e o outro. O modelo é o poliedro, que reflete a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade” (Evangelii Gaudium, 236). Dessa maneira, o Evangelho encarna-se e encontra expressão harmoniosa de diversos modos na vida das pessoas, como uma única melodia que se repete em diversas tonalidades. Hoje, eu gostaria de propor três abordagens que considero importantes para o serviço de vocês: apreciar as diferenças, acompanhar com cuidado e agir com coragem.

Apreciar as diferenças. O poliedro não é uma figura geométrica simples. Ao contrário da esfera, que é lisa e fácil de manusear, ele é angular e pontiagudo, o que traz uma vantagem, como a própria realidade, às vezes, pode ter, e essa complexidade está na base da sua beleza, pois permite à figura refletir a luz com dife-

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UNIVERSIDADES
Sexta-feira, 24 de novembro de 2023.

rentes tons e gradações, dependendo do ângulo de cada faceta. Uma faceta emite uma luz definível, outra, uma luz mais suave, e uma terceira faceta, uma luz escura. Não só isso, mas com os seus múltiplos lados, um poliedro também pode produzir uma variedade de tons.

Ter uma visão poliédrica, então, implica treinar nossos olhos para captar e apreciar todas essas nuances. Aliás, a origem dos maravilhosos poliedros do mundo mineral, como os cristais de quartzo, é o resultado de uma vasta história, marcada por complexos processos geológicos que ocorreram ao longo de centenas de milhões de anos. Esse processo paciente, hospitaleiro e criativo nos faz pensar na maneira de Deus fazer as coisas. Como nos recorda o profeta Isaías, Ele cria o brilho do Sol, mas não despreza a luz reluzente de “um pavio de fraca combustão” (Is 42,3). Como sugerem todas essas imagens, o trabalho educativo é uma verdadeira missão, na qual os indivíduos e as situações são acolhidos, com todas as suas luzes e sombras, com uma espécie de amor “paternal”, o que facilita, de forma única, o crescimento daquelas sementes que Deus semeou dentro de cada pessoa.

Isso nos leva ao segundo ponto: acompanhar com cuidado. Acreditar na vitalidade das sementes que Deus semeia também significa cuidar daquilo que cresce silenciosamente e que vem à luz nos pensamentos, desejos e afetos, por vezes confusos, dos jovens que foram confiados a vocês. Não tenham medo de assu-

mir essa responsabilidade. Se retirarmos as arestas e apagarmos as sombras de um sólido geométrico, iremos reduzi-lo a uma figura plana, sem largura nem profundidade. No entanto, se o valorizarmos sabiamente pelo que é, poderemos transformá-lo em uma obra de arte. O próprio Senhor nos ensina a arte de cuidar. Ele, que criou o mundo do abismo informe e ressuscitou das trevas da morte, ensina-nos a extrair o melhor das suas criaturas, cuidando do que há de mais frágil e imperfeito nelas. Não devemos desanimar ante os desafios educativos que enfrentamos todos os dias, no contato com pessoas, culturas, situações, afetos e pensamentos tão diversos e, por vezes, problemáticos. Cuidem de todos, sem procurar resultados imediatos, mas na esperança segura de que, quando acompanhamos os jovens e rezamos por eles, milagres podem surgir.

E, agora, o terceiro ponto: agir com coragem. Queridos amigos, alimentar a alegria do Evangelho no ambiente universitário é uma tarefa emocionante, mas exigente, e que requer coragem. Essa é a virtude encontrada no início de cada esforço, do “Fiat Lux” (faça-se a luz) da criação, passando pelo “Fiat” (faça-se) de Maria, até o mais pequeno “sim” que dizemos no decurso da nossa vida cotidiana.

A coragem nos permite ultrapassar até os abismos mais profundos, como o medo, a indecisão e os álibis que nos impedem de agir e que encorajam a falta de compromisso. Quando, no meio de

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lutas interiores, uma pessoa toma uma decisão ousada e criativa, isso exige coragem: uma coragem que vai direto ao cerne da questão, concentrando-se no que é essencial e superando qualquer hesitação inicial. A coragem que distinguiu os primeiros discípulos e a virtude dos “pobres de espírito” (Mt 5,3), que, reconhecendo sua necessidade de misericórdia, imploram destemidamente a graça de que necessitam. É a coragem de quem, apesar da pobreza, acalenta grandes sonhos e aspira à medida de Cristo: à altura, à largura e à profundidade do seu amor (cf. Ef 3, 17-19). A minha esperança é que, na vida e nos seus ministérios, vocês sempre cultivem a ousada confiança daqueles que acreditam.

Antes de concluir, gostaria de lhes contar outra razão pela qual estou feliz por nos encontrarmos. Disseram-me que alguns de vocês, individualmente ou por meio das universidades às quais estão

associados, contribuíram financeiramente para que outros, com menos possibilidades, pudessem participar desta Conferência. É bom que gestos como esses sejam cada vez mais frequentes e inspirados pelo desejo de ajudar, sempre que possível, aqueles que mais necessitam, seja de apoio financeiro, seja acadêmico. É também uma forma de lembrar a cada um de nós que precisamos uns dos outros e, que, consequentemente, temos sempre algo valioso para dar. Agradeço a presença de todos e peço a vocês que saúdem os estudantes confiados aos seus cuidados, bem como as autoridades acadêmicas e os estudantes das universidades e das igrejas locais. Todos estão em minhas orações. Peço, por favor, que se lembrem de mim em suas orações diante do Senhor. Obrigado!

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IGREJA | ARTIGO

SANTO AGOSTINHO E AS ESCRITURAS

Fr. Caio Filipe de Lima Pereira, OSA³³

O mês de setembro, para a Igreja do Brasil, é muito especial para todas as comunidades eclesiais missionárias. Já é uma tradição que este mês seja lembrado como o “Mês da Bíblia”. Setembro foi escolhido pelos Bispos do Brasil como o Mês da Bíblia em razão da memória litúrgica de São Jerônimo, celebrada no dia 30. A cada ano, um livro é meditado, rezado e estudado, o

que auxilia cada cristão a se aproximar da palavra de Deus, “que é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Julga os pensamentos e as intenções do coração. Não há criatura que possa ocultar-se diante dela” (Hb 4,12-13).

³³ Religioso da Ordem de Santo Agostinho (OSA), licenciado em Filosofia (2018) e bacharel em Teologia (2022) Especialista em Ensino Religioso Escolar (2023) e em Gestão Escolar (2023). Desenvolve trabalhos pastorais nos centros educativos da REDE LIUS AGOSTINIANOS, pertencente a Província Agostiniana Nossa Senhora da Consolação do Brasil. Atualmente, reside na comunidade agostiniana de Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, auxiliando na educação de jovens e adultos, especialmente camponeses e quilombolas.

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Santo Agostinho, em sua vida, foi um daqueles que experimentou a força e o sustento da Palavra de Deus. Em seu processo de conversão, ele relata em suas Confissões: “O que sei, Senhor, sem sombra de dúvida, é que te amo. Feriste meu coração com tua palavra, e te amei” (Confissões X, 7, 8). Os primeiros encontros de Agostinho com a Escritura em sua infância deram-se pelas leituras ouvidas certamente na igreja ou nas proximidades. Foi após o despertar provocado pelo Hortensius, de Cícero, quando estava com 18 anos, que leu, pela primeira vez, o texto da Escritura, como narra nas Confissões (cf. Confissões III, 5, 9). “Essa leitura, que se reduziu, evidentemente, a uma parte dessa biblioteca que é a Bíblia, não teve resultado positivo, por motivos estilísticos: versado na eloquência clássica, considerou inconveniente o estilo bíblico” (O’DONNELL, 2019, p. 184). Porém, lendo novamente ao menos alguns textos bíblicos, pouco depois caiu na seita dos maniqueus, com os quais precisou ler e ouvir vários textos conhecidos das Escrituras, mas inseridos num contexto diferente, ao lado dos escritos dos maniqueus. Entre as leituras que esses faziam da Escritura, o que mais afetou Agostinho foi o ataque dos maniqueus ao antropomorfismo e à suposta imoralidade dos patriarcas do Antigo Testamento.

A partir desse ponto, o relato da conversão de Agostinho é uma narração da sua aproximação progressiva e da sua apreciação cristã sucessiva da Escritura. O estudo da Escritura e de outros textos tornou indefensáveis as posições maniqueias. O ouvir a pregação de Ambrósio e

o exemplo da sua leitura silenciosa e atenta da Escritura tornaram possível para Agostinho compreender como uma interpretação plausível da Escritura pudesse estar de acordo com suas raízes socioculturais e as relativas expectativas. Assim, Agostinho apresenta o momento decisivo da sua conversão como um ato de leitura da Escritura e de aplicação literal daquela prescrição moral a si mesmo. Retirou-se em Cassicíaco, naquele mesmo inverno, a fim de ler a Escritura (levando em consideração a recomendação de Ambrósio de ler o profeta Isaías), mas os registros daquele inverno são mais de natureza filosófica do que escriturística. Entretanto, nos anos seguintes, antes de sua ordenação em Hipona, sua atenção voltou-se a textos específicos da Escritura – particularmente o Gênesis – para refutar os maniqueus.

Antes de sua ordenação presbiteral, em Hipona, em 391, “escreveu a seu bispo, Valério, a fim de pedir-lhe tempo para dedicar-se ao estudo da Escritura” (O’DONNELL, 2019, p. 185). Essa referência remete a um processo de formação como autodidata em Escritura, que, para nós, enquanto processo, é oculto, mas, enquanto resultado, é ineludível. A partir de seus primeiros escritos como presbítero, sua obra está repleta de referências, ecos e citações da Escritura. Agostinho começa a mostrar fascínio pelos Salmos, que o acompanharão pelo resto de sua vida. Enquanto presbítero, começou a confrontar-se com problemas de interpretação paulina, e é sabido que, “em meados dos anos 90 do IV século, chegou a um ponto em que tal estudo o levou a uma visão completamente nova de Pau-

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lo, que influenciará sua teologia pelo resto de sua vida” (O’DONNELL, 2019, p. 185). Isso não quer dizer que seu interesse pelo Gênesis e pelos Salmos diminuirá. Nos anos seguintes, seu interesse exegético principal direcionar-se-á para a obra de São João, tanto para o Evangelho como para a primeira epístola, que se tornaram objeto de longas discussões, resultando em obras e escritos.

Santo Agostinho é tido, até hoje, como referência para o estudo da teologia bíblica. Esse talento para a interpretação da Bíblia e para sua sistematização pode ser nitidamente observado em suas diversas obras de comentários bíblicos e em seus numerosos sermões. Uma dessas obras de comentários bíblicos, que também serviu de inspiração para a atuação política de pessoas como Dietrich Bonhoeffer³⁴ e Martin Luther King³⁵, é a obra Sobre o Sermão do Senhor na Montanha. Nessa obra, Santo Agostinho faz uma explanação do famoso sermão de Jesus Cristo no monte (Mt 5-7).

Agostinho considera a Bíblia como a expressão imediata da vontade e da inteligência de Deus. A Escritura não é um livro de história e, sim, uma oferta divina, proporcionada à pessoa de fé para revelar-lhe o que Deus lhe pede em cada momento e

o que é que tem de fazer para agradá-Lo. É a carta que Deus escreveu aos homens: “Daquela cidade, de onde estamos ausentes como peregrinos, chegaram-nos cartas. São as Escrituras, que nos exortam a viver bem” (Comentários aos Salmos 90,2,1). O que faz ao enviar suas cartas é fazer crescer em nós o desejo da pátria, de voltar ao nosso autêntico lar.

A Bíblia nasceu da vontade de o povo ser fiel a Deus e a si mesmo. Nasceu da preocupação de transmitir aos outros e a nós essa fidelidade. A Bíblia é, portanto, humana e divina, tanto por sua origem como por seu conteúdo: “É um homem que fala de Deus, Deus o inspira, é verdade, mas não deixava de ser um homem. A inspiração o fez dizer algo. Sem ela, teria emudecido inteiramente. Porque um homem recebeu a inspiração, não disse tudo o que o mistério é, mas o homem pode dizer” (Tratado sobre o Evangelho de São João 1,1).

Ler a Escritura é entrar na intimidade da relação de Deus com um povo que nos deixou por escrito o que temos de fazer para que nossa vida seja continuamente conectada com Ele. “Agostinho fez da Escritura o alimento de sua vida cotidiana, e foi capaz de distribuí-la também como pão ao seu povo” (SIERRA RUBIO, 2003, p. 8). Como nos ensina o Concílio Vaticano II, “[...] é tão

³⁴ Cf. BONHOEFFER, Dietrich. Ética. 7. ed. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2005.

³⁵ CARSON, Clayborne (org.). A autobiografia de Martin Luther King. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2014, p. 88-89.

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grande a força e a virtude da palavra de Deus que se torna o apoio vigoroso da Igreja, solidez da fé para os filhos da Igreja, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual” (DV 21).

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO, Santo. Comentário ao Evangelho e ao Apocalipse de São João Tomo 1. São Paulo: Cultor de Livros, 2017.

AGOSTINHO, Santo. Comentário aos Salmos: Salmos 51-100. Vol. 9/2. São Paulo: Paulus, 2014.

AGOSTINHO, Santo. Confissões. 17. ed. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 2004.

BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB. 3. ed. Brasília: Edições CNBB, 2019.

BONHOEFFER, Dietrich. Ética. 7. ed. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2005.

CLAYBORNE, Carson (org.). A Autobiografia de Martin Luther King. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2014, p. 88-89.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum. In: Documentos do Concílio Vaticano II: constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 1966.

O’DONNELL, James J. Bíblia. In: FITZGERALD, Allan D, OSA (org.). Agostinho através dos tempos: uma enciclopédia. São Paulo: Paulus, 2018. p. 183-186.

SIERRA RUBIO, Santiago, OSA. A Bíblia: O Manjar de Deus. Col. Cadernos de Espiritualidade Agostiniana (7), FABRA. São Paulo, 2003.

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IGREJA | ARTIGO

CAMPANHA DA FRATERNIDADE

2024

VAI REFLETIR SOBRE A AMIZADE SOCIAL

Comunicação ANEC

Em 2024, celebraremos um importante marco: 60 anos da inspiradora Campanha da Fraternidade (CF). Durante esse período, a CF se estabeleceu como um dos projetos mais impactantes de difusão da mensagem de evangelização no Brasil. Anualmente, ancorada na mensagem do Evangelho, essa iniciativa abraça temas contemporâneos de grande relevância social e humana, bem como convida tanto a comunidade cristã quanto toda a sociedade a refletir e se transformar.

Sob o lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8), o tema de 2024 é “Fraternidade e Amizade Social”. A escolha, feita em 2022 pelo Conselho Episcopal de Pastoral (CONSEP) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), surge da profunda reflexão dos bispos sobre a situação atual da sociedade, marcada por divisões, violência, ódio, conflitos e polarização. Inspirada na Carta Encíclica do Papa Francisco, Fratelli Tutti, a CF 2024 busca oferecer um antídoto para essa enfermidade social.

O objetivo geral da CF 2024, traçado pelos bispos brasileiros, é inspirador: Despertar para o valor e a beleza da

fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os laços da amizade social, para que a paz, em Jesus Cristo, se torne uma realidade para todas as pessoas e nações. Segundo o Padre Jean Poul Hansen, secretário-executivo das Campanhas da CNBB, esse é um chamado à transformação que se estende a todas as pessoas de boa vontade, com ênfase nos cristãos. Ele explica: “a expectativa é que a campanha desperte, na Quaresma de 2024, um grande processo de conversão pessoal, comunitário e social, capaz de nos tornar pessoas melhores, mais parecidas com Jesus Cristo e mais adequadas ao seu Evangelho; comunidades mais abertas e acolhedoras; e uma sociedade mais saudável, menos polarizada, onde o diferente, o divergente e o oponente tenham direito de existir, pensar, falar e agir diferente de nós, sem que isso suscite o desejo maligno de eliminá-lo”, afirma.

O primeiro capítulo do texto-base da CF traz a “alterofobia” como diagnóstico da sociedade enferma, ou seja, “medo, rejeição ou aversão a tudo aquilo que é outro, tudo o que não sou eu mesmo” (texto-base, n. 73). Segundo Pe. Hansen, o tema da Amizade Social é necessário

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diante do contexto atual, em que a convivência humana está ameaçada pela agressividade, intolerância e violência. “Nossa sociedade vem se dividindo, cultivando ódios, se fechando em pautas identitárias, perdendo a capacidade de diálogo e compaixão até o ponto de não reconhecer a outra pessoa como semelhante, quanto mais como um irmão ou uma irmã. É preciso que a Quaresma de 2024, com a CF, nos ajude em um profundo exame de consciência, acompanhado de um processo de verdadeira conversão, motivados pela Palavra de Deus”.

Amizade Social que ecoa na Igreja e nas instituições de ensino

Na Igreja, ressalta Pe. Jean Paul, o tema da CF irá refletir como um chamado à conversão, a mudanças de vida e atitudes, à reconstrução de relações rompidas e ao reconhecimento do outro e de todos os outros. “A amizade social é o remédio capaz de alargar o coração para além das fronteiras dos nossos gostos, afetos e preferências, a fim de acolher a todos nas suas diferenças, como irmãos e irmãs”, destaca.

Nas escolas, a CF encontra um espaço fértil para atividades. O tema potencializa múltiplas possibilidades de trabalho pastoral nos ambientes escolares interligados aos projetos educativos e aos currículos das diferentes disciplinas. “Educar não é meramente a transmissão de conhecimento científico, é, antes, um ato de construir relações de convivência em vista da fraternidade e na busca do

bem comum. Dessa forma, a CF 2024 toca no aspecto central de nossa missão como educadores, que é a de possibilitar experiências que ampliem horizontes e aproximem as pessoas para o exercício da cidadania, ou seja, para a convivência fraterna e o respeito entre os povos”, afirma o Padre Júlio César Resende, assessor do Setor de Educação da CNBB.

Ao celebrar os 60 anos da Campanha, o Setor de Educação da CNBB propõe o desenvolvimento de um Projeto Pedagógico-Pastoral interdisciplinar durante o ano, com o objetivo de retomar os temas anteriores da CF e sua interlocução com a vida da sociedade e sua relação com as práticas pedagógicas. “O projeto também visa motivar a comunidade escolar a reconhecer as contribuições das Campanhas da Fraternidade na identificação dos desafios sociais do país e na busca de soluções por meio da fraternidade e solidariedade”, afirma Pe. Júlio César. “A expectativa é que as atividades sejam concluídas com uma exposição sobre a CF”.

Já nas universidades, o Padre Renato Gomes Alves, assessor do Setor de Universidades da CNBB, aponta que o tema será abordado a partir do subsídio CF na Universidade, elaborado pela CNBB. “O material propõe a realização de quatro encontros para tratar sobre a Amizade Social”, comenta. “Um deles, em especial, falará sobre a economia de Francisco e Clara, justamente nesse meio tão difícil que é a universidade e em um período tão complicado de pós-pandemia, em

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que ainda estamos buscando o alvorecer de novas relações e sair da sombra da indiferença e da falta de relação”.

Pe. Renato reforça que o tema ecoa, sobretudo, na necessidade de criar vínculos e amizades dentro desse novo nível de ensino. “É o momento que o jovem co-

e agregando conhecimento, não somente pelas aulas, mas também a partir das relações criadas com professores e com colegas, que, no futuro, podem ser pontes para uma oportunidade profissional”, afirma. “Se tudo isso não for uma amizade verdadeira, não é possível formar um time concreto para trabalhar e atuar na

FRATERNIDADE E AMIZADE SOCIAL

Vós sois todos irmãos e irmãs

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CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2024 24 de março - Domingo de Ramos: Coleta Nacional da Solidariedade
(Mt 23,8)

IGREJA

AMIZADE SOCIAL: O QUE É?

Equipe de Comunicação da ANEC

No tecido complexo da sociedade contemporânea, a ideia de amizade social transcende as noções convencionais de amizade e expande-se para abraçar uma compreensão mais profunda e universal de amor e fraternidade. No cerne da Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, emerge um chamado apaixonado para cultivar uma “amizade social”, uma expressão que vai além dos limites geográficos, ultrapassa fronteiras físicas e alcança a essência da humanidade.

O Papa Francisco, com sua sabedoria e compaixão, desvenda as camadas dessa amizade social, revelando-a como um

amor que não conhece barreiras geográficas ou limites espaciais. É um sentimento que vai além da proximidade física, estendendo-se para abraçar todas as pessoas, independentemente da localização e da origem. Essa amizade é um convite para transcender as divisões que, frequentemente, nos separam, um chamado para reconhecer, valorizar e amar a todos, independentemente da proximidade física e da conexão pessoal.

A amizade social é, portanto, um convite para vivermos em uma fraternidade aberta, uma comunidade global, na qual cada indivíduo é acolhido e cuidado. É um

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amor que busca alcançar a todos, sem exceção, estendendo-se além das fronteiras impostas pelo homem, construindo pontes e quebrando as correntes que nos isolam. É um amor que reconhece a dignidade intrínseca de cada ser humano, um amor que não busca dominar nem impor, mas, sim, acolher e compreender.

No âmago dessa amizade social, está a capacidade de alargar constantemente o nosso círculo de compaixão, alcançando aqueles que podem estar fora do nosso mundo imediato de interesses. É um compromisso diário de ampliar nossos horizontes, buscando o melhor para a vida dos outros, reconhecendo o valor e a beleza de cada ser humano, para além de aparências físicas ou morais.

Essa forma de relacionamento vai além de simples ações benéficas; é uma conexão profunda, uma união que nos impele a considerar cada pessoa como preciosa e digna, independentemente de quaisquer diferenças. É um chamado para

uma fraternidade aberta, uma comunidade na qual todos podem se sentir em casa, cuidando uns dos outros e formando uma grande família humana.

Assim, a amizade social proposta pelo Papa Francisco não é apenas uma ideia, mas uma vocação, um convite para formar uma comunidade em que a compaixão e a dignidade são os pilares. É uma jornada em direção a uma fraternidade genuína e inclusiva, um caminho para construir um mundo onde ninguém seja excluído e onde a preocupação pelo bem-estar do outro seja o alicerce sobre o qual toda a sociedade se ergue.

Em última análise, cultivar essa forma de amizade social é um passo essencial para alcançar uma sociedade mais compassiva, solidária e justa. É um chamado para cada um de nós, um convite a transcender as diferenças, estender a mão ao próximo e construir, juntos, um mundo onde a fraternidade e a compaixão reinem supremas.

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IDENTIDADE CONFESSIONAL

A CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2024 E A

ESCOLA: COMO APROVEITAR O TEMA EM

AMBIENTES PEDAGÓGICO-PASTORAIS

Comunicação ANEC

A Campanha da Fraternidade 2024 (CF 2024) propõe uma reflexão profunda sobre a inimizade social presente na sociedade brasileira contemporânea, evidenciando suas raízes na falta de educação, marcada pelo desconhecimento do outro, escasso repertório cultural, e poucos contatos com a diversidade de pensamento. A campanha destaca os desafios gerados pelo contato indiscriminado com conteúdos nas redes sociais, alertando para a desinformação e ódio propagados, especialmente entre crianças, jovens e adultos. Ao analisar décadas de modelos educativos bancários e transmissionistas, a CF 2024 ressalta a necessidade de superar uma geração com pouco apreço pela diversidade, escassas habilidades socioemocionais e dificulda-

des de aprendizado. Diante desse panorama, a proposta da CF 2024 convoca à adoção de uma pedagogia da tolerância, fundamentada no conhecimento e reconhecimento do outro, na valorização da pluralidade e diversidade culturais, na habilidade de se comunicar assertivamente, e no desenvolvimento do senso crítico para formar o discernimento acerca do que é bom, verdadeiro e belo.

CF

2024 e a BNCC

A Campanha da Fraternidade 2024 (CF 2024) se alinha de forma consistente com as Competências Gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), promovendo a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e inclusiva.

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As Competências 1, 2 e 3 destacam a importância de conhecer a história e a realidade do outro, ressaltando que a cientificidade do conhecimento é fundamental para uma compreensão verdadeira e não enviesada da realidade. O desenvolvimento do senso crítico é incentivado, permitindo desafiar visões de mundo impostas, enquanto o senso estético estimula a apreciação da diversidade como algo bom e belo.

As Competências 4 e 5 ressaltam a cultura do diálogo como essencial para uma convivência respeitosa. A capacidade de nos comunicarmos assertivamente, expressando-nos de maneira inteligível e autêntica, é fundamental para o desenvolvimento de um diálogo bem fundamentado, baseado em argumentos válidos e verdadeiros, evitando conflitos e destruição.

A Competência 6 destaca a importância de educar para o discernimento na era digital, ajudando crianças, jovens e adultos a distinguir o verdadeiro do falso nas plataformas online. Compreender as dinâmicas midiáticas é crucial para desmontar esquemas de ódio e cancelamento que permeiam a internet.

As Competências 7, 8 e 10 relacionam-se com o desenvolvimento das competências socioemocionais. A escola é apresentada como um ambiente de autoconhecimento e aprendizagem sobre si, promovendo a responsabilidade pelas próprias ações e a prevenção de projeções negativas no outro.

A Competência 9 destaca a importância da empatia, ressaltando que é algo que se aprende, e a escola é apontada como um espaço propício para esse aprendi-

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zado. Reconhecer o outro como alguém separado de nós, estimular a cooperação e solidariedade, independentemente de condições externas, são elementos essenciais para o desenvolvimento humano e social proposto pela CF 2024.

CF 2024 e as áreas do conhecimento

Linguagens: a proposta da CF 2024 pode ser abordada por meio da leitura e análise de textos que discutem a inimizade social e a importância da fraternidade. Os estudantes podem realizar produções textuais reflexivas, debates e apresentações, explorando a temática em diferentes gêneros textuais. No contexto das Artes, a CF 2024 pode ser explorada por meio de produções artísticas que expressem a busca pela fraternidade e amizade social. Os alunos podem criar obras que reflitam sobre a diversidade, promovendo o diálogo e a conscientização por meio de pinturas, esculturas, performances e outras formas de expressão artística. Na área de Educação Física, a CF 2024 pode ser incorporada por meio de práticas esportivas que enfatizem o respeito, a cooperação e a inclusão. Atividades que promovam a tolerância e o entendimento das diferenças podem ser desenvolvidas, incentivando a construção de vínculos sociais positivos. Matemática: Na área de Matemática, a abordagem da CF 2024 pode ocorrer por meio da resolução de problemas que envolvam questões sociais, como a análise de dados estatísticos relacionados à desigualdade e à diversidade. Os alunos podem explorar gráficos e propor solu-

ções matemáticas para desafios sociais, promovendo uma visão crítica e consciente.

Ciências da Natureza: Na área de Ciências da Natureza, a CF 2024 pode ser integrada através da discussão de problemas ambientais, abordando questões sociais ligadas à sustentabilidade e promovendo o respeito pela diversidade biológica. Experimentos e estudos de casos podem destacar a interdependência entre os seres vivos e o ambiente, incentivando uma postura responsável.

Ciências Humanas: Na área de Ciências Humanas, a abordagem da CF 2024 pode ocorrer por meio da discussão de temas como alterofobia, diversidade cultural, conflitos e guerras regionais e desafios sociais. Estudos de história, geografia e sociologia podem explorar as raízes da inimizade social, promovendo uma compreensão crítica e contextualizada das questões sociais brasileiras.

Ensino Religioso: Na área de Ensino Religioso, a CF 2024 pode ser abordada por meio do estudo e discussão de princípios éticos presentes nas diversas tradições religiosas, destacando a importância da tolerância, do respeito e da construção de uma sociedade mais fraterna.

Projeto de Vida: nesta dimensão, a proposta da CF 2024 pode ser incorporada através do desenvolvimento de planos de ação que visem a promoção da fraternidade e amizade social. Os alunos podem refletir sobre seus propósitos de vida relacionados ao engajamento social e à construção de relações solidárias.

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Trabalhando

a CF 2024 na Pastoral Escolar

Celebrações Temáticas: Organizar celebrações especiais, de caráter penitencial ou ecumênico, que abordem os temas da CF 2024, envolvendo toda a comunidade escolar, incluindo estudantes, famílias e colaboradores da escola.

Encontros de Reflexão e Diálogo: Promover encontros periódicos de reflexão e diálogo sobre os temas da CF 2024. Esses encontros podem ser realizados com estudantes, educadores, famílias e demais colaboradores da escola, proporcionando espaços para compartilhar experiências e ideias.

Catequese: partilhar e rezar os textos bíblicos em que Jesus aponta a fraternidade como caminho fundamental do seguimento

Projeto de Voluntariado: Incentivar a participação em projetos de voluntariado que estejam alinhados com os princípios da CF 2024. Isso pode envolver ações sociais, visitas a comunidades carentes, arrecadação de alimentos e outras iniciativas solidárias.

Formações para Educadores: Oferecer formações específicas para educadores sobre a temática da CF 2024, capacitando-os a abordar esses temas de maneira integrada em suas práticas pedagógicas e na convivência diária com os alunos.

Grupos de Oração e Espiritualidade: Criar grupos de oração e espiritualidade que possam se reunir regularmente para rezar pelas intenções da CF 2024, fortalecendo o vínculo espiritual entre os membros da comunidade escolar.

Campanhas Solidárias: Realizar campanhas solidárias que possam beneficiar diretamente comunidades em situação de vulnerabilidade. Essas campanhas podem envolver a coleta de alimentos, roupas, materiais escolares ou qualquer outro recurso que atenda às necessidades identificadas.

Oficinas Artísticas e Culturais: Promover oficinas artísticas e culturais que abordem a temática da fraternidade e amizade social, utilizando a expressão artística como meio de sensibilização e conscientização.

Encontros de Partilha em Família: Organizar encontros específicos para as famílias, proporcionando espaços de partilha e reflexão sobre a importância da fraternidade no contexto familiar e social. Isso pode incluir palestras, dinâmicas e momentos de oração em família.

Ações da gestão educacional em prol da CF 2024

Promover Espaços de Diálogo: Estabelecer regularmente espaços formais e informais de diálogo entre os colaboradores e professores, incentivando a troca de experiências, ideias e sentimentos. Reuniões, encontros e fóruns podem ser planejados para fomentar a comunicação aberta.

Protocolo de Acolhimento e Inclusão das Diferenças: Desenvolver e implementar um protocolo formal de acolhimento que considere as diversas diferenças presentes na equipe escolar e entre os estudantes. Este protocolo pode incluir:

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• Mapeamento das Diferenças: Realizar um levantamento das diversidades presentes na equipe, como etnia, religião, orientação sexual, necessidades especiais, entre outras, para compreender as especificidades e necessidades individuais.

• Capacitação da Equipe: Oferecer treinamentos e capacitações regulares para toda a equipe, abordando temas como diversidade, inclusão, e sensibilização. Essa formação pode promover a compreensão e o respeito pelas diferenças.

• Acolhimento Personalizado: Estabelecer um processo de acolhimento personalizado para novos colaboradores, considerando suas características individuais. Designar um mentor ou buddy para auxiliar na integração e esclarecimento de dúvidas.

• Canais de Comunicação Abertos: Criar canais de comunicação abertos e confidenciais para que os colaboradores possam expressar suas necessidades, preocupações e sugestões, promovendo um ambiente de confiança.

• Adaptações e Apoio: Implementar adaptações necessárias para garantir a plena participação de todos, seja por meio de ajustes físicos no ambiente escolar, suporte emocional, ou outras medidas que promovam a equidade.

Programas de Desenvolvimento Pessoal e Profissional: Implementar programas que visem o desenvolvimento pessoal e profissional dos colaboradores, abordando temas como inteligência emocional, diversidade, inclusão e habilidades de comunicação assertiva. Essas iniciativas contribuem para o entendimento mútuo e fortalecem os vínculos interpessoais.

Campanhas de Conscientização e Sensibilização: Realizar campanhas educativas sobre temas relevantes, como diversidade, respeito às diferenças e promoção da cultura do diálogo. Essas campanhas podem incluir palestras, workshops e materiais informativos para sensibilizar a comunidade escolar.

Programas de Mentoria e Apoio Emocional: Estabelecer programas de mentoria que conectem profissionais mais experientes a novos colaboradores, proporcionando apoio emocional, compartilhamento de experiências e orientação. Isso contribui para a integração e fortalecimento dos laços entre os membros da equipe.

Incentivo a Atividades Colaborativas e Recreativas: Promover atividades colaborativas e recreativas, como eventos culturais, esportivos e artísticos, que proporcionem momentos de descontração e integração. Essas iniciativas ajudam a quebrar barreiras, fortalecem a coesão do grupo e criam oportunidades para conhecer melhor os colegas.

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IDENTIDADE CONFESSIONAL

A CAMPANHA DA FRATERNIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR

Rodrigo Alves Piatezzi³⁶

Anualmente, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realiza a Campanha da Fraternidade, com temáticas que promovem debates e processos que despertam na sociedade um senso de solidariedade e comunhão. Em 2023, a campanha teve como tema “Fraternidade e Fome”, temática que encontra, no espaço escolar, um ambiente apropriado para fomentar a reflexão, a vivência de valores humanos e cristãos, a prática da solidariedade, o estudo e o levantamento de propostas de solução ao problema da fome.

Tratando-se da problemática da fome, não podemos desconsiderar a realidade em que a Escola Social Marista Irmão Justino está inserido: o bairro de União de Vila Nova está localizado no extremo leste da cidade de São Paulo (SP), na várzea do rio Tietê, possui baixa classificação no Índice de Desenvolvimento Humano e a classificação mais alta no Índice Paulista de Vulnerabilidade Social; o

bairro também é atingido pelas enchentes que afligem centenas de famílias. O flagelo da fome atinge a escola não somente como um objeto de estudo, mas como realidade dos estudantes atendidos. A unidade atende, gratuitamente, 377 estudantes, de zero a quinze anos, na Educação Infantil e no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (Conviver Marista); 14,8% das famílias atendidas estão em situação de pobreza, enquanto 44,1% encontram-se em situação de extrema pobreza.

A partir dos processos formativos realizados, a comunidade educativa foi provocada a apontar iniciativas e projetos que respondessem aos apelos e objetivos da CF 2023. Também foi formado um comitê com representantes de todas as áreas da escola, que se reuniu mensalmente com o propósito de acompanhar o desenvolvimento das atividades e animar a participação dos demais colaboradores.

³⁶ Analista de Pastoral do Marista Escola Social Ir. Justino em São Paulo, SP.

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RODRIGO ALVES PIATEZZI

O agir da CF, como proposta de transformar a realidade da fome, foi sendo desenvolvido ao longo do ano e atingiu colaboradores, estudantes e famílias.

Encontro das Escolas Católicas – Realizado em parceria com a coordenação da CF da Diocese de São Miguel Paulista, reuniu 80 educadores de diversas escolas católicas do território. Assessorou a temática o educador, sociólogo e membro da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara, Eduardo Brasileiro.

Qualificação do momento das refeições – Buscando aprofundar e aperfeiçoar os bons hábitos alimentares na escola, foi desenvolvido o projeto Alimentação, um ato de amor, com o objetivo de abordar a realidade da insegurança alimentar a partir do conhecimento e da experiência prévios das crianças no contexto familiar, para a compreensão da realidade em que vivem com relação ao consumo de alimentos. Como fruto dos estudos, foram realizadas ações visando à qualificação da oferta dos alimentos; a adequações no espaço do refeitório; à elaboração de um projeto para compra de novos mobiliários; à elaboração de rituais, fluxos e processos, enfatizando o momento das refeições como espaço sagrado de encontro, partilha, comunhão e celebração dos diversos momentos da vida.

“Transformar” a partir das crianças –O projeto Transformar atende cinquenta

crianças com idade de seis a oito anos, com o objetivo de alfabetização e letramento, mas trouxe como pano de fundo as reflexões acerca da CF. Foram desenvolvidas ações objetivando a promoção de hábitos de alimentação saudáveis, a escuta de histórias de pessoas e organizações que trabalham no combate à fome e reforçando a alimentação como um direito humano.

Os estudantes tiveram a oportunidade de dialogar com uma pessoa que viveu em situação de rua; receberam representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto; visitaram um Viveiro Escola mantido pelas mulheres do Grupo de Agricultura Urbana; implementaram e são responsáveis pela manutenção da horta e composteira da escola; e realizaram a leitura coletiva da obra “Quarto de despejo: Diário de uma Favelada”, de Carolina Maria de Jesus.

Horta escolar – Uma das atividades sugeridas pela CF e assumida pela escola foi a ressignificação da horta escolar como espaço de educação ambiental e de produção de alimentos para a escola e para as famílias mais necessitadas. A escola também promoveu ações de conscientização ambiental ao participar da Semana da Compostagem e do Dia Mundial da Limpeza. As ações tiveram impulso com o financiamento da empresa Archer Daniels Midland, que possibilitou a criação de uma estufa, para ampliar o espaço de educação ambiental.

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Solidariedade – Sabemos que não bastam ações pontuais para acabar com o flagelo da fome, contudo, o comitê de colaboradores acolheu algumas sugestões de gestos de caridade, a fim de promover a cultura da solidariedade. Com os colaboradores, foram realizados dois bazares, os quais tiveram alimentos não perecíveis como moeda de troca. Também foram estabelecidas parcerias, que beneficiaram mais de 200 famílias.

O desafio assumido de se trabalhar a CF no ambiente escolar visou concretizar o objetivo geral da campanha de forma orgânica nos projetos pedagógicos e nos processos de gestão ao longo de todo o ano – e não somente no período da Quaresma –, consolidando a missão educativa Marista e o conceito de “Escola Pastoral”.

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IDENTIDADE CONFESSIONAL

AFINAL, O QUE É A

IDENTIDADE CONFESSIONAL?

Os dicionários definem identidade como o conjunto de características que distinguem uma pessoa ou uma coisa e por meio das quais é possível individualizá-la. A palavra tem origem no termo latino idem, que, quando acrescido do sufixo “–dade”, ganha o sentido de qualidade e atributo. Idem é o idêntico, o igual, o mesmo, o repetitivo. Quando falamos da identidade de um sujeito, estamos nos referindo, então, a um ser insubstituível e identificável como tal. Já quando falamos de identidade aplicada a realidades institucionais – mais abstratas e coletivas –, nos referimos a um conjunto de marcas que tornam possível a identificação de uma instituição a um determinado conjunto de valores.

O vocábulo confessional, por sua vez, vem da palavra confissão, que, nos contextos católicos, precisa passar por desambiguações, afinal os católicos tratam o sacramento da Reconciliação pelo termo popular Confissão. De alguma forma,

GREGORY RIAL

há uma vinculação entre os dois sentidos da palavra, porque o sacramento da Confissão nada mais é do que o exercício de expor a verdade sobre si – sobre quem se é e sobre o que se faz. Ora, a confissão, nesse caso da confessionalidade, está ligada à confissão de fé ou à profissão de fé. O ato de confessar uma fé significa aderir a um corpo de crenças e princípios, como o jesuíta Leonel Franca definiu no célebre livro “A psicologia da Fé”. Para ele, crer era um ato de inteligência e de vontade, ou seja, da dimensão racional e da dimensão emocional-volitiva.

Logo, a identidade confessional de uma instituição educacional é isto: um conjunto de características, marcas, expressões, elementos estéticos e simbólicos e opções institucionais que comunicam, direta e indiretamente, que uma instituição segue uma confissão religiosa e permitem identificá-la como tal.

³⁷ Doutorando em Comunicação Social pela UFMG. Bacharel, licenciado e Mestre em Filosofia pela Faculdade Jesuíta. É coordenador do Setor de Animação Pastoral da ANEC e Gerente da Câmara de Ensino Superior.

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A identidade multifacetada de uma escola católica

Poderíamos transpor a ideia de Leonel Franca e dizer que a confessionalidade de uma instituição se liga a um modo de pensar e de agir orientados pelos valores do Evangelho. Na tradição aristotélico-tomista, a identidade está relacionada à essência ou substância da coisa e tem um caráter estático. Entretanto, a identidade não é totalmente estática e seria possível afirmar que a identidade é substancialmente dinâmica, não no sentido de mutação, mas no de movimento de adequação. A identidade humana é assim: somos o que somos, adequando-nos às circunstâncias, às épocas da vida, aos acontecimentos e às condições externas a nós. Da mesma forma, a identidade confessional de uma escola católica move-se ao longo do tempo para se adequar. Há aspectos que permanecem em termos de matéria, mas sempre mudam sob o aspecto da forma, como se disséssemos que a identidade é a mesma, mas a manifestação muda para tornar-se significativa com o passar do tempo.

Hoje, poderíamos identificar as manifestações da identidade confessional em cinco facetas básicas: concepção antropológica, concepção pedagógica, gestão de recursos, relacionalidade e pastoralidade. Essas cinco facetas (o uso dessa palavra tem por objetivo salientar o aspecto de percepção, ângulo) desdobram-se em opções institucionais, orientações, práticas, projetos, estéticas, investimentos etc.

Concepção antropológica

A pergunta de fundo é “como entendemos o ser humano?”. É interessante observar que, por trás de todo projeto pedagógico, de toda escola, está subjacente essa pergunta. Nem sempre ela é respondida com clareza, especialmente nas escolas privadas com fins lucrativos que oferecem uma formação exclusivamente voltada para a inserção no mercado de trabalho. A resposta católica para essa pergunta leva em consideração que o ser humano é uma pessoa, ou seja, é um ser complexo que tem uma dimensão física, psíquica e espiritual. É um ser aberto ao Outro – seja o outro humano ou o outro divino, e, portanto, o ser humano é um ser de transcendência. Na fé cristã católica, o homem é uma criatura feita à imagem e semelhança de Deus (imago Dei) e, portanto, tem como finalidade última (sua realização) a felicidade em Deus.

Ora, essa concepção antropológica desdobra-se concretamente, na escola católica, na opção fundamental de sempre colocar no centro o estudante como pessoa humana que precisa formar-se em

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múltiplas dimensões. Daí que as escolas católicas optam por uma formação integral da pessoa humana em que se busca formar não apenas a dimensão cognitiva e acadêmica ou profissional, mas também a interioridade, a espiritualidade, a sensibilidade, oferecendo repertórios que permitam ao estudante aprimorar-se como ser humano, desenvolvendo todas as suas potencialidades. As escolas católicas não oferecem só a formação intelectual, mas também a emocional, afetiva, sexual, espiritual e relacional.

Concepção pedagógica

Trata-se de responder à questão: “o que é educar um ser humano?”. A Pedagogia é a ciência humana que responde a essa pergunta e pode-se dizer que, na longa tradição da Igreja, há uma resposta a essa pergunta que se soma às melhores teorias pedagógicas contemporâneas. Na visão da Igreja, educar um ser humano é oferecer as condições para que se ele desenvolva plenamente, em todas as suas dimensões. Não é apenas a transmissão de conhecimento científico ou acadêmico, mas a produção de uma sabedoria que integra os conhecimentos da ciência com as necessidades da exis-

tência para descobrir Deus em todas as coisas e engajar-se como ser humano na construção do seu Reino nas diferentes áreas da vida (subjetividade, família, sociedade, política, entre outras).

Na escola católica, a concepção pedagógica reflete-se nas escolhas de metodologias, currículos e práticas de aprendizagem que estimulem criticamente os estudantes, de forma a oferecer conteúdos e critérios de pensamento e ação pautados nos valores da verdade, da justiça, do bem-comum, do amor e da paz. Isso significa produzir um currículo evangelizador, que extrapole o que é minimamente necessário saber para produzir potência de pensamento e ação no estudante. Em outras palavras, esta concepção pedagógica está no jeito e no conteúdo.

Também é uma opção pedagógica da escola católica conduzir o processo de ensino-aprendizagem em parceria com a família, por entender que há uma dimensão afetivo-emocional, a qual tem implicâncias diretas na cognição, as quais devem ser desenvolvidas na escola e na família.

Gestão de recursos

A identidade não está só em aspectos conceituais e abstratos. Ela também interfere em como uma escola católica deve ser gerida. Daí que, para a Igreja, desde a encíclica do Pio XI, Divinus Ilius Magister, passando pela constituição apostólica Gravissimum Educationis, do Concílio Vaticano II, entende-se que a

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escola católica integra-se à sociedade como um serviço. Portanto, deve ser gerida com transparência, sem usura, com justiça, visando o bem da comunidade em que está inserida, de acordo com os princípios do Evangelho, a fim de garantir a coerência entre os valores que professa e aquilo que pratica.

Cristo, ou seja, baseadas num profundo respeito à identidade do outro, com mansidão, magnanimidade, verdade, justiça, sempre buscando a paz, a conciliação, o bem do outro e da comunidade.

Nas escolas, as relações entre professores e alunos devem ser pautadas pelo diálogo, pela escuta, pelo interesse mútuo, pelo respeito à individualidade, sem imposições, castigos nem violência. O mesmo vale para a relação da escola com a família, entre professores, da gestão com os colaboradores etc.

De modo concreto, isso desdobra nas prioridades dos investimentos, dados aos aspectos missionário e humanista, na criteriosa escolha dos professores, que devem corresponder aos princípios e valores do Evangelho, e na garantia de experiências acadêmicas e pastorais de excelência para os estudantes e as famílias.

Relacionalidade

Uma quarta faceta pela qual é possível identificar uma escola católica refere-se às relações humanas estabelecidas no ambiente escolar. A pergunta de fundo é: “como devem ser as relações entre as pessoas que integram uma escola católica?”.

Para a Igreja Católica, as relações humanas devem ser vividas sob a imitação de

Pastoralidade

Por fim, a dimensão mais evidente da identidade confessional é a Pastoralidade, que busca responder à questão: “como a escola católica evangeliza?”.

Para a Igreja Católica, a escola é um espaço de evangelização, no qual é possível promover o encontro pessoal com Cristo e a integração à comunidade de fé. Essa evangelização é um feliz anúncio do amor de Deus e da sua misericórdia, que nos abraça e acompanha pela ação do Espírito Santo, o qual nos move à vida

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em comunidade e ao compromisso fraterno com todas as pessoas, vendo nelas nossos irmãos e irmãs.

Logo, o objetivo da evangelização na escola católica – como é em toda a Igreja – não se restringe a tornar as pessoas católicas, mas em torná-las imitadoras de Cristo. Por isso, as escolas católicas devem buscar uma vida pastoral intensa, com atividades, programas, celebrações que comuniquem a pessoa de Cristo, e produzir uma experiência rica e transformadora. Entendendo o aspecto plural e diverso dos estudantes, a evangelização precisa dialogar com as realidades. Portanto, as propostas devem buscar responder aos anseios profundos daqueles que compõem a comunidade escolar (estudantes, famílias e educadores), oferecendo mais que a experiência religiosa: uma experiência de fé que enraiza a pessoa em Cristo e no Evangelho.

Para que a escola católica seja ainda mais católica

E se a identidade é dinâmica, essas facetas são adaptáveis e mutáveis, na medida em que somos convocados a “dar razões da nossa esperança” (1 Pd, 3, 15). Por isso, a escola católica está sempre se reinventando, discutindo e refletindo sobre qual é a melhor forma de colocar a pessoa no centro, oferecer-lhe uma formação integral, usar os recursos disponíveis de maneira responsável, qualificar as relações interpessoais e evangelizar de modo coerente.

Se, hoje, as escolas católicas têm sido cobradas por sua identidade, para que sejam “mais católicas”, é preciso perpassar essas cinco dimensões. Infelizmente, muitos bispos, padres e pais de estudantes observam a escola católica somente da perspectiva do aspecto Pastoral e lançam uma expectativa extremamente descontextualizada, esperando que a escola seja uma mini-paróquia. Precisamos ajudar o clero e a comunidade a observarem a escola sob outros aspectos e ver como a formação que ali é oferecida

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está evangelizando de maneira ampla e profunda, oferecendo não apenas experiências religiosas, mas uma sólida base espiritual-existencial alicerçada na pessoa de Cristo.

Essa visão distorcida, poderíamos conjecturar, é, ainda, um resquício daquela mentalidade de cristandade, um tipo de utopia ufanista que acompanha a Igreja de tempos em tempos – desejo de totalidade, de dominação, de uma sociedade homogeinizadamente cristã, sem re-

levos, planificada, higienizada e purista. Na verdade, o desafio lançado por Jesus de sermos sal da terra, luz do mundo, fermento na massa, semente no solo é o de estarmos no mundo como agentes transformadores, não separados do mundo como uma casta santificada. O que Cristo espera de nós e das escolas católicas é que fecundemos a realidade, promovendo vida plena e ajudando as crianças e os jovens a serem felizes, direcionando suas energias e potencialidades para o Sumo Bem que é Deus.

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IDENTIDADE CONFESSIONAL

O LUGAR DA PASTORALIDADE NA ESCOLA CATÓLICA

Pe. Diego Andrade de Jesus Lélis³⁸

Entre os desafios da educação católica no Brasil, está a Pastoralidade. Em um breve histórico, recordamos que a maioria das nossas escolas confessionais católicas nascem no contexto da predominância social da religião católica. Elas desfrutam de um grande prestígio social quanto à responsabilidade de formar com excelência e de educar na fé, inclusive sacramentalmente.

Em escala temporal, essa realidade se transformou rapidamente. A religião começou a ocupar outro lugar na sociedade, as escolas católicas passaram a sofrer com o avanço dos grandes grupos educacionais e as taxas de natalidade têm diminuído.

Destaca-se, ainda, a insegurança vivida nas escolas em 2023, o crescente suicídio entre os jovens, a vivência de tempos e relações líquidas, as realidades de trabalho e emprego que desafiam os nossos jovens e adolescentes. Inseridas nesse cenário, estão as escolas católicas e a Pastoralidade. Por isso, destacamos

alguns pontos a serem discutidos. O primeiro deles refere-se à identidade das escolas católicas.

Há muito tempo, essas instituições têm sido definidas como centros de formação com bases humanísticas para a formação integral da pessoa humana. Isso é muito bom, mas todas as escolas atribuem para si essa missão. Do mesmo modo que, em um dado momento da nossa história, todas as escolas assumiam, ao menos nos documentos, a missão de formar cidadãos críticos e conscientes.

Tanto a formação humanística e integral quanto a formação crítica devem ser bases da identidade das escolas católicas, contudo, isso, por si só, não as definem.

A Congregação para a Educação Católica afirma que a escola católica se insere na missão salvífica da Igreja, especialmente na exigência da educação na fé. Por isso, o projeto educativo deve considerar os atuais condicionamentos culturais e define-se, precisamente, pela re-

PE. DIEGO ANDRADE DE JESUS LÉLIS

³⁸ Graduado em Geografia, Filosofia e Teologia. É Mestre e doutorando em Educação.

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ferência explícita ao Evangelho de Jesus Cristo.

O Documento de Aparecida assinala que devemos resgatar a identidade católica dos nossos centros educacionais, por meio de um impulso missionário corajoso e audaz, de modo que chegue a ser uma opção profética plasmada em uma Pastoral de educação participativa. Tais projetos devem promover a formação integral da pessoa, tendo fundamento em Cristo, com identidade eclesial, cultural e excelência acadêmica.

Atrelado a isso, em sua maioria, as escolas católicas recebem as inspirações basilares do modo de ser de cada família religiosa. A isso, denominamos carisma, que é um conceito difícil de ser alcançado.

O carisma deve ser balizado pelas ações dos nossos fundadores. Isso não é definição, mas apropriação, vivência e presentificação carismática. Uma das grandes questões é como aferir essa vivência carismática. Um caminho possível é o de pensar e agir com os corações dos nossos fundadores.

Como os nossos fundadores e as nossas fundadoras agiriam neste momento? Esse deve ser um grande balizador das nossas ações cotidianas. Para alcançarmos isso, é preciso darmos um passo anterior: conhecer a vida, as minúcias, o modo de agir dos nossos fundadores e fundadoras. Conhecer as histórias dos nossos fundadores e fundadoras é abrir

portas para fazermos uma experiência de nos imbuirmos do carisma e sermos propagadores dele.

O segundo tema diz respeito ao que fazemos com essa identidade, essa missão e esse modo de ser. O fato de nos denominarmos instituições confessionais assegura que assumimos, audazmente, o querigma evangélico e carismático?

Aqui, adentramos diretamente no papel da Pastoralidade em nossas instituições. A Pastoralidade é o grande guarda-chuva que carrega em si os elementos de uma instituição com identidade confessional e querigmática. Nesse guarda-chuva, cabem a Pastoral, o administrativo e o pedagógico: uma escola em Pastoral. O que fazemos com isso? “Uma escola em Pastoral”, pela amplitude do que esse termo carrega, pode esvaziar-se.

Não podemos ceder à tentação de fazermos dessa ideia um elemento bonito a ser estampado em nossos sites e nossas propagandas, em nossas paredes, mas que fique solto, sem lugar. Por isso, trazemos a Pastoral escolar e universitária como um lugar – físico e teológico, um espaço demarcado, uma fonte de onde emanam as ações que alcançam a vida da instituição, que vão ao encontro e se deixam encontrar pela comunidade educativa.

Em nossas instituições educativas, cada espaço físico e funções são demarcados. Com a Pastoral, não pode ser diferente. É preciso que os espaços físicos das nossas instituições comuniquem nosso

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querigma carismático. Falamos de Pastoral como acolhida. Qual é o espaço reservado à Pastoral em nossos prédios e como eles comunicam a nossa Pastoral e o nosso carisma? Qual é o espaço da Pastoral no nosso planejamento institucional, em nosso calendário?

A Pastoral necessita estar no calendário, no planejamento e, sobretudo, com um plano que dê sustentação e direção às ações, alinhado ao projeto educacional. Como isso toma concretude no dia a dia da nossa instituição? Como fazer com que o espírito, o carisma e o nosso modo de ser carismático alcancem e direcionem o que fazer das nossas instituições?

Reconhecemos que, até aqui, trazemos mais interrogações que respostas e o fazemos justamente por reconhecermos a

necessidade de nos questionarmos para olharmos a nossa realidade e projetarmos o futuro.

Conjugar excelência acadêmica, formação humana e encontro com o Cristo Salvador e modelo de humanidade; saciar a sede de sentido e de transcendência; entregar para a sociedade seres humanos críticos e conscientes do próprio papel social; humanizar a humanidade na tríade corpo, alma e espírito. Essas são algumas das linhas que podem constituir a identidade das instituições educativas.

Os questionamentos aqui apresentados são luzeiros para reflexão! É também um momento importante para construirmos audazmente o presente e o futuro. Sigamos com esperança, enraizados em Cristo e audazes na missão.

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IDENTIDADE CONFESSIONAL

A ESCOLA CATÓLICA E O TESTEMUNHO

DA ALEGRIA DO EVANGELHO

Homilia na Celebração Eucarística pelo Dia dos Professores realizada em 18 de outubro de 2023, na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida Dom Denilson Geraldo, bispo auxiliar de Brasília

Prezados irmãos e irmãs em Cristo, hoje nos encontramos para render ação de graças a Deus pelo Dia do Professor, celebrado no último dia 15. Saúdo as autoridades parlamentares, as autoridades dos órgãos de educação dos governos federal e do Distrito Federal, os membros do Conselho Superior da ANEC, os membros da Diretoria nacional e, sobretudo, com especial estima, saúdo cada valoroso professor, valorosa professora. Celebramos a festa do evangelista São Lucas, que, segundo a tradição, nasceu em Antioquia, em uma família pagã e médico por profissão. São Lucas, convertido à fé em Cristo, acompanhou São Paulo em suas viagens até o seu martírio. É do Evangelho de São Lucas que temos a narrativa das parábolas do pobre Lázaro, do Filho Pródigo e do Pai Misericordioso. Também temos a descrição da pecadora perdoada, que lavou os pés de Jesus com as suas lágrimas e os enxugou com seus cabelos. São Lucas cita as palavras de Maria, no Magnificat, quando

ela proclama que Deus “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens e despede os ricos de mãos vazias!” (Lc 1,52-53). Dentre os evangelistas, São Lucas foi quem melhor descreveu a Mãe de Deus e Nossa Mãe. Lucas também escreveu o livro dos Atos dos Apóstolos e nos ensina que a identidade cristã e católica tem origem na proximidade com o Senhor Jesus Cristo e com seus discípulos.

Prezados professores, eu gostaria de dizer uma palavra sobre a identidade da escola católica e, depois, sobre a universidade católica, já que é o âmbito da ANEC. No ano passado, o Dicastério para Cultura e Educação publicou a instrução “A identidade da escola católica para uma cultura do diálogo”³⁹. O que define a identidade da escola católica é a referência à verdadeira concepção cristã da realidade em duas dimensões: “escola” e “católica”.

³⁹ https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_20220125_istruzione-identita-scuola-cattolica_po.html

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Como escola, ela possui, fundamentalmente, as características das instituições escolares de qualquer lugar que, por meio da atividade didática organizada e sistemática, oferecem uma cultura voltada para a formação integral das pessoas. De fato, a escola, em virtude de sua missão, enquanto cultiva atentamente as faculdades intelectuais, desenvolve a capacidade de discernir, insere o estudante no patrimônio cultural adquirido pelas gerações passadas, promove o sentido dos valores, prepara para a vida profissional, criando, entre alunos, um convívio que leva ao desenvolvimento integral. A escola deve ser o primeiro ambiente social, depois do ambiente familiar, onde a pessoa vive uma experiência positiva de relações sociais e fraternas como condição para se tornar uma pessoa capaz de construir uma sociedade baseada na justiça e na solidariedade (n. 19).

Como católica, a identidade está em referência à verdadeira concepção cristã da realidade. Jesus Cristo é o centro dessa concepção. A relação pessoal com Cristo permite ao cristão projetar um olhar radicalmente novo sobre toda a realidade, a fim de estimular, nas comunidades escolares, respostas apropriadas às perguntas fundamentais de cada mulher e de cada homem. Por isso, para todos os membros da comunidade escolar, “os princípios evangélicos tornam-se nela normas educativas, motivações interiores e, ao mesmo tempo, objetivos conclusivos. Por outras palavras, podemos dizer que, na escola católica, além das ferramentas comuns a outras esco-

las, a razão dialoga com a fé” (n. 20).

A identidade católica das escolas justifica sua inclusão na vida da Igreja, assegurando sua característica institucional educativa. O fato de as escolas católicas pertencerem à missão eclesial faz com que se coloquem também no seio de uma pastoral orgânica da comunidade eclesial com as paróquias, congregações religiosas e dioceses.

Uma característica da natureza eclesial das escolas católicas é a proximidade com os mais pobres. De fato, historicamente, “a maior parte das instituições educativas escolares católicas surgiram como resposta às exigências das classes menos favorecidas do ponto de vista social e econômico. Não é novidade dizer que as escolas católicas tiveram origem numa profunda caridade educativa para com os jovens e adolescentes abandonados a si mesmos e privados de qualquer forma de educação. Em muitas áreas do mundo, ainda hoje, é a pobreza material que impede muitos jovens e adolescentes de ter acesso à instrução e a uma adequada formação humana e cristã (n. 22). Noutras áreas, são as novas formas de pobreza que interpelam a escola católica, como o materialismo ateu e o consumismo.

Outro aspecto importante da identidade católica é o testemunho dos educadores leigos e consagrados. Cada uma das disciplinas não apresenta só conhecimentos a adquirir, mas, também, valores a assimilar e verdades a descobrir. Tudo isso

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exige um ambiente caracterizado pela procura da verdade, no qual os educadores competentes, convictos e coerentes, mestres do saber e da vida, sejam ícones do único Mestre, Jesus Cristo (n. 23-26).

As sociedades atuais caracterizam-se por uma composição multicultural e multirreligiosa. Nesse contexto, “a educação está comprometida com um desafio fundamental para o futuro: tornar possível a convivência entre a diversidade das expressões culturais e promover um diálogo que favoreça uma sociedade pacífica”.

O Papa Francisco entregou três orientações fundamentais para ajudar no diálogo: “o dever da identidade, a coragem da alteridade e a sinceridade das intenções. O dever da identidade, porque não se pode construir um verdadeiro diálogo sobre a ambiguidade e nem sobre o sacrifício do bem para agradar ao outro; a coragem da alteridade, porque quem é cultural ou religiosamente diferente de mim não deve ser visto e tratado como um inimigo, mas recebido como um irmão de viagem; a sinceridade das intenções, porque o diálogo, enquanto expressão autêntica do humano, não é uma estratégia para se conseguir outros fins, mas um caminho de verdade, que merece ser pacientemente empreendido para transformar a competição em colaboração” (n. 30).

Além do testemunho, um elemento educativo fundamental da escola é o conhecimento. A escola tem a missão de colocar as pessoas em contato com o rico patrimônio cultural e científico, preparando-as para a vida profissional e promovendo a compreensão mútua. Diante das contínuas transformações tecnológicas e do alastramento da cultura digital, a competência profissional precisa possuir habilidades sempre novas ao longo de toda a vida para responder às necessidades da época, “sem perder, no entanto, aquela síntese entre fé, cultura e vida, que é a chave peculiar da missão educativa” (n. 29).

O Papa Francisco, dando ressonância ao Concílio Vaticano II, diante dos desafios da atualidade, reconhece o valor central da educação. A educação faz parte do amplo projeto pastoral de uma “Igreja em saída”, que acompanha a humanidade em todos os seus processos, tornando necessária uma educação que ensine a pensar criticamente e ofereça um caminho de amadurecimento nos valores.

De fato, tudo aquilo que dissemos também se refere, em muitos aspectos, à universidade. Contudo, em se tratando, especificamente, sobre a universidade católica, o Papa Francisco publicou, em dezembro de 2017, a Constituição Apostólica Veritatis Gaudium (a alegria da verdade)⁴⁰.

⁴⁰ https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/ documents/papa-francesco_costituzione-ap_20171208_veritatis-gaudium.html

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O Papa insiste que a missão evangelizadora da Igreja tem muito a dizer sobre o vasto e diversificado sistema das universidades e da ciência. As universidades católicas – recordemos que “católico” significa “universal” – abrem-se à internacionalização e têm como missão ir além do próprio lugar, nação e diocese. A visão integral dos estudos na universidade, que considera a pessoa em sua totalidade e inserida em sua cultura, é uma exigência da fé cristã e, por isso, uma exigência do Povo de Deus na preparação para a evangelização. As universidades católicas são chamadas, desse modo, a prestar um decisivo contributo de fermento, sal e luz do Evangelho no meio da cultura.

Nesse sentido, a Constituição Apostólica do Papa Francisco elenca quatro critérios para uma renovação dos estudos que contemple uma Igreja em saída e em diálogo com a cultura: 1. o anúncio do Evangelho é uma feliz notícia, principalmente aos pobres, que brota do mistério da Trindade e propicia uma espiritualidade solidária com o local e o internacional; 2. a abertura ao diálogo com todas as realidades da cultura não significa mera estratégia de convencimento, mas trata-se de uma exigência do Evangelho; 3. consequentemente, a interdisciplinaridade das ciências, incluída a teologia, é um “princípio vital e intelectual da unidade do saber na distinção e no respeito pelas suas múltiplas, conexas e convergentes expressões”, capaz de realizar uma síntese orientadora para a vida, ou seja, os estudos não estão desconectados com

os problemas práticos do cotidiano; 4. estabelecer redes entre as instituições católicas e laicas para que promovam estudos com abertura à internacionalização e que inspirem o respeito e o cultivo das diversas tradições culturais e religiosas. Seria errôneo, nessa perspectiva, considerar a universidade como sinônimo de sincretismo, mas podemos dizer que é o local onde se busca a resolução de problemas, considerando as preciosas potencialidades da diversidade. De modo concreto, não basta que a missão salvífica da Igreja chegue somente às pessoas, mas o Evangelho também se anuncia às culturas num mundo marcado pelo pluralismo (n. 4).

A Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC), conforme o estatuto da instituição, tem como finalidade atuar em favor de uma educação de excelência, assim como promover uma educação cristã, visando à formação integral da pessoa humana, sujeito e agente de construção de uma sociedade justa, fraterna, solidária e pacífica, segundo o Evangelho e o ensinamento social da Igreja.

Peçamos a intercessão de São Lucas para que a escola católica e a universidade católica testemunhem o Evangelho na sua integral relação com as pessoas e as culturas. Maria Santíssima é Mãe e não desampara os seus filhos, principalmente as pobres crianças e os pobres jovens, impedidos de desfrutarem de boa educação, carentes de recursos financeiros e de valores que brotam do Evangelho. São

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José e Maria foram educadores do Filho de Deus. Eles também não desamparam os educadores que diariamente clamam: Socorrei-nos, ó Santa Mãe de Deus.

Parabéns pelo Dia do Professor!

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ESPIRITUALIDADE

MISTAGOGIA: ESPIRITUALIDADE E INVESTIMENTO EFICIENTE EM VISTA DA ESCOLA EM PASTORAL

Júlio César de Macedo Souza⁴¹

“Dai-nos olhos para enxergar as necessidades de nossos irmãos e irmãs”. Com essas sábias palavras da Liturgia Eucarística VI-D, iniciamos esta reflexão sobre a espiritualidade escolar, um investimento eficiente que visa alcançar a realidade tão desejada de uma Escola em Pastoral. Pode soar estranho trazer a ideia de investimento para dentro de um tema pastoral sobre espiritualidade, mas, na verdade, se faz necessário. Em épocas como a que atravessamos, muito se fala em investimentos tecnológicos e inovações, mas pouco se aplica esses conceitos à espiritualidade. Aliás, para quem desejar se aventurar na aplicação desses termos à espiritualidade (investimento, inovação e espiritualidade), cuide bem para compreender, com clareza, sua essência. Não podemos aprofundá-los aqui, para não perdermos o foco do tema, mas registramos nossa provocação para reflexões posteriores.

São muitos os desafios que envolvem o tema da espiritualidade no contexto es-

JÚLIO CÉSAR DE MACEDO SOUZA

colar e despertam uma série de perguntas: como desenvolver a espiritualidade de uma forma adequada em nossas escolas católicas, tendo presente um contexto confessional tão diversificado? É possível uma espiritualidade desenvolvida em conjunto com a pedagogia? De que forma a espiritualidade pode ser desenvolvida sem ser proselitista, rasa ou, ainda, sem gerar ou fomentar um sincretismo religioso? Aliás, como desenvolvê-la sem perder a identidade confessional católica e, ao mesmo tempo, respeitar o diálogo inter-religioso, o ecumenismo e a liberdade daqueles que não professam uma fé, mas participam conosco em nossas escolas? Essas perguntas não são apenas retóricas. Elas retratam alguns dos inúmeros desafios que encontramos em nossas comunidades escolares e, também por isso, precisam de respostas, ao menos de caminhos de reflexões que possam nos ajudar a chegar a elas.

Sem descuidar dos mais diversos desafios e das mais variadas realidades pas-

⁴¹ Mestre em Teologia Sistemática pela PUC-Rio. Especialista em Projetos para Educação Católica no Brasil pela Editora FTD Educação. Tutor do Curso de Iniciação Teológica da PUC-Rio.

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torais das nossas escolas católicas em todo o Brasil, mas desejosos de estimular cada uma delas, comecemos, de uma forma simples, a partir de uma realidade possível, sugerindo um pequeno e singelo grupo pastoral que se dispõe a preparar as orações, celebrações litúrgicas e, até mesmo, algumas festividades com as equipes pedagógicas. Certamente, seus corações se encontram ardentes e desejosos de colocar os pés a caminho (Lc 24, 32-33). Uma adequada preparação litúrgica desse pequeno grupo poderá gerar frutos surpreendentes, os quais, mais à frente, iremos apresentar. Essa preparação exige um agente de Pastoral com formação teológica sólida, capaz de conduzir um trabalho “mistagógico” com essa equipe e será louvável se puder ser acompanhada de uma irmã ou um irmão consagrado.

Boselli, na obra “O sentido espiritual da liturgia”, publicada pelas edições CNBB, nos ensina que a mistagogia consiste no “conhecimento do mistério narrado pelas Escrituras e celebrado pela liturgia”. Ela é um recurso eficiente para a espiritualidade da comunidade escolar; ela é, em si, a fonte e a força dessa espiritualidade desejada e, se for devidamente aplicada à Pastoral Escolar, poderá produzir diversos benefícios, como, por exemplo, uma espiritualidade mais madura, além do alcance de resultados qualitativos à Pastoral. Podemos começar pelo engajamento da equipe. Quanto mais engajamento pastoral, maior será a motivação para que outras crianças, outros adolescentes e jovens, até mesmo professores, entre outros membros da comunidade

educativa, se interessem em participar. Quanto maior for a participação, mais se multiplicarão as oportunidades da aproximação dessa comunidade com o testemunho de fé e os propósitos do Reino de Deus. É assim, passo a passo, com simplicidade, mas também alcançando avanços e resultados significativos, que poderemos chegar à tão desejada Escola em Pastoral (DA 365-370).

Convém registrar que não pretendemos apresentar uma receita, mas um caminho possível de reflexões com o desejo de alcançar o entusiasmo necessário para esse investimento eficiente em nossas escolas católicas. Propomos a mistagogia como caminho para alcançar uma espiritualidade autêntica, que responda aos mais diversos desafios, exalando o bom odor de Cristo (2 Cor 2,14) tanto entre aqueles que creem quanto entre aqueles que não creem. Não se trata de meros investimentos eventuais, neste ou naquele encontro, neste ou naquele formato de conduzir uma oração, mas, sim, de investimento pedagógico-teológico a serviço da comunidade escolar. A pedagogia e a teologia podem ser grandes aliadas nesse investimento espiritual, desde que uma esteja a serviço da outra e ambas a serviço dos educandos e de toda a comunidade escolar.

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ESPIRITUALIDADE

A RELEVÂNCIA DOS MOMENTOS DE REFLEXÃO PARA A INTERIORIDADE HUMANA

Kelly Aparecida Maidanchen Vilcheskn⁴² e Wellington Minoru Kihara⁴³

Percebe-se que um dos pilares fundamentais do ensino de nível superior, tendo como referência as instituições de caráter católico, é a promoção do diálogo entre fé, cultura, ciência e vida. Colóquio esse que contribui, de maneira promissora, para a formação de uma consciência missionária em prol dos nossos semelhantes.

Todavia, o âmbito acadêmico é permeado por numerosas provocações, dúvidas e obstâncias. Tais litígios podem embaralhar o desenvolvimento e as perspectivas de vida desses discentes. Isso pode incitar, por exemplo, a busca desmedida por prazeres instantâneos e status, o individualismo e a falta de empatia com o próximo. Costumes que suprimem as virtudes intrínsecas para uma convivência fraterna.

Nesse caminho, faz-se preciso gerar um

contexto de formação que resgate tal diálogo e propicie a prática dele. Ratifica-se, portanto, a relevância do desenvolvimento de momentos de reflexão que proporcionem a alegria e a paixão pela existência. Esse aspecto é fundamentado na ação de “ajudar a se abrir ao projeto de Deus com a finalidade que cada um, por meio de uma resposta livre e responsável, realize seu projeto pessoal” (Diretrizes Gerais para a Educação Franciscana, p. 17).

Ainda, de um pedido do Papa Francisco “que também nós possamos participar desta visão e refletir para outros a sua luz” (LUMEN FIDEI, n. 37). Nesse sentido, é necessário conceber sujeitos que entendam que “ser sábio é ser um humilde servidor do próximo e humildemente aberto para sempre novas aprendizagens” (MANNES, 2021, p. 113).

KELLY APARECIDA MAIDANCHEN VILCHESKN

⁴² Acadêmica de Letras da FAE Centro Universitário e voluntária da Pastoral Universitária FAE.

KELLY APARECIDA MAIDANCHEN VILCHESKN

⁴³ Coordenador da Pastoral Universitária FAE, Especialista em Gestão de Processos Pastorais, Mestre em Políticas Públicas e Doutor em Design.

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Assim, é evidente a natureza complexa da necessidade do incremento de “momentos de solidão e contemplação como ‘um dom e uma exigência para crescer na experiência do encontro vivo com o Senhor’” (Diretrizes Gerais para a Educação Franciscana, p. 17). A ausência de tais ocasiões revela ocorrências de autocobrança excessiva em relação aos estudos por parte do discente e dificuldades no entendimento de posicionamentos divergentes aos do referido. Isso evidencia que “para a conquista da paz, não basta apenas a anulação da conflitividade, mas a paz supõe a criação e o surgimento de novos valores que sejam eficientes no estabelecimento de uma convivência social digna” (BERNARDI, 2015, p. 50).

Logo, oferecer vicissitudes que propiciem o amparo e a mediação das necessidades internas dos acadêmicos tem colaborado para integrá-los em sociedade. Essa forma de educar além das salas de aula traz efeitos aceitáveis tanto para o aprendizado dos referidos quanto para sua vivência social, visto que a “educação humanizada é formação que integra a linguagem da cabeça (mente) com a linguagem do coração e a linguagem das mãos” (MANNES, 2021, p. 119).

Para tanto, uma alternativa que vem possibilitando o desagravo e a atenuação dessas ocorrências é a implementação de ações que favoreçam a reflexão e o encontro dos discentes consigo mesmo.

No presente artigo, é demonstrada uma

ação externa promovida pela Pastoral Universitária qualificada pela reflexão, abalizada pela concretização de um retiro pastoral em recinto franciscano. Uma atividade que propiciou a meditação, o encontro com o outro e o diálogo entre a fé e a vida de São Francisco de Assis, pois “a relação do homem com a sua interioridade: pensamentos, sentimentos, desejos, sonhos, decisões, valores e convicções e com seu corpo se desenvolve dentro das relações com os outros” (Diretrizes Gerais para a Educação Franciscana, p. 17).

MÉTODO

Trata-se de um artigo de exposição sobre a relevância de oferecer momentos de reflexão e diálogo para universitários, para a descoberta dos aspectos inerentes à própria interioridade. No caso deste artigo, a atividade de retiro e reflexão propiciada pela Pastoral Universitária, a qual evidenciou a reflexão por meio do diálogo e da imersão em novos ares, em âmbito religioso e contemplativo.

A atividade foi um ensejo para os discentes conhecerem o estilo de vida franciscano, fortificando a identidade da instituição e um apelo para o diálogo entre ciência e fé. Participaram acadêmicos voluntários e religiosos da instituição, bem como alguns membros da ordem franciscana.

Para o desenvolvimento da atividade, freis da Pastoral Universitária e alguns voluntários organizaram momentos de meditação sobre a vida e a fé de São

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Francisco de Assis e demais atividades de interação e diálogo. Destarte, objetivou-se a meditação, a partilha e a troca de experiências entre estudantes e religiosos.

RESULTADOS

A atividade expôs a necessidade da dependência mútua entre os seres, do diálogo entre pares e dos momentos de meditação com o objetivo do reencontro do indivíduo com a própria essência. Com base nisso, foi possível labutar a relevância da convivência fraterna e do encontro com o transcendente e evidenciar que o encontro com o nosso cerne é basilar para o aprofundamento tanto da nossa dimensão espiritual quanto humana. Esse é um aspecto que o Papa Francisco pontua: “uma ecologia integral requer abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências exatas ou da biologia e nos põem em contato com a essência do ser humano” (LAUDATO SI’, n. 11).

Além disso, possibilitou o diálogo entre acadêmicos de diversos cursos em relação às próprias vivências e, consequentemente, a ampliação da bagagem cultural deles por intermédio da troca de experiências, ressaltando que “o diálogo é ponte que une diferenças e constrói novas possibilidades de vida” (MANNES, 2021, p. 131). Também permitiu aos voluntários refletirem sobre o propósito da própria existência. Para isso, contaram com questão norteadora: “Senhor, o que queres que eu faça?” (Diretrizes Gerais para a Educação Franciscana, p. 17), vis-

to que “viver a fundo a realidade humana e inserir-se no coração dos desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em qualquer cidade, melhora o cristão e fecunda a cidade” (EVANGELLI GAUDIUM, n. 75).

A atividade abordava a experiência de retiro pastoral, pautado na reflexão da vivência de São Francisco de Assis. O retirou proporcionou a abertura dos envolvidos para a busca de um viver mais meditativo e fraterno e uma ocasião para despertar a procura pelo Evangelho. Também foi um momento para os religiosos envolvidos demonstrarem, de forma breve e comovente, a necessidade do autoconhecimento, da reflexão e da conexão entre nós e Deus, pela abertura ao ato de contemplar a natureza e silenciar a mente, mostrando que “não basta ter consciência da dificuldade do outro, precisamos também da sensibilidade que nos põe em contato com os sentimentos do próximo” (MANNES, 2021, p. 144).

DISCUSSÃO

A saída dos voluntários da rotina acadêmica para um retiro é uma maneira de diálogo entre a ciência e a fé. Desperta e sugere a eles a possibilidade de cultivar uma vida de estudo em consonância com as outras esferas que lhes são inerentes. “Essa capacidade de se conhecer e reflexionar permite ao indivíduo se aproximar e entrar no ‘homem interior’ para achar ali a Verdade que o transcende e se pôr, logo, em relação com o seu entorno físico, cultural e religioso” (Diretrizes Gerais para a Educação Franciscana, p. 18).

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Por conseguinte, o retiro pastoral também proporcionou a integração dos participantes com os freis que colaboram nas ações pastorais e com os demais presentes na atividade, pois, além de momentos de reflexão, foram propiciadas situações de partilha e conversa, o que evidencia que “essas relações interagem e integram na promoção do crescimento do ser humano” (Diretrizes Gerais para a Educação Franciscana, p. 12).

Trata-se de uma oportunidade para refletir sobre as atitudes e ações que constituem a essência humana. Vivenciar novos ambientes permite modificar comportamentos enraizados e enxergar novos horizontes.

Tais fatores comprovam a função da Pastoral Universitária em guiar o indivíduo ao encontro da própria interioridade e a socialização de vivências, pois “oferecer à Comunidade educacional jornadas de reflexão, encontros, retiros, comemorações litúrgicas e festas comemorativas” (Diretrizes Gerais para a Educação Franciscana, p. 21) possibilita a formação integral dos discentes.

O retiro pastoral é uma ação de reflexão de caráter modesto que enfatiza o encontro pessoal dos envolvidos com o transcendente em prol do entendimento de que podemos nos conectar com Deus por intermédio de atitudes simples, como, por exemplo, respirar e inspirar, bem como sentir o vento tocar nossa pele.

E tudo isso pautando-se no princípio de que uma ecologia integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a harmonia serena com a criação, refletir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais, contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja presença “não precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada” (LAUDATO SI’, n. 225).

Posteriormente, a partir do retiro pastoral, alguns voluntários manifestaram interesse em participar de outros momentos de reflexão e interioridade, bem como encontrar oportunidades para reflexão na própria rotina. Tais apontamentos refletem que a ação realizada se caracteriza como uma alternativa para o resgate de boas práticas por parte dos acadêmicos, visto que permite o encontro dos discentes consigo mesmo e o diálogo e a troca de vivências entre diferentes realidades, “em nome da ‘fraternidade humana’, que abraça todos os homens, une-os e torna-os iguais” (FRATELLI TUTTI, n. 285).

É de extrema relevância mencionar que os momentos de reflexão, assim como o ambiente de convivência pastoral, contribuem para aprimorar e resgatar nos acadêmicos as virtudes franciscanas tão necessárias para o bem viver em sociedade, da mesma maneira que propiciam o despertar para a espiritualidade e a busca pelo aprimoramento da fé.

A partir da conversa coletiva e do conhecimento religioso passado pelos freis,

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os discentes, além da bagagem de conteúdos estudados nos referidos cursos, adquirem os caminhos para aprofundar a humanidade e empatia em relação ao próximo, pois “a essência da ética cristã reside em cuidar, empaticamente, do próximo” (MANNES, 2021, p. 145).

Portanto, podemos ratificar que os momentos de reflexão, proporcionados pela Pastoral Universitária, atuam como uma pilastra para o resgate de valores, virtudes e da interioridade dos indivíduos, de forma a favorecer um crescimento ético, empático e integral.

CONCLUSÃO

Dessa maneira, percebe-se que o oferecimento de momentos de reflexão, principalmente retiros pastorais, por parte

REFERÊNCIAS

da Pastoral Universitária, contribui para que os discentes desenvolvam o diálogo e a socialização com seus semelhantes, bem como aspectos relacionados à interioridade e ao autoconhecimento, para proporcionar o crescimento das dimensões humanas e espirituais dos referidos. Assim, atua como fonte de resgate dos valores e das virtudes inerentes aos seres humanos e permite aos estudantes atividades fundamentadas em conceitos de diálogo, reflexão, meditação e partilha de experiências. Essa ação tem favorecido, por intermédio da Pastoral Universitária, a experimentação do encontro com o Senhor, por meio da reflexão guiada pela história de São Francisco de Assis. Destarte, possibilita a verídica vivência da fraternidade e da autorreflexão.

BERNARDI, Orlando. Do pensar e agir franciscanamente. Curitiba: Editora Bom Jesus, 2015.

Diretrizes Gerais para a Educação Franciscana.

FRANCISCO. Carta Encíclica Fratelli Tutti do Santo Padre Francisco sobre a fraternidade e a amizade social. Disponível em: www.vatican.va/content/francesco/ pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em: 30 jun. 2022.

FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco sobre o cuidado da casa comum. Disponível em: www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em: 14 set. 2022.

FRANCISCO. Carta Encíclica Lumen Fidei do Sumo Pontífice Francisco aos bispos, aos presbíteros e aos diáconos às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos sobre a fé. Disponível em: www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/

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documents/papa-francesco_20130629_enciclica-lumen-fidei.html. Acesso em: 11 jul. 2023.

FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Santo Padre Francisco ao episcopado, ao clero às pessoas consagradas e aos fiéis leigos sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Disponível em: www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html. Acesso em: 12 jul. 2023.

MANNES, João. Experiência e pensamento franciscano: aurora de uma nova civilização. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2021.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

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ESPIRITUALIDADE

A MÍSTICA DO CHINELO

Um novo emprego carrega muitas expectativas, algumas inseguranças e, principalmente, novidades. A chegada em uma nova função, no meu caso, a função pastoral, em uma escola social, em Londrina, no interior do Paraná, foi minha primeira contratação. Eu tinha acabado de completar 22 anos, havia me formado em Serviço Social há cerca de três meses e passei pelo processo seletivo com a certeza de que não seria escolhida. Segui com essa certeza até uma etapa final, em que me solicitaram uma vivência sobre Maria e o diálogo interreligioso. Nesse momento, pensei que seria escolhida. Maria sempre acolhe o que pedimos. Essa certeza me fez estar a caminho, como Maria, quando saiu apressada para visitar Isabel. Aceitei a vaga e comecei meu primeiro emprego.

Um processo repleto de novos momentos me permitiu conhecer a atuação pastoral, mergulhar em documentos e cartas de São Marcelino Champagnat, me sentir, por vezes, tão “perdida na

neve” quanto o Irmão Estanislau. Os novos desafios eram evangelizar, ser presença significativa, planejar os processos a serem desenvolvidos no ano seguinte, registrar cada um desses momentos em um sistema que traduz em números uma atuação repleta de sentimentos subjetivos.

Seguindo meu processo de adaptação e encontrando caminhos pastorais, pude me aproximar das crianças e dos adolescentes da unidade, compreender melhor os processos escolares e desenvolver atividades pastorais que estavam no plano de ação. Eu estava mais segura, mais confortável com as intervenções e, principalmente, mais próxima do grande centro dessa missão: as crianças e os adolescentes!

Em alguns processos, fui me adaptando muito bem, comecei a organizar login e registros, assistir formações sob assuntos específicos da rede, encontrar documentos que fundamentam esse cotidia-

MARIA EDUARDA GARCIA

⁴⁴ Londrinense, assistente social por formação, pastoralista por acreditar nas juventudes e apaixonada pela defesa da vida em abundância para todos!

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no. A graduação, os projetos de pesquisa e a extensão me deixaram segura com metodologias de trabalho. A acolhida da gestão e de colaboradores foi criando um ambiente que me permitia viver bem minha função, apesar de alguns desafios.

Meu dilema começou em uma manhã comum. Eu estava na sala da Pastoral, a porta estava aberta e uma criança me disse uma frase que causaria em mim um desafio profissional:

“Meu chinelo arrebentou. Você pode arrumar?”

Disse a criança de no máximo 8 anos, segurando um chinelo na mão e a correia do chinelo na outra. Eu congelei. Sei que muitas pessoas têm essa habilidade desenvolvida já na infância, no mais tardar, na adolescência. Esse não foi meu caso. Abri a internet e deixei minha rotina de lado. Procurando soluções para o meu novo problema, identifiquei uma que pareceu segura: um clip de papel!

É importante ressaltar que o meu compromisso com esse dilema tem um caráter de urgência porque, na realidade da escola social, por vezes, o chinelo é o sapato que aquela criança tem para um universo de compromissos. Assim, perder aquele chinelo ou arrebentá-lo significa um processo chato ao chegar em casa, como broncas. Acolhi alguns relatos enquanto eu aprendia a torcer um clip para reparar o sapato. Foi uma entrega realizada sem compromisso com o sucesso, mas entregue e na expectativa de que

aquele chinelo fosse guerreiro por mais um dia!

Saindo da escola, comprei um chinelo, voltei pra casa e fui recebida com a pergunta: “Vai comprar um chinelo por educando?”. Ainda que ame crianças, esse seria um uso imprudente, a longo prazo, do meu salário. Assim, precisava de alternativas na unidade. No dia seguinte, entreguei o chinelo e segui pesquisando soluções para arrumar chinelos arrebentados. Na mesma semana, apareceu mais um e eu estava preparada: um clip de papel, uma vela para esquentar o clip e uma pistola de cola quente para isolar qualquer pontinha de clip. Acreditando na durabilidade da minha gambiarra, segui procurando alternativas no meu ambiente e um armarinho surgiu como uma lamparina na neve.

Mandei uma mensagem para o setor de compras pedindo, inicialmente, 10 correias em tamanhos variados, conferindo se seria possível realizar a compra no armarinho. Minha gestão imediata levou a solicitação com curiosidade, expliquei o processo de acolhida e o impacto na minha atuação!

Uma vez compradas, a notícia se espalhou e eu estava ainda mais preparada. Foram alguns pedidos de correia nos dois anos que estive na unidade, um investimento baixo e de resultado imediato:

“Meu chinelo arrebentou. Você pode arrumar?”

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E eu pude, por vezes, arrumar, acolher, ouvir sobre o que fez arrebentar e, principalmente, ouvir diversos e sonoros “que bom que ninguém vai brigar comigo por isso”.

Sei que essa ação nunca chegou no prime. Nenhum dos meus indicadores calculou meu índice de chinelos trocados em um tempo recorde, pois ganhei prática. Sei que o uso evangélico dos bens me permitiu encontrar uma forma de atuar com eficácia em uma demanda que, para cada um deles, foi urgente e séria.

Mesmo que a sua atuação, enquanto colaborador, não te faça trocar correias vez ou outra, cada colaborador tem em seu horizonte centenas de chinelos e um número ainda maior de sorrisos. Em cada Jesus que podemos encontrar nos pequenos, estamos vestindo, alimentando e, por vezes, calçando em nossas unidades sociais. Ainda que essa ação nunca tenha passado por registros, fez parte da minha atuação profissional.

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ESTANTE

EDUCAÇÃO CATÓLICA: caminho

de evangelização ao humanismo solidário

Autor: Dom Antônio de Assis Ribeiro Editora: Paulus, 2023.

“Este volume, escrito de forma simples e clara, é dirigido a todos os que atuam no ministério da educação católica, oferecendo orientações práticas para serem desenvolvidas através da Pastoral da Educação e na formação continuada de educadores, buscando diversas maneiras de mantê-los atualizados para o contexto e desafios atuais”. Discute-se nele a relação entre evangelização e educação, a identidade do educador católico, o fundamento ético, antropológico e bíblico da educação católica, a importância da fraternidade, os desafios na educação, o humanismo solidário, o Pacto Educativo Global, as escolas católicas, o ensino superior católico, a educação preventiva.

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ESTANTE

O NOVO ROSTO DO CATOLICISMO

BRASILEIRO: clero, leigos, religiosas e perfil dos padres

novos

Autor: Agenor Brighenti Editora: Vozes, 2023

Este é um segundo livro que apresenta mais uma parte dos resultados de uma pesquisa de campo, levada a cabo por Agenor Brighenti em todo o território nacional, em busca do perfil dos “padres novos” no seio do catolicismo brasileiro e do mundo de hoje. O primeiro livro – O novo rosto do clero – Perfil dos padres novos no Brasil – apresenta dados das amostras de duas perspectivas sociopastorais, às quais se alinham as categorias de agentes eclesiais consultados – a perspectiva institucional/carismática e a perspectiva evangelização/libertação. Já essa nova obra apresenta e analisa dados de cada uma das categorias de agentes eclesiais consultados entre o clero e o laicato – padres, leigos/as, jovens, seminaristas e religiosos/as – por perspectiva sociopastoral em separado, com foco nos dados relativos aos “padres novos”, com o objetivo de caracterizar seu perfil no seio do catolicismo brasileiro.

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