Nunca Mais Coari

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Nunca Mais Coari

A Fuga dos Jurimáguas

Archipo Góes

1 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Nunca Mais Coari: A fuga dos Jurimáguas 2ª Edição - Revisada eAmpliada

2 Nunca Mais Coari Archipo Góes Archipo Góes Coari - 2022

Capa: Paulo César Silva de Moura. Revisão: DanielAlmeida Fotos: Coleção pessoal e de domínio público

G598 Góes, Archipo Wilson Cavalcante

Nunca Mais Coari: A fuga dos Jurimáguas / Archipo Wilson Cavalcante Góes. - 2. ed. - Edição, Coari-Am: Coari.comeditora,2022.

ISBN 978-85-921995-0-0 200 f.: il. ; 29 cm.

1. Coari – História do Brasil I. Título

CDU - 94(811.32) CDD - 981.13

3 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Prólogo

Olivro“NuncaMaisCoari:AfugadosJurimáguas”éumaobracujoobjetivo éserumafontedepesquisaereflexãopermanenteparaosalunoseprofessoresdeCoari, bem como para toda a população. A obra está dividida em duas partes: a história da cidadedeCoaricomeçandonoséculoXVIIesegueatéoanode1992easfotosdaCoari antiga.

Vamospoderverificarnosprimeiroscapítulos,umaampladiscussãoemtorno da origem do nome de Coari e a sua fundação que são contestadas de maneira enriquecedora e com argumentos articulados através de um embasamento histórico profundoecrítico.

Nosegundomomento,podemosnotarhaverumaintençãodemostraravisão dos vários viajantes que passaram pelas terras de Alvelos e Tauá-mirim narrando detalhesdessaspovoações,eassim,esclarecemsobreomododeviverdoscoarienses.

Nasequência,poderemosobservarhaverumamudançanaformadeescrever. Há a apresentação de sua pesquisa de maneira ampla, e as notícias dos jornais da época são transformadas em um romance histórico que levam o leitor a deixar de fazer uma leitura técnica para uma narrativa articulada e uma leveza no repasse dos fatos históricos.

A pesquisa realizada já ultrapassou 30 anos. As fontes históricas se estenderam por uma expressiva quantidade de obras analisada na Biblioteca Nacional, Hemeroteca Nacional, IHGB, Biblioteca do Amazonas, Museu Amazônico, IHGA, vários sebos literários, assim como, o testemunho de algumas pessoas que vivenciaram essesfatoshistóricos.

“A História de Coari” vai expor a expulsão dos indígenas Jurimáguas, a história de Samuel Fritz e a fundação de Coari, a evolução política-administrativa de Coari,amortedoPrefeitoHerbertLessadeAzevedo,achegadadeAlexandreMontorile amortedotenenteHolanda,astransformaçõesdacidadenasdécadasde50,60,70,80e 90atravésdoapontamentodasobrasdosúltimosprefeitosdeCoari.

Na segunda parte da obra, poderemos observar fotos da “CoariAntiga”, que vão fazer o leitor mergulhar em uma viagem através das fotografias de Coari desde o séculoXIXatéoXX.

FaçaumaboaviagempelahistóriaeculturadeCoari!

E dizei a Archipo: Cuida do ministério que recebestes no Senhor, para cumprires”. –Colossenses 4:17

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À minha mãe, Elionete Cavalcante Góes, que desde os meus 18 anos sempre me motivou a acreditar no meu sonho de escrever um livro sobre história da nossa linda cidadedeCoari.

A Benedito Góes Neto, meu pai, aquele que sempre foi meu porto seguro e que sempre lutou para me ensinar princípios e valores que me conduziram e conduzirão por todaminhavida.

5 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Exímio conhecedor da importância da história como instrumento de conscientização do homem para a tarefa de construir um mundo melhor e uma sociedade mais justa,Archipo Góes nos presenteiacom o livro: “Nunca Mais Coari: A fuga dos Jurimáguas”. A obra é resultado de mais de 30 anos de pesquisa, através da qual, o autorapresentaumriquíssimoregistroda históriadaCoaridoséculoXVIIatéoano de 1992, revelada por meio das crônicas dos viajantes, de anais dos poderes executivo e legislativo e das publicações de jornais da época, além da análise de várias obras literárias e da coleta de depoimentos de pessoas que presenciaram os acontecimentos históricos mais recentes, narrados aqui nestelivro.

Esta é uma obra de leitura instigante para aqueles que se interessam pela história da construção da sociedade coariense, indispensável para os historiadores, e emocionante para os saudosistas. É uma amostra autêntica e detalhada de como se deu a formação do município de Coari. História feita por homens, mulheres, indígenas, não indígenas, nordestinos, ricos e pobres; por dominantes e dominados, governantes e governados, pelos conflitos e pela paz, por intelectuais e principalmentepelaspessoascomuns.

A Coari do período histórico a que o livro se refere foi marcada por uma forte presença dos missionários católicos das ordens dos carmelitas e dos jesuítas, que tinham a incumbência de “catequizar os indígenas” que habitavam às margens dos rios Solimões, Japurá e Negro, propagando-se, dessa forma, que teria sido Samuel Fritz o fundador de Coari. Entretanto,GóesconstatouqueFritz,que tudo registrava em seu diário e em seu mapa, não citou que fora ele o fundador de Coari, o que reforça a tese de que os fundadores de Coari foram os índios Jurimáguas, e que seus primeiros catequizadoresforamoscarmelitas.

Em suma, em “Nunca Mais Coari: A fuga dos Jurimáguas”, Archipo Góes expõe os fatos históricos que mais marcaramavidadosprimeiroshabitantes da atual área do município de Coari, desde os índios Jurimáguas, “valente tribo de índios do Solimões (Amazônia brasileira)eosverdadeirosfundadoresda Freguesia de Coari” que, com a chegada dos invasores europeus, foram expulsos, ou seja, forçados a abandonar as suas terras,atéachegadado“carrodeboi”eda luz elétrica, à época (décadas de 1940 e 1950) os maiores símbolos do “surto de progresso, paz e prosperidade” que os moradoresdacidadeusufruíam.

Ao permear a narrativa com descrições de como ocorreu a evolução religiosa e política do município, através do processo de catequização, com a chegada dos Missionários Redentoristas e das Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo, e da emancipação política da sociedade coariense, a qual é marcada, desdeoinício,porconflitossanguinários, comonoscasosdoprefeitoHerbertLessa de Azevedo e do Tenente Holanda, o nosso pesquisador, historiador, escritor e poetacorroborasignificativamenteparaa conservaçãodanossamemóriahistórica.

E por fim, Archipo faz uma análise sobre a evolução políticaadministrativa de Coari através das obras dos prefeitos no decorrer dos seus mandatos e uma análise crítica atenuada aos acontecimentos ou fatos históricos que permeiam a evolução integral da cidadedeCoari.

Parabéns, Archipo, as nossas atuais e futuras gerações saberão ser gratas aos seus mais de 30 anos de dedicaçãoaessetrabalho!

6 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Daniel
Apresentação
7 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Sumário

AOrigemdonomeCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

EstudodaorigemdonomeCoarisegundoOctaviannoMello. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

SíntesedateoriadeOctavianoMello . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

OsignificadosegundoStradelli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

AOrigemdeCoarinaLínguaQuéchua 13

ConsideraçõesfinaissobreaorigemdonomeCoari 14

OsJurimáguas 16 ACidadedosJurimáguas(Peru). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

ConstataçõesdadestruiçãodasaldeiasJurimáguas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

AnálisedaTeoriadePenafort . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

AFundaçãodeCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

PadreSamuelFritz-UmaSaganoSolimões 24 QuemFoiSamuelFritz? 25

FritzemmeioaosOmáguas 27 FreiVitorianoPimentel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

OFinaldaGrandeMissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

Coariéelevadaàcategoriadelugar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

ResumosobreaFundaçãodeCoari 32 SamuelFritzFundouCoari? 32

OsMuraseasnotíciasdeMelloePóvoassobreAlvelos 36 CoaridosViajantes–(Relatos). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

DescriçãodeCoarireproduzidapeloPeJoséMonteiroem1768 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 DescriçãodeFranciscoXavierRibeirodeSampaio(1775) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

RelatodeSoutheyem1788sobreaformaçãodopovocoariense . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

DescriçãodeAlvelospeloFrCaetanoBrandão–1789 40

NarraçãodeManuelAyresdeCasalePeroVazdeCaminha 41

RelatosobreCoariem1819–Spix,J.B.eMartius,C.F.P.V 41

DescriçãodeAlvellosporJamesHendersonem1821. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

NarrativadapassagemdoPacíficoaoAtlântico–1828. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

ElevaçãoàcategoriadeFreguesiadeAlvelos–1833 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

ViagemdeLimaaoParáem1834 43

PassagemporTauámirimpelofrancêsFrancisdeCastelnau 44 PaulMarcoyemCoari–1848 44

FragmentodeviagemrealizadanasduasAméricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

UmNaturalistanoRioAmazonas-HenryWalterBates . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

Diáriodaprimeiraviagemdovapor–1853. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

JoãoWilkensdeMattos–RoteirodeViagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

AmudançadaFreguesiadeAlvellosparaCoari 50 NoRioAmazonas(1859)–RobertAvé-Lallemant 50 GonçalvesDiasemCoari 51 ViagemaoBrasil–LuizAgassiz,ElizabethCaryAgassiz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 "CoariNovo" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

Descriçãode“CoariNovo”porJamesOrtonem1870 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Coarinolivro“ParáeAmazonas”:FranciscoBernardinodeSouza 55 DeFreguesiaàViladeCoary 56 QuinzemilmilhasnoAmazonaseseusafluentes 56

CartaXXXVIII-Alto-Amazonas,Solimões,2deagostode1883 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

EscravidãoemCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

AsRegiõesAmazônicas:estudoscorográficosAmazonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

CoariDividida–1891–CourtenayDeKalb. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

DadosdescritivosdomunicípiodeCoary–1900 59 CriaçãodaBrigadadeInfantariadeCoari 61

ProfessorGóes-50AnosdededicaçãoaCoary 62 SilvérioNery . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

CoaricomemoraaposedeSilvérioNery . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

AtravésdoAmazonas:deManausaoJavari–Coari–1908 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

Relatóriosobreascondiçõesmedico-sanitárias-1913–Coary . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

AtravésdoAmazonas(Impressõesdeviagens)–1921 71

OTrágicoNaufrágioAcontecidoemCoari–1926 73

VisitadoPoetaMáriodeAndradeàViladeCoari–1927 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

OAssassinatodeHerbertdeAzevedo–1927 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

8 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Sumário

OsSeusÚltimosMomentosDepoimentodeAbguarBastos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 NotíciasdeCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

ABandaMunicipal 82 EcosdogovernoEfigênioSales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

EmancipaçãoPolíticadeCoari 84 AlexandreMontoril–PersonalidadeHistórica 85 OProgressodaCidadedaCoary. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

DeolindoDantas 91 AChegadadosPadresRedentoristasaCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

AChegadadasIrmãsAdoradorasdoSanguedeCristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

TenenteHolanda 95 InauguraçãodaUsinaElétrica-GovernodeEdgarddaGama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

CarrodeBoi—1950 101 OsAnos50emCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

TiroteionaAssembleiaLegislativadoAmazonas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

MortedeDandiDantas 104

OsFabulososAnos60 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

LigaparaconstruçãodaPonte 105 OAcidentecomoAviãoPT-BUK. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

OFimdaEraAlexandreMontoril. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106

DomMário 108

RadioEducacionalRuraldeCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

Coarinadécadade60navisãodeumfazendeironorte-americano 110

PrimeiraIgrejaBatistadeCoari 112

AOrigemdaIgrejaAssembleiadeDeusemCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

ClementeVieira 115

FátimaAcris,nossaprimeiraMissAmazonas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 Anos70emCoari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

InauguraçãodoHospitaldeCoari 119 RainhadoSolimões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

AviãomergulhounolagodeCoarimatandoopiloto 120 CatedraldeSantanaeSãoSebastião. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

ComoaconteceuoprimeiroFestivalFolclóricodeCoari? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Criaçãodo1ºnúcleodaUFAM 129 EnedinoMonteiroconsegueeleger-seprefeitodeCoari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

BispodeCoarifaleceunoportodeManaus. 130 ClementeVieira–1977 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

ICampeonatoInfantildeHandebol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134

SuturadoMiocárdio 135 ATABAemCoari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

AeroportodeCoari 138 Anos80emCoari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

InauguraçãodaEmbratelemCoari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140

TelefoneresidencialchegaaCoari 141 OSupermercadodaCOBAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

3ºFestivaldaMúsicaCoariense 142 JorraPetróleoCoariense 143 GovernoEvandroAquino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

IFestadaBanana 144 Anos90emCoari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

UniversidadedoAmazonasformaprimeiraturmanointerior. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 AFolhadeCoari 146 MissCoari1990. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

IIFestadaBanana 148 BancodoBrasilabreagênciaemCoari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

ExpediçãoAmazônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

CleomaravenceoMissAmazonas1992 151 CóleraemCoari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152

FotosdaCoariAntiga 158 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215

OAutor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

LiteraturaCoariense-contos,poemasecrônicas 218

9 Nunca Mais Coari Archipo Góes

AOrigem do Nome Coari

Introdução

AetimologiadacidadedeCoari vem através dos tempos sendo reproduzida, de obras antigas, e principalmente através da transmissão oral, sem que haja um método científico sistemático que explique a verdadeira origem do nome dessa importante cidade amazonense. Nessa obra apresentaremos duas teorias antagônicas para tentar elucidaraetimologiadapalavraCoari,as quais têm se propagado até os dias atuais de forma bastante positivista, tornandoseverdadesincontestáveis,atémesmono meioacadêmico.

Gaspar de Guimarães e Octaviano Mello acreditavam que a origem do vocábulo Coari vem do Nheengatu. Porém, Ulisses Penafort defendia a tese de que o nome Coari tem origemQuéchua(línguadopovoInca).

Portanto, para dirimir a origem mais correta ao nome da cidade de Coari, esta obra de pesquisa histórica irá analisar as duas teorias quanto ao significado do vocábulo Coari e a sua procedência(troncoindígena).

Estudo da origem do nome Coari segundo Octavianno Mello

A primeira hipótese procede inicialmente de Gaspar de Guimarães in “Dados Descritivos do Município de Coary - Impressa Oficial do Estado do Amazonas, 1900”. E mais tarde reproduzidaporOctavianoMelloatravés de seu livro “TopônimosAmazonenses”, uma obra na qual o autor tentar explicar as origens dos nomes das cidades amazonenses:

“Passemos à etimologia da denominação da Cidade de Coari. Por uma questão de honra ao mérito iniciaremos este pequeno estudo com a opinião do ilustre Cônego Ulisses

Penafort, no seu precioso livro “Brasil Pré-histórico”. Diz este escritor, que a palavra Coari ou Huari, significa “Rio de Ouro” e que “o nome deste rio pode originar-se do quíchua - Coya, Cory - rio de ouro ou de Huary-yu, rio dos deuses”. O ilustre Cônego também dá ao rio o nome de Coréua, como sendo o mesmo Cory, Coya; mas não quis afirmar peremptoriamente, que a origem da palavraeraessa.

Entretanto, justifica o seu modo de pensar, lembrando que o rio Coari possui um afluente de nome Uaruá, que significa “rio brilhante, da água que espelha”. Efetivamente a significação do nomedesterio,emNheengatu,éespelho, podendo ser traduzido como ali está. Contudo, na língua existe forma exprimindo toda aquela significação dada: Paraná Uaruá, rio espelho, permitindo contrair-se em Parauaruá, Pararuá e por corruptela Bararuá, nome transmitidoàantiga“CortedosManaus”, no rio Negro, e desta ao caudilho Ambrósio Aires. A denominação da Cidade em apreço, Coari, não descende do quíchua, é puramente Nheengatu e querdizer:Pequenoburaco,buraquinho.

Vem de Cuara, o verdadeiro nome dado ao rio, como cita-o Berredo e que significa, buraco, abertura, furo; e de miri, que se contrai em “ri” e também em “I”, que é a forma do diminutivo do Nheengatu, como exemplificaremos:Pirá, peixe; pirá-miri, peixinho; naná, ananás; naná-miri ou nanai, ananásinho; tamanduá, da família dos desdentados, Tamanduá-miri ou tamanduaí, tamanduazinho;uaimi,velha;uaimi-miri ou uaimiri, velhinha. Assim também cuara, buraco; cuara-míri, cuaraí, cuari e Coari, buraquinho, furozinho. Esta palavra tem tido as grafias seguintes:Quari,Cuary,CoaryeCoari.

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Pintura em óleo retratando a origem da Freguesia deAlvelos, no lago de Coari. Teve o seu esboço num desenho elaborado por Paul Marcoy na sua viagem pelo rioAmazonas no ano de 1848. Mais tarde, foi transformado em quadro pelo pintor francês Édouard Riou(1833–1900),seguindoosoriginaisdeMarcoy.

Aldeia de Tauá-mirim - 1848 - Paul Marcoy

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AOrigem do Nome Coari

Acidade de Coari está situada à margem direita do lago de mesmo nome, cuja vastidão é assombrosa. Outrora a embocadura deste lago ou bacia, como tem sido chamado, fora a montante da atual, que veio substituir aquela em virtude do intrépido movimento de terras operandonasmargensdorioSolimões.A boca primitiva, se era estreita em relação à suntuosidade do lago, cada vez mais diminuía com as terras novas aí depositadas pelas águas deste prolongamento do Rio Mar. Era um pequeno e estreito furo, canal ou buraco; era ainda um buraquinho golpeando a restinga e ligando o rio ao lago. Todos os canais desta natureza, entre nós, são chamados de furos, sinônimo perfeito de buraco, e, nesta acepção o nativo, com a sua inteligência, denominou de Coari, a pequena embocadura agora interceptada ecobertapelavegetação.Onomedolago e da Cidade de Coari, portanto se originou da primitiva foz, que de momento em momento, maiores razões ofereciam à sua denominação, até que desapareça.Abocaatualdolagoélargae relativamente nova. Coari, palavra Nheengatu, significa, pequeno buraco,

eserefereàbocapequenade umlagoimenso”.(MELLO,1967)

Síntese da Teoria de Octaviano Mello

Segundo Octaviano Mello, a 1 palavra Coari tem origem no Nheengatu e descende da palavra Cuara (que significa Buraco) + I (contração de miri, um diminutivo do Nheengatu) formando Cuarai, e com o tempo passou Cuari, Cuary, Quary, Coary e finalmente CoarisignificandoBuraquinho.

Ajustificativa dessa teoria seria queovocábulo“Buraquinho”sereferiria ao primitivo canal que dar acesso ao lago de Coari, furo do Tomassau, localizado posteriormente à comunidade “Costa da Santa Rosa”, sendo um canal estreito em relaçãoàvastidãodolagooubaía.

Ajustificativa dessa teoria seria queovocábulo“Buraquinho”sereferiria ao primitivo canal que dar acesso ao lago de Coari, furo do Tomassau, localizado posteriormente à comunidade “Costa da Santa Rosa”, sendo um canal estreito em relaçãoàvastidãodolagooubaia.

1. Língua indígena da família tupi-guarani modificada por influências europeias, foi durante algum tempo e até o século XIXamaisutilizadanoBrasil,tantopelosportuguesescomopelosnativos.

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buraquinho, Tomassau, pequeno acesso ao lago de Coari, que Octaviano Melo atribuiu à origem do nome Coari

E G a s p a r G u i m a r ã e s acrescenta: “Coary, que em língua geral significa buraco Toma esse pouco risonho nome em virtude de sua outra boca, já soterrada. Um tanto a oeste da única que hoje existe e que, outrora, lembrava uma verdadeira furna pelo emaranhado da vegetação, cujos cimos, se entrelaçando, davam-lhe um aspecto sombrio”.

O significado Segundo Stradelli

O Conde Ermano Stradelli, de nacionalidade Italiana, viveu por muitos anosnoextremonortedoBrasil. Chegou aoAmazonas para trabalhar na comissão queorganizouoslimitesentreoBrasilea Venezuela, onde passou mais de 50 anos. Em suas viagens fez levantamento nos rios Branco, Negro, Solimões, Purus e desenvolveu um grande estudo identificando a vida e os costumes do povo AmazônidanoprincípiodoséculoXX.

Stradelli se interessou por diversos dialetos indígenas e principalmente o Nheengatu e a origem de diversos nomes da região. E começou a recolher material muito cedo para fundamentar a sua obra sobre a linguagem das tribos com que procurava viver e ter contato.

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Em1929, aopublicarseu livro , Stradelliatribuiapalavra“Cuari-Coary: Pequeno Buraco. Nome de uma povoaçãodoSolimões”.

Outros vocábulos que merecem mençãonaobradeStradelliseriaatradução de “Itapéua: pedra chata ou pedra achatada” e “Tauá-mirim: Aldeia PequenaouAldeiazinha”.

AOrigem de Coari na Língua Quéchua

Aoutra corrente fundamenta-se na apreciação na teoria do Cônego 3 Ulisses Penafort , que em seu celebre livro “Brasil - Pré-histórico” relata que a palavra Coari ou Huary tem origem no Quéchua (língua do povo Inca) Na página175,noparágrafo2ºencontramos: “Vejamos o grande País das Palmeiras, a nova Pátria dos Pouna (Punici), a famosa e mística Fênix Amazônica. Lá está na terra do Fayanarú —OCoariouHuari(RiodeOuro);corre do sul ao norte, tem 2 léguas de largura e suafozummêsdeviagem,entramajestosamentenoRiodosFeníciosouSolimon, na altura astral de 4 graus; no lado do ocidenteviveramgrandesnaçõesbrasileiras dos índios: Sorimon, Juma, Puna, Uayupy,CataubaisePascé!

De todas estas tribos a mais importante sob o nosso ponto de vista etnológico é a Pascé, que denuncia da maneira mais admirável a sua procedência fenícia. Ela foi numerosíssima, inteligente,ativa,muitodadaàagriculturaeao trabalho.

Onomed'esteriopodeoriginarsedoquíchua:Coya,Cory–RiodeOuro, ou Huary-yu – Rio dos deuses; o que é certo é que este rio tem de parte do ocidenteumafluentedenomeUaruá,que significa Rio Brilhante, de águas que espelham.UruáemTupyéespelho”.

Em outra parte do livro ele afirma que Huari quer dizer “Senhor Deus”, Cocha é “Lago”, e Huari-Cocha seria “Lago dos deuses” ou “lago dos brancos”.

2. Vocabulários da língua geral portuguez-nheêngatú e nheêngatú-portuguez. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.RiodeJaneiro,1929p.423.

3. Raymundo Ulysses Pennafort, nasceu em Jardim – Ceará, no dia 25 de novembro de 1855, religioso, considerado figura das mais cultas do clero brasileiro, jornalista, romancista, cronista, poeta, indianista, sociólogo e filólogo. Publicou: “Mandú”, “Ecos d'Alma”, “Os Retirantes”, "Orações Patrióticas", “Cenontologia”, “Quadro Sinótico dos Nomes IndoBrasileiros”,"AIgrejaCatólicaeaAbolição",“BrasilPré-Histórico”(suaprincipalobra).Patronodacadeiranº32daACL (AcademiaCearensedeLetras).Faleceunodia25deAbrilde1921,emBelémdoPará.

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Origem
A
do Nome Coari

Também ele esclarece que “Ouro” em quíchua é Cori. Ouro em pó é ChichiCory;filãodeouro,CoriCoya.No Tupy, ouro é também Curi - temos um “Rio de Ouro” denominado Curi, na localizaçãodeCaeténoestadodoPará.

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Considerações finais sobre a Origem do Nome Coari.

Após a apresentação das duas correntes, iremos tecer considerações e demonstrar falhas que merecem ser destacas devido a sua importância para a equalização dessa imprecisão, por isso propomos uma ruptura, pelo qual iniciaremos uma nova forma de pesquisa, ultrapassando a maneira reprodutiva e positivista.

Para podermos definir a origem do nome da Cidade de Coari teremos que analisar a definição da palavra e sua procedência, ou seja, o tronco indígena. Vamosnesseprimeiromomentoanalisarmos a hipótese de Octaviano Mello através de seu livro “Topônimos Amazonenses”.

Podemos citar, por exemplo, a tentativa de associação do vocábulo CoariaCuarai.Odesenvolvimentodessa especulação de Octaviano Mello não tem um embasamento histórico, teórico e lógico, pois quando fazemos comparações entre sua a fonética, nota-se uma grandediscrepância,poisapalavraCoari tem sua a pronúncia usual de |Qua|-|ry| para os nativos e não |Co|-|a|-|ri|. Ponderando este fato, concordo com o escritor coariense Antônio Vasconcelos quando propõe que a grafia mais adequadaparaonomedacidade seria “Quari”: “Quanto à grafia da palavra, entretanto, não é pacífico o entendimento. Há, assim, os que a preferem grafada com“q”(Quarí),emvezde“c”(Coari),o que não me parece fora de propósito.

Aquela preferência é perfilhada pelo emérito Professor Mário Ypiranga Monteiro que, em Roteiro do Folclore Amazônico – I Tomo (Editora Sérgio Cardoso – Manaus 1964), de tal modo grafa a palavra, bem assim o gentílico correspondente (quariense). Era essa, também, a opinião do conhecido filólogo Padre Nonato Pinheiro que, em artigo publicado sobre meu o livro Regime das Águas, na coluna Nótulas e registros, do JornalACrítica, de Manaus, ao referir-se ao autor, identificou-o como “amazonense de Quarí”, dizendo insistir nessa grafia, que, a seu entender, deveria ser a preferida”.(Vasconcelos,2002)

Considero ainda, que a linha de raciocínio da qual a associação do vocábulo “Buraquinho” ao antigo canal que dar entrada ao lago de Coari é muito perspicaz, contudo, perigosa e sem base, dado que não temos nenhum documento históricoougeográficoquedemonstretal fato.

Existem a princípio, três entradas convencionais pelo Rio Solimões paraolagodeCoari:asuaatualfoz,larga, profundaecomumgrandefluxodeágua, ondeexisteumgrandecanalsobaságuas que vai do Solimões até próximo à ponta do Jurupary; a entrada para o igarapé do Pera; e por último, na Costa da Santa Rosa, o furo denominado Tomassau, estreitoeraso.

Visto que não há dados que comprovem a existência de somente um canal apenas como entrada ao lago ou baía de Coari pela estrutura e profundidade do canal que dar acesso às águasdoSolimõesaolagodeCoari,seria muita imaginação negar a existência da sua atual foz há cerca de algumas centenasdeanos.

O que percebemos foi à criação de uma lenda ou história fictícia para justificarasemelhançafonética.

14 Nunca Mais Coari Archipo Góes
A
Origem do Nome Coari

AOrigem do Nome Coari

Encontro

das Águas em Coari

São concepções bem diferentes os conceitos internalizados nas palavras buraco e canal, assim como não há coerência nessa analogia. Dessa forma, toda generalização pode levar para longe do eixo da investigação, causando erros, poistalassociaçãonãotemembasamento nasliteraturasdosviajanteselocais.

Outro ponto que deve ser destacado é que na antiga “Província de Machipharo”, onde Coari estava localizada, não apenas existiam tribos do tronco Tupi, como também, Karib, Tukano, Jê, Pano, Aruaque, etc. E algumas dessas migraram das regiões Andinas, dessa forma, poderiam ter outras influências, como o Quéchua ou Aimará.

A t r a v é s d a p e s q u i s a , gentilmentecompartilhadapelogeografo George Pereira Reis (IFAM-COARI) sintetizado no mapa acima, podemos observar que o lago de Coari tem a mesma profundidade do rio Solimões, diferente dos demais canais (Pera, Tomassau,etc)queligamolagodeCoari ao rio Solimões, fazendo parte de um consórcio integrado milenar. Dessa forma, desmontando e invalidando a

teoria de que a atual foz do lago de Coari era fechada por terras e floresta. Dessa maneira, colabora com as descrições dos viajantes do século XVII e XIX, não fazendo sentido a denominação de buraquinho como explicação para a traduçãodaorigemdonomeCoari.

4. Província que se estendia pela margem direita doAmazonas, desde a foz do rio Tefé até a do rio Coari, e pela margem esquerda, a extensão era indeterminada. Local onde habitava grandes povoações que reunia 50 mil homens. Os Aisuaris seriamseushabitantes.

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Os Jurimáguas

A tribo dos Jurimáguas, conhecida também pelo nome de Solimõespelosportugueses,centralizava suas aldeias entre Coari e a foz do rio Purus. Na colonização da Amazônia, o nossogranderioSolimõeseraoprincipal meio de interligação entre a cordilheira dosAndesàfozdoAmazonas,oumelhor, era a conexão entre as colônias espanholas e as colônias portuguesas. A grande motivação para as expedições no médio Solimões foi à procura da cidade de ouro (El Dourado), também a lenda das Amazonas, que alguns historiadores acreditam serem as mulheres do Jurimáguas. Contudo, segundo Hemming, o Solimões sempre foi visto pelos colonizadores “como um curral de mão-de-obraindígena”.

Em 1542 ocorre a primeira expedição até o litoral atlântico, comandada pelo Cap. Francisco de Orellana e descrita pelo Frei Gaspar de Carvajal. Um importante relato do frei diz respeito à região dos atuais municípios de Coari e Codajás, onde ele relata sobre uma aldeia nomeada de Aldeia da Louça, que possuía uma cerâmica de “melhor que viu no mundo, porqueadeMálaganãoselheiguala,por ser toda vidrada e esmaltada de todas as cores”(PAPAVEROetal2002).

Em 1639, Acuña define o território de Yoriman (Solimões) com umafaixade250kmpelamargemdireita doAmazonas,desdelogoacimadafozdo Coari até uns dez quilômetros acima da do Purus Acuña refere-se que foi encontradoaolongodessafaixaumaárea densamente povoada com sua população vivendo nas ilhas, várzeas e terra firme, formando a província dos Yoriman: “é terra tão sobrada de gente que em parte alguma vimos reunidos mais bárbaros do quenela”.

“A primeira aldeia, de oeste para leste, situava-se na foz do Coari”; vinte e duas léguas abaixo, num ponto da margemdireitapróximaàilhadeJurupari estava “a maior aldeia que em todo o rio encontramos, ocupando as suas casas maisdeumaléguadeextensão”.Daípara baixo e “topando muito amiúde com aldeias dessa mesma nação” (Acuña, 1874:118-119).

Maurício de Heriarte escreveu em 1662, mas conhecia o altoAmazonas desde 1638, quando participara da expedição de Pedro Teixeira. Sobre o Solimões limita-se a dizer que “nesta provínciadosSorimõeshaverá30léguas. Todassãoterrasbaixasedemuitoslagos. É esta província mui povoada de gentios commuitasaldeias”(Heriarte,1975).

Dez anos após a viagem de Acuña, os Jurimáguas já se encontravam em total extermínio, com a redução de suas populações por conta das e x p e d i ç õ e s p o r t u g u e s a s , e principalmente, pelas doenças em que os mesmos não tinham “defesa imunológica”. Dessa forma, migraram rio acima conforme os relatos de LaureanodeLaCruzem1653.

Jánoanode1641,aregiãoentre a foz do lago de Coari até a foz do rio Purus é nomeada de Província de Yoriman, isso devido à grande quantidade de indígenas dessa nação que povoaram toda essa região. Em outras expedições essa nação recebeu outros nomescomo:Joriman(deLaCruz1653), Sorimões (Heriarte 1662), Jurimáguas (Fritz 1686-1700) e Sorimão (Sampaio 1775). E por fim, a própria origem do nomedorioSolimõesadvémdessatribo. De acordo com relatos dos séculos XVI ao XVIII, a Província Yoriman seria uma região densamente povoada, com mais de 250 km, e “terra tãosobradadegentequeempartealguma vimos reunidos mais bárbaros do que nela”(ACUÑA,1994).

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Os Jurimáguas

Dez anos após a viagem de Acuña, os Jurimáguas já se encontravam em total extermínio, com a redução de suas populações por conta das e x p e d i ç õ e s p o r t u g u e s a s , e principalmente, pelas doenças em que os mesmos não tinham “defesa imunológica”. Dessa forma, migraram rio acima conforme os relatos de LaureanodeLaCruzem1653.

No ano de 1641 eles foram alcançadospelasexpediçõesportuguesas deBartolomeuBuenoAtaíde.Nofinaldo século XVII, já não havia as grandes aldeias Jurimáguas e os poucos sobreviventesestavamdisseminadosemmissões jesuíticas espanholas no rio Huallaga ou portuguesas nos municípios de Coari e Tefé.

Osrelatostambémmostramque esse povo mantinha um constante comércio com povos do Rio Negro, pois segundo descrições, eles utilizavam alguns adornos de ouro que vinham do Rio do Ouro trazido pelos Manaós. AcuñaeFritztambémrelatamquealguns deles possuíam artefatos europeus e que estes eram trazidos do Norte, por outros povos que tinham contato com os holandesesnasGuianas(PORRO1996).

Segundo Nimuendajú (1981), osJurimáguasestariamfiliadosaotronco Tupi (devido à associação que Carvajal fez com os Omáguas), porém as duas fontes de cronistas o contradizem: Alejandro Rojas diz que PedroTeixeira e seus companheiros, que falavam a língua geral, não conseguiram comunicar-se e Samuel Fritz afirma que a língua dos Jurimáguas é muito diferente dos Omáguas, sendo esse último do tronco Tupi (PORRO 1992, 1996). Fritz e Betendorf descrevem alguns rituais religiosos entre os Jurimáguas e que Porro (1996) conclui que seriam festividades relacionadas ao culto de Jurupari (Koch-Grünberg, 2005; VIDAL,2002).

Em sua Obra “Dicionário EtnoHistórico da Amazônia Colonial” Antônio Porro caracteriza a tribo dos Jurimáguas:

“O primeiro informe sobre esta tribo é o de Carvajal (1542), que, porém, o chama senhorio de Omágua, fato que levou autores modernos a associá-los aos Omáguas históricos que no século seguinteseriamencontradosmuitosmais a oeste, acima do Juruá. Os Omáguas de Carvajal, verossimilmente Jurimáguas, ocupavamamargemdireitadoSolimões, desde acima do Coari até quase o Purus. Na região de Codajás, um de seus muitos e mui grandes povoados, a chamada aldeia da Louça (v. Em II), despertou a admiração dos viajantes pela cerâmica policrômica vitrificada de excelente qualidade. A língua falada era diferentemente do idioma Omágua (de tronco Tupi) do qual Orellana teria aprendido rudimentos ainda no Equador (Carvajal). No século XIX integravam, entre outras, as populações de Coari e Tefé”.

Em suma, o primeiro núcleo da formação de Coari foi observado pelos viajantes do século XVII na foz do lago de Coari, o local onde hoje é a cidade de Coari. Era uma aldeia da tribo Jurimáguas de tamanho médio, que a partir da chegada de Samuel Fritz, foi descida para o alto Solimões, fundando a missão de Nossa Senhora das Neves. Esse processo de descimento, não era apenas uma mudança no local, mas o início do processo de recrutamento indígena, em que a tribo era convencida pelos religiosos, por promessas de melhorias nas condições de vida dos indígenas, caso fossem viver nos aldeamentos.Quandoissonãoacontecia, usavam a coação, obrigando-os, através do medo, a aceitarem a convivência indesejada nos aldeamentos, sendo a tribo aculturada e obrigada a trabalhar na agriculturaparadarlucroparaamissão.

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Os Jurimáguas

ACidade dos Jurimáguas (Peru)

A partir desse momento dissertaremossobreacidadedeJurimáguaspor um rico texto de uma monografia em espanhol em que iremos analisar o resultadodamigraçãodatribodosJurimáguas deCoari,noAmazonasatéoPeru.

Fundação da cidade segundo o testemunho dos evangelizadores

A versão com mais sustentação histórica nestes tempos é a que se referindo ao nome da cidade de Jurimáguas não resultar da fusão de duas tribos diferentes – Yuri e Omáguas, mas osresultadosdeumaúnicatribo,eissoéo quedizCanonBernardinodeSouza:

Seu nome vem do vocábulo Jurimáguas “Valente tribo de índios do Solimões (Amazônia brasileira) e os verdadeiros fundadores da Freguesia de Coari”. Essa tribo foi evangelizada pelos Carmelitas, após ser arrancada pelos jesuítas espanhóis com uma parte dessas pessoas fundaram uma aldeia no rio Huallaga.

Padre Carlos Murayari Amasifuen, reconhecido pároco e pesquisador das nossas raízes e

identidadeculturaldisse: “Apartirdaconfluênciadosrios NapoeNegro(Brasil),ambasasmargens do Amazonas, disse Pe. Villarejo foram de domínio Omáguas, Jurimáguas (não Yuris e Omáguas como dizem comumente),Aysuaresetc”. http://www monografias com/trabajos55/culturayurimaguas/cultura-yurimaguas2.shtml – Acessado em 27.05.2014

Constataçõesdadestruiçãodasaldeias Jurimáguas pelo Padre Samuel Fritz emsuavoltadacidadedeBelém

Após uma viagem a Belém para protestar contra a invasão portuguesa na Amazônia Espanhola, onde permaneceu preso por 2 anos, abriu-se a questão do domínio do Solimões. Na sua volta, o Pe. Samuel Fritz, do rio Negro em diante, começou a observar que as aldeias estavam sendo abandonadas, estando muitas queimadas Assim encontrou aldeias dos Cuchivaras, dos Ibanomas, dos Aisuares e dos Jurimáguas. Parte da Razão do abandono das aldeias pelo caminho era a notícia de que os portugueses estavam subindo o rio. A viagem de volta de Belém terminou em 13deoutubrode1691.

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Os Jurimáguas
Igreja de Nuestra Señora de las Nieves de Yurimaguas

Cidade de Jurimáguas

AsRuínasdaCivilizaçãoHuari

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Archipo Góes
Nunca
Mais Coari
Os Jurimáguas
AsRuínasdaCivilizaçãoHuari CulturaHuari

Análise da Teoria de Penafort

Até o momento a teoria que apresenta menor contradição é a de Ulisses Penafort. Contudo, essa teoria precisa de algumas correções e desdobramentos conforme estudos realizadosnahistóriadopovoInca.

Para o autor a origem do vocábuloCoarivemdoquéchua,também grafado quechua e quíchua, sendo uma importante língua indígena da América do Sul, hoje ainda falada por cerca de treze milhões de pessoas no Peru, Bolívia, Equador e Argentina, posto que foi a língua do antigo Império Inca. Quéchua também designa indivíduo destaetniaoufalantedestalíngua.

No Peru e na Bolívia o idioma quéchua é considerado língua oficial junto com a línguaAimará. Estas línguas jamaistiveramescritacorrespondenteaté a introdução do alfabeto latino pelos espanhóis, que usaram estas línguas para pregação religiosa e conversão dos indígenas americanos Havia sim, registros, provavelmente numéricos que eramfeitosporsequênciasdenósemfios delã,possivelmenteassociadosacores.

A língua quéchua é muito regular possuindo um grande número de prefixos e sufixos que mudam a significação dos vocábulos produzindo grande expressividade, incluindo conjugação bi pessoal e conjugação vinculada ao estado mental, veracidade, relação espaço-temporal e outros fatores culturais.

Vários vocábulos incomuns da língua portuguesa entraram no português moderno através do espanhol, tais como coca, condor, guano, gaúcho, inca, lhama,pampa,batata,puma,vicunhaetc. Começaremos a analisar a partir de Coya que é um vocábulo usado para representar a esposa principal do Sapainca (único Inca, o chefe de todos os Incas)ouopovoCoya:

“Nombre genérico que se da a los aborígenes de Jujuy de ascendencia quichua, aimará, o de alguna otra parcialidad indígena del Altiplano También llaman así a los bolivianos pertenecientes a las etnias mencionadas radicados en las ciudades (Los gringos)”.

http://wwwrumbojujuycom ar/voca blos.htmacessadoem14.01.2004

Segundo a fascinante história 5 do povo Inca a jovem Coya , a princesa estrangeira, era oriunda do povo Coya (boliviano) e depois de uma grande odisseiasetornourainhadoImpérioinca.

Para a Civilização Inca e também para muitas outras, os seus soberanos eram considerados e tratados como seres de outra casta e adorados como verdadeiros deuses. O Soberano Incaeraconsideradofilhododeussol,eo povoocultivavacomgrandeveneraçãoe devoção.

Portanto, “o aspecto masculino, simbolizado pelo sol, era completado pelo culto feminino da deusa MamaQuillaouCoya,alua.Aseustemplos,que eram totalmente de prata, os fiéis concorriam à noite, em longas filas, para rendê-lhecultoeparareverenciá-la”.

5. COYA. Do quechua, 'soberana ou princesa', 'natural do altiplano'. // Coya. f. Mulher do imperador, senhora soberana ou princesa,entreosantigosperuanos.

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AOrigem do Nome Coari (Cont.)
Imagem Ilustrativa de Mama Coya

Quanto ao Vocábulo Cory ou Cori, foi uma grata surpresa que ao pesquisarmos em vários dicionários quéchuas na grande rede mundial, encontramos na sua tradução para o português, que o seu significado é: “Nome Masculino de origem quéchua que significa Ouro” . Dessa forma também, notamos que a associação de procedência ou proveniência da tradução de “Rio de Ouro” ao vocábulo Cory tem fundamentoetimológico.

Em um segundo momento, observamosquePenaforttambémpropôs a palavra Huari como originária do vocábulo Coari. A palavra Huari advém deumacivilizaçãopré-Incaetemorigem no Aymará, tendo o significado de: “protegido dos deuses”, selvagem, indomado, rápido, implacável, nativo como vicunha, ou mesmo a própria vicunha (Vicuña). Assim também os chamados cidadãos guerreiros da antiga cultura Huari conquistado com dificuldadepelaculturaInca.

O Império de Huari ou Wari foi uma civilização sofisticada e estava estabelecida nos Andes centrais do Peru durante cerca de 400 anos (600 a 1000 d.C).AsestruturasdascidadesWarieram cercos retangulares tipicamente grandes. Os povos de Huari (Wari) foram os primeiros povos pré-Inca a usarem a força militar para conquistar os estados circunvizinhos.

Após ter conquistado muitos p o v o s , c o m o a m a i o r i a d e conquistadores,opovoWarisubmeteuàs culturas de seus inimigos em favorecimento da sua, dessa forma, reforçou sua própria maneira de vida e proibiu toda a prática da cultura anterior. Há uma evidência que muito da cultura dos Incas veio das ideias e costumes dos povosdeHuari.

Hoje Huari é uma província do PerulocalizadanodepartamentoAncash. Sua capital é a cidade de Huari e possui uma população de 68.332 habitantes e 2 uma área de 2.771,90 km , perfazendo uma densidade demográfica de 24,7 2hab./km

Consequentementeobservamos que a denominação dada a Coari de “Rio dos deuses” por Ulisses Penafort parece terjustificativahistórica,masafonéticae ortografia são levemente diferenciadas. Podemos nos indagar como o dialeto dos Incas (quéchua) que viviam nos Andes poderia influenciar na denominação de um rio no centro do Amazonas? Um típico exemplo dessa influência na nomeação de locais brasileiros seriam as praias mais famosas do Brasil, Copacabana que significa “mirante do azul” e Ipanema “Água ruim” ou “água que não presta” advêm da língua Quéchua.

A cidade de Coari, no Amazonas, não é a única localidade com essa designação, existem quatro lugares que também receberam essa nomeação: umpequenolugarejonoEstadodoPará,a nossaCoarinocentrodoAmazonas,uma outra Coari localizada no Peru e finalmente na Província de Cochabamba, naBolívia.

Na teoria que tem como origem a língua Nheengatu, observamos uma significanterupturaquantoaosignificado dado pelos dois autores. Gaspar Guimarães Atribui ao vocábulo Coari o sentido de “Buraco” e Octaviano Melo usa no diminutivo “Buraquinho”, com o conceitodefurooucanal,emquedurante nossas pesquisas encontramos nos dicionários de nheengatu o vocábulo 7“pu'ka” que me pareceu ter o significado mais adequado para o conceito que eles necessitavamparaasuafrágilteoria.

6.Ruminantemamíferoparecidocomalhama,porém,maisesbeltoeágil,penugemmaiscurta,maisfinaebronzeada;vive emestadoselvagemnosAndes,formandorebanhos.

7. Dicionário da língua geral do Brasil, que se fala em todas as vilas, lugares e aldeias deste vastíssimo Estado, escrito na cidadedoPará,anode1771[manuscrito].

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A
Origem do Nome Coari (Cont.)

AOrigem do Nome Coari (Cont.)

Com um aprofundamento sobre a linguagemde origem, os autores teriam percebido que o Nheengatu, uma língua derivada do tronco Tupi-Guarani foi criada pelos padres jesuítas para ser uma língua geral. Ela surgiu no século XIX, como uma evolução natural da língua 8 geral setentrional . Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil encontraram diversas línguas ou dialetos da família Tupi-Guarani usados ao longo do litoral do Brasil, ou seja, havia uma línguabrasileiradaqualoscolonizadores podiam se servir como língua de contato ou de relação para se comunicar com os indígenasaolongodetodopaís.Todavia, o vocábulo Coari já era conhecido na cultura milenar Inca, tanto na Bolívia como no Peru, descritas pelos navegadoresatravésdoRioAmazonasedosmissionários que estabeleceram seus núcleos religiosos.Assim,seriaumadiscrepância um vocábulo ser criado antes do surgimentodalínguageradora.

Octaviano Melo publicou um livro denominado “Topônimos Amazonense”, em que elaborou uma teoria da origem dos nomes das localidades do Estado do Amazonas. Contudo, nem todas as hipóteses ou teoriaspossuíamumtrabalhodepesquisa aprofundado e sistemático. Desse modo, Melotevequedesenvolverpessoalmente uma teoria para atender a proposta de relacionar os inúmeros significados dos nomesdaslocalidadesAmazonenses.

A principal tribo que fundou e habitava a região que hoje é a Cidade de Coari foram os Jurimáguas, que após o início de seu extermínio por parte das tropas portuguesas retornou para a sua origem no Peru e fundaram a cidade de Jurimáguas, que é a capital da Província de Alto Amazonas, situada no

Departamento de Loreto, pertencente à Região de Lima e assim caracterizando a origemquéchua.

Com base em todo o exposto, verificamos que na teoria da origem da palavra Coari advinda do Nheengatu existe uma desconexão na parte fonética, emqueapesardajunçãodapalavraCuara +Isugerirumajustaposiçãoprimorosa,a pronúncia difere daquela que os nativos atéhojeutilizam:“Quari”.

E ainda acrescentamos que os Jurimáguas, principal tribo que habitava as várzeas de Coari, não tinham 9 descendência Tupi-guarani , de tal modo nãopodendoservir-sedoNheengatu.

Portanto, também ressaltamos queafundamentaçãodeOctavianoMello em que haveria apenas uma entrada para olagodeCoari(Tomassau)foifalha,pois há três acessos como ilustramos anteriormente.

Em 1848 quando Paul Marcoy em sua viagem pela América do Sul, esteve em Coari, descreveu a entrada no lagodeCoari:

“A extremidade do lago de Coari fica perto do curso do Amazonas, uma vantagem ou desvantagem que o distingue dos outros lagos que só se comunicam com o grande rio através de canais de cumprimento às vezes considerável. A primeira coisa que se observa ao entrar no Coari é um pequeno povoado de seis casas cobertas de palha no topo de uma elevação O lugar chama-se Tahua-mirim. Ao pé da elevação, doze casas menores agrupam-se em pitoresca desordem; mas elas, ao invés de serem construídas em terra firme como as outras, apoiam-se sobre jangadas ou balsas”. (Marcoy, 2006).

8.Alínguageralsetentrional,tambémchamadalínguageraldonorteelínguageralamazônica,eraoramonortistadalíngua geral,faladanaRegiãonortedoBrasil.Formou-seapartirdaevoluçãohistóricadalínguatupinofinaldoséculoXVII.No séculoXIX,pelomesmoprocessodeevoluçãohistórica,deuorigemaonheengatu.Hoje,éconsideradaumalínguaextinta.

9.CarvajalobservouquealínguafaladaentreosOmáguas(tupi)eradiferentedaqualOrellanahaviaaprendidonoçõesno Equador (PORRO,DicionárioEtno-HistóricodaAmazôniaColonial,2007)

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AOrigem do Nome Coari (Cont.)

Dessa forma ficou claro que 10Marcoy , no ano de 1848, ao entrar no lago de Coari, o fez pela mesma ampla entrada que existe ainda hoje, e prontamente encontrou uma pequena aldeia (Tauá-mirim), local em que hoje está situadaasededomunicípiodeCoari.

E por fim, observamos que na teoria da origem do nome Coari que advém do nheengatu, Cuara-ri, devido a entrada para o lago de Coari ser no canal pequeno denominado de Tomassau. Podemos enumerar alguns pontos que negamessateoria:

1. A pronúncia do vocábulo Coari feita pelo nativo é |Qua|-|ri|, totalmentediferentede|Cu|-|a|-|ra|-|ri|.

2. Todos os navegadores que passaramnessaáreadoSolimões,descreveram que a foz do lago de Coari tem a mesma medida desde o século XVII até os dias atuais, fazendo parte da mesma

estruturaeidadedorioSolimões.

3. A principal tribo indígena que vivia na região de Coari, os Jurimáguas, não tinha descendência e cultura Tupi-guarani, e isso invalida a teoria.

4. Não existe apenas um local chamado Coari. Existe também na Bolívia, no Peru, no estado do Pará, e até outro no estado do Amazonas, o Rio Coari, ramo do Ituí, no município de AtalaiadoNorte.

Contudo,comaspalavrasHuari e Cory, a teoria que advém do Quéchua (língua dos povos Incas), por fazer a associação com ouro e/ou os seus governantes, que eram considerados deuses, depoisdessaabrangenteanálise,concluise que a palavra Coari tem sua origem mais adequada no quéchua e significa “RiodeOuro”e“RiodosDeuses”

10.Célebreviajantefrancês.SeuverdadeironomeeraLaurentSaint-Cricq,contudoficoumaisconhecidopelopseudônimo dePaulMarcoy Nasceuem1815,emBordeaux,ondetambémmorreu,em1888.

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Praia da Freguesia – Foto: Beto Tristão

AColonização daAmazônia

Aquestãodefixaçãodoslimites na Amazônia causou grandes confrontos entre Espanha e Portugal, conflitos intensos, prolongados e cheio de violência. Durante o século XVI e princípio do século XVII a região amazônica estava sobre domínio dos reis de Castela, isso devido ao Tratado de Tordesilhas que dividiu as terras descobertas e as que poderiam vir a ser, entre os reinos da Península Ibérica.Esse acordo estabelecia uma linha imaginária que percorreria de um polo ao outro (norte ao sul), passando a 370 léguas das ilhasdeCaboVerde.

AssimoBrasilficoudivididona sua porção oeste sob o domínio da Espanha e na porção leste sobre a administração expansiva de Portugal. Mas, com a União Ibérica, aconteceu queascolôniasibero-americanasficaram sobomandoouadministraçãodomesmo soberano(espanhol)noperíodode1580a 1640. E assim, os limites ou fronteiras ficaramrelativos.

Mas, o que parecia ser a efetivação do domínio espanhol nas terras amazônicas com a perda da soberania portuguesa, ocorreu o contrário, para legitimar a posse das terras e evitar o avanço dos holandeses, ingleses e franceses; Portugal começou a tomar posse paulatinamente das terras da bacia dos rios amazônicos Por esse motivo, o Capitão Pedro Teixeira, navegante português, organizou e operacionalizou uma expedição que partiu de Belém e navegou até Quito, no Equador. Durante essa viagem (1637 a 1638), Pedro Teixeira teria edificado um marco e tomado posse dos territórios do litoral até a fronteira da Província dos Indígenas Omáguas, porém ficou vigorando por poucos anos esse marco limite.

Samuel Fritz - Uma saga no Solimões

A presença do Missionário SamuelFritznaAmazôniaduranteofinal doséculoXVIIeiníciodoXVIII(40anos de sua vida entre as tribos indígenas ao longo do Amazonas) foi o início da ocupação europeia na Amazônia Ocidental. Através de seu diário de viagem podemos ter conhecimento de como era a vida das diversas nações indígenas e o início de sua extinção. Ele foi um padre missionário da Companhia de Jesus e cartógrafo a serviço da Espanha, sendo o principal agente na aculturação de vários povos indígenas dasvárzeasdorioSolimões.

No Novo Mundo era altamente valorizado e apontado pelo historiador equatoriano Octavio Latorre como “gigante entre gigantes”, já em sua terra natal, Boêmia - República Tcheca, ele é quasedesconhecido.

O Pe. Samuel Fritz elaborou o grande trabalho cartográfico, aliás, foi o primeiro mapa do Rio Amazonas e da própria Amazônia. Determinou como a sua nascente o lago Lauricocha, nos Andes. Interessantemente, estes dados foram considerados válidos até meados do século XX. O documento cartográfico de Fritz não pode ser definido apenas como um mapa, pois é um registro histórico dos indígenas na Amazônia, visto que, foi ilustrado zelosamente, com uma minuciosa legenda, em que identifica as nações que habitavam a calha dos rios no momento inicial do impactodacolonizaçãoouocupação.

Em fim, a grande importância davidaeobradoPadreSamuelFritzpara a história do Amazonas, é que o mesmo foi o fundador de vários aldeamentos nas várzeasdoSolimões,eCoarifoiretratado por muitos anos na história factual e positivista do Amazonas como uma delas, fato que aprofundaremos nos próximostópicos.

11. União Ibérica foi a unidade política que regeu a Península Ibérica de 1580 a 1640, em decorrência da união entre as monarquiasdePortugaledeEspanhaapósaGuerradaSucessãoPortuguesa.Dessamaneira,foicompartilhadotambém,os seusrespetivosdomínioscoloniais.

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AFundação de Coari

QuemfoiSamuelFritz?

De família aristocrática e pais de nacionalidade alemã, Samuel Fernandes Fritz nasceu no dia 9 de abril de 1654, na vila de Trutnov, na Boêmia, que na época era parte da Áustria (hoje RepúblicaTcheca).

A Boêmia é uma região históricadaEuropaCentral,ocupandoos terços ocidental e médio da atual República Checa. Seus habitantes têm descendência ou origem no povo Celta. Em1526,odomíniodoreinopassoupara as mãos dos reis Habsburgo, e dessa forma, a Boêmia foi parte integrante da Áustria, em que nesse período, foi reintroduzida a religião Católica na Boêmia. A sua independência somente aconteceu a partir de 1918, após o término da I guerra mundial, com a derrota do império Austro-húngaro. Foi c o n s t i t u í d a a R e p ú b l i c a d a Tchecoslováquia, que figurou entre os dezpaísesmaisdesenvolvidosdomundo. Emprimeirodejaneirode1993,oEstado Checoslovaco foi dividido pacificamente e foram fundadas as Repúblicas Checa (Tcheca)eaEslováquia.

Em 1672, aos 18 anos, Samuel Fritz mudou-se para Praga para estudar na Faculdade de Filosofia da Universidade de Carlos e Fernando, sendo matriculado pelo próprio como ‘ t c h e c o d e T r u t n o v ’ Concomitantemente, Fritz foi aluno do semináriodeSãoVenceslau.

IngressounaordemJesuítaem 1673, implantada em Praga em 1556 e instalou-se no edifício do antigo convento dominicano de São Clemente, onde mais tarde Fritz estudou. Após a formatura, Samuel Fritz mudou-se de Praga para Morávia, onde ensinou

latim.

Em 1679 ele tornou-se reitor do colégio jesuíta em Brno (principal centro daMorávia).Massuacarreiradocentefoi passageira, pois logo voltaria aos seus estudosemumauniversidade.

Em 1680, Fritz vai para a Universidade de Olomouc instruir-se em Teologia, e ainda aproveitou para completar seus estudos em filosofia, estudos humanísticos e apreendeu cartografia, que mais tarde foi muito útil nassuasviagenspelaAmazônia.

No último ano de seus estudos, decidiu ser missionário de além-mar. E para concretizar essa vocação, em 3 de junhode1683solicitouaoseusuperiorna ordem dos Jesuítas o pedido formal para ser enviado ao Chile, naAmérica do Sul. Mas não foi aceito, e assim, ele direcionou uma nova solicitação, desta vez, para o Vaticano, a sede da Igreja Católica.

Em 14 de novembro de 1683, chegou a resposta aceitando o pedido de envio de vários missionários para catequizar os indígenas no continente americano. Seu amigo inseparável, Pe. Enrique Richter também foi aceito na fileira missionária e teve a sua viagem antecipada em duas semanas, e dessa forma,partiunafrentedeSamuelFritz.

A viagem levou os futuros missionários primeiro ao porto de Génova (Itália). Fritz chegou em 10 de dezembro de 1683 e teve que esperar alguns dias por um navio britânico que faria o translado para Sevilha. Já na Espanha, o missionário teve que esperar vários meses. Ele passou por inúmeras programações para a viagem, organizou assuntosadministrativoseseaprofundou nosestudossobreoNovoMundo.

12. A Companhia de Jesus (Os Jesuítas) é uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da UniversidadedeParis,lideradospelobascoInáciodeLoyola.

13.AMoráviaéumaregiãodaEuropaCentralqueconstituiatualmenteaparteorientaldaRepúblicaCheca.Suasprincipais cidadessãoBrno,OlomouceOstrava.SeunomevemdorioMorava,àsmargensdoqualumgrupodeeslavosseestabeleceu porvoltade500d.C.

14.OlomoucéumacidadedaMorávia,nolestedaRepúblicaTcheca.

15.Asterrassituadasalémdomar

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AFundação de Coari

Trutnov na Boêmia

Finalmente, em 24 de setembro de 1684, às onze horas da noite, a expedição naval espanhola levantou âncoraedeixouoportodeCádiz.Samuel FritznuncamaisvoltariaaveraEuropa.

As viagens marítimas nesse período eram extremamente difíceis e desastrosas Além do alto custo da viagem, havia condições extremas de desconforto: barcos lotados e com muita carga, falta de água e alimentos, além de sempre acontecer epidemias e muitos viajantesnãosobreviviamàsviagensque geralmenteduravamdoismeses.Umano mais tarde da partida do seu país, no dia 28 de novembro de 1684, Fritz chegou a Cartagena,naColômbia,comosdemais padresenviadosaoMarañón.

Ao chegar, o grupo de missionários teve um breve descanso na cidadedeCartagena,elogopartirampara uma longa e cansativa viagem de 2.000 Km percorrendo a cadeia dos Andes. Chegaram a Quito (atualmente no Equador),em27deagostode1685.Onde passaram dois meses se recuperando da tortuosa viagem. Em seguida, aproveitaram para recolher tudo o que iriam precisar para trabalhar nas suas específicasmissões.

FritzpartiudeQuitoemoutubro de 1685 com os demais missionários, foi uma viagem longa e cansativa através da Cordilheira dos Andes até chegar ao povoado de Lagunas, base que abrigava os superiores da ordem dos jesuítas na província dos Maynas, vale do Marañón.

Quando os Jesuítas alcançaram seus destinos, se confrontaram com um problema restritivo em relação à linguagem. Pois, alguns dialetos indígenas eram difíceis de dominar O PadreFernandez,noRioBenidisse:

Nos cinco meses que tenho estado aqui, escassamente aprendi cinco conjugações, tendo trabalhado e suado dia e noite. Era difícil de pregar o cristianismo em uma língua que não tinha nenhuma equivalente para palavras abstratas tais como “crer” e “fé”. Explicar a Santíssima Trindade para um indígena Yameo devem ter sido quase impossível. A palavra equivalente p a r a ' t r ê s ' e m Y a m e o e r a 'Poettarrarorincouroac'.

16.ÉumacidadedaColômbiamargeadapeloMardasCaraíbas.Olugartemumalocalizaçãoestratégica,porissofoisede deumimportanteportoduranteoperíodocolonial.

17. Rio que nasce no Peru à cerca de 5.800m de altitude nos Andes, percorre cerca de 1600 km, se junta ao rio Ucayali (Amazonas),quefluiatéàfronteiraBrasil-Peru,ondepassaaserchamadoSolimões.

18.MaynaséumaprovínciadoPerulocalizadanaregiãodeLoreto.

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Fritz em meio aos Omáguas

Em 18 de novembro de 1686, Fritz, Richter e os demais missionários chegaram a Laguna. Eles foram recebidos pelo seu superior, Padre Juan Lorenzo Lucero, que lhes deu boasvindas e explicou os procedimentos específicosdaquelasmissões.

Richter recebeu a missão de evangelizar à tribo dos Conibos, que naquele tempo viviam no rio Ucayali. Fritz foi encarregado de uma tarefa bem maior por seu superior, padre Lorenzo Lucero, a incumbência de incorporar o territóriodesdeorioNapoatéorioNegro à Missão de Maynas. O território que Fritz foi encarregado de ocupar era habitado pela nação Omáguas, descrito pelos europeus do século XVI e XVII como a maior e mais importante das nações das várzeas que habitavam esses rios.

Mas, Samuel Fritz não queria apenas se contentar com o trabalho missionário entre Omáguas. No início de 1689, além de ter toda a nação Omáguas sob sua tutela, começou o mesmo trabalhonacercania.Eleseocupoutambémda tribodosJurimáguas,tribodosIbanomas e tribo Aisuares. Ele seguia o princípio Cujus regio, eius religio (De quem é a região,delesesigaareligião).

O aspecto carismático do padre

despertou o interesse onde quer que ele aparecesse. Conforme as descrições da época, Samuel Fritz era magro, corado, muito alto, algumas fontes indicam que possuía a medida de um metro e noventa, envelhecido na aparência, tinha cabelos ruivos e com uma barba muito ondulada. Ele era um homem de extraordinária habilidade e caráter tenaz. Fritz era descrito como “um homem digno de veneração”,foioresponsávelpelaexpansão das missões através do Rio Amazonas, entre a desembocadura do Rio Napo à foz do Rio Negro. —Alguns me chamam de santo ou filho de Deus, outros me consideravam um diabo. Alguns, devido à cruz que eu levava, diziam viram um patriarca ou um Messias,outrosafirmavamqueeueraum embaixadordaPérsia.OsNegrosdoPará pensavam que eu seria seu libertador — escreveuFritzemseudiário.

Seguindo as práticas de seus companheiros,Fritzcitanoseudiárioque fundou 30 aldeias de redução nos rios Solimões, Japurá e Negro. Contudo, no seu mapa podemos observar apenas quatro, sendo: San Joaquín de Omáguas (no Peru), Nuestra Señora de Guadalupe (FonteBoa),SanPablodeOmáguas(São Paulo de Olivença) e Nuestra Señora de las Nieves de Yurimaguas, a partir das quais realizava missões volantes às áreas circunvizinhas.

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19.ReduzirnessecontextosignificaganharalmasindígenasparaDeus. Imagem de Samuel Fritz elaborada pelos missionários jesuítas, com base nas descrições de seus traços físicos.

AGrandeViagem

Em 1689, o Padre Fritz se encontrava muito doente, provavelmente estaria acometido de malária. Mas mesmo assim não descansava e realizava várias medições cartográficas em suas viagens através do Amazonas. Para isso, além de um relógio de sol, dispunha apenas de uma bússola e um pequeno astrolábio de madeira. Mas a doença era cada vez mais agonizante e, finalmente, Samuel Fritz não conseguia nem andar Para voltar à missão central dos Maynas não tinha tempo nem forças, então teve queprocurarajudaparaobterasuacura.

Fritz se encontrava numa aldeia da nação dos indígenas Jurimáguas. Aos 35 anos, era um homem robusto, mas um surto de malária, agravado por inchaço nos pés e problemas de verminose obrigaramomissionárioaficarprostrado numa rede. Durante 3 meses ele penou, sem nenhum atendimento. Quando o sol nascia, Samuel Fritz conseguia levantarse; a febre passava e ele podia alimentarse,maseraduranteanoitequeamoléstia lhe atormentava.Afebre queimavá-lhe o corpo, a sede secavá-lhe a boca, e ele não conseguia dormir porque os jacarés saíamdorioeperambulavampelaaldeia. Certa noite um jacaré chegou a subir numa canoa, cuja proa estava dentro de sua barraca para tentar ataca o padre que estavanaredeimobilizadopelafebre.

Como Fritz estava fraco demais paraenfrentarumaviagemdedoismeses subindoorioatéseusirmãosdeordemno Peru, decidiu então, descer o rio Amazonas e encontrar os portugueses, que segundo os indígenas, estavam colhendo salsaparrilha na foz do rio Purus.

Depois de quinze dias, Samuel Fritz foi escoltado pelos indígenas para a Missão dos Mercedários, atualmente a

cidade de Silves, onde foi tratado com grande esmero, contudo não houve progressoemseuestadodesaúde,poisjá há muito estava comprometido. Os Mercedários enviaram Fritz acompanhado de uma tropa de soldados portuguesesatéBelém,ondefoirecebido e tratado pelos jesuítas no Colégio de Santo Alexandre, e assim, recuperou a suasaúde.

Em 1691, O Pe. Samuel Fritz tentou voltar para as suas missões no Solimões, contudo as autoridades portuguesas o retiveram como prisioneiro em uma residência dos jesuítas, na cidade de Belém, até que chegasse instrução de Lisboa. Na tentativa de se libertar, Fritz escreve ao Rei de Portugal, Dom Pedro II, e pede contadasuavidaedainjustiçaqueestava sofrendo.

Passou 22 meses até receberem instruções do Rei de Portugal para libertar Fritz e acompanhá-lo de volta às suas missões. Três anos havia se passado desde o início de sua empreitada e finalmente,Fritzfoirecompensadocoma viagem de retorno, embora tenha significado nenhuma vitória, ele deixou um relato importantíssimo para o conhecimento da região e de seus habitantes.

Na sua volta, do rio Negro em diante, Samuel Fritz começou a observar que as aldeias estavam sendo abandonadas, estando a grande maioria queimadas. E dessa forma, também encontrou aldeias dos Cuchivaras, dos Ibanomas,doAizuaresedosJurimáguas. Parte da Razão do abandono das aldeias pelo caminho era a notícia de que os portugueses estavam subindo o rio em busca de escravos. A viagem de volta de Belém terminou em 13 de outubro de 1691.

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AFundação de Coari
20.ReligiososMercedáriospertencentesàordemdasMercês(NossaSenhoradasMercês),fundadaporSãoPedroNolasco (80-256),religiosofrancês.

AFundação de Coari

“Quando Fritz chegou aos Jurimáguas, seu cacique disse-lhe que umaexpediçãoportuguesatinhaacabado de partir, levando cacau e alguns escravos. “Eles se foram muito aborrecidos, ameaçaram (os Jurimáguas) e osAysuares, afirmando que voltariam o maisbrevepossívelparalevaratodosrio abaixocomoprisioneiros-porqueelesse recusaram a dar-lhes seus filhos para serem levados para o Pará ou a dar-lhes cativoscomoresgate”.

Em 1693, o rei de Portugal, Dom Pedro II decretou que as terras do rio Amazonas fossem divididas entre as diversas ordens religiosas, rescindindo a exclusividade com a Companhia de Jesus.

Os indígenas do Solimões tinham grande respeito e afeição por Fritz, contudo esse sentimento não impediu que os portugueses persistissem em manter essas terras sobre o domínio português. Em 1697, quando Samuel Fritz estava numa pequena povoação próximo a Tefé, uma tropa de soldados lusos chegou ao local. Com eles, o provincial dos carmelitas, frei Manoel da Esperança, o qual forçou Fritz a abandonarsuasmissõesevoltarparaoPeru.

Durante o princípio do século XVIII, Fritz continuou exercendo influências entre suas antigas missões, a tal ponto, que o então recente rei de Portugal, Dom João V, decretou a expulsão dos jesuítas que trabalhavam para a Espanha nas aldeias dos Omáguas e a prisãodeSamuelFritz.

Em 1704, Fritz foi nomeado superior das Missões da Província de Quito, atual Equador. E mais tarde, no ano de 1707, ele teve a oportunidade de publicarseumapadorioAmazonas.

Nodia24dedezembrode1709, uma tropa de 150 soldados foi enviada para acabar definitivamente com as missões dos jesuítas. Dessa forma, além

da destruição das missões, prisão dos jesuítas que ainda se encontravam no Solimões, houve quase que a extinção dosOmáguas.

Após a expulsão dos Jesuítas e vendoseutrabalhonãosedesenvolverno Solimões,Fritzparteparaasuaestratégia final:

SamuelFritzvaicapitanearuma grandiosa devastação de Tabatinga até a Boca do Rio Negro incendiando todas as aldeias que encontra pelo seu caminho. Diga-se de passagem, todas elas já estavam abandonadas. O Amazonas era um deserto.

Este vazio demográfico ora registrado significava que a área então conflituosa disputada pelas duas potências Ibéricas se tornou como consequência dos conflitos uma área deserta, pois os índios não aceitaram ser escravizados e encararam os colonizadores portugueses como inimigos, chegando a matar alguns missionários que tentavam arrebanhá-los comoéocasodosJurimáguas,cujochefe teria fugido para o mato depois de ter, com seu pessoal, assassinado o Frei Francisco de Santo Anastácio. Esse incidente seria usado como pretexto por Samuel Fritz, para que abandonassem o local, evitando a implacável retaliação porpartedosportugueses.

FreiVitorianoPimentel

O Frei Vitoriano Pimentel foi o grandecronistadasatividadesdoscarmelitas (Ordem do Carmo), em favor da coroa portuguesa, no Solimões e Rio Negro, durante o século XVIII Ele recebeu o cargo de Vigário Provincial do Carmo em 1702 e a missão através da ordem do Rei de Portugal para providenciar mais missionários para o rio Solimões.

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21. “Relação do Frei Vitoriano Pimentel sobre as missões do rio Negro e Solimões”, inAnais doArquivo e da Biblioteca PúblicadoPará,volXII,p404.

E no mesmo momento chegou ao seu conhecimento o manifesto do Padre Samuel Fritz que contestava a posse carmelita daqueles distritos, acrescentando que “os portugueses são intrusos possuidores daqueles sertões”. O padre Samuel Fritz defendia a legitimidade da posse espanhola recorrendo a cálculos embasados no TratadodeTordesilhas:

“Constava primeiro que da ilha de Santo Antão até o Cabo de Santo Agostinho há três graus de longitude, como querem os mesmos portugueses; e do Cabo de SantoAgostinho até o rio das Amazonas graus e dois terços que importam léguas, que hão de contar desterioparaopoente,porcorrersempre com igualdade equinocial com pouca declinação já ao norte, já ao sul; e sendo isto assim, dizia ele, como é possível que as Missões que os religiosos do Carmo têmnoSolimõesquedistamdoParámais de léguas, estejam dentro dos limites dePortugal;sePortugalnãotemmaisque léguas de comprimento pelo rio acima, isto é: ressalvava ele, admitindo tudo quanto os autores portugueses querem, porque os Castelhanos, e ainda alguns portugueses dizem que o meridiano da demarcação de Portugal passa pela cidadedeBelémdoGrão-Pará”. Frei Vitoriano decidiu-se então, ir ao encontro de Samuel Fritz para atemorizá-loe,sefosseocaso,prendê-lo. Em20deoutubrode1702,recebeuoaval da Junta das Missões Carmelitas e no dia 23partiuemdireçãoaoSolimões.

No dia 21 de fevereiro de 1703, FreiPimenteladentrounaaldeiadeSanta Maria Maior, onde foi recebido por Samuel Fritz, que mesmo cortês, ficou assustado,segundoFreiPimentel.

Pimentel teve que usar de muita espertezaeartimanhanoembatecontrao boêmio Samuel Fritz em relação quem

seria o verdadeiro mandatário das terras doSolimões. Seuargumentoemfavordo pleitodePortugalfoirebaterocontextoe os cálculos de Fritz, principalmente, colocando o marco assentado pela expediçãodePedroTeixeiranoSolimões como fato que validava na esfera judicial a nova fronteira pretendida pelos lusitanos:Ecomplementou:

“Aqui então lhe mostrei quão fúteis eram os fundamentos com que pretendia ampliar os domínios da Espanha; porque assim no número dos graus, como nos rumos das demarcações tinham os Sumos Pontífices em suas Bullasfavorecidosmuitomaisdoqueele dizia no seu manifesto aos Sereníssimos Reis de Portugal; mostrei-lhe também comonós,osPortuguesestomamosposse daquelesSertõesnoanode1639metendo o marco que divide às duas coroas junto aoAncavilhado, que é muito mais acima dondeoPadreagoramissiona”.

Frei Vitoriano Pimentel, no final,avisouaindaaoPadreSamuelFritz, para de maneira alguma propagar suas atividadesmissionárias,casocontrário,o mesmo seria preso e remetido para Portugal.Eaindaacrescentou:“ofimque um missionário devia ter no seu ministério era reduzir almas para Deus, e não pregar os graus e terços das demarcações”.

OFinaldaGrandeMissão

Em 1717, o Padre Samuel Fritz renúncia de seu posto das missões, mudando-se para o vilarejo de Jeberos, onde serviu como padre junto aos indígenas do local. Fritz se estabeleceu não só como um especialista nas línguas indígenas e cartógrafo, mas também como médico, carpinteiro, escultor, pintor,bemcomoagricultor.

22. “Relação do Frei Vitoriano Pimentel sobre as missões do rio Negro e Solimões”, inAnais doArquivo e da Biblioteca Pública do Pará , vol XII, p 405

23. “Relação do Frei Vitoriano Pimentel sobre as missões do rio Negro e Solimões”, inAnais doArquivo e da Biblioteca Pública do Pará , vol XII, p 412

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AFundação de Coari

AFundação de Coari

Fez a sua própria casa em Jeberos e lá viveu até falecer no dia 20 de março de 1725

A disputa final em relação à fronteira da Amazônia ocidental foi efetivamente implantada somente com a assinaturadoTratadodeMadrid(1750)e de Santo Ildefonso (1777), que dessa forma, sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.

Nos anos seguintes, chegou a umasoluçãodoembatecomoestabelecimento do Tratado de Madri que, a partir de 1750, reorganizou as fronteiras da Amazônia com base no princípio do uti possidetis (reconhecimento da posse da terranaformaqueseencontrava).

Coariéelevadaàcategoriadelugar

Em 3 de março de 1755, foi criada a Capitania de São José do Rio Negro, pretendia-se com o ato a consolidação do domínio português no

Amazonas.

No Regime Pombalino (1750 –1777), em que a administração das colônias portuguesas foi realizada pelo Marquês de Pombal, ficou estabelecido o Regimento Geral das Missões, em que determinavaemseu artigo2º quedeveria ser transformado em Lugar às aldeias commaisde150moradores.

Em 1759, o Governador da Capitania de São José do Rio Negro, Joaquim de Mello e Póvoas, elevou a aldeia de Coari à categoria de Lugar, substituindo o nome para Alvelos, pois havia a determinação do seu tio Marquês de Pombal para trocar os nomes de origens indígenas para nomes com ascendênciaportuguesa.

Nesse mesmo ano, sobre as ordensdoMarquêsdePombal,osjesuítas foram retirados à força das suas missões, sequestrados seus bens e finalmente, expulsos do Brasil. Deixando, em maioria, suas missões e missionados abandonados.

24. Refere-se ao período em que Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal exerceu o cargo de primeiroministro português, sob nomeação de Dom José I. Política e economicamente as medidas do regime Pombalino passaram peladiminuiçãodasamplasregaliasdequedesfrutavamdeterminadossetoresdanobrezaedaIgrejaCatólica,emparticular os jesuítas; pela busca da implementação de uma política de liberalização, ou redução, da dependência portuguesa em relação à Inglaterra. Contraditoriamente, no campo econômico permaneceu a predominância da política mercantilista do antigoregime.

25.Militardecarreira,MeloePóvoasera,naverdade,umpragmáticoaquemimportavaapenascumpriramissãorecebidae zelarpelosinteressesdeseuRei.Foitambém,maistarde,GovernadoreCapitão-generaldoMaranhão.

31 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Placa comemorativa ao trabalho de Samuel Fritz. Lago Lauricocha, nascente de Marañón (Peru)

AFundação de Coari

Resumo sobreaFundaçãodeCoari

“Coari foi fundada no princípio do XVIII pelo Padre alemão Samuel Fritz”-Éassimqueseresumeoinícioda história de Coari nas mais diversas literaturas que circulam na internet e nos prospectos com o “histórico” que são retransmitidos pela cidade de Coari com gravesimprecisõesqueaolongodanossa exposição e revisão bibliográfica esclareceremos e ilustraremos que em apenas uma pequena frase, há erros cruciais e decisivos que levam aos leitores entrarem em conflito quando se aprofundamnatemática.

A história de Coari vem sendo desenvolvida de uma maneira factual e sem pesquisa sistemática ou radical (em busca da raiz do fato histórico). E dessa forma, faz com que estejamos sujeitos a contrassenso históricos e descuidos na construção do conhecimento sobre a origemefundaçãodeCoari.

Fritz apesar de ter os seus pais com nacionalidade alemã, não era alemão, como chegamos a expor, ele nasceu no Reino da Boêmia, que ainda

hoje faz parte da República Tcheca, apesar de que na época do seu nascimento, a Boêmia estava sobre o domínio da Áustria e alguns autores o definirem de nacionalidade austríaca. Contudo, ele ao se matricular na Faculdade de Filosofia da Universidade de Carlos e Fernando, em Praga, se autodenominou‘tchecodeTrutnov’,uma viladaBoêmia.

SamuelFritzFundouCoari?

Durante nossos estudos sobre a história de Coari tivemos a oportunidade de examinar três obras literárias com traduções do diário de Samuel Fritz, a primeira obra foi de Rodolfo Garcia (IHGA)organizadapeloProfessorRenan Freitas Pinto, fragmentos em monografias peruanas de “Noticias auténticas del famoso rio Marañon (1738)” do padre Pablo Maroni, missionário da Província de Quito entre 1729 e 1742, e por último “Journal of the travelsandlaboursoffatherSamuelFritz intheriveroftheAmazonsbetween1686 and 1723” de Rev Dr George Edmundson.

32 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Mapa Elaborado por Samuel Fritz

AFundação de Coari

Se considerarmos que o “Diário deSamuelFritz”éoprincipaldocumento histórico sobre a região do Solimões, é estranho não se observar nessa importante fonte histórica qualquer citação sobre a fundação de Coari ou visitadeSamuelFritzaolagodeCoari,da qual diversos autores atribuem a ele. Afirmando inclusive que o missionário boêmio seria o responsável pelo descimento de várias tribos ao local da antigaFreguesiadeAlvelos.

E acrescentamos ainda que existe um fato que caracteriza efetivamente essa constatação: em seu celebre mapa do RioAmazonas, iniciado a elaboração em 1689 e publicado em 1707, em Iquito: Não há nenhuma referência da localização do rio ou lago deCoaricomseusafluentes(Urucu,Aruã (Aroan), Coari Grande, Itanhauã e Juma) no referido mapa desenhado com bastantesdetalhes.

Podemos observar a sequência dos Rios: Tefé e Catoá (Catuá) na

margem direita, Copéa na margem e esquerda,emuitodepois,oRioCachuara (conhecido hoje como Purus) Dessa maneira, podemos constatar que Fritz desconhecia Coari e não fundou nenhuma aldeia ou fez quaisquer descimentos de indígenas no lago de Coari.

Acreditamos que, tal equívoco foi gerado devido à disputa pelas terras das missões expandida de Maynas no Solimões entre Samuel Fritz e o Frei português Vitoriano Pimentel, que segundoseurelatodeviagementre17021703passouporessaregiãodorioCoari eatribuiuaslocalizaçõesdestruídaspelas tropas portuguesas como missões de Fritz, como uma forma de encobrir a grande matança indígena e a fuga da naçãodosJurimáguasparaoPeru.

La Condamine (1701 - 1774) emsuagrandeviagempelorioAmazonas encerra a imprecisão desses dados com seudepoimento:

26. Parecer do frei carmelita Victoriano Pimentel, membro da Junta das Missões. Carmo do Grão-Pará, 4 de outubro de 1738(In:CEDEAM,1986,doc.7).

33 Nunca Mais Coari Archipo Góes
CorteAmpliado do Mapa de Samuel Fritz publicado em 1707.

AFundação de Coari

“Coari(1744)éaderradeiradas seis povoações dos missionários carmelitas portugueses; as cinco primeiras são formadas dos restos da antiga missão do Pe. Samuel Fritz, e composta de um grande número de diversas nações, a maior parte transplantadas. As seis acham-se na margem austral do rio, onde as terras são maisaltas,eháabrigodeinundações”.

Para enriquecer nossas argumentaçõeseapontaroutrosviajantes que discordam que Fritz tenha fundado Coari,passamosareportaradescriçãode Alvelos no Livro “Viagem pelo Brasil”, escrito pelos médicos J. B. von Spix e C. F. P. von Martius, alemães que viajaram peloBrasilnosanos1817à1820:

“Alvelos, chamado Coari pelos índios, foi uma das missões fundadas pelos carmelitas e abrigava primitivamente selvícolas das tribos dos Solimões, Jumas, Juris, Pacés, Uaiupís, Irijús, Purús e Catauixís. Os atuais habitantes, na recíproca mistura e convívio com os brancos, renunciaram à sua língua e a outras particularidades da tribo”.

Partindo do princípio que em seudiário,Fritznãofeznenhumamenção a fundação ou descimento de indígenas na região de Coari, fato este confirmado com a não ilustração do rio Coari no seu mapa descritivo do Rio Amazonas, chegamosàconclusãoqueosautoresque transcreveram sobre a história da fundação de Coari, o fizeram sempre de forma positivista, ou seja, fatos sendo analisados isoladamente, sem nenhum embasamento histórico que considerasse os relatos do Padre Samuel Fritz em seu trabalhomissionárionorioSolimões.

Outro fato que efetivamente demonstra que Fritz não fundou Coari sãoosrelatosdosviajantesecronistasdo século XVIII (La Condamine, Spix e Martius) transcritos acima. Em que, os

mesmos atribuem aos missionários Carmelitas que trabalhavam a serviço da coroaportuguesa.

As análises profundas em torno do Diário de Samuel Fritz verificando suas viagens, descimentos de aldeias fez comqueosprofessoresHumbertoLisboa eAntonio Porro defendessem a teoria de queaúltimaaldeiafundadaporFritzfoia Missão de Nossa Senhora de Guadalupe, atual Fonte Boa. Conforme mapa de Porronapáginaseguinte.

Concluímos também que a fundação de Coari precisa ser contada não só pela versão dominante do invasor europeu, mas também pela ótica dos povos da floresta, que há muitos anos viviam nessa região e já desenvolviam uma rica cultura, antes da chegada do conquistador.Sendoassim,concordamos com o Cônego Francisco Bernardino de Souza em atribuir a fundação de Coari aosIndígenasJurimáguas:

Jurimaua's: Valente tribo de índios do Solimões e verdadeiros fundadores da Freguesia de Coary

Missionada esta tribo pelos Carmelitas, foi depois perfidamente arrancada a eles por jesuítas espanhóis, que com parte dela fundaram uma povoação no Guallaga ou Nuallaga.

Foram os Jurimáguas, que no Coary prestaram hospitaleiro acolhimentoaocapitãoPedroTeixeirana voltadesuaviagemaQuito.

Apesar de as primeiras missões com descimentos de aldeias indígenas serem obras dos padres Carmelitas, os Jurimáguas foram os legítimos fundadores de Coari. Aqui viveram e desenvolveram sua cultura milenar e conforme o “regime das águas” habitavam as ilhas dessa região, fazendo seus rituais ao deus sol na Praia de Jurupari, próximo a atual sede do municípiodeCoari.

27. Primeiro mapa descritivo do rioAmazonas que foi muito reproduzido e estudado em toda a Europa durante os séculos XVIIIeXIX

28.TambémgrafadaJurimáuasouYurimáguasedeSolimõespelosportugueses.

34 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Mapa de Antônio Porro cientificando que Fonte Boa foi a última missão or ganizada por Samuel Fritz.

35 Nunca Mais Coari Archipo Góes
AFundação de Coari

Os Muras e Mello e Póvoas

Os Muras e as notícias de Melo e Póvoas sobreAlvelos

Um dos grandes problemas no século XVIII para desenvolver a região domédioSolimões,alémdadistânciados grandes centros urbanos, foram os ataques dos ferozes Muras às povoações e embarcações que transitavam nessa região. Veremos a seguir fatos envolvendoMeloePóvoaseosMuras:

1. Desde as primeiras décadas do século XVIII, os índios Muras se constituíram em um grande problema para a colonização dos Confins OcidentaisdaAmazônia,devidoaosseus repúdios ao convívio com os adventícios portugueses.Nosanos30daqueleséculo, o governador do Estado, os agentes régios e os moradores acreditavam que seria imperativo se fazer uma guerra justa a tais indígenas. No entanto, outros interesses políticos não permitiram que a tal guerra acontecesse. Contudo, a guerra aos Muras nunca saiu da agenda política dos colonizadores, mesmo, sob a luz do Diretório dos Índios.

2. Conforme a carta de Melo e Póvoas, em 1759, o governador informa que iria remover o destacamento militar do lugar Alvelos pelo fato de entender que os seus moradores já formavam um “corposuficienteparapoderevitartodoo insulto que lhes quisessem fazer os Muras”.

3. Sobre a agricultura, também recomendou que o diretor dessa povoaçãoincentivasseaculturadocafée do anil, fazendo com que os índios os plantassem nos seus sítios. No Lugar de Alvelos, cuidarem os diretores para que façam arrozais pelo comum da população, para ser vendido na capitalda Capitania,ondeseriafácilavenda.

4. Quanto à produção agrícola, diversos relatos dão conta de que essa atividade era quase inexistente, entre os índios aldeados da Capitania do rio Negro.Porexemplo,ogovernadorMello ePóvoas,nofinaldoseumandato(1760), se referindo aos habitantes do Lugar de Alvelos, afirmou que teria achado aquele Lugar na maior miséria que se poderia considerar,“bastadizerquenãohaviaem todoaqueledistritoumpédemaniva”.

5. 1765 - Outras discórdias tambémocorreramentreosdiretoreseos vigários em diversas povoações por invasão de competências, por exemplo, o diretordeAlvelos,capitãoSimãoCoelho entrou em conflito com o padre Manuel dasNeves.

29.CartadeJoaquimdeMelloePóvoasparaFranciscoXavierdeMendoncaFurtado.Barcelos,15dejaneirode1760(In: CEDEAM,1983,doc.10).

30.(Cf.SAMPAIO,1985,pp.136-145).

31.CartadeJoaquimdeMelloePóvoasparaFranciscoXavierdeMendonçaFurtado.Barcelos,16dejaneirode1760(In: CEDEAM,1983,doc.13)

32.(CartadeJoaquimdeMelloePóvoasparaFranciscoXavierdeMendonçaFurtado.Barcelos,16dejaneirode1760.In: CEDEAM,1983,doc.13).

36 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Indígena Mura inalando Paricá

6. Nesses tempos era comum que as escoltas militares efetuassem as chamadas “varreduras” pelos confins da CapitaniadoRioNegroparacombateros Muras, ou pelo menos afugentá-los para bem longe das povoações. Por exemplo, em 1759, uma escolta comandada pelo capitãoAniceto Francisco executou uma que saiu do Lugar de Alvelos, no Solimões, onde convocou a tropa que precisava para entrar no mato e realizar a varredura; percorreu todas as margens e lagos do Rio Coari, por onde costumavam andar os Muras. Mas, “não topou com pessoa alguma sendo o motivo desse mau sucesso, o estar o rio muito cheio, e ter-se recolhido todo o gentio p a r a o c e n t ro d o m a t o a o n d e costumavam passar o inverno” .

7. Outra frente de índios em descimento ocorreu no lago de Mamiá. Em março de 1786, o diretor Vila de Alvelos deu notícias daquele estabelecimento ao tenente-coronel João Batista Mardel. Disse que ficava a meiodia de viagem da Vila; já existiam quatro casas, das quais três eram bastante grandes; tinha bastante milho e estavam fazendo roça de mandioca. Disse, também, que estava socorrendo com farinhademandiocanaformaordinária,e que os indígenas estavam contentes, ao que lhe parecia. “Deus os conserve: a gentejáandamaisdescansada”.

8. No estabelecimento de Mamiá, João Batista Mardel dizia que os índios que estavam chegando da região do Madeira trazendo a “notícia de que os Mundurucus fizeram entre os parentes daquele domicílio horrível carnagem e quetambémporessacausasequeriamvir

estabelecer”

9.NosistemafluvialSolimõesJapurá e no rio Negro, os Muras, inicialmente, também atropelaram a colonização, mas sem alterar o desenho colonial. Mais tarde, porém, também forçaram as autoridades régias coloniais a criarem novos núcleos coloniais para abrigá-los. Não mais pela beligerância, mas pelo surpreendente pedido de paz aos agentes da Coroa portuguesa. Assim sendo, surgiram as povoações de Manacapuru;SãoJoãoBatistadeAmaná; São João Batista do Japurá; São Pedro de Mamiá, e Piorini Além, do aumento demográfico indígena de Serpa, Borba, Coari, Airão, Autazes etc. Porém, essas povoações luso-amazônicas tiveram como um dos componentes decisivos para as suas edificações, as atitudes políticas beligerantes ou pacíficas dos índiosMuras,aolongodoséculoXVIII.

Indígena Mura

33.CartadeJoaquimdeMelloePóvoasparaFranciscoXavierdeMendoncaFurtado.Barcelos,15dejaneirode1760(In: CEDEAM,1983,doc.9)

34. O lago de Mamiá está situado na margem direita do Solimões, na região deAlvelos (atual Coari, sede do município do mesmo nome). Nessa localidade se desenvolveu uma povoação que recebeu a denominação de Lugar de São Pedro do Mamiá.

35. Carta de Domingos Macedo Ferreira para Joao Batista Mardel.Alvelos, 27 de marco de 1786 (In: BPCEDEAM, n.o 5, 1984,p.64).

36.CartadeJoãoBatistaMardelparaJoãoPereiraCaldas.Ega,6deabrilde1786;CartadeDomingosdeMacedoFerreira. Alvelos,27demarçode1786;CartadeJoãoPereiraparaCaldasJoãoBatistaMardel.Barcelos,24abrilde1786;Relatório deJoãoBatistaMardelparaJoãoPereiraCaldas.[Ega],(In:FERREIRA,1974,pp.138-143).

37 Nunca Mais Coari Archipo Góes
36 ali
Os
Muras e Mello e Póvoas

Coari dos Viajantes – (Relatos)

Descrição de Coari reproduzida pelo

Pe.JoséMonteiroem1768

“O rio Coari desce de sul para o norte; - e fica a sua barra principal em 4 grãos de latitude austral. Chamo a esta barra principal, porque tem outra pouco mais superior, e bastante estreita. A largura deste rio é de duas léguas; posto que ele se diminua muito em poucos dias de navegação. É inavegável um mês, ou pouco menos. E segundo as informações de alguns índios da nação Catauixi, que descerão dele, para Alvelos, tem a sua origem, e fonte em uma campina larga, e dilatada.Nãoachei,todavia,anotíciaque dá Mr La Condamine, me parece mui provável, de que na dita campina fora visto gado vacum. Dobrada a ponta, em que está o lugar de Alvelos, se vem três rios diferentes, que fazem barra na mesma baia, ou tronco. O primeiro, e o mais oriental é o Coari continuado. O segundoéoriochamadoUrucuparanã.O terceiro, e o mais ocidental é o rio Urauã, ou Cuanü, cujas navegações também não sãodilatadas.

No rio Coari habitaram em outrotempoosíndiosdaNaçãoCatauixi, e Juma, dos quais se “descerão” alguns, para o lugar, que hoje é Alvelos. Porém, após introduzidos os Muras no referido rio,passouorestodaquelesíndios,parao lago Tabauão, que deságua na margem ocidental do Purus, e para o rio Juma.As águas do rio Coari são negras. As suas margens e praias são mui vistosas. É abundantedetartarugasepeixe.Temóleo deeupaybaealgumasalsas.

Quatroléguasacimadabarrado Coari está situada na margem oriental deleolugardeAlvelos...”.

Descrição de Francisco XavierRibeiro deSampaio(1775)

No ano de 1775, Alvelos

37.Fozderioouderiacho

recebeu Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio que ocupou o cargo de Ouvidor e Intendente Geral E ao chegar encontrou com diretor do “lugar” o senhor Domingos de Macedo Ferreira, em que, atribuiu-lhe os seguintes adjetivos: “homem desinteressado e zeloso”. E fez a seguinte descrição de Alvelosemseudiáriodeviagem:

“A povoação tinha tido aumento em vários descimentos; mas naquele ano tinha padecido grave diminuição por causa do contágio das bexigas, morrendo dele muitos indivíduos, e desertando outros para o mato, como costumavam nessas ocasiões. A igreja, a casa do diretor e a do vigário achavam-se em estado ordinário e, em geral as casas dos índios. Não havia plantação alguma, porque os moradores não podiam cultivar os seus terrenos centrais devido aos índios Muras, e serem os mais próximos inundados de saúvas”.

Antônio Ladislau Monteiro Baena em sua obra “Ensaio corográfico sobre a província do Pará” faz uma descriçãodeAlvelos(1780):

“Alvelos: lugar dentro do termo daViladeEga(Tefé)fundadoemterreno plano e alto na margem direita do rio Coari obra de quatro léguas acima da sua foz sobre uma ampla baía formada pelos rios Urucu eArauá, que se lhe unem pelo ocidente. Este lugar, distante 145 léguas da foz do rio Nhamundá, confim oriental da comarca no Amazonas, teve o primeiro assento no canal de Paratari sobre a margem esquerda oito léguas acimadasuaentradainferior:desteponto transmigrou para a margem direita do riacho Uanamá meia légua acima da boca;dalitransferiu-separaaparagemde Guajaratiba doze léguas acima do rio Manacapuru, e daqui passou para o rio Coari, onde permanece, e teve primeiramente otítulodeAldeiadeCoari.

38.RoteirodaViagemdaCidadedoParaatéasúltimasColôniasdoSertãodaProvíncia-EscritonaVilladeBarcelosPelo VigárioGeraldoRioNegro,OPadreJoséMonteironoanode1768

38 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Numera-se na sua população 41 homensbrancos,38mulheresbrancas,88 mamelucos,75mamelucas,51índios,61 índias, 5 escravos e 3 escravas: tudo em uma só rua, que corre entre umas barreiras medianas e um igarapé, cujas águassãolouvadasdeboas.

Já teve 300 fogos (casas), hoje só tem 168. A Igreja é consagrada a Senhora Santa Anna, tem cobertura de telha, e os domicílios são cobertos de ramagem.

As multiplicadas formigas, que infestam as terras, acanham muito a abundância que poderia gozar este lugar: também o molestam com frequência desabridas trovoadas: e a distância de 4 léguas, que o separa do Amazonas, não lhe permite a comunidade de utilizar-se das suas ilhas, que são muito aptas para váriasplantas.Háaliananasessingulares nadoçuraenavariedadedasespécies.

Ainda no ano de 1780 existiam neste lugar, alguns indígenas descendentes dos guerreiros Jurimáguas, que benignamente hospedaram o Capitão-Mor Pedro Teixeira na tornada da sua memorável viagem a Quito começada em outubro de 1637: nesse tempo aqueles silvícolas ocupavam magna extensão de terreno, e as ilhas adjacentes pouco acima da enseada do Camará. Em 1709 eles formavam uma povoação, que jaziadefronte do rio Juruá emparagemnominadaTayaçutiba”.

Relato de Southey em 1788 sobre a formaçãodopovocoariense.

Alvellosficanopróximogrande rio,o Coary, ou Coara,aquatroléguasde sua foz e, como Ega, na margem arenosa de uma bela baía. Em 1788, sua população não chegava a trezentos, muitos dos quais eram soldados portugueses casados com índias; os outros, uma reunião heterogênea de muitas tribos (Solimões, Jumas, Passes, Uayupes, Irijus, Purus, Catauixis, Uamanis,andCuchivaras).

Suas habitações eram casebres miseráveis feitos de estacas e palha; e qualquer disposição que pudessem ter para cultivar a terra foi impedida pela devastação de uma espécie de formiga chamada saúva, que era tão numerosa e tão destrutiva que nada sofreu que eles plantassem para crescer. Em outros aspectos, a situação é agradável e saudável, e está totalmente livre daquela praga de insetos alados com a qual o Orellanaestátãoterrivelmenteinfestado.

Entre seus colonizadores estavam os principais remanescentes do Solimões, outrora tão numerosos, segundoumaderivação,quederamnome aorio,dafozdoMadeiraparacima.Aqui também estavam alguns Catauixis, um povonotávelportermanchasbrancasem várias partes do corpo, com as quais não nasceram, mas que aparecem à medida que vão crescendo até os vinte anos de idade, e que parecem ser infecciosas. A doença não é considerada dolorosa ou prejudicial, e alguns membros da tribo estãolivresdela.

Não havia falta de atividade entre os habitantes desta pequena cidade; eles trouxeram gado para lá, um grande meio de civilização, onde eles não se multiplicam tão rápido e tão facilmente a ponto de tornar-se o povo meramente carnívoro. Eles tecem algodão, fabricam esteiras e cerâmica, coletam produtos silvestres e extraem de ovos de tartaruga, aquele óleo espesso que é tão procurado emtodooPará.

Os Muras mantêm relações amistosas com eles e trazem tartarugas e salsaparrilha em troca de facas e machados;masessesselvagensnãoserão persuadidos a abandonar seu próprio modo de vida, e agora não há pessoas zelosas o suficiente para aprender sua língua com o objetivo de tentar recuperálos.Estacidade,quecomotodasasoutras acimadoMadeira,eraoriginalmenteuma aldeia carmelita, foi várias vezes removida, antes de ser estabelecida em seu local atual pelo Frei Mauricio Moreira.

39 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari
dos Viajantes – (Relatos)

Coari dos Viajantes – (Relatos)

Descrição de Alvelos pelo Fr Caetano Brandão-1789

“Dia 11: Pelas 9 da manhã chegamos à boca do rio Coary, por onde subimos a demandar uma povoação nossa em distânciade quatro léguas. Este rio corre do Sul ao Norte, baixando das serranias do Cusco; navega-se agora acima por espaço de alguns meses. Logo que entramos nele, sentimos todos um alivio muito considerável; dissipou-se quase inteiramente a praga; ar fresco e sadio; águas cristalinas inclinando um pouco para a cor do alambre; praias de areia muito alva e limpa. Parece que o Senhor compadecido da nossa fadiga tinha aparelhado de propósito aquele lugar tão ameno para o nosso refrigério. Era noite cerrada quando chegamos ao porto de Alvelos, que é o nome da povoação.

Dia 12: Pela manhã visitada a Igreja, e feito ornais, que é do costume, procurei instruir o povo com uma longa Prática. De tarde crismei os meninos; e como era Domingo fomos em procissão pelas ruas cantar o Terço de nossa Senhora;concluiu-seoatocominstrução aopovo.

Dia 13: Celebrado o incruento Sacrifício, houveram algumas confissões. Examinei os meninos da Doutrina Cristã, que achei algum tanto atrasadospordesmazelodospais;porque o Vigário constou-me não faltava à sua obrigação; depois instruí o Povo largamente, e com assaz força invectivei contra um escândalo público, e de consequência, que havia no Lugar. GraçasaDeus,nãofoisemfruto;quando menos esperava, vem ter comigo o culpado; expõe-me a sua miséria com demonstrações de arrependimento; pede que o ajude a arrancar do atoleiro; dispenso com ele sobre alguns embaraços,queoretardavam,enãoeram alheios da minha jurisdição? Fica saltandodealegria;easseveraporquanto há de mais sagrado, que dali em diante

quer cuidar na sua salvação com toda a eficácia. Depois de jantar crismei os adultos, que não eram muitos pela razão, que fica apontada a pag. 329; e por estar algum tanto cerrado do peito pouco falei ao Povo. Enfim, dadas as providencias necessárias, nos recolhemos às canoas, e nessamesmanoitesaímosdaqueleporto.

Alvelos é Povoação pequena; nãochegaacontartrezentaspessoasentre índios e moradores; está situada, sobre um belíssimo areal ao longo da grande baia, que ali forma o rio com vista mui desafogadaealegre.

Que gosto não era ver aos pobres índios da esquipação depois de três semanas de trabalho violentíssimo, e não menos incomodo dos impertinentes insetos (que neles fazem maior estrago pelos acharem nus, como vão remando comumente) que gosto, digo, não era vêlos estendidos por aquela praia à sombra de viçosos arbustos, já se banhando na cristalina água, já folgando com os Jacarés, e outros peixes! Consolei-me muitodequetivessemestealivio;etodos o sentimos. Mas tornando a descrição do Lugar, as casas são de palha, e muito danificadas; a Igreja, ainda que também coberta de palha, não fora má; mas presentemente inclinada toda para uma banda ameaça grande perigo: trabalha-se emaprontaroutra,ejáestáemboafigura; émuitopobredeornamentosealfaias.Os moradores, que ordinariamente foram Soldados vindos do Reino e casados com índias, vivem pobremente por falta de braços para cultivarem à terra; além de ser esta muito infestada da formiga chamada saúva, inseto, que segundo me afirmaram,nãodeixavingaralgumacasta de plantação. Tem suas cabeças de gado vacum; porém o seu sustento ordinário são tartarugas, de que há abundância. É Lugar frequentado pelos Gentio Mura; trazem tartarugas, frechas, e salsa, e os moradores lhe recompensam com facas, machados, mas não há como puxá-los a vida social, e menos ao grêmio da Igreja; sendo o maior obstáculo a ignorância do idioma.

40 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Dia 14: era 7 horas da manhã quandochegamosàbocadoCoary,elogo fomos prosseguindo a subida pelo rio Solimões, procurando a Vila de Ega. É para admirar quanto a praga infesta as margens deste rio: apenas chegamos a ele, repentinamente nos vimos cercados da mesma nuvem de pium, que antes nos incomodava”. (Amaral,1818)

Narração de Manuel Ayres de Casal e Pero Vaz de Caminha em Corografia Brasílicaem1817–Coary.

“Este Distrito fica entre o rio do seu nome e o principal braço do Purus com 34 léguas de largura na frente, ou partesetentrional.OsMurassãovizinhos doSolimões,osPurupurús,Catauixís,eo centro do país em outras nações selvagem.

TrêscanaisdoPurusregamuma porçãodaparteorientaldestacomarcana proximidade do Solimões: o Cochiuara, queestáoitoléguasacimadoprincipal;o Coyupanna seis léguas acima do precedente, e o Arupanná, que é o mais ocidental.O Primeirodá tambémo nome a esta porção do distrito. Por todos se tira cacau,salsaparrilha,eóleodecopaíba.

Alvelos, vila pequena, situada sobre uma grande enseada num vistoso areal, 4 léguas acima da boca do Coary, do qual teve noutro tempo o nome. Seus habitantes, pela maior parte descendem dos Uamanys, Solimões, Catauixis, Jumas, Irijús, Cuchiuaras e Uayupés, colhiam cravo, cacau, copaíba e salsaparrilha; e fazem muita manteiga de ovos das tartarugas, que são numerosíssimas, e bebem do rio, cujas margenssãodeareiaalva,evistosas,eas águas um pouco alambreadas, e excelentes A Matriz, que a orna é dedicada a Santana. A indústria consiste em olarias, tecidos de algodão e esteiras. As formigas fazem grande estrago nas lavouras.

Esta vila principiou sobre a margem oriental, e oito léguas acima da

foz do rio Paratary, donde o Padre Frey José da Magdalena a mudou para a mesma do riacho Guanamá, que deságua na setentrional do Amazonas abaixo do braço oriental do Hyapurá: daqui a mudou o Padre FreyAntônio de Miranda paraosítiodeGuarayatyba,queficamais a Leste sobre a margem do Solimões, duas léguas abaixo do grande canal do Purus; donde finalmente a mudou Frey Maurício Moreira para a paragem, onde existe.

As ilhas de que o Amazonas nesta extensão é cheio, foram por algum tempo habitadas pelos índios Omáguas, nomes que significam cabeças chatas por costumarem as mães aperta-las aos filhos enquanto pequenos com duas tabuinhas; o que os fazia bem conhecidos entre as outras nações. Acabou o abuso, desconhecem-se hoje as suas descendências.

O Rio Coary deságua numa enseada do Amazonas de quase duas léguas de largura; e junto dele o Urucuparaná e o Urauhá, aliás Cuanú, ambos de curta navegação. Doze léguas acima sai ao Solimões o rio Catuá, e seis mais ao poente o Cayamá abundante de salsaparrilha; e mais adiante a ribeira Giticaparana, que significa rio das batatas,esai5léguasabaixodoTefé”.

Relato sobre Coari em 1819 – Spix, J.B.eMartius,C.F.P.V.

Na obra “Viagem pelo Brasil”, escrito pelos médicos J. B. von Spix e C. F. P. Von Martius, alemães que viajaram pelo Brasil no século XVIII, eles narraramcomencantamentodoistrechos quefalamdeCoari.

“Alvelos, chamado Coari pelos índios, tinha sido uma das missões fundadas pelos carmelitas e abrigava primitivamente silvícolas das tribos dos Sorimões, Jumas, Júris, Pacés, Uaiupís, Irijús,PuruseCautaunixís.

39.Segundososautores:“OsCarmelitascalçadosforamosfundadoresdetodasasparóquiasdoSolimões”.

41 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)

Os atuais habitantes, na recíproca mistura e convívio com os brancos, renunciaram à sua língua e a outras particularidades da tribo. Achamos, nessa ocasião, apenas poucos moradores presentes, pois a maioria dos homens estava longe, nas caçadas ou no preparo da manteiga de tartaruga. De fato, já desde tempo minguava continuamente a população do lugarejo. As bexigas, e muito recentemente febres intermitentes malignas, causadas pelo transbordamento do lago, dizimavam de quandoemquandoapopulação,que,sem o socorro médico, ainda mais depressa sucumbe. Infelizmente, em toda a província do Rio Negro não há um médicodiplomado.

Entre os índios presentes, conhecemos dois, mostrados pelo padre, ambos de mais de 100 anos de idade, e, apesar disso, eram ainda de incrível robustez e vivacidade Na tradicional impassibilidade e indolência dessa raça de homens baseia-se a propriedade de só tardeenvelhecereperderosdentes.

Dois dias antes da chegada desses pesquisadores em Coari tinha acontecido uma tragédia.Assim eles nos relataram: “Dois dias antes, um enorme jacaré, que vivia na vizinhança, e conhecido de todos desde muito tempo, havia virado a igara (canoa) de um índio queregressava,eodevorara.Vindoainda como a terrível fera e a sua geração brincavamcomacabeçadodesgraçado,e toda a povoação estava tão aterrada diante do horrível espetáculo, que renunciamos ao projeto de percorrer de canoa as margens circundantes do lago”. (Spix,1938,pág.252-254)

Descrição de Alvellos por James Hendersonem1821

Este distrito estende-se entre o rio do qual toma o seu nome e o braço principal do Purus, com cento e vinte milhas de largura na parte norte. O Rio Coary dá também o seu nome a esta porçãododistrito.Nasmargensdolagoé

possível recolher o cacau, a salsaparrilha eoóleodeCopaíba.

Alvellos, uma pequena localidade,estásituadasobreumagrande baía, quinze milhas acima da foz do Coary, da qual anteriormente tinha o nome. Os seus habitantes, na sua maioria descendentes dos Uamanys, Solimões, Catauixis, Jumas, Irijus, Cuchiuaras e Uaupés, recolhem cravinho, cacau, copaíba, e salsaparrilha, e fazem manteiga a partir dos ovos da tartaruga, que são muito numerosos; e são também empregados na confecção de louça de barro, tapetes, e na tecelagem de pano de algodão. As formigas são aqui particularmente destrutivas.

As ilhas com as quais o rio Solimões nesta parte está cravejada, foram durante algum tempo habitadas pelos índios Omáguas, nome que significam cabeças planas, do costume que as mães tinham de comprimir as cabeças dos seus filhos entre 2 tábuas, distinguindo-as assim de outras nações. Este costume cessou e os seus descendentes são desconhecidos hoje em dia.

Narrativa da passagem do Pacífico ao Atlântico através dos Andes nas províncias do norte do Peru descendo pelo rio Amazonas até o ParáHenriqueListerMaw-1828

“Aosol-posto,umadistânciana direção do Oeste, um pouco norte, estendia-se até ao horizonte, tendo duas pequenasilhasnomeiodacorrente.

A largura ali seria de 1 légua e meia a duas léguas, mas ignoro se ambas as margens que vimos eram da terra firme, ou de alguma ilha. Como o vento era forte, arribamos no rio Coary, o qual deságua no Amazonas, vindo do sul. Os Índios deram-nos a entender que havia umachácaranamargemdireitadoCoary, pouco acima donde nos achávamos, e uma povoação chamadaAlvelos, situada numlago,distantedoisdiasdejornada.

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Coari dos Viajantes – (Relatos)

Coari dos Viajantes – (Relatos)

Enquanto paramos para cozinhar na sexta-feira, fomos ao mato apanhar alguns bocados de pão para o fogo, e achamos algumas castanhas, da qualidade das que se exportam do Brasil. Aárvore de que havia caído igualava um elmo grande em circunferência, mas era duas vezes mais alta, e direita, e só tinha ramos na extremidade em cima. Encontramos também algum cacau bravo, mas o fruto não estava maduro; as árvorescrescemcomoasaveleiras,tendo o tamanho de uma pereira. O fruto é produzido logo do talo, e da parte mais grossa dos ramos: quando não está maduro é duma cor verde, mas quando maduro é amarelo carregado, e assemelha-se a um pequeno melão oval, ou um grande pepino grosso. Cada amêndoa é coberta com uma substância carnuda doce e branca, e tem camadas de bagos, havendo cinco destes em cada uma. À meia-noite abrandou o vento, e outra vez fomos com a corrente pelo Amazonasabaixo”.

Elevação à categoria de Freguesia de Alvelos-1833

Para se entender a organização administrativa colonial é preciso a compreensão que a estrutura administrativa de Portugal era realizada por categoria, em que temos em ordem crescente: aldeia, lugar, freguesia (paróquia), vila e cidade. Segundo o professorHumbertoLisboa: “A organização de uma paróquia ou freguesia se referia a um termo que se sobrepunha ao conceito de povoação, já que esta tinha uma conotação simplesmente de um aglomerado de gente à beira do rio, sem nenhuma organização política ou judiciária.AcriaçãodaParóquiatambém estava na importância espiritual que os moradores atribuíam na organização de umacomunidade.

O padroado era uma aliança entre igreja e governo, o segundo

protegendo o primeiro, se intrometerá nos negócios da igreja, chamando para si o direito de cobrança e administração dos dízimos eclesiásticos ente outras coisas concernentes a Igreja. Cabia aos monarcas a apresentação dos nomes dos escolhidos para ocupar o cargo das Dioceses, das Paróquias e outros benefícios eclesiásticos”.

Em 1832, nossa região passou por um estado de espírito bastante agitado, com vários conflito e tensões, isso devido ao Movimento Autonomista do Rio Negro (levantes précabanagem). Por esses motivos, em 1833, o Império Brasileiro em um processo de abrandamento fez as seguintesalteraçõesnasleisvigentes: · A Província do Grão-Pará foi dividida em três comarcas: GrãoPará, Baixo Amazonas e Alto Amazonas(1833-1850).Estaúltima era aproximadamente o território da antiga Província do Rio Negro (1824-1833). A Comarca do Alto Amazonas foi governada primeiramente pelo interventor militarGasparValenteCordeiro.

Nesse mesmo ano (1833), AlvelospassouacategoriadeFreguesia e na denominação religiosa foi intitulada de Paróquia de Nossa Senhora da ConceiçãodeAlvelos.

Narrativa de uma viagem de Lima ao Pará por William Smyth e Frederick Loweem1834.

No dia 27 de abril de 1834 entramos no lago de Coari, cuja foz está vinte e uma milhas abaixo de nosso último local de descanso, tendo tido tempestades incessantes de trovões e chuva durante os três dias anteriores de viagem de Egas, que, como o vento estava sempre contra o riacho, produzia tal ondulação nessa vasta extensão de água que frequentemente éramos obrigados a correr entre os juncos para nosabrigar.

40.Acategoriadevilanascolôniassignificavaquehaviaostrêspoderesnalocalidade:Executivo,LegislativoeJudiciário.

41.NãohárelatosquehouveadesãoàCabanagememAlvelos.

42.Freguesiaéonomequetem,emPortugalenoantigoImpérioPortuguês,aumadivisãoadministrativacorrespondenteà paróquiacivildeoutrospaíses.NoBrasil,duranteotempodacolônia,afreguesiaeraexatamenteomesmoqueemPortugal, nãohavendodistinçãoentrefreguesiaeparóquia.

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Afoz do Coari não tem mais de um quarto de milha de largura, mas na distância de meia milha nip, ela se expande em um lago que tem quatro milhas de diâmetro; na entrada dela, à esquerda, fica um pequeno povoado chamado Coari, mas a cidade com esse nome fica doze milhas mais acima e do mesmoladodolago.

Quando chegamos ao meio do lago, uma forte rajada veio e nos obrigou a correr com o vento em um pequeno riacho parcialmente protegido por árvores,masque,devidoàalturadolago, ficava no fundo da água, e um mar considerável passava por eles, de modo que em nosso porto não estávamos totalmente isentos de medo de sermos inundados Passada a tempestade, saltamosdenovoeremamosatéacidade, onde chegamos entre três e quatro horas damanhãdodia28.

Coari parece muito bonita da água:ficaemumpedaçodeterrenolimpo coberto de grama, e ao fundo é abrigado pela mata: as casas estão espalhadas sem qualquer ordem ou regularidade; os habitantes são principalmente da tribo Catauxis, e são cerca de trezentos e cinquentas em número. Essa tribo ocupa toda a parte baixa do rio Coari, cujas partes altas estão em posse de várias tribos guerreiras, que não admitem comunicação com estranhos. Seus produtos são salsaparrilha, manteiga e cera preta; um pouco de arroz e milho indianotambémsãocultivados.

Conseguimos novos homens paranoslevaratéaBarranoRioNegro,e descemos até a foz do Coari, onde fizemosjejumparapassaranoiteentreas árvores.

Passagem por Tauá-mirim pelo francêsFrancisdeCastelnau

Devido à força do vento só conseguimos avançar com muita dificuldade; talvez por isso a ilha de Camará-Coari nos pareceu muito maior doqueaparecenomapadeSmyth.

Àsdezdanoite,semtercomido, adentramos o lago de Coari e nos aproximamos de umas casas situadas na sua margem oriental, a um terço de légua da entrada. Só com muito trabalho conseguimos acordar os moradores, mas eles se recusaram a nos ceder qualquer mantimento.

Como eles asseguraram que a nossa outra embarcação ainda não havia passado, dei somente algumas horas de descanso aos remadores e continuamos a viagem.

Expedição nas regiões centrais da América do Sul, do Rio de Janeiro a Lima e de Lima ao Pará realizada por ordem do Governo francês durante os anos1843a1847sobadireçãodeFrancis de Castelnau (traduzidas e anotadas por AntônioPorro).

Paul Marcoy em Coari - 1848

Nomesmodia,comosolapino, chegamos à entrada do lago de Coari. Esse lago, em forma de elipse, tem 6 léguas de comprimento e 2 de largura. Três rios pequenos que saem das profundezasdaflorestavindos do Sul, do SudoesteedoOeste,oCoari,oUrucueo Arauá, concorrem para formá-lo. Dois furos ou canais, o Isidoro e o Bauá, formaram uma via de comunicação a leste com o lago Mamiá e o rio Purus; na mesma margem, o riacho Pera concorre com suas águas e, ao norte, um canal chamado Coraci-Mirim o liga ao Amazonas.

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AfozdolagodeCoarificaperto docursodoAmazonas,umavantagemou desvantagem que o distingue de outros lagosquesósecomunicamcomogrande rio através de canais de comprimento às vezes considerável.Aprimeira coisa que se observa ao entrar no Coari é um povoado de seis casas cobertas de palha notopodeumaelevação.Olugarchamase Tauá-mirim. Ao pé da elevação, doze casas menores agrupam-se em pitoresca desordem; mas elas, ao invés de serem construídas em terra firme como as outras, apoiam-se sobre jangadas ou balsas, singularidade que merece uma explicação. Nas grandes enchentes do Amazonas a água, depois de cobrir as praias, extravasa para o lago cobrindo a colina que serve de suporte ao povoado de Tauá-mirim e deixando-o totalmente inundado. Surpreendidos pela água, os moradores correriam o risco de se afogar em seus próprios lares se as casas flutuantes não estivessem à mão para servir de refúgio. Com a ajuda dessas arcas da salvação eles deixam o povoado submerso e vão ancorar numa enseada próxima onde ficam até que o recuo das águaslhespermitevoltaràssuascasas.

Quando passamos por TauáMirimaáguaestavabaixaetodoopontal era visível com seus veios de argila azulada e ocre vermelho. A solidão e o silêncioreinavam;osúnicosseresvivosà vista eram alguns pombos empoleirados num dos telhados limpando as penas ao sol. Esse povoado da margem esquerda de quem adentra o lago é somente um posto avançado sem interesse. O lugar principal, assinalado nos mapas brasileiros como a Freguesia de Coari, fica4léguasadiantenamesmamargem.

Chegamos a ela pelas seis da tarde, quando estava sendo celebrado o casamento de um soldado com uma mulher Tapuia As autoridades civis, militares e eclesiásticas do lugar haviam se unido à população nativa para conferir maiorpompaecircunstânciaaoevento.A cachaça, que corria livremente desde a manhã, havia enrubescido as faces e elevado acima do normal o tom das

guitarras. Foi-me imediatamente estendido o convite para participar do divertimento geral, mas eu recusei prontamente alegando uma dor de cabeça. Conduziram-me então a um quarto contíguo ao salão de baile e me deixaramsozinhoatéamanhãseguinte.

Como a festa durou a noite toda e os gritos dos presentes, o som dos tamborins e das guitarras e, principalmente,asterríveispancadasque de quando atingiam a parede que me separava dos festeiros me impediram de pregar olhos, eu naturalmente cheguei à conclusão de que a hospitalidade que me proporcionaram era uma forma Tapuia e algo selvagem de me punir por ter-me recusadoaassistiraocasamento.

Ao raiar do sol deixei a minha redeecomosolhosinchadospelafaltade sono saí para conhecer a Vila de Coari, pois na noite anterior só lhe dera uma olhadela.Fiqueichocadocomafeiuraea melancolia do lugar Imagine-se, na margem de um amplo lençol de água, preta como tinta de escrever, imóvel e densa, um pedaço de terra coberta de capim rasteiro e amarelado; sobre esse chão, onze casas cobertas com folhas de palmeira num espaço de cento e cinquenta metros e, algo recuada, uma igreja que mais parecia um miserável celeiro com o reboco caído e o telhado afundadoemváriospontos.

Aqui e lá, completando o quadro, havia algumas, cuieiras e laranjeiras plantadas pelos carmelitas portugueses que no século XVII fundaram no lugar uma missão chamada Alvelos. As cuieiras, nuas, dobradas e quebradas pela idade; as laranjeiras, ao invés de folhas e frutos, carregadas de longos pendões de um musgo-branco chamado salvagina que dava a aparência develhosalquebradoscobertosdetrapos. Acrescente-se a isso, a título de animação, cinco ou seis vacas magras andando de porta em porta, como a pedir aos seus donos um pasto melhor do que o capim-amarelo, e ter-se-á um quadro precisodamatrizdeCoari.

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Se a aparência dessa cidade fantasma é lúgubre e deprimente, a do lago, por outra parte, é mais animada, especialmentequandosopraumventodo sul,oqueocorrenosmesesdesetembroe outubro. Grandes ondas batem então na margem derrubando lhe trechos inteiros e, ao se quebrarem, cobrem as casas de um fino chuvisco. Quando agitado pelo vento, o imenso lençol de água torna-se turvo;oacreeargiladofundovêmàtona dando-lhe uma tonalidade verdeacinzentada que só pode ser comparada à palidez de um negro morto. Durante sete a oito meses ao ano, o lago de Coari pode receber embarcações de cinco a seis de calado; mas com a chegada do verão, o seunívelbaixadiaadiaque,noclímaxdo calor, se reduz a um estreito canal de comunicação com o Amazonas. O lodo exposto causa sezões que moradores evitam retirando-se para os seus sítios, pequenas roças de mandioca ou café no meio da floresta; cada um é provido de uma ajupa, ou pequeno abrigo feito com folhasdepalmeiras.

Embora eu tivesse ficado só quarenta e oito horas em Coari, o tempo foi mais que suficiente para transformar em melancolia o meu bom humor. Uma visita que o padre me fez, seguida de um naco de carne de carneiro acompanhado deumanotagentil,nãofoisuficientepara dissipar a tristeza que me possuía. Só recuperei o meu humor habitual quando deixei a vila atrás de mim e avistei de novooAmazonas.

O lago Mamiá, que desviamos paraexaminarquandopassamosdefronte à sua embocadura, é um lençol de água preta de cinco a seis léguas de circunferênciaalimentadoporumrioque vemdointerior.Comunica-secomolago de Coari através do canal Isidoro de que já falamos. Algumas famílias de Muras viviam nas suas margens, aparentemente ignaras dos projetos que o cura de Coari acalentava para o seu futuro. O bom padre conseguira do comandante da Barra do Rio Negro autorização para fundar uma missão entre os Muras do

Mamiá. Tendo construído as casas necessárias ele sugeriu, como me disse, empregar os conversos no plantio de dez mil mudas de café que, no devido tempo setornariamumanotávelfontedereceita. Umavezque,ohomemdeDeus nos havia pedido sigilo não pudemos, qualquer que tivesse sido a nossa intenção, informar os Muras através do piloto sobre o futuro risonho que o padre lhesestavapreparando.

Exploração das regiões equatoriais ao longo dos rios Napo e Amazonas Fragmento de viagem realizada nas duasAméricasnosanos1846-1848 Gaetano Osculati e Emilio Cornalia

No dia 26 chegamos de madrugadaàfozdoRioCoary,paraonde nos reunimos com os vigilantes até a feitoria d'Aquari, propriedade de um certo David, judeu de Gibraltar, onde lançamos âncora. O rio tem a aparência de um grande lago. No tempo que obrigatoriamente tínhamos que ficar lá para carregar 100 alqueires de castanhas do Maranhão por conta de Neil-Bradly, aproveitei imediatamente para nos reagrupar em uma pequena canoa com cinco índios e ir para Freguesia de Alvellos, que era distante apenas três léguas, onde cheguei depois de cinco horasdeviagem.

Encontramos a localidade na margemesquerdaefoieminenteobservar a situação pitoresca do lugar: o clima é ruim e os habitantes estão sujeitos a febres terciarias e tifoides.Aaldeia é um aglomerado de casebres formando um único bairro com uma igrejinha dirigida por um missionário de nome padre Pereira,aresidênciadeumcomandantee deumdelegadocivil.

O Rio Coary, segundo informações recebidas do próprio Padre Pereira, divide-se posteriormente em três grandes braços, formando assim três rios distintos denominados Coary, UrucuparanáeGuani.

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Coari dos Viajantes – (Relatos)

Esses afluentes descem do alto Peru, irrigam as regiões agrestes da vasta região do Rio Negro e são navegáveis comcanoasatésuasnascentes.

Em Alvellos há um lucrativo comércio de castanhas de Maranhão, bálsamo de copaíba, goma elástica e estopa de pele de onça. A ricota dessas nozes, do tamanho de um coco, muitas vezes é fatal para os pobres índios que vasculham as matas, pois as árvores que dão esse fruto são muito altas, quando atingem a maturidade perfeita, se desprendem ao menor sinal pelo vento e ele cai, quebrando a cabeça daqueles infelizescomseupesoecomsuadureza.

Um Naturalista no RioAmazonasHenry Walter Bates

No dia 18 de abril de 1850 passamos pela Boca do Mamiá, rio de águas pretas, e 19 chegamos na entrada doladodeQuarí.Nãoépropriamenteum lago,masaexpansãodosleitosunidosde vários afluentes do Solimões, formada pelo movimento lento das águas dos tributários que se espalham sobre o grande vale aluvial plano, para o qual descem das regiões mais altas, em vez de diretamente despejar-se na corrente rápida do Solimões. Daí para diante quasetodososafluentesapresentamestas expansões de seus leitos formando uns como lagos. O mesmo fenômeno toma grande variedade de formas e é igualmente encontrado no Tapajós e outrostributáriosdobaixoAmazonas.

A boca do Quarí, o canal que uneolagoaoSolimões,temapenas200a 300 jardas de largura (274,32 m), e de correnteza muito fraca. Tem meia milha de comprimento, e abre-se numa larga superfície de água sem imponente magnitude, pois é apenas parte do lago que forma um cotovelo agudo em sua parte inferior de modo que não pode ser todo visto de uma vez. Há uma pequena aldeianaspraiasdaparteinferior,hádoze horasdeviagemporbotedaembocadura. Fundeamosdentrodabocaevisitamosna

montaria dois ou três moradores, cujas casas são construídas em situação pitoresca nas praias do lago inferior, não muitoparadentro.

Vários pequenos igarapés navegáveisdeságuamaínopéumanesga terra entre dois ribeiros, atravessando extensasplantaçõesdecafé,feitasaesmo entre as árvores da mata. Um dos moradoreseracertojudeudeGibraltar,aí estabelecido há muitos anos, e completamente adaptado com os modos de vida dos habitantes semicivilizados. Encontramo-lo de pés no chão, calças arregaçadas até acima do joelho, muito ocupado com certo número de índioshomens, mulheres e crianças - a descascar e secar cacau, que cresce espontâneo e em imensa profusão nos arredores.Pareciapessoavivaesensível; era grande admirador da terra, do clima, dopovo,enãotinhadesejodevoltarpara aEuropa.Foioúnicojudeuqueencontrei no Alto Amazonas; há vários estabelecidos em Santarém, Cametá e Pará, onde, como são muito mais honestos em suas transações do que os portugueses, fazem muito comércio e vivem em termos amigáveis com os brasileiros.

Nosso objetivo aqui era comprar sortimento de farinha fresca e qualquer coisa mais que pudéssemos encontrarprovisões,poisnossafarinhajá estava mofada, e imprópria para comer e já estávamos em pequenas rações há alguns dias. Conseguimos tudo que necessitamos, excerto açúcar. Não se encontrou nenhuma libra deste artigo de luxo, e fomos obrigados d'ai por diante adoçar o café com melado, como é costumegeneralizadonessaregião. DeixamosQuaríantesdonascer do sol do dia vinte. Vinte e dois penetramos no paraná-mirim do Arauanai, um dos numerosos furos que oferecempassagemparaasembarcações, longe do rio, e não raro poupam longa volta em volta de uma ilha ou promontório .(Bates,1944).

43 - Viagem originalmente redigida em inglês numa viagem com destino a vila de Ega num vapor com 4 pessoas: 2 passageirose2tripulantes.

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Diário da primeira viagem do vapor “Marajó” de Belém à Nauta pelo Amazonas, em setembro de 1853, por AnacletoEliziariodaSilva

Às4horasemeiadatardedodia 21desetembrode1853fudemosnaboca do Coary; a entrada é bastante estreita, e dentroforma-seumlagoougrandebacia, mas com pouco fundo. A povoação de Alvelosficadistante5léguasdestelugar, econsta-mequetem32fogos,sendopela maior parte pequenas casas cobertas de palha.

Na boca do Coary há 26 fogos muito disseminados, e tornando-se mais notáveis duas casas grandes, uma de um ex-tenente chamado Simões Sourem, homem de bastante idade, e a outra pertencente a um negociante David Abdarham,denaçãoIsraelita.

Tãodepressaancoramos,fomos à terra na casa do judeu e tivemos a certeza que não havia uma só acha de lenha, nem neste local, nem tão pouco na povoação do Alvelos. Fomos então, à casa do Simões, e tivemos a mesma notícia. Nesta colisão consultamos o Sr. comandante e o conde Florestan, comissário do governo, e observamoslhe o que devíamos fazer, era dar direção a mala do correio e aos ofícios, e seguir viagem. Opinei que não subíssemos o rio em primeiro lugar, pela pouca profundidade que existe no canal estreito que segue para a povoação, e estando o rio na sua vazante, sujeitava a embarcação a ficar encalhada por muitos meses.

Em segundo, por termos exata informaçãodequehámuitooshabitantes de Alvelos tencionavam mudar a povoação para a boca do Coary, prova de que a povoação é insignificante, e que o ponto importante será sempre a boca do Coary.Além disto a boca do Coary é um ótimolugarparafundaçãodeumagrande povoação, sendo muito fértil, com belos terrenos elevados, onde a cheia, por

maior que seja, nunca chegará, e muito abundante de peixe; convidamos o Sr. conde a que se responsabilizasse por escrito, e então seguiríamos; ele não anuiu ao convite, e o comandante foi da nossaopinião.

Às 11h seguimos viagem, depoisdefazerentregadamalaeoofício da presidência ao Sr Ten. Simões, pai do inspetor do quarteirão, única autoridade dolugar,eseencontravaausente.

Namesmaocasiãooficiamosao subdelegado e comandante policial (as cópias dos ofícios existentes), requisitando-lhes 5.000 achas de lenha, duasembarcaçõese6pessoasparanodia 8 de outubro estarem no Coary aguardandooregressodovapor

A costa do Coary toda ela é elevada, e é de uma terra que parece barro... Chegamos ao Coary no dia 24 do outubro, às 13h30min, encontramos lenha (cerca de 4 mil achas); e estando a testa o comandante de polícia Antônio José Pereira Guimarães, logo que amanheceu começou-se o embarque da lenha, com embarcações e gente de terra. Recebemos 2.802 achas de ótima qualidade, que pagamos a 40R$; contratamos com este senhor o fornecimento futuro da lenha a 40R$ cada acha, o solicitamos-lhe que fizesse umabarracadepalhaparaabrigá-la.

Não sofre questão que a freguesia deAlvelos deve ser na boca do Coary; e consta-nos que Alvelos tem 7 fogos e 38 habitantes, sem contar com os índios muras, que vivem alguns nas imediações; e em todo o distrito consta haver 150 fogos e 800 almas, sendo a extensão do distrito mais de quatro léguas,excetuandoocentrodoslagos.

Os gêneros que exporta são: 3.000 alqueires de castanha; setecentas arrobas do cacau, 40 canadas do óleo de copaíba, 2.000 à 3.000 arrobas do peixe seco, 500 potes de manteiga de tartaruga e peixe-boi, 40 arrobas de salsa, e 300 arrobasdecafé.

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Coari dos Viajantes – (Relatos)

Há ali madeiras, sendo as mais notáveis o pau rosa, itaúba, itaúba-deigapó, jaracutáca, tanimbuan, guariuba, anaxy-maracá o angelim; estas não são em abundância: na margem do Solimões nestesarredoreshámuitocedro,edefácil extração. Para marcenaria encontram-se marapá-oba, sabuarana, cedro, mirapiranga. A saboarana não é abundante.

Há 4 malocas de índios muras, sendo uma no lago Acará, outra no lago Codajás, outra no lago Puirimis, e outra no lago Mamiá; é gente de maus costumes e mandriona. Não consta que haja minas de carvão. Toda a costa de Coary, e dentro do lago que se forma na sua boca há muita abundância de barro vermelho e branco. Novamente repetimossermuitovantajosaamudança da freguesia de Alvelos para a boca do Coary, sendo esta a vontade da maior partedoshabitantes.

Na boca de Coary oferece um lindo local, muito abundante de peixe (mais que na freguesia), e próprio para uma grande povoação: já tem muitas casas, e dizem todos ser muito fácil a mudança. Da boca do Coary à freguesia doAlveloshá9léguas,eémuitocheiade baixas; seis meses não é possível os vaporessubirem.

Saímos do Coary à 1h30min do dia 25. Às 7h30min desse dia fundeamos devido a uma grande trovoada e a noite estar muito escura; às 9h30min do mesmodiaseguimosviagem.

RiodeJaneiro:CorreioMercantil–Nº34 –3defevereirode1854

Segundo Jobim: A criação da paróquiadeN.S.Sant'Anadatadoanode 1774, segundo um mapa organizado pela “SecretariadegovernodoAmazonas,em 30 de setembro de 1860. Ao ser inaugurada a província, pertencia à paróquia de Coary ao terceiro distrito eclesiástico, sendo vigário da vara o Rev. padreLuísGonçalvesdeAzevedo.

Em 1854, João Wilkens de Matos trouxe informações sobre a freguesia deAlvelosemseuRoteirodeViagem

“Já não havia mais índios bravos. Atualmente não habita horda alguma gentílica nos rios Coary, Urucu e Aruã, segundo informações de pessoas acostumadas a navegá-los para colherem castanhas de que muito abundam as suas margens. A freguesia de Alvelos incluía em seus domínios doze casas de palha, e uma população de 1.100 habitantes, dos quais, mais de dois terços habitavam em sítioslongedasede.

Além da mandioca, plantão algodão,milho,tabaco,pescampirarucu, epeixe-boi,manipulammanteigadeovos de tartaruga, extraem salsa, óleo de copaíba,colhemcacau-silvestre,ealgum cravo.

A posição em que está este Povoado não oferece proporções para o seu desenvolvimento; é açoitada de ventanias fortes, o solo é árido e a distância em que está da foz do rio dificulta o acesso, principalmente no tempo da seca, por haver uma cachoeira (queda d'água) na parte mais estreita da baia, que só permite passagem a montarias.

Desejosos os habitantes de criar outro povoado junto da foz do rio, onde oferece outras proporções a sua prosperidade que não a atual situação. Emvirtudederepresentaçãodospróprios moradores,foiaPresidênciadaProvíncia autorizado por uma Lei Provincial promulgada de 30 de setembro de 1854 a transferir a Matriz da Freguesia para o lugardesignadopelamesmaPresidência, junto a foz do rio Coary, justamente aquelequeseassentahojeacidade.

Tendo a chuva continuado até a manhã do dia seguinte, ficamos privados de saltar, e visitar esta povoação; mas pelo que vimos de bordo, fizemos ideia doseuestado.

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Amudança da Freguesia deAlvellos para Coari

O precursor da mudança foi o italiano Gregório José Maria de Bene, religioso italiano da ordem dos Capuchinhos. Ele nasceu em 4 de junho de 1798, e chegou à América em 1844. QuandochegouaoBrasil,trouxeconsigo otítulodeFrei,sendomaistarde,pertode sua aposentadoria, promovido para padre.

No primeiro momento, o frei Gregório participou da revolta em São José do Queimado, no Espírito Santos, sendo o principal causador daquela insurreição. Depois veio para a província do Grão-Pará, atuando com os povos indígenasnoRioNegro.

No ano de 1854, o agora Padre Gregório estava com 56 anos e ao pedir sua exoneração, foi transferido para a freguesia de Alvellos, no rio Solimões. No dia 1º de agosto de 1854, o presidente daprovíncianomeiaoFreiGregórioJosé Maria Bene a exercer as funções de Vigário na Freguesia de Alvellos no município de Coary, que foi separado de Tefé(Ega)em1848.

O vigário, Gregório José Maria Bene foi o primeiro a mudar-se de Alvellos para “Coari Novo”. Trouxe consigoossinosdaigreja,quelogocaiue destruiu-se. Trouxe também as poucas ornamentações religiosas (antipêndio e púlpito),tudomuitosimples,masricoem significadosimbólico.

Ele idealizou e construiu a nova capela, que continuou a ter a invocação da avó de Jesus O local onde foi construída a primeira igreja em “Coari Novo” seria hoje a praça Santana, no bairroTauá-mirim.

O Vigário Gregório veio acompanhado de alguns de seus paroquianos, que não tinham interesses enraizados na antiga povoação de Alvellos, ou logo perceberam as vantagens da mudança projetada. Uma vez que, naquele novo local não haveria problemas com as grandes ventanias, inundações, saúvas e isolamento, pois os barcos vapores poderiam chegar fácil

com mantimentos e em qualquer época doano.

No RioAmazonas (1859) - Robert

AvéLallemant

“Na tarde do dia 17 de julho (1859), passamos através duma entrada estreita, donde saía água escura, descendo com o Solimões, sem se misturar com ele, para um calmo e vasto lago, formado pelo Coari, pouco antes de suaembocadura.

O Coari é um rio muito semelhante ao Purus, que se estende do mesmomododo Solimões,nadireçãodo Sudoeste, até cerca de 10º de latitude sul. Mas ainda nada se conhece sobre seu curso. Um homem, que veio ver-nos a bordo, subiu-o durante 15 dias, sem ter encontrado seu fim. Uma selva ininterruptacobriasuasmargens.

Logo na margem oeste do lago, encontramos algumas casas, diante das quais flanava um público domingueiro misturado. A lenha para o vapor estava empilhada na praia, e assim que chegamos, o pessoal na margem começou a embarcar lentamente o combustível, e a levá-lo ainda mais lentamente para bordo, de maneira que a cena se transformou em verdadeira vadiagem,roubando-nosmuitotempo.

Toda a Natureza partilhava dessa preguiça. O lago de Coari semelhava um espelho diante de nós. O sol inclinava-se cada vez mais para a margem oeste do lago. Toda a região flutuava num mar de cores e emanações da floresta. Números golfinhos (botos) brincavam na superfície da água Os lombosprateadosvinhamàtona,fazendo pequenosremoinhoscintilantes.

Nas margens, bando de urubus gozavamasestanasárvores.Mas,depois do sol se pôr, tudo mergulhou em verdadeirosono.Aluzzodiacalflamejava no horizonte longínquo, muito alta no céu, rivalizando com o suave brilho da Via-Láctea, sob a bela constelação do Escorpião.AEstrelaPolarluzianocéuao norte, na sua marcha lenta, rodeada pelos Setentriões.

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Coari dos Viajantes – (Relatos)

Mas todas se retraíram, perdendo o brilho na amplidão do céu, quandoaluanasceu,ecomosseusclaros raios despertaram os milhares de vozes de animais para o mais singular dos concertos, de sorte que ficamos acordadosquasetodaanoite”.

Nesse momento, Coari estava com a sua sede em mudança de Alvelos, dentro do lago de Coari e próximo á foz d o r i o C o a r i G r a n d e p a r a a desembocaduradolagodeCoari.

Gonçalves Dias em Coari

Antônio Gonçalves Dias estava na Europa no ano de 1858, quando foi nomeado, pelo governo imperial para chefiar a seção etnográfica da Comissão encarregada de estudar as riquezas naturais do norte do Brasil. Em fevereiro de 1861, o prestigiado poeta chegou a Manaus, capital da Província do Amazonas, sendo logo nomeado pelo presidente da Província, visitador das escolas públicas do Rio Solimões e suas freguesias. Na viagem, o poeta e etnógrafo maranhense alcançou o Peru, e na volta entregou ao governo um relatório de sua viagem, descrevendo a situaçãodasescolasvisitadas,dosalunos edasfamílias.SobreCoaryelenarrou:

A primeira escola que me caberia visitar subindo o Solimões, seria a do Coary. Esta freguesia tem a sua sede dentro do lago do mesmo nome, e distante do lugar a que aporta o vapor umas seis horas de viagem em montaria. Uma lei provincial determinou a mudança da freguesia para o lugar da estação do vapor, mas parece que a medida tem encontrado pequenos interesses, de forma que ainda não foi realizada no todo. O vigário mudou-se com os sinos da igreja, que se desmantelou, trouxe os seus poucos paramentos, engenhou uma capela na nova localidade, e veio acompanhado de alguns de seus fregueses, que ou não tinham interesses enraizados na antiga povoação, ou compreenderam melhor as vantagens da mudança projetada e só em parte realizada. No entanto, o professor e algunsoutrosmoradorespermanecemno antigolocal.

Não me seria possível tentar uma viagem à povoação de dentro; porque o vapor não me daria tempo para isso. Era também inútil porque a escola não funcionava; mas felizmente o professor veio a bordo, onde tive ocasião deoveredeconversarcomele.

Disse-mequeaescoladoCoary nãofuncionavadesdeocomeçodoano,o que era devido no seu entender, em parte ànotíciadesuaaposentadoria,empartea mudança da freguesia: de que resulta que de fato ali não há escola primaria. Dá-se, além disso, uma circunstância digna de atenção. O professor me informou que a sua escola teve no último ano letivo somente dez alunos, em quanto a lei provincialfixaonúmerodedoze,comoo mínimo para que a escola mereça sua subvencionadapeloscofresdaprovíncia.

Com a mudança da matriz da freguesia, o lugar Alvelos desapareceu por completo, tendo desabado a sua última casa em 1899. Passou a ser conhecida também pelo nome de FreguesiaVelha.

A lei n° 132, de 29 de junho de 1865, que marcou os limites das freguesias da antiga província, determinouqueoslimitesdafreguesiade Coary seguissem a foz do lago Miuá, princípio da comarca do Solimões, até a ponta das barreiras de Camaraguary, ondeentravaafreguesiadeTefé.

Viagem ao Brasil, 1865-1866 - Luiz Agassiz, Elizabeth Cary Agassiz – O Coari—Processodetomarlenha

“13desetembro—Onaviofundeouesta manhãjuntodapequenaviladeCoari,no Rio Coari, um dos afluentes de águas negras. Demoramos aí algumas horas tomando lenha para a máquina. Essa operação se executa com tanta lentidão que um norte-americano, habituado em seu país com os processos expeditos, não acreditanoquevê.Umapequeninacanoa em mau estado, trazendo um carregamento de lenha, se afasta da margem, arrastando-se no rio com lentidãoaindaacentuadapelofatodeque, dosdoiscanoeiros,umseservedeumapá quebradaeooutrodeumavaracomprida.

51 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari
dos Viajantes – (Relatos)

Coari em 1867 pela lente de Albert Frisch. Podemos observar o igarapé de São Pedro e a rua Rui Barbosa no bairro deTauá-mirim.

N. ° 65. Coari novo - O Lago Coari, na divisa com o Amazonas com 100 habitantes, fundada há 10 anos. A antiga Coari, fundada pelos Carmelitas, em 1709, fica em uma península no meio do lago.

52 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)

Coari dos Viajantes – (Relatos)

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Archipo Góes
Nunca
Mais Coari Tauá-mirim 1867 - Hoje seria a rua Rui Barbosa -Albert Frisch Uma senhora com um caldeirão - Tauá-mirim 1867 - Albert Frisch Coari Novo - Tauá-mirim 1867 - Albert Frisch

Nunca assisti a tamanha apologia dos remos! Quando a frágil embarcação acaba enfim de encostar ao navio, oito ou dez homens formam fila, e a lenha passa de mão em mão, acha por acha, contada na ocasião. Agassiz tirou o seu relógio do bolso e verificou que, em média, entram a bordo sete achas por minuto. Com semelhante processo, compreende-se que, tomar lenha não é negócio para cinco minutos. Acabamos afinal por deixar Coari, e, daí em diante, vamos tocando quase as margens não de uma ilha,masasmargenscontinentais;com efeito, são tão numerosas e vastas as ilhas do Amazonas, que é frequente supormos que nos achamos entre a margem esquerda e direita do rio quando, na verdade, estamos num largo canal compreendido entre duas ilhas.(Agassiz&Agassiz,1938)”.

54 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari
Coari dos Viajantes – (Relatos)
Canoa no rio Japurá leva produtos ao mercado de Coari - Frisch,Albert 1867 Palmeira Caranã em Coari - 1867 - Albert Frisch

Descrição de “Coari Novo” por James Ortonem1870

“O Amazonas começou a se parecermaiscomumlagodoquecomum rio, tendo uma largura de quatro ou cinco milhas. Gaivotas flutuantes e botos rolantes lembram o mar. Coary é um amontoado de quinze casas, seis delas rebocadas,caiadaseladrilhadas.Situa-se junto a um lago com o mesmo nome — a foz expandida de um pequeno rio cujas águas são castanho-escuras e cujas margens são baixas e cobertas de arbustos.Aqui pegamos tartarugas e óleo detartaruga,castanhasecocos,borracha, peixesalgadoemadeira”.

Em 1873, num senso realizado, apresentou-se um total de 2.078 habitantes livres e 05 escravos, sendo 1.006 homens e 1.072 mulheres, 2.023 brasileirose55estrangeiros.

Coari no livro “Pará eAmazonas: pelo encarregado dos trabalhos etnográficos Cônego Francisco BernardinodeSouza”–1874

Ainda não é bem conhecida a nascente do Coary. Deságua no lago do mesmo nome, que dista 132 milhas (212,43 km) da foz do Purus. Tem o lago 12milhasdecomprimentoe5delargura. A antiga freguesia de Alvelos, criada em 1738,esteveassentadanoextremosul,na confluência dos 03 rios Coary, UrucuparauáeOurané.OCoaryéomaiorefica do lado leste. Conhecendo-o somente as pessoas que se empregam na colheita e extração de drogas. Tem-se chegado a caminhar por ele 33 a 40 dias. No inverno, de março a julho, navegam grandes canoas de 8 a 10 palmos de calado. No verão, como o abaixamento é

mui considerável, só passam igarités na parte superior. O seu curso não é longo; segundo o testemunho dos práticos, pode serestimadoem83a90léguas.

Alguns índios, diz o Exmo. Sr Dr Adolpho de Barros, tem passado do Purus para o Coary, e dão notícia de existiremcamposdegrandeextensãonas cabeceirasdesterio,osquaisvãoconfinar namargemesquerda.

O Coary não tem cachoeiras; as suas águas são pretas, bem como as dos outros dois rios, que com ele corre para o lago.Háumsócanalquecomunicaolago com o Solimões; fica do lado oriental e tem 2 milhas de extensão. Só nas vazantes extraordinárias é que não permite a passagem de navios que calem de8a10palmos.

Diz Baena que acima da foz do Coary acham-se as ilhas Jurupari e Juçaras, onde constantemente as tartarugasfazemoseudesovamento.

A vila de Alvelos (antiga freguesia do Coary) fica à margem oriental da baia do Coary, quatro léguas acima, foi sua primeira situação no rio Paratary, oito léguas acima da foz, donde trasladou-separaodesaguadourodolago Anamã, e dali para a ilha Guajaratiba, aonde depois passou-se para a atual situação.Em1768foielevadaàcategoria de lugar com a denominação deAlvelos; em 1833 foi qualificada simples freguesia, com a primitiva denominação de Coary, e por lei provincial do 1º de maio de 1874 acaba de ser elevada à categoriadevila,comonomedeAlvelos.

S e g u n d o o ú l t i m o recenseamento, é de 2.078 almas a população do seu termo. O rio Coary que formaabaiaemqueestáassentadaavila, é um afluente do Solimões, em que se lança, à margem direita, por duas bocas, entre os rios Purus e Tefé, ou mais perto, entreorioMamiáeoriachoUariaú.

55 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)

AVila de Coary

S e g u n d o o A l m a n a k Administrativo,MercantileIndustrialdo Rio de Janeiro de 1921, seus primeiros habitantes foram os irmãos Thomaz e Antônio José Pereira Guimarães, ou seja, depois da transferência da matriz da freguesia para a próximo á foz do lago de Coari, os irmãos Guimarães foram os seusprimeiroshabitantes.

A partir de 1854, a população, extraoficialmente, começou a chamar a Alvelosde“freguesiavelha”easuanova matriz voltou a ser chamada outra vez de “Freguesia de Coari”, seu nome com origemindígena.

Nodia1demaiode1874,Coari sofre uma significativa transformação na sua estrutura político-administrativainstitucional, pois pela Lei Provincial nº 287afreguesiafoielevadaàviladeCoari e pelo mesmo ato foi criado o município deCoari,desmembrandodeTefé.

Quinze mil milhas noAmazonas e seus afluentes

Por Charles Barrington Brown e William Lidstoneem1873

No dia seguinte àquele em que entramos novamente no Solimões, passamos por um vilarejo de aparência bem cuidada chamado Codajás, situado em uma faixa de terreno ligeiramente elevadaacimadalinhadeinundação;eno seguinte entramos na foz do rio Coary, onde ancoramos na cidade de mesmo nome. Este rio é estreito em sua entrada, mas se expande em uma grande baía um pouco acima, no lado leste da qual, em um terreno alto que se inclina gradualmente para uma bela praia, está a cidade de Coary, um lugar disperso contendocercadeseiscentoshabitantes.

Tendo o Chefe conhecido o Sr. Valente - Capitão da Guarda Nacional deste distrito - durante sua viagem de

Manaus ao Pará, nós agora fizemos uma visita a esse cavalheiro enquanto nosso vapor estava navegando. O Sr Valente recebeu-noscordialmente,fezashonrase mostrou-nosolocal.

Com ele fomos à casa de um comerciante, homem alto e de compleição forte, onde vimos pela primeiravezalgunsíndiosMiranha,entre os quais três moças corpulentas sentadas no chão perto da dona da casa, costurando.

Esses Miranhas provinham originalmente de aldeias acima das cataratas do Japurá, um imenso afluente do lado norte do Amazonas, tendo suas nascentes nas montanhas de Nova Granada. Eles não eram bonitos, tinham testas baixas e um semblante de tipo bastante inferior. Eles não eram tatuados, mas tinham pequenos orifícios nas lateraisdonariz.

Enquanto conversávamos com o Sr. Valente, vimos de sua porta aberta uma pequena ravina, do lado oposto da qual ficava a escola, uma velha casa de colmo em péssimas condições. Tendo suasparedesdebarrocaídodeseuspostes verticais por todos os lados, toda a economia interna do estabelecimento estavaexpostaànossavisão.Osmeninos pareciam mais animais selvagens em uma jaula do que frequentadores de uma tranquila escola de aldeia. Na época, os estudiosos estavam empenhados em gritar suas lições todos juntos no topo de suas vozes estridentes, e levantaram um barulhoqueressoouportodoolugar,mas acima do qual as ordens do mestre podiamserdistinguidasàsvezes.

Amaior parte dos habitantes da cidade, como de todas as outras cidades do Solimões, são essencialmente pescadores, que vivem da captura de pirarucu e também da coleta de ovos de tartarugasnaspraiasdoSolimõesdurante a época de postura desses répteis, de qual fabricam um óleo chamado óleo de Tartaruga.

56 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)

Coari dos Viajantes – (Relatos)

A quando da nossa visita, estando as praias vazias e o rio a baixar, muitas das pessoas encontravam-se ocupadasnessasocupações,masumbom número permaneceu, que vimos a pescar na foz de duas pequenas baías perto da entradadorio.

Ao deixarmos a extensão de águanegrasemelhanteaumabaíaforada cidade, ficamos muito impressionados com sua semelhança com uma baía de maré, algumas planícies de areia recentemente expostas sugerindo essa ideia. Logo passamos pelo estreito onde por uma curta distância as margens de ambos os lados do rio se erguem em altas falésias vermelhas do depósito mais antigo Acima disso, eles recuam, e nenhuma terra alta é vista novamente em ambososladosaomesmotempo.

Carta XXXVIII - Alto-Amazonas, Solimões,2deagostode1883

Aproximando-nos da ilha do Ariá, avistamos a boca do rio e lago Coary, em cuja foz, na margem direita, estásituadaaviladomesmonome.

Coary, que tem amplas e vistosascasasdehabitação,abarracadase algumas de sobrado ou primeiro andar, oferecendo risonha perspectiva, vista do rio, divide-se em dois bairros, num dos quais vivemos conservadores,e no outro os liberais. Os indivíduos que formam estes dois partidos, não convivem uns com os outros, a ponto de nem assistirem à missa na mesma igreja. Além d'esta grande desarmonia, estão quase todos comfebrespalustres.

O pároco de Tefé, único que existeemtodooSolimões,équemvema Coary ministrar os sacramentos, quando algum arrependido de seus pecados o mandachamar,custando-lheboasomade dinheiro. O Sr. Fortunato Antônio de Assunção, que há treze anos reside em Coary, e foi nosso companheiro de viagem, quando quis desposar-se

mandou vir de Manaus um padre a quem deu 300$000 réis, afora a passagem no vapor, alimentação, etc. De resto, todos por aqui pensam, em geral, mais nas coisas mundanas que nas divinas; sendo certoquenopaísondeexisteaescravidão de fato e de direito, não pode haver nem moralidade,nemvidasocial.

Esta vila, que conta atualmente 911 habitantes, foi fundada pelos índios datriboJurimáguas,umadasmaisbravas do Solimões, as quais prestaram acolhimento cordial ao cap Pedro Teixeira,navoltadasuaviagemaIquitos.

Depois de missionada pelos carmelitas, foi perfidamente arrancada a estes por jesuítas espanhóis, que com parte dela fundaram uma povoação no Huallaga!

Estes campeões do cristianismo não tinham, por certo, a educação cristã, que comprime o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres: esses dois flagelos que frequentes vezes lançam a amargura e o desgosto no seio mesmo da opulência.

Boletim da Sociedade de geographiadeLisboa.Portugal:Vol.15.

EscravidãoemCoari

Em 17 de junho de 1884, segundo o Jornal Carioca “Gazeta da Tarde”, Coari (Província do Amazonas) foi declarada livre de escravos conforme foi declarado pelos movimentos abolicionistas:

“Os senhores de escravos, que deviam ser os interessados em reagir contra o movimento emancipador, nenhuma resistência opuseram e antes concorreram para acelerar a resolução dessa importante questão Eles concordaram em receber as indenizações oferecida pela Lei Áurea e seu Regulamento e até esta data nenhum protesto apareceu que denotasse o menor descontentamento”.

57 Nunca Mais Coari Archipo Góes

As Regiões Amazônicas: estudos corográficos dos estados do Grão-Pará e Amazonas - José Coelho da Gama e AbreuMarajó-1896

Coary–Éumdosriosreputados mais abundantes do Alto Amazonas, sua foz é situada a 4° 3' latitude sul e na longitude 314º 18'; corre de sul ao norte; além da foz, cuja posição indiquei, tem uma outra um pouco mais acima e de menor largura. Logo próximo da boca é bastante largo, pois lhe dão perto de duas léguas; estreita, porém rapidamente é navegável em canoas por mais de um mês; é neste rio em uma planura elevada da sua margem direita, quatro léguas acima da foz, que está situado o povoado deAlvelos; junto a este lugar o rio forma umabelabaiaemquedeságuamtrêsrios. Destes,omaisorientaléacontinuaçãodo Coary, o segundo é o Urucuparaná, e o terceiro é o Urauá ou Arauá ou Cuamé, pois pelos três nomes é conhecido; suas terras abundam em salsa, óleo de copaíba,assuaságuassãopiscosasesuas praias das mais abundantes em tartarugas.

Foi habitado pelos índios Catauixis e Jumas, hoje, os índios que mais abundam são os Muras e os Miranhas; muitos dos últimos se empregamemserviçosdiversos.

Asua extensão ainda não é bem conhecida, nem as suas nascentes; tem alguns regatões em canoas por 40 dias e calculam a extensão percorrida, até àquele ponto ao qual podem chegar igarités,emcercade90léguas.

Até o ponto a que tem chegado, é livre de cachoeiras, e dizem os índios queemsuascabeceirashábelascampinas na margem direita; parece provável que estas campinas sejam aquelas que os exploradores do Purus noticiam existir muito no interior a 63 léguas, mais ou menosdafoz.

Através da lei Nº 729 de 15 de maio de 1886, o presidente da província do Amazonas, o juiz de direito Ernesto Adolpho de Vasconcelos Chaves, autorizou a liberação da quantia 20.000$ para o começo da edificação de uma igreja matriz de alvenaria na villa de Coary.

O decreto Nº 95-A, de 10 de abrilde 1891, no mandatodo governador Eduardo Ribeiro, criou-se a Comarca de Coary, com o termo anexo de Codajás, conservando os limites anteriores O termo instalou-se em 15 de novembro de 1890,eainstalaçãodacomarcaem30de junhode1891.

Coari Dividida – 1891 Courtenay De Kalb

Há dificuldades de navegação que afligem o piloto (prático) no Solimões. O canal está claro o suficiente até Coary. Esta cidade, no entanto, é de difícilacesso,sendoconstruídadentroda fozdoRioCoary.

Muitas cidades ao longo do Amazonas são assim isoladas, uma medida de precaução, como afirmam alguns,contraasdesagradáveisvisitasde antigos governantes tirânicos, mas é bem provável que a maior abundância de peixes menores e a maior segurança das margensdosafluentes,tiveramalgoaver comisso.

Outra peculiaridade de Coary é a sua divisão muito perceptível em duas partes tão distintas como duas vilas separadas. Um cavalheiro digno afirmou gravemente que este era o produto da hostilidade política, uma parte sendo os coarienses republicanos e a outra os coarienses conservadores. Eu não poderia dizer se seu olho brilhou ou não quando ele disse isso, mas outras cidades podemterumadicadisso.

58 Nunca Mais Coari Archipo Góes
* * *
* * * Dados descritivos do município de Coary (1900)

Dados descritivos do município de Coary(1900)

No novo dicionário da língua portuguesa deEduardoFaria,encontra-se:

Alvellos, paroquia do Brasil, na província do Amazonas, comarca do Solimões, município da vila de Coary, diocese do Pará, na margem meridional doAmazonas, a 20 quilômetros acima da embocadura do Coary. É a antiga aldeia deste nome fundada pelo padre Samuel Fritz, nos fins do século XVI: 2 202 habitantese12escravos.

Este povoado, que teve outrora 300 fogos, conhecido vulgarmente por Freguesia Velha, berço de Silvério Nery, já desapareceu totalmente. A sua derradeiracasafoidemolidaem1899.

Hoje,aantigafreguesiadeSant' Anna de Coary, ereta em vila pela lei n. 287 de lº de maio de 1874 por ato do presidente da então província, Dr. Domingos Monteiro Peixoto, e definitivamente transferida para a foz do rio Coary, à boca do lago do mesmo nome, possui uma importante intendência municipal, quartel, matriz em acabamento e oitenta fogos, entre os quais vinte e quatro estabelecimentos comerciais.

Está prestes a montar-se uma farmácia sob a direção do hábil farmacêuticoJoaquimBatalha.

É dividida cm dois bairros. São Sebastião ao norte e Sant'Anna ao sul, separados polo pequeno igarapé de São Pedro, seco no verão, e atravessado por uma bela ponte de madeira de lei de cem melros de extensão, mandada construir e inaugurada em 1896 pelo pranteado superintendente municipal Celso do Menezes. Uma escada lateral dá acesso aos passageiros que desembarcam ali durante a enchente, ocasião em que podematracarquaisquervapores.

A população da vila durante o fabrico da borracha e extração da castanha é de cerra de 4OO habitantes,

elevando-se este número ao dobro durante a estação calmosa de agosto a março.

Provém, em sua origem primitiva, das tribos Catuixys, Irijús, Jumas, Jurimáuas, Passés, Purús. Sorimões,Uaiupis,UamaniseUaupés.

Essas raças acham-se hoje fundidas com os elementos étnicos que hão trazê-lo o seu concurso ao rápido desenvolvimentodaAmazônia.

OsCatauxis,habitantesdosrios Capará, Purús, Coary, Tefé e Jurua, eram de natural foveiros, defeito este que lhes aparecia aos vinte e um anos e que se comunicavaporcontágio.

Os Irijús desceram do rio Branco, Os Jumas, aborígenes, até hoje conservam-se arredios da civilização, os Jurimáuas habitavam a região que vai do PurusaoJuruá.

O s P a s s ê s , a m e l h o r ascendência dos Coarienses, foram de todos os índios de que estes se originam, os mais avançados intelectualmente. Reconheciam um Deus supremo e a imortalidadedaalma.Eramagricultores.

Os Purús e os Sorimões habitavamasmargensdosgrandescursos fluviaisaquederamonome.

Os Uaiupis e os Uamaras vieram do Solimões, cujas margens povoavam.

Os dóceis e tratáveis Uaupés, originários do rio de sua denominação, distinguiam-se pelas orelhas e lábio interiorfurados.

Os principais traziam uma pedra polida cilíndrica, de cor branca, pendente ao pescoço por um cordão. Os mais considerados usavam-na com quatropolegadasdecomprimento.

Eramartistasecomerciantes.

Foram indígenas trasladados desta região que repovoaram os lugares, hoje extintos, de São Felipe e Santa Barbara, no rio Branco, quando estes ficaram destruídos pela insurreição da PraiadoSangue,naquelerio.

59 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Dados descritivos do município de Coary (1900)

Merece um sério estudo o desenvolvimento, ou antes, o renascimento da vida agrícola, da indústriapastoriledocomérciodavilade Coary.

Antigamente fazia-se a cultura do tabaco e algodão, havia a indústria de tecidos e redes e também de esteiras de palha, exercia-se a pesca do pirarucu e a manipulaçãodoóleodetartarugaepeixeboi, e das florestas extraia-se salsa, copaíba,cravoecacau.

Agora nada disto existe, a borrachamaislucrativaavassaloutudo.A lavoura a própria horticultura caseira é ummito.

Entretanto, conta-se no perímetrourbanoumapequenaplantação de coqueiros, arvores, aliás raríssimas no Amazonas.

O seu cultivo protegido em início pelos poderes locais. Tornar-se-ia uma fonte de riqueza para o município e paratodooEstado.

Um milhar de pés deles daria anualmente na praça de Manaus o bonito resultadolíquidode75:000$000.

A indústria pastoril limita-se a algumascabeçasdogadovacum,cabrum e suíno esparsas, e uma florescente fazendola no rio Ipixuna, de propriedade do súbdito italiano Camillo Vergani, a qual já conta mais de cem cabeças bovinas.

Há campos apropriados no município, onde, com o auxílio dos poderespúblicos,poder-se-iairiniciando essafuturosaindústria.

Auxílios pecuniários, proporcionais ao número de rezes importadas, pagos somente no ato da inauguração das fazendas, bem assim prêmios conferidos por um júri especial àqueles criadores que apresentassem maior número de exemplares, ou os mais belos, eis o que devem terem mira os administradoresdomunicípio.

A apanha da tartaruga é

realizada de modo bárbaro e anticivilizadorcomoseveremtodasaspraias dogranderioeseusafluentes.

D u r a n t e o p e r í o d o d a procriação, o seu perseguidor, para que elas não fujam, vira-as de costas em número superior ao que pode transportar, abandonando depois as que não chega a conduzir as intempéries do sol que as asfixiaematainexoravelmente.

Por outras vezes, os currais enchem-se de tal quantidade desses anfíbios que eles se amontoam, perecendo os que não conseguem vir respirar o carbono vivificador a flor das águas.

Contraesseabusodeveoperaro governo do município e insurgir-se o do Estado, tomando medidas prontas e enérgicas e criando uma lei protetora, a exemplodoquesefaznaEuropaondena primaveraevedadoodireitodecaça.

O comércio de Coary é grande. Na vila há estabelecimentos comerciais, muitos dos quais exercem o tráfico de regatões. Contribuem pela última coleta 1:900$ para o fisco municipal com 5:970$000 de imposto de indústria e profissão.

A coleta geral do município sobreesseimpostodeveatingira33:000$ oquerevelaapujançadoseumovimento comercial.

A cobrança é feita por uma quota igual para todos, O que não é de certo equitativo e proporcional, porquanto pagam o mesmo ônus grandes epequenoscomerciantes.

Lembramos o alvitre de arbitrar-se uma quantia certa e determinada para o referido imposto e encarregar-se a uma comissão de comerciantes a distribuição das importâncias com que cada um deve contribuir conforme o capital com que gira, apresentando dentro de um prazo o resultado dos sons trabalhos ao juízo do poderexecutivomunicipal,aexemplodo quesepraticanosuldopaís.

60 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Dados descritivos do município de Coary (1900)

Dados descritivos do município de Coary (1900)

C o n s i d e r a n d o q u e o s comerciantes de menor escala pagam sem reclamar, por não ser excessiva a contribuição existente, é claro que ela deve ser insuficiente e parca para os de maior escala que lesam assim o município, cujas rendas ficam prejudicadas.

Apesar da malévola campanha de descredito contra a vila de Coari, podemos afirmar sem rebuço que de quatro anos a esta parte, é ela um dos povoadosmaissalubresdoAmazonas.

Atualmente é admirável o seu estado sanitário. Durante o primeiro trimestredesteanotiveramlugarnavilae seus arredores apenas 3 óbitos dos quais um de um indivíduo vindo de fora gravementeenfermo.

É de 38, portanto, a soma dos óbitos sucedidos durante o ano de 1899 na vila e seus arredores, inclusive dois indigentes desembarcados para sepultar vindosdoPiorininomêsdemaio.

Não houve falecimentos por moléstia contagiosa, beribéri, nem assim natimortos.

As crianças são robustas e sadias. O computo dos nascimentos pelo registrocivilédeficiente,comoemtodaa parte, pela falta de instrução cívica do nossopovo.

Desde a lei do casamento civil temsidorealizadonavila138consórcios sendo14em1899.

A terra é abundante de caça e pesca.

Na tapera da Freguesia Velha à pouca distância da sede deste município, abundaoveado,aantaeapaca.

O lago é pingue de toda a sorte de peixe, aparecendo em outubro a piracemadecamarões.

Há cinco praias de tartarugas queabastecemàpopulação.

Além da sede, possui o município um certo número de povoados nascentes.

No lago de Coari cita-se o lugar Isidoro com uma dezena de fogos esparsos onde se festeja anualmente o orago(padroeiro)S.José,iníciotalvezde

alguma dessas célebres romarias, pelas quaiséidólatraonossopovo.

Existealialgumgado.

No Solimões, abaixo do desaguadouro de Coary, notam-se os povoadosdeCamarácomgrandenúmero de almas e escola pública, Barro Alto, Copeá,nocanaldomesmonomeeCaioé, norioPioriny.

Acima daquela embocadura, há osítioCoanarú.

Finalizamos aqui a nossa exposição acerca do município e vila do Coary, tendo sido nosso único fite concorrer para a sua reabilitação perante a opinião pública, presentemente tão mal orientada sobre esta futurosa e importantefacçãodapátriaamazonense.

Criação da Brigada de Infantaria de Coari Senado Federal Secretaria de Informação Legislativa

DECRETO Nº 3.989 de 13 de abril de 1901

Cria uma brigada de infantaria de Guardas Nacionais na comarca de Coary,noEstadodoAmazonas.

O Presidente da República dos Estados Unidos doBrasil,paraexecuçãododecreton.431,de14 dedezembrode1896,decreta:

Artigo único. Fica criada a Guarda Nacional da comarcadeCoary,noEstadodoAmazonas,uma brigadadeinfantaria,comadesignaçãode14ª,a qual se constituirá de três batalhões do serviço ativo, ns. 40, 41 e 42, e um do da reserva, sob n. 14, os quais se organizarão com os guardas qualificados nos distritos da referida comarca; revogadasasdisposiçõesemcontrário.

Capital Federal, 13 de abril de 1901, 13º da República.

M. Ferraz de Campos Salles. Epitácio Pessoa

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61 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Professor Góes - 50Anos de dedicação a Coary

Dissertaremos sobre uma das principais personalidade de Coari no âmbito da educação, saúde, judiciário e história. Benedicto Edelberto de Góes, nasceuemSãoLuísnoMaranhãoemdata desconhecida, na segunda metade do séculoXIX.

Para ingressar nas instituições de ensino superior na segunda metade do século XIX era necessária a aprovação dos estudantes nos Exames Gerais de Preparatórios,eoprofessorGóesfezseus examesem2deoutubrode1873.

No dia 23 de maio de 1884, Benedicto Edelberto de Góes deixou o cargo de procurador da Câmara Municipal de São Luís e foi nomeado DespachanteGeraldaAlfândega,navaga deixada pelo Sr. João Nepomuceno Hermes de Araújo, que se retira para a provínciadoAmazonas

Deu entrada na guarda da primeira companhia da Guarda 44Nacional do Maranhão, e em 3 de junho de 1885 foi promovido de guarda a Alferes (Antigo posto militar, equivalente a segundo-tenente) na vaga

deArthurdeOliveiraAlmeida.

Em 11 de maio de 1887, o professor Góes viveu um dia que mudou totalmente suas perspectivas de vida. Faleceusuagenitora,MariaBemvindada Glória Góes, e a partir dessa perda, ele resolveu deixar o Maranhão e tentar uma nova vida no Amazonas, que estava em plenodesenvolvimentonoprimeirociclo daborracha.

No dia 19 de janeiro de 1989, o professor Góes dá início à sua jornada na província do Amazonas quando foi nomeado Promotor Público da Comarca deItacoatiara.

Ele fez o concurso público para professor do estado do Amazonas e tomou posse no dia 9 de janeiro de 1891. Veio ainda em 1891 para Coari e exerceu a função. Trabalhando apenas com o público masculino. Tornou-se intendente municipal (vereador) e no ano de 1895 renunciou ao cargo. Contudo, durante toda sua vida em Coari, foi reeleito intendenteporváriasvezesechegouaser Superintendente Municipal Interino (Prefeito).

44.OimpérionãopoderiaconfiarinteiramentenoExércitoquetinhasuasprópriasideiaspolíticas.Optou-seporcriaruma força armada formada pela elite, a Guarda Nacional. Seus membros eram todos os cidadãos com direito a voto e assim obteriamadispensadeserviraoExército.Noentanto,nãorecebiampagamentoeeramresponsáveispeloprópriouniforme. O governo tinha a incumbência de fornecer armas e instrução. A maior patente que um civil poderia alcançar era a de Coronel e o título ficou reservado aos grandes proprietários de cada região. Desta maneira, gerou o fenômeno do “coronelismo”quetantomarcouapolíticabrasileira.

62 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Benedicto Edelberto de Góes - Professor Góes

No ano de 1895, o professor Góes exerceu o cargo de Juiz Municipal interinamente por vacância do cargo, e estando ocupando o cargo de superintendente, poderia exercer a função. Em seguida, voltou a ser intendente(vereador)em1896.

Em 1906 tomou posse no governo municipal de Coary o coronel Ricardo Vicente Cluny. Durante sua administração, por várias vezes, foi substituído pelo professor Benedito Edelberto Góes. Ele permaneceu como intendente e professor até o ano de 1907, e a partir de 1908 até 1923, exerceu transitoriamente apenas o cargo de professor

Em 11 de dezembro de 1917, Benedicto Edelberto Góes ficou encarregadodaestaçãometeorológicade Coary e requereu da Delegacia Fiscal a entrega da verba, que foi disposta pelo diretor da despesa pública para fazer grandemelhorianaestaçãodacidade.

J. F. FERRAZ em 1921 na sua obra “Através do Amazonas”, descreveu a atuação do Professor Góes na área de SaúdeemCoari:

Os principais males, que afetam a saúde da população, são as feridas bravas, a verminose, o paludismo e as febres catarrais. No entanto, não existe ali nenhum médico, tampouco farmácia. Nos transes mais dolorosos, os doentes são amparados pelo farmacêutico Benedito Edelberto de Góes, que, valendo-se de seus preparados medicinais e de outros remédios adquiridos com grandes sacrifícios, não tem poupado esforços em combater as enfermidades, livrando muitos infelizes das garras da fatalidade.

Ultimamente, esse abnegado descobriu um unguento de grande eficácia no combate as feridas bravas, assim como um colírio de efeitos positivos no tratamento de moléstias dos olhos.

N a f a l t a d e p r o d u t o s farmacêuticos, o professor Edelberto recorre aos remédios homeopáticos e até mesmo as dosagens caseiras, aplicando continuamente cozimentos de ogervão como soporífico pronto e seguro no tratamento de defluxos e cozimento de alfavaca como paliativo as bronquites e febres catarrais.

Em1926,OswaldoCruzvisitaà Vila de Coary e conversou com o ProfessorGóessobrearealidadedolocal e da região da calha do Solimões para subsidiar o seu famoso relatório sobre a região, a malária e a imigração japonesa, em que Benedicto se mostrou contrário a imigração.

Apartir de 1924 até 1929, além de professor, ele foi nomeado para Juiz Adjunto de Coari. Foi casado com Estephânia de Góes e geraram a seguinte prole: Guiomar, Adylles, Antônia, Ruth, Flávio, Eliezer, Elisabeth, Judith e Archipo. Eliezer Edelberto de Góes foi eleitointendente(vereador)em1930.

Em 21 junho de 1931, foi fundada e instalada a Loja Fraternidade Maçônica Coariense e o Professor Góes fez parte da assembleia de inauguração. No funcionamento de uma loja há encarregados para diversos fins, dessa forna, aconteceu uma eleição, e ele foi escolhidoparaocargodeOrador.

O Professor Góes foi casado ComEstephâniadeSennaMarinhoGóes, nascida na cidade de Tefé, no dia 30 de abril de 1872. Durante a vida que compartilharam e tiveram 9 filhos. Ela faleceu em Coari com 51 anos, no dia 24 denovembrode1923.

Há registro no Diário Oficial do Estado do Amazonas que até 1939, o professor Góes ainda estava trabalhando comoprofessoremCoari.

63 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Professor
50
* * *
Góes -
Anos de dedicação a Coary

SILVÉRIO NERY

Direito,advogado,ex-deputadoestadual, ex interventor federal no Amazonas, funcionário aposentado; Lydia Nery Cabral, casada com o Dr. Luiz Caetano Cabral; Silvério José, casado, funcionário aposentado do tesouro do Amazonas; Paulo José, casado, bacharel em direito e inspetor da alfândega de Santos,quandorecentementefaleceu.

ODr.SilvérioJoséNery,natural de Coari, nasceu no dia 8 de outubro de 1858, falecendo, em Manaus, a 23 de junhode1934.

Filho do Major reformado do Exército e de igual nome e de D. Maria Antony Nery, também amazonense. Batizou-se a 9 de janeiro de 1859, na Capela de N. S. Remédios, na cidade de Manaus.ForamseuspadrinhosoCoronel José Vicente de Amorim Bezerra e o Tenente Joaquim Fabrício de Matos, que o tocou com a coroa de N. S. dos Remédios.

Era de esperar que seguisse a carreiradas armas. O seu destino, porém, estava na política. Estudou as primeiras letrasdocursodepreparatóriosnacapital de sua província, seguindo logo para o Rio de Janeiro onde se matriculou na escola militar, fazendo apenas o curso de agrimensura, regressando ao Amazonas, iniciou ali sua atividade na demarcação de terras, abandonando assim aquela Escola,comooutrosrapazesseuscolegas o fizeram, por não vislumbrarem futuro na vida militar. Sabe-se até que, ao tempo, oficiais e graduados no posto de capitão trocaram de atividade profissional, ficando mais em liberdade noplanoeconômico.

Silvério Nery casou-se com D. Maria Maquiné da Silva cujo casal teve os seguintes filhos: Mário José da Silva Nery, casado, bacharel em Direito, advogado, deputado estadual, falecido em 1922; Antônio José, falecido; Júlio José da Silva Nery, casado, bacharel em

Silvério Nery começou a ser atraído pelos interesses da política — política, então, mais idealista e menos destemperada, Raul deAzevedo, um dos seus melhores biógrafos, disse a seu respeito: “A sua larga carreira política não teve solução de continuidade. A sua ascensão foi feita normalmente. Primeiro, vereador municipal da monarquia; depois, deputado estadual por várias vezes, na república; deputado federal, reeleito; governador do estado, chefe de partido, de grande prestígio e respeitado pelos próprios adversários; senador federal, em várias legislaturas. Eleito e sempre reeleito l.° secretário do senado. Presidiu várias vezes o senado federal. (“Terras e Homens”, pág. 129 –Rio–1948).

Tanto quanto permite uma súmula de sua biografia, eu passo a considerar suas atuações no governo do Amazonas. Convém lembrar, antes de tudo, que os quatriênios governamentais noestado,conformeletraexpressadasua constituição, tinham começo a 23 de julho, terminando em igual dia, após quatro anos. Concluindo o período anterior para o qual havia sido eleito, o capitão Fileto Pires Ferreira, então renunciante, do resto do seu tempo, achava-se no governo o coronel José Cardoso Ramalho Júnior, na sua qualidade de vice e na ausência daquele titular, foi eleito para o substituir, o Dr. Silvério José Nery, que foi empossado a 23 de julho de 1900. Sua investidura iria até 23 de julho de 1904, quando, a 2 de d e z e m b r o d e 1 9 0 3 , p a r a desincompatibilizar-se, solicitou licença. Assim, o vice-governador Monsenhor FranciscoBeneditodaFonsecaCoutinho tomoupossedocargo.

64 Nunca Mais Coari Archipo Góes
DicionárioAmazonense de BiografiasAgnello Bittencourt
Silvério Nery

Quando Silvério José Nery assumiu o governo, a Administração Pública estava dividida em quatro Departamentos. O novo detentor do poder acreditou que sua ação, para melhor eficiência de controle, sobretudo no setor fiscalização, deveria ser centralizada, até por motivos de economia. Para realizar esse empreendimento, carecia de um correto burocrata. É convidado para levar a bom termoaurgentetarefa,oCoronelAntônio Clemente Ribeiro Bittencourt, funcionário já aposentado na qualidade de Diretor da antiga Secretaria Geral do Estado. Dentro de uma semana, o esboço dareformaestavaprontoeentregue.

Nenhuma ordem de pagamento ia para o Tesouro sem que fosse controlada na Seção de Finanças daquela Secretaria.

Lásevãomaisdequarentaanos que, em livro publicado em 1925 (Corografia do Estado do Amazonas), tratei da Administração do Dr, Silvério José Nery. Hoje, resumindo aquele trabalho,apenasatualizandoaortografia, repito minhas palavras referentes ao seu governo: “Começou Silvério Nery por anular vários contratos firmados na vigência do seu antecessor considerados lesivosaoEstado,novalorde13.796,200 (contos de réis), bem assim fez declarar insubsistentes várias nomeações de magistrados julgadas contrárias à lei. Mandou apurar as responsabilidades financeirasdoErário,achandoumacervo no valor de 42.104,820, (contos de réis). Fez reorganizar a administração, extinguindo os Departamentos e restabelecendo o serviço público pelo sistema das antigas Repartições. Inauguram-se, em 1901 (20 de maio): a Seção de Numismática, a mais bela e valiosa coleção do Brasil; o Laboratório de Análises Químicas, Bromatológicas e Toxicológicas, além de novas linhas de navegação para muitos pontos do interior, auxiliadas com a quantia de

1.930.000 (contos) anuais. Adquire-se o Aviso cidade de Manaus, para fazer o serviço de polícia e fiscalização das rendas do Estado. Data desta ocasião a obrigatoriedade do beneficiamento (corte) da borracha, medida de grande alcance econômico. O comércio e x p o r t a d o r d e B e l é m , c o m o consequência, a fluiu para Manaus, a fim de atender à providência do fisco estadual.

Paraconsolidaraenormedívida flutuante, o governo faz emissão de apólices-papel ao portador, no valor de 25.000$ (contos de réis) a juros de 7%, resgatáveisemdezanos.

Para livrar o Estado dos encargosdasempresas“ManausRailway & Comp.” e “Eletric Light Plant” que exploravam desde 1899, os serviços de viação urbana, bombeamento d’água, iluminação pública e particular, pesando no orçamento anual com cerca de 800 contos, o governo compra os direitos materiais e rescinde os respectivos contratos, para o que contrai um empréstimo em Nova York, no valor de 1.500.00 libras. Pela forma que se fizeram esses contratos o estado ficava preso à obrigação de, no caso de querer rescindi-los, pagar aos contratantes o seu valor em dólar cotado a 7 mil réis qualquerquefosseocâmbio.

Grande celeuma levantou, no meio da oposição, pelo jornal “Quo Vadis?”, o pedido de autorização para “cobraremespécie”,obrigatoriamente,o imposto sobre borracha que fosse exportada Foi julgado improcedente esse meio que vinha derruir a função crematística da moeda legal e pôr o Estado nas contingências das especulações comerciais. Protestos judiciáriosprovocaramoatodogoverno, reduzindo pela conversão a ouro, de 7% para5%osjuroseaumentandode10para 30 anos o resgate de apólices que havia antesemitido.

65 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Silvério Nery

Silvério Nery

O governo, por falta de pagamento, procurou depreciar os seus títulos, no intuito que, em parte, conseguiu, de entrar no mercado, comprando-os e resgatando-os por menos do seu valor oficial. Muitos dos portadores,porém,nãocederamevieram receber, mediante protesto judiciário, o valor real das suas apólices (vide Discurso do Senador Jonathas Pedrosa, Anais do Senado Federal de 1913, vol. 1, pág.61).

Agita-se, em 1903, a questão de limites entre o Pará e o Amazonas, que, paradirimir,énomeadaumacomissãode técnicos a fim de estudar a hidrografia da verdadeira foz de Nhamundá. O Estado fez compra de instrumentos, que foram depoisrestituídos.

Ainda nesse ano instala-se, em Manaus, um gabinete antropométrico e reparam-seosedifíciospúblicos.Arenda foiorçadaparaesteanoem14.465contos eaarrecadaçãoatingiu18.290.066,50.

Um grande acontecimento foi festejado, no Amazonas, no decorrer do governodeSilvérioNery:ainstalaçãodo porto da cidade, pela empresa Manaus Harbour Ltda, a 24 de junho de 1903. Nessa extraordinária obra de engenharia, não se sabe o que mais admirar: se a utilidade comercial, com reflexos no progresso do estado, a perfeição e segurança.Lásevãomaisde60anosque suporta os baques de atracação de transatlânticos, como as correntes do rio Negro, e ainda não deslizou uma polegada!

Durante o governo do Dr. Silvério Nery, os funcionários públicos tiveram sempre os seus vencimentos pagos em dia, bem assim grande parte de outroscompromissosdoEstado.

Ao findar seu quadriênio, a dívida pública, com o favor do aumento das rendas, e com os cortes nos contratos leoninostevesensívelredução.

“Foi, na administração do Dr Silvério Nery, pelo tratado de Petrópolis

de 17 de novembro de 1903, que o território do Acre se desmembrou do Amazonas, com grandes prejuízos para as suas rendas e em exclusivo benefício da união, que ali quase nada tem realizadoatéhoje,emtrocademilhõesde cruzeiros cobrados de impostos, além de haverdeixadoumapopulaçãodecercade 95,000 habitantes privados das regalias politicas asseguradas pela constituição federalatodososbrasileiros”.

O governo Silvério Nery foi encerrado no dia 2 de dezembro de 1903, com a inauguração de um prédio escolar (por traz da Igreja dos Remédios) para substituir o antigo da Escola “Públio Bitencourt”, pois tudo nela foi mudado dos alicerces ao telhado, todo o mobiliárioedemaisutensílios,tendosido pormimrecebida.

O antigo chefe político foi combatido por mais de 15 anos, desde que se afastara do governo do Coronel Bittencourt até 1925, quando na Interventoria do Estado o Dr Alfredo Sá. Este grande filho de Minas, chegado a Manaus, reuniu os antigos contendores, que aceitaram formar uma Coligação. Dentro em pouco, inclusive Nery e Bittencourt estavam de mãos dadas, por umanovalutapeloAmazonas.

ODr.SilvérioJoséNeryfaleceu em Manaus a 23 de junho de 1934, sendo sepultadonoCemitérioS.JoãoBatista.À beira do túmulo proferiu a última despedidaosaudosoDr.AristidesRocha.

Coari comemora a pose de Silvério Nery

Na noite do dia 12 de julho de 1900, a convite do coronel Francisco de Assis Pereira Guimarães, reuniu-se em suacasaderesidênciaumgrandenúmero deamigosdamelhorelitecoariense.

Depois de agradável palestra, subiram ao ar grandes girandolas de foguetes, anunciando o reconhecimento de Silvério Nery, no cargo de governador doEstado.

66 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Através doAmazonas: de Manaus ao Javari

Em seguida o coronel Guimarães, usando da palavra, em um eloquente discurso, declarou o fim do convite por achar-se regozijado do reconhecimento de um dileto filho de Coary, seu conterrâneo, para o cargo de governadordoseuestadonatal,erguendo vivas em conclusão do seu discurso ao coronel Silvério Nery, Sr. Lima Bacuri e ao povo coariense, sendo aplaudido por todos.

Terminouafestaàsdezhorasda noite com a melhor ordem, retirando-se os convidados satisfeitíssimos pelo acolhimentoquereceberamdosimpático chefe deste município, coronel Guimarães e de sua excelentíssimo consorte.

Através do Amazonas: de Manaus ao Javari - Viagem do governador eleito, AntônioBittencourt,aCoari-1908

Coari: Ao romper do dia principiou a avistar-se a vila, situada na terra firme, uma fila de casas de regular aspecto,algumasalegresenovas.

Pelas 6 horas da manhã veio a bordo o Dr. Ângelo Batista, juiz de direito, acompanhado do professor Sr. Edelberto Góes. Não foram recebidos pelo Sr coronel Antônio Bittencourt, porqueseachavaaindarecolhido.

Às 7 horas, tendo vindo a bordo do “Virgínia” o superintendente municipal, coronel Lucas Pinheiro, acompanhado de várias pessoas gradas, realizou-seodesembarque.

A filarmônica de terra aguardava os viajantes e acompanhou-os através da vila. Foguetes e bombas estouravam no ar, e foram soltos alguns vivasaoschefesdapolíticasituacionista.

No edifício da Intendência foi servido champanhe, sendo saudado o Exmo. Sr. coronel Antônio Bittencourt pelo Sr superintendente, e pelo major

MoisésMagalhães,tabelião.

Dirigimo-nosemseguidaacasa do Dr. Ângelo Batista, juiz de direito da comarca e cavalheiro muito estimado pela integridade do caráter e espírito justiceiro.

O Dr. Ângelo reside em um pequenochalé,situadonumdosextremos da vila. Conversou por alguns momentos com o Sr. coronel Antônio Bittencourt, quehámuitosanosoconhece.

Em Coari, deixamos o vigário, reverendo Victor Merino, que embarcara em Codajás, espanhol, franzino e nervoso, olhar adunco, fisionomia vulgar de toureiro de Sevilha. O Sr. vigário, a convite de alguns passageiros, fizera-se ouvir em algumas malagueñas, acompanhadoaopianoporumpraticante de bordo, que martela regularmente esse instrumento.

Até o nosso companheiro Porfírio Varela exibiu o seu repertório, ˗ uma série de cançonetas alegres com que se fechou o improvisado concerto musical.

Padre Victor, que nos disseram ser dominicano, não nos deixou vir para bordo sem visitarmos a sua capela, que ele trata de transformar num grande templo, a avaliar pelas grossas paredes que se lhe antepõem, destinadas á nova frontariadafuturaigreja.

Levou-nos até a sacristia, onde, sobre uma velha mesa, chamou a nossa atenção de incrédulos uma mal cavacada imagem de S. Fidelis, barbudo e feio, demasiadohorrendoparaseradorado.

OVarelaláencontroutambéme meteu no bolso um certo instrumento aviltante, tosco e usado, semelhantes aquelesqueoSr.inspetordaalfândegase recusou, não há muito, a despachar como puxadores para gavetas. Talvez padre Victorsintaafaltadetalinstrumentopara ensinaradoutrina!

67 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Relatório sobre as condições medico-sanitárias do Vale do

Coarinecessitacomurgênciade um edifício escolar apropriado e salubre. O local destinado à escola do sexo masculino,umquartolúgubreesujo,sem ar nem luz, no velho edifício onde funciona a intendência e juntamente a cadeia, em todos produziu a pior das impressões.

Alguns minutos antes de fundearmos em Coari, passou pelo “Virgínia” o aviso “Cidade de Manaus”, que encontramos neste porto. TransportavadoPiorininovepresossoba guardadoinspetordepolíciaSr.Moreira, e tomou rumo de Manaus pouco depois da nossa saída, que se efetuou às oito e meiadamanhã,terça-feira.

De Coari a Tefé tocamos nos seguintesportos,paratomarlenha,largar ou receber passageiros, malas do correio e carga: - Boca do Copeá, Laranjal, Bairro Alto, Catuá, Caiambé e Boca do Tefé.

No primeiro desses portos ficou o coronel Lucas Pinheiro que tomara o “Virgínia” em Coari. Possui aqui vastos seringais. O barracão, sólido e espaçoso, quase é atingido pela enchente, e já as águas lhe banham, em torno, a resistente estacariadeMassaranduba.

As canoas transportam a carga, enquanto a família e o pessoal do fábrico aguardam o patrão, debruçados sobre a extensa varanda de madeira, a refletir-se na superfície plana e amarelenta das águas.

De Coari para cima, a paisagem alegra-se um pouco, aqui e ali animada por alguns pequenos povoados ou barraquinhas isoladas de caboclos felizes,semambições.

Asilhueta das árvores, em cada margem, ainda há pouco desenhando-se branda,indecisa,nocéunublado,recortase agora nítida, em grandes curvas irregulares.Overdesombrioemonótono da floresta dissolve-se em cambiantes diversas, principalmente nos pequenos oásis cultivados deste imenso deserto

luxurianteeubérrimo,ondeaslaranjeiras decontínuoflorescem,oaçaíretemperao sangue, e a canarana alimenta o gado anêmicodebordo.

Ecomoquedesafiandootímido despertar desse fantástico e profundo sono da Natureza, o rio-mar, monstro gigantescoeindomável,semelhanteaum grande molusco, distende em todas as direções seus enormes tentáculos, os quais por sua vez se ramificam em um sem número de paranás, furos e igapós, completando o aparelho circulatório que dávidaeseivaaestemonstrotitânicoque é o Amazonas, como outro não há tão estranhamente,admiráveleopulento.

Relatório sobre as condições medicosanitáriasdoValedoAmazonas 1913Coary

Oswaldo Gonçalves Cruz

Nesta localidade, situada a três dias de viagem de Manaus, paramos algumas horas. Coary é uma cidade de 600 habitantes que na ocasião das cheias recebegrandenúmerodeseringueiros,os quais para ali vêm depois da colheita da borracha,elevando-seentãoapopulação, segundo nos informaram, a duas ou três mil pessoas.Apopulação de borracha no Município de Coary é bastante elevada, havendo alguns rios bastante ricos. O povoado fica situado numa enseada do Solimões, num alto barranco e não é atingida pelas enchentes Atravessa a cidade um igarapé de margens baixas, parecendoserafontedeanofelinas.

Em torno da cidade há matas, nãotendohavidoocuidadodeabriraíum espaço maior, de modo a colocar as casas numaclareiradesuficientelargura.

Não nos foi possível encontrar, devido à época pouco favorável, os depósitos de larvas de eulicideos. Eles, porém,ficamsemdúvidanasmargensdo igarapé e nas épocas das cheias serão encontrados em qualquer ponto da cidade.

68 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Amazonas 1913

Examinando grande parte da população de Coary, ficamos surpreendidos diante do elevadíssimo índice endêmico, relativamente ao impaludismo. Todas as crianças examinadas, em número de 80 a 100, a p r e s e n t a v a m c o n s i d e r á v e l esplenomegalia e mostravam-se definhadas, a maioria delas em franca cachexia palustre. Nenhuma criança encontramos sem aumento considerável do baço. Em adultos tivemos também oportunidade de verificar infecções crônicas e outras agudas pelo impaludismo, causando-nos grande admiração alguns casos de considerável esplenomegalia,entreeles,numamulher, cujo baço caíra no hypogastrio, onde se encontravacomdimensõesconsideráveis e num homem, cujo baço tomava todo o abdômen.

Observamos ainda uma criança com infantilismo, provavelmente devido ao impaludismo. Coary deve merecer como centro de produção de borracha a atenção do Governo nas medidas de profilaxiaantimalárica.

Não encontramos em Coary espéciealgumadeanofelinas,talvezpela época pouco propícia à proliferação desses eulicideos. Em diversos domicílios verificamos a presença do St. Calopus. Das informações colhidas nada nos foi possível deduzir relativamente a outrasentidadesmórbidas.

Encontramos também em Coary um caso de purú-purú, sob o aspecto de manchas negras, extensivas à mucosabucaledemanchasbrancasmais abundantesnasmãos.

A alimentação da população de Coary é a comum no Norte, predominandoopeixeeatartaruga.Háaí pequena cultura de cereais, nas proximidades da cidade, limitada a um mínimo quase desprezível, como atividadeagrícola.

As residências de Coary são regulares e comparáveis as dos pequenos povoados do Sul. As casas são cobertas de telhas, sendo as melhores rebocadas e caiadas.

69 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Relatório sobre as condições medico-sanitárias do Vale doAmazonas 1913
Expedição do Instituto Oswaldo Cruz aoAmazonas eAcre Carlos Chagas e Pacheco Leão naAmazônia 1913

Acham-sepresentes:

1) O proprietário, tendo a sua esquerda a sua extremosafilha,Guiomar;

2) O gerente da casa, o Sr F Brazão, sua irmã D. RaymundaBrazãoepartedopessoalextrator,numdia derecebimentodeborracha.

É,pois,umaspectobizarrodosertãodoextremonorte do Brasil, de cujas entranhas sai grande parte da receitageraldaRepública.

Por outro lado, à vista da pasmosa porcentagem de crianças, também se pode concluir que a indústria extrativa da goma elástica favorece notavelmente o povoamentodosolo.

Fonte: Reino da Borracha no Copeá – Revista “O malho”-16-10-1909

meadodoanode1903.EnofinaldatardeemCoarieramacesososvelhoslampiõesdequerosene, iluminandoaquinafoto,aruaXVdeNovembro,conhecidacomo“RuadaFrente“

70 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Através doAmazonas (Impressões de viagens) - 1921
Barracão do Seringal Socó, no Rio Copeá de propriedade do Cap. José Ribeiro da Silva, IntendenteMunicipaldeCoary. Era

Através doAmazonas (Impressões de viagens) - 1921

Através doAmazonas (Impressões de viagens) — 1921

A impressão de uma visita a Coari em nada sugestiona o espírito do observador. Situada em terreno pouco elevado,àmargemdireitadoSolimões,a vila é cortada, na frente, por um pequeno braço fluvial, que, avançado alguns metros,tentadividi-laemdoisbairros.

Torna-se desolador o aspecto geral da localidade, vendo-se as ruas invadidas pelo matagal viçoso e o solo crivado de enormes poças, onde as enxurradas se chocam, por falta de escoadouros. O terreno da vila é acidentado, e as edificações, na sua maioria, nada mais são que velhos casebres de taipa a evidenciar a miséria e oabandono.

O pouco número de habitações recomendáveis, algumas assoalhadas e outrascomochãocimentado,demoranas ruas Silvério Nery, Quinze de Novembro e Independência e na praça coronel Gaudêncio. Mas, os edifícios notáveis, são o da Intendência Municipal, reformado ultimamente,e a igreja de São Sebastião, no centro da praça do mesmo nome. Esse templo, de estilo pouco elegante,foiconstruídoatijoloecimento e oferece magnífica impressão nas suas dependências internas, sendo o ladrilho todo de mosaico. Do recinto principal parte uma bela escada de caracol, pondoo em comunicação com o coro e, daí, por meio de outra escada, com a única torre existentenofrontispíciodanave.

As obras do templo ainda não foram concluídas, achando-se a frente desse empreendimento uma comissão zeladora chefiada pelo coronel Francisco José Pereira de Carvalho. Trabalhando pela conservação da igreja, o sacristão tem o cuidado de fazer repicar o sino todas as manhãs de domingo ou dias feriados, chamando os romeiros ao serviço de capinação e asseio da praça, onde o matagal prolifera continuamente, transformando-a em campo de pastagem dosanimaisquevivemàsolta.

O comércio local compõe-se do elemento sírio, contando-se as casas “NovaSíria”,deMoraeseAddad;“Novo Mundo”, de Miguel e Irmão, e as mercearias de David Antônio, Miguel Jorge, Antônio Litaiff, Camilo José e Abrahim Azulay. Os preços dos gêneros deprimeiranecessidadesãoosseguintes: ¼detartaruga,1$500;1quilodepirarucu fresco,1$000;umacambadadepeixe,de $500;a1$000;1quilodefarinha,$500;1 quilo de feijão, $600; uma mão de milho, $700; ovos, a $100. Os artigos de moda sãovendidosporpreçosrazoáveis.

Possui a vila uma delegacia de polícia,dequeédelegadootenentePedro Ferreira de Souza; uma agência postal, bem organizada e dirigida pelo coronel Francisco Carvalho e uma coletoria estadual, a cargo do Sr. João Batista de Carvalho, notando-se nesta completa faltadeselosedepapelselado.

A instrução local tem tomado algum incremento com o funcionamento de uma escola particular, mantida e regidapeloprofessorBeneditoEdelberto de Góes; da escola mista estadual, dirigida pela normalista Cesarina Ponce de Leão e da escola mista municipal, regida pela professora dona Maria Guimarães Pinheiro As aulas do professorEdelbertofuncionamcomdoze alunos, e mais ele não recebe, porque a sala da casa em que mora não comporta maiornúmero.

O chefe político da localidade é ocoronelLucasPinheiro,que,acontento da população, exerce as funções de superintendente municipal e acompanha a política dominante, sendo a oposição chefiada pelo major Deolindo Dantas. Outros políticos situacionistas, divergentes,seguemaorientaçãopolítica do Dr. Virgílio de Barros, que prestou relevantes serviços à localidade, tendo atémantido,quandosuperintendente,um bom serviço de iluminação pública, que hojenãoexiste.

71 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Através doAmazonas (Impressões de viagens) - 1921

O clima do município, como o de todo o vale do Amazonas, é quente e úmido, sendo de trinta e seis graus a sua maior temperatura. Chove ali de modo irregular e com abundância, exceto nos mesesdejulhoeagosto.

Osprincipaismales,queafetam a saúde da população, são as feridas bravas, a verminose, o paludismo e as febrescatarrais.Noentanto,nãoexisteali nenhum médico, tampouco farmácia. Nos transes mais dolorosos, os doentes são amparados pelo farmacêutico Benedito Edelberto de Góes, que, valendo-se de seus preparados medicinais e de outros remédios adquiridos com grandes sacrifícios, não tem poupado esforços em combater as enfermidades, livrando muitos infelizes dasgarrasdafatalidade.

Ultimamente, esse abnegado descobriu um unguento de grande eficácia no combate as feridas bravas, assim como um colírio de efeitos positivos no tratamento de moléstias dos olhos.

N a f a l t a d e p r o d u t o s farmacêuticos, o professor Edelberto recorre aos remédios homeopáticos e até mesmo as dosagens caseiras, aplicando continuamente cozimentos de ogervão como soporífico pronto e seguro no tratamento de defluxos e cozimento de alfavaca como paliativo as bronquites e febrescatarrais.

Não exige nenhum recurso pecuniáriodosseusclientesecontenta-se em viver naquela vila com sua família quase à míngua, envergonhado da sua pobreza, mas sempre orgulhosos do seu caráterdehomemhonestoelaborioso.

Vem a pelo salientar que a vila de Coari é farta de peixes e tartarugas, mas não possui mercado. Os gêneros são vendidos no porto ou nas ruas pelos caboclos que chegam dos lugares adjacentes.Apopulaçãodavilanãopassa atualmente de cento e vinte habitantes,

quando antigamente ascendia a um número considerável, acontecendo que muitos habitantes em certas épocas do ano, moravam em canoas fundeadas no porto.

As únicas embarcações que trafegam normalmente, no município, são as lanchas “Fausto”, do coronel Lucas Pinheiro; “Alvorada”, do major Deolindo Dantas; “Carlos Alberto”, de José Joaquim de Souza e “Macambira”, de Pedro Nolasco de Melo. Percorrem continuamente os lugares ribeirinhos, onde os seus proprietários fazem o comércio de regatão, comprando castanha, pirarucu, tartarugas e frutas em trocadeoutrosgêneros.

As principais produções do município são a castanha e a borracha, as quais têm minorado, de algum modo, a sortedosseushabitantes.

Numa viagem que fiz da vila ao lago Cajuiri, onde existe a antiga aldeia dos índios Miranhas pude contar as seguintes propriedades ribeirinhas: “Travessia do Coari”, de Emílio Nunes; “Esperança”, de Samuel Gonçalves da Silva; “Paraíso”, dos herdeiros de José Marques; “Cantagalo”, de José Azulay; “Santa Rosa”, de José Ignácio; “Cassiporé”, de Tomás Montenegro; “SãoPaulo”,doDr AnísioJobim;“Porto Alegre”, de Cândido de Lima; “Casa Branca”, de José Cohen; “Engenho”, de Francisco Costa e Teófilo Monteiro de Aguiar; “Floresta”, de Anastácio Marques.

No lago de Coari entre outras contam-se “Bom-an”, de Isidoro do Carmo; “Patauá”, e “Alvelos”, (antiga freguesia de Coari), do major Deolindo Dantas.

Na propriedade do Dr Jobim (Anísio Jobim) vi alguns espécimes de gado bovino, aves domésticas e um bem cuidado jardim onde há flores e trepadeiras de várias matizes. (Gondim, 2001)

72 Nunca Mais Coari Archipo Góes

A Vila de Coary foi construída a princípio com dois bairros: o primeiro foi Santana (Tauá-mirim), onde foi localizado o primeiro núcleo de “Coari Novo” e construído as primeiras habitações. Segundo Stradelli, Tauá-mirim significa“aldeiapequenaoualdeiazinha”.

O segundo bairro foi denominado São Sebastião (Centro),localconstruídoparaseraregiãocomercialdavila

O Trágico NaufrágioAcontecido em Coari – 1926

Eros Divino MaiaAlfaia

O Naufrágio do Vapor Paes de Carvalhonoanode1926

Os pacatos moradores do DistritodoCamará,oprimeirodaVilade Coari, no rio Solimões, não acreditavam no que viam durante aquela fria madrugada de inverno amazônico… Era 22demarçode1926.

Numadistânciadecercadecem metros da margem, o navio à vapor, Paes deCarvalho,vindodeumalongaviagem, iniciada há semanas atrás, na cidade de Belém do Pará, é consumido pelas chamas famintas de um incêndio infernal!Inimaginável.

Mas aquele povo do Camará teve que agir rápido, pois havia muita gente viva, ou lutando para sobreviver, naságuasagitadasdorio.

O desespero tomou conta de

O igarapé de São Pedro separava os bairros de Tauámirim e o Centro, sendo ligados por uma grande ponte de madeira de lei, assentada sobre arcadas de alvenaria. Ela media 120m de comprimentos e 3m de largura. Era um pontomaisfrequentadopeloscoariensesnoiníciodoséculo XX–(Fotode1924).

muitos.Nãorestavaoutrasaída,anãoser pular nas águas do Solimões! Foi o que muitosabordodonaviofizeram.Oupelo menos, os que conseguiram, pois, muitos findaram carbonizados Homens, mulheres e crianças… Muitos índios, caboclos e nordestinos, muitos nordestinos.Masnaprimeiraclassehavia gente graúda, rica, de boa família do Estado.

Os conhecidos moradores da Vila de Coari, Sebastião Salignac e o CapitãodaGuarda,JoséRibeirodaSilva, viajavamnaprimeiraclassetambém.Dos dois, só o primeiro conseguiu, a nado, chegar à terra. O Capitão Silva deixou viúvaefilhosàocasião,infelizmente.

AquelagentedoCamará,pegou suas canoas e batelões, foram ao confronto,dorioedonaufrágioterrívele infernal,aodesafiodesalvarvidas!Havia vários tipos de vidas a bordo, pois, além dos humanos que viajavam, cargas vivas eram transportadas também! Equinos, bovinos,suínoseaves.

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O Trágico NaufrágioAcontecido em Coari – 1926

Todos misturados aos pobres e desassistidos passageiros de terceira classe!Emgeral,índiosenordestinos.

AquelagentedoCamará,pegou suas canoas e batelões, foram ao confronto,dorioedonaufrágioterrívele infernal,aodesafiodesalvarvidas!Havia vários tipos de vidas a bordo, pois, além dos humanos que viajavam, cargas vivas eram transportadas também! Equinos, bovinos,suínoseaves.Todosmisturados aos pobres e desassistidos passageiros de terceira classe! Em geral, índios e nordestinos.

Às três horas e quarenta e cinco minutos, aquele inferno todo havia começado,comumaexplosãonapopado Vapor! Por ser madrugada, a grande maioria dos passageiros dormia e sonhava com a chegada a uma nova oportunidade, ou a sua Vila de destino. Logo estariam no porto do sobrado dos Dantas, na velhaVila!Ainda daria tempo de ir até à Praça Péricles de Moraes para comprar algumas castanhas e outras

guloseimas pra seguir viagem. Bastava atravessar a ponte do igarapé de São Pedro. Mas jamais chegariam a Vila naquelamadrugada.

A viagem, a muitos, havia iniciadoem Belém,porém só findaria em Cruzeiro do Sul, no Acre. Eram muitos nordestinos sem rumo, em busca de ficar rico com a ilusão do fatídico final do período áureo da borracha, que já dera o que tinha que dá Foi um acidente fatídico, sem medidas, apesar de que o vapor vinha abarrotado de combustível: líquido e pólvora! Uma verdadeira bombarelógio!

Disseram haver 150 almas a bordo, mas naquele tempo, assim como hoje, já havia negligência! E o lucro também.

Enquanto o Paes de Carvalho subia, o Índio do Brasil baixava, estavam háapenas umahoradesecruzarem,logo após a ilha da Botija… Ambos, os vapores, eram de uma mesma firma de navegação,umafirmainglesa.

74 Nunca Mais Coari Archipo Góes O Trágico NaufrágioAcontecido em Coari – 1926
Vapor Paes de Carvalho

OprofessorRubemDárioLisboaLima,ajudouasalvar03 pessoas que ficaram à deriva no rio Foi uma das testemunhasdoacidente.LecionavanoCamaránaépoca.

MasquandooÍndiodoBrasilse aproximava da beira, no lugar do Camará, viu um movimento mais do que fora de ordem àquela hora da manhã. Dia clareando, cheiro de fumaça no ar, mais gente do que o normal pela beira. Gritos, choros, angústia, muitos agasalhados com lençóis do povo da comunidade. A população do Camará explicou que o Paes de Carvalho explodiu, próximo à ilha da Botija, baixou e afundou exatamenteemfrenteacomunidade.

Tentaram salvar os que puderam, mas, muita gente de Coari, Tefé, Belém, Manaus e do Acre, tiveram seu fim ali mesmo.Até mesmo os arigós, naquelas águas, ou no fogo medonho da madrugada.

O Índio não encontrou mais o Paes, muito menos João de Deus, o comandante do Vapor, que deixou uma viúva e nove filhos em Belém. Assim como tantos outros também deixaram. O povo do Camará nunca esqueceu dessa história. Através dela, a comunidade ficou famosa, em jornais e revistas, de toda a região amazônica, e até do país! Tãocedonãoseriaesquecida.

Pormuitasemuitasgerações,os

O Capitão José Ribeiro da Silva era uma personalidade no cenáriopolíticodaViladeCoarinaépoca,estavaabordodoPaes deCarvalho,masnãoconseguiusobreviver

moradores repassaram o ocorrido a seus filhos, netos e bisnetos. Foi um fato que uniu gerações, por décadas, através da históriaoral.Setornouomaior“causo”já ocorrido com aquela gente que ali vivia. Mas, após mais de noventa anos decorridos, o fato foi sendo esquecido, outros acidentes fluviais foram tomando a memória das novas gerações, da modernidade…

Porém, os que buscarem no hoje, informações precisas sobre tal acontecimento, vão se deparar com um desfecho apresentado pela mídia daquela época, no mínimo, injusto, e até certo pontopretensioso.

Osjornaisderamnotíciasdeque o incêndio começou com as cinzas do fumodeumapassageiraidosa,daterceira classe. Acordou de madrugada, com vontade de fumar seu cachimbo, e assim, uma fagulha chegou até os barris de pólvora!

Quer dizer, a corda arrebentou para uma mulher, cabocla, pobre, idosa, tabagista, culpada por entupirem o vapor com combustível, e por terem ultrapassado a lotação máxima da embarcação.Semprefoiassim.

75 Nunca Mais Coari Archipo Góes O Trágico NaufrágioAcontecido em Coari – 1926

Visita de Mário deAndrade à Vila de Coari

11 de junho — De madrugada nos envolveu uma névoa tamanha que o 45Vaticano parou. Só andou já de manhã, enveredandoparaabocadoMamiá,onde tinha uma fazenda simpática, bem pitoresca, grande apuro de arrumação. O dononemapareciamais,leproso.

A mulher, também leprosa, vinha conosco a bordo, só agora sabemos. Os filhos também leprosos. Deu um aspecto absolutamente tétrico na paisagem, nem se pensou em descer, está claro. No entanto, não tem pouso em que não desçamos. E depois são os banhos de cachaça para derrubar a carrapatagem mucuim. Ali pelo meio-dia descemos na bonitinha vila de Coari, uma vontade de desafogar. Tudo era bonito, tudo era são,

apontegentil.

Compramos castanhas, comemos castanhas em quantidade. Calor.Partimosrebocandoumcanoãoeo talvendedordefruta,negro,quefazparar os navios da Amazon River com um canhãozinho.Hojeconversamosbastante com o gênio de bordo. A princípio imaginamosque era maluco, mas não era não, era gênio, todos afirmam. Parece também que é vigarista, mas não terei a experiência. É assombroso que um vaticano destamanho pare num lugarejo chamado São Luís só para entregar uma carta.Nãofiztrocadilhonão:éotamanho donavio,mesmo.

1º de julho — Manhã de chuva. Parada pra lenha em São Sebastião. Passou uma lancha com soldadesca, indo paraCoari,ondemataramoprefeito.

76 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Visita do Poeta Mário deAndrade à Vila de Coari — 1927 Mário deAndrade - Ponte em Coari - 11 de junho de 1927 45.ObarcoVaticanoSãoSalvador,daempresadenavegaçãoAmazonRiverquefazialinhaparaIquitos,noPeru.

OAssassinato de Herbert de Azevedo

O JornalAcreano “AReforma” publicou na seção “Informações Telegráficas” as seguintesnotíciasem3dejulhode1927:

Um bando de castanheiros, superior a 20, assaltou a vila de Coary, assassinando o prefeito municipal Dr Herbert Azevedo e mais quatro pessoas. O Dr. Herbert Azevedo, era filho idolatradodocoronel,jornalistaeescritor Raul de Azevedo, deputado amazonense e administrador dos Correios do AmazonaseAcre.

AcabamdechegaraManaus,os Drs.AnísioJobimeRochaBarros,juizde Direito e Promotor da vila de Coary, respectivamente.

Em demanda da Vila de Coary, segue amanhã, o vapor “Alegria”, com

umcontingentede40praças,2sargentos, 4 cabos e 2 metralhadoras A fim de apurar a responsabilidade dos fatos desenrolados ali ultimamente, foi nomeado em comissão o Dr. Raymundo VidalPessoa.

A expedição, que se destina a vila de Coary, vai sob o comando do Tenente Alexandre Montoril, e como médico o Capitão Dr Tariano Meira, conduzindo ambulância. No “Alegria” viaja também o tenente Gualter Marques Batista,nomeadopromotorparaservirna apuração da responsabilidade dos culpadosdatragédiadeCoary.Logoapós a luta sanguinária da Vila de Coary, os desordeirosforamaolugar“Apaurá”,sob a chefia de João Barreto Cruz, que ficou gravemente ferido. O tenente Zany Reis, que exercia o cargo de delegado da Vila de Coary, escapou dos sangrentos acontecimentosdaquelalocalidade.

77 Nunca Mais Coari Archipo Góes OAssassinato
Herbert
Azevedo
de
de
Coari, 11 de junho de 1927/ Manacá Trombeta e Balança apelidos das viajantes: Olívia Guedes Penteado, Dulce doAmaral Pinto e Margarida Guedes Nogueira. (Notação no verso).

RelatórioFinaldoInquérito

Passamos hoje para as nossas colunas, a jurídica e bem fundamentada denúncia apresentada pelo nosso prestimoso e querido companheiro Gualter Marques Baptista, no caso dos assassinatos desenrolados no Município deCoary,EstadodoAmazonas.

“Excelentíssimo senhor doutor juiz de direito designado para servir em comissão especial nesta comarca de Coary — O promotor público ad'hoc no exercício de atribuição que lhe é conferida por lei e baseado nos autos que esta acompanha, vem perante v. exe. denunciar de Pedro Flores Ferreira, Victor Flores Pereira, Argemiro Garcia, Raymundo Gomes da Silva, vulgo Picapau; Inocêncio Lopes Pereira, Antônio Lopes Pereira, Manoel Domingos da Costa, Silvarino Serra, Ludgero Pereira, ManoelPereira,vulgo"TrêsQuartilhos"; Vicente Bartolomeu, Antônio Monteiro, vulgo "Porquinho"; Manoel Pereira, vulgo "Veado"; Manoel Paulada Silva, Ignacio Souto dos Santos, João Nazareth da Cruz, Raymundo Nonato da Cruz, Isaac Cohen, José Carvalho, vulgo "Pipira"; Manoel Lage e Antônio Zany dos Reis, este, tenente da Força Policial do Estado e aqui comissionado, aqueles moradores no lugar denominado "Apaurá", deste município e comarca, atualmente reclusos à cadeia pública local, com exceção da Isaac Cohen, Antônio Lopes Pereira e José Carvalho, vulgo “Pipira”, que andam foragidos e se acham, portanto, em lugar incerto e não

sabido, pelo fato delituoso que passa a expor:

— Em meados do mês de junho último o delegado de polícia, tenente Antônio Zany dos Reis, tendo conhecimento de que Manoel da Cruz Barreto e Isaac Cohen insuflavam constantemente a Pedro Flores Pereira e Victor Flores Pereira para fazer as sucessivas ameaças de morte de que se diziam vítimas João Ferreira deAraújo e Francisco Assis Ferreira de Araújo, no referido lugar “Apaurá”, onde também residem, mandou intimar, por intermédio do respectivo agente de polícia distrital, cidadão Antônio Mendes, os mesmos Manoel na Cruz Barreto e Isaac Cohen para virem à delegacia dar explicações a respeitodesseprocedimentoreprovávele prejudicial à tranquilidade do lugar Aguardava, pois, o tenente Zany, a vinda deManoeldaCruzBarretoeIsaacCohen para, então, com a presença de ambos, solucionar o caso do “Apaurá”, quando, àsprimeirashorasdanoitedevinteedois de junho, chegaram a esta vila, em duas embarcações — um batelão e uma canoa possante, não somente Manoel da Cruz Barreto e Isaac Cohen, como também os demais denunciados, habitantes da zona do “Apaurá”, quase todos armados de rifle e revólver, com o fimpreconcebidodesuplantarpelaforça, dequedispunham,odelegadodepolícia, tenente Zany e o promotor público da comarca, Dr. Manoel da Rocha Barros, a quemvotavamódiosatânicoemortal.

Atracaramsuasembarcaçõesao porto, mais ou menos às dezenove horas, e aí ficaram na quietude intencional de criminosos verdadeiros que esperavam apenas o momento propício de estabelecerem a luta, da qual diabolicamente tinham a certeza que lhes caberia a vitória, porque contavam com a surpresa do ataque premeditado, a s u p e r i o r i d a d e n u m é r i c a d o s componentes de seu grupo, armados e municiados convenientemente que estavamparaaquelasinistraempreitada.

78 Nunca Mais Coari Archipo Góes OAssassinato de Herbert deAzevedo
HerbertAzevedo

OAssassinato de Herbert deAzevedo

Na manhã do dia seguinte, isto é, do dia vinte e três de junho, logo cedo, pelas oito horas, compareceram Manoel da Cruz Barreto e lsaac Cohen, acompanhados de Silvarino Serra e Manoel Domingos da Costa, ao edifício da Prefeitura Municipal, onde dava o e x p e d i e n t e , n u m d o s s e u s compartimentos, o respectivo delegado depolícia,tenenteZany Atendendo-os,a autoridade policial logo notara a atitude francamente hostil dos indivíduos que se achavam em sua presença para dirimir uma acusação cujos fundamentos se estavam averiguando regularmente. Em meio às indagações que fazia o tenente Zany teve de mandar recolher ao xadrez Pedro Flores Pereira e Victor Flores Pereira, que, chamados, ali se portaram desatenciosamente e com visível desrespeitoàpessoadodelegado.

Quando seguiam os dois para a prisão correcional, escoltados por um praça da força policial, o único que compunha o destacamento local, correram em direção ao porto, lugar em que se encontravam suas embarcações atracadas, a bordo das quais se achavam os companheiros de insurreição. A combinação estava feita e, ao primeiro grito de Pedro e Victor Flores Pereira, todos, de arma em punho, partiram em d e m a n d a d a P r e f e i t u r a e , inopinadamente, atacaram a quantos ali se encontravam, num verdadeiro bombardeamento.

Contra esta investida brutal e insidiosa vieram o Dr. Herbert Lessa de Azevedo, prefeito municipal; o Dr Manoel da Rocha Barros, promotor da comarca e os funcionários municipais que por essa ocasião se achavam no desempenho de suas obrigações quotidianas. Ante a estupidez da agressão, o doutor Herbert e o tenente Zany lançaram mão de suas armas, revólver que conduziam no bolso e não trepidaram, estoicamente, tentaram repelir os bandidos atacantes. Em dado momento, Manoel da Cruz Barreto, aproveitando-se da confusão, ia se escapulindo, saltando uma das janelas, naturalmente para ir se reunir ao seu

bandomalfeitor.

Amedrontado, talvez, por essa possibilidade perigosa, o tenente Zany disparou seu revólver contra o fugitivo, pondo-o por terra, gravemente ferido, desse ferimento vindo hoje a falecer. Enquanto isso se passava à porta da Prefeitura, o doutor Herbert impedia, a tirosderevólver,queahordadecelerados penetrasse o edifício. Todavia, a disparidade de forças e de meios ressaltava aos olhos de toda a gente! Pedro Flores Pereira fez pontaria certeira comoseurifleealvejou,emplenoventre, a queima-roupa, o doutor Herbert, que ainda assim, profundamente atingido, feriu-o no braço homicida com a bala do revólver que detonara na luta em que se viuenvolvidoestupidamente.

O pânico estabelecido foi horroroso, não é possível descrevê-lo. Refugiado no sótão que há nos altos do edifíciodaPrefeitura,odoutorHerbert,o doutor Barros, o tenente Zany, Francisco Fraga e José Dantas da Silveira, dali se puderam evadir o doutor Barros e o tenente Zany que escaparam miraculosamente, por este meio, à sanha dos criminosos terríveis. José Dantas da Silveira, porém, na ocasião em que, do telhado da Prefeitura, procurava passar para o teto de uma casa contígua, foi alvejado pela bala do rifle que disparou, sucessivas vezes, Victor Flores Pereira, demorando a pontaria, cujo projétil, seguro,alcançara-lheorosto,deixando-o emestadomelindrosíssimo.

Cessada a fúria que reinava entre os facínoras, puderam algumas pessoas retirar do sótão da prefeitura o Dr Herbert de Azevedo, que sucumbia horas depois, em consequência do ferimento recebido. Assim procedendo, Pedro Flores Pereira incorreu na sanção do artigo duzentos e noventa e quatro do CódigoPenaldaRepública,VictorFlores Pereira na doArt. 294, combinado com o Art. 13 do mesmo Código e todos os outros denunciados no mesmo Art. 294 de combinação com o art. 21 e parágrafo 1º, menos o tenente Antônio Zane dos Reis, que está incurso no artigo duzentos enoventaequatrodocitadocódigo.

79 Nunca Mais Coari Archipo Góes

E, para que sejam punidos devidamente, se oferece a presente denúncia a fim de que, recebida, tenha lugar o processo da formação de culpa, em dia e hora previamente designados, notificando se as testemunhas abaixo arroladas para depor em presença dos acusados que já estão à prisão, feitas as diligências necessárias, inclusive a citação por edital, com o prazo de trinta dias dos acusados Isaac Cohen, Antônio Lopes Pereira e José Carvalho, vulgo “Pipira”, que se encontram em lugar incertoenãosabido.

Roldetestemunhas:–Primeira, major Deolindo Alfredo Dantas; segunda, Benevenuto Lima; terceira, Landolpho Euclydes de Oliveira; quarta, Manoel Nogueira da Silva; quinta, AristotelinaGonzagadeOliveira.

Informantes: — José Dantas da Silveira, Francisco Fraga, Antônio Mendes, João Ferreira de Araújo, Francisco de Assis Ferreira de Araújo, Luiz Abreu de Queiroz, todos residentes nesta comarca. Coary, nove de julhodemilnovecentosevinteesete.

(Assinado) Gualter Marques Baptista,promotorpúblico“adhoc”.

Na denúncia acima transcrita proferiu o Juiz o seguinte despacho: — "Recebo a denúncia constante da presente, para fins legais, cite-se os acusados na forma requerida, para assistirem à formação da culpa que será iniciada no dia dez de agosto próximo, às nove horas da manhã, no edifício da Prefeituraenasaladasaudiências.Ciente

a Promotoria e notificadas as testemunhas. Em nove de julho de mil novecentos e vinte e sete. (Rubrica): — RaymundoPessoa".

Os Seus Últimos Momentos Depoimento deAbguar Bastos

Ainda sob a impressão a c a b r u n h a d o r a d o s ú l t i m o s acontecimentos, de que esta vila foi t e a t r o , e s c r e v o - l h e p a r a , minuciosamente, relatar-lhe o que vi e o queouviarespeito.

Na manhã de 23 de junho, saiu de casa, em direção ao edifício da Prefeitura para atender ao expediente diário, o Dr. Herbert deAzevedo, o qual, muito alegre, me perguntara se eu nada queria de fora; dizendo-lhe eu que mais tarde iria até à Prefeitura. Mais tarde, fui até a porta da rua, e vi que alguns indivíduos saiam da Prefeitura acompanhados de uma praça em direção aponte.

Ao aproximarem-se da mesma, todos,quaseaumtempo,correramparao lado do rio, penetrando no batelão que os transportara à vila, saindo logo, armados de rifle, aos disparos, que calculei serem para a praça que os conduzia, o que efetivamente era, pois, a praça correra para o interior do prédio de residência do delegado, nas imediações da Prefeitura. Imediatamente os atacantes cercaram a Prefeitura enquanto várias detonações estrondavam. Estabeleceu-se o pânico. Ao ver que a Prefeitura era atacada, corri à sala, dali retirando um rifle, com ele saindoemdireçãoaponte.Aoverificá-lo, notei que o mesmo estava desarmado, perguntando ao empregado que me seguia se não havia balas em casa. Recebendo resposta negativa, voltei, ao mesmo tempo que o dito empregado me dizia:—Nãováporquesãomuitos.Olhei em direção ao local do conflito e vi mais de quinze homens, desorganizados, a dispararemparaorecintodaPrefeituraas suasarmas.

80 Nunca Mais Coari Archipo Góes OAssassinato de Herbert deAzevedo
HerbertAzevedo

Notícias de Coari

Diante disso, imponente, fiquei encostado à porta, sofrendo uma das maiores angústias da minha vida, e que era de ver um amigo dedicadíssimo exposto à sanha duma facção embriagada.

Alguém lhe meteu uma vela nas mãos. Ficou-lhe segurando o Sr. José Joaquim Pereira. Apenas um termo breve, de vez em quando. Estava comatoso Antes um desejo de dizer algumacoisa.Chegouadizer-me:

— Eu quero falar-te depois. É uma conversademuitointeresse.

Maistarde:—Fezoqueeutedisse?

Pensavaquejátinhafalado.Paranão oimpressionar,assenti.

Tomei-lhe o pulso Escutei-lhe o coração. Cessava o movimento vital. Era o momento em que a lancha se aproximava.Nãoeramaispreciso.

Eisosfatosdequefuipresente,reais, sobaminhapalavradehonra.

Várias testemunhas dizem que ele se portoucomincrívelheroísmo.

Afrontou a morte como um verdadeiro herói.As causas o meu amigo jásabe.Nãofezreferênciaaninguém.

Calmo e forte não verteu uma lágrima. Profetizou a morte logo após o ferimento.

AumavisitanteemCoari,professora pública,disse: —VimmorreremCoari...,dissecom ironiapungente.

Vesti-lhe um seu fato azul-marinho. Logo que se espalhou a notícia da sua morte, mesmo afrontando as balas miseráveis que ainda estavam na vila, quase toda a população veio à casa mortuária.

Era muito querido. Noutro dia, de manhã, uma velhinha veio a minha residência e na porta da rua chorou como umacriança...

Diário Oficial, Manaus, 23 de junho de 1928

In Memorian de Herbert deAzevedo

Local: Manaus - Editora: Palácio Real Data: 1930 - Coleção:Amazoniana

Notícias de Coari

No dia 13 de julho de 1891, o jornalalagoano“OHorizonte”publicou:

Onze Empregos

Segundo refere o “Diário de Manaós” existe na vila de Coary um rapazláde18a19anos,denomeMoysés João Guimarães, o qual, graças à incontrastável influência política do seu protetor, é uma verdadeira maravilha empregomania,umacriançaquepromete muito:

Esteesperançosomeninoéfilho unigênito do senhor Jesuíno Marinho, capitão da guarda nacional e 1º suplente do juiz municipal. Acha-se atualmente em exercido dos seguintes empregos, que,aoqueparece,pelasleisquevigoram cmCoarynãosãoincompatíveis: 1*Escrivãodedelegaciadepolícia. 2*Escrivãodojuizdepaz. 3*Escrivãodojúri. 4*Escrivãodeórfãos. 5*Escrivãodashipotecas. 6*Escrivãodoregistrocivil. 7*Oficialprivativodoscasamentos. 8*Tabeliãopúblico. 9*2ºsuplentedadelegaciadepolícia. 10*AgentedefazendadoEstado 11*Agentedocorreio

Este precocíssimo menino é ainda tenente da guarda nacional. Membro do diretório do partido democrata,ex-amanuensedaIntendência Municipal e ex-protegido do Coronel Gaudêncio.Que raio de menino! É o que nagíriasechamauma“turuna”.

81 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Notícias de Coari

O MENINO VADIO

Quisummeninovadio Algumbomprêmioganhar Masqueriaeleotalprêmio Semasliçõesestudar.

Oquefezomeugaroto? Comumcolegafalou Edentremuitosprojetos Esteenfimapresentou: -Asbananasdojantar Eutedareisequiseres, Mastumedarásemtroco Todooprêmioqueobtiveres.

(Omeninoécomomacaco!) Eomeuvadiobrincando; Viu-senotetopaterno Cheiodeprêmiosbrilhando. Nãoseadmiremdofedelho Semostrousergrandearteiro, Queentrenóscriançastrocam Ascomendaspordinheiro.

Eugênio Jorges.

*Nodia17defevereirode1880,ojornal maranhensePacotilhanoticiou:

«Converteu-se a fé católica apostólicaromanatendoabjuradoaleide Moysés, o hebraico David Abdarham, quehámuitosanosresidenestaprovíncia e vivia na vila de Coary, onde passou há algum tempo para esta capital. O novo convertido, achando-se doente procurou o pastor católico da freguesia, o Revd. padre Dr. José Manoel dos Santos Pereira, para em suas mãos fazer a sua abjuração, sendo antes instruído por este, nos principais dogmas da religião católica.

Depois de haver o converso recebido a água do batismo, casou-se comaSra.LucindaMariadoCarmo,com

quemviveháalgumtempoetemfilhos.»

* Em março de 1881, o jornal “CorreioPaulistano”Noticiou: “No dia 17 de março, pelas 9 horas da manhã, sentiu-se na vila de Coary, província do Amazonas, um tremor de terra que durou alguns segundos. Foi percebido claramente o estremecimento que produziu nas casas e nos móveis. Felizmente, não causou estragos e a população não se tomou de grandesusto”.

* Em 17 de fevereiro de 1883, o jornal maranhense “PACOTILHA” noticiou: foi criada uma coletoria na vila deCoary.

* Em maio de 1885, no jornal Carioca“AImigração”noticiou: Coary - O Sr. Jesuíno Felix Marinho, agente do correio na vila de Coary, comunica-nos que existe naquela localidade grande quantidade de bons terrenos devolutos. A Câmara Municipal nãotempatrimônio.Oclimaésaudávele existealiáguaemabundância.

* O Jornal mato-grossense “O Pharol”noticiouem17dejulhode1909:

A BANDA MUNICIPAL

O Malho nº 349 de 22 de maio transato, estampou na página 12, como amostra do progresso no município de Coary no estado do Amazonas, um quadrozinho da Filarmônica Municipal Coariense.

“Fotografia tirada a 15 de janeiro último, depois da alvorada pelas festas daquele dia em comemoração da posse do governo municipal e inauguração da banda, que teve o seu início em junho do ano próximo findo, sob a regência do hábil professor HermógenesSaraivadaSilva”.

82 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Notícias de Coari

Criação da Banda Municipal de Coari em 1909

Revista “O Malho” - Ed. 349 ano VIII – 22 de maio de 1909

83 Nunca Mais
Archipo Góes
Coari

Emancipação Política de Coari

Ecos do governo Efigênio Sales

*Nodia15defevereirode1930,oJornal “CorreioPaulistano”Noticiou:

Radiograma do general Rondon, de Coary, felicitando o antigo governador pela obra radiotelegráfica realizadanoestado.

MANAUS, 14 (A.) O general Rondon, em viagens para a fronteira com o Peru, radiografou de CoaryaoSr.EfigênioSales,felicitandoo, mais uma vez, em termos elevados, pela grande obra realizada durante seu governo, instalando estações, radiotelegráfica no interior do Estado. O general Rondon acentua nesse despacho que só esse serviço bastaria para a benemerênciadogovernodoSr Efigênio Sales.

Emancipação Política de Coari

Coari no início da década de trinta era uma das cidades mais próspera do interior do Amazonas, tendo a maior produção agrícola do estado e sua infraestruturajáerabemorganizada,com vários serviços disponíveis aos seus munícipes Coari já possuía edifícios, ruas, praças, estação de radiotelegrafia e iluminaçãoelétrica.

A então Vila de Coari se destacava num elevado progresso, em que se constatava um aumento expressivodesuapopulação,assimcomo seu promissor comércio através da exploração de suas riquezas naturais. É notório também que já havia escolas e o ensino primário já era satisfatoriamente propagado.

E pelo lado político, o então prefeito Alexandre Montoril, fazia parte do grupo político do “Clã dos Nerys”, na qual seu líder, Senador Silvério Nery

(coariense), e seu sucessor político, Álvaro Botelho Maia, fizeram as negociações necessárias para comprovação de como era imperativo essaemancipaçãoparaCoari.

Então, no dia 2 de agosto de 1932aViladeCoariéelevadaàcategoria de Cidade, pelo Ato Estadual n° 1.665 assinado pelo interventor interino, que substituía Álvaro Maia, o senhor WaldemarPedrosa,queveioaCoaripara celebrar a elevação da condição de vila para cidade, no dia 7 de agosto Acontecendo no salão nobre da Prefeitura de Coari uma celebração, conformedescreveAnísioJobim: “Reunidos no salão nobre da Prefeitura as autoridades e grande número de senhoras e cavalheiros, industriais, comerciantes, proprietários e artistas, às vinte horas, o Prefeito Municipal capitão Alexandre Montoril, abrindo a sessão, concedeu a palavra, por ordem, aos oradores inscritos Drs. Raymundo Santos, promotor público, e Enoch de Siqueira Cavalcante, advogado, e cidadão Dolabela Balbi, que discorreram comeloquênciasobreosmotivosda reunião”.

Alexandre Montoril Militar, político, dentista e poeta

46 - O Serviço de radiotelégrafo começou a funcionar em Coari em 26 de setembro de 1929. – Jornal “O Paiz” de –27/09/1929.

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Alexandre Montoril

No dia 2 de agosto de 1932 através do Ato nº 1.665, o Interventor interino do estado do Amazonas, Waldemar Pedrosa, elevou a Vila de Coaryacategoriadecidade.

A instalação ocorreu às 20h do dia 7 de agosto, em que o prefeito da

época, Alexandre Montoril, fez uma reunião no salão nobre da prefeitura celebrando a oficialização do ato. Houve alguns discursos de autoridades locais e participação de industriais, comerciantes eopovoemgeral.

Histórica

O nome Montoril deriva de "Montorio", monte existente na Itália de onde os primeiros membros da família saíram no sentido de Portugal e posteriormente migraram para o Ceará a fim de desenvolverem atividades agrícolas.

Alexandre Pereira Montoril, nasceu no dia 31 de janeiro de 1893, na cidade de Assaré, distrito do Crato, no estadodoCeará.

Seus pais foram Joaquim Montoril e Luzia Pereira Montoril. Filho caçula numa família com três irmãos: Antônio Pereira Montoril (nasceu em 31 de janeiro de 1880), o irmão mais velho; José Pereira Montoril (1891), o “Cazuzinha”, que ficou famoso ao levar seu primo Patativa do Assaré, com 20 anosaoPará,ondepassou5mesescomos

primos e bebeu na fonte da cultura paraense; e Maria Pereira Montoril (1881).

Seu irmão, Antônio Montoril, cedo começou a trabalhar no comércio e logo foi reconhecido por seu trabalho e tinha uma boa remuneração. Dessa forma,elepagavatodaadespesadacasa, chegando a pagar um professor para ensinarosirmãos.

No ano de 1898, seu pai, Joaquim Montoril, mudou-se de Assaré paraoParácomointuitodeprosperarem terras da Amazônia e se estabeleceu no RioTapajóscortandoseringa.Apóscerca de 02 anos, ele retornou a Assaré e conduziu os filhos Antônio e José (Cazuzinha) para Macapá, ficando Alexandre, Maria e a mãe Luzia no Nordeste. Sua irmã, Maria Montoril, que estava noiva, casou-se com João Lourenço.

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Archipo Góes
Mais Coari
Alexandre Montoril – Personalidade

Sua infância foi pobre, e logo cedo, para ajudar no sustento da família, Alexandre Montoril trabalhou como ferreiro e mais tarde como ourives. Mas logo em seguida mudou-se da cidade de Crato-CE, junto com sua mãe. Em pouco tempo se tornou funcionário público da Prefeitura com a função de Fiscal e CobradordeImpostosnafeiradacidade.

Em 1907, faleceu sua mãe Luzia, sendo então acolhido pelo primo José Montoril Longe da família que estava no estado do Pará: no rio Tapajós estava seu pai trabalhando e seus irmãos em Macapá. Em junho de 1909 Alexandre Montoril foi ao encontro de suafamílianoNorte.

Depois de chegar na cidade de Macapá, passou a morar com os dois irmãos.Edepoisde08mesesseupaiveio buscá-los e foram viver no Tapajós, contudo em junho de 1910, seu pai adoeceu e foi se tratar em Belém, onde veio a falecer, ficando órfão Alexandre Montorilcom17anos.

Sendo acometido de Beribéri aguardou o fim do fábrico e voltou ao Ceará, logo se restabelecendo. Mas a saudade do Norte o fez voltar e em dezembrode1912chegouemManaus.

Em janeiro de 1913, tornou-se

praçadaForçaPolicialdoEstado.Depois de seis meses de instrução, no dia 7 de fevereiro de 1914 foi promovido a cabo daesquadradaCIAdeBombeiros.

Em 7 de fevereiro de 1914 foi promovidoacabodeEsquadradaCIAde Bombeiros.Emjunhofoipromovidoa3º sargentointendente,elogoemseguidano dia 1º de outubro foi promovido a sargento-ajudante.

Em 1916, foi admitido na Faculdade de Odontologia de Manaus, diplomando-se em 1920. Logo em seguida, foi nomeado Delegado de Polícia em Tefé (1920/22), em Maués e emEirunepé.

Em 1923, contraiu núpcias com Elisa Oliveira e, nesse mesmo ano, foi nomeado Interventor em Itacoatiara, no rápidogovernorevolucionáriodeRibeiro Júnior, expressão maior, no Amazonas, do movimento tenentista que dominou o Brasilnadécadade1920.

Em 13 de janeiro de 1928, após o assassinato do Prefeito Herbeth Lessa deAzevedo foi nomeado Prefeito Militar deCoari,sendo,então,efetivadonoposto de capitão da antiga Guarda Nacional, passandoparaareservaremunerada.

Casou-se com uma jovem tefeensechamadaElisaMontoril.

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Alexandre Montoril
Chegada do Governador Álvaro Maya em Coari - Década de 40

PrefeitodeCoari

O governo de Montoril foi marcado pelo dinamismo e seu espírito construtor. Seu primeiro passo foi construir uma olaria que foi a base para todos os seus empreendimentos, que mudaramaaparênciadacidade.

“Há quem diga ter sido ele o mais dinâmico de todos os prefeitos, erguendo prédios públicos aqui e ali, inclusive o grupo escolar, onde estudei; abrindo ruas, construindo pontes (como esquecer a ponte Álvaro Maia, exatamentea ponte pintada de verde, que ficava quase atrás de minha casa e que tinha, bem na frente, um pé de muçambê?).” - (Francisco Vasconcelos)

O Progresso da Cidade da Coary. Trapiche

Por um rádio recebido pelo Dr. Álvaro Maia, interventor federal, estampado ontem no “Diário Oficial” e transmitido de Coary pelo respectivo prefeitoAlexandre Montoril, sabe-se que foi ali inaugurado um trapiche com duzentos e sessenta metros de extensão, facilitandoaatracaçãodedoisvaporesao mesmo tempo. Esse serviço, que atesta o progresso da cidade ribeirinha e a atividade do atual prefeito, custou a municipalidade cinquenta e oito contos, duzentos e oitenta e nove mil e vinte oito reis.

Em 5 de novembro de 1933, o jornal do Território do Acre “A REFORMA”noticiouquefoiinaugurada na vila de Coary no Amazonas, um engenho a vapor com turbinas para fabricaçãodeaçúcar.

BibliotecaMunicipaldeCoari

Nodia22denovembrode1940, oJornaldoComércionoticiou:dosenhor Alexandre Montoril, prefeito municipal de Coary, recebemos uma circular comunicando-nos haver sido inaugurada naquela cidade, no dia 10 do corrente, uma biblioteca popular denominada “ÁlvaroMaia”.

APraçaGetúlioVargas.

A Praça Presidente Vargas, como era denominada na época, foi o símbolo da administração de Montoril, ondeforamconstruídosalgunsmarcosda arquitetura coariense: o obelisco, o coreto municipal e o monumento do marcozero.

47.AnnoXXXIVNº11.349-7dedezembrode1937-JornaldoComércio.

48.10denovembrode1940.

49.Oobeliscoéummonumentocomemorativo,típicoelementodaarquiteturadoAntigoEgito.Apalavraobeliscovemdo grego obeliskos, que significa “pilar” ou “espeto”. Era um termo que foi sinônimo de “proteção” ou “defesa”.Aagulha de pedra tinha a função de perfurar as nuvens e dispersar as forças negativas que sempre ameaçavam acumular-se sobre a cidade,naformadetempestadesvisíveisouinvisíveis,oudemaiseventoscatastróficosdeorigemdanatureza.Osobeliscos têmformaquadrangulareligeiramenteafuniladanapartemaisalta,formandoumapequenapirâmidenaponta.

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Alexandre Montoril
Alexandre Montoril
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Nunca Mais Coari
Alexandre Montoril
50.NoJornal“ATarde”,ediçãode1942,porAlexandreMontoril. Trapiche do Porto – 1939 Biblioteca Pública de Coari
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Alexandre Montoril
Escola Francisco Lopes Braga Pç Getúlio Vargas - Retratação doArtista Coariense Paulo César Silva de Moura

Alexandre Montoril

EscolaFranciscoLopesBraga

Em 30 de janeiro de 1935 a escola foi oficialmente criada pelo DecretoLein4.508epublicadanoDiário Oficial nesta mesma data. Passando a ter seus estudos regularizados e sistematizados.Assim, passou a chamarse “Grupo Escolar Francisco Lopes Braga”, seu nome atribuiu-se a uma homenagem engenheiro manauara FranciscoLopesBraga.

SuaVidaPolítica

No princípio do século XX, o líder político da cidade era o coronel Lucas Pinheiro, chegando ao ápice quando foi Superintendente Municipal (prefeito)biônicodacidadeentreosanos de 1920 a 1926, quando perdeu a liderança para Deolindo Dantas (que teremosumcapítuloparadescreversobre suavida).

Após a reforma Constitucional de 14 de fevereiro de 1926, foi nomeado PrefeitoConstitucional,em13deabrilde 1926, o avultado escritor Péricles Moraes, contudo, devido ao grande agastamento da capital, Manaus, e das poucas condições da cidade, o mesmo apenasficouumano.

Em 12 de janeiro de 1927, assumiu o Governo Municipal, Dr. Herbert Lessa de Azevedo, natural de Manaus, filho do grande escritor Raul de Azevedo.Foiassassinadoem23dejunho

de 1927, fato esse que foi determinante para a vinda de Montoril a Coari como interventor.

Após a revolução de 30, houve uma intervenção geral, Montoril foi nomeado prefeito para o período de 1932 a1936(seuprimeiromandato),depoisfoi eleito novamente para o ciclo de 1936 a 1939 (segundo mandato). Houve ainda, um período de prefeito nomeado, na ocasião da intervenção da ditadura, o Estado Novo, chefiado por Getúlio Vargas(1939a1947),ficandoaseleições livres suspensas e os partidos políticos são abolidos. Dessa forma, Alexandre Montoril permaneceu 15 anos no poder comoprefeitodeCoari.

Com o período pós Estado Novo, exatamente no dia 27 de abril de 1947,Montoriléeleitodeputadoestadual representado Coari na Assembleia Legislativa do Amazonas. E ainda em Coari, elegeu seu sucessor a prefeito, o Senhor Edgar da Gama Rodrigues, através de eleições diretas, sobressaindo seugrupopolítico.

A Câmara Municipal ficou composta de: Teófilo Marques Vera, AntenorAlbuquerque Leitão (Presidente 1947/1948), Dulce Cruz de Moraes (Primeira Vereadora do Município de Coari), Enedino Monteiro da Silva e Raimundo Monteiro Júnior (Presidente 1949/1951).

51. Francisco Lopes Braga (08.07.1857 A 192?) nasceu em Manaus, onde realizou seus estudos Primários e de Preparatórios. Viajou então para a Europa e graduou-se em Engenharia pela Universidade de Coimbra, em Portugal. De volta à capital amazonense, tornou-se professor de Matemática.Apesar de ter sempre se esquivado do mundo político, na administração do governador Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, entre 1908 e 1912, assumiu a Diretoria de Obras Públicas e Concessão deTerras do Estado. Foi na sua gestão à frente dessa repartição pública que se construiu, na rua José Clemente,oprédiodoantigoGrupoEscolarMarechalHermes.Aindanadécadade10,foiprofessorediretorsubstitutoda entãoFaculdadedeEngenhariadaUniversidadedeManáos.

52.PériclesMoraes(1852-1956).Ensaísta,crítico,professordelínguafrancesa,funcionáriopúblico,prefeitodeCoari–foi talvez o intelectual mais influente doAmazonas, na primeira metade do século XX. Está entre os fundadores daAcademia AmazonensedeLetras,tendosidoseuprimeiropresidente.

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Passamos agora a descrever a biografia de um importante líder político e comercial coariense. Foi o principal opositorpolíticodeAlexandreMontorile um personagem lendário e polêmico na históriadenossacidade.

Deolindo Alfredo Dantas, major da guarda nacional, natural de Teixeira-PB,descendentedaexpressiva família Dantas da Paraíba, sobrinho de João Dantas. Deolindo Dantas ainda criança e sua família chegaram em Manaus-AM no ano de 1895, período “pré época áurea da borracha”. Por um tempo, moraram no Camará (distrito de Coari) e logo depois na vila de Coari, vindo morar na rua XV de novembro, a ruadafrente.

Na sua juventude começou seus empreendimentos em diversas áreas, comprou alguns seringais e castanhais. Foi o primeiro a implantar uma usina de energia, em que ela supria e provia seus outros negócios, como: uma serraria, fábrica de sabão, padaria, indústria de beneficiamento de pau rosa e uma sorveteria. Comprou as terras da antiga Freguesia e um Sobradinho no Tauámirim, pertencente a um turco que já vivia distante, no Oriente Médio. O Antigo dono do Sobradinho passou uma procuração autorizando a venda em

árabe, que primeiro foi traduzida em outrodocumentoemfrancês,paradepois ser traduzido para o português finalmente. Deolindo Dantas foi um dos empresários mais próspero de nossa cidadenaprimeirametadedoséculoXX, chegandoapossuirumfamosobarco,que era um bem muito valioso naquele período,comonomedeAlvorada.

Foi casado três vezes. No primeiro, desposou Adelaide Correia Dácia, e desse matrimônio nasceu: AntônioCorreaDantas,afilhaconhecida como Senhorita, Lamartine Correa Dantas, Nair Correa Dantas e Américo Dantas(Jacó).

O Segundo Casamento foi com Francisca de Freitas Gintirana, e dessa núpcias nasceu Alvelos (Raimundo de Freitas Dantas) e Dandi (Deolindo de Freitas Dantas). E da terceira união NasceuNelsonDantas,quehojemoraem Brasília.

Na segunda metade da década de vinte, Deolindo, tornou-se um grande líderpolíticodevidoaoseusucessocomo comerciante desbancando o famoso Coronel Lucas de Oliveira Pinheiro, até então líder da cidade. Contudo, o então Coronel de Barranco Lucas Pinheiro entrou em falência, vendendo a maior parte de seus seringais e castanhais para Deolindo Dantas, assim encerrando suas atividades políticas e econômicas na cidadedeCoari.

O major Deolindo Dantas, foi o principal chefe político da UDN (União democrática Nacional), situava-se na ala conservadora dos ruralistas, partido que fazia oposição ao Presidente Vargas, de quemMontorilerafielpartidário.Possuía muitos bens, principalmente imensos seringais e castanhais, onde se desenvolvia fortemente um comércio extrativista marcado pelo sistema de aviamento que caracterizava a economia amazônicanaépoca.

53.TeixeiraéummunicípiobrasileironoestadodaParaíba,localizadonamicrorregiãodaSerradoTeixeiraeintegranteda RegiãoMetropolitanadePatos.

54. No dia 26 de julho de 1930, em Recife, João Dantas assassinou João Pessoa, então governador da Paraíba. Sua morte serviucomoestopimparaaRevoluçãode30,quetrouxeGetúlioVargasaopoder

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Deolindo Dantas

AChegada dos Padres Redentoristas a Coari

Nas eleições suplementares realizadas em 11 de março de 1951, o Major Deolindo chegou a eleger deputado estadual seu filho Deolindo de FreitasDantas,conhecidoporDandi,que recebeu481votosrepresentandoaUDN. E na mesma eleição Alexandre Montoril foi reeleito pelo PSD (Partido Social Democrático) com 549 votos. Dessa forma, no princípio dos anos dourados Coari tinha dois deputados estaduais que travavam vários embates políticos que influenciaram diretamente a vida da cidade.

continuidade.

A Diocese do Amazonas enfrentava grandes dificuldades para evangelizar nosso estado, e o principal motivo era a falta de padres para atender sobretudo as paróquias das cidades do interior Em razão disso, no dia primeiro de outubro de 1943, o Bispo do Amazonas, Dom João da Mata de Andrade e Amaral solicitou ao superior da Ordem Redentorista da província de Sant´ Louis (EUA), o envio de missionários daquela localidade para evangelizarnoEstadodoAmazonas.

A solicitação foi aceita. As primeirasparóquiasemquecomeçaramo seu trabalho de evangelização foram as de Coari e Codajás. Mais tarde se estendendo para Manacapuru, Anori e a viladeAnamãetc.

Os primeiros missionários a chegarem a Manaus, em 22 de julho de 1943, eram os Padres José Elworthy, João McComick, André Joerger, José Maria Buhler, Jaime Martin e o Irmão CornélioRyan.

Ainda no ano de 1943, a comitiva dos recém-chegados padres norte-americanos viajou à Coari, e ao chegarem foram recebidos pela população no lago de Coari, próximo ao sobrado da Família Dantas com muita festa e curiosidade. Os sinos da igreja soaram dando boas-vindas e todos queriam receber as bênçãos que eram distribuídas em inglês e as missas celebradas em latim, como era tradição naquelaépoca.

AChegada dos Padres Redentoristas

Até o ano de 1942 só aparecia padre em Coari em atividade religiosa por um ou dois dias e em condição especial de “Desobriga”. A viagem era feita solitariamente para visitar o seu rebanhoe“desobrigá-los”emrelaçãoaos Sacramentos do Batismo, Eucaristia, Penitência, Crisma e Matrimônio sem todos os preparativos apropriados e sem

Destacamos que, além da grande mudança no modo de viver do coariense com amparo espiritual, assistência social e de saúde, houve o início da mudança na arquitetura paisagista da cidade, com a construção coordenada pelo Irmão Cornélio Ryan e do Padre José Elworthy, da casa paroquial, um pequeno hospital e o seminário,quemaistardesetransformou na escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

55.Em04defevereirode1944,foinomeadooprimeiropárocodaparóquiadeCoari,queem13/06/1963tornousesededaprelaziadeCoari(Codajás,Anori,Anamã,Beruri,Caapiranga,ManacapurueCoari)desmembradada DiocesedeManaus.

92 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Em1940,EmiliaAbinaderfoieleitaaprimeiraMiss Coari, no concurso promovido pelos periódicos “O Jornal”e“DiáriodaTarde”deManaus-AM.

AChegada das IrmãsAdoradoras do Sangue de Cristo

Em meados do século XX, a Amazônia era isolada dos grandes centros urbanos e a crise pós ciclo da Borracha impedia que as cidades do interior do estado possuíssem o mínimo de condições básicas para o desenvolvimento e sobrevivência do povo da floresta. Na região do Solimões não era diferente. Porém, os Redentoristas foram os principais personagens que lutaram para equalizar esses déficits, e ainda ter um “olhar” sobreasnecessidadesdosribeirinhos.

Constatando a necessidade de criaçãodeescolasdoensinofundamental (primário e ginásio) e ensino médio (secundário), algumas clínicas médicas e que havia uma falta de profissionais destas áreas. Em 1946, o Padre João McComick fez uma viagem de retorno à província dos Redentoristas (EUA) para tentar sensibilizar algumas congregações para angariar religiosas para servir na Região Amazônica Recebeu resposta positiva do convento das Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo de Wichita, no estado do Kansas, aquelas que, seriam suas colaboradoras incansáveisaolongodosanos.

Nodia27denovembrode1947,

chegaram à Manaus pelas asas da Panair do Brasil quatro Irmãs Adoradoras do Preciosíssimo Sangue de Cristo que foram pioneiras na evangelização desta congregação no estado do Amazonas. Eram elas: Maria Julitta Elsen (Irmã Julita), Maria Georgeana Heimermann (Irmã Georgiana), Maria Marciana Heimermann (Irmã Marciana) e Mary JaneFrances(IrmãJoanaFrancisca).

O Bispo do Amazonas, Dom João da Mata de Andrade e Amaral, fez umafestivarecepção,emquenaocasião, fez um discurso vibrante, e disse aos convidados que ali estavam realmente algumasvirtuosasedestemidasIrmãs:“E que duas delas podem até mesmo dirigir um automóvel! ”. O fato de que uma era uma professora de música e a outra uma enfermeira registrada era excelente para atender as necessidades da população de Coari. Portanto, o fato de que duas delas podiam dirigir um carro, era a parte mais apreciada da notícia que se divulgou por semanas. Ele disse isto ao governador do estado. Ele o disse ao prefeito da cidade. Anunciou-o na Igreja Catedral. De fato, disse a cada pessoa que encontrou. Pensem nisso: “Irmãs que podem dirigir umcarro”.

93 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Abordo do “Industrial” (à frente) Ir. Georgiana, Madre Julitta, Irmã Franciscana, Ir. Marciana e Ir. Jane Frances

AChegada das IrmãsAdoradoras do Sangue de Cristo

Nodia21dedezembrode1947, oPárocoJoséElworthyeasquatroIrmãs embarcaram no Barco de nome "Industrial", às 23:00 horas, enquanto caíaumachuvatorrencial.O“Industrial” foi abastecido e carregado com cargas para abastecer o mercado coariense. Partiram de Manaus, à meia-noite, em movimento de velocidade lenta. Elas realizaram a viagem num pequeno camarote. Todas estavam contemplando aestadianobarco,bemcomoapaisagem amazônica.

Naquele tempo, uma viagem de barco demoraria cerca de quatro dias. Portanto, as irmãs e o padre tiveram de passaroNatalabordodobarco.

Na Véspera do Natal ainda se encontravam em pleno rio Solimões. À meia-noite, o Padre Elworthy celebrou a Missa de Natal sobre o rio e em um belo cenário Natalino. O altar não foi um dos mais bonitos, mas o bebê de Belém veio para cada passageiro durante a celebração.

Quando as Irmãs finalmente chegaram a Coari, o primeiro núcleo

missionário que a elas foi destinado no Amazonas, às 16 horas do dia 25 de dezembro. A cidade fez uma recepção calorosaparaasmissionárias.PadreJoão Maria Kreuzer estava ali para saudá-las. As Irmãs foram levadas para sua casa, o Hospital da cidade, onde encontraram tudo preparado, até mesmo os sinos de Natal.FoiumgrandediaparaCoari.

A concretização do início do projeto educacional sistematizado e institucionalizado em Coari aconteceu com a chegada na cidade da primeira brasileira a ingressar na congregação das Adoradoras do Preciosíssimo Sangre, a Irmã Serafina Cinque, que chega de avião a Coari, em 25 de março de 1949, onde se tornou a diretora do Ginásio de Coari e da Escola Normal Rural, em que ficou para história como primeira escola mistaemtodooestadodoAmazonas.

HojeIrmãSerafinaCinqueASC está em processo de beatificação e santificação. É conhecida como o “Anjo da Transamazônica”. A organização do processo de investigação e defesa está sob a coordenação da Irmã Marília MenezesASC.

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Catedral de Santana e São Sebastião

Tenente Holanda

Tenente Holanda

Os Ânimos Exaltados em Coari

No dia 6 de janeiro de 1948, o senhor Alvelos Dantas fez sérias denúncias sobre os fatos recentes na Câmara Municipal de Coari ao Jornal do Comércio. Ele ressaltou que os vereadores da UDN foram hostilizados pelo presidente Antenor Leitão e pelo vereadorEnedinoMonteiro.Citouainda, que o cidadão Tertuliano Rebelo teve acessoaopúlpitoefezagressivosataques ao Presidente da República, General Dutra.Eomaisgravefoiadenúnciaquea vereadora Dulce Morais, UDN, “foi agredida barbaramente, ao sair da PrefeiturapordoiscapangasdoPrefeitoe do ex-ditador Montoril. No caso do Sr. Governador do Estado não tomar sérias providências, brevemente haverá uma chacinanestemunicípio”.

Três dias depois, 9 de janeirode 1948, podemos verificar que houve uma resposta também no Jornal do Comércio, em que pode se verificar que o deputado Alexandre Montoril publicou um telegrama do Prefeito Edgard da Gama, enviado de Coari (07/01/1948), explicando os fatos que ali ocorreram, diferentedacomunicaçãoquefoifeita.

Os trabalhos da Câmara foram encerrados com uma sessão especial noturna, no dia 4, tendo comparecido os coletores Raimundo Barreto e Manoel Morais, o padre José, Vigário da paróquia,o tabeliãoDimas Rodrigues e a grande massa popular. Os discursos pronunciados pelo presidente da Câmara e pelo vereador Enedino Monteiro fizeram constar da resenha dos trabalhos do legislativo, exaltando os beneméritos governos do general Dutra e do Sr. Leopoldo Neves , aos quais endereçaram moções de apoio e solidariedade. Terminada a sessão, à saída do edifício da Prefeitura, a vereadora Dulce Morais, provocou uma discussão, trocando insultos com o trabalhador Modesto Ramos, sendo o

incidente prontamente encerrado com a intervenção das pessoas presentes, sem que houvesse qualquer exaltação de ânimos.

Quanto à referência “haverá brevemente uma chacina neste município”,istorevelaaexistênciadeum plano sinistro de perturbação da ordem, premeditada pelos nossos adversários políticos,aoqualtalveznãosejaestranho o delegado de polícia, tenente Holanda, que continua publicamente destratando e hostilizando a administração municipal, afirmando não merecer meu governo apoio ou garantia de qualquer espécie, por parte de sua autoridade policial, atitudeessaquejáleveiaoconhecimento doExmo.Sr.GovernadordoEstado.

AVoltadoGatunoPeruano

Em 23 de junho de 1948, Deolindo Dantas faz uma denúncia no JornaldoComércio:

“Soubemos haver voltado à cidade de Coari, o perigoso gatuno Tomaz Peres, que, processado e pronunciado, por vários furtos que praticou naquela cidade dali fugiu amparado por um salvo-conduto, que lhe forneceu o então delegado de Polícia, Américo Leitão, na noite do dia em que fora, pela Promotoria Pública, requerida a sua prisão preventiva. Devo frisar que naquela época — da Ditadura — era Prefeito o deputado Montoril e nada se fazia ali sem a sua ordem. A volta desse larápio àquela cidade põe em sobressalto seus habitantes, além de ser desrespeito às autoridades, especialmente àquelas perantequemcorreuoprocesso”.

Ameaça de Morte ao Deputado Montoril

No dia 27 de julho de 1948, o Jovem Dandi (Deolindo de Freitas Dantas) proferiuasseguintesameaças:

56.FoigovernadordoAmazonas,de8demaiode1947a31dejaneirode1951.

95 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Tenente Holanda

“Encontra-se preso, na cidade deCoari,operuanoTOMAZPERES,por haverpraticadoinúmerosroubos,eanteo clamor que se levantou contra a presença daquele gatuno. Cumpre adiantar, que a maior vítima daqueles furtos, foi a firma comercialdemeupaie,em1940.

Agora com a volta de Tomaz Peres, correm ali, insistentes boatos, que estão sendo averiguados, de que o Dep. Alexandre Montoril, havia oferecido a aquele larápio, a importância de dez contos de réis, para que o mesmo assassinasseomeuvelhopai.

Infelizmente ainda não podemos concretizar estas denúncias. Todavia, verdadeiros ou não aqueles boatos, fica o Sr. Alexandre Montoril advertido, de que qualquer violência ou traiçãoquevenhaasofreromeuvelhopai ou qualquer outro membro de nossa família, as represálias não se farão esperar Sabe que em caso de qualquer ofensa, quer seja moral ou física, nós, DANTAS, saberemos reagir à altura. Portanto, faça com que os membros de nossafamílianãosejamalvodasanhados seus capangas e apaniguados, pois eu e meusdoisirmãosestamosdeatalaia,para revidar as ofensas que por ventura venhamosasofrer.

Está o Sr. Alexandre Montoril acobertado pelas imunidades parlamentares,quelheofertaacadeirade Deputado, meu pai, infelizmente, não está a salvo de uma traição. Todavia, fica o Sr. Montoril sabendo que, juntamente c o m o s s e u s , a r c a r á c o m a s responsabilidades do que nos venha a acontecer Neste caso, as suas imunidadesserãomerasformalidades.

Meu pai, meus irmãos e eu somos homens de brio, a quem a sepultura ou o cárcere não nos amedrontam, ao ponto de impedir a salvaguardadanossahonra”.

ARespostadeMontoril

No dia 28 de julho de 1948 o JornaldoComérciopublicou:

“Depois de aprovada a ata da sessão anterior e relatado o expediente, usoudapalavraoSr.AlexandreMontoril, para ler um ineditorial publicado, ontem, em nosso matutino, e assinado pelo estudante Deolindo de Freitas Dantas, após o que fez comentário em torno do mesmo, dizendo ser aquilo uma ameaça pública, e que, não sendo apático, podia mostrar aos três irmãos Dantas que não eracovarde.Depoisdedizerquetudoera mentira, bastando para tanto observar a linguagem, que bem podia definir a família, acabou por chamar os Dantas de “loucos”. Para sanar, de vez por todas, a questão, informava à Casa que já havia solicitado ao Dr. chefe de Polícia, em petição,aberturadeinquéritoarespeito”.

Foi Pedido a Substituição do Delegado dePolíciadeCoari

No dia 3 de setembro de 1948 o JornaldoComérciopublicou:

O orador seguinte foi o Sr. Alexandre Montoril, que manifestou o seu desejo de fazer um apelo em favor do município de Coari. Vinha o orador “prevenir acontecimentos lamentáveis, talvez de consequências imprevisíveis, noquedizrespeitoaordem,aobem-estar, à segurança pública, à garantia das autoridades daquele município”, e fazia essas declarações em vista “do que se planeja de maquiavélico e tenebroso, à sombradoamparodaautoridadepolicial, Sr. Tenente João Holanda Cavalcante, recentemente nomeado para delegado de Polícia dali. Depois de dizer ser esse cidadãoseuinimigopessoal,doprefeitoe do povo em geral de Coari, e que o mesmo se encontra fazendo a política do Sr. Deolindo Dantas, formulou uma indicação a Casa, no sentido de que o Sr governador do Estado, Dr. Leopoldo Neves,tomandoemconsideraçãoassuas alegações, nomeie um delegado insuspeito, podendo escolher uma autoridade da sua inteira confiança, contanto que para ali não vá fazer política,desejandoperturbaraboaordem administrativareinanteemCoari.

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Tenente Holanda

Outro fato que determinava a atitude do deputado Montoril, era que o Dr. Sebastião Salignac de Souza, juiz de direito da comarca, se encontrava ameaçado pela própria autoridade policial, nomeada recentemente”, conforme dissemos, e sim: “A presença do Sr. tenente Holanda em Coari, como delegado, importará também numa ofensa ao judiciário, pois, ligado como está aos meus inimigos, e inimigo das autoridades, a sua ação como delegado nesta conjuntura, ou melhor, nesta fase efervescente de ansiedade e tristes expectativas, coloca em perigo a vida do juiz de direito, o Dr Sebastião Salignac de Souza, íntegro e enérgico magistrado, pertencente a uma família tradicional desta terra, o qual também se encontra ameaçado na sua vida pelo próprio cunhado, Sr.Américo Dantas, que peitou o Sr Manoel Felix para assassiná-lo a faca, conforme declarou este na polícia, em inquérito que está correndo na delegaciadaquelacidade.

Na sessão posterior houve a votação da indicação do Deputado Alexandre Montoril, em que o seu autor fazia um apelo ao governador do Estado, para que substituísse o Tenente José Holanda Cavalcante, nas funções de delegado geral de Coari, para onde fora nomeado recentemente Contudo, foi recusadapor12votoscontra9.

AMorte do Tenente Holanda

Observamosquealongaeépica disputa entre Deolindo Dantas e Alexandre Montoril pelo poder em Coari causou inúmeras intempéries e desavenças graves entre a década de trinta e cinquenta. Um fato marcante entre essa disputa entre UDN X PSD trouxe a Coari o tenente João de Holanda Cavalcante, com uma personalidade forte, rude, grosseira e que usava do autoritarismo para manter a ordem na pequenaepacataCoari.

Depois da longa noite da ditadura getulista e o retorno à prática da Democracia, a primeira passagem de

Holanda por Coari, no início de 1948, deixou claro que a volta das eleições diretasmunicipaiseavitóriadogrupode Alexandre Montoril (PSD) através da eleição de Edgard da Gama, incomodou profundamenteaalaudenistacoariense.

N a m e s m a é p o c a f o i Governador do Estado, Leopoldo Amorim da Silva Neves, que apesar de ser filiado ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) de Getúlio Vargas, foi eleito entre uma coligação, fora do comum no Brasil, com a UDN (União Democrática Nacional), arqui-inimiga do ex-ditador. Dessa forma a UDN Coariense tinha influência no governo estadual e assim garantindo a escolha do aparelho de repressão policial, representado pelo tenente Holanda, que desafiava, desrespeitava e atacava a autoridade do então Prefeito Edgard da Gama, vereadoresdoPSDedoJuizdeDireitoda Comarca,SenhorSebastiãoSalignac. Depoisdemuitastentativas,por parte do deputado Alexandre Montoril, houve a remoção do Tenente Holanda da cidade de Coari, e a paz voltou a ser vivenciada por pouco tempo. Contudo, no início de setembro de 1948, a notícia da volta do militar udenista encheu de preocupação os ânimos da população prevendoumapossíveltragédia.

ORetornodoTenenteHolandaaCoari

Te n e n t e H o l a n d a a o desembarcar do vapor em Coari, a “Terra dos Jurimáguas”, foi recebido de forma ásperaeprovocativa.Quandojáemterra, foiabordadopelosenhorDocaMonteiro, escrivãodePolícia,dizendo-lheeste,que ele não poderia assumir o exercício do cargo, porque o Delegado de Polícia, AntônioAraújo (partidário de Edgard da Gama), havia recebido um telegrama do chefe de polícia do estado, dizendo-lhe que não entregasse a Delegacia nem desseposseaomesmo,sobpenadecrime de responsabilidade. A essa intimação respondeuotenenteHolandaaoescrivão: “Não vim assumir, vim ver minha mulher,queseencontradoente”.

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Tenente Holanda

ASaídadoPrefeitodaCidade

F o r a m f e i t a s a l g u m a s intimações e convites em nome do delegadoAntônioAraújo, para uma festa e passeata, por ocasião da chegada do TenenteHolanda.Asruasestavamcheias de cartazes, com dizeres ofensivos a esse Oficial, que acabava de ser nomeado Delegado de Polícia de Coari. Quando tudoestavapreparado,nomomentoexato de seu desembarque, uma multidão enchia a prefeitura, a delegacia, as casas do prefeito Edgar da Gama e do presidente da Câmara Municipal, senhor AntenorLeitão.

O Prefeito então, resolveu viajar, e passou o exercício do cargo ao seu cunhadoAntenor Leitão e partiu para Manaus, sob o pretexto de ir procurar garantias para aquela cidade. Antenor Leitão,menosexperiente,aceitouatarefa desagradável, com seu irmão Raimundo Leitão.

Chegado o prefeito Edgar a Manaus,nodiaseguinte,vaiaotelégrafo, na hora das comunicações telegráficas com Coari (13 horas), prostrando-se na estação telegráfica e dali retirando-se, após haver recebido o despacho esperado,anunciandoamortedoTenente HolandaCavalcante.

Avisita às casas e a manifestação pelas ruas

O tenente Holanda foi a sua residência rever a família e, às 16 horas, saiu para fazer visita aos seus correligionários. Foi primeiro a casa do senhor Deolindo Dantas, contudo, onde somente se encontrava seu filhoAmérico Dantas(Jacó),emquesoubequeosenhor Raimundo Dantas (Alvelos) se encontravam em Manaus com seu pai, dessa maneira, como era costume, não poderia visitar sua família. Depois da visita, saindo, esteve nas Casas dos SenhoresDorvalMelo,BenjamimMussa e “Cabeça Branca”. Todavia, quando na volta ao seu lar (Rua Independência), ao

passar em frente à Prefeitura (Pç Getúlio Vargas), observou um grupo de homens conduzindo cartazes com dizeres ofensivosàsuapessoa,emqueumdestes representava um homem com as mãos cruzadas sobre o peito e a cabeça caída para um lado, como se estivesse morto, evidenciandoasintençõesdeomatarem. Recolheu-se então o tenente Holanda a sua residência, sem ser, de outra forma, importunado. A partir das dezessete horas, os manifestantes voltaram à delegacia de polícia, de onde haviam saído. Sendo ali servido um farto jantar, fornecido pelo prefeito em exercício, senhorAntenor Leitão, regado aguaranáecachaça.

AMorte

Era 20 horas do dia 8 de setembro de 1948, quando um grande grupo de pessoas, os comensais da morte armados de rifles, facas, cacetes e até de uma metralhadora portátil, chefiados por Raimundo Leitão e Doca Monteiro, se dirigiram para a casa do Tenente Holanda, que fica na outra extremidade da cidade, passando pela praça São Pedro, Ponte do Igarapé de São Pedro, Prefeitura Municipal, rua XV de Novembro e rua Independência, onde morava o Tenente Holanda (Hoje seria a casadatradicionalfamíliaBarreto).

Ali chegados, após fazerem a intimação, por intermédio de Raimundo Leitão, irmão do SenhorAntenor Leitão, presidente da Câmara deVereadores e do SenhorAstrogildo Monteiro Maia, vulgo Doca Monteiro, escrivão de Polícia, para que naquele exato momento Holanda deixasseacidadeenuncamaisvoltassea Coari.

Porém, mesmo tendo o tenente Holanda dito que se ia retirar, mas às primeiras horas da manhã, por não ter embarcação de saída e por estar sua esposa doente. Foi dado o ultimato, mandando-o sair incontinente, alegando os líderes que havia uma embarcação à sua inteira disposição e pronta para a viagemderetornoaManaus.

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Tenente Holanda

Julgamento

Mais de um ano se passou, quando chegou o dia do julgamento dos réus da tragédia. Iniciou no dia 16 de outubro de 1949 e só terminou no dia 17, após33horasconsecutivasdedebatesem tornodaocorrência.

Quando tinha se como certo, a condenaçãodosculpados—esfaqueador e seus corréus resultou em suas absolvições pelo reconhecimento da preliminar de Legítima Defesa, apresentada pelos seus advogados reconhecidapeloConselhodeSentença.

Um depoimento de Deolindo Dantas sobreojulgamento:

“Nunca se viu ato tão absurdo, do que esse reconhecimento de legítima defesa, num crime cometido à noite no interior do domicílio da vítima, onde penetraraumgrupodebandidos,superior atrinta,armadosderiflesefacas,cacetes, quebrando cadeiras, mesas e outros móveis conforme ficou esclarecido nos autos.Nasaladejantar,ficaramaosgritos de socorro sua mulher e dois filhos de 5 e 7anos.Atoscomoodessejulgamentosão que fazem desacreditar na instituição do júri, criado em tempo, em que os homens tinham outra mentalidade, a política, ainda não havia invadido os sentimentos humanos como agora, e julgavam pela gravidade do fato e não pelos interesses partidários como aconteceu! E o julgamento, além de representar uma afronta a sociedade, um acinte a família do morto, e insegurança para os habitantes de Coari, pela volta desses bandidos aquela cidade, nos fez parecer mais um ring de partidos, do que propriamenteumjulgamento”.

O s a d v o g a d o s d o s UDENISTAS, da acusação, não compareceram, não sabemos se receosos de enfrentarem seus adversos PESSEDISTAS da defesa, ou pelo nenhum interesse pela causa. Compareceu à sessão apenas, o Dr. Sá Peixoto, dos três advogados inscritos para acusação. Esse mesmo, fez uma

acusação pífia, cortada de apartes pelos advogados da defesa e deixou a causa entregue à Promotoria, no que lhe concerne, não podia aparar todo o peso dosadvogadosdedefesa.

O Prefeito “trabalhista”' de Coari, Sr. Edgard da Gama Rodrigues, viajou três dias antes do julgamento, em motor especialmente fretado, para assistir o mesmo e levar de volta a Coari os implicados. Os habitantes de Coari, estavam preparados com festivas manifestações, que não houve efetividade, pela criteriosa atitude do Cap.Adalberto Cavalcante, Delegado de Polícia, que não consentira, fazendo-os seguir imediatamente, para suas residências,apósosseusdesembarques.

OAtentadocontraEdgarddaGama

Decorridoojulgamentoecomo pronunciamentofinal,quefoiodasoltura dos 26 réus, os membros da família enlutada não ficaram satisfeitos, de vez que, os homens por eles considerados responsáveis pela morte de seu chefe, haviam sido julgados e declarados impunes.

Precisamente às 18 horas e 30 minutos, do dia 17 de outubro de 1949, Manaus foi abalada com a notícia de que o Sr. Edgard da Gama Rodrigues subia a rua Lima Bacuri, em direção a sua residência, que ficava naquela rua, no nº 356, quando em dado momento, estando mais ou menos na metade do trecho daquela artéria compreendido entre a Joaquim Nabuco e a Dr. Alminio, na calçada esquerda de quem sobe, foi subitamente agredido, pelas costas, por umdosfilhosdotenenteJoãodeHolanda Cavalcante,quetem23anos,comonome de José de Holanda Cavalcante, com quem, muito embora houvesse travado luta corporal, para se desvencilhar, o que não conseguiu de vez que o primeiro dos ferimentos que o atingiu, a altura da 5ª costela direita, o deixou quase sem forças, ensejando isso ao agressor, possibilidade para que disparasse outras facadas, as quais chegaram a atingir o númerodesete.

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O

Tenente Holanda

Ahora da agressão sofrida pelo Sr. Edgard Rodrigues, à rua Lima Bacuri estava quase às escuras e, sem quase transeuntes.Daluta,conformenarramos, saiu ferido por 7 vezes o Sr Gama Rodrigues. O ferido, com esforço inauditolevantou-se e, com a mão direita no peito, conseguiu atingir sua residência, banhado, completamente, em sangue, de onde foi logo transportado ao ServiçodeSocorrodeUrgência.

No S.S.U. vários dos filhos do Sr. Edgard da Gama Rodrigues, os quais, indignados com a atitude do filho do tenente Holanda Cavalcante, diziam que há dias, ou melhor, desde a chegada de seu pai, vinham acompanhando-o, tantas vezes fosse necessário o mesmo sair à rua, sendo que o mesmo se armava, antes de qualquer iniciativa para a obrigação. Ontem, porém, desde que, passado o julgamento, os filhos da vítima resolveram deixar de acompanhá-lo, e este, ao sair de casa, deixou a arma.

Acreditavam os filhos do Sr Edgard da Gama e ainda as próprias pessoas que o viram levantar-se após ser ferido, que mesmo se estivesse armado naquele momento,teriamortoseuagressor.

Inauguração da Usina Elétrica Governo de Edgard da Gama

Em 06/03/1949, o Jornal do Comércio:

“Amplamente divulgado pelo serviço de alto-falante municipal, teve início às 17 horas do dia 19 de fevereiro de 1949, a inauguração oficial do novo Serviço de Luz e Força da cidade de Coari.

Àquela hora, no prédio da Usina, à praça São Pedro, perante as autoridadesdomunicípioegrandemassa popular, começou a cerimônia, com a bênção ao primeiro grupo eletrogêneo da cidade,peloVigáriodaParóquia,Pe.José Elwerthy Em seguida, usou da palavra o Sr. Carlos Reis, técnico montador que, em nome da firma contratante,

RadiomotorLtda,deManaus,fezentrega do primeiro grupo eletrogêneo montado, bem como da rede geral de iluminação pública. Logo após usou da palavra o Dr. Tertuliano Rebelo, que disse da satisfação do povo pela inauguração do novo Serviço de Luz, no Município, graças aos esforços do Governo Municipal. Seguiu-se com a palavra o Sr. Deputado Alexandre Montoril, que manifestou o seu imenso júbilo em ver continuada a sua obra de realização no Município,congratulando-secomopovo e as autoridades coarienses pelo surto de progresso, paz e prosperidade que atualmente vem usufruindo o Município. Também usou da palavra o Sr. Manuel Soares Fonseca, mecânico chefe da Usina, que manifestou a sua alegria por ter a seu cargo o modelar serviço inaugurado. Finalmente, o Sr. Prefeito Municipal proferiu uma curta oração, declarando inaugurado o novo serviço de Luz do Município e agradecendo a presença de todos. Foram servidos “gelados” a todos os presentes. Os oradores foram entusiasticamente aclamados, bem como os nomes do Sr. Presidente da República, Governador do EstadoePrefeitoMunicipal”.

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Usina Elétrica de Coari Usina Elétrica de Coari

Carro de Boi — 1950

CarrodeBoi—1950 Mário Ipiranga Monteiro

(Cr$ 5.000,00) sem os animais. A única existente na sede do município não chia (“Canta”).O unto empregadonos eixos é a graxa comum. Não existe nenhuma postura municipal vigente que proíba o “cantodocarro”.

Na cidade de Quari, os bois utilizados na tração, e que morreram de velhos, chamavam-se respectivamente Chamurro, Pretinho, Lavanderia e Canário.Atualmente os bois que prestam serviços:FortalezaeMoleque.

Ocarrodeboisexistentenasede do Município de Quari, único aliás, evoluiu na forma e na nomenclatura Enquanto que em outras regiões do Brasil, e mesmo no Amazonas, é vulgarmente conhecido pela denominação de carro de bois, naquela é chamado carroça de bois. Isto porque evoluiu na forma, sendo o boi adaptado a um tipo de carro muito comum em Manaus, as carroças tiradas a burro, empregadas em vários misteres: mudanças, transportes de mercadorias, de lenha a domicilio, madeiras, tijolos, areia,cereais,etc.

Essetipodecarroça,maislevee menor que os verdadeiros carros de bois do norte e do sul (conhecidos pela simplicidade dos seus itens). portanto inferior em tonelagem àqueles, são construídos em Quari por um operário português Uma carroça custa, atualmente (1950) cinco mil cruzeiros

O regime de trabalho, apesar do clima opressivo do Amazonas (agosto, setembro e outubro), parece não afetar muito ao homem, não acontecendo o mesmo aos animais, que se esgotam facilmente. O homem trabalha no seu mister das oito e meia às dez e meia, e recomeça às quinze para terminar às dezoito horas. Creio, portanto, que o calor amolecedor da tarde deve prejudicar muitos aos animais, principalmente naqueles três meses de verão grande, salvo se esse horário não é cumpridoàriscaeosboispodemsuportálosemperigodeestafamento.

A carroça de bois existente na cidade de Quari é de propriedade da prefeitura municipal, que a utiliza diariamentenotransportedemateriaisde construção,cargasdoporto,mercadorias, madeira,etc.Opesodessematerialoscila entreduzentosaquinhentosquilos.

O uso da carroça de bois foi introduzido no município de Quari em 1930, por iniciativa do então prefeito municipal, capitão Alexandre Montoril, em substituição às carroças puxadas a burro. Essa medida foi posta em prática em virtude da dificuldade cada vez maior de aquisição de muares, já pelo seu alto custo, já pela faculdade menor de resistência,poisqueoboisuportamelhor o carro e os martírios todos que lhe costuma oferecer o homem em troca do trabalho.

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Carroça de boi em frente à Catedral de Coari

OsAnos 50 em Coari

Apartir de 1950, o mundo vivia grandes transformações em sua história.

Os anos 50 ou anos dourados foram conhecidos como um período de transição. A mudança na sociedade deveu-se ao crescimento econômico que os EUAe a Europa experimentaram após o fim da 2ª Guerra Mundial, o que deu a todos uma sensação de otimismo e prosperidade.

Esse tempo foi marcado por importantes conflitos políticos, como o inícioda“GuerraFria”,emuitosavanços tecnológicos, principalmente nas comunicações e no crescimento no conhecimento científico. Foi na década de 50 que se deu início a corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética.

A primeira metade dos anos dourados no Brasil, foi marcada pelo último governo de GetúlioVargas (já não mais com regime ditatorial), findando com seu suicídio em 24 de agosto de 1954.

Na segunda metade, podemos observar que foi um período marcado pelo governo de Juscelino Kubitschek, que aplicou o seu plano de metas desenvolvimentista. Acontecendo a criação das indústrias de base, o grande

investimento no setor energético, a entradadecapitaisestrangeirosnopaís,a i m p l a n t a ç ã o d a s i n d ú s t r i a s automobilística.

No primeiro período, a política foi caracterizada pela disputa entre dois grupos:osLiberaiseosNacionalistas.Os Liberaisdefendiamaaberturaeconômica e o alinhamento com o bloco capitalista. Esse grupo dos liberais era muito bem representado pelo partido da União Democrática Nacional, a UDN. Enquanto isso, aos nacionalistas do PTB, chamavam eles de entreguistas, diziam que queriam entregar o brasil para o capital multinacional. Os nacionalistas tinham um projeto próprio e interno de nacionaldedesenvolvimento.

O liberalismo nada mais era do queadefesadapropriedadeprivadaedos ideais de liberdade econômica, política religiosa e intelectual. O Nacionalismo favoreceria o desenvolvimento econômico interno e a concorrência no exterior

Em Coari, como vimos nos capítulos anteriores, possuía dois grupos políticos antagônicos, representados pelos seus grandes líderes: Deolindo Dantas (UDN) X Alexandre Montoril (PTB). A partir desse momento, continuaremos a relatar a fase final de suasepopeiasnasterrascoarienses.

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Anos 50 em Coari

Anos 50 em Coari

Houve um considerável desenvolvimento demográfico no municípiodeCoarientreosanosde1940 e 1950. Em 1940, Coari possuía 1.400 habitantes, contudo, após o censo de 1950, passou ao número de 3.140 habitantes, gerando o aumento do índice decenaldeexpansãoem124%.

Era o ano de 1951, nesse primeiro momento, estava ocupando o cargo prefeito de Coari, o senhor Francisco Areal Souto (1951 – 1956). O governador do Amazonas era Álvaro Maia,eleito01anoantes. Nesse período, houve uma eleiçãosuplementarparaaescolhados30 deputados da Assembleia do Estado do Amazonas, que aconteceu no dia 11 de março de 1951. Nesse dia, 12 cadeiras ficaram com PSD (Novo partido de Alexandre Montoril); 09 cadeiras com a UDN (partido de Deolindo Dantas); 04 cadeiras com o PTB; 03 cadeiras com o PDCe02cadeirascomPSP.

Coari elegia pela primeira vez, dois deputados estaduais. Foi reeleito o ex-prefeitoAlexandreMontorilpeloPSD com549votos.FoieleitoofilhodoMajor Deolindo Dantas (Major da Guarda Nacional),ojovemBacharelemDireitoe líder estudantil, Deolindo de Freitas Dantas, também conhecido por Dandi, com481votos.

Tiroteio naAssembleia Legislativa do Amazonas

Em 13 de agosto de 1952, na sessão da Assembleia Legislativa do Estado doAmazonas, aconteceu um fato noticiado nos jornais de todo Brasil. Depoisdeanosdeembateedenúncias,os ânimosseacirrarameaconteceminsultos eumatentativadeassassinato.

Transcreveremos o sucinto depoimento de Jefferson Peres em seu livrodenominado“EvocaçãodeManaus, ComoEuaViouSonhei”:

“Com a sua posse, no início de

51, começava um período tumultuado e cheio de incidentes. Na Assembleia, a nova legislatura prenunciava problemas sérios com a presença de dois deputados, um veterano, Alexandre Montoril, reeleito, e um estreante, Deolindo de Freitas Dantas, eleito para um primeiro mandato. Ambos representavam o municípiodeCoari,ondesedigladiavam, como adversários irreconciliáveis e rancorosos inimigos pessoais, o velho Deolindo Dantas, pai, chefe da UDN e o próprio Alexandre Montoril, líder do PSD. Poucos anos antes, essa pendência haviaprovocadoumepisódiosangrento.

Servia como delegado de Polícia em Coari o tenente Holanda, da PolíciaMilitar,umhomemcorajoso,mas violento, a quem conheci pessoalmente, nas duas ou três vezes em que esteve em minha casa, em visita a meu pai, com quem tinha um bom relacionamento, desde Codajás, onde estivera, também comodelegado,eovelho,comojuiz.Em Coari, o tenente, ligado à UDN e hostil aos pessedistas, gerou um clima de animosidade crescente. Um dia, acuado em sua residência por um grupo de homens armados, partidários de Montoril, reagiu à bala, ferindo dois deles, sendo assassinado, em seguida, a golpesdefaca.

Anos mais tarde, aliás, um dos filhos de Holanda, aqui em Manaus, na Rua Lima Bacuri, apunhalou um dos supostos mandantes do crime, o exprefeito Edgar da Gama Rodrigues, que sobreviveu ao atentado. Era de esperar, assim, que não fosse pacífica a convivência de Deolindo e Montoril no Legislativo. O primeiro, inteligente, combativo, desde o início fustigou o governo pessedista com denúncias feitas na tribuna. Montoril, calmo, de poucas palavras, raramente discursava. Apesar de ser um homem de reconhecida coragem, e que andava habitualmente armado, por algum tempo evitou o confrontocomoadversário.

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Anos 50 em Coari

Até que um dia solicitou um aparte, os dois discutiram, foram aos insultos, e, de repente, Deolindo partiu em direção ao inimigo, sacou o revólver, a dois metros de distância, e disparou, errando o alvo. Surpreendido, Montoril levou a mão à cintura, sendo contido por outros deputados, enquanto seu adversário corria para se abrigar atrás da mesadapresidência.

Ignorava Deolindo que Montoril naquele dia estava desarmado, pois, deixava seu revólver num armeiro para consertar um defeito no cabo. Seu gesto de levar a mão à cintura fora puramente reflexo. Felizmente, a partir daí os dois adversários firmaram, tacitamente, um pacto de não-agressão e nãohouvemaisincidentes.”

MortedeDandiDantas

Na eleição de 1954, Montoril disputou a Assembleia Legislativa do Amazonas pelo PSD e obteve 616 votos, ficando como suplente. Dandi disputou para deputado federal pelo PSP e obteve 319votos,ficandonasuplência.

Em 31 de janeiro de 1956, toma posse como prefeito de Coari, Dorval Santos Melo (PTB). E nesse mesmo ano, dia 16 de junho de 1956, aconteceu a morte de Deolindo de Freitas Dantas, o Dandi,quenarrareiaseguir:

Roubada pelas águas, a vida do jovemadvogado,quepereceuafogadono lago do Rei no Paraná de Terra Nova, o Dr. Deolindo de Freitas Dantas, pessoa muito conhecida e estimada em Coari e nacapitalManaus.

Segundo informações de pessoas que presenciaram o fato, a triste ocorrência verificou-se por volta das 7 horas, quando ele viajava em canoa em companhia de alguns pescadores, caiu n'água,nãomaisvoltandoàtona.Ocorpo do saudoso jovem, apesar das inúmeras buscas,nãofoiencontrado,dadaagrande profundidade do local onde se deu a tragédia.

De acordo com alguns esclarecimentos que nos foram prestados pelos pescadores, Deolindo de Freitas Dantas, pelo fato de estar chovendo, viajava sob a tolda da canoa, mas, em

dado momento, de calção e camisa, rumou para a proa dessa pequena embarcação, dizendo aos seus companheirosqueiriaremar.

Dandi,noentanto,nãochegoua fazer o que pretendia, pois, segundo os relatos de quem com ele iam, deu demonstrações de que estava sentindo alguma dor desumana e, sem que os outros pudessem impedi-lo, atirou-se n'água,decabeça.

Os pescadores imaginaram que ele tivesse caído n'água apenas para aliviaradorqueestavasentindo,demodo que esperaram que ele ‘boiasse’ para recolhê-lo.Comoverificaramqueelenão voltava à tona, iniciaram imediatamente as buscas, que, lamentavelmente, foram em vão. Mais tarde fizeram buscas ao corpo com anzóis (espinhel) no lago, sendo um local em que as águas são paradas, e mesmo com a colaboraçãodos bombeiros voluntários, não conseguiram encontrarocorpo.

Durante seus mandatos de Deputado Estadual, Alexandre Montoril fundou os bairros de Petrópolis e de São Francisco,nazonaSuldeManaus.

OsFabulososAnos60

No dia 1 de janeiro de 1960, Alexandre Montoril (PSD) iniciou o seu 3ºmandatonaprefeituradeCoari.Novos tempos eram esperados para a linda e pacata cidade de Coari. O seu grande líder político voltava a governar e era aguardado um grande plano de obras, como foi em seus mandatos anteriores. Nesse período o Amazonas era governado por Gilberto Mestrinho, em seuprimeiromandato(de1959a1963).

Na posse de Alexandre Montoril houve uma grande participação dapopulaçãoquefoiaoeventoaplaudiro seu antigo líder. Por parte da Câmara Municipal discursou o vereador Raimundo de Freitas Dantas manifestando o integral apoio da instituição ao prefeito empossado Alexandre Montoril, desde que seu trabalho se dirija no sentido de proporcionar o bem coletivo e o progressodomunicípio.

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Anos 60 em Coari

LigaparaconstruçãodaPonte

Em 31 de janeiro de 1960, foi criada uma liga para construção da “Liga Pró-Ponte Espírito Santo”, cujo fim é mandar construir uma ponte sobre o igarapé daquele nome e que circunda a mesma cidade Foi aclamada a sua diretoria que ficou composta das seguintes pessoas. Presidente, Dr. Cândido Honório Soares Ferreira; Vice, Luiz Pereira; secretário, tesoureiro e gerente, prefeito Alexandre Montoril; Diretores: Alvelos Dantas, Elias Sadala, Manuel Barreto, Raimundo Mota, Enedino Monteiro, Jorge Abílio, D. Maria Hígina. Conselho Fiscal: Teófilo MarquesVeras,D.LindalvaDantas.

A seguir, foi feita a lista de contribuintes de donativos, que arrecadou cento e trinta e oito mil cruzeiros (Cr$ 138.000,00). À noite, na Prefeitura, houve um grande baile, on-de sereuniuasociedadecoariense.

Foi muito divulgado nos jornais de Manaus, o grande número de obras realizadasnaadministraçãodeAlexandre Montoril,comooportodacidade,aponte ligando a cidade ao bairro de Chagas Aguiar, a restauração dos limites do município,queformariaosmunicípiosde Piorini e Camará, e conseguintemente a voltadorecebimentodosimpostos.

OAcidente com oAvião PT-BUK

O fato que vamos começar a relatar aconteceu no dia 25 de novembro de1962.Eradomingoas16hehaviauma partida de futebol sendo disputada no pequeno campo de futebol em frente da cidade (hoje seria o mercado municipal ClementeVieira).

Um pequeno avião com prefixo PT-BUK, começou a fazer voos rasantes pelacidade,chamandoatençãodegrande parte da população, pois era bem diferente dos aviões Catalinas da Panair que, por anos, costumavam fazer pouso nolagodeCoariaquatizandoatépararna frentedosobradinhodosDantas.

Era no período da estiagem e a

praia da frente da cidade estava totalmenteexposta.Atripulaçãodoavião jogou dezenas de papéis com mensagens na praia e no campo de futebol.Algumas pessoas pegaram os papéis para ler, e nos bilhetes a tripulação solicitava desesperadamente que pelo amor de Deus, saíssem do campo, pois estavam com problema na aeronave e precisavam pousar. As pessoas que se encontravam no local foram conscientes e saíram da área central do campo, aguardando o que poderiaacontecer.

O avião fez várias voltas para acabar o querosene do tanque. E depois de um tempo ele começou a descida para o pouso definido. O público ficou assistindo à cena em um silêncio temeroso. O avião desceu na ponta da praia da frente da cidade, bateu com as rodas pela primeira vez. E logo adiante, surge uma vaca andando vagarosamente na trajetória de pouso do avião, e assim, fazendo o avião levantar um pouco e desviardamesma.

No final da praia, o piloto fez uma curva fora do comum e virou em sentido perpendicular em direção ao campo de futebol, fez outra pequena subida com o avião para não bater na primeiratravedocampo.Nasequência,a aeronavepercorreutodoocampofreando os pneus, rasgando a grama de fundo a fundo, e foi nesse momento que um tripulante se jogou no meio do campo, enquanto o avião seguia até a segunda trave.

Na sequência, a aeronave deu uma pequena guinada para a direita para desviar da segunda trave. Porém, com isso, bateu em 02 vigas de madeiras gigantes, que o Pe. Marcos e o Chico Doido estavam guardando para ajudar a comporapontequeatravessariaoigarapé do Espírito Santo (ligaria o Centro ao bairro de Chagas Aguiar). Com isso, o avião PT-BUK acelerou para frente, atingindo a casa (de alvenaria) do Sr. Miguel Simão, na parte de trás e na cerca do quintal, libertando algumas galinhas que foram em direção à região da Matinha.

105 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Quando o avião bateu na casa e finalmente parou, subitamente começou a lançar muita fumaça. O tripulante, que havia pulado no meio do campo, gritava apavoradamente: — pelo amor de Deus, ondeestamos?EstamosnoBrasil?

A aeronave continuava fumaçando e foi quando a população começou a se aproximar. Alguém começou a gritar: — Vai explodir! — e todoscomeçaramacorrerseafastandoda regiãodoacidente.

E foi nesse momento que surge alguém com grande atitude heroica, o saudoso Pe. Marcos, que enrola a sua batina,adentranaaeronaveesaicomtrês tripulantes e com o piloto desmaiado. Comofato,apopulaçãovibraeaplaudea cena teatral. A partir daquele momento, foisófesta.OaviãoPT-BUKpassouaser ponto turístico, local para misses e os jovens tirarem fotos, até ser embarcado e levadoporbalsaparaManaus.

Dias mais tarde, a tripulação do avião PT-BUK foi entrevistada pela “A Voz Coariense”, um serviço de altofalante da cidade. Na oportunidade explicaram que, por problemas na bússola, perderam a rota. Como estavam com pouco combustível, já haviam decidido pousar na selva, mas quando avistaram longe, no meio do grande verde, uma área avermelhada, foram naquela direção. Eles haviam avistado as nossas Barreiras Foram averiguar e chegaramaCoari.Atripulaçãoagradeceu aoPe.MarcoseaopovodeCoari.

O Fim da EraAlexandre Montoril

Nofinaldoseumandato(1963), Alexandre Montoril indica e apoia o então tesoureiro da prefeitura, o senhor José Alves Maciel (PDC) que disputou com Clemente Vieira Soares a Prefeitura de Coari, causando a primeira derrota em Coari de Montoril, que deixou a cidade e nunca mais voltou. Em Manaus fez esse poema:

Coari, Terra Mártir... Alexandre Montoril

Punge-meotristeestado, Doteusolosemdestino, Espoletadoeaodesatino, Deumplanoinfernal, Erastuomeuorgulho. Arazãodaminhavida, Daminhaconstantelida NosetorMunicipal.

Agoratãodesmembrado, Emseispedaçospartidos, Nãoouvemosteusgemidos EosbradosdeMontoril Nessalutadesigual... Ninguémteprestaaatenção, Porissonaeleição, Desprezaquemtefezmal.

106 Nunca Mais Coari Archipo Góes Anos 60 em Coari
OAcidente doAvião PT-BUK

Anos 60 em Coari

Umteufavorterraamiga, Usoarimamaiscadente, Olabéumaiscontundente, Profligandooatoinsano. Deinconscientealgoz, Queapretextodeprogresso Encobreointuitoperverso, Eteenvolveemledoengano.

QueapareçaumnovoHércules NumPlíniosensatoejusto. Quenoleitodeprocusto Atireosteusinimigos; Equandochegaraeleição MáximeparaPrefeito. Nãoesqueçasomalfeito Eneles...nãovotesnão!...

Manaus, 4 de junho de 1963

Jáfosteespoliada Semaconsultadopovo; Eparaalcançardenovo Atuaantigagrandeza Queopassadotedeu. Passarástemposamargos Presaadurosencargos, SemelhanteaPrometeu.

Após a sua mudança de Coari para Manaus, passou a morar atrás do ColégioEstadualPedroII,aondevoltoua atender em seu consultório de dentista e também recebia seus preventos de coronel reformado da Polícia Militar. A sua casa era um reduto dos coarienses, que Montoril sempre os recebia com alegria e entusiasmo. Faleceu em 1975, (com 82 anos) em sua casa, na rua Henrique Martins, no Centro, vítima de umaúlceranaperna.

107 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Os irmãos Montoril: Alexandre é o primeiro à esquerda, Antônio Montoril é o do meio, em pé, Rivadávia Montoril(FilhodeAntônio),àdireitaestáJoséPereiraMontoril(Cazuzinha).

Anos 60 em Coari

Dom Mário

Nasceu Robert EmmettAnglim em Lombard, uma vila localizadana área metropolitanadeChicago,Illinois,EUA, quinto dos nove filhos de Rosanna PurcelleFrancisMichaelAnglim.

Foi educado no Seminário Menor dos Redentoristas, St. Joseph's College, em Kirkwood, Missouri. Fez o noviciado em De Soto, naquele mesmo estado,ondeprofessounaditaordem,em 2deagostode1942.

Completou os estudos de filosofia e teologia no Seminário da Imaculada Conceição em Oconomowoc, Wisconsin,sendoordenadosacerdoteem 6 de janeiro de 1948, pelas mãos do arcebispo Moses Elias Kiley, da ArquidiocesedeMilwaukee.

Em fevereiro de 1949, viajou para o Brasil. De junho de 1953 a janeiro de 1949, foi vigário da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Manaus,

Amazonas. De lá, foi transferido para Coari, onde foi vigário da Paróquia Sant'Ana e São Sebastião, até janeiro de 1962,quandofoinomeadosuperiorviceprovincial dos redentoristas da Amazônia.

Em 25 de abril de 1964, o Papa Paulo VI o escolheu prelado da recémcriadaPrelaziadeCoari.

DomMárioatendeuàsterceirae quarta sessões do Concílio Vaticano II e foiresponsávelporiniciarasreformasdo concílionaprelazia.

Em 2 de maio de 1970, foi nomeado administrador apostólico da Prelazia de Lábrea, vaga com a morte de Dom José del Perpetuo Socorro Alvarez Mácua, OAR. Permaneceu nesta função por um pouco mais de um ano, até 7 de junho de 1971, com a chegada de seu sucessor.

Durante os sete anos que serviu como prelado, D. Mário trabalhou para trazer melhorias para sua prelazia. Sempre que viajava ao interior, levava consigo, além de catequistas, um grupo de enfermeiros e de assistentes sociais. Construiu centros de treinamento para educação de adultos do meio rural. Foi membro da Associação de Crédito e Assistência Rural do Amazonas (ACAR/AM) e do Movimento de EducaçãodeBase.

Faleceu vítima de um ataque cardíaco, ao chegar no porto de Manaus proveniente do rio Solimões. Seu corpo foiveladonomesmodiaaodesuamorte, na igreja deAparecida, onde fora vigário e, após a missa de corpo presente, levado para Coari, onde foi sepultado no piso da CatedralPrelatíciadeSant'Ana.

108 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Anos 60 em Coari

Rádio Educacional Rural de Coari

continuasse sendo um importante instrumentodeevangelização,apesardas dificuldades, desafios e problemas que aindaexistem.Aindanaadministraçãode padre Martin Laumann (1980 a 1989), houve várias mudanças na frequência e potência da Rádio Educação Rural de Coari.

Os estúdios da rádio foram montados, no primeiro momento, no refeitório do antigo seminário em Coari. A torre de transmissão foi erguida nas terrasdooutroladodoigarapédoEspírito Santo. No dia 30 de junho de 1964, o primeiro programa experimental foi transmitido das 12h às 15h. E no mesmo diadas18hàs21h.

A Rádio Educação Rural de Coari (RERC) foi inaugurada oficialmente e entrou no ar no dia 26 de julho de 1964. Foi um dia grande e glorioso para o povo de Coari, não sendo somente a festa de sua padroeira, Santana, mãe de Maria, mas também o dia em que o recém-ordenado Bispo, Dom Mário Anglim, tomou posse na prelaziadeCoari.

Desde o início e até hoje a emissora chama-se “Rádio Educação Rural de Coari”, sendo que o seu principal objetivo é a educação das áreas rurais.PadreMateusGeorgefoinomeado diretor em junho de 1964. Ele teve como seu ajudante um recém-ordenado Redentorista brasileiro, padre Francisco Martins. No início, a emissora transmitia programas todas as noites durante a semana, entrando no ar com o “Ângelus” às18hecontinuandoatransmissãoatéàs 21h.

PadreMartinLaumannassumiu a direção da RERC em nome da Vice Província de Manaus. A dedicação, abnegação e o afinco desse missionário foram determinantes para que a RERC

O transmissor de 2500 quilowatt de potência passou para 5.000 quilowatt e a frequência também foi alterada de 2.040 kHz na faixa de 120 metros, para 5 035 na faixa de 62m, sempre atuando em Ondas Tropicais. Todas essas mudanças foram lentas e graduais,poisalegislaçãodonossopaísé muito complexa em relação à Radiodifusão. Para a RERC chegar onde chegounaatualidade,comestapotênciae frequência, foi preciso passar mais ou menos 60 anos de existência e investimentos.

A importância da RERC cresceu muito durante seus 57 anos de existência, não só técnica e profissional como também humanamente, pois seu compromisso é a “Promoção do homem amazonense”. Ela é a “Voz e a Vez” do povo brasileiro desta porção territorial esquecida.

A Rádio Educação Rural de Coari apesar de pertencer à Diocese de Coari, também é a vez e a voz de 7 municípios: Codajás, Anori, Anamã, Beruri,Caapiranga,ManacapurueCoari. São mais de 500 comunidades eclesiais de base espalhadas na diocese e outras centenas que formam outros tipos de comunidades. A RERC tem um papel fundamentalparaessascomunidades.

A recepção da mensagem da RERC cruza oceanos e continentes e acontece em grandes países, como: Austrália, Itália, Estados Unidos, Índia, Suíça, e vários estados da Finlândia. Os elogios à programação e à contribuição social do trabalho da emissora vêm de todos os lados, mas são poucos os que contribuemparaestesucesso.

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Rádio Educacional Rural de Coari

Anos 60 em Coari

Coari na década de 60 na visão de um fazendeiro norte-americano

Em minhas pesquisas sobre Coari nas bibliotecasdomundo,encontreiaobrado fazendeiro norte-americano Marvin Schuttloffel, que foi voluntário papal em nossa cidade, entre os anos de 1964 e 1966. Nessa obra ele descreve como realizou seus projetos de plantação de arroz e criação de coelhos e galinhas híbridasemplenaflorestaamazônica.

O p r i m e i r o d e p o i m e n t o q u e selecionamos é sobre o hidroavião da Panair que fazia voo para Coari e ao chegar aquatizava nas águas do lago de Coari:

“O avião que pousou na água estava bastantevelho.Esteestilodeaviãoerada Segunda Guerra Mundial, e estes aviões avariavam-se cada vez mais durante esse longo tempo, uma vez que as suas peças eram muito escassas. Fontes disseramme que a empresa que operava esta linha paraCoariapenasassinouumcontratode um ano, e que este contrato seria cancelado dentro de mais alguns meses. O plano de longo prazo incluía a limpeza de um campo de desembarque onde o meu arroz estava atualmente a crescer, pelo que eu sabia que o projeto do arroz era de curta duração. Mas também sabia que, se os planos de construção do aeroporto fossem anunciados no dia seguinte, eu ainda teria várias colheitas porque“istoeraoBrasil”. Em 18 de maio de 1966, ao escrever para os seus pais, Marvin volta a descrever como era viajar no Avião Catalina no trechoManaus–Coari: “Acabei de voltar de uma viagem a Manaus no avião Catalina que pousou na água.Avelha moça está ficando bastante velha, e às vezes me pergunto como isso continua. Meu assento estava perto da água e, quando o avião pousou, me molhei com um fino jato de água que entrou na cabine por algumas rachaduras na fuselagem. Rachaduras na fuselagem

são comuns. Na verdade, durante este voo, pegamos uma tempestade e o telhado começou a vazar. De repente, apareceu os lenços de mão dos passageirosparalimparaágua”.

Nesse livro, podemos extrair através dos relatosdoautor,comoeraviveremCoari na década de 1960. Nessa época, os motoresdeenergiaeramdesligadostodas as noites a partir das 21h e dessa forma, a populaçãopassavaanoitenaescuridão. Em seguida, vamos observar a narração sobreoacidentedacorvetadaMarinhana praiaemfrentedeCoari: “Por volta do final de maio (1966), um barco da marinha brasileira conhecido como Corveta entrou no Lago Coari com alguns materiais de construção para os padres. O capitão da enorme embarcação aproximou-se demasiado, bateu num banco de areia oculto, e ficou pendurado. Oprópriobarcodeviaterpelomenos250 pés de comprimento, e eu nem sequer arriscaria um palpite quanto ao seu peso. Para tirá-lo do banco de areia, vários barcosmenoressaíramedescarregarama carga da Corveta que se destinava a Coari.Istoporsisónãofoisuficientepara o ajudar a recuar do banco de areia, mesmodepoisdaCorvetatercorridocom os seus poderosos motores, a toda a velocidade, em marcha ré. Muitos mais barcos foram convocados, e com todos eles a puxar, ainda não conseguiam movê-lo. Finalmente, após várias tentativas, que levaram o dia todo, a Corveta largou a sua âncora de duas toneladasdapartedetrásdonavio,ecom ações repetidas, conseguiram guinar o navio para fora do banco de areia. Uma enorme multidão tinha-se reunido para observar todo o processo, e era consenso geral que o capitão do navio não sabia o que estava fazendo. Aparentemente, todos tinham razão porque uma enorme barcaça petrolífera do Peru atingiu o Corveta na foz do lago de Coari quatro horas depois de este ter deixado o banco deareia.

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Anos 60 em Coari

De acordo com alguns dos muitos rumores, a Corveta estava a navegar fora da foz e à volta de uma curva, não viu a barcaça carregada de petróleo, e colidiram. Ambos os barcos estavam a cerca de 40 pés da costa, e a barcaça, viajandoacercadedozemilhasporhora, não conseguia parar. A Corveta alegadamente virou-se para o lado largo para tentar sair do caminho, e a barcaça bateu na Corveta mesmo à saída dos dois compartimentosdafrente,mesmoabaixo da linha de água.ACorveta não afundou devidoàsrápidasaçõesdatripulaçãoque fechou os dois compartimentos antes de poder tomar mais água. Infelizmente, dois homens da marinha morreram, e apenas um corpo foi recuperado. O outro corpo de marinheiro não pôde ser encontrado e aparentemente foi para o rio. Este fato suspendeu todas as formas de pesca em torno daquela zona durante pelo menos uma semana. Nenhum dos nativos queria arriscar e consumir um peixe que pudesse ter consumido carne humana. O corpo recuperado do outro marinheiro foi transportado para Belém para um grande funeral O acidente aconteceu mesmo perto da foz do rio na saídadeCoari”.

Podemos ver um lado mais hilário de Marvin, na escolha da Rainha da Primavera ou Miss Primavera, evento com tradições norte-americana que foi trazidoparaCoaripelasIrmãsA.S.C.: “Na mesma época, a escola de Coari (E.N.S.P.S.) sediou a “Coroação da Rainha da Primavera” e resolvi ir. O julgamento da rainha foi claramente embaraçosamente manipulado. A garota que ganhou o concurso de beleza era feia como uma velha cerca de barro e não tinha nenhuma pose teatral. No entanto, essa garotinha atarracada era filha do homem mais rico da cidade. Ficou claro para mim e para muitos outros que muito mais talentos estavam no palco naquela noite e os melhores nem foram considerados. E ainda por cima, sua irmã ganhou o mesmo título no ano passado.

Muitas pessoas ficaram aliviadas porque essa menina era a última da família. Talvez seja um concurso mais justo no ano que vem. Depois que a candidata foi coroada, houve uma dança muito divertida e aprendi uma nova dança chamada bolero, a primeira dança latina que dancei. Várias das jovens brasileiras fizeramfilaparadançarcomoamericano deolhosazuis”.

Um olhar sobre o bairro de Chagas Aguiar:

“Padre Jaime ficou atrás da conclusão da ponte sobre o igarapé que separava Coari da área chamada Chagas, onde ficavam meus galinheiros e onde eu viajava todos os dias de canoa Vários políticos chegaram ao cargo prometendo à população de aproximadamente mil pessoasdoladodeChagasaconclusãoda ponte. Depois de iniciarem uma pequena construção, logo parou as obras quando assumiu o cargo. A área era um remanso que enchia e dividia a cidade enquanto o rio Amazonas estava em sua crista durante oito meses do ano. Como resultado, Chagas não tinha mercado, igreja, escolas ou acesso a um centro médico. Táxis aquáticos (canoas improvisadas) transportavam as crianças até as escolas. Em muitas ocasiões, as canoasatolavameascriançastinhamque nadar até a margem. Apenas algumas mortesocorreramaolongodosanos,mas inúmerossapatoselivrosforamperdidos. Cansado disso, Padre Jaime entrou em contatocomogovernobrasileiroe,coma ajuda de um engenheiro, elaborou um plano. Uma ponte de cimento estava fora decogitaçãodevidoaocusto,masopadre Jaime procurou Chico Corrêa, que tinha apenasoitoanosdeescola,masseprovou estabelecendo um parque industrial em Coari e administrando seu próprio negócio. Os ricos deram dinheiro em arrecadações de fundos, os trabalhadores concordaram em trabalhar com uma taxa reduzida e apenas os pedreiros se recusaramaaceitaraumataxamaisbaixa empagamento.”

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Anos 60 em Coari

APrimeira Igreja Batista de Coari

inauguradonadatade24denovembrode 1960. Está localizado na rua Gonçalves Ledo, n. 199, no centro da cidade de Coari.

SegundoRaimundoParente: “A Primeira Igreja Batista de Coariéumaigrejatradicional,históricae conservadora. É filiada à Convenção Batista Brasileira, Convenção Batista do Amazonas e Associação das Igrejas Batistas do Médio Solimões. Tem a Bíbliacomoúnicaregradefé,condutaea Declaração Doutrinária da Convenção BatistaBrasileira”.

A Primeira Igreja Batista de Coari começou a ser concebida no final da década de 20 do século XX por reuniões com intuito de preparar os grupos para fundamentar a sua criação. Contudo, ela só foi organizada efetivamente como igreja em 24 de novembro de 1932 pelos membros vindos da Igreja Batista que existia na comunidade da Boa Fé, no Rio Copeá e outros.

U m m a r c o p a r a o desenvolvimento da Primeira Igreja BatistadeCoarifoiachegadadeCodajás de seu primeiro dirigente, o Pastor Júlio MartinsBraga.

Em 1945, sob organização dos membros da Primeira Igreja Batista de Coari, e na liderança do Pastor Alberico Antunes de Oliveira foi fundado o Instituto Bereano de Coari, localizado na rua Ruy Barbosa, em plena ocorrência da 2ªGuerraMundial.

A Primeira Igreja Batista de Coariacompanhadiretamenteatrajetória histórica do município de Coari desde 1932 e foi a primeira Igreja Evangélica fundadanomunicípiodeCoari.

O templo da Primeira Igreja Batista de Coari, tem arquitetura inspirada nos templos Batistas dos Estados Unidos. Foi construído sob a liderança do Pr Miguel Horvath e

Atualmente a Primeira Igreja Batista de Coari tem como Pastor o Pr. JorgeMarinsdeLiraetemcomopastores auxiliares o Pr. Cláudio Ricardo de Oliveira Lima e o Pr. Natalino Pereira de Souza Filho, todos eles nascidos em Coari. Foi recentemente criada mais 3 igrejas Batistas em Coari: Igreja Batista Água Viva, no bairro de Santa Efigênia, IgrejaBatistaMonteHorebe,nobairrodo UrucueIgrejaBatistaPríncipedaPaz,no bairro do Pera I. Existe ainda, mais três congregações na cidade, situadas nos bairros de Grande Vitória, Ciganópolis e Vila Lourenço; e na zona rural do municípioexistemseiscongregações.

Lídereshistóricos

O senhor Enedino Monteiro da Silva, 1º Prefeito de denominação evangélica de Coari (1973), foi enviado pela Primeira Igreja Batista de Manaus para ser evangelista aqui em nossa cidade,comsuaesposaAldaBráulePinto Monteiro e Maria Elizabeth Silva Bastos Rodrigues,esposadosenhorDimasTeles Rodrigues.Elesajudaramnafundaçãodo Bereano. Dimas Teles Rodrigues atuou na Primeira Igreja Batista de Coari por mais de 50 anos com sua esposa, sempre comodiáconoepresidente.

112 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Anos 60 em Coari

AOrigem da IgrejaAssembleia de Deus em Coari

Após algumas tentativas frustradas de iniciar o trabalho pentecostal na sede do município, em virtude das perseguições religiosas, o primeironúcleodeirmãosdaAssembleia de Deus se estabeleceu na comunidade Novo Horizonte no ano de 1947. Foram anos sucessivos de pregação da mensagem pentecostal, evangelização e exposição da palavra de Deus na região do município de Coari, até que no dia 17 de junho de 1965 é oficialmente aberto o trabalho com a presença do evangelista Walmiro Candido Sena, em uma casa alugadanoBairrodeTauá-mirim,naRua 2deDezembro,número623.

Segundo o irmão Alfredo Rodrigues da Silva, membro pioneiro do trabalhonacidadedeCoari,oevangelista Walmiro pregava o evangelho constantemente na Pç Getúlio Vargas, no centro da cidade e através destas pregações ele ganhou as primeiras pessoas que passaram a se congregar na referidacasadeoraçãoquefuncionavana rua2dedezembro.Foigrandeoempenho doevangelista,atéquenomemoráveldia 17 de junho de 1965 o trabalho foi fundado oficialmente, com a redação de uma ata para documentar a reunião de fundação. Assim foi narrado, em ata oficialdaigrejaoiníciodetudo: “Precisamente às 19h30 do dia 17 de junho do ano de 1965, em salão alugado, sito à rua 2 de dezembro reuniram-se os seguintes irmãos (crentes), sobre direção do evangelista autorizadopeloministériodaAssembleia de Deus, Manaus, Estado do Amazonas, Walmiro Candido Sena e os pioneiros: Antônio Frazão e esposa Beatriz Frazão, Eduardo Cruz e esposa Raimunda Cruz, Antônio Pereira da Silva e sua esposa Amália Amâncio da Silva e outras pessoas que se faziam presentes na oportunidade. Com uma oração a Deus foram abertos os trabalhos e entoados os hinos de número 15, 2 e 40 da Harpa Cristã.

Sendo logo feito depois pelo referido evangelista Walmiro Candido Sena o convite a todos para a leitura da

Palavra de Deus, em Romanos 1 16, falando da salvação pela fé em Jesus Cristo, mediante o sacrifício do calvário, dissertou pela doutrina esposada pela doutrina desposada pela Assembleia de Deus e, em todos os presentes havia grande esperança e notável alegria, que traz o evangelho de Jesus Cristo. E ainda sob o cântico de número 25, da mesma harpa, foram recebidas as ofertas cristãs, paraotrabalhodoSenhorJesusCristo.

Ficando assim constituída a diretoriadaigreja: Presidente:WalmiroCandidoSena; 1ºSecretário:AntônioPereiradaSilva; 2ºSecretário:EduardoCruz; Tesoureiro:AntônioFrazão; 2ºTesoureiro:AmáliaAmânciodaSilva.

Todos estes irmãos, já mencionados, foram ao momento aceitos poraclamação(unânimes),tendosidoem seguidaencerradaasessão(oculto).

Templo daAssembleia de Deus emCoari,17dejunhode1965”.

Nesta casa de oração os cultos foramrealizadosporcercadeumano,até que os cultos passaram a ser realizados em outro lugar, na Rua Rui Barbosa nº 582jásobaliderançadopastorFernando Granjeiro,enviadoaomunicípioparadar continuidade ao trabalho iniciado pelo evangelista Walmiro Candido Sena. Cerca de quinze pessoas se congregavam no local. Em menos de um ano depois, os cultos voltam a ser realizados novamente no primeiro endereço, na rua 2 de dezembro,aindaemlocalalugado.

A pequena igreja, que crescia lentamente sob a pregação da Palavra de Deus e a unção do Espírito Santo enfrentava várias dificuldades, a maior delas a resistência à aceitação da Palavra de Deus por parte de religiosos ligados à religião tradicional, há muito tempo existente no município e até mesmo a hostilidade de pessoas que por total desconhecimento da Palavra de Deus promoviam badernas, apelidos e até mesmo jogavam pedras sobre o telhado da humilde casa de oração enquanto os irmãos buscavam ao Senhor orando em vozalta.

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2º batismo em águas realizado na história da igreja em Coari, no dia 31 de março de 1968.

O 1º batismo em águas foi realizado no dia 25 de abril de 1966, durante o ministério do pastor Fernando Granjeiro de Menezes, em que foi ministrado pelo pastor José Reis, neste dia desceram às águas os primeiros membros da igreja a serem batizados: Maria Suzana Rodrigues, Justa Rocha SimeãoeRaimundoRochaSimeão.

O 2º batismo aconteceu no dia 31demarçode1968eforambatizadosos seguintes irmãos: Sebastião Pereira Martins, Sebastião Leão Oziel, Alfredo Rodrigues da Silva, Aldenora Amâncio da Silva, Pedro Simão da Silva, Gláucia daSilva,QuelitaElóidaSilva,Raimunda Maciel (Raimundinha), Aldebaram AmânciodaSilvaeirmãMariadeNazaré MacielGomes.Ascerimôniasdebatismo eramrealizadasnaságuasnasmargensdo LagodeCoariemfrenteondeatualmente ficamasinstalaçõesdameteorologia.

No dia 14 de abril de 1968, o pastor Osvaldo de Freitas Elói assumiu a Igreja em Coari. Neste período a igreja aindafuncionavaemumacasaalugadana Rua2deDezembro.Surgianocoraçãodo pastor e dos primeiros membros a necessidade de a igreja possuir um templo de sua propriedade. Ao lado da casa de oração havia um terreno baldio, umasaídaderuaqueestavasemutilidade alguma, cheia de entulho e tomada pelo matagal. Observando tal fato, o irmão Alfredo Rodrigues procurou as autoridades do município para ser feita a doação daquela área de terra, onde seria

Fachada do primeiro templo da IEADAM em Coari, com os membros da igreja posicionados na frente do mesmo.

construído o primeiro templo da Igreja Assembleia de Deus em Coari. O pedido foiaceito,aterraaoladodaantigacasade oração foi doada pelas autoridades do município para a construção da igreja, quefoiiniciadanomesmoano.

Envolvidos na construção, os irmãos trabalharam lado a lado com o pastor Osvaldo Elói, sendo responsáveis diretospelaconstruçãoosirmãosAlfredo Rodrigues e Antônio Pereira, auxiliares da obra. Ajudaram vários irmãos, dentre elesJoséGomesPereira.AlmirElói,filho do pastor Osvaldo Elói, deu o seguinte testemunho falando sobre a construção do primeiro templo: “Meu pai disse que muitas vezes ele molhou cimento com lágrimas”.

Tal empenho na pregação da palavra de Deus, na união pela obra e na dedicação no serviço resultou na inauguração do templo no mês de junho de 1969, com a presença do Pastor Presidente da Assembleia de Deus no Amazonas e caravana vinda de Manaus, quevieramabordodoBarcoAvante,para celebrar a vitória do povo de Deus em Coari, trouxeram de capital uma orquestra e chegaram com salvas de fogosdeartifício,chamandoaatençãoda cidade para a grande obra que se iniciava em Coari. Portanto, o templo central ficou definitivamente estabelecido na rua 2deDezembronº623.

Excerto do livro “A História da Assembleia de DeusemCoari”—DanielMacielGomes”.

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Anos 60 em Coari
AOrigem da IgrejaAssembleia de Deus em Coari

Anos 60 em Coari

FátimaAcris, nossa primeira Miss Amazonas

O Miss Coari é um concurso de beleza mais tradicional do estado do Amazonas. Teve seu início no ano de 1940 e foi organizado nos anos iniciais pela pelos periódicos “O Jornal” e “Diário da Tarde” de Manaus, mais tarde pela associação Tijuca Esporte Club e depois de alguns anos, passou a ser organizado pela prefeitura de Coari, que no decorrer do tempo, mudou o local do concurso para a Praça da Matriz, quadra de Esporte São José, Refúgio Dois Pinguins, quadra da escola Dom Mário e atualmentenocentrocultural.

O mandato de Clemente Vieira (1963a1969)apontouumnovomarcona forma de governar Coari. Uma característica forte foi a manifestação do populismo e o assistencialismo, paralelamente a criação de grandes obras portodaacidade.

Em 1967 houve a inauguração dealgumasobrasnavisitadogovernador doestadoDaniloAreosa:

• O grupo escolar Inês de Nazaré Vieira.

• Inauguração e revitalização das ruas Independência, Travessa MotaeXVdeNovembro.

• A p o i o a i n s t a l a ç ã o d a Celetramazon (Companhia de energia).

• Doação da praça Silvério Nery para a instalação da CAMTEL (Companhia Amazonense de Telecomunicações).

Anossa primeira Miss Coari foi a senhora Emília Abinader Ribeiro em 1940, esposa do senhor Messias Ribeiro, expressivo comerciante de nossa cidade. Enodecorrerdotempo,opovocoariense foi entendendo, aprendendo e se envolvendo no seu concurso mais expressivodebelezafeminina.

Todos os anos a população já espera chegar o mês de agosto, especificamentenodia02,aniversáriode nossa cidade, para torcer por sua candidata preferida ao Miss Coari, título muitoconcorridonaCidadedaBelezaou Terra de Mulheres bonitas. Designação muitopertinente,vistoque,nahistóriade nossa cidade há uma exaltação à beleza das indígenas da região, registrado sobretudo peloPadre João Daniel,no seu Livro “Tesouro descoberto no máximo RioAmazonas”.Eleasdescreveuassim:

“Algumasfêmeasaquealémde suas feições lindíssimas, têm os olhos verdes e outras azuis, com uma esperteza e viveza tão engraçadas que podem ombrear com as mais escolhidas brancas”.

O livro foi escrito entre 1741 e 1757, dessa forma, podemos concluir dedutivamente, que a maneira em que se formou o povo coariense, advém da miscigenaçãoentreosviajanteseuropeus que por essas terras passaram e os povos indígenas.

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Clemente Vieira

Anos 60 em Coari

A constatação da beleza coariense ficou muito evidente em 31 de maiode1968,noconcursodeMissCoari realizado no Tijuca Esporte Clube, no período que se realizava a festa da primavera e a escolha também da Miss Primavera. A vencedora do concurso de Miss Coari 1968 foi a linda coariense, MariadeFátimadeSouzaAcris.

No ano de 1968, era então, o último ano do primeiro mandato do prefeito Clemente Vieira Soares, e o mesmoconduziucomsuaesposa,Fátima Acris, para participar do MissAmazonas 1968 com todos os cuidados e muitas notasnosjornaismanauaras.

O concurso aconteceu na noite de 8 de junho de 1968 e foi promovido peloJornaldoComércioeaRádioBaré.

As indígenas coarienses são descendentes diretamente dos Jurimáguas que nas passagens das belas Icamiabas, nessa terra, se relacionavam e as meninas nascidas dessas uniões permaneciam junto às amazonas, e os meninos eram entregues aos pais da tribo dos Jurimáguas, juntamente com um amuleto da sorte denominado de muiraquitã.

Com essa miscigenação e mais tarde, com a chegada dos imigrantes turcos, libaneses, árabes, judeus e a migração dos nordestinos nos dois ciclos da borracha, formou-se um povo com características físicas típicas de várias “raças” com uma rica e belíssima mistura. Surgindo assim, as coarienses, asmaisbelasmulheresdaAmazônia.

O baile de “Miss Amazonas 1968” foi iniciado às 22h40min, em que logo, o mestre de cerimônia, Dr. Jayme Rebello, deu início ao desfile em traje de noite encantando todos os presentes. Na passarela, que estava estendida de uma extremidadeaoutradosalãodedançasdo Rio Negro, desfilaram: Maria das Graças Garcia (Clube Municipal), Evan Neves (Bancrévea), Helen Rita Guimarães (Princesa Isabel), Maria de Fátima de Souza Acris (Cidade de Coari), Theolinda Franco Duarte (Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia da UA) e Greice Marques (União Esportiva Portuguesa).

Emseguida,aconteceuodesfile em traje banho (Maiô), assim sendo possível tirar todas as dúvidas sobre os critérios avaliativos das medidas e a belezadecadaparticipante.Logoapós,as candidatas se retiraram para os camarins do clube, esperando a decisão da Comissão Julgadora. Enquanto os juízes se reuniram para eleger a mais bela amazonense daquele ano, Zeina Chama, Miss Amazonas 1967, desfilou para encerrar seu reinado, sendo vibrantemente aplaudida pelo imenso público.

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FátimaAcris – Desfile de Maiô – Salão dos Espelhos do Rio Negro Club

No momento final, houve o anúncio da vencedora do concurso, a coariense Fátima Acris, que foi ovacionada pela verdadeiramente multidãoquesecomprimiano“Salãodos Espelhos” do Atlético Rio Negro e na áreafronteiriçaaoclube.

O concurso de Miss Amazonas 1968premiouFátimaAcriscomprodutos daSanyoeMundialMagazine,passagem ida e volta para Miami pela Avianca e uma viagem a Salvador, onde a mesma prestigiou no GinásioAntônio Balbino, a eleição de Martha Vasconcellos como MissBahia1968.

Coari viveu na madrugada daquele domingo, momentos de intensa euforia. Pelas ondas da Rádio Baré, os conterrâneos da Miss Amazonas 1968 acompanharam com ansiedade o concurso. Quando foi conhecido o resultado, o povo saiu à rua cantando em meioaumfoguetório.

InezBatistadisse: “Coari fez festa. Ficamos todos no canto do Mengo Bar esperando o

resultado pelo rádio O desfile tinha transmissão ao vivo pela rádio Baré. Lembro que saímos pulando e parecia a vitória do Brasil no futebol”.

O Miss Brasil de 1968 foi um concurso inesquecível na lembrança das pessoasquesãoapaixonadaspelomundo da missologia. 1968 ficou na história como o ano da escolha da nossa segunda Miss Universo, a baiana Martha Vasconcellos. Martha e Fátima Acris se destacaram na sua preparação do concurso e na expressiva divulgação de suasfotosnasrevistasejornaisdegrande circulaçãoemtodoopaís.

O concurso de âmbito nacional aconteceunodia29dejunhode1968,no Ginásio do Maracanãzinho, Rio de Janeiro. Foi promovido pelos “Diários e Emissoras Associados” e foi transmitido pela saudosa TV Tupi. Houve a participação de 25 candidatas, representando os Estados e Territórios brasileiros. A grande festa nacional da beleza começou com a apresentação em traje de gala, seguida em trajes típicos e finalizoucomtrajebanho(maiô).

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Traje de Noite – Salão dos Espelhos do Rio Negro Club Fátima Acris usando seu T raje Típico no Miss BrasilRevista Cruzeiro –1968

Desde a década de 60, em Coari há uma tradição de revelar grandes talentos para os concursos de beleza ao nível estadual e até nacional. Fato que veminfluenciandodiretamentenesses50 anos a paixão dos coarienses pelo concursodeMissCoarieajudaramnossa cidadeaserchamadade“TerradaMulher Bonita”.

Fica aqui minha homenagem à Fátima Acris, que neste ano de 2018, completou50anosdeseueternoreinado. Dona de uma beleza suave, angelical e sobretudo, que irradiou sempre simpatia. Essa mulher que saiu de sua cidade, onde trabalhava nas Casas Pernambucanas e, no período de um mês, partiu para o mundo, deixando em sua Coari um legado de dignidade e uma história que influenciou sempre o empoderamento da MulherCoariense.

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Retorno de FátimaAcris a Coari Retorno de FátimaAcris a Coari

Inauguração do Hospital de Coari

Era sábado, dia 6 de março de 1971,às9hdeumdiaensolarado,chegaa Coari a comitiva do governador Danilo AreosaparainaugurarohospitaldeCoari da Superintendência dos Serviços Médicos do Interior SUSEMI. O prefeito Mussa Abrahim Neto (1969 a 1973)fezarecepçãodacomitivaefoium diademuitasfestividades.

O hospital foi pré-fabricado na Inglaterra, o hospital dispunha de secretaria, laboratório, banco de sangue, sala de reuniões, centro cirúrgico, com sala de recuperação, maternidade, salas de pré-parto, enfermarias, berçário, inclusive para prematuros, ambulatórios, apartamentos para médicos e parteira, cozinha e refeitório, necrotério, sala de vacinação, gabinete de raios-X, gabinete odontológico e as demais dependências necessárias, e tudo o que um hospital deveterequemuitosnãotêm.

Um dos objetivos secundários do hospital de Coari foi para servir de centro de apoio às lanchas da secretaria desaúdeecidadespróximas.

Issotudoemumacidadeemque até pouco tempo, o que tinha de assistência médica era de iniciativa de abnegados Padres Redentoristas, funcionando precariamente. Em alguns municípios do interior do Amazonas se

construiu maternidades, em lugares onde o índice de crianças nascidas nos hospitais é nulo, porque para o caboclo menino nasce mesmo é, em casa, pelas mãos da ‘‘comadre’’, pois difícil não é nascer,éviver.

Coari, centro de uma extensa área do Solimões tem agora, um hospital com H maiúsculo, que ao lado de outras iniciativas governamentais de fundo infraestrutural, não expulsa o homem interiorano para as periferias marginalizadas de Manaus em busca de saúde. Agora tem um hospital moderno, equipado, completo, servido por jovens médicos saídos do Projeto Rondon para dar-lheaassistência.

Jornal do Comércio — 04/03/1971

Rainha do Solimões

No dia 9 de novembro de 1971, o vice-presidente da República, Almirante Augusto Rademaker, subiu o Amazonas no navio Lobo D’almada da Empresa de Navegação da Amazônia –ENASA inspecionando a calha do Solimões. Nessa viagem, ele parou em CoarievisitouohospitaldeCoari,fezum discursonapraçaGetúlioVargas,emque disse que a partir daquele momento, Coari seria conhecida como “Rainha do Solimões”,devidoasuagrandepujançae desenvolvimento.

119 Nunca Mais Coari Archipo Góes Anos 70 em Coari
Unidade Mista de Coari

O avião monomotor de prefixo PT-DKC, pertencia aos padres redentoristas da Prelazia de Coari

Avião mergulhou no lago de Coari matando o piloto

No dia 12 de abril de 1971, o avião monomotor de prefixo PT-DKC, pertencente aos padres redentoristas da PrelaziadeCoari,mergulhoupelamanhã nas águas do Lago de Coari, provocando a morte do seu piloto José Edno Rios Gomes e deixando gravemente ferido o passageiro JoséArnaud Sales, gerente do Banco do Estado do Amazonas, agência local.

As primeiras notícias dão conta dequeopiloto,natentativadedesviarde uma canoa que surgiu no momento de aquatizar, provocou descontrole da aeronave, que adernou mergulhando posteriormente nas águas do Lago de Coari. José Edno Rios Gomes, ficou engatado no cinto de segurança, acompanhando toda a trajetória do monomotor,enquantoJoséArnaudSales, conseguindo se soltar foi retirado das águas em estado de coma, sendo internado no Hospital da SUSEMI existentenacidadedeCoari.

57.JornaldoComércio-Em17dejulhode1972

O Voo

O monomotor de prefixo PTDKC saiu às 9h do dia 12 de abril de 1971, de Manaus às 9 30 horas de ontem, levando em seu bojo além do piloto José Edno Rios Gomes, o gerente da agência do Banco do Estado do Amazonas (BEA), em Coari, que passou o fim de semananacapital.Noexatomomentoem que tentava pousar o hidroavião, surgiu segundo as primeiras notícias chegadas a Manaus, uma canoa. O piloto José Edno RiosGomesaotentardesviardapequena embarcação,provocouodesequilíbriodo monomotor, tendo este adernado, mergulhando posteriormente sob as águas do Lago de Coari. José Edno Rios Gomes,engatadonocintodesegurançae em virtude do esforço que despendeu na tentativa de corrigir a posição do avião, não teve tempo de fugir, enquanto o seu companheiro de viagem, José Arnaud Sales, em virtude do violento impacto, era depois socorrido por populares, em estadodecoma,gravementeferido.

120 Nunca Mais Coari Archipo Góes Anos 70 em
Coari

Anos 70 em Coari

“Háoutraversão,nãooficial,de queosdoishaviamsaídodoavião,porém o gerente do BEA, José Sales havia esquecido a sua pasta com documentos do banco. O piloto Rios em um ato impensável,voltouparapegarapastaejá dentro da cabine, o avião tombou mais ainda, batendo a porta. Dessa forma, ele ficou preso dentro do avião enquanto o aviãoafundava.”

Socorro

Pessoasqueseencontravamnas proximidades do local onde o pequeno avião costumava fazer pouso, avistaram com espanto quando o monomotor de prefixo PT-DKC perdia o controle do rumo de voo, para depois mergulhar nas águas do lago de Coari. Imediatamente, várias pessoas, com o auxílio de canoas, rumavamparaolocal,retirandoogerente do Banco do Estado do Amazonas, agência de Coari, que foi imediatamente içado e, quarenta minutos após o piloto José Edno Rios Gomes era retirado do interior do seu avião com ferimentos e já semvida.

O corpo do jovem piloto foi transportado para a sua residência em Manaus,narua31dejaneiro,nomorroda Liberdade. Assim como o gerente do BEA,JoséArnaudSales,foitransportado para tratamento em Manaus, visto que permaneciaemcoma.

OPiloto

JoséEdnoRiosGomes,nascido em Manacapuru, tinha 29 anos, 4 dos quais trabalhando para a Prelazia de Coari como piloto, profissão que sempre sonharaemserealizar ErafilhodeMaria ReisGomeseRaimundoGomesdaSilva, funcionáriodoMinistériodaAgricultura. Concluiu o curso técnico na Escola Técnica Federal do Amazonas, para depois empenhar-se na carreira dos seus sonhos: ser piloto. Em 1965 viajou a São PauloondefoilicenciadoporumaEscola de Aviação, retornando a Manaus onde

passou a trabalhar para a Prelazia de Coari, dos padres Redentoristas, realizando diariamente voos a aquele municípioemdesobrigaprofissional.

JoséEdnoRiosGomes,nodia2 demarçoúltimo,realizaramaisumsonho de sua vida. Contraiu matrimônio com a jovemuniversitária,estudantede29anos daFaculdadedeOdontologia,VeraLúcia Abugoste Gomes, a quem conhecera há dois anos e nove meses, período em que faziam planos para unirem-se pelo matrimônio que se realizou no mês passado. Na manhã de ontem, José Edno Rios Gomes acordara bem cedo, dizendo que iria transportar duas pessoas que pretendiam ir a Coari, o gerente do BEA, José Arnaud Sales e o comerciante Galdino B. Guedes residente na rua Belém, 407 que desistiu da viagem minutos antes de ela se realizar.Antes de se dirigir aoAeroporto, José Edno, como de costume, levou a esposa Vera Luzia para a escola, dizendo que voltaria ainda ontem,poisteriaderesolverumasériede problema...emqueseincluíaareservade passagens em uma agência de viagens para sua irmã Rosa Maria Gomes, que deverá chegar a Manaus nos últimos dias deste mês procedente de São Paulo. Iriam, segundo ficou acertado, fazer compras no mercado.As primeiras horas da tarde de ontem, entretanto,Vera Lúcia recebia a triste notícia: o avião pilotado por seu marido mergulhava no lago de Coari,provocando-lheamorte.

Vera Lúcia Gomes dizia que sempre que José Edno Rios Gomes realizava uma viagem, ela lhe dizia: “amortodavezquefazesumaviagem,eu tenho a sensação de que você vai morrer, pelo que ele acalentava: “você não entendedeaviação”.

José Edno Rios Gomes, no ano de 1968 esteve na Califórnia. Estados Unidos, onde fez um curso de aperfeiçoamentodeaviaçãoeconduziuo avião de prefixo PT-DKC que fora adquirido nos Estados Unidos pelos padres redentoristas, no interior do qual elemorreu.

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Depoimento in loco de Seresta (Francisco Oliveira e Silva) sobre o acidente do avião do bispo Dom Mário nolagodeCoari.

Eu estava no flutuante Texaco, que é até hoje, o comércio de venda de combustíveis de nossa família. Juntocomigo,estavaumfuncionárioque chamávamos de Cabo Rural, pois ele era parecido com o famoso militar que vivia emCoari.

Quando o avião chegava, tradicionalmente dava uma primeira volta para verificar se não havia nenhum obstáculo(canoa,barco,tronco).Quando eu ouvi o barulho do avião, saí para assistir, pois naquele tempo tudo era novidade, a gente quase não avistava avião em Coari. Mas, ao vê-lo, percebi algo diferente. Uma roda do trem de pouso estava baixada. Era comum que quando o avião chegava, às 02 rodas estavamrecolhidas.

Infelizmente, naquele dia umarodaestavarecolhidaeaoutraestava baixada. Ao perceber isso, achei muito estranho, pois, ao sair do aeroporto, este hidroavião usava o trem de pouso para a decolagem, mas para aquatizar (amerissar) não há necessidade do uso dasrodasesimdosflutuadores.

Na segunda volta, o hidroavião veio para fazer o pouso aquatizando (amerissagem), porém, ao tocar nas águas do lago de Coari, a roda

fez o avião tombar para ao lado, justamenteondeamesmaestavabaixada, ficando de cabeça para baixo, com uma partedaaeronaveimersasobaságuas.

Seresta chamou o seu funcionário, pegaram uma canoa e foram rapidamente ao encontro do avião. Os dois remaram velozmente e ao chegarem no local, Seresta conseguiu abrir a porta do avião e o gerente do BEA (Banco do Estado do Amazonas) conseguiu sair e passarparaacanoa.

Seresta perguntou pelo piloto Rios, e José respondeu que ele estava pegando a sua pasta de documento do banco. Mas, Seresta observou que o pilotoRiosnãoestavaconsciente.Eneste exato momento o avião se movimentou, batendoaportaedescendomaisfundono lago.

Seresta mergulhou e tentou abrir a porta do avião para salvar Rios, mas não conseguiu. Foi quando veio um pensamento em sua mente: — E se o aviãoexplodir?—Entãoresolveusubire voltarparaacanoa.

Foi quando chegaram mais pessoas em outras embarcações para ajudar. Seresta relatou também que mais tarde quando o avião foi arrastado para terra,eosprimeirossocorroscomeçaram a ser prestados, viu uma grande marca roxa no peito do piloto Rios provavelmente causada pelo manche do avião e poderia ser o motivo dele estar inconscientenahoradoacidente.

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Anos 70 em Coari

Em1910,omunicípiodeCoary 58 possui uma Comarca e os seus 05 distritos: A vila de Coary, o distrito do BarroAlto,distritodeCamará,distritode Itapéua e distrito de Piorini.Apopulação nofinaldaprimeiradécadadoséculoXX era de 11 000 mil habitantes e 295 5 9 eleitores . A Superintendência Municipal (Prefeitura) era presidida pelo CoronelLucasdeOliveiraPinheiro.

A atual igreja matriz de Coari foiinauguradaem1910peloPadreVíctor Merino, que trabalhou em Coari entre os anos de 1906 a 1910. Ela possui estilo arquitetônico espanhol e na época possuíaapenasanavecentral.

Em 13 de julho de 1963, foi erigida a Prelazia de Coari pelo Papa Paulo VI através da Bula Ad Christi. Contudo,aprelaziasófoiinstaladaem11 de março de 1964 numa celebração feita pelo bispo de Manaus, Dom João de Souza Lima, que entregou a prelazia aos missionários Redentoristas que já

atuavam nessa região e também em CodajáseManacapuru.Oprimeirobispo prelatício foi o americano, Dom Mário RobertEmmetAnglim,quefoiescolhido no dia 25 de abril de 1964 também pelo PapaPauloVI.

Início da obra de ampliação da igreja matrizdeCoari

O Pe. Alyrio Lima dos Santos (PadreLima–19/12/1931- 12/07/1913) missionou o evangelho em Coari entre 1958 e 1962, após isso, viajou para fazer um curso de direito canônico e alguns pequenos cursos de arquitetura em viagem a Roma entre os anos de 1962 a 1964. Ao voltar ao Amazonas em 1964, foidesignadopelobispoDomMáriopara ser seu vigário geral e diretor da Rádio Educação Rural de Coari. Contudo, sua maisdifícileousadamissãofoiprojetare coordenaraampliaçãodaigrejamatrizda Paróquia de Coari, sede da prelazia, sendo construída 02 naves laterais e dandoesseaspectosuntuosoeimponente aedificação.

58. Corresponde ao território em que o juiz de primeiro grau irá exercer sua jurisdição e pode abranger um ou mais municípios.

59. Nessa época só votavam homens alfabetizados com mais de 21 anos e que comprovassem posse, os religiosos e os militares.

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70
Anos
em Coari
Catedral de Santana e São Sebastião Catedral de Santana e São Sebastião

Anos 70 em Coari

Pe. Lima explicava aos paroquianos que independentemente de ondevocêestivesse,nanavecentral,nave direita ou esquerda, poderiam assistir à celebração do padre sem empecilhos. Deu-se início às obras e a partir daquele momento, as missas, batizados, casamentos etc foram realizados no prédio da paróquia, que mais tarde seria conhecidocomoCentroDomMário.

assunto para registrar um augúrio de carátercultural religioso. É este: oxalá os católicos da Prelazia de Coari honrem imediatamente a sua cultura religiosa habituando se a designar a sua principal igreja com o título que ela merece, de Catedral! Catedral Prelatícia, pois lá estará a CÁTEDRA de onde o Bispo ensinará a doutrina cristã contida na Escritura Sagrada e sobretudo nos Evangelhos. E não adquiram o costume sem qualificativo do povo de Manaus, quase na sua maioria que teima em diminuir a sua Catedral Metropolitana chamandodematrizsimplesmente.

A Catedral de Coari foi assim revitalizada na gestão de Dom Mario Robert Emmet Anglin, bispo da prelazia de Coari e destaca-se por possuir a torre maisaltadasigrejasdoSolimões.

MoçãodeJúbilo

Sagração da Catedral de Coari

Era uma segunda-feira, dia 26 de julho de 1971, data essa, que também iniciaram os festejos de Sant'Ana, gloriosa padroeira de Coari e cujas solenidades foi ponto alto a grandiosa cerimônia de sagração da Catedral Prelatícia de Coari. A antiga sede paroquial, dedicada a São Sebastião e a Sant´Ana conjuntamente, foi inteiramente remodelada e ampliada, tornando-se um belo e grandioso templo que é uma afirmação de fé do povo coariense, tanto como clássica dedicação ezelodospadresRedentoristas.

A convite do Primeiro Bispo Prelado de Coari, Dom Mário, o arcebispo metropolitano Dom João de Sousa Lima chegou à cidade de Coari no avião particular da prelazia para participar da grandiosa cerimônia e fez umarecomendaçãoaopovodeCoari:

E falando de Igreja Catedral, não resistimos ao estímulo do próprio

Em Coari, sede da Prelazia do mesmo nome, o povo vive, hoje, um dos maiores dias do seu calendário religioso. A antiga matriz paroquial de Santana e SãoSebastião,hojeserásagradaCatedral Prelatícia, durante as festividades da gloriosa Padroeira. Do Cônego Walter Gonçalves Nogueira, um dos poucos sacerdotescoarienses,aoExmo.Sr.Dom Mário Roberto EmettAnglin, Prelado de Coari,recebeuaMoçãodeJúbiloqueora transcrevemos.

“ExcelentíssimoSenhorBispo

Por ocasião da festa de Santana, gloriosa Padroeira de Coari, e quando se consagra a sua Catedral Prelatícia, o último dos filhos dessa terra em importância e o primeiro em ufania, felicita jubilosamente Vossa Excelência e, na sua pessoa, todo o Revmo. Clero e Religiosas da Prelazia de Coari, assim como o povo generoso e bom ao qual se associa com honra e alegria, nesta hora refulgente.

Queira abençoar-me, em Cristo Jesus. Mui respeitosamente, Cônego Walter G. Nogueira.”

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Pe.Alyrio Lima dos Santos em 2012
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Anos 70 em Coari
Catedral de Santana e São Sebastião em Reforma Catedral de Santana e São Sebastião em Reforma

Anos 70 em Coari

Projeto deAmpliação da Catedral de Coari c

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Anos 70 em Coari

Como aconteceu o primeiro Festival Folclórico de Coari?

Coari em nova dimensão - 1972

Coari está despertando! Uma equipe de representantes de classe do ColégioN.S.doPerpétuoSocorro,dessa cidade do Solimões. Está esse ano sacudindoopovo,procurando,atravésde várias atividades, fazê-lo viver uma verdadeiravidacomunitária.

O Colégio faz parte da Unidade Educacional de Coari, que tem movimentadotodososestudantes,emum plano de ação que corresponda aos interesses do povo e sobretudo da juventude, demonstrando também às autoridades que os alunos e mestres não atuam apenas na sala de aula, mas em todaasociedade.

Aprimeira atividade se realizou nas festas Juninas. Foi o Primeiro Festival Folclórico de Coari, cujo objetivo foi mostrar ao povo a importância desses folguedos antiquíssimosdenossagente.

Os dias escolhidos foram 29 e 30 de junho e 10 de julho, numa festa animadíssima, que contou com o apoio integral do Prefeito Mussa Abrahim Neto, ardoroso amigo da Juventude, o qual contribuiu com uma taça para o 1º colocado,mandouconstruirumpalanque de 18x20 metros para a exibição dos gruposfolclóricosepreparouolocal,que foi a grande esplanada em frente à Catedral.

O Sr Alexandre Jorge Morais, Presidente da Câmara Municipal, ofereceu a taça ao segundo colocado e a Unidade Educacional deu a 3ª taça. Um vereador, empolgado com o desenrolar doFestival,ofereceu,naúltimanoite,um prêmioao4°colocado.

Os nove grupos brincantes foram: Quadrilhas: “O Lampião”, do Grupo Escolar Francisco Lopes Braga; “Brotinhos na Roça”, do Grupo E. N. S. PerpétuoSocorro;Quadrilha“Junina”do G.E.InêsdeNazaréVieira;“OsNetinhos

da Vovó”, do Ginásio N. S. do Perpétuo Socorro;“Bereana”,doGinásioBereano, e “Coronel Maionés”, do Grupo Jovem de Coari. Bumbás; “Estrelinha”, do Grupo Infantil da rua XV de Novembro; “Prata Fina”, de tradicional renome no Município,dirigidopeloseuYoyô.Tribo: “índiosGuaranis”,doG.E.IraciLeitão.

Os brincantes, vestidos a caráter, na maior animação, dançaram ante grande multidão e a Comissão julgadora, constituída pelas seguintes autoridades: Sr. Prefeito Municipal em exercício, Sr. Presidente da Câmara de Vereadores, Vereador Adelino Lima Viana, Sr Michiles, Gerente do BEA, Sr Aylz, Gerente do BASA, Dr Nunes, titulardaACARemCoari,TenenteSales. Delegado de Segurança Pública e Professor Lúcio Porto Lima, gerente da Celetramazon.

Foiaseguinteaclassificação:1° lugar: Quadrilha Bereana; 2º lugar: Quadrilha do Coronel Maionés; 3° lugar: Brotinhos na Roça e 4° lugar: índios Guaranis.

As atividades desportivas não ficaramatrásdasculturais.Aconteceuum torneiointer-classecomaparticipaçãode 20 equipes de alunos de salas, séries e sexosdiferentes,entreo1ºe2ºgraus,que movimentou efusivamente a escola e houve um grande número de espectadores na improvisada arquibancada.

Aconteceu outro torneio que foi denominado afetuosamente de “Copinha”, em que reuniu 5 equipes provenientes dos diversos municípios, já radicados em Coari; Belém, Manaus, Codajás e Tefé, além da equipe de Coari. Essa Copinha foi ideia exclusiva do Professor Lúcio Porto Lima, que leciona português no colégio N. S. do Perpétuo Socorro.

E assim, na noite de 8 de julho, defrontaram-se os times para vibrantes partidas de futebol de salão (Futsal), tendo saído vencedores os seguintes: Campeão: Equipe de Coari; vicecampeã:EquipedeBelém.

127 Nunca Mais Coari Archipo Góes
60.JornaldoComércio-Em17dejulhode1972

Diante do êxito desses dois movimentos, planeja-se um torneio esportivo entre todas as escolas do município,emdataasermarcada.

É justo nomear aqui os esforçados representantes de classe do colégio N S do Perpétuo Socorro: Antônio Valério, Maria de Fátima, Rosa Esmeralda, Manuel Brasil, Raimundo Martins, Valdex Moraes, Sebastião Oliveira, Augusto Martins, Fábio e FranciscoMonteiro.

O esforço desses jovens é orientado por um grupo de professores entusiastas: tenente Sales, professor do Colégio e Delegado de Segurança Municipal; Raimundo Oliveira Lúcio Porto Lima e Ivan Souto Conde. O Tenente Sales dá cobertura policial a todas as atividades. Duas professoras. Irmã IvaneteAzevedo e Cosma Marques deAbreusãotambémdedicadíssimas.

A Diretora da Unidade e do Colégio N. S. do P Socorro. Irmã Maria Clemens Oliveira, entusiasmada com o espírito de liderança da turma jovem da Unidade, anunciou à reportagem do Jornal do Comércio que essa turma participará ativamente em outros movimentos no segundo semestre. E no

dia 2 de agosto, aniversário de emancipação da cidade, haverá promoções diversas que estão empolgando o Sr Prefeito, e que se farão sob a coordenação do dinâmico Tenente Sales. Movimentos esses que farão parte das comemorações do Sesquicentenário daIndependência(150º).

128 Nunca Mais Coari Archipo Góes Anos 70 em Coari
Boi Bumbá Prata Fina
♫Lá vai, lá vai, lá vai boi pra quem quer ver♫ ♫Lá vai o Prata Fina fazendo a terra tr emer♫
Benedito de Lima Nogueira – Seo Ioiô

Anos 70 em Coari

Obras do Governador DaniloAreosa em Coari

• Grupo Escolar Lopes, recuperação total1969;

• Exatoria de Rendas com duas r e s i d ê n c i a s a n e x a s p a r a funcionários,1969–185m;

• FórumdeJustiça,1969–225m;

• ResidênciasparaoJuizeoPromotor deJustiça,1969–183,60m;

• Agência do Banco do Estado do Amazonas(BEA),1969-332m;

• QuarteleDelegaciadePolícia,1970 –263m

• HospitaldeCoari–1971

Danilo o Pagador de Promessas Jornal do Comércio 13/03/1971

A Associação Comercial de Coari,peloseupresidenteSrJoséOhana, endereçou ao governador Danilo Areosa ontem,amensagemseguinte:

“Ao término de sua profícua administração, que veio trazer ao interior do Amazonas a certeza de que não era mais esquecido, não poderia deixar esta Associação de agradecer-lhe as realizações de tão real alcance implantadaspeloseugoverno.

— Nossos agradecimentos pela Celetramazon, Camtel, Susemi, Banco do Estado, assistência educacional e demais obras que são marcos reais de uma administração patriótica e compatível com os princípios progressistas da Revolução de março de 1964 Nossos agradecimentos pelo sentidohumanoquedeuaoseugovernoe pela lição de bem governar que nem sempre se encontra neste Brasil afora. E, finalmente, nossos agradecimentos por tersidoopagadordepromessasdaqueles que tanto prometeram e não cumpriram. Nossos cumprimentos, Senhor Governador, pelo cumprimento do dever".

Criação do 1º núcleo da UFAM

O primeiro momento, foi a criação por ato legal do CRUTAC, Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária nas universidades do Brasil a partir da Resoluçãonº259de28/09/1972.

Decorridos dois anos de sua criação, aconteceu efetivamente a instalação operacional do CRUTAC em Coari no dia 28 de outubro em 1974, sendo que essa ação teve o objetivo de integrar a UA (Universidade do Amazonas) com a comunidade do interior do Amazonas. E também um esforço de participar do projeto de aceleração de mudanças das condições humanas e sociais das populações interioranas, compartilhado entre diversasuniversidadesbrasileiras.

Após 7 tentativas, Enedino Monteiro consegue eleger-se Prefeito de Coari

Nas eleições de 1972, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) saiu vitorioso em Coari, elegendo o seu candidato, o Sr. Enedino Monteiro da Silva, que conseguiu 2.236 votos, seguido pelo sr. Clemente Vieira Soares, daARENA1,com1504votos.Osoutros, pela ordem, foram os seguintes: Antenor Leitão, da ARENA 2, com 209 votos, Francisco de Carvalho, do MDB 3, com 46votos,SalomãoJorgedeMelo,com38 votos e Manuel Rodrigues Caxeixa com 33votos.Ovice-prefeitofoioSr.Manoel SoaresdaFonsecaFilho.

Após apossedosdoisprefeitos, em 1º de fevereiro de 1973, o deputado Natanael Rodrigues também do MDB, acompanhava os prefeitos de Coari e Codajás na capital do estado para juntos conseguirem programas e obras para Coari. Contudo, os resultados não eram tãopositivosenamaioriadasvezeseram protelados.Eopior,aprefeituradeCoari estava cheia de dívidas e os fornecedores comospagamentosatrasados.

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Anos 70 em Coari

Bispo de Coari faleceu no porto de Manaus

O bispo Dom Mário Roberto Anglim, prelado de Coari, faleceu no dia 13deabrilde1973emManaus,vítimade umataquecardíaco.

Ele faleceu às 7h30min, no portodeManaus,ondeacabaradechegar do rio Solimões. Seu corpo foi velado durante toda a tarde do mesmo dia, na igreja de Aparecida, onde foi vigário durante algum tempo, e onde recebeu visitas do povo e das autoridades do Estado Depois da missa de corpo presente, realizada às 19h30min, o corpo foi levado para Coari, onde foi sepultado no piso do altar da Catedral Prelatícia de SantanaeSãoSebastião.

Satisfeito Insatisfeito

O prefeito Enedino Monteiro, de Coari, está satisfeito com a maneira cortês e o interesse demonstrado pelo governo Henoch Reis com referência aos problemas de seu município no Alto Solimões. No dia 25 de abril de 1975, ele teve um encontro com o governador do estado. Mas se confessa totalmente insatisfeito com seus companheiros da oposição que não lhe tem dado qualquer ajuda. Está até pensando que para dar soluçãoaosproblemasdopovodacidade que abraçou há 31 anos será melhor passar para o lado dos que o ajudam e ajudamCoari.

Devido o apoio do governador Henoch da Silva Reis as causas de Coari, o prefeito Enedino Monteiro saiu da legendadoMDBepassouparaaARENA (Aliança Renovadora Nacional). Dessa forma, a partir de 29 de abril de 1975, houve um expressivo apoio para incluir a cidade de Coari no projeto Polamazônia da Sudam, que financiou a construção do portodeCoari;doaeroportoesuaestrada de acesso pela COMARA (Comissão de AeroportosdaRegiãoAmazônica).Essas obras iniciaram no governo de Enedino Monteiro e foram inauguradas no governoseguinte.

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APosse do Prefeito Enedino Monteiro APosse do Prefeito Enedino Monteiro ALápide de Dom Mário

No dia 19 de junho de 1976, com a presença de mais de mil pessoas e todos os carros da cidade, lambretas e bicicletas marcaram a inauguração da ponte sob o igarapé do Espírito Santo, ligando às duas partes mais importantes da cidade, que estavam separadas pelo volumoso caudal das águas barrentas do Igarapé, impedindo a movimentação normal dos habitantes entre o Centro e ChagasAguiar.

O Governador Henoch Reis esteve presente à inauguração e o armador Waldemiro Lustosa desatou a fita simbólica, numa solenidade que durou o tempo suficiente para que o SecretáriodeTransportesJoséFernandes explicasseovalordaobraeomecanismo paraasuaconstrução.

A ponte de 160 metros de comprimentoporseisdelargura,dividida paraveículos,lambretasepedestrestema finalidade de unir os dois bairros criando

opções para a implantação de módulos habitacionais para os ribeirinhos, e evitando a montagem de favelas, como acontecianosanosanteriores.

Com recursos da Sudam, na ordem de Cr$ 1.600.000,00, a Secretaria de Transportes, se preocupou, como executora da obra, também no sistema viáriodeacessoàpontecomaconstrução e abertura de estradas paralelas, devidamentepavimentadas.

No entanto, a entrega da ponte aousodoshabitantesdeCoari,foiapenas o primeiro passo, no sistema de benefícios que o Governo do Estado realizou no município e cujo trabalho mais importante, além do sistema viário da cidade, num total de quatorze quilômetros, e da estrada de acesso ao aeroporto é a construção do bairro Chagas Aguiar, já quase concluído com ruas abertas e quadras dimensionadas e lotadas para distribuição entre a população. Debaixo das castanheiras, numimensoparque,ondeforamerguidos prédios para recreação, o Governador HenochReisfoihomenageadopelopovo deCoari.

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OCentrodeCoarieobairrodeChagas Aguiarforamligadosporumaponte

Enedino Monteiro fez a Escola Presidente Kennedy, a pavimentação e o calçamento das principais vias de Coari. Esse serviço de pavimentação foi realizadocomtijolos,cimentoeareia.

Em 1976, o bairro Duque de Caxias foi iniciado no governo do prefeito Enedino Monteiro com serviços dedesmatamentoeterraplanagem.

Foram poucas obras, mas EnedinoMonteiroconseguiupagartodas as contas da prefeitura e deixou dinheiro emcaixaparaapróximaadministração.

Clemente Vieira - 1977

Dia 01 de fevereiro de 1977, assumiu a prefeitura de Coari para o seu segundo mandato, Clemente Vieira Soares e o viceAlexandre Moraes. Coari havia passado por dois governos sem muitas obras e a mola financeira sem circular renda para as várias camadas da populaçãocoariense.

Clemente assume a cidade trabalhando com muito dinamismo,

deixando a população esperançosa de novostemposcomprosperidadeemuitos empregos.

Governador faz inaugurações

No dia 1 de março de 1977, o Governador do Estado do Amazonas, o Sr. Henoch Reis veio a Coari para fazer inaugurações de obras do seu mandato. Em seu discurso falou rapidamente, mas com muita emoção, como sempre fez todas às vezes que se encontra em qualquer um dos municípios amazonenses:

“Estamos inaugurando uma nova etapa para esta região do Solimões, tãocontrovertidacomooprópriorio,mas sempre um caudal de esperanças para o futuro em termos de produção, graças à força, à coragem e ao destemor do seu povo,operáriosdaprodução".

Foi inaugurado o retroporto, moldado em dimensões das mais modernas e eficientes para prover o movimentodeembarcaçõesdessaregião.

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Calçamento da rua 02 deAgosto

Ainauguração do retroporto foi uma festa para o povo porque marcou uma fase básica de trabalhos no município Por exemplo: depois das obrasfixasedasconstruções,começaram a ser implantadas as partes flutuantes do portoquemarcarammaioreficáciaparao mecanismo geral da recepção de

embarcações. O porto construído pela Secretaria de Transportes do Estado, tem segundo as projeções dos técnicos, capacidade para operar no fluxo de embarcações e de carga e descarga, durante os próximos vinte anos, sem que sejanecessáriomexeremsuaestrutura.

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I Campeonato Infantil de Handebol

Naprimeirasemanadejunhode 1977, a SEDAM (Secretaria de Desportos do Amazonas) realizou na cidade de Manacapuru o I Campeonato EstudantildeHandebolcomparticipação das cidades Itacoatiara, Parintins, ManacapurueCoari.

Depois da disputa entre as 04 equipes com partidas memoráveis, Coari sagra-se o primeiro Campeão de Handebol Infantil Masculino do Amazonas sobre os anfitriões Manacapuru.

A entrega de medalhas aconteceu no mês de agosto de 1977 em Coari. Uma equipe da SEDAM e a seleção de Manacapuru vieram em excursão para a Rainha do Solimões no Barco “Dorval Porto” O objetivo da vinda da comitiva da SEDAM foi de entregar as medalhas aos campeões e vices do I Campeonato Estudantil de Handebol do interior, realizado anteriormentenacidadedeManacapuru.

Era um sábado à noite, e as medalhas foram entregues pelo Tenente Costa da Cosa, MilitarAntônio Prudente Costa representante do titular da SEDAM; Dra. Valdemarina Silva, de Coari, e mais, Carlos Rodrigues Bentes e GuilhermeAssis.

Depois da solenidade houve um jogoamistosoentreaseleçãodeCoariea Seleção de Manacapuru, em que o placar foide16a10emfavordeCoari.

O jogo foi bem equilibrado, tendo Manacapuru se avantajado no marcadorpor7a1,mascaiudeprodução com a entrada do atleta Betinho. O 1º tempo terminou com 8 a 6 em favor de Manacapuru.

Nosegundotempo,aseleçãode Manacapuru foi tomada pelo cansaço e sofreu10golsemarcandoapenasdois.

Os gols da seleção de Coari foram marcados por: Vicente que foi o artilheirocom8gols,Erivelto(5),Valdir, Mariano e Francisco Lopes cada um com 01 gol Por Manacapuru houve a marcação de: Haroldo (4), Ademir (3), Betinho(2)eTeíde(1).

Dirigiram a partida os árbitros: Carlos Rodrigues Bentes e Guilherme Assis.

Jogaram pelas duas seleções — COARI Afonso (Daniel), Paulo Gilberto, Valdir, Vicente, Francisco Lopes, Mariano, Erivelto, Josué, Eros e Antônio Oliveira — MANACAPURU — Benedito (Paulo), Ademir, Haroldo, Avalmir, Jaime, Adalberto, Teíde, BetinhoeFrancisco.

O técnico Evandro Morais da equipe de Coari, também recebeu a sua medalha, ele que juntamente com o diretor da unidade escolar de Coari teve destacada atuação para com a delegação ao SEDAM e de Manacapuru. Os dois nada deixaram que faltassem aos visitantes, que à noite foram homenageados com um baile na sede do TijucaEsporteClube.

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Seleção Infantil de Handebol Coariense

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“Sutura do Miocárdio”

Roberval Vieira - Jornalista de Itacoatiara

Uma cirurgia difícil, mas que Coari já conhececomsucesso.

Mesmo o “Jornal Nacional” fazendo alusão ao feito extraordinário do médico Jorge de Almeida Brito, que no dia10desetembrode1977,realizouuma sofisticadíssima cirurgia no Sr. Hélio AlvesdeSouza,noHospitaldeCoari.

Ninguém em nossas casas legislativas sequer mencionou o fato (possoatéestarequivocado)nemdeleve. Conversandocomumdosmaioresnomes de nossa medicina, falo do Diretor do Hospital Getúlio Vargas, Deodato de Miranda Leão, disse-me aquele facultativo: “Realmente foi um grande feito que aquele colega e amigo realizou em Coari. Sem os recursos dos grandes centros cirúrgicos ele conseguiu realizar comabsolutosucessoacirurgia”.

DeodatodeMirandaLeão,disse ainda que o médico Jorge de Almeida Brito é um moço inteligente e um excelente anatomista: “razão pela qual não teve grandes dificuldades para a realizaçãodoseutrabalho”.

Jorge de Almeida Brito já foi Diretor do Hospital de Maués, além de um cem números de serviços que vem prestando ao Estado através da SESAU, onde milita há alguns anos. Como não podia deixar passar em branco este fato, liguei para Coari e cumprimentei o facultativo que é diretor da Unidade Mistada“RainhadoSolimões".

Em nome do povo de Coari e de toda população interiorana deixamos aqui os mais efusivos cumprimentos àquelemoçodedicadoàscausasmédicas.

VáemfrenteamigoJorgeBrito. Continue salvando vidas preciosas e dedicando-se cada vez mais à profissão queDeuslhedeu.

Jorge Brito, é o médico-diretor

da unidade Mista de Coari, onde vem realizando excelente trabalho no campo da saúde e que às vezes, por força de sua profissão e sem as condições dos centros maiores, é obrigado a fazer verdadeiros “milagres”, como o da sutura do miocárdio, comentada inclusive pelo "JornalNacional”daRedeGlobo.

ATABAem Coari.

Na segunda quinzena de dezembro de 1977, a TABA (Transporte Aéreo da Bacia Amazônica) começou seus voos regulares para Coari, Carauari e Barcelos, completando assim a sua 3ª fasedeexpansãoaotempoemqueatende a toda uma área que sofria a ausência de transporte aéreo desde a paralisação da Panair

Jornal do Comércio em 14/06/1978

O aumento das escolas rurais, o melhoramento do setor de abastecimento com a construção de uma feira pública e um mercado público, o calçamento das vias centrais, o apoio ao esporte, e um eficiente sistema de atendimento a populações do interior, com equipes médicaseodontológicassãoasprincipais proposições da Prefeitura de Coari, conforme informou ontem pela manhã, numa análise dos 18 meses de sua administração, o Prefeito Clemente Vieira.

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Coari ganha escolas, novas ruas pavimentadas e mercado

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Dizendo que atua em comum acordo com os órgãos estaduais, a fim de evitar o desperdício de recursos e a pulverização de ações. Clemente Vieira, explicou que “como o setor de educação na cidade está muito bem servido pelas escolas mantidas pela Secretaria de Educaçãoeredeparticular,inclusivecom duasunidadesdeensinodesegundograu, voltou suas atenções para a área rural, já tendoconstruídotrêsescolasdealvenaria e quatro de madeira, atingindo o número de sessenta escolas que servem ao município, com oitenta e quatro professoras. Na sede já funcionam, com currículo normal de primeiro e segundo grau, as escolas: Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Inês de Nazaré Vieira, Francisco Lopes Braga, Presidente Kennedy e Iracy Leitão, além do colégio particular Bereano, também com segundograu.

— Hoje, em Coari, podemos dizer que ninguém fica sem escola por falta de vaga, nem na cidade e nem na área rural. Nossa intenção é fornecer os instrumentos de apoio à formação dos jovens,dandocondiçõesparaquetenham u m c a m i n h o a d e q u a d o d e desenvolvimento integral” explicou ClementeVieira.

Abastecimento

Enquanto a população é atendida no antigo mercado e numa feira livre formada num grande piso de alvenariade1.200mcomoitentabancas distribuídos num sistema higiênico e prático,aprefeiturainiciaaconstruçãode um moderno mercado, em convênio com o governo do Estado, numa área construída de 600m, na principal avenida da cidade, na entrada do município, contendo sistema de escoamentodedetritos,bancosmóveis,e espaço para a fácil locomoção dos consumidores. Além disso, situando-se na margem do rio, tem facilidade para recepção das mercadorias, evitando despesasextrasnotransporte.

Pavimentação

Outro trabalho importante da Prefeitura de Coari é a pavimentação das ruas do centro da cidade, com tijolo rejuntado com cimento, aproveitando o mão-de-obra do local e a matéria-prima produzida em suas olarias. numa saudável maneira de proporcionar rendimento circulando no próprio município.

Até o momento já foram pavimentadas as ruas Samuel Fritz, 2 de dezembro, 5 de setembro, facilitando aa movimentação dos veículos, atualmente Coari possui 120 veículos entre automóveis, jipes e camionetas circulandosomentenacidade.

Clemente Vieira, costuma dizer que Coari cresce em ritmo de cidade grande, quando explica que somente na limpeza pública, mantém uma equipe de cento e trinta pessoas, o que assegura a continuação de uma cidade limpa e agradável.

Grandes inaugurações de Clemente Vieira

No dia 6 de outubro de 1979, o prefeito Clemente Vieira recebeu a visita do governador José Lindoso para fazerem juntos algumas inaugurações. Nesse momento, Coari possuía 40 mil habitantes, sendo metade na zona urbana eaoutrapartenazonaruraldomunicípio.

OMercado

Denominado “Mercado Municipal 31 de Março”, é uma obra de arquitetura muito expressiva e moderna. Possui 30 boxes, depósitos para legumes ecereais,frigoríficoparacarnesepeixes. E extensa área de circulação para os consumidores. O velho mercado possuía apenas três boxes; o peixe era comercializado no chão e não havia estrutura para manutenção do pescado e dacarne.

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FEIRA

Ao lado do mercado, a feira coberta ou pavilhão Santana possui três grandes pavilhões, sendo um para cereais, outro para legumes, frutas e o terceiro para serviços; inclusive um grande restaurante. Situado perto do rio; tanto o mercado como a feira podem ser abastecidos pelas embarcações através doportopróprioconstruídodemadeira.

PREFEITURA

O prédio da Prefeitura foi denominado“02deAgosto”,dataemque aViladeCoaryfoielevadaàcategoriade cidade. Possui dois andares e seis salas; podendo abrigar toda a engrenagem da administração municipal; inclusive os setores educacionais, rodoviários e de saúde; possuindo ainda um amplo auditório com capacidade para quarenta pessoas.

OantigoprédiodaPrefeiturafoi cedidoaoPlimec(PlanodeIntegraçãodo

Menor e Família na Comunidade). O Plimec, hoje Policlínica Dr. Roque Juan Dell'oso, visava ações principalmente educativas, além de ações com as famílias, objetivando prevenir o trabalho informal de crianças e adolescentes já indicando, portanto, a preocupação com otrabalhoinfantil.

LUZ

Ainda em Coari; o governador José Lindoso autorizou a Celetramazon a estender o sistema de distribuição de energiaelétricaparaumagranja;aGranja Coari; a única do município, mas com capacidade de atender toda a demanda e até a se expandir para a exportação dos excedentes. A granja, que é de propriedade particular, está situada em terras centrais; na estrada do aeroporto; não conta com energia elétrica; apesar da proximidade da rede de alta tensão, e por este motivo, não tinha condições de expandir-se.

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Aeroporto de Coari

Com o objetivo de integração e desenvolvimento das cidades do interior daAmazônia,foiinauguradooAeroporto de Coari no dia 18 de dezembro de 1979, com uma pista asfaltada, com comprimento de 1.600 metros, com cabeceirade10×28.

Foi construída pela COMARA, financiada pela SUDAM e o Ministério da Defesa através do projeto Polamazônia, em parceria com a Prefeitura Municipal de Coari. Também foi construída e asfaltada uma estrada de acessocom7kmdecomprimento.

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Inauguração do Pavilhões Sant’Ana Chegada do Governador José Lindoso

Anos

emCoari

Era 15 de novembro de 1982, um ano especial com copa do mundo de futebol, quando aconteceu a eleição para o novo mandato de prefeito e vereadores. Ao término da apuração foi confirmado que o então presidente da Câmara Municipal de Coari, o Sr. RobervalRodriguesdaSilva(1983à1988)seriaeleitoparaummandatode6anos,tendo comovice-prefeitoojovemEvandroFranciscoAquinodeOliveira.

Ministro lança o primeiro barco movido à álcool

No dia 31 de outubro de 1980 foi o lançamento do barco comercial “Coari”, o primeiro do mundo movido à álcool. Aconteceu às 16h, no porto de Manaus estavam presentes o ministro da Agricultura Ângelo Ameury Stábile, o governadorJoséLindoso,opresidenteda COBAL Antônio Sales Leite e demais autoridades. No evento, serão assinados os seguintes contratos e convênios: Rede Somar, Cesta Básica e lançamento do programa de compra antecipada da

produção.

A l é m d o s i s t e m a d e atendimento ao público modernizado da novaembarcaçãocomercialqueintegraa frota da COBAL, registra-se, segundo os observadores da política econômica local, um reduzido gasto de combustível, o que sustentará um preço mais conveniente nas mercadorias destinadas aatenderàpopulaçãoribeirinha.

Esse barco recebeu um carregamento de mercadorias e partiu paraatendimentonascidadesdeCodajás, CoarieTefé.

A escola estadual João Vieira, no bairro Itamaraty, foi inaugurada em 1981. Iniciou suas atividades da Alfabetização até o Ensino Médio (2° grau). O nome é uma homenagem ao pai do prefeito Clemente Vieira.

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Anos 80 em Coari
80

Inauguração da Embratel em Coari

AEmbratel (Empresa Brasileira deTelecomunicações) inaugurou no dia 3 de junho de 1982, uma estação para comunicação em satélite no município de Coari.

O ato aconteceu em Manaus e foi presidido pelo ministro das Comunicações, Haroldo Corrêa, e contou com a presença do governador Paulo PintoNery,edemaisautoridadeslocais.

Com o funcionamento da unidade, o município de Coari passou a receber imagens ao vivo de televisão, inclusive transmissões diretas dos jogos da Copa do Mundo de 82 na Espanha, alémdeserviçosdetelefoniaetelex.

Simultaneamente a Telamazon inaugurou uma série de melhorias no sistemadetelecomunicaçõesdoEstado.

Visita do Vice-Governador a Coari

Em 1984, nas festividades do aniversário de 52 anos de emancipação política de Coari, recebemos a visita do vice-governador Manoel Ribeiro, momentoemquehouveumagrandefesta, inaugurações e a escolha da Miss Coari 84.

Após a recepção no aeroporto, Manoel Ribeiro e sua comitiva seguiram para a inauguração do sistema direto de televisão, ligando Coari ao Brasil e ao mundo todo através de antenas rastreadora de satélites (Antena Parabólica),atualizandoapopulaçãocom a televisãoAjuricaba e TVAmazonas em Coari.ManoelRibeirorecebeuaplausose homenagens do povo quando acionou um dispositivo que ligou o município ao mundo através do sistema direto via satélite.

No segundo momento houve a inauguração do prédio da Secretaria de Educação e Cultura, situada na estrada do contorno,aoladodaatualEscolaEstadual DomMário.Eemseguida,foiinaugurada uma pista pavimentada em torno da UnidadeMistadeCoari.

Foi inaugurada no bairro de Santa Helena, a Escola Estadual Diamantina Ribeiro. O nome é uma homenagemàmãedoentãovice-prefeito, EvandroAquino.

Um grupo de 60 escoteiros de Coari liderado por Edmar Torres recebeu a visita de Manoel Ribeiro. Após o almoço no “Telhadão da Maçonaria”, o vice-governador assistiu à missa em ação de graças pelo 52° aniversário da cidade, celebradapelopadreJackson,naCatedral de Santana,padroeiradomunicípio.

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Anos 80 em Coari

Manoel Ribeiro assistiu do começo ao fim o concurso da Miss Coari84, que foi realizado em praça pública. Das cinco lindas candidatas ao concurso, a comissão julgadora escolheu a jovem Ana Cristina Mota (Miss Coari-84), Maria José Queiroz de Lima (Garota Simpatia) e Eliane Bertoldo e Silva (GarotaSorriso).

Telefone residencial chega a Coari

No dia 29 de agosto de 1984 foram entregues 340 terminais telefônicos em Coari com sistema de DDD e DDI. Os telefones possuíam 7 numerais e prefixo 761-2***. Foi uma grande revolução na cidade, pois já se poderialigarparaosamigoseparentesem qualquer parte do país, mas principalmenteemManaus.

Anteriormente, era preciso ir na CAMTEL e agendar uma ligação, a pessoa em Manaus teria que ir em um posto telefônico na hora agendada para poderhaveraligaçãonahoramarcada.

O Supermercado da COBAL

Numsábado,30denovembrode 1991, foi inaugurado em Coari um supermercado de porte médio da COBAL (A Companhia Brasileira de Alimentos). A implantação desta ação fez parte da efetivação do plano de abastecimento às populaçõesdascidades.

Oobjetivochavedaimplantação dessesupermercadosignificouàCOBAL, umagranderealizaçãonoquedizrespeito aoabastecimentodosgênerosdeprimeira necessidade, ao mesmo tempo, em que regularizou os preços no mercado varejistanacidade.

Coari era então, uma cidade desassistida pela COBAL na área de supermercado varejista, no entanto, ela já operava desde 1980, com os postos de vendas, para o atendimento exclusivo a seringueiros e seringalistas através do Convênio COBAL/SUDHAVEA e pelo Navio da Cobal denominado Coari. O supermercado de Coari serviu também aos municípios vizinhos, ainda desassistidospelosserviçosdaCOBAL.

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Coari

3º Festival da Música Coariense

Com uma música romântica que apela para o bom senso das pessoas de verem que a solução está na paz e na destruição de fronteiras, Evandro Moraes ganhouo3ºFestivaldeMúsicaPopularde Coari. Filho de Coari, Evandro é advogado, compositor, músico e um irreverente fã dos Beatles. O primeiro lugar neste festival com “Tributo a Lennon", que vem reforçar sua adoração pelo grupo inglês. Evandro pretende esperar bons resultados do prêmio que ganhou: um compacto simples com duas músicas.

“Não sei se esse prêmio vai modificar minha vida fazendo eu deixar a advocaciaemededicarsomenteàmúsica. Tudoéapenasumcomeçoevamosdeixar como está para ver como é que fica”. Evandro já participou outras vezes de concursos. Quando era estudante do seminário de Belém ganhou o segundo lugar de um festival estudantil com a música “Bastião”, quando sentiu sua tendênciaparacomportemasregionais.

Evandro inicia sua carreira com discoscolocandomilcópiasdoCompacto “Tributo a Lennon”, que será vendido a Cr$ 30 mil. É meio difícil tentar imaginar um ex-seminarista que foi para o Rio Grande do Sul e lá cursou Letras, veio

paraManaus,fezocursodeDireitoehoje, com31anos,moraemCoarietrabalhano Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Pois é, com todo esse currículo que Evandro tenta conquistar o público amazonense. As duas músicas que ele gravou neste primeiro trabalho comercial revelamatemáticaquepretendeseguirde agora em diante: a defesa dos direitos humanos, em versos que falam dos problemassociais.

O Festival da Música Coariense surgiu em 1984 e foi idealizado pela Universidade do Amazonas em parceria com a Prefeitura de Coari, que operacionalizou a realização do festival em 3 edições, sempre acontecendo na semana da pátria. O Festival da Música Coariense é anterior ao FECANI de Itacoatiara que iniciou um ano depois, 1985. Nas duas eliminatórias que envolveram todo o concurso, participaram 23 artistas e entre eles saíram os cinco finalistas. “Sentimos a importância deste concurso porque não foi apenas uma oportunidade de descoberta de novos valores, mas a possibilidade de ampliação da atuação da música regional. Com o prêmio de gravar umcompactoqueterámilcópiasavenda, dasquais400jáforamvendidasemCoari, maispessoaspoderãoconhecerotrabalho de criação que também acontece no interiordoEstado”,finalizouEvandro.

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LP de Evandro Moraes

Anos 80 em Coari

Aniversário de Coari com Inaugurações

Num domingo, dia 3 de agosto de 1986, o governador Gilberto Mestrinho veio a Coari para, entre outras coisas,fazeralgumasinaugurações:

• EscolaEstadualGilbertoMestrinho.

O nome é em homenagem ao governador Gilberto Mestrinho. Foi construídanobairroSantaEfigênia.

• Escola Estadual Dom Mário. O nome é em homenagem ao primeiro Bispo da Prelazia de Coari. Foi construídanobairroItamarati.

• Oprédiodaexatoriaderendas.

• AOlariaMunicipal

• Aquadra de Esporte Edgar da Gama Rodrigues.

• AquadradeEsporteEdgarTancredo Neves

• Uma Usina Elétrica de 120 KVA da CEAMnacomunidadeMurituba.

Escola estadual Thomé de Medeiros Raposo, construída no bairro Chagas Aguiar, foi inaugurada em 1987. O nome é em homenagem ao pai do governadorGilbertoMestrinho.

Jorra Petróleo Coariense

A Petrobrás e o presidente José Sarney anunciaram no dia 12 de outubro de 1986: “Jorra petróleo de boa qualidade”, no coração da Amazônia, às margens do rio Urucu, no município de Coari. Embora as buscas por petróleo na Amazônia iniciaram em 1917, é a primeira reserva comercialmente viável descobertanaregiãoamazônica.

O óleo de Urucu, um dos mais leves produzidos no país (quanto mais leve, melhor a qualidade), facilita o seu processamento nas refinarias e permite o aproveitamento na produção de gasolina, nafta petroquímica, óleo diesel e Gás LiquefeitodePetróleo(GLP).

Apenas 62 pessoas presenciaram o momento em que o petróleo jorrou pela primeira vez naAmazônia. O engenheiro de produção Ivaldo Santos da Silva conta como foi a experiência no começo dos trabalhosemUrucu:

“Isto aqui era mata cerrada e lamaçal. Não era incomum encontrarmos onças, cobras e todo tipo de animal. Era aventura pura, estilo Indiana Jones mesmo. Todo transporte de material e de pessoas era feito pelo Rio Urucu. Os equipamentos, máquinas, tratores e sondas eram desmontados e carregados pelo meio da mata fechada e enlameada nas costas mesmo. Desmontava-se tudo, colocavam-se tábuas para reduzir os atoleiros e, em meio as clareiras que eram abertas, se montava tudo de novo.”

GovernoEvandroAquino

Nas eleições que aconteceu em 15 de novembro de 1988, houve uma lendária disputa entre Evandro Aquino X ClementeVieira, que teve uma música do Manoel Novinho de campanha inesquecível: ♫♪Povodacidadeedointerior QueremoClementesejacomofor Oquedigoagoranãoébrincadeira, Quinzedenovembro voteemClementeVieira. Éelesiménãotemjeito Em88énossoprefeito. Vaitrabalhar,eleeJancy, ParamelhoraranossaCoari.♪♫

A vitória foi de Evandro Francisco Aquino (PFL), que iniciou o seu mandato em 01/01/1989 e finalizou em31/12/1992.

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Candidatas a Rainha da I Festa da Banana

PrimeirasObrasdeEvandroAquino

Em 16 de abril de 1989, o governador Amazonino Mendes visitou Coari, momento em que recebeu o título de Cidadão Coariense, e ainda fez algumas inaugurações, como: a penitenciáriapública,umafábricadegelo eopostodeatendimentodoINSS.

Justiça do Trabalho em Coari

No dia 27 de outubro de 1989, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região realizou a solenidade de instalação da Junta de Conciliação e JulgamentodeCoari.

Aconteceu um concurso público anteriormente e três coarienses foram classificados: Ecionete Cavalcante Martins (Coari), João Souza e Souza (Lábrea) e Raí Letícia Corrêa Lima e Souza(Coari).EaprimeiraJuízafoiaSra MariadasGraçasAlecrimMarinho.

I Festa da Banana

Coari desde a década de 70 vinha se destacando como a cidade com a maior produção de banana do estado

Amazonas. Em 1988, Coari enviou mais de um milhão de cachos de banana para a capitaldoestado.

Com o objetivo de incentivar ainda mais os produtores de banana, foi criada a Festa da Banana. Sendo uma atividade realmente muito significativa paraaeconomiadomunicípiodeCoari.

Asuaprimeiraversãoaconteceu no dia 9 dezembro de 1989, sendo realizada na recém-inaugurada Feira do Produtor Rural no aterro sobre o igarapé deSãoPedro.

O ponto alto da festa foi o concurso de Rainha da I Festa da Banana. Foram escolhidas 5 candidatas para a difícil disputa: Gerlane Farias, Simoni Medeiros,FernandaAlves,ArioneLimae EloízaReis.Depoisdeumdisputadíssimo desfile,avencedorafoiGerlaneFarias.

O governador Amazonino Mendes e o ex-governador Gilberto Mestrinho estavam prestigiando a festa e nessa noite fecharam a união dos grupos políticosparaaseleiçõesde1990.

Houve durante toda a festa a apresentação de atrações regionais e nacionaiscomo:GenivalLacerda;adupla sertaneja Havaí e Rouxinol; a Banda Embaixadores.

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Anos 80 em Coari

Universidade doAmazonas forma primeira turma no interior

No dia 8 de março de 1990, os primeiros 48 profissionais formados pelo curso de Licenciatura Plena em Pedagogia mantido pela Universidade do Amazonas em Coari, colaram grau em solenidade presidida pela vice reitora da UA,DilmaMontezuma,nosalãonobreda escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

O programa de formatura dessa primeira turma, denominada Professor Luiz Carlos Cerquinho de Brito, teve inícionodia1ºcomumaauladasaudade, às 8:30h, ministrada pelo prof. Carlos Rubens Costa, no Centro de Treinamento daUniversidade,emCoari,antigoCrutac.

No dia 2, os formandos assistiram, às 7 horas, a uma missa em açãodegraçasnaIgrejaMatrizdeCoari,e às 20h, a um culto em ação de graças na Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Após a solenidade de formatura no dia 3, sábado, realizou-se um coquetel e o baile da saudade, às 22 horas, no Refúgio Dois Pinguins.

Tendo como patronas as

professorasMariaInáciaBarretoOfflinie Maria Helena Freire de Souza, e como paraninfo o prof. Juarez Calheiros, os novos profissionais de Pedagogia prestaram homenagens especiais ao exprefeito de Coari, Roberval Rodrigues da Silva, ao prof. Luiz Francelino da Silva e ao ex-reitor da UA, Roberto Vieira. Foi oradordaturma,odiplomandoRaimundo Nonato Saraiva deAraújo, de Itacoatiara, e juramentista, Maria Áurea Brasil de Araújo,deCodajás.

Dos 48 novos profissionais de Coari, a maioria é de Coari, 15 professores ao todo (31,25%): São os seguintes os primeiros professores formados pela Universidade do Amazonas,emCoari,dentrodoPrograma de Interiorização do ensino superior: AdalbertoVieiradaCosta,AlexeiChaves deMCosta,EcioneteCavalcanteMartins, Ignês Melo da Cruz, João Oliveira de Souza, José Barbosa da Silva, José Raimundo da Silveira, Levi Haoxovell Fernandes, Maria Auxiliadora Yamaguchi, Maria Delvanir da Silva, Maria Dorimar Granjeiro Pinto, Maria Luiza Caxeixa Alfaia, Maurício Roberto da Silva, Raimundo Alves Nogueira, WalterCostadeMoraes.

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Anos
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UFAM forma primeira turma no interior

AFolha de Coari

Anos 90 em Coari

Rodrigues da Silva, numa homenagem esse extraordinário homem público, que foi prefeito do município de Coari e que realizou um excelente trabalho em benefício de seu povo”, destacou o presidente da Assembleia Legislativa do Estado.ÁtilaLinssalientouqueRoberval Rodrigues é um líder político respeitado emtodaaregiãodoAltoSolimões.

Miss Coari 1990

No dia 13 de abril de 1990, foi inaugurado o tabloide mensal denominado “Folha de Coari”. Um jornal da prefeitura de Coari, que foi um excelente informativo para a sociedade coariense e permaneceu por três anos sendopublicadoatravésde25edições.

Na Folha de Coari havia principalmente a divulgação das ações e obras do governo municipal, notícias policiais, o seu editorial, e a página mais lida, uma coluna social nomeada de “Circuito”.

AcolunaCircuitofoiescritapela professora Erivânia Lima e nela eram narrados os eventos, festas e os acontecimentos sociais da cidade de Coari.

Ponte Roberval Vieira

No dia 12 de maio de 1990, esteve visitando Coari o deputado Átila Lins, presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas, para as festividades do Dia das Mães e a inauguração da ponte Sizeno Sarmento, que liga o centro da cidade ao bairro Chagas Aguiar. Os estudos para a construção da ponte Sizeno Sarmento foram iniciados no segundo governo do professor Gilberto Mestrinho, mas coube ao ex-governador Amazonino Mendes executar a obra, cuja conclusão se deu no governoVivaldoFrota.

“Nós tivemos a honra de ser o representante do governador Vivaldo Frota na inauguração da ponte, que era denominada Sizeno Sarmento, mas que passa a se chamar ponte Roberval

No dia 2 de agosto de 1990, aniversário de emancipação Política de Coari, aconteceu um inesquecível concurso de miss que ficou marcado na lembrança de cada coariense que assistiu aquele concurso na quadra de esporte São José.

A seleção das candidatas foi primorosa,poisforam7candidatasdealta índice de beleza plástica, desenvoltura e simpatia, um verdadeiro time dos sonhos de qualquer concurso de misses coarienses:MaraAlfrâniaBatistaBatalha (Miss Coari), Rosemary Gomes Fogassa (Primeira Princesa), Ângela Sheila Lima Ribeiro (2ª Princesa), Fabiana Raírima da Conceição Gomes (4º Lugar), Belanice Gonçalves Rodrigues (5º lugar), Nalra Milene da Cruz Gonçalves (6º lugar) e ElanesRebolçasRocha(7ºlugar).

A premiação da vencedora foi uma passagem Manaus-FortalezaManauscomdireitoaacompanhante.

Na década de 80, o público coarienseeraconhecidoporserumpouco frio e não aplaudir muito as atrações que se apresentavam. Mas naquela noite, o autor viu em foco, toda arquibancada se levantar e aplaudir com orgulho ainda no desfile de apresentação de sua candidata preferida.MaradeclarouàFolhadeCoari com humildade “que ser vitoriosa é saber conviver com um título, sendo a mesma pessoaquesemprefoi”.

Mara Alfrânia, no ano seguinte (1991), foi disputar o MissAmazonas em Itacoatiara e trouxe o título para Coari, sendo a segunda Miss Amazonas coariense.

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Nunca Mais Coari
Anos
Coari
Mara no MissAmazonas 1991 Em Itacoatiara Mara no Miss Coari 1990

II Festa da Banana

Coari realizou a II Festa da Banana no ano de 1990. Nessa edição, o evento aconteceu em 02 dias, nos dias 6 e 7 de dezembro. Coari é o maior produtor de banana do estado do Amazonas com uma produção de 1 milhão e 200 mil cachos anuais e dessa forma, a realização da Festa da Banana foi uma forma de incentivar o aumento da produção dessa cultura em Coari e o reconhecimento da sua importância para a economia do município.

Uma obra muito expressiva que foi reinaugurada durante as festividades, foi o estádio de futebol “José Rosquildes”. O nome do estádio foi escolhido em homenagem ao filho do exprefeito de Coari “Roberval Rodrigues”, atleta do local, que morreu aos 19 anos, vítimadeafogamento.

Na área da festa, feira do produtor rural, foram dispostas várias barracas vendendo produtos típicos da banana, como: a torta de banana, a pizza com a cobertura de banana, a salada de banana, a farofa da casca da fruta entre outros. “Antes, a casca era jogada fora.

Hoje, ela também é aproveitada.”, afirmou o chefe da Emater-AM de Coari, LuizRebelo.NostanddaEmater,alémde vender comidas típicas, mostrava o que era possível produzir da banana, como, por exemplo: vinagre, licores, mel, cocada,etc.

Durante a festa foi realizado um concurso de calouro, em que o vencedor foi o jovem Jean Walmor com a música “Era um garoto como eu que amava os BeatleseosRollingStones”.

OconcursoRainhadaIIFestada Banana foi narrado no jornal Folha de Coaridessaforma:

A primeira a pisar na passarela foiAna Creuza, com um vestido todo em verde,destacando-seodesenhodabanana em amarelo. Ana Creuza fez um belo destile. A segunda foi Elane Souza; com um lindo sorriso no rosto, ela apresentouse como sendo a própria fruta e trazia sobre a cabeçaumapalmade banana.Seu desfile também foi muito bom. Em seguida, a loiríssima Cleomara Costa emocionou a plateia, derramando muito charme e simpatia. Cleomara desfilou com a fantasia denominada “Chiquita Banana”.

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Pinduca CleomaraAraújo Astrid Silva

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A penúltima candidata foi Marilene Maciel. Para saudar a grande homenageada, Marilene trouxe consigo um pé de bananeira, além de fantasiar-se comasfolhaseosfrutosdaárvore.Astrid Silvaencerrouodesfile.Suaapresentação simples e alegre deixou o público emocionado. Sua fantasia transparente e sensual talvez fora o suficiente para conquistar a simpatia dos jurados. Astrid Silva, de 16 anos, foi eleita rainha da II Festa da Banana. Como premiação, ela ganhou uma passagem aérea ManausFortaleza-Manaus, com direito a acompanhante.

Durante a festa houve apresentações musicais da Banda Play Pop que preparou a público para a grande noite; A cantora Sandrinha, a pepita dos garimpeiros que empolgou a plateia cantando os seus mais famosos sucessos, com muito charme, sensualismo e um domíniodepalcocommuitaadrenalina.E finalizando o tão esperado show de Pinduca, o rei do Carimbó. O cantor paraensecontagioutodoopúblicodafeira do produtor rural, brincando com as crianças e cantou os seus principais sucessostãoconhecidosemCoari.

Inauguração da Escola Raimunda Ribeiro

O governador Vivaldo Frota inaugurou,nodia17defevereirode1991, aescolaRaimundaRibeiro,comdezsalas de aula, com todas as estruturas mais modernas conforme a orientação pedagógica e mais ainda com todos os materiais exigidos para o bom funcionamento, das carteiras aos ventiladoresebebedouroselétricos.

Na construção ela foi chamada de escola de enfermagem, mas na inauguraçãoelarecebeuonomedeescola Raimunda Ribeiro, em homenagem à tia

do prefeito Evandro Aquino, funcionária por muitos anos da Câmara de Coari e depoisdaBibliotecaPúblicadeCoari.

Hoje,devidoàmudançanaleide nomeação das obras públicas, a escola passouaserconhecidaporMariaAlmeida do Nascimento, a saudosa professora e vereadoracoariense.

BancodoBrasilabreagênciaemCoari

No dia 15 de março de 1991, às 10h,foiinauguradaaagênciadoBancodo Brasil em Coari. Foi um evento muito concorrido, em que vários segmentos sociais compareceram à rua XV de novembro, onde houve uma solenidade simples,masmuitorepresentativa.

Compareceram à rua XV de novembro, onde houve uma solenidade simples, mas muito representativa. Na ocasião compareceram à cerimônia de inauguração o prefeito em exercício João Carlos, a presidente da Câmara Auxiliadora Yamaguchi e o ex-prefeito RobervalRodrigues.

O senhor Roberval, em seu discurso, lembrou e destacou a figura do ex-superintendente do Banco do Brasil, Francisco Vasconcelos, filho de Coari, como um dos responsáveis pelo trabalho de implantação da agência em nossa cidade.

ExpediçãoAmazônia

Durante o mês de julho de 1991, aconteceu um evento muito expressivo em Coari, o início da Expedição Amazônia,emqueumgrupodecanoeiros e uma equipe multidisciplinar realizaram uma viagem em caiaques partindo de Coari até a capital Manaus pesquisando, atendendo e interagindo com a população ribeirinha.

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Anos 90 em Coari

O Prefeito Evandro aqui resumiu o projeto:“O principaldisso será o resultado das pesquisas que se reverterão em projetos para solucionar problemas do município como, por exemplo, esgotos.Após os estudos, serão apresentados relatórios com as sugestões para diversas áreas, inclusive saúde. São propostasnãosóparaacura,mastambém para a prevenção. Os cientistas da Expedição Amazônia não vieram apenas paraensinar,masparaaprendertambém.

Nesse processo, eles terão a oportunidadedeterumaoutravisãosobre a realidade da nossa região, e poderão apresentar sugestões para melhorar os trabalhos no município. Aqui estiveram gente de todos os pontos do Brasil e do mundo e essa integração é muito importante.

Cientistas,ecologistas,médicos, estudantes universitários e desportistas invadiram Coari no último dia 14. Eles faziam parte do projeto Expedição Amazônia, cujo objetivo é o de fazer um levantamento completo da problemática da região. Saindo de Coari até Manaus, eles percorreram cerca de 600 km pelo Solimões e chegaram na capital no dia 27 dejulho.

Durante a permanência em Coari, a ExpediçãoAmazônia passou três dias discutindo o meio ambiente. Enquantocientistas,ecologistas,médicos e sociólogos preparavam as suas pesquisas, um grupo de estudantes universitários faziam apresentações em caiaquesnolagodeCoari.

Domingo pela manhã, os canoeiros, em conjunto com as canoas locais,fizeramumpasseiopelolago,num ato de confraternização.Amesma cena se repetiu na segunda-feira. Na terça, houve uma surpresa. Músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Amazonas fizeram uma apresentação especial sobre os caiaques. Nos três dias, a população superlotouaorlafluvialdacidade.

Pela parte da noite, a programação continuava com shows na

praça São Sebastião, ao lado da catedral de Sant'Ana. Domingo, a Orquestra Sinfônica se apresentou na catedral e o público aplaudiu de pé. Em seguida, no palcoarmadonapraça,foiavezdocantor amazonense Paulo Onça balançar o público presente com pagodes, sambasenredo e toadas dos bumbás de Parintins. Nanoiteseguinte,houveareapresentação da Orquestra Sinfônica, repetindo o mesmo sucesso da noite anterior. Depois, encerrando a programação de shows, o grupo regional Raízes Caboclas levou à praça as músicas que falavam de temas amazônicos, além de interpretar sucessos denívelnacional.Opúblicogostou.

O idealizador e um dos coordenadores da Expedição Amazônia, JanaryAlvesdeMoraes,dissequeopovo coariense recebeu a expedição de forma carinhosa e agradeceu o prefeito Evandro Aquino pelo apoio dado ao projeto. Ele afirmou ainda que “estamos buscando conhecimento, tentando aprender muito mais sobre o meio ambiente” Janary adiantou que, após a expedição, pretende elaborar uma proposta de ação futura e apresentar aos governos municipal, estadual e federal para que chegue à ConferênciaMundialdeMeioAmbientee Desenvolvimento, a ECO/92, a ser realizadanoRiodeJaneiro.

No Camará, Expedição é recepcionada pela Emater

Aprimeira parada da Expedição Amazônia foi na comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Camará. Lá, a Emater e a Prefeitura Municipal de Coari fizeram a recepção aos canoeiros, que remaram, desde a sede do município, cerca de seis horas — eles chegaram ao Camaráàs17horas.

Naquela comunidade, os expedicionários, principalmente da área de saúde, fizeram atendimento médico aos comunitários. Mais de 50 pessoas foramaocentrosocialseconsultar.

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Anos 90 em Coari

O técnico da Emater, Antônio Carlos, era quem dava as explicações. Quando indagado sobre a moradia precária dos habitantes da Amazônia, ele foi lacônico: “Isso devido à condição de dependênciaeconômicaemqueohomem do campo vive”. Ao mesmo tempo, a extensionista Maria de Jesus desenvolvia junto às donas-de-casa o processo de produção de sabão caseiro, chocolates, licores, doce de cupuaçu, além de inseticidascaseiros.

Ànoite,houveumshowmusical com o grupo Raízes Caboclas. Na manhã seguinte, a Expedição Amazônia se despediu do Camará rumando em direção aCodajás.

Cleomara vence o MissAmazonas 1992

A beleza da mulher de Coari venceu pelo segundo ano consecutivo o concurso Miss Amazonas, realizado em Itacoatiara, no dia 1º de maio de 1992, na casanoturnaAmazonNight.

A vencedora do concurso foi Cleomara de Araújo Costa, 17 anos, com 276 pontos. O segundo lugar ficou com a representante de Itacoatiara, Wicilene Brandão, 271 pontos, e a terceira classificação foi da candidata de Maués, RosanaDiasPereira,com268pontos.

O p r ê m i o d a p r i m e i r a classificada foi Cr$ 1 milhão, o da segunda, Cr$ 500 mil; o da terceira, Cr$ 200 mil Este foi o terceiro ano de realização do MissAmazonas Estudantil, promovido pelo grupo folclórico Dança do Vinho O evento tem o apoio da Prefeitura de Itacoatiara. O seu objetivo, conforme os realizadores, é o de promover a integração dos municípios do Estado.

Oconcursoiniciouàs22hdodia 1 de maio, e 15 candidatas, representando vários municípios, inclusive uma de Manaus, desfilaram para a plateia que lotou a Amazon Night. Às 4h30min, da manhã de sábado, após a apresentação de diversas atrações, o resultado foi

divulgado. Cleomara Costa foi eleita a MissAmazonasEstudantil/92.

A coroa e o cetro foram entregues à vitoriosa pelas mãos da, também coariense, Mara Alfrânia Batalha, vencedora do concurso no ano passado. Cleomara Costa disse sentir-se felizporlevarobicampeonatoparaCoari. ElaagradeceuoapoiodaPrefeituradeseu município que patrocinou a sua ida para Itacoatiara,ostrajesdenoiteetrajetípico, usadosnosdesfiles.

Muitos prefeitos estiveram presentes no concurso e diversos municípios levaram caravanas de pessoas para torcerem por suas candidatas. A representação da Prefeitura de Coari em Manaus alugou um ônibus leito, que foi colocadoàdisposiçãodoscoarienses.

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ACólera em Coari – 1991

preventiva para evitar a chegada da Cólera. Em particular, foi possível observar que a população da cidade de Tabatingaestavamuitopreocupadacoma chegadadadoençapelafronteira.

A cólera estava presente desde os primeiros séculos da humanidade, causando diarreias agudas, vômitos, cãibras musculares e a perda de peso intensa. É uma doença altamente contagiosa, ou seja, com grande facilidade de dissipação. Sua causa é uma toxina, a toxina colérica (TC), produzida pelo seu agente etiológico, a bactéria Vibriocholerae.

O período de incubação é de aproximadamente cinco dias. É transmitida pela ingestão da água, alimentos, peixes, animais de água doce contaminados por fezes ou vômito de indivíduo portador da doença, sem o devido tratamento. Sua ação inicia vencendo a acidez estomacal, multiplicase no intestino delgado de forma bastante rápida e, em razão de seus sintomas, pode causar desidratação, perda de sais minerais e diminuição acentuada da pressão sanguínea em curto espaço de tempo, com possibilidades de causar a mortedaspessoasafetadas.

A Cólera chegou às Américas em 1991, começando no Peru e depois se espalhando por grande parte da América do Sul e América Central, em que depois dealgunsanosveioasetornarendêmica.

Em 15 de fevereiro de 1991, o Peru se encontrava em plena epidemia, com 77 pessoas mortas e 11.000 pessoas contaminadas pela bactéria. Ainda não havia casos identificados no Brasil, mas também não acontecia nenhuma ação

O ministro da saúde, Alcenir Guerra, descartou uma campanha de vacinação contra a doença nas cidades brasileiras que fazem fronteira com o Peru. Ele disse haver dificuldades geográficas de contágio por via terrestre. Por isso, só haveria fiscalização nos portos e aeroportos de maior movimentação de passageiros vindo daquelepaís.

Contudo, dias depois, tudo mudou. No Peru, a doença já matou mais de 100 pessoas em menos de duas semanas, mais de 11 mil estavam contaminadas e quase 3 mil estavam hospitalizadas só em Lima, estava acontecendo mais de 100 internações por hora. Autoridades peruanas acusavam as tripulações dos navios cargueiros chinesesdeteremintroduzidoadoençano país. E foi confirmado que a origem da doençarealmenteeradeorigemasiática.

As autoridades de Tabatinga enviaram documento solicitando ao Ministério da Saúde, o início imediato da campanha de vacinação contra cólera no município.Alémdisso,houveaproibição de comercialização de produtos oriundos doPeru.Nofinaldodia,oBrasilfechouas fronteirascomoPeru.

O deputado federal (AM) Euler Ribeiro, que também é médico expressou suaspreocupações:

—Estoumuitopreocupadocom a entrada da cólera no Brasil, pelo Amazonas,oquepoderiaacarretarmuitas mortes, devido às nossas péssimas condições de saneamento. O risco da cólera se alastrar no Amazonas é gravíssimo, pois a doença pode ter acesso facilmente ao estado pela região do Alto Solimões, vindo do Peru, onde está tornando-se um caso da mais alta gravidade.

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Anos 90 em Coari

Nodia27defevereiro,emLima, um balanço oficial, divulgado pelas autoridadessanitáriasperuanas,informou que 150 pessoas morreram e que havia mais de 26 mil infectadas, devido à epidemiadecóleraqueatingeopaís.

AlémdaCólera,oPeruseviuàs voltas com campanhas conflitantes: enquantooMinistériodaSaúdepediaque ninguém comesse peixe cru, que seria o portador do vírus, o próprio Presidente da República, Alberto Fujimori, estimulava a população a não abandonar um dos tradicionais pratos da cozinha nacional, o Ceviche – peixe cru com limão e outros temperos.

No dia 13 de março de 1991, o Instituto Butantã, de São Paulo, anunciou que iria preparar um estoque de 150 mil vacinas contra a Cólera, a partir das variedades de bacilos chamadas Ogawa e Inaba, de origem asiática. As vacinas seriam para imunizar brasileiros que viajam para regiões onde há surtos de Cólera. Uma vez que, até a presente data, ainda não havia sido detectada a presença dadoençanoBrasil.

No dia 20 de março, apareceram os primeiros casos de pessoas contaminadaspelaCóleranaColômbia.E aumentou os números de casos na fronteira entre o Peru e o Brasil, principalmentenacidadedeIquitos,a500 km de Tabatinga, interligadas pelo rio Maranon (Amazonas), que passa também pelo município de Letícia antes de atravessar a fronteira brasileira. O Ministro da Saúde do Peru, Carlos Vida Layseca, renunciou ao cargo por discordar da política adotada pelo presidentedopaís,AlbertoFujimori,com relaçãoaocombateàCólera.

PrimeiroCaso

O primeiro caso de cólera no Brasil foi anunciado oficialmente em 18 de abril de 1991. O doente, Antenor

GonçalvesCruz,23anos,moradordailha de Santa Rosa, Peru, foi identificado em Tabatinga. A cidade, que fica a cinco minutos de barco da ilha peruana e é separada da Colômbia por uma rua, tornou-se rapidamente foco da doença no país. Dez dias depois, Alceni Guerra confirmava a existência de mais cinco casos, um dos quais em Benjamin Constant,Amazonas.

Em 23 de maio, foram detectados pelo Ministério da Saúde, 10 casos de Cólera em Tabatinga. E assim, epidemiachegouaoAmazonas.

Gilberto:“Cóleraestácontrolada”

Entrevista concedida ao programa “Encontro com a Imprensa” da Rádio JB-AM (RiodeJaneiro)em14dejunhode1991.

—Aameaça de cólera não é tão grande quanto está sendo propagada pela imprensa. No caso do Amazonas não há motivos para preocupações maiores, uma vez que a Secretaria Estadual de Saúde, emconjuntocomoMinistério,conseguiu estabelecer uma barreira de prevenção à doença na região de Tabatinga, fronteira entreBrasileColômbiaeespecificamente o Peru, que é onde se registra o maior número de casos de cólera A explicação foi do governador Gilberto Mestrinhoquesepronunciouontemsobre o assunto para tranquilizar a população amazonense.

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Governador Gilberto Mestrinho

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Segundo o governador, a prova de que o trabalho da Sesau de controle da Cólera está sendo eficaz são os números: nenhum caso até agora comprovado no Território Nacional, enquanto o Peru, só na primeira quinzena posterior ao aparecimento da doença, mais de mil pessoasjáhaviamsidocontaminadas.Ele ressalta ainda que a cólera é menos maléfica do que a gripe, e uma vez detectada a tempo é facilmente curada, comumasimplesmedicaçãoetratamento de reidratação do organismo. Por outro lado, as campanhas de esclarecimento sobre as novas preventivas de higiene, alimentação e saneamento são poderosas armas contra a doença, e as campanhas que vêm se realizando estão sendo muito efetivas.

“Na opinião de Gilberto Mestrinho, o Brasil terá, mais cedo ou mais tarde, que se deparar com a cólera, como já acontece em outros 105 países. Mas não como epidemia e sim da mesma forma como se depara com o sarampo, com a malária. No caso específico do Estado do Amazonas, o governador ressalta que Manaus fica a dois mil quilômetrosdeTabatinga,regiãoderisco, o q u e , p o r t a n t o , d i fi c u l t a a contaminação”.

“O bacilo do cólera descendo o Solimões vai morrer de solidão e tédio, tamanha a distância.”

Coari, área de risco

A Cólera, doença altamente contagiosa, chegou ao Brasil. O primeiro casofoiregistradoemTabatinga-AM,em abril de 1991. “O vibrião colérico morreria de tédio e solidão, se tentasse se deslocar de Tabatinga a Manaus”, disse Gilberto Mestrinho, governador do Amazonas, cético quanto à possibilidade de a doença chegar à capital do estado.A partirdestescasos,alastrou-sepeloestado doAmazonasepelopaís.

Apoluiçãoeaacidezdosriosda bacia amazônica podem ter evitado um

pouco a propagação do vibrião através da água, mas ele acabou desembarcando no corpo de pessoas que viajavam até Coari debarco.

Alguns pontos da sede do município de Coari foram visitados pelas autoridades epidemiológicas, que se encontram envolvidas no município com oproblemacólera.Umaolhadanaentrada da cidade – O porto de Coari – ou uma rápida entrada no mercado público municipal, até os menos esclarecidos podem perceber a grave situação de saneamento básico da “capital da banana”. Mas a fotografia do vibrião colérico pode ser notada bem de perto na rua Professor Góes, por exemplo, localizada no centro da cidade, onde caminhamàsoltaamaláriaeahepatite.

De lá já saíram várias pessoas suspeitas de cólera e as autoridades municipais, estaduais e federais, não passaram no local para um levantamento epidemiológico e sanitário da localidade. A maioria dos moradores daquela rua e das diversas que formam um verdadeiro aglomerado de doentes, apresentam algum tipo de complicação, que pode i n i c i a r c o m u m s i m p l e s comprometimentorespiratório.

Dona Maria Ferreira da Silva, porexemplo,estácommalária,mãede10 filhos, dona Maria garante que ainda não sabecomotrabalhaopessoaldaFundação Nacional da Saúde, ex-Sucam, responsáveis, inclusive, pelo combate à malária. Atualmente, 3 de seus filhos estãocommalária.JosédaSilvaAzevedo, foi o mais atingido e já vivencia sua 5ª malária, somente este ano. Em frente à casa de dona Maria, o pequeno Antônio Filho, de 1 ano e 6 meses, não escapou do ataque do vibrião colérico. “As crianças sãoasmaisvulneráveisàdoença.Alémda água ser captada de um lago poluído, a água tratada pela Cosama, dificilmente chega às residências sem serem contaminadas em função do vazamento da rede”, denuncia a moradora Maria José.

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Para completar ainda mais a situação dos moradores da Professor Góes e ruas vizinhas, quando chove, as casas ficam praticamente dentro d'água. Dona CândidaAmaral, que há anos sofre de problemas respiratórios, garante que a “catinga é medonha”. Ninguém vem aqui meu filho, começaram a colocar esses tubos, mas até hoje não fecharam. O cocô escorretodahoranasruaseninguémtoma umaprovidência”,condena.

“Estamos condenados ao completo abandono. Depois da malária e da hepatite, só faltava chegar à Cólera. Agora temos de tudo”, critica Maria José, que ressaltou que a grande preocupação das autoridades não é a Cólera, mas a FestadaBanana.

Depoimento sobre a situação do hospital

Os moradores de Coari, por cercade15diaspassaramaconviverbem de perto com o vibrião colérico, contudo quando tiveram de depender dos serviços médicos do hospital, foram obrigados a esperar pelo menos o dia amanhecer. As 18 horas, quando vários pacientes suspeitosdecóleraprocuraramohospital, encontraram apenas a atendente Maria Ferreira da Silva que, em função do estadoclínicododoente,ministravaaeles osorooralevenoso.

O médico de plantão ao ser procuradopelareportagemfoienfáticoao afirmar que no hospital só compareceria se o estado do paciente fosse grave. Segundo declarou, a atendente estava suficientemente habilitada para saber – se o problema do paciente fosse cólera – a capacidade hídrica do enfermo era negativaounão.

Próximo às 22 horas, o médico compareceu ao hospital, embora tenha permanecido o tempo todo do lado de fora. Sem mostrar nenhuma preocupação com a morte de uma recém-nascida, que

acabara de morrer por falta de assistência médica, o plantonista limitou-se a que fazer frente a uma população de 40 mil habitantes era impossível para quatro médicos.

Às 8 horas da manhã seguinte, o número de pessoas suspeitas já era maior e nenhum médico presente para atendêlos. O menino Raimundo Vilhena, 11, se contorcia em dor e só depois de alguns goles de soro e o carinho de sua mãe LaurentinaVilhenaseacalmava.

A primeira atenção médica aos pacientes suspeitos de cólera só acontece quando a equipe do Piauí, coordenada pela médica Maria Amparo Salmito, chega ao hospital. Segundo ela, todas as pessoas com diarreia são mais suspeitas, embora até o momento só tenham sete casos comprovados. “Todos os dias mandamos para Manaus várias coletas. Estamos certos de que o número de casos comprovados em laboratório é maior que sete. Como ainda não dispomos dos resultados fica difícil saber a incidência realdecóleranomunicípio”,explica.

Se os números de casos comprovados dependem dos resultados dos exames, os números de pacientes suspeitos atendidos dependem do controle da equipe de coordenação da Unidade de Saúde de Coari. Ninguém sabe informar quantas pessoas suspeitas de cólera passaram pela Unidade de Saúdedomunicípio.

Unidade de Tratamento de Cólera sem controle

Depois de “lavado” todo material contaminado pelo vibrião colérico, a funcionária da lavanderia prosseguiu na sua missão, agora com o material de cama e outras enfermarias. Segundo garantiu, o tratamento dispensado de acordo com as orientações dohospitalaomaterialdecamaéumsó.

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Na própria UTC pode-se observar que não existem regras quando acompanhantesouoprofissionaldesaúde está diante do portador do vibrião colérico. Uma criança suspeita colocava tantasvezesfossemnecessáriasachupeta à boca, que por descuido caía onde se encontravahádiashospitalizada.

Nem mesmo a médica Nauri se importou de pegar um dos baldes que se encontrava debaixo da cama do paciente Joaquim Sebastião, 51, para mostrar as características do líquido expelido pelo portador do vibrião colérico. A médica sequertinhaàsmãosluvasdeproteção.

Na Unidade de Tratamento à Cólera não existe nenhum controle quanto ao acesso de pessoas que queiram visitar um suspeito. A entrada, praticamente, é franca e o vai vem é constante.

Outra demonstração de nítido descontrole é quando um paciente é transportado com urgência para a UTC. Mesmoqueoleitotenhasidodesocupado naqueleinstanteporumportadorsuspeito nada impede que um outro seja levado a ele. A rotatividade, aliás, é constante e podeacontecerduranteas24horasdodia.

Água captada à beira do lago

Coari é uma cidade carente e com deficiência na estrutura sanitária. A água potável, por exemplo, é um dos problemas mais graves. Ela é captada na beira do lago de Coari, onde vários flutuantes e embarcações se confundem com a pequena flutuante da Cosama, de onde inicia a distribuição para alguns setoresdacidade.

Os principais esgotos da cidade podem ser notados sobrecarregados entre o emaranhado de pequenas casas flutuantes e barcos, que no lago de Coari formando o principal depósito de dejetos fecais. Devido à seca, eles, atualmente,

estãoforad'água,massuaságuasservidas formam na área da praia, um visível corredoratéatingirolagodeondeétirada aáguaparaapopulação.

A fiscalização no porto da cidade, segundo comentou Francisco dos Santos, encarregado pelo bombeamento da Cosama, é uma brincadeira e se existe “éparainglêsver”.Aprópriaembarcação da prefeitura do município, conforme observou, atraca bem ao lado do flutuante daCosama.

Devido a esses descuidos, é comum o motor da companhia estar ligado no momento em que as fezes flutuam sobre as macias águas esverdeadasdolagodeCoari,próximoao flutuante da Cosama. “Aqui está a pior imundície de Coari. É merda dos esgotos, dos flutuantes, das embarcações, de todos oslugares”,assegura.

Na sede do município de Coari, as famílias que não são atendidas pela Cosama são servidas na sua maioria por cacimbas localizadas próximas a um braçod'água,comoéocasodoigarapédo PêraedoEspíritoSanto.

Depois de alguns dias, chega à cidade de Coari a equipe da Rede Globo de Televisão, chefiada pelo jornalista Caco Barcellos e expõem em rede nacional para todo Brasil, todas as mazelas e a situação caótica que Coari se encontrava.

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Na época, eu era um jovem professor do ensino fundamental, com 19 anosefoipossívelacompanhar,inloco,as várias fases dessa epidemia em Coari. A cidade estava vivendo cenas de um filme de terror, com pessoas chegando da zona rural do município, em total estado de desnutrição avançada, sem poder se locomover, se desfiando. Lembro que na fila do Banco do Estado Amazonas (BEA), havia senhoras que caiam e apresentavam os sintomas mais graves, alinochão.

ElaseramconduzidasaUnidade Mista de Coari (antigo Hospital), onde ficavam isoladas, deitadas em uma maca hospitalar que havia um buraco no meio, onde as pessoas continuavam fazendo suas necessidades sem interrupção Houvemuitasmortesemnossacidade.

Após essa epidemia, aconteceu algumasmudançasnacidadedeCoari:

O flutuante que recolhia água para os tanques da Cosama (Companhia de Saneamento do Amazonas) saiu das

águas paradas do lago de Coari, há 500 metros do principal local de liberação do esgoto da cidade, para o Rio Solimões, que é um rio com uma correnteza muito forte, dessa forma, dificultando o recolhimentodeáguaspoluídas.

Outra mudança qualitativa em Coari, foi o cuidado com a água de consumo. Foram abertos inúmeros poços artesianos na cidade (particulares e das instituições governamentais). A população começou a ferver água para beber ou adicionar hipoclorito de sódio. Os velhos filtros de barros foram aposentados, sendo trocados pelos bebedourosdeáguamineralde20litros.

Em suma, o negacionismo e o despreparo das autoridades amazonenses não acreditando que a bactéria da Cólera chegasse ao Brasil, além das eternas condições sanitárias deficientes, foram os principaismotivosparaqueaepidemiade CólerachegasseaCoari,quefoinaépoca, o principal local de risco da doença no Brasil.

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Anos 90 em Coari
Flutuante da Cosama no Lago de Coari

Fotos da Coari Antiga

AHistória de CoariAtravés das Fotos

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Archipo Góes
Mais Coari
Fotos da CoariAntiga
O Coreto da Pç Getúlio Vargas Casa Paroquial e o “Colégio” na praça São Sebastião em 1968

Escola Inês de Vieira - 1968

Rua 02 de Dezembro - Tauá-mirim - Em 1968

160 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga

Fotos da CoariAntiga

161
Archipo Góes
Nunca Mais Coari Funcionários da Secretaria de Obras da Prefeitura de Coari - Junho de 1975 VistaAérea da Rua 02 deAgosto - 1977
162 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro - 1977 Vista aérea da rua Marechal Deodoro – Centro Ao fundo a Igreja Batista e o início do bairro Duque de Caxias – 1977

Foto tirada da janela da escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Podemos ver algumas casas da rua Independência. Na parte superior à direita: a rua Plínio Coelho no bairro de Chagas Aguiar. Ao fundo, as árvores do bairro do Pêra e a regiãoconhecidacomoMatinha.

163 Nunca Mais Coari Archipo Góes Fotos da CoariAntiga
Ponte Siseno Sarmento (Atual Roberval Rodrigues) - 1977

Loja Maçônica de Coari - 1977

164 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Unidade Mista de Coari (Hospital) - 1977

Bairro e Igarapé do Pêra - em 1977

Banco daAmazônia - Basa - 1977

165 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari
Fotos da
Antiga

Carnaval de 1977 - Palanque dasAutoridades

Um Bloco Carnavalesco no ano de 1977

166 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga

CineAlex - Nosso Cinema dos anos 70

167 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Centro Dom Mário - Novembro de 1968

Escola Francisco Lopes Braga - Foto de 1977

O nome é em homenagem ao engenheiro que foi Diretor de Obras Públicas e ConcessãodeTerrasdoEstadodoAmazonas.

Podemos ver nessa foto: O final da rua XV de Novembro, o lugar conhecido como ‘‘AltodoBode’’, aesquerdaobairrodeChagasAguiar.

168 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga

Yara Bar, o point da Juventude em 1968

169 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari
Fotos da
Antiga
Igreja de São Francisco - Tauá-mirim - Em 1977

Fotos da CoariAntiga

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Igreja de SantoAfonso - Morro - Bairro Espírito Santo - Em 1968 Igarapé do Espírito Santo no período da seca - 1978
171 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Feira do Produtor Rural - 1994 e o Cristo Redentor ao fundo sendo terminado Carnaval de Rua - Bloco Carnavalesco “Os Fantásticos” Em 1977 - Local: Travessa Mota

Rua Padre José Maria em 1977 Colégio [ENSPS] - Catedral de Santana - Casa Paroquial

Pç Getúlio Vargas - Centro

172 Nunca Mais Coari Archipo Góes Fotos da CoariAntiga

Fotos da CoariAntiga

173
Archipo Góes
Nunca Mais Coari Pç Getúlio Vargas - Centro de Coari -Ano de 2000 Pç São Sebastião - Em 1994

Caixa d'água na praça São Sebastião - Centro - Por trás da Catedral Praça Getúlio Vargas em 1968

174 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga

Porto de Coari - 1977

175 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Ponte do Igarapé de São Pedro

Fotos da CoariAntiga

Praia em Frente da Cidade - 1977

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Posto de Gasolina Texaco - 1978

Fotos da CoariAntiga

Prefeitura de Coari em 1968 - Mais tarde virou a escola Progente Hoje a Policlínica Dr Roque Juan Delloso

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Rua 02 deAgosto - 1968

Rua Gonçalves Lêdo em 1968

178 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
179 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari
Fotos da CoariAntiga
Coreto na Praça Getúlio Vargas Rua XV de Novembro - Centro

Fotos da CoariAntiga

Travessa Mota - Centro - Década de 70

VistaAérea de CoariAntiga - 1977 Podemos observar a CAMTEL, o Tijuca, a Coletoria

180 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Praça São Sebastião

181 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Primeira Feira do Produtor Rural - 1979

Pc São Sebastião

Esquina da rua 05 de Setembro com a rua Gonçalves Ledo - Década de 70

182 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga

Prefeitura Municipal de Coari - Atual Bradesco Esquina da praça Getúlio Vargas com rua XV de Novembro Construída pelo Cap José Rodrigues Pessoa (Delegado) em 1923

183
Archipo Góes
Nunca Mais Coari
Fotos da CoariAntiga
Autoridades Coarienses

Praça São Sebastião

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Fotos da CoariAntiga
Rua XV de Novembro - Setembro de 1986
185 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari
Fotos da CoariAntiga
Rua Xv de Novembro - Centro

BEA- Banco do Estado doAmazonas

186 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari
Fotos da
Antiga
Tijuca Esporte Clube
187 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari
Fotos da CoariAntiga
Feira do Produtor Rural na década 90 Rua Gonçalves Ledo

Fotos da CoariAntiga

188
Archipo Góes
Nunca Mais Coari Feira do Produtor Rural na década 90 Conjunto dos Ribeirinhos - Rua Samuel Fritz

Fotos da CoariAntiga

189 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari
Dom Mário RobertoAnglim - 1º Bispo Prelado de Coari Dom Gutemberg Freire Régis - 2º Bispo Prelado de Coari

Fotos da CoariAntiga

190 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Dom Joércio Gonçalves Pereira, CSsR - 3º Bispo Prelado de Coari Dom Marcos Marian Piatek – 4º Bispo de Coari (Diocesano)
191 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari
Fotos da
Antiga
Dom Jackson Damasceno Rodrigues 1º BispoAuxiliar daArquidiocese de Manaus Sagração do Dom Gutemberg Freire Régis
192 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Igreja de Santana e São Sebastião Rua Marechal Deodoro
193 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari
Fotos da
Antiga
Seleção Masculina de Handebol GrêmioAtlético Indrustrial

Fotos da CoariAntiga

194
Archipo Góes
Nunca Mais Coari Praça São Sebastião VistaAérea do Centro de Coari

Asfaltamento da Praça São Sebastião

Instituto Bereano de Coari

195 Nunca Mais Coari Archipo Góes Fotos da Coari
Antiga

Fotos da CoariAntiga

Escadaria de Coari

Escadaria de Coari - 1972

196
Archipo Góes
Nunca Mais Coari

Fotos da CoariAntiga

197 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari Radio Educacional Rural de Coari Praça Getúlio Vargas

Fotos da CoariAntiga

Concentração antes do Desfile Cívico

198
Archipo Góes
Nunca
Mais Coari Praça Getúlio Vargas

Fotos da CoariAntiga

Desfile Cívico

199
Archipo Góes
Nunca Mais Coari Escola de Samba Coariense - 1984

Fotos da CoariAntiga

200 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Usina da Luz e Força de Coari Rua XV de Novembro

Cais Velho - 1968

Igarapé de São Pedro

201 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari
Fotos da
Antiga

Avião Catalina partindo de Coari

Avião Catalina partindo de Coari - 1968

202
Archipo Góes
Nunca Mais Coari
Fotos da CoariAntiga

Praça São Sebastião - Centro

Prefeito Clemente Vieira e um grupo de escoteiros coariense - 1980

203 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga

Fotos da CoariAntiga

204
Nunca Mais Coari Archipo
Góes
Prefeito Roberval Rodrigues, Vice-Prefeito EvandroAquino e Dr. Roque Juan Del’oso Governador Gilberto Mestrinho e o Prefeito Roberval Rodrigues

Abertura do Jogos Escolares de Coari (Jec’s) no antigo estádio Carecão

Deolindo Dantas

205 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga

Fotos da CoariAntiga

Escadaria de Coari

206 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari Rua Marechal Deodoro - Centro

Fotos da CoariAntiga

207
Archipo Góes
Nunca Mais Coari Vista Aérea de Coari Vista aérea de Coari

Fotos da CoariAntiga

Passeata política na praia da cidade

208 Nunca Mais Coari Archipo Góes
VistaAérea de Coari
209 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari
Fotos da CoariAntiga
Posse de MussaAbrahim Neto
Comício na frente do Grupo Escolar Francisco Lopes Braga Em destaque: Clemente Vieira (Prefeito) ao microfone, Alexandre Moraes (Vice-prefeito),candidatoaDep.EstadualWaldemarVieiraem1978

Delegacia de Polícia do Camará - 1974

210 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Praça Getúlio Vargas - Centro

Fotos da CoariAntiga

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Archipo Góes
Nunca Mais Coari Escola Presidente Kennedy Escola Presidente Kennedy

Unidade Mista de Coari

212 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Fotos da CoariAntiga
Mercado Municipal

Fotos da CoariAntiga

Estrada doAeroporto

VistaapartirdapontesobreoigarapédeSãoPedro.Aofundopodemosobservaro sobradinhodosDantaseamangueiraqueinspirouoBrasãodeCoari.

213 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari

Fotos da CoariAntiga

214 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari
Ponte sobre o Igarapé São Pedro - Constrída em 1923 pelo então Cap. Pessoa. Restaurada em 1934. Navio que primeiro atracou no trapiche em construção, no dia 28 de março de 1937

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215 Nunca Mais Coari Archipo Góes

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216 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Archipo Wilson Cavalcante Góes é natural de Coari, nasceu em 2 de abril de 1973. Primogênito numa família de quatro irmãos, filho de Benedito Góes Neto (Comerciante)eElioneteCavalcanteGóes(Professora).

Archipo Góes formou-se no magistério no ano de 1990 para o ensino nas séries iniciais. Em 1992 fez o Adicional em Ciências e Matemática, em que ficou habilitadoaministraraulasparaocursoginasial.

Fez o curso de Pedagogia com apostilamento e habilitação para exercer as disciplinas: Sociologia da Educação e Psicologia da Educação no Ensino Médio. Por muitos anos foi professor na Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nas disciplinas: Educação Física. MatemáticaePsicologiadaEducação.

Hoje, com 49 anos, solteiro e com um filho de 23 anos, é escritor e comerciante do ramo de informática e cosméticos.Desenvolveumtrabalhoderesgatedahistória e da Literatura Coariense. Foi Secretário de Cultura e Turismo em Coari no período de abril de 2015 a dezembro de2016. Suaprimeiraobrafoi“AOrigemdoNomeCoari”, emseguidaveioapublicaçãode“Recomeçar–Poemas”,o Livro “Uma Literatura Coariense –Antologia” e sua mais recente livro foi “Nunca Mais Coari: a fuga dos Jurimáguas”.

217 Nunca Mais Coari Archipo Góes OAutor

Literatura Coariense Contos,

poemas e crônicas

218 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Existe uma Literatura Coariense?

É a pergunta que fazemos da mesma forma que há alguns anos escritores e estudiosos da literatura do Clube da Madrugada e da União Brasileira de Escritores do Amazonas fizeram com esta pergunta: - Existe uma Literatura Amazonense? Com esta indagação que é também o título de um ensaio escrito e reunido em um livro por Jorge Tufic e lançado pela UBE-AM, como VII volume da Coleção NorteNordeste de Literatura, fruto do I Encontro Norte-Nordeste de Literatura, ondesediscutiuamiúdeotema.

Os estudos levantados por Jorge Tufic concluíram que existe uma Literatura Amazonense e se há, há também uma literatura regional, mesmo que ela tenha em alguns aspectos conotações de modo similares a outras regiões que nos ligam à Literatura Universal.

Eu mesmo cheguei a admitir, aí mesmo, neste trabalho de Jorge Tufic, a sua existência, a partir da existência de uma literatura latino-americana no contexto das nossas letras, que marcaram e continuam marcando, mesmo com suas particularidades regionais, a literatura nacional e, consequentemente, a literaturauniversal.

Muitos escritores amazonenses são oriundos da hinterlândia amazônica, como Álvaro Maia, Jorge Tufic, Francisco Vasconcelos, Almir Diniz, Erasmo Linhares, Elson Farias, Tenreiro Aranha, Aureo Mello, Thiago de Mello, Almino Afonso, Anísio Mello, Tenório Telles, Pe. ManuelAlbuquerque,Alencar e Silva, Raimundo Colares, entre outros que poderíamos enumerar apenas para mostrarquealiteraturapodeflorescerem qualquer meio ambiente, tanto no meio urbano das grandes metrópoles, como também nas concentrações urbanas e suburbanasdascidadesdointerior,vilase lugarejos onde a civilização tenha chegado.

Assim, acontece no mundo inteiro. Por que aqui não poderia acontecertambém?

A inspiração artístico-cultural surge em qualquer lugar e em qualquer tempo. Pode aparecer em tempo de grande florescimento econômico, como podesurgiremtempodecriseeconômica esocial.Aliteraturaéprodutodanatureza humana e suas circunstâncias e, assim, não depende de mais nada. Quantos em meio à guerra e à miséria escreverem livros, comoTolstói em "Guerra e Paz", e Dostoiévski, em "Crime e Castigo", por exemplo, e mesmo o nosso Graciliano Ramos, com "Vidas secas" e "Memórias do cárcere", que escreveram, todos eles, contandoexperiênciasemlivrosquehoje estão entre os mais lidos. Também, quanto ao tema, e mesmo se destinando a um público infanto-juvenil, ou mesmo a leitor mais exigente, que goste de ficção, romance, por exemplo, ou apenas poesia, crônica, ensaio, história de caboclo ou conto, não importa o gênero literário, desde que o que escreve seja um texto bom, cabível em qualquer lugar e ao alcancedequalquerleitor.

Temos uma literatura coariense, é só ver nomes que Archipo Góes reuniu neste livro em prosa e verso, enfeixando nomes de expressão como Francisco Vasconcelos, Erasmo Linhares, Manoel Francisco, José Maciel, Waldemar Fonteles, Chagas Semeão, Alex Alves, Manuella Dantas e outros. Alguns, como Francisco Vasconcelos e Erasmo Linhares, dois ícones de nossa literatura, já transpuseram as fronteiras do Estado doAmazonas!

ArchipoGóes,éescritorepoeta, tendo publicado "Recomeçar” (poesia), "AOrigemdoNomeCoari",1ºvolume,e "Samuel Fritz e a Fundação de Coari", pertencentes à Coleção de História de Coari, publicados em 2014, e "Uma Literatura Coariense - Poemas", editado em 2014. Archipo Góes, é um estudioso da nossa cultura, dos costumes, do folcloreedahistóriadanossaterra.

Parabéns, portanto, por levantar essa bandeira da cultura em Coari, berço detodosnós!

219 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

AFreguesia deAlvelos Roberval Vieira

prefeito. Era 1973. Vieira, bancário aposentado do BASA, gostava de uma caçada, e ao mesmo tempo, de criar estórias. E naqueles dias ele quase me convencia que o “Curupira” existia. Ou seráqueexistemesmo?Masdefatoéque quase eu acreditei. Principalmente quandoelemedissecommuitaseriedade: “Se você assobiar de novo ele vem cantar bem pertinho do barco”. Acreditem ou não, alguma coisa veio repicando seu assobio até a beira do lago. Deixando-me desconcentradoefazendotodaaturmarir daminhacara,meiosemjeito.

O assobio rasgou duas vezes a mata e veio se repetir bem perto de onde nós estávamos. Na cozinha, Maria José preparava um cozidão daqueles, “Capararí” salmourado com bastante verdura. “Se você oferecer outro cigarro ele vem cantar bem aqui pertinho”. Sorri maroto e passei a garrafa de cachaça para Manoel Soares, que brincou com Vieira, enquanto me oferecia uma banda de limão. Tomei uma talagada, acendi um cigarro e fui ver como estavam as coisas lá atrás no motor onde estava mamãe, Nilda e as crianças que ajudavam Maria José no preparo do jantar. Era um sábado calorento, mas a Freguesia de “Alvelos”, dos Dantas, estava fresca e o rio Coari soprava suavemente uma brisa calma. Aqui,ali,gaivotasesguichavamlamentos e a areia branca convidava a um passeio pelapraia.Nossoscompanheirosestavam na boca do lago, armando a malhadeira paraquandoodiaamanhecesse.

E todos nós fomos lá espiar três “tambaquis” e o belo exemplar de “pirarucu”. Durante o verão era comum nossos passeios a Jurupari ou a fazenda “Alvelos”, primeiro ponto da civilização que formou o povoado de Coari. “Jacó Dantas”, irmão de Raimundo Dantas, o “Alvelos", estava conosco e eu apreciava muitas anedotas, principalmente depois dejátertornadoalgunsgoles.

Manoel Soares era o vice-

Namanhãseguinteafestasefez sentir por toda ilha e as crianças corriam pela praia, espantando as gaivotas. Eram tantas, que dava gosto olhar toda a praia. Vieira matara duas pacas e estava alegre. Contudo,nãoseesqueciademeperguntar pelo “Curupira”. Bernardo, funcionário da Prefeitura e companheiro de pescaria, não tivera muita sorte, apesar dos "tambaquis”eo“pirarucu".Aolevantara malhadeira uma “piranha” tirara-lhe um pedaço da mão esquerda — era ou é canhoto — e isso fez com que retornasse mais cedo para cidade. Felizmente não tinha sido muito sério o ferimento, mas foi o suficiente para deixá-lo alguns dias semassuaspescarias.

De repente, estávamos todos a bordodo“RioCoari”,umdaya-dieseldos Dantas e que Jacó tinha muito orgulho, apesar de precisar de uma reforma urgente. A caldeirada estava no ponto e todosnóscomíamosanimados.

Um verdadeiro banquete naquelasterrastãobonitas.

Não sei como está tudo aquilo e prefiro lembrá-la como um dia a vi. Com areias brancas, contrastando com as águasescurasdoCoariGrandeeondeum dia quase me fizeram crer que existe o “Curupira”, na “Freguesia de Alvelos”. NaminhasaudosaCoari.

Coari-AM. 11 de outubro de 1973

220 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Zeca-Dama

Erasmo Linhares

Não, senhor, desarme essa cara de malícia. Não é nada do que o senhor está pensando. Sou macho e muito macho. Até hoje o cabra que duvidou disso,levouotrococertonahora.Maslhe digo que já fui dama afamada. Melhor do que muita mulher de hoje. Quando cheguei nas brenhas do Ipixuna, mulher queébomnãohavia.Tudoerahomem,só homem. A maioria cearense como eu e como eu vieram na ilusão de enricar com a borracha — aquela enganação toda que andaram espalhando lá pelo Nordeste. Vinham como boi, amontoados no porão enoconvésdosnavios,largandopratrása terra, lavoura, casa, mulher e filhos. Comigo foi um pouco diferente. Não escondo que tinha lá meus desejos de encher os bolsos de muitos contos de réis e um dia voltar pro meu sertão e fartar de comida a mulher e a filharada. Desculpe se estes olhos depois de velhos deram pra chorar, mas aqui no fundo do peito ainda dói uma querença. Eu conto continuado. De veras eu vim mesmo foi fugido. Lá no sertãoondeeumorava,porcausadeumas terrinhas mixes, destripei um cabra safado na ponta da peixeira e quando a polícia deu vau, embarquei no Baependi juntocomummagotedeoutroshomens,a maior parte, como eu, com alguma morte nas costas. Um horror, meu senhor, uma coisa muito triste de ser lembrada. Em Manaus jogaram a gente numa tal de Hospedaria de Flores. Todo mundo espremido nuns quartinhos. Tinha dez ondesópodiacabercinco.Detantagente, nunca faltava uma fila enorme às portas das privadas, principalmente porque a gente desacostumada do pirarucu e da farinha d’água que se comia todo santo dia, andava quase sempre com desmancho. Um desespero, pode crer. Tinha gente que não aguentava na espera e fazia a coisa ali pelas redondezas, atrás das cercas, nuns matinhos que cresciam

aoredor,e,porisso,oarviviaempestado. Depois de uns dois meses separaram a gente em lotes e mandaram uns pra cá, outros pr’ali. A mim me mandaram pro Ipixuna, nas brenhas onde não morava quase ninguém. Não reclamei nem pechinchei. Quanto mais longe melhor. De perto, um perto muito longe, só Eirunepé de um lado e Cruzeiro do outro. Cheguei num dia e no outro me mandaramprocentro,comoDorca—um cabra nascido por aqui mesmo, meio gente, meio índio, mas um camaradão. Duro, meu senhor, duro foi acostumar naquelemundãodematovaziodegentee com a doideira daquele trabalho de escravo. Acordar antes do sol e sair pelo mato raspando casca de seringueira, pendurando tijelinha, comer só por comer,enganandoestômagocomipadu,e depois voltar pelo mesmo caminho, recolhendo o leite, correr para a barraca e começar a defumação. Os seringueiros antigosseriamdagente,danossafaltade jeito. Conto sem ter vergonha – muitas vezes chorei, escondido do Dorca, e amaldiçoeiodiaquedeixeiaminhaterra. Mastudonocomeçoéassimmesmo.Não há nada de tão ruim que a gente não se acostume. E eu e os outros – os brabos, como a gente era chamado -, acabamos nos acostumando.Avida no seringal não é sopa, mas também tem os seus momentos. Tinha o sábado. O sábado, meu senhor, era o nosso dia. Quando a gente voltava do barracão do gerente, tratava logo de descarregar o rancho, tomar banho e num instante estava na canoa, vestido de limpo, chapéu, todo emperiquitado, e toca a remar para casa de Mestre Felisberto. Era a festa, a festa que a gente esperava toda a semana, num desassossego. Tinha música, sim: a rabeca de Mestre Felisberto, o banjo do Curica e mais o Zé Preto batendo o compasso com duas colheres enganchadas nos dedos. Mas, como eu já lhefalei,mulherqueébomnãohavia.Por isso dançava homem com homem e foi aí queeuganheifama.

221 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Experimentei a primeira vez só pra dar gosto ao Dorca, companheirão que me ensinou a cortar seringa, com paciênciadesanto.Equandocomeçamos a dançar, os outros foram parando abestados,olhandonósdoissaracoteando pela sala. Desde aquela noite fiz nome e renome. Não me lembro mais quem inventou a moda, mas os homens que dançavam como dama amarravam um pano na cabeça, para diferençar dos outros. Um dia, um sujeito quizilento chamado Procópio, entendeu que a gente tinha de pintar os beiços com urucu e de vestir maria mijona Pra dar mais sensação, como ele disse. Só não matei o filho duma égua na horinha, porque os outros não deixaram. Mas nunca mais dancei com aquele corno. Depois eu mesmo inventei de calçar sapatos tênis para dar mais leveza nos pés. Sim, lhe digo, havia outros homens que também dançavam como dama, mas nenhum como eu. Tanto que uma vez houve uma briga de dois cabras por causa de mim. Foiprecisoeuarriarascalçasemostraros possuídos e gritar que eu era homem e muito do seu macho e não ia permitir que dois safados brigassem com ciúme de mim,comoseeufossemulheroufoboca, queDeusmelivreeguarde.Mesmoassim eu não chegava pra quem queria. Tinha noite de gastar quase toda a sola do meu tênis de tanto arrastar os pés no chão de terra. Uma coisa de doido. Só parava pra tomar uns goles de cachaça e assim mesmo aqueles cabras ficavam todos me cercando e de olho vivo pra me pegar primeiro. Não, não ria, homem fazer vez de dama não é coisa pra qualquer um. Desculpe que eu lhe diga, mas é preciso muita arte. Tem que ter o corpo leve e os pésligeiros,molejonacintura,balançode pernaesentidocalculado.Temdeseruma pluma e adivinhar de véspera o movimento do cavalheiro. Ainda hoje, por todas estas bandas, ainda me conhecem como Zeca-Dama. Já lhe pedi, nãofaçacarademalícia.Agoraeusouum velho, mas ainda sei tirar desforra Ninguém nunca duvidou da minha macheza, porque todo mundo sabe que

eu, com uma faca na mão, sou o próprio capeta. Hoje mora muita gente por essas beiras e tem muita mulher. Nas festas, às vezes, tem mesmo mais mulher do que homem. Mas nenhuma dança como eu, naqueles tempos. Se não fosse o diabo do reumatismoquemeamolengaaspernase meendureceuascadeiras,eueracapazde lhe mostrar Dou-lhe minha palavra Pergunte ao Dorca, ele mora ali no primeiro sítio à esquerda, descendo o rio. O Dorca não me deixa mentir Boa noite, passebem.

O Vinho e a Outra Face Archipo Góes

Ovinhoestimulaosdesejos OsOlhosprocuramossentimentos Ovinhoentrapelaboca Oamorentrapelosolhos

Devoestácomodobrodesuaidade Issosignificaque possivelmenteireisofrer. Emesmoassim Aoverseuardedesafioetimidez Reconheciqueestavadiante Daminhaoutraface

Naquelanoitedeencontrosedelírios Percebiqueasvozes quecantamoamor Nãoconseguemexpressar osmeussentimentos Dereceios,cuidadosedesejos. Vocêéasíntesedetudo quequeroparamim Eassim,tedesejoemsilêncio.

Quandodeipormim Vocêjátinhasetornado Minhamaisousadaprioridade. Vouteconquistar Comoquemsaipelomundo Embuscadeseussonhos Eassimconstruiremos Anossalendadeamor.

Coari-Am, dezembro de 2013

222 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

MANAUS

Souacidademaisbela EmtodaregiãodoNorte –EvocêCoarisingela Medápenasuasorte Souúnicacommeuteatro Epontesmaravilhosas Tenhoruasasfaltadas Epraçasajardinadas!

COARI

Vocêtempenademim Manaus,faceiraevaidosa. Pormevertãopobreassim? Nãosejatãocavilosa Poisvocêfoicomoeusou Outalvezaindapior: –Estávelhaeeusoumenina –Tenhofénaminhasina.

MANAUS

Simsouvelha–fizcemanos Foierguidoummonumento Masnãosofroosdesenganos Quefazemoseutormento Suasruasestãonomato Enãotemnenhumcinema EumTrapichequeexistiu –Umprefeitoodestruiu

COARI

Jáquefezesserelato Quenegarnãoseadmite Eupergunto:foiexato, Destruídoadinamite Opaláciodogoverno LánoaltodaAvenida, Quandoestavaemconstrução. –Emtemposquelongevão?!

MANAUS

Sim:ondeéoInstituto (Porsinal)deEducação; Eumelembro,boteiluto Echoreidecompulsão; Masagora,édiferente Nãoexiste‘marmelada’: –Osgovernossãosensatos Evalempelosseusatos.

COARI Parabéns,Manausaugusta. (Cadaumsabeoquesente) Vocêviveànossacusta Porisso,andacontente Nosdevolvaonossoimposto Odanossaprodução; Poissóassimseredime Vocêdetãograndecrime!

MANAUS

Tiredamenteessaideia Nãomefaçaessejuízo Acusesim,àAssembleia Poiselaéresponsável Peloserrosdogoverno! –Derrubaramsemcritério. OprojetodoValério!

COARI

Aceito,sóporprincípio Quevocêtenharazão; MasumdiaoMunicípio Teráasuaredenção. Eascidadesdointerior DesteAmazonas,gigante. Deixarãodeserocaos EserãooutrasManaus!

Alexandre Montoril - Manaus

223 Nunca Mais Coari Archipo Góes
19/12/1959 As
cidades discutem

AFeira

Literatura Coariense

Manuella Dantas

O barulho começava cedo. Às 4h30min da manhã, eu já podia ouvi-los embaixo da janela do meu quarto, no sobrado. Era assim todos os sábados, na décadade80,quandoosfeirantesvinham da zona Rural e começavam a arrumar suas coisas ao longo da rua em que eu morava. A feira se organizava desde a escola Bereano, na rua Rui Barbosa, e seguia por toda a Deolindo Dantas, até a frente da casa, onde hoje mora minha irmã Raí Letícia. Os feirantes chegavam aos poucos com suas canoas e barcos abarrotados de itens e organizavam tudo dojeitinhodeles.Parademarcaroespaço, alguns colocavam ripas no chão, enquanto outros estendiam pedaços de lona ou simplesmente espalhavam seus produtos acomodando-os em sacos, paneiros ou bacias de alumínio. E assim eles iam ocupando cada pedaço da rua com frutas, verduras, legumes, plantas, vida.

Eu acordava, abria o janelão do meu quarto e me debruçava para ver toda aquela movimentação Aquele cenário despertava um monte de sensações: enquanto minha visão se encantava com a s c o r e s e f o r m a s q u e s e (des)organizavam naquela rua, meu olfato buscava (em vão) encontrar meus cheiros favoritos, tudo isso ao som de uma infinidade de vozes e rimas que como um coral entoavam em vários tons: “maracujá, abil, pupunha, taperebá tucumã, cupu, jatobá, limão, tangerina, ingá, ingá-de-macaco, laranja, cacau, melancia, araçá, banana prata, nanica, pacovã, ananá, castanha, caju, piquiá; farinha branca, amarela, beiju, pé-demoleque, goma, tapioca; tucupi, açaí, buriti, melaço de cana, bacaba; batata portuguesa, batata-doce, ariá, macaxeira; cebola, cebolinha, coentro, cheiro verde, jambu, pimenta-de-cheiro, murupi, mastruz; macaxeira, tomate, cebola, pimentão...”, tudo junto e misturado, comosefosseumrefrão.

Depois do café, ia para a janela da rua da frente do sobrado. De lá podia ouvir o seu Dimas testando o som para começar o culto, olhar melhor o rio, os barcos e canoas que se arrumavam de um jeito que só quem conhece o Amazonas consegue imaginar. Descia para a padaria para acompanhar o movimento de perto e ouvir as histórias de meu avô. Àquela altura do dia ele já tinha muitas para contar. Certa vez ele precisou ajudar uma senhora que teve um bebê no banheiro da padaria, em outro momento ajudou uma mulher que sofreu um naufrágio e que nadou algumas horas apenas com um facão na mão, até chegar em terra. Eu ficava ouvindo com atenção, enquanto o ajudava a embalar alguns pães com um papel de rolo e uma cordinha que ele costumava tirar dos sacos de trigo. Essas histórias de cumplicidade renderam aos meus avós muitos afilhados. Perdi as contas de quantas crianças eles apadrinharam.

Lá por volta das dez era a hora que as noivas costumavam passar. Elas vinham de lá do meio dos barcos, equilibrando-se nas rampas estreitas com umvestidobrancoeumsorrisolargo.Em uma das mãos o buquê e o véu; na outra, levantava a beira do vestido para não molhar, nem sujar de areia. Às vezes subiamtodosjuntos:deumladoafamília da noiva, do outro a família do noivo. Assim eles iam caminhando em direção ao cartório, desfilando entre paneiros e bacias, tendo um rio de gente como testemunha da sua felicidade. Mal eles sabiam que aquela felicidade também era minha.

Ao meio-dia já estava tudo calmo. Na bancada da padaria estavam muitas frutas e legumes que meus avós ganhavam ou que trocavam por outros produtos com os feirantes. No rio, uma procissão de barcos retornava para suas comunidades. Arrumávamos tudo, fechávamos as portas e subíamos para o sobrado. Era hora de todos voltarem para casa.

224 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Foinoanoiteceroesperadoencontro, Masaconteceuinesperadamente. Estavasmuitoeleganteefaceira. Porém,vimaperceberderepente Queotempojánãoeratãogeneroso Comsuabelezaaparentemente.

Eutevidepassagemnumrelance. Estavasmaisvelhaesofisticada. Mas,estavaperdidanumabismo cavadoporsuamãoderrotada. Comojásepreviahámuitosanos Asaudosacançãolhededicada.

Emborasejaaprimeiravisão. Eupasseianoitenumalumbramento. Comessefantasmadomeupassado Assombrandoomeufugazpensamento. Cadaminutoeraumabuscaeterna doporquêdaquelealvoroçamento.

Osinaldodestinofoibemforte. Aquestãovoltavainsistentemente: PraquetrazerdevoltaseDeusjá haviaafastadoefetivamente? Aquelaobsessãonaminhavida,há Anosfoienterradasabiamente.

Aminhafugafoicomoailusão Dabelaninfetaruivaeindecisa Entreosdevaneiosdamocidade Eavidafácilquecapitaliza. Numagrandecidadelibertina Negociandoocorposemdivisa.

FimdetardeemItacoatiara. Euandavapelasruassemdestino. Osolhosteprocuravamnanoite, Coraçãofugiadessefascínio. Nãoqueriaavoltadoquevivemos, Pois,devofugirdessedesatino

Hámudançanasuanatureza. Trocouaessênciapelacomodidade, Mas,tudomedeumuitacerteza, dasuaimprovávelestabilidade. Semprevemvalorizandoabeleza eescolhendoaartificialidade.

Depoisdealgumashorasdeincertezas, Aconteceuumencontronapartida. Apósdeumabraço,elaevidencia Todasuainsegurançadevida Natrocadeolhares,eusentiopeso Dopassadodeixando-aconstrangida.

Foibomencontrá-laemsuabastilha Everquetodoaquelesentimento Nãopassavadeumagrandearmadilha. Amordopassadoésofrimento Sódeixadecontersignificado, Quandoumdiaviraresquecimento.

Éprecisoteralgumacoragem Parasepultaragrandepaixão. Fugirépermanecerparasempre Comumsentimentonocoração. Aoreencontrá-lanovamente Acabeicomessaantigaobsessão.

Itacoatiara-AM, janeiro de 2016

225 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Na Estrada da Pedra Pintada -Archipo Góes

Literatura Coariense

Lembro de tudo que tinha na casa da minha avó

AlexAlves

Umalamparinaacesa emcimadapetisqueira, cordavelha,baladeira nagavetadeumamesa doladouma“ponhamesa” pousadaemumcipó, naparedeummocó, camburãocheiodefarinha. Lembrodetudoquetinha nacasadaminhaavó.

Balaiotecidoàmão pramodeguardarostrecos no"oitão"trêsreco-recos espantandoasolidão napanelaarroz,feijão eeu"arrochandoonó" comiatudosemdó bebiacaldodegalinha. Lembrodetudoquetinha nacasadaminhaavó.

Toalhinhasdecrochés nacozinhaimprovisada, nmbalded'águanaescada queerapralavarospés, formasdefazerpastéis violãoafinadoemdó sacolacomdominó, JogodaOnçaeadivinha. Lembrodetudoquetinha nacasadaminhaavó.

Ummotor-rádiochiando comumBombrilnaantena sintonizandoanovena padreInácio,celebrando, aliturgiacantando louvoresaoDeusmaior; caldeiradadebodó temperadaporRosinha.

Lembrodetudoquetinha nacasadaminhaavó.

Eutenhomuitasaudade damassademandioca, dobolodetapioca, docaldodecaridade, docantoemsimplicidade domeugaloCarijó. MastruzcomLeite,forró... Tocavamsempreanoitinha. Lembrodetudoquetinha nacasadaminhaavó.

DescruzaosBraços Francisco

Descruza –enquantoétempo–teusrecolhidosbraços. Sim,descruza-os.

Vasconcelos

Libera tuas mãos do preguiçoso aconchego paraque...livres, possam ensejar-te a vez de também seres útil, nanecessáriasemeaduradoamanhã. Descruza,sim,teusbraçospreguiçosos edeumavezportodas, rompeosgrilhõesdainútil einconsequentepostura.

Pensaemquantosesperamporti. Em quantos esperam que lhes estendas a mãoamiga, essa mesma mão que escondes, que ocultas.

Quantosserãoosquedeladependem? Quantosserãoosqueesperamdeti?

Descruza,pois,osbraços! Atémesmoparaque, tendolivresasmãos possam elas também receber o quinhão quelhescabe na justa partilha do amor há muito prometido

226 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Saudades de Coari Archipo Góes

Cidadeguardadanomeiodeumasaudade Oculta na selva, presente sempre na memória

Apesar dos novos tempos aqui desfrutados Raízesaindamexemcomaslembranças Inconscientedeumtempoquesefoi.

Atuaartesemfavorémuitobela, Napartedapinturamostrasvocação; Tambémnapoesiavocêserevela, Muitaespontaneidadeeimaginação.

Deve-sejulgaropintor,diantedatela, AssimPedroAméricoéumarevelação, Entenderdiferenteéfazerquerela, Talvezcomamaniadecausarsensação!

Dasartesbelasaesculturaésublimada, PelaqualMiguelÂngeloseimortalizou; Mas foi na velha Grécia onde o cinzel brilhou…

Aindaencantaquemvisitasuaságuas Águasnegras,águasvermelhas Água mãe, água que alimenta seu povo sofrido Trêsriosemumsó guardamseusprimitivos.

Ficounapeleamarcadeumabrancaareia Escadaria–Tardesinesquecíveis TardesdeChuvas, corridaspelasruas Beijosmolhados, beijosguardados.

Das artes belas a música também é sagrada, Entreosgregos,Lino,OrfeueAnfião, Depois: Beethoven, Carlos Gomes... não seinão!

Eanoitenapracinha, ounarampa–umviolão Músicas. Sonhos-Sonhosconquistados Oolharparaopassado econceber: QuesemprefuifelizemminhaCoari.

Com a dedicatória: “Para o pintor José Coelho Maciel” Alexandre Montoril (Manaus, 25 de maio de 1970)

Manaus, 2003

227 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Soneto feito porAlexandre Montoril dedicado ao pintor José Maciel

Literatura Coariense

APraça e a Matriz Archipo Góes

Avelhasenhoraguardaseusfilhos. Suaarquiteturaamericana,moderna. Suaessênciaindígena,cabocla SeucoraçãoinclinadoaCoari.

Praçademinhainfância,minhamocidade Praçademeusprimeirosamores, Dosfervores Praçadasbrincadeiras, dofutebol,dainocência Emcadaportadamatriz, Umalembrança,umcalor.

Noiteclara,acidadeàsescuras Aluamotivaoscasaisaoamor. Noitesinesquecíveis… Apraçaconduzoscaminhos. Apraçaéarraial, écarnaval, éamarchacívica. Láacontecemanifestação, Procissão, Evangelização Apraçaédopovo. Apraçaédosdesejos.

Manaus, 2003

Poema Coari

Aldísio Filgueiras (Ao jovem pintor e amigo J. Maciel)

EntãooSolimões fezumapausa -umapausalago esechamouCoari Coariprincesaíndia beira-rio Coaridasmanhãs coloridasdeblim-blons damatrizdeSãoSebastião CoaridoEspíritoSanto fugindodoInferno paraumlongemuito longequemsabeonde?

Coariquetemcais eMariasnocais, decuruminsbarrigudos soltossuadoscorrendo nasruas Coaridocura CoarideCOARINA CoarideJOTAMACIEL detantagenteimportante queeunãoconheçoainda Coarimeu coaricoari decoariscoari

Manaus, 24.09.1964

228 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Natal das Galeras

Irmã Marília Menezes

SenhorJesus, apazquetutrouxesteàterra tornou-semuitoclaraparamim ao celebrarmos o Natal das gangs ou galeras nanoitedeNatal. AntesdaMissa,ochurrasco–churrasco pobre, pedacinhos de carne comfarinha oferecidospelocandidato quevenceucomoapoiodosrapazes aseleições…

Ocompromissodenãobeberemmuito foicumprido.

–Hojeénoitedepaz,disserameles.

– Então vai ser só hoje? – um outro indagou.

–Vamosmanterapaz!

–Pé-de-chumbo,Faquinha, Siririca,Pantera, Ronivon,Bacuzinho, Sapão,Sapinho, Sadam,Andróide…Vamosmanterapaz!

Certoanjocantaraemcertanoite ecantavadenovo:

–GlóriaaDeusnasalturas,paznaterra aquemElequerbem…

Eraapazquedesciacomoorio comoorioAmazonas, comoachuvaouosol edesciadenovosobreaterra nanoitedeNatal.

Coari,1992

Coari—SuspirodoSolimões

Ir. Marília Menezes

Coari, pequena cidade amazônica do médio Solimões!

Teu nome, da língua quéchua, vem desde os índios Incas, do Peru, ou da tribo dos Jurimáuas, de origem Tupi... Quanta história a pesquisar... Quem sabe se Coari é “rio do ouro”, ou “rio dos deuses” ? Esse ouro seria teu petróleo, cujo fruto o coariense não vê... que “deuses” o roubariam ? — O deus é o Deus da tua gente cabocla, simples e sofredora, mas briosa, com vontade de mudança que é preciso fazer acontecer.

Coari — “buraco” ou “abertura” —, suspiro do Solimões transformado no lago em que te banhas, teu lindo lago Coari, de águas bem negras, no encontro-desencontro com o Solimões barrento... Que paisagem !

Coari — cólera do vibrião colérico ou cólera do povo por ser tão maltratado ! Coari — coração de missionários que por ti tem dado o seu viver!

Aqui também vim eu partilhar minha vida — e ao evangelizar, sou evangelizada ! ... e através das ondas radiofônicas, que promovem a educação rural, varar matas e rios com essa antena possante, chegar bem longe e proclamar sobre os tetos a mensagem do Rei!

229 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Coari, 1991

Literatura Coariense

A“Festa” da Banana –

Ir. Marília MenezesASC.

—VamoschamarosBeatles, chamaraPerla,as“Bananassplit” parafazeraFestadaBanana.

—SenhorPrefeito,façasuapropaganda! PagueconjuntoscarosdeManaus oudeBrasília paraabafarahumilhaçãoeador destepovoesmagado comoabanana.

Bananademesa, bananademetro bananaquecabenapalmadamão. Quantasespéciesdebanana? Joiaverdeeamarela salvaçãodascrianças, tuprecisasmorreramassadanomingau antesdeseramassada aospésdoscompradores, oujogadanorio,antesdevirarlama, antesqueosbananeiros deemteupreçocomoteussenhores aomíseroagricultorqueteplantou.

Bananaqueserásbemembalada erevendidaapreçodeouro, pelosexploradores, paraosStatesouaEuropa…

Vamosfazera“Festadebanana”! EscolhamumamulherparaRainha! Elavaidesfilarcomfolhasdebanana ecombananaspresas nofiodental.

Ponhamosommaisalto,meussenhores, paraabafarosomdoscaminhões que vêm trazendo os cansados produtores, evirãoespiara“Festa”dabanana!

Chegando na Cidade de Quari Archipo Góes

ChegandoemminhaQuari,reconheço Emcadavãodetalhe,minhahistória. Napaisagemvejoumpoucodemim Transformando-senaminhamemória. Todoreflexonoespelhod’água Resplandeceseupassadodeglória.

Najanelaesquerdavejochegar Itapéua–nossa“pedraachatada”. Sevocênãoconheceseuscaminhos Namargem,aviageméfindada. Emseucanalhágrandeprofundeza Temarmadilhaportodabeirada.

Agoraqueestamoschegandoperto Vemumasensaçãodeansiedade. Ésempremuitograndeaexpectativa Delogochegaremminhacidade. Agoravejoasbarreirasvermelhas Lá,Murasferiamsempiedade.

Tambémtemosumencontrodaságuas. NorioSolimõesébembarrenta, Maséáguarica,cheiadepeixes. Eassim,seusmuitosfilhosalimenta. Nolago,énegracomonanquim, Nessereencontro,abelezaaumenta.

Osorrisoaparecenomeurosto, Assimquedobramospelamatinha. TenhoumalindavistadeQuari Comosseusflutuantesnaprainha. Eaolonge,emcimadograndemorro Reparoanossaimponenteigrejinha.

Chegandofeliznoportodeferro, AssistoumbotoTucuxinadando, VeiodapontadoJurupari, Rápidoefaceiro,vemmesaudando. AlindaMatrizquesurgialonge, Estárisonhanosabençoando.

Quari, 12 de outubro de 2017

230 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Um Homem Importante - Conto de Erasmo Linhares

Decalcomania. Muito natural. Todo homem sério e importante é vulnerável às manias – seja de coelhos, rosas, cães de raça, cachimbos ou mulheres, que é mania recomendável embora dispendiosa. E não era ele um homem importante e sério? Ou melhor, nãoiriasê-lo?

Aliás, isso foi só no começo. Um homem assim, quando menos, deve nomear algumas coisas em inglês. Por issoamaniapassouaserchamadahobby, não sem uma consulta prévia e convenientementeveladaapadreDalton, à hora do almoço, quando o pároco, sozinhonaigreja,consumiasuashorasde sesta.

– Mania ou hobby a coisa não mudou de aspecto – figurinhas e figurinhas –, homens, camelos, tirolesas, vedetes de biquíni, santos, bailarinas, tudo enchendo álbuns e cadernos e, na falta destes, o volumoso livro de receitas de dona Marieta, presente de aniversário dado por uma caríssima amiga. Coisinha de nada, afinal, já que Acácio seria um homem importante. Teria de ser gente, como repetia à paciência inesgotável de dona Marieta que, se algumas vezes se lamentava, não deixava outras tantas de sentir-selisonjeadacomaideiadepossuir um marido importante e respeitado. Esforçava-se. Esmerava na lavagem e no ferro, para a satisfação quase sensual de admirar o seu homem, empertigado e b r i l h a n t e n o t e r n o d e b r i m impecavelmente engomado, subir no estribodobonde,tesocomoumposte.

Acácio jamais sentava – medida resultante das variadas experiências para não amarrotar a roupa até à entrada triunfal de todos os dias na Coletoria de Rendas.

Terceiro Arquivista Padrão “C”, era verdade Vencimento minguado, atrasado de dois meses e distribuído criteriosamente entre o padeiro, o Joaquim da mercearia e outros

compromissos inadiáveis, de modo a sobrar para as figurinhas coloridas, o cigarro filter de luxe, o conhaque velhíssimoe,àsvezes,paraojoguinhode cartas. Homem importante fuma cigarros filterdeluxe,bebeconhaqueenvelhecido oitenta anos em tonéis de carvalho e joga cartas.

Filhos? Graças a Deus só tinham o Joca, mas isso porque as medidas de precaução se multiplicavam. Cuidados especiais, malabarismos inventados com paciência e resignação, não sem queixas de dona Marieta, para quem cabia, na grandemaioriadasvezes,atarefadeficar nomeiodocaminho.

Clube. Homem importante tem clube. É membro da diretoria. Pif-paf, bacará, carteado no sossego, sem os inconvenientes da vigilância policial. Festas, danças. As danças. Não foi fácil. O Tâmisa-Clube, de gente rica – fica não fica, entra não entra Não ficou nem entrou. Onde estavam os fundos? Terceiro Arquivista Padrão “C”, marido de dona Marieta, mulher esquiva às modas elegantes, não fuma nem bebe uísque, não faz regime para emagrecer e nunca fez plástica na vida. Como então seradmitidonoTâmisa?

Mas, se não o aceitou o Tâmisa, aceitou-o de bom grado a Soberana Sociedade Recreativa, Cultural e Esportiva Unidos do Bom Retiro, entidade de velhas e gloriosas tradições e detentora do honroso título de bicampeã suburbanadedamaedominó.

Estácomeçando,Acácio,vocêvai longe homem. Já foi secretário da Sociedade. Você vai longe homem. Dona Marieta torcendo pelo marido, feliz da vida.

E ia mesmo. Promessas, algumas vezes se cumprem. Então o deputado Dr. Fulgêncio do Valle e Silva, líder de bancada e figurão do Governo, não era primoemterceirograu?

231 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

– Acácio, você vai ser Arquivista padrão“L”.“L”,Acácio.

Custou um pouco, mas saiu. Num dia inesperado o Diário Oficial publicou numcantinhodepáginaquelogopassoua ocupar o lugar mais destacado do maior e maisnovolivrodefigurinhas:

“Nomeando Acácio Leite Busão para exercer, efetivamente, de acordo com o Art 32, da Lei n.° 121, de 29 de fevereiro de 1944, combinado com oArt. 15, da Lei n.° 437, de 11 de março de 1948, o cargo de Arquivista padrão “L” do quadro permanente do Poder Executivo,lotadonaColetoriadeRendas dacapital”.

– Combinado com o artigo 15 –atéoJocajásabiadecorado.

Naquela noite dona Marieta não parava. O ferro corria espalhando a goma de estearina no terno de brim branco –para frente, para trás, forcejando para baixo, assoprando no fundo quando o diabodoferroesfriava.

Meia-noite, lá estava o terno luzindonacruzeta.Comele,nooutrodia, AcácioiriaàSecretariadoInteriorassinar otermodeposse.

Homem importante, aquele Acácio. Notava-se pelos ares superiores quando,empertigado,subiunoestribodo bonde e acenou jogando um beijo na direção da janela onde dona Marieta sorria,felizesensual.

Custava o Acácio. Almoço pronto, uma hora da tarde. Naturalmente os amigos em algum festejo.Também era justo.Arquivistapadrão“L”.Paciência. Telefonenapadaria: – Dona Marieta, telefone pra senhora.

O coração bateu forte contra o peito. Um friozinho escorreu da cabeça aospés.Saiucorrendo–MeuDeus,quem seráaestahora?

– Alô, é dona Marieta Costa Busão?

–É.

–Aquiédapolícia.

–Polícia?Quefoiqueeufiz?

– A senhora não fez nada, o seu maridoéquemorreunodesastredebonde da rua Tamandaré. Quarenta e oito pessoas ao todo. O maior desastre da históriadestepaís.

Quem a socorreu foi o Totonho, caixeiro da padaria – afinal a tinha nos braços.

No outro dia os jornais publicavam a fotografia de Acácio e contavam coisas que ele nunca fez nem pensou.

Dona Marieta, chorando ainda, recortouoclichêcomatesouradecostura e pregou-o na capa do maior livro de figurinhas. Lia e relia a notícia e balançavaacabeçasobreapágina.

– Homem importante, esse Acácio

Soneto Coari

Aldenor G. Nascimento (Para todos os coarienses)

Coari,teupovoébravoeforte EtuésamaisbelaàmargemdoRioMar; Ésmeninamoçaquevivesorrindo, Ésamusaquepossomeinspirar!…

Vivesnuaamostrarosteusencantos Queamãenaturezatedoou; Nuncaemminhavidateviemprantos, Tuésunicamente,queridaterra,deamor!

Oh!SeFritztevisseassimtãolinda, Tãopróspera,tãoverde,tãoquerida; Oquenãoiriapensar!Portirezaria…

Hoje,tuésarainhadoSolimões, GraçasaonossopoderosoSenhor; ESantanaqueétuapadroeiraetuamãe.

(Do Clube doArrebol, 1964).

232 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Crônica de um quase Natal Francisco Vasconcelos

Nunca me foi possível esquecer o menino, cujo desejo acompanhei de perto naquele Natal que, na verdade, não chegou a existir para ele. E sempre que sintoaproximar-seagrandefesta,quando os corações se impregnam da suave e divina mensagem de amor e de esperança que o evento, inevitavelmente irradia, lembro-medele,incontidonasuaalegria, a nutrir, ternamente, a certeza do brinquedohámuitodesejado.

Naquele ano as coisas lhe ocorreriam de forma diferente. E certo estava o menino de que, ao contrário de quantos já haviam passado, algo mais haveria de ficar-lhe, e não apenas as simples desculpas que lhe davam costumeiramente, na tentativa de justificar a impossibilidade de torná-lo partícipe de um mundo cujas emoções jamais chegara a experimentar inteiramente.

Custara-lhe, todavia, aquela quase convicção, o sacrifício de muita renúncia.Masvaliaapena.Valiaaalegria o ser compensado, na sempre esperada realidade da posse de um brinquedo diferente dos que habitualmente possuía, dentre os quais um carrinho de madeira por ele mesmo construído, que rodando sobre tampas de latas de manteiga, constituía seu maior patrimônio, principalmente depois que conseguira pintá-lodeazul.Eranelequetransportava o material com que brincava de construir casas que a engenharia de um colega projetava.

Quebomengenheironãoseriao colega do menino de quem ora recordo. Nada lhe era mais importante do que passar horas inteiras a observar o pai, exímio pedreiro, a colocar de um a um os tijolos das casas que edificava, sem que para tanto houvesse necessidade de qualquercálculomatemático.

Nunca mais ouvi falar do

menino que gostava de brincar de ser homem, construindo casas. E amargurame pensar que, tornando-se efetivamente homem, não tenha conseguido fazer uma casasequer,nemmesmoasua.

Lembro-me perfeitamente de todos os companheiros do menino sobre quem escrevo. Um deles, impressionado com a jovial figura de um médico que passaraalgunsdiasnacidade,brincavade imitá-lo, instalando seu consultório num pedaço do quintal onde, com inusitada dedicação, atendia à enorme clientela de bonecas doentes. Outro, vestido nas roupas da irmã mais velha, prostrava-se diante ao altar que improvisava de um caixote de madeira e, elevando com litúrgico respeito a hóstia consagrada, nada mais, que recorte de um pedaço qualquer de papelão, fazia todos se curvarem genuflexos, após o que pronunciava palavras de um estranho latim que ele próprio improvisava, intercalando, a todo instante, o dominus vobiscum, única certeza que havia em tudo aquilo, além da indesmentível vocaçãosacerdotal.

Havia, ainda, além do filho de um turco que imitava a profissão do pai, sagaz negociante, a figura altiva e impetuosa do soldado, na verdade, para ele, oficial; mais que isso, autoridade, sempre a querer que todos lhe prestassem continência ou que marchassem ao som detoquesdetamborquefaziasairdeuma lata de banha vazia Seu maior contentamento era prender e dar ordens d e c o m a n d o . S e a l g u é m l h e desobedecesse à diretriz traçada pelo seu gênio militar, ou contrariasse qualquer regra por ele estabelecida, reagia com violência, empunhando o cassetete que sempre trazia à cintura. Interessavam-lhe muito as notícias e história de guerras ou batalhas, e muito também lhe agradavam as fotografias coloridas de soldados em desfile.

É possível que os três últimos tenham alcançado a realização de seus sonhos.Masoengenheiro?Omédico?

233 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Do menino que ora recordo, bem viva me ficou a intensidade de seu anseio naquele natal, ao lado da triste realidadedoquelheseriainevitável.Efoi preciso que o Natal chegasse com a ausência do sonho acalentado, para que começasse a melhor entender as lições da vida É que, em vez do brinquedo desejado, com o qual seu mundo de criança ganharia dimensões diferentes, a viva presença da morte de seu pai, trazendo-lhe, em consequência, a dolorosa certeza de que a infância, inesperadamente,chegaraaseutérmino.

Nãosei,hoje,sobemqueestado deespíritorelembraomeninoadecepção porquepassou,talvezaprimeiradetantas experimentadas pela vida afora. Creiamme, porém, que não me causará qualquer estranhezaseumdiaencontrá-loabrincar entreosfilhos,puxandoseucarrinhoazul esendo,eletambém,umacriança.

(Excerto do livro de crônicas MeusBarcosPapel,lançadoem1999).

OLagoMisterioso

Olhei para a imensidão do lago e pensei: “Como é belo e misterioso!”

O sol procurava seu leito noturno, e a noite o esperava chegar tristonho... Os pescadores voltavam cansados.

As águas serenas e tranquilas, como se fosse a alcova do mundo.

Ao longe se ouvia um canto triste, trazendo as lembranças de alguém que se foi. Chegou a noite, berço dos sonhos e morada de todas saudades Apenas as águas tremulavam, e a solidão dominava todo o lago.

Alguns passos serenos se ouve, (um vulto) ou talvez Mãe d'água, que conta histórias para os encantados.

Coari-AM, 13 de março de 1973

Havia Disputa de Futebol entre o Comercial e o Ipiranga Francisco Vasconcelos

Nas Tardes de Domingo. Havia Disputa deFutebolentreoComercialeoIpiranga. Alguns“Craques”daquelestempos.

Em meu Coari de outrora, sequer faltavam times de futebol para as partidas de fins de semanas. Valho-me aqui, dentre outras fontes, da incrível memória de Raimundo Mota, nos seus mais de 80 anos, para lembrar alguns nomes dos que integravam as aguerridas equipes do Comercial e do Ipiranga Futebol Clube, legendas que empolgavamapequeninacidade.

AsededoComercialeranacasa de Teófilo Veras, presidente do clube. Integravam a equipe, da qual Mota era o capitão, dentre outros, Periquiteira, Zé Guariba, Índio, Sabbá Cama, Dedeu, Alvelos, Jacó, Munir, Azize, Alexandre Moraes.

O Ipiranga, time pelo qual eu torcia, empolgado pela força do chute de Orlando (Orlando Nazaré), famoso beque, tinha sua sede na casa dos Grim, e foi um dia de glória para os torcedores aqueleemqueHilda,belaloira,foraeleita a Rainha do time. Hilda viria a casar-se com João Maquinista, um dos Soares da Fonseca e, também, um dos craques da época Da equipe do Ipiranga, destacavam-seGonçalo(goleiro),Airton, OrlandoeChagaBorracha;Miguelzinho, Manoel Pacheco e Mazinho Caiá; Yoyô, Lino, Ávila (Bodinho) Tetéo e João Maquinista.

É possível que, ao relembrar os atletas, tenha cometido algum engano. Finalmente,daépocaaquemerefiro,jáse passaram bem mais que cinco décadas, razãopelaqualmeparecejustificávelque algumatrocadenomespossaterocorrido. Devo registrar, também, que foi de João Maquinista (João Soares da Fonseca), famoso ponta-esquerda do Ipiranga,

234 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Roberval Vieira

Literatura Coariense

que obtive a maior parte das informações relativas a seu time, cujo presidente era o agente da estatística Aretiano Firmino Boáes e, técnico, ninguém menos que o famosoZequinhadaLiberata.

O Último dos Imigrantes

Manoel Francisco

Tornou-se conhecido na cidade, pelo carinhoso apelido de “Chico Enfermeiro”, dada a sua luta, coragem, abnegação, dedicação e o seu amor e zelo pela saúde do povo coariense, que vivia abalada pelas doenças tropicais, muito comunsnaregião.

Era uma pessoa excepcional, incansável, sempre disposta a atender aos que necessitavam de sua ajuda, a qualquer hora que era solicitado atendia a todos semdistinção,enviadoporDeus,operava milagres por onde passava, com sol causticante, chuvas intermitentes, ou temporalarrasante.

Previu, amenizou e curou a dor deste povo tão sofrido e tão distante da grande metrópole.

Aqui viveu durante 32 anos, casado com D. Francisca Albertina Alves Baptista, comaqualteve11filhos,criando-oscom dedicação. Abrigou também no seio da família,váriascriançasórfãs.

Quantaslembranças,quantassaudades. Saudades do Chico, do Chico Enfermeiro.

Francisco Pereira Batista nasceu em Guimarães, Freguesia de São Sebastião emPortugal,nodia5demaiode1892.

Chegou a Manaus a 4 de agosto de 1929, onde residiu durante 10 anos, na Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas.

Certo dia chegou à pequena cidade de Coari, um homem branco, alto, de olhos claros; não sei se perdido em nossos rincões,masveiosubindoorioSolimões. Eraodia12dedezembrode1939.

Um dia, seu organismo sentiu os primeiros efeitos das horas exaustivas quelevava.

Primeiro de setembro de 1971. Manhã chuvosa, 6h. Em um dos leitos do quarto sete, do Hospital da Unidade Mista de Coari,morriaChicoEnfermeiro,rodeado deamigosefamiliares.

Ati,Chico,nossahomenagem. Ati,Portugal,nossagratidão. DeCoari,ondeumavez, comlágrimassefez. …ahistóriadesteChico...Tãolinda!

235 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

acerbas críticas à carestia, ao custo de vida, à inflação e aos exploradores do povo. É uma espécie de guardiã do povo. Se Gregório de Matos Guerra fosse vivo nãohesitariaemaprová-laporsuaatitude corajosa diante dos poderosos em prol dos humildes e indefesos Muitos já sentiram o azorrague de sua pena. Na greve da água, em Coari, escreveu e cantou com o povo. Eis algumas estrofes doseulongopoema:

MariaAlves Ribeiro é seu nome debatismo,porcognomeMariadoLéu.É uma mulher de fibra, destemida e muito querida pelo povo. Filha de nordestinos. Seu pai chamava-se JoséAlves Ferreira e sua mãe Maria Angélica Alves. Ele era ferreiro,elarendeira.

MariadoLéu—quenãoviveao léu — é uma mulher lutadora, intrépida e de grande popularidade. Não há ninguém emCoariquenãoconheçaessacriaturade estranha personalidade, marcante, que promove movimentos populares e já fez 136 gravações de suas cantorias e modinhas. É compositora, repentista e cantadora nata. Entretanto, só a partir de 1964, com 40 anos de idade, é que começou a escrever e divulgar as suas produções literárias em verso, cuja temática abrange o cotidiano político, econômico, social, histórico, sentimental ecircunstancial.

Falando e escrevendo a linguagem popular ganhou a admiração e o respeito dos coarienses e o de quantos a conhecem pelo talento e espontaneidade de sua poética eminentemente popular. MariadoLéuéautodidata,demonstrando para a poesia e para a música enorme sensibilidade, que funciona como radar receptivo do seu mundo exterior, captando tudo que vê ao seu redor. Nada lhepassaquenãosejapercebidoefiltrado pela sua ótica popular Critica a administração pública, tece elogios aos candidatos e políticos que merecem e faz

Prestematençãomeusamigos praoquevoudizeraqui queemtodaAmazônia aáguamaiscaraéadeCoari edeviasermaisbarata poisnãotemoscondições eadaquideCoari épuxadadoSolimões

Oqueestáescritoéverdade poismentiranãoseescreve comotodomundosabe queemCoarihouveumagreve eopovoestárevoltado esentindograndemágoa comotodomundosabe queoproblemaéafaltad'água

Ogerenteapavorado deuumfriochegatremia foipararnoHospital dizendoestoucomagonia estaéumaverdade nãoéopovoqueinventa poisaáguasemmulta quatrocentosequarenta

SeCoaritivesseemprego agentedavanoato poisaáguacomamulta quinhentosovinteequatro aguardamosaDeus eaoPapaJoãoPauloII comodocumentodePuebla veioalertartodomundo

236 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Maria do Léu – Um perfil de mulher ou o retrato que gostaria de pintar

Literatura Coariense

Vourepetirdenovo quementiranãoseescreve esenãofaltasseágua opovonãofazagreve ogerentedaCosama nossoamigo,brasileiro nãodááguaparaopovo masquerreceberodinheiro Aáguasobemais queaenchentede63 quantomaisagentereclama maisaaumentaparaofreguês ogerenteaindaresponde queasubidaécomum essemêseuJápaguei seiscentosequarentaeum Aquificaomeuabraço aosamigosecompanheiros tambémficaomeunome queéMARIAALVESRIBEIRO.

Maria do Léu é aposentada como zeladora que era do Grupo Escolar Inês do Nazaré Vieira, em Coari, mas já foi oleira, lavadeira e trabalhou em uma dezena de outras atividades todas modestas, porém honestas — e sempre ganhou com o suor do seu rosto o pão de cada dia que sustenta até hoje os seus filhos. Dos quinze filhos que trouxe ao mundo, apenas oito sobreviveram às intempériespelasquaistematravessado.

Mesmo assim, sente-se uma mulher feliz. A sua felicidade emana do desejosempremaiordeserviropovo.Ela mesma é povo. Por isso colocou a sua inteligência e o dom que Deus lhe deu de compor e musicar as suas criações literárias a serviço do povo, sobretudo a favor da grande massa pobre e carente. E destemodo,acantoravaifazendoossuas pequenassátirasecançõesdeescárnio,de bem amar e bem-querer, como nos temposmedievais.

Opovovivemassacrado Etrabalhandotododia esofrendonecessidade porcausadacarestia

ecomodizoditado queopovonãotemvoz aestivasobemais doqueaenchentede63

Atualmente arranjou um parceiro que lhe acompanha nas suas pelejas e cantorias. O Jovem e talentoso Raimundo de Souza Batista, nascido em Barreirinha, mas que trabalha há 3 anos em Coari como serventuário da justiça, levado para lá por dona Iacy, escrivã do Cartório do 1° Ofício. Desde então trabalham juntos e formam uma bonita dupla de cantadores. Precisam apenas de uma viola e um pandeiro para imprimirem aquela atmosfera característica dos cantadores do Sertão. Nadamais.

A cidade do Coari — Princesa do Solimões — sente-se honrada com essa figura estranhamente singular que é Maria do Léu. A minha querida cidade natal não seria tanto se não existisse essa criatura ímpar, de caráter e beleza espiritualextraordinários.

Maria do Léu epíteto estranho para uma mulher extraordinária — simples, humilde, mas extraordinária. Como tantas outras mulheres extraordinárias que o mundo já conheceu e ainda conhece — que deram enorme contribuição à humanidade, cada uma na sua dimensão exata, a figura do Maria Alves Ribeiro aparece ao lado de Lady Godiva,Ana Nery,Anita Garibaldi,Anna Sullivan, Helen Keller, Bárbara Heliodoraemuitasemuitasoutrasque,se fôssemos relacionar, preencheríamos folhasefolhasdepapel.

237 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Maria do Léu, se vivesse no Nordeste,hojeteriaoseunomenoroldos trovadores e cantadores populares, e talvez incluída em antologias e livros sobre literatura de cordel ou popular, agora inclusive estudada em universidadesdetodoomundo.

Quem sabe não estivesse figurando ao lado do Cego Aderaldo e Patativa do Assaré, hoje estudados na Sorbonne.

Manaus – 1982

José Coelho Maciel é filho de Coari –AM. Estudou o Ensino Fundamental em sua terranatal,oSecundárioemManaus,formandose em Direito pela vetusta Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas. É pósgraduado em Direito do T r a b a l h o e P r e v i d e n c i á r i o . D i p l o m a d o e m Psicanálise Clínica pela SPOB – Niterói –RJ. L e c i o n o u P r á t i c a Forense de 1971 a 1972, pela Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas em convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Amazonas, e Educação Artística, Organização Social e Política Brasileira, Educação Moral e Cívica, Direito e Legislação, Português e Literatura LusoBrasileira, em várias escolas estaduais da rede pública e privada. Fez parte do Teatro Experimental TESC-SESC, em Manaus, e participou do “Grupo dos Sete”. Como artista plástico, em 1964 realizou sua 1ª Exposição Individual de seus desenhos e pinturas; nos anos seguintes participou de inúmeras exposições coletivas,recebendováriosprêmios,numadelas (1970) recebeu o Prêmio Governo do Estado, juntamente com o pintor Moacir Andrade. Tem publicado artigos, poemas e crônicas, em jornais, suplementos literários, revistas e livros (antologias) desde 1964. É fundador de algumas entidades profissionais, artísticas e literárias, comoaAAMAT,SPOB-AM,AMAP,epertence, além destas, ao CEA, GEC, CM, UBE-AM, ASSEAM,ALCEAR,ALBeABEPPA.Épintor, ilustrador,desenhista,escritorepoeta.

Poesia Coari

Celson Tadeu de Lima

Coariquepalavrasflutuam Namentedesuagente? Dapacataterradabanana, Hojeparecesógentecigana.

Dainocênciaacanhadaepeculiar, Suasfestasacelebrar Desdeaprimeirafestadoarraiá, RainhaigualaGERLANEnãohá!

BuracodoMédioSolimões, OuroNegrocorrompendocorações. Desuasentranhasajorrar Noestalardoscanosatransportar.

Povoaguerrido Junteocoraçãopartido, Malfeitoresalheusurpar, Éhoradelheserradicar.

Pardieirosepalafitas, Terradasmulheresbonitas. Seusonosemsonho, Suagenteemrebanho. Retomeodestino CeleradonãoéCurupira, Descubrapelotino Sercabocloéalçademira.

Horacerta Portaaberta, Demônioextirpado Respirealiviado.

Governador Valadares 09/05/ 2014

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Literatura Coariense

O Soldado da Borracha Francisco Vasconcelos

OgritodoseringueiroValdemar ecoou floresta adentro, fazendo calar os ruidosos sons da bicharada noturna. Cearense, acostumado à dureza dos sertões nordestinos, aquele homem era um dos que passaram a viver isolados na misteriosae,paramuitos,fantasmagórica hiléia, lá no “centro”, como era costume falar das regiões mais centrais e distantes daquele mundo sem fim da Amazônia Ocidental produtora de borracha. Para ali fora atraído pela colorida propaganda espalhada Brasil afora, o verde e o amarelo da bandeira nacional predominando na policromia de bem elaborados cartazes; as estradas de seringa, certinhas, limpas de quaisquer obstáculos; as seringueiras enfileiradas, uma pertinho da outra, em linha reta, era só cortar. Na verdade, riscar a madeira e logo ver o leite jorrar e seguir o sulco aberto na casca do ubertoso caule, até alcançar a tijelinha de flandres estrategicamente colocada a alguns centímetrosabaixo.Quepoderiahaverde melhoremaiscerto?

Valdemar lembrava tudo aquilo com grande indignação e maior tristeza. Porquecaíranaesparreladeacreditarem tamanha mentira? Fora enganado, sim. De qualquer modo, aquela escolha o livrara de bandear-se para o cangaço que, à época, embora já sem força, ainda constituía atração e alguma esperança para a moçada de seu tempo, ele, um quase adolescente ainda Que outro futuro poderia ter no agreste sertão onde nasceraeondevivia?

Vou, mãe. Vou, sim, pro norte, lembrava-se de como respondera às advertências maternas, feitas em razão de outras sentidas perdas que já tivera, os filhos, aos poucos, debandando para aquelas lonjuras do Sul, lugares tão distantes, de onde sequer notícias lhe chegavam. Isso era o pior de tudo. Por ondeandariamosfilhos?Viveriamainda? Para Valdemar, todavia, nada de mal haveria de acontecer-lhe. Tornar-se-ia, como tantos que estavam partindo para a

guerra, igualmente um soldado, “soldado da borracha”, como oficialmente eram chamados quantos demandavam os distantes seringais para a extração do precioso látex, indispensável ao fabrico deinúmerosartefatosdeguerra.Quemais honradolhepoderiaacontecer?

Até carteirinha de identidade receberia, documento que jamais conhecera, mas de cuja serventia, também, nunca necessitara Ganharia fama e dinheiro, sem correr o risco de morrer atravessado por uma bala de fuzil ou estraçalhado por fragmentos de granada, sem falar no perigo das destruidoras bombas que haveriam de cair dos aviões inimigos. Sabia muito bem que outro não seria o fim de muitos queestavampartindoparaaguerra.Então nãoeramessasasnotíciasquecorriamde boca em boca, ouvidas diariamente no rádiodaprefeitura?

Era, assim, definitiva a decisão de Valdemar Extremamente motivado pela campanha de aliciamento que então sefazia,chegavaaorgulhar-sedesermais um soldado a lutar, participando do grande esforço de guerra que então se fazia com o propósito de vencer as diabólicas forças que ameaçavam o mundo. Por tudo isso, iria. Sim, iria. Que risco haveria de correr? Mais tarde, na velhice, se necessário, teria até como provar sua condição de herói daquela guerra que tanto abalo causava à humanidade. Além do mais, se sorte não lhe faltasse, poderia ganhar dinheiro e voltar rico ou bem remediado aos pagos da infância, como sabia ter acontecido a muitosque,algunsanosantes,fugindodo rigor das secas, haviam escolhido a Amazônia como suporte maior de um promissor amanhã. Seus assentamentos constariam de sua emblemática carteira que, além de registrar seus dados pessoais, indicaria o ânimo de luta que tivera, para orgulho de seus conterrâneos e de quantos filhos viesse a ter. Poderia, até mesmo, como a tantos nordestinos acontecera, chegar à condição tão desejada de patrão, dono de seringais, senhor de um mundão de terras, mais um coronel,enfim.

239 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Fora esse o sonho de Valdemar Sua grande saída, não tinha a menor dúvida, era a borracha, produto, aliás, do qual pouco sabia e que jamais vira de perto, a não ser o que diziam ser a parte superior dos lápis com que, na infância, apagava no caderno os erros que a professoramandavacorrigir.

Ah! Quanta ilusão passeou pela cabeça de Valdemar a partir das informações constantes dos coloridos cartazes, enganosa estratégia que o atraíra, definitivamente, ao processo de produção do tão desejado látex. Como admitir fosse mentira o que tanto chegou a ser oficialmente apregoado? Igualmente, jamais chegara a imaginar que, passado o tempo e terminada a guerra,cessariatambémaatividadeaque sederacomtantoentusiasmo.

Assim, de uma hora para outra, perdidoeisoladonaquelemundoverdee, sobretudo, hostil, nem chegara a se dar conta de que o tempo passara e que a pouco e pouco aquele estranho mal que o atingira fora se agravando, até prostrá-lo de vez, tornando-o um ser inútil, sem qualquer serventia. Isso, sem falar na estranha e incômoda fraqueza que lhe bambeava as pernas em constantes tremores, enfermidade que diziam ser beribéri ou coisa parecida. Nem sabia tambémquantasvezesamaláriaodeixara sem poder sair pro corte, o corpo moído, aquelefriodefazertremeraprópriaalma. Equedizerdacontanobarracão,odébito crescendo a cada dia, a ponto de lhe negarem até o de comer? Nada pior, porém, que aquela dor a arrancar lá de dentro, da alma e do corpo, o estranho e horripilante grito, após incontáveis e incômodos gemidos, um após outro, gemidos que, de algum modo, amorteciam um pouco a terrível impressão de que algo lhe destroçava as entranhas.

— Sossega, homem! Toma este chá – muitas vezes lhe dissera a mulher, ao tempo em que lhe dava a beber morno cozimento de cascas de pau d’arco e de folhasdecarajuru,alémderaízeseoutras

folhas colhidas na floresta, receita que prescrevera o curador, único socorro que costumava acudir quem de socorro carecesse por aquelas brenhas. Nada, porém, nem reza e nem promessa fora capaz de, pelo menos, mitigar-lhe o sofrimento.

Exatamente na noite em que fizera ecoar aquele pavoroso grito, fazendo calar a bicharada noturna da floresta, bem longe dali outros gritos também se fizeram ouvir mundo afora. Esses, entretanto, eram gritos de euforia, na tão esperada comemoração da vitória. Apartirdaqueledia,nãomaishaveriador. Tampouco a morte amedrontaria os que tantohaviamlutado.Acabara-seaguerra. Apaz,finalmente,foraalcançada,eomal, por fim, vencido. Para tanto, quantas mortes foram necessárias? Mas, entre elas, ninguém cogitou de computar a m o r t e d e Va l d e m a r, n ú m e r o simplesmenteesquecido,quenemsequer chegou a constar do rol dos que lutaram, como lutou ele e quantos, iguais a ele, na condição de seringueiros, soldados da borracha, perderam a vida nos mais distantes e agrestes seringais. De que lhe valeraacadernetaqueguardaracomtanto zelo? Valdemar, na verdade, nada mais foraalémdeumsimplesnúmero.Número errado, que não chegara a expressar qualquer valor, por isso que apagado pela enorme borracha da indiferença e do esquecimento.

Onde a vida se cumpria sem qualquer problema, sons de heroicos dobrados animavam os corações, num tributo aos heróis da guerra que, sobre aplausos intermináveis, desfilavam garbosos.

240 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

demorandoavoltarcheiadeinquietaçãoe dúvida. É que o Padre se recusava a batizar-lhe o filho. Com aquele nome, não. Até poderia admitir, desde que houvesse, antes, o nome de um santo qualquer.

E porque lembrança atrai lembrança,animo-me,pelopitorescoque uma delas encerra, a registrar o episódio que se passou envolvendo o famoso Pedro Veras e os Padres Redentoristas, todos norte-americanos, recém-chegados à cidade. Pedro, vale dizer, era o único comunista que Coari conhecia. Comunista e, fazia questão de apregoar, anticlerical, como chegou certa vez a pintar, em letras bem grandes, nas portas de sua casa, o que fizera ao saber que procissão da qual participaria o Bispo do Amazonas, Dom João da Matta, passaria porsuarua.

Desuaterceiramulher,porsinal do mesmo nome que a segunda, Otília, simples e humilde criatura, tinha-lhe nascido, se bem me lembro, o segundo filho, cujo nome logo escolhera. Chamarse-ia Stalin. Assim mesmo, no oxítono, comopronunciavaonomedoentãotodopoderoso e temido senhor das esquerdas, a quem tanto desejava homenagear. Instado pela mulher a que permitisse batizar o recém-nascido, Pedro, estranhamente, não ofereceu resistência. “ P o d e b a t i z a r ” , r e s p o n d e u , acrescentando que o nome haveria de ser oquejáescolhera.

Sem atinar para o que poderia ser armação do marido, Otília, feliz e tranquila, dirigiu-se à igreja, não

E foi aí que, tudo indica, o ardiloso comunista coariense resolveu aplicar no “reacionário” padre seu maior xeque-mate.Valelembrarqueosacerdote sechamavaJosé,eeraumdostrêspadres que, com esse nome, tiveram marcante atuação missionária em Coari, a partir de 1943. Um deles se chamava José Maria, que passou por aquela distante paróquia, sacudindo o coração de muita gente. Certavez,porexemplo,aoparamentar-se paraamissa,eu,acólito,pertinho,ouvide conhecida admiradora que, dengosa e insinuante,deleseaproximou:

— Padre, que quer dizer… – e falava, num inglês possivelmente estropiado a frase cujo sentido dizia quereralcançar OPadreolhou-a,sorriue, num tom igualmente dengoso, respondeu:

Oh! Dá-me um beijo, querida!…

Para Pedro Veras, os padres americanos “bando de urubus”, como a eles se referia, em razão de usarem, logo que chegaram, batinas pretas não passavamde“inimigos”.DeleedoBrasil “espiões” que, sem dúvida, deveriam ser todos eles. Haveria outra razão para se meterem naqueles confins de mundo, longe das benesses da civilização? Ah! Chegara a sua vez. E voltou a pensar no batizado do filho. “Nome de Santo?” Ótimo! E então decidiu: “Põe José na frente!…”Eopadrenãotevesaída.

Ganhava, assim, Stalin, naqueles confins da Amazônia pelo menos, o primeiro e bem possível, seu únicohomônimo:JOSÉSTALINVeras.

Excerto do livro de memórias “Coari—umretornoàsorigens”,lançado em2002.

241 Nunca Mais Coari Archipo Góes
De como Stalin apareceu em Coari Francisco Vasconcelos

Literatura Coariense

Foi preciso sofrer muito para chegar àquela conclusão. Há anos, quando entrara para a Companhia, a cabeça cheia de sonhos, pensara haver encontrado o caminho definitivo da vida. “Você vencerá, Tiago”, dizia sempre. “Você vencerá! ” Quem duvidaria? Lembrava-se, sempre, do primeiro dia de trabalho, da primeira carta que lhe deram para redigir. Fora um momento difícil, aquele. Rabiscara inúmeras folhas de papel e só conseguira escrever o início. Encalhara no verbo informar, cheio de dúvida quanto à regência. Parecia- lhe que todos o olhavam; que o olhava o chefe,impaciente,comardeinsatisfação. E jurava que o ouvia dizer: “essa carta é prahoje,seuTiago.Vamos!…”. Sofreu muito naquele primeiro dia de trabalho. Depois, tudo correu bem. O chefe não escondia sua preferência. “É um bom menino”, ouvira-o comentar. “Essevailonge!…”.

Aqueles elogios, recebidos inesperadament e, faziam-lo sorrir e crescer em pretensões. Via-se,dentrode três ou quatro anos, chefiando uma carteira, com telefone à mesa e uma campainha para c h a m a r o contínuo. Por isso rejeitara, até mesmo, função interina numa repartição pública, embora, nela, fosseganharumpouquinhomais.

Passados onze anos, Tiago concluía que tudo lhe saíra ao contrário. Sua situação, na verdade, em nada mudara.Aúnica diferença estava em que já não alimentava nenhuma esperança. E, em lugar dos pensamentos de outrora, repetia baixinho, num esforço de autossugestão: “Você precisa dar o fora, Tiago! Coragem, homem!…”.Ah! Como fora estúpido. Quanto tempo perdido?

Onze anos, e a mesma coisa. Mas o concursoeleofaria.Enodiaemquefosse aprovado,caraacaracomogerente,diria: seuWalfredo, sua Companhia me roubou por onze anos. Mas de hoje em diante a coisa é outra. E não adianta me olhar assim, seu Walfredo. Passei no concurso. Passei, seu Walfredo… Ah!… Quanta satisfação vai sentir quando puder dizer isso. É que jamais poderia perdoar- lhe a injustiça. Quantas vezes não o preterira em proveito de outros? E como fora tolo! “Éumbommenino!…Essevailonge…”.

O grande conforto de Tiago estava em aguardar mais uns dias. Não sabia por que, mas tinha certeza de que tudo lhe seria diferente. Tentadoras propostas lhe seriam feitas. “Seu Tiago, isso é loucura! Nós lhe damos um aumento, seu Tiago!…”. E por certo lhe falariam dos onze anos que iria perder, como coisa que já não os houvesse perdidohámuitotempo.MasTiagoépai, seu sacana, Tiago tem fibra. Não haverá acordonemaumentoqueoprendaumdia a mais na Companhia ladrona. Nenhum. Então só aí é que irão descobrir-lhe as qualidades de bom empregado? Depois deexplorá-lo,deroubar-lheasesperanças edehumilhá-lo?Não!Bastava.Mandaria às favas a Companhia e os onze anos. Começaria a vida outra vez, com bom ordenadoepromoçõescertas.

Não podia entender como tardara tanto a tomar aquela decisão. Fora, não tinha dúvida, um burro, um idiota. Mas nunca seria tarde, pensava. E mesmo que fosse, sempre haveria tempo para uma atitude. Ficar onde estava é que não podia. A menos que corresse o risco de passar fome, ele e os filhos. Como suportara onze anos naquela vida de aperreio?

Cadafimdemêserauminferno. Os cem cruzeiros que, não sabia quantas vezes, havia emprestado, iam, de um a um, saindo da carteira, deixando-o apreensivo, ante maiores e inadiáveis compromissos.

242 Nunca Mais Coari Archipo Góes
O Concurso – Francisco Vasconcelos

Literatura Coariense

Já quase sofrera ação de despejo, e o taberneiro, por mais de uma vez, o ameaçara de cortar o crédito. Para vestir a mulher e os filhos, abrira crediário. A primeira prestação, pagou com sacrifício. A segunda e a terceira, ficaram vencidas: adoecera-lhe um filho. Mas o que mais lhe doía era chegar em casa e ouvir: “Papai, o meu sapato!…”. “O meu, papai!…”. E sempre a mesma resposta, tapeando os filhos: “Amanhã… Amanhãpapaicompra!…”.

Tornara-se, por tudo isso, um tipo revoltado. E admitira, por força da misériaemquevivia,aexistênciadeuma minoria da qual ele, decididamente, não fazia parte. Não tinha mais nenhuma dúvida em afirmar como válidos alguns preceitos da chamada “esquerda”, tão temida. Certa vez, ao discutir o assunto com alguns colegas, um deles, muito ligadoaospropósitosdaCompanhia,sem a menor consideração, lhe dissera, agressivamente: Isso é recalque, Tiago!… Você é recalcado… Ora recalque!… E recalcado ele sabia muito bemquemera…

Fizera já trinta e seis anos. De casado, mais de oito. Filhos, nada menos do que seis. E foram estes que um dia lhe notaramosprimeiroscabelosbrancos:

– Papai, só velho tem cabelo branco?

–Porquê?

– Os seus, papai… Tem é muito!…

–Deixaaí,deixa…

Quando ia dormindo, um dos meninosvoltouàcarga:

– Pai!

– Hum?

–Osenhoréhomemouévelho?

Tiago sorriu com a curiosidade infantil do filho. Menino tem cada pergunta!… Mas essa diferença, lembrava-se, alguns grandes, também, faziam. Certo dia, aquele mesmo colega que tentara humilhá-lo, não chegara a dizer-lhe você é velho, Tiago, você não é homem? Ah! A resposta ele daria em

breve. O concurso viria, e todos iriam ver quem, na verdade, era ele. E antes de cair nosonorespondeuaofilho:

– Os velhos também são homens,meufilho.

Aquele domingo terminara cacete e melancólico. Passara as horas a pensar na vida, no tempo perdido, no concurso. Nenhuma diversão. Nenhuma pessoa com quem conversar, senão a mulher que, a todo instante, reclamava alguma coisa, e os filhos, confundindolhe a cabeça com barulheira infernal. Umalembrançaoseguiraportodoodia:o concurso.Alguém lhe dissera que, no dia seguinte, os jornais publicariam o edital, marcando a data das provas e estipulando as bases do concurso. E quanto esperara por aquele momento. Talvez, sua última oportunidade. Um aumento, não sabia de quanto, mas um aumento. Por certo, o dobro do que ganhava. Que mais poderia desejar? Estava ainda com trinta e seis anos e, dentro em pouco, teria a vida definida,ganhandobem,semproblemas.

Perseguido por tão agradáveis pensamentos, só conseguiu dormir pela madrugada. Mas, embora dormindo, o concurso estava presente Sonhava Como lhe acontecia tamanho infortúnio? Chegara atrasado para as provas. E sentia incontida vontade de chorar Tentava justificar o atraso, como fazia na Companhiaquandochegavaforadahora, mas de nada adiantavam os argumentos. E por incrível que lhe parecesse, era o próprio Walfredo, o gerente, quem lhe dizia com enorme sorriso de sarcasmo e satisfação: “Perdeu a vez, seu Tiago!… Agora é tarde…”. Acordou soluçando. Porinstantesficouemdúvida,esfregando os olhos. Chegar atrasado? Jamais! Uma horaantesdaprevistanoedital,estarialá. Quanto à indigesta figura de Walfredo no sonho, talvez lhe servisse: ia jogar no porco.Noporco?Sim,noporco…

Tomou café e saiu. Ao saltar do ônibus, a primeira coisa que fez foi comprarumjornal.Tentoufolheá-lo,mas viuquenãodavatempo.Umacuriosidade nunca antes sentida dele se apossara, deixando-o eufórico, ansioso. Teriam publicadooedital?

243 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Malchegouaotrabalho,assinou o ponto e procurou um lugar reservado onde,maisàvontade,pudesselerojornal. Nenhuma notícia daquelas que as manchetes traziam lhe interessava. Apenas uma, publicada na segunda página, prendeu-lhe um pouco a atenção: OU AUMENTO, OU GREVE Mas quemiriafazergrevenaCompanhia?Ele. Ele, Tiago, faria. Não! Não iria precisar de greve para conseguir aumento de salários.Oconcursoviria…oconcurso.

E as mãos de Tiago, trêmulas, viram folha por folha do jornal. Desespera-se. Seus olhos devoram, avidamente, página por página. Lembrase de que no dia anterior jogara seu time. Quem teria vencido? DERROTADO MAISUMAVEZO…Eramuitoazar.Só podia ser azar. E quase desiludido, ao virar a última página, encontra, finalmente, o que tanto procurava: Dasp. Lêcomsofreguidão:

Edital do Concurso

Estarãoabertas,apartirde10do corrente, as inscrições… Poderão inscrever-se candidatos de ambos os sexos…Olimitemínimodeidadeéde18 anoseomáximo,…de…35…

Caminhando,semprecaminhando ohomemvai… pelosmeandrosdavida. Separaéparapensar, poisnuncapensacaminhando. Eohomemvai… silhuetanasnoitesescuras, caminhando,semprecaminhando. Seuspensamentos -bússoladeseufado, indicam-lheocaminho.

Seucoração -termômetrodavida, mostra-lhetempoeespaço. Seucorpo,cansadoelânguido pede-lhepararepousar Então,elerepousa nochãofrioquetantasvezespalmilhou.

Somenteagoraparoudepensar ohomemqueia…

244 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Literatura Coariense
O Homem e o Fado J. Maciel
(02.10.1969)
Encontro entre Francisco Vasconcelos e o autorArchipo Góes em 2014

Literatura Coariense

Erasmo Linhares

Peço que não duvide de mim. Trabalheidezanospraeleecomessemeu jeitãodecearense,ouvievieanoteimuita coisa aqui dentro da cabeça. Não pense que são histórias de um velho atazanado pelo reumatismo. Já lhe disse, não sou homem de potoca. O homem que mente perdemetadedasuamacheza.

Não, senhor, não sou homem de potoca. Nesta minha velha e cansada vida, se menti alguma vez foi só pra pescar mulher. Minha mãe, quando pegava a gente em alguma trampa, dava de palmatória, uma dúzia em cada mão. Uma vez peguei duas, porque resolvi ser macho e não chorei A velha queria lágrima, como toda mãe, pra ver o sentimento. Muita gente antiga, por aqui, ainda conhece a história. Era o homem mais rico de todas essas bandas. Em cada riozinho desses, ele tinha um seringal e em cada lugar por esse Juruá afora, onde morasse mais de três famílias, ele tinha uma mulher Uma vaca braba com os homens, um vacal com as mulheres. Poderoso, meu senhor, muito poderoso. Podre de rico, mandão e famão, até com gente da capital. Nos tempos de eleição, depois que houve eleição, vinha muita gente por aqui atrás dele. Gente graúda, doutor de anel no dedo. Conversas, trampices, farronas, e ele dominando, mandando em tudo. Com essa gente de fora ele se abria, com a gente daqui era aquelacaronaenfezada.

Mas era um homem bom, se a gentetrabalhavafeitodoidoedavanofim do fábrico uns gordos quilos de borracha. Disso, lhe digo sem preconceito, ele cuidava. Cuidava de quem trabalhava e não amolengava com o diabo da cachaça, que isso é coisa que acaba com um homem e é até capaz de botar chifre na cabeça,seocabranãoforbomdepeia.

João Carioca também não era homem de mentira. Pra quê, se ele tinha tudo? Se ele mandava, desmandava e tresmandava? Era um touro, um homem capazdeengolirumgarrafãodeboapinga doCearáesairandandosemqueninguém dissesse. Só vermelhão, a barrigona empinadadentrodopaletódetubarãoque ele nunca largava, mesmo quando o suor empapava a camisa e a banha do pescoço fazia uma lista preta no colarinho. Estou lembrando que ele deu de usar paletó, digo melhor, de não largar mais o paletó, depois que foi feito Juiz de Paz, mandando e desmandando desde EirunepéatéquaseCruzeiro.Quasetudo, se me lembro bem. Eirunepé, Envira, Ipixunaeesseslugarestodosqueexistem por aí. Casava e se não dava certo descasava e casava de novo. Tudo como ele queria pra que as coisas não desandassemnosseringais.

Já lhe contei uma vez, mulher por aqui não havia, de começo. Coisa muito rara e por causa disso os homens endoidavam. João Carioca sabia disso e sabia cuidar muito bem do caso. Mulher era prêmio. Trabalhou, ele arranjava mulher,masobrigavaacasarequandoos filhos nasciam, ele trazia o padre de Rio Branco, espichando viagem de semanas, só pra batizar os moleques. E João Cariocaeraopadrinho.Eleeracompadre de todo mundo e ainda hoje existe muito safado por estas bandas que é afilhado dele. Já lhe disse duas vezes, mas repito agora, pro senhor entender bem este caso que lhe conto. Mulher era coisa rara. Era prêmio. E Carioca sabia premiar. Todo novembro ele viajava pro Ceará, Fortaleza,noconformedoqueeledizia.E lá arranjava as mulheres. Depois foi que eu fiquei sabendo. Ele arranjava as decaídasnazonamesmo.

245 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Conto: “João Carioca: Mandão e Famão – Juiz de Paz”

Literatura Coariense

Contratava, levava no médico, dava remédio se elas tinham alguma engaliqueira.Compravaroupa,comprava batom, ruge, remédio pra engordar, se a vagabunda era magra. Enfeitava toda a mulheradaetraziadenaviopraManause de lá pra cá, no barco dele mesmo. Já perto do Natal ele saia de viagem para visitar os seringais, um a um. Um barco imenso, todo pintado de branco, limpo que era uma beleza. Um magote de marinheiros, um comandante de carta e tudo, vestido com farda de galões azuis e dourado com farda de galões azuis e dourados – um sujeito muito do seu metido a merda – e mais, pode acreditar, três taifeiros vestidos de branco, engomadinhos e com cara meio pro cá meio pro lá, que serviam pinga, cerveja preta,queeununcamaisvinaminhavida, gelada num depósito de gelo, pedronas daquelas da fábrica do Plano Inclinado, e chá. Esse seu riso é que me dá gastura. Já não lhe disse que não sou homem de mentiras?Éapuraverdade.

Carioca tinha uma frescura de tomar chá todo dia, às cinco horas da tarde, sempre às cinco horas da tarde, nuncaantesnemdepois.Era,peloqueme consta, a única fraqueza que ele tinha. O senhor me desviou. O caso era que ele botava todo o mulherio dentro do barco e parava em cada porto. Parava, mandava chamar o seringueiro da localidade e o diabo do escrivão do lado, na mesa um livrão de capa dura, cheia de desenhos imitando couro. E aí, meu senhor, era a agonia do pobre do seringueiro, porque não havia astúcia. Estava tudo ali anotado. Era a hora do prêmio pelo trabalho que o cabra tinha feito como escravo, o ano todo. O sujeito esticava o olho pra ver quem saia de dentro dos camarotes, mas o negócio era bem ensaiado,amododepastorinha.

Cada uma a sua vez. João Carioca perguntava, olhando dentro do olho do sujeito, a cara séria que não dava pragentesaberoqueeleestavapensando deveras: Natálio? O escrivão respondia –duzentos quilos. João Carioca: Marlene! E saiu uma velha batida, com falhas nos

dentes ou com uma dentadura dessas que temmaisgengivadoquedente.Nãotinha do que reclamar. Pra dizer a verdade, ninguémpodiareclamar.Porqueantesera pior.

Carioca levava mulher, feia ou bonita, velha ou moça, mas sempre mulher Antes dele, o patrão levava, mas eraoumbigodepeixe-boi.Depoiseuvou lhe mostrar uma marca que eu tenho aqui nas costas. Desculpe, já vejo pelo fogo dos seus olhos que me desviei. Conto, conto pelo fio da história. João Carioca mandava; desmandava e tresmandava. Chegava no segundo porto e na frente do seringueiro do lugar perguntava: Nepomuceno? O escrivão em cima da bucha–quinhentosquilos.JoãoCarioca–Luzia! Saía do camarote uma tetéia, uma coisadefazergosto,meusenhor,coisade botar um seringueiro doido, depois de tantojejum.

Era assim, primeiro e depois, e quanto mais mulher, mais borracha. Mas não pense que ele deixava as mulheres sem socorro. Duvido. Ficou com mulher era pra tratar bem, fosse velha ou fosse nova, feia ou bonita. E depois, quem era quenãoqueriafêmea?Edepois,quemera que não queria ser compadre de João Carioca? Foi assim até que isto aqui se encheu de mulher e de filhos de toda essa gentequeelejuntoue,depois,quandofoi nomeado Juiz de Paz, acabou casando pelo sério, com papel, aliança e tudo. A aliança ele dava, como presente de casamento.Aliançadeouro,nãoduvidee nãofaçaessacarademalícia.Eletambém era padrinho. Mas, aí, João Carioca já estava parado na sede dos seringais, já não andava no fim do ano pro Ceará, já não engolia um garrafão de pinga e deixou até de tomar chá às cinco horas da tarde.Bebialáasuapinguinha,fumavalá os seus charutos, passava tardes deitado na espreguiçadeira lendo os jornais de Manaus e os livros, que ele tinha alguns. Não pense que mudou muito. Não, era sempre o poderoso, mandando e d e s m a n d a n d o , e m a i s a i n d a tresmandando. Não era mais o vacal, mas aindaeraovaca-braba.

246 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Contoumadessestempos.Todo mundo tinha de casar com ele, que era o Juiz de Paz. Os casamentos eram no sábado à tarde e de todo canto chegavam ascanoasenfeitadascombandeirinhasde papel de seda colorido, as noivas de vestido branco, grinaldas e luvas, tudo branco. Os noivos de calva e camisa de punho, também tudo branco, e reclamandodossapatosqueapertavamos dedões de mangarataia. Num sábado chegaram muitos casais e vinham entre eles Daniel que a gente chamava de Amarelinho, porque era um sujeito enfezado,mirrado,ummerdinhadenada, e o Pedrão, um negro do tamanho não sei do quê. Um homem que além de alto, era uma anta feito gente, de tanta força Quando chegou na vez deles, porque o escrivão,omesmoquetrabalhavaháanos nas contas dos seringais, chamava os casais dois a dois, pra não dar muito trabalho, João Carioca, sentado na cadeironadepalhinha,atrásdeumamesa compridaecheiadepapéis,olhou,olhou, olhou, fez uma carona de raiva, ficou uns dois minutos caladão e explodiu, como era do feitio dele. Seo Daniel, disse bufando, o senhor não está vendo que o senhor não aguenta essa mulher? Num mês ela lhe mata, seo Daniel. Depois olhou pro Pedrão. O negrão, um macho comopoucoseuvi,quaseficoubrancode medo. Seo Pedrão, Carioca falou com maisraivaainda,osenhornãovêqueessa menina não é prato pro senhor? Na primeira chibatada o senhor abre essa meninanomeio,SeoPedrão.Istojáéuma grande sem-vergonhice, é contra a lei de Deus. Ficou vermelho, pediu um copo de pinga,bebeu,tossiu,acendeuumcharuto, depois olhou pros quatro ali na frente dele, todo mundo espiando, abestalhado. Carioca deu uma chupada no charuto, soprou a fumaça pra cima do escrivão e olhouosquatro,umaum,bemdentrodos olhos. Troca, gritou. Ninguém entendeu. Troca,berrou.Écomovaidarcertoeépro bem de todo mundo. Não quero ver ninguém morrendo nestas bandas E

trocaram e deu certo. Não pense que conto potoca. Já lhe disse que não sou homem disso. Saia por aí por essas beiras perguntando. Todo mundo sabe da história, mas ninguém como eu. Boa noite,passebem!

Lembranças do Interior

AlexAlves

Acanoaamarradaemumavara Umarpãoenfiadolánalama Noporãodacanoaáguaeescama Pitiúdesardinhaepirarara Umcasquinhodançandonobanzeiro Jerimum,melanciaemumpaneiro Carregadoporumagricultor Umcabôcolotadodeesperança Tudoissoeuguardonalembrança Deumtempovividonointerior.

Umxibédefarinhaemumacuia Praenganarabarriga,jároncando Noanzolaspiabasbeliscando Folhassecas,naágua,“debubuia” Arrastadasporumabrisamansa Curumimsapecandoquenãocansa Mergulhandonorio,simsenhor -Olhaobicho!Diziaavizinhança Tudoissoeuguardonalembrança Deumtempovividonointerior.

Urubucirculandonoterreiro Peixesecoeescaladonotendal Seiscachorroslatindo:Au!Au!Au! Enxotandoo"xengo"carniceiro Fogareiroacesonacozinha Jantafeitaporminhaavozinha Temperadacomomaispuroamor Coisassimpleseuviquandocriança Tudoissoeuguardonalembrança Deumtempovividonointerior.

247 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Temálcool?

Tem. Medêumcruzeiro.

Trouxeovidro?

Não,medênumcopo.

Ocoponãopodelevar.

Eunãovoulevar.

Comoassim?

Voubeberaquimesmo.

Sóentãooreconheci–Zacarias!

Era,agorasouoTorto.

Os cabelos estavam mais ralos e a barba de muito não fazer estava esfarinhada e suja, e os bigodes de piaçaba usada armavam uma cortina de palcomambembe,dilaceradanascolunas doscaninosamarelos.

Eacharamela?

Quebrei na cabeça de um safado.

Era a única herdade que recebera do pai, que por sua vez a recebera do avô e este do bisavô e este de toda uma geração de músicos profissionais, cuja vocação fora declinando através de muitos anos até Zacarias, que nem ao menos podia ser considerado amador, embora tocasse por música. Possuía uma coleção de velhas partituras que exercitava nas suas tardes de folga de funcionário público de meio expediente. Música estranha, desconhecida do comum dos vizinhos que se estorvavam com o som agudo do instrumento, tanto que, umas três ou quatro vezes, arrebentaram- lhe as vidraças, para espanto e raiva da patroa que saía ao quintal gritando ferozes ameaças às vizinhas inimigas de ferro e fogo, a cujos filhos sempre atribuía a origem dos petardos, e, arrebatada, respondendo aos berros, quando acaso era contestada, com um vocabulário tão rasteiro que fazia dona Joaninha persignar-se e fechar todas as portas e janelas da casa, entupir os ouvidos com mechas de algodão e cobrir com uma toalha os antigos santos do oratório Também ensaiava outras músicas, escolhidas entre as valsas e chorinhos

preferidos pelos Inveterados do Copo e do Ritmo, com os quais se reunia no ChoppdeOurotodasàsnoitesdesábado, e estas eram de mais agrado dos vizinhos ignorantes. Mesmo assim, nem sempre podiaintegraroregional,porqueosomda charamela não harmonizava, em determinados números, com os violões e cavaquinhos. E foi numa noite em que não participou da execução de nenhuma peça, que se descobriu. Já meio embriagado, tanto bebera porque ficou desocupado como pela chateação, pulou num ônibus e foi aguardar no Camilo’s, bem localizado na periferia da zona, assim que era dela e não era, e aí, a charamela sob o sovaco, encharcou-se por completo. Quando saiu, sem atinar com o motivo que o levara ao centro da cidade, foi caminhando até os fundos da Matrizondesesentouecomeçouatocara valsa que ensaiara durante toda a semana e foi quando passaram dois senhores com cara de quem não é daqui e um deles lançou entre suas pernas uma nota de dez e mais tarde uma senhora que empurrou uma nota no bolso de sua camisa e mais outraspessoasquejogaramnotasdeume de cinco, além de moedas miúdas, de modo que, quando chegou em casa, lá pelasduasdamadrugada,conferiutrintae sete cruzeiros, com os quais amenizou a iradamulher.

Segunda-feira, na repartição, com a cabeça desanuviada da ressaca que o fizera dormir todo o domingo, apesar das brigas constantes da mulher e das estripulias dos meninos, fez as contas e concluiu que tocando charamela todas as noites nos fundos da Matriz, ganharia o dobro de seu vencimento de auxiliar de portaria. Levou a semana inteira pensando no caso e no sábado passou ao largodoChopp,tomouoônibusefoipara o Camilo’s, bebeu até às oito e meia e depois dirigiu-se aos fundos da Matriz e desta vez conseguiu juntar cinquenta e oito cruzeiros. De volta ao bairro bebeu no bar do Esmeraldo que estranhou a visita numa noite de sábado e quando chegou em casa, pelas duas e meia, amenizounovamenteairadamulher.

248 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Durante um mês, todos os sábados, repetiu o mesmo programa e no segundo resolveu aparecer no ponto também às terças e quintas, vestindo roupas velhas e sandálias japonesas. Passou a beber no Quintino’s, frequentado por estivadores, e no quarto mês ia todas às noites, menos aos domingos, até o dia em que a mulher impôsascondições,ouafarraouela,eele optou pela primeira, não voltou mais a casa e abandonou de vez a repartição, onde suas faltas constantes já lhe tinham produzidoduasrepreensões,umaverbale outra através de portaria afixada na parede para que todos pudessem ler a sua vergonha.

Inaugurando a nova vida, com o único remorso de abandonar os filhos, mas com o propósito de mandar algum dinheiro por semana, alugou um covil no vasto cortiço que dominava todo o quarteirão entre a rua de Frei José Inocentinho e a avenida do Almirante, habitado por prostitutas, gigolôs e cafetinas,cujasirasaplacava,vezeoutra, pagando-lhes umas cervejas, até o dia em que não mais suportou aquela colmeia fervilhantequenãoparavanoiteedia,dia e noite, com seu cheiro de mofo permanente e penetrante; movimentada pelasbrigasdasputas,entreelasmesmas, delas com os gigolôs, de marinheiros e soldados, de marinheiros e meganhas autoritários, delas com os bêbados e seixeiros; aturdida a qualquer hora, fosse sol ou fosse lua, pelos bichos de cria, macacos, cachorros, papagaios, gatos, galinhaseajiboiadanegraBelmiracujas bostas cosia em saquinhos de pano e os vendia às raparigas mais antigas que os usavam como bentinhos e com a dupla função de afasta-inveja e chama-machos; e as crianças empambadas, sábias e malignas, que vagavam pelas vielas cloacinas que separavam, coisa de um metro se muito, as casinhas de madeira e os quartos de taipa espremidos. Além de que o Português, dono dessa angustiada Sodoma escatológica encravada no coração da cidade, que nenhuma força conseguira demolir, andava anunciando de cama em cama, de catre em catre, de

rede em rede, o aumento dos aluguéis, com a desculpa de que a caixinha da polícia, com o novo e faminto delegado, estava cada vez mais gulosa, com todo o raiodaputaqueopariu.Fugiuàsquatroe quarenta e cinco e a única mágoa era perder o cálido excitante da menina que todas as manhãs vinha, nua, mijar no minúsculo alpendre da casinhola fronteira e exibir, a dois palmos do seu nariz, a tenra e fresca pérola do tamatiá repousada nos veludos da vitrine de cristaisopacos.

Em cinco meses de ofício conhecia toda a malandragem da zona, as manhas e venetas de prostitutas e viados, fez-se amigo de todos os mendigos que agiam num raio de um quilômetro e, por isso, conseguiu abrigo junto ao bando do Capitão-Gancho, admirador intermitente desuasvalsasechorinhos,quehabitavao velho barco abandonado sob a ponte de ferro, transformado com paredes laterais de tábuas de caixas e folhas de zinco roubadasàcidadeflutuante,paraproteger a malta, em suas horas mais íntimas, dos olhares curiosos dos canoeiros ou de algum policial bêbado e mais afoito. Ali ferviam o café e coziam o peixe em latas enegrecidas pela fumaça do fogareiro e pela carência de uma lavagem meticulosa. E podiam beber à vontade, chuparseustarugostranquilamentee,vez por outra, arrastar uma rameira da Pausada, bêbada o suficiente para suportá-los em uma proximidade mais estreita.

Foi no velho barco, em noite de farra escandalosa, que partiu a charamela no crânio do Cabeleira, numa disputa por unsrestosdeCocai,enuncamaisperdoou odesafeto,quealémdeladrão,erafresco, poisemmaisdeumanoiteoouvirafungar e gemer sob o peso e o encanto brutal do Capitão.Bateracomtantaviolênciaqueo antiquíssimo instrumento de cana provençal espatifou-se instantaneamente em doze pedaços, não havendo meio ou modo de consertá-lo, pois o mecanismo interno de suas chaves era também de madeira delicada e enfraquecida pelos anosepelasalivaabrasivadeseusmuitos tocadoresancestrais.

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Literatura Coariense

Deu-se a partir daí sua preferênciapeloálcoolpuro,maisbarato, e também porque descobriu, no dia seguinte, que sua féria de mendigo dos fundos da Matriz provinha muito mais do som agudo e inquietante da charamela do que mesmo da caridade das pessoas. Passou a beber mais ainda e a comer menos ainda, dormia noites e dias nos bancos e sob os bancos da praça, sem ânimoecoragemdevoltaraovelhobarco abandonado sob a ponte, as pernas e os braços cobertos de escaras que se abriam em pontos diferentes imitando cores e caprichosdecravina.

No dia em que recebeu alta da indigência da Santa Casa de Misericórdia, após receber contrito os conselhos do médico paizinho dos pobres, já tinha amadurecido o projeto de reconquistarovelhopostodefuncionário públicoedereconciliar-secomamulher, mas quando saltou do ônibus pela porta da frente a viu entrar pela porta de trás, com uma barriga que calculou de oito meses, e compreendeu que o plano falhara, mas a vida continua e pode ser longa e boa, dependendo da gente. No caminho do bar vislumbrou à distância as largastábuasdascaixasdeembalagemda vizinha loja de eletrodomésticos e teve a ideiasalvadoradeconstruirumabandurra e voltar às noitadas dos sábados de antigamente, sem mulher para vigiar a hora, sem choro de criança, sem Capitão, sem Cabeleira, sem putas e gigolôs, nem barcos velhos abandonados sob a ponte de ferro, nem paizinhos médicos, mas, de verdade, um filiado permanente e efetivo dosInveteradosdoCopoedoRitmo,pois afinalteriauminstrumentodecordaenão seria posto de lado como antes e porque foi a porra da falta dessas cordas maravilhosas que me botou no centro pegajoso e infernal desse tremendo pesadelo.

Botamaisumálcool. Não, toma uma cana decente. É ofertadacasa.

TragédiadoBotafogo Francisco Simeão da Silva

Sendoeuumgrandeartista Aindanãopudeparar Porqueesteacontecimento Queroaopovocontar AtragédiadoBotafogo AumbarcoaNaufragar

OnossobeloAmazonas ÉumRiograndeetemente Temosqueandarcomcuidado Devidoàsgrandescorrentes Porquesenosdescuidarmos Elasdestróicomagente

Paraprovaroquedigo Vouagoraconfirmar Contandoumahistória Paratodosacreditar Históriadeumnavio Quevinaságuasseacabar

Natardedeumbelodia Chegandoàsdezoitohoras Omotorsedespediu Dacapitalfoiembora Viajandocarregado Poresterioafora

Istofoinodiaquatorze Deumjaneiropassado Viajouaprimeiranoite Enãolheaconteceunada Masnasegundanoite Veioatristezadobrada

250 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Barco Dominique

Literatura Coariense

Estemotormeuamigo Oseunomeninguémesquece Dominiqueeraoseunome Muitagentealifezprece Masnestegranderio Senaufragoudesaparece

Éverdademinhagente Tudoistoocorrido Enãobotandoemconta Otãograndeprejuízo Eatéapresentedata Obarcoviveperdido

Estecasoaconteceu Emumaaltamadrugada Osviajantesdobarco Nãoiamesperandonada Porquetudoiatranquilo Antesdaquelaencontrada

Omotorsedeparou Deencontrocomacorrenteza Omesmovirounahora Pornãoencontrarfirmeza Edaífoiquesurgiu Paraopovotantatristeza

Tristezaporqueforammuitos Quealiseacabaram Unschoravampelosmortos Outrospelosqueescaparam Nacertezaqueforammuitos coraçõesqueseabalaram

Comestaafliçãotoda Semesperarporcima Estenaufrágioaconteceu BempertodeCodajás EestamospedindoaDeus Paranãoacontecermais

Tomaramtodaprovidência Logoaoamanhecerdodia OdonofoiaCodajás Comunicaracapitania Paraviremajudá-lo Nestatãograndeagonia

Acapitaniasabendo Doquesetinhaocorrido Vieramtrazersocorro Paraosqueficaramferidos Etambémconformaraodono Quenemtudoestavaperdido

Comacaravanaseguiu Paramostrarmaisvalor Juntamentecomochefe Diversosmergulhador Paraversedescobririam Ondeestavaomotor

Masaochegarnolocal Queviramograndehorror Pensaram:–comonósvamos Ajudarestesenhor? Nomeiodetantaaflição Enomeiodetantador Mãechorandoporseusfilhos Filhoschorandoporseuspais Porquemuitosquealimorreram Seuscorposnãovirammais Crendoqueforamcomidos Pelosgrandesanimais

Everdademeuamigo Esteriotudoconsome Aquidesapareceram Tantomulhercomohomem Eorioéumaimensidão Podeverpeloseunome,

Porqueemáguaéomaior Nãoexisteoutroigual Temqueseandarprevendo Pois,tudopodeserfatal Tambémmorrerafogado Istonãoégenial

Certoquecomamorte Nuncaseestáconformado Unsdizemqueobarcovirou Porvimmuitocarregado Eoutrosjásemaldizem Quefoiafaltadecuidado

251 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Certoéquefoiparaofundo Emumlugardehorror UnschamamdeBotafogo Outrosdepontadopavor Foiumnaufrágiohorrível Quecausoutristezaedor

Ejáqueestelugar Eportodosmalvisado Quandoseaproxima Ficatodomundoassustado Depoisquesepassadele Ocoraçãoficasossegado

Sentindojáterpassado Porestehorrívellugar Comocoraçãotranquilo Opovovaidescansar PedindoaproteçãodeDeus Parachegarememseular

Muitosforamnestebarco Queemseuslaresnãochegaram Porqueantesdodestino Nobarcoseliquidaram Porsertardedanoite Muitosaliseacabaram

Unssaíramnadando Paraalcançaroutrolado Maisistonãorealizaram Porestaremmuitocansados Antesdealcançaremàterra Muitosmorreramafogados

Foiumgrandedesespero Naquelaescuridão

Asmãesprocurandoosfilhos Massemhaversolução Porquetudoestavaescuro Pelaaquelaregião

Alimuitasmãesmorreram Querendoofilhosalvar Porqueamãesódeixaofilho Quandovê-loseacabar Esepossívelvaijunto Paraserdofilhoopar

Foicomoaliaconteceu Seacabarammãe,filhosepais Certaspessoasamigas Queosnomesnãolembromais Foiumagrandetragédia Queaindanãohouveigual

Porqueeramduascidades Opovoquealiseguia AprimeiraeraCoari Quesofreugrandeagonia Aosaberdestanotícia Logoaoromperdodia

Comanotíciachegada Houveumgrandealvoroço Tantomexeucomosvelhos Comotambémcomosmoços Nestediaemmuitascasas Nãofizeramnemoalmoço Porquemuitossópensavam Aminhamãeseacabou Porquefoinestasemana Queparacáviajou Quemsabeseelanãoveio Nestetãograndemotor

Foigrandeestaaflição Debocaembocafalada Unsesperavamareação Praveroquetinhasedado Naquelegrandenaufrágio Ocorridodemadrugada

Háumaoutracidade Enfiadanestaaflição QueéacidadedeTefé Aqualficoudeplantão Paraprestarsocorro Aqualquerocasião

Asqueerammaisdeperto ComoCodajáseCoari Prestaramtodosocorro Porserempertodali Pranãodeixaraaflição Tomaremcontadaqui

252 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Diversosmotoreschegaram Paraaliprestaremsocorro Unsdizemseeunãofor Devergonhaseiquemorro Porqueumnaufrágiodesse Entronaparadaenãocorro

Comestadefinição Querendoalguémsalvar Mas,forambempouco Osquepuderamescapar Daquelagrandetragédia Onde,sóDeuspodiaajudar

Porqueumriocomoeste Digoenãopeçosegredo Paraondenosdirigimos Acorrentezafazmedo Temosquenosprevenir Pranãoentrarematropelo

Nósquesomosconhecedor Desteriosemoutroigual Devemosnosprevenir Fugindosempredomal Porquedepararcomacorrenteza Amortepodeserfatal

Entãovamosmeusirmãos Procurarnosdefender Porquefazendoassim Maisvidapodemoster Porquequemescapadeuma Cemanoshádeviver

Vamostomarconhecimento Enquantoacabeçaesfria Dasprovidênciastomadas Pornossacapitania Quechegoucomurgência Antesdoromperdodia

Osquealichegaram Paraajudarocidadão Queomesmoestavatriste Porperderaembarcação Porquealisónãosentia Senãofosseumcristão

Acapitaniaaochegar Tomoutodoconhecimento Paraajudaraodono Atermaisforçaetalento Etambémprestarsocorro Naquelehorrívelmomento Chegarameforamsaber Oquealiaconteceu Odonojásemtalento Contouoqueocorreu Ecomosetornoutriste Tudoaquiloquesedeu

Forammuitososprejuízos Assimohomemfalou Alémdasmercadorias Queacorrentezalevou Aindaporcimadisto Obarconãoseencontrou Acapitaniadirigiu-se Eaohomeminterrogou Querendoassimsaber Aondeomotorsenaufragou Parasaíremaprocura Diversosmergulhador

Osmergulhadoresestavam Detudobemequipado Paraversedescobriam Aondeobarcotinhaparado Naquelagrandecorrenteza Aondetudoédemasiado

Porqueaquelelugar Elenuncaestáparado Enquantomenosseespera Acorrentezaédetodoolado Prasepassarporali Temqueandarcomcuidado

Atadosdecorrentes Parapoderemvoltar Osmergulhadorespularam Comcoragempramandar Porquelugarcomoaquele Nemtodocabravailá

253 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Foramaprimeiravez Sempensaroqueencontrar Compoucoderamsinal Quejáqueriamvoltar Porqueacorrenteza Nãodeixounochãochegar

Acorrentezaédemais Istosemterparadeiro Muitosalimorreram Prasalvarocompanheiro Coisaqueemcertoscasos Sósemedessedinheiro

Masoshomensquechegaram Paraemtudoajudar Pediramprairmaisembaixo Pranovamentepular Paraveroquediziam Destehonrosolugar

Foramasegundavez Massemtrazerresultado Disseramvamosaterceira Paradarporencerrado Porquesetentarmosmas Nóssomosprejudicados.

Aúltimatentativa Dediversosmergulhador Queaovoltaremdofundo Sótristezaemuitador Fazendoesteesforçotodo Paraencontraromotor

Foisemfuturoosesforços Queparaaliseguiu Porquetudoseacabou Dentrodestegranderio Comaimensidãodeágua Omotorlogosumiu Deixemosacapitania Voltandoparaocapitão Parafalarmosdopovo Queficarampassandomal Portergrandeprejuízo Detudoseuafinal

Osquenãomorreramafogados Acabaramdecompletar Agrandelamentação Mostrandotudosemparar Contandoassimparaopovo Comopuderamescapar

Unsdizemeuagradeço. Aumpauqueiabaixando Queoutrosnãotiveramsorte Destepauiaavistando Sóeumeagarreinele Efoiavidamesalvando

Foramdiversasfamílias Pelaságuasdestruídas Quenãopossolevaremconta aquantidadedevidas Queforamnestenaufrágio Pelososanimaiscomidas

Nãoquerendoacrescentar Maisdoquealiaconteceu Equevoupedirsempre ÀproteçãodobomDeus Queeleéconhecedor Detodososcontosmeus

Fazendoassimoproveito Deumahistóriareal Vocêpassaserumhomem Conhecedordetudoafinal Doacontecimentoocorrido Emumatragédiafatal

Porissopeçoaosamigos Paracompraremoprimeiro Pois,embrevecomporeioutro Contofatosverdadeiros Porquenãopossomentir Souhomembrasileiro

Comprandoestelivro Vailogolhedespertar Mostrandocomoébonito Agentetranquiloandar Comespecialidadenaságuas Ondetudopodeseacabar

254 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Nãomentinemexagerei Conteioquesepassou Pois,asnotíciaschegadas Foioquemaismeencabulou Emvertantatristeza Pertinhodetantador

Vouencerrarolivrinho Pranãosermuitocomprido PedindoaDeusqueabençoe Praquesejabemvendido Queosamigosfaçamproveito Detudoquefoidescrevido

Seiquenãoacreditavam Istoserfrutodaqui MorandonesteAmazonas EstacidadeéCoari Aesperançanãoacaba Ocarinhoquereceboaqui.

Chagas Semeão

Acróstico ao Irmão Enedino

Ébelo,égostoso,reviveravida, Nãoociosamente,masdentrodalida, Etodostenhainteligênciaetino, DoaniversáriodoirmãoEnedino, Independentementenóscelebramos, Nestediacomalegriarecordamos, OnataldoqueridoirmãoEnedino.

Maio,diaquatro,beloeangelino, Ondecomemoramoscomalegria, Nãosócompalavras,mascomgalhardia! Todoaniversárioéfesta,énatalino, EesteéodiadoirmãoEnedino. IrmanadoscomoGrandeArquiteto, RogamosdoUniversonesteteto, Oração,amorecomsanguepurpurino,

DamosparabénsaoirmãoEnedino... Amor,fraternidadeecompreensão...

São gestos, carinho que partem do coração, Irmãos que comemoram com grande ardor, Levandopaz,harmonia,muitoamor! Vamossolenizarestrênuopaladino; Amandocomoirmão,onossoEnedino.

Grandemestremaçônico,conhecedor, Realizadorquetudofazcomfervor; Adulto,comoespíritodemenino, Ungido do Senhor, este é o irmão Enedino!

Temhonra,temcaráter,temalegria, Risonho,ativo,étodosimpatia, Igualaumanjo,puroecristalino; Nãoéeste,oirmão,oEnedino? Tenhoprazerdesaudá-lonestadata, Alémdosirmãospresentestenhoaata,

Escrita,datada,lida,documentada.

Todoaniversárioéumadatafestiva; Rodeadosdeamigos,irmãoseefusiva, Enquantotudoistotemoseudestino; Somos gratos com amor, ao irmão Enedino.

Waldemar Plácido Fonteles

255 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Acróstico ao Irmão Enedino

Ébelo,égostoso,reviveravida, Nãoociosamente,masdentrodalida, Etodostenhainteligênciaetino, DoaniversáriodoirmãoEnedino, Independentementenóscelebramos, Nestediacomalegriarecordamos, OnataldoqueridoirmãoEnedino.

Maio,diaquatro,beloeangelino, Ondecomemoramoscomalegria, Nãosócompalavras,mascomgalhardia! Todoaniversárioéfesta,énatalino, EesteéodiadoirmãoEnedino. IrmanadoscomoGrandeArquiteto, RogamosdoUniversonesteteto, Oração,amorecomsanguepurpurino,

DamosparabénsaoirmãoEnedino... Amor,fraternidadeecompreensão...

São gestos, carinho que partem do coração, Irmãos que comemoram com grande ardor, Levandopaz,harmonia,muitoamor! Vamossolenizarestrênuopaladino; Amandocomoirmão,onossoEnedino.

Grandemestremaçônico,conhecedor, Realizadorquetudofazcomfervor; Adulto,comoespíritodemenino, Ungido do Senhor, este é o irmão Enedino!

Temhonra,temcaráter,temalegria, Risonho,ativo,étodosimpatia, Igualaumanjo,puroecristalino; Nãoéeste,oirmão,oEnedino?

Tenhoprazerdesaudá-lonestadata, Alémdosirmãospresentestenhoaata,

Escrita,datada,lida,documentada.

Todoaniversárioéumadatafestiva; Rodeadosdeamigos,irmãoseefusiva, Enquantotudoistotemoseudestino; Somos gratos com amor, ao irmão Enedino.

Quandoparaestaterracheguei, Nadadeprogressoencontrei; Nãovoudizernomesdeprefeitos Paraeunãodeclinardefeitos.

Convivinalamaenosburacos, Faltavatudoefortesbraços... Nãohavianadaparacontar Sómisériasalastimar.

Élastimávelviver-seassim, Semperspectivaesemcarmim, Lamentandoatristeeiníquasorte, Orandoparanãoperderoporte.

Apesardetodososcorruptos, Prefeitosinúteiseabruptos, Preocupadossócombolsosseus, OmunicípioentregueaDeus.

GraçasaoArquitetodosmundos, Coari,hoje,temosseusfundos, Temorádiotematelevisão, Temofaxetambémocaminhão.

Coaritemhonraetemestirpe, Bravopovo,bravagenterispe, tutenshonra,tensbriosevalor, Aopovodestemidotensamor.

256 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Waldemar Plácido Fonteles
Recordando Coari
Waldemar Plácido Fonteles.

Literatura Coariense

Mura-Cão-Era

Sempre se acreditou, em Coari, queoantigonomedecertopovoado,hoje conhecido por Isidoro, fora outrora M I R A - C Ã O - E R A , m a s , indubitavelmente, há engano nessa suposição, como veremos nas linhas a seguir.

Entre os primitivos habitantes dessa região existiu, entre outras, a tribo dos índios Muras, os quais, apesar de nômades eram muito trabalhadores, tendo contribuído, grandemente, para a exploração de várias zonas desse imenso Estado, que é o Amazonas, e particularmente de Coari, onde eram procurados para prestar os seus serviços, ora como auxiliares no desbravamento das matas, ora como, pescadores e como serviçaisdomésticos.

Estavam eles já adaptados aos hábitos e costumes dos civilizados, sem perderem, entretanto, as suas crenças, abusõesetemores.

Haviam-se instalado em uma das inúmeras enseadas, que bordam o formoso lago de Coari, e à sua margem direita, algumas milhas acima da aldeia Alvelos,ondetinhamosespanhóisasede dassuasmissões,doRioSolimões.

Viviam felizes, esses indígenas, emnadadesmerecendooseualdeamento, considerado dos mais populosos e prósperos,daquelasparagens.

Pelos brancos eram procurados amiudadas vezes, e com eles mantinham permuta dos gêneros de produção local, com as mercadorias que da capital traziam, em embarcações de vela ou a remos.

De uma feita, subira o Rio SolimõeseentraranoLagodeCoari,uma dessas embarcações dos brancos, trazendoumdostripulantescomfebres.

Desprevenidos, foram os índios a bordo da pequena embarcação, onde se encontrava o doente. Iam ao comércio do costume, e ali demoraram algum tempo emcontactocomosvisitantes.

Dias depois da chegada da canoa um dos índios adoece. O chefe da

expedição, inexperiente, explica, então, aos moradores do lugar, tratar-se da bexiga (varíola) que estava grassando no baixoSolimões.

Comanotícia,asmalocasficam em reboliço. Os índios não mais se sentem à vontade ali. Apavorados, começam a desertar. No seu modo de ver os brancos tinham sido portadores da morte.

De fato, poucos dias depois da estadadosvisitantesentreeles,surgia,no local,oprimeirocasosuspeitoedentrode pouco tempo a varíola campeava no aldeamento. A mortandade foi assustadora.

Aqueles que ainda não tinham contraído o mal, fugiam do contágio, deixando os doentes à mercê da sua má sorte. Em breve o local ficara ao abandono, transformado em morada dos mortos.

As aves de rapina revoluteavam por aqueles ermos, cobertos de cadáveres insepultos.

Algum tempo depois e quando já de volta da excursão ao alto Solimões, os brancos da canoa fatídica tornaram à aldeia dos Muras, onde encontraram, apenas, os vestígios da outrora próspera maloca.

Por toda parte iam topando com as ossadas descarnadas dos infelizes habitantes do local, dando motivo a que, ao depararem com esse tristíssimo espetáculo, exclamassem, cheios de surpresa e pesar: MURA-CÃO-ERA! MURA-CÃO-ÉRA! MURA-CÃOERA!

Denominação que ficou sendo dada, daí por diante, a esse local, mais tarde conhecido por Isidoro, em homenagem a um dos seus maiores ocupadores.

NOTA: Mira-cão-era: Caveira, osso de gente, podendo significar cemitério. Mura-cão-era: Ossos, ossadas dosMuras.

Fonte: Antônio Cantanhede — OAmazonas por dentro, contos, lendas e narrativasdoAmazonas.

257 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

O Tacho

Antônio Cantanhede

Nos tempos em que a religião católica romana predominava, era crença geral que as mais vultosas fortunas fossem privilégio dos ministros do Padre Eterno,entreosmortais,eassim,nãoraro criavam-se lendas, em volta de qualquer agrupamento dos missionários de antanho.

Fala-se, na cidade de Coari, não como lenda, mas como verdade incontestável,naexistênciadeumgrande tachocheiodeouro,imersonolamaçaldo leito de um igarapezinho que deságua no lagodeCoari.

Referem historiadores do Amazonas que, depois do Padre Samuel Fritz, austríaco de nascimento, outros missionários espanhóis foram-se acomodando pelo rio Solimões, com o objetivo muito louvável, nesse século de conquista, de alargar os já imensos domínios de sua Majestade Católica de Espanha.

Fundaram eles muitas missões, com o auxílio do elemento indígena, que iam chamando à civilização e incutindolhes no ânimo seus credos religiosos Assim, os Catauxis, Muras, Jumas, Jurimáguas e outros, pelo efeito de adaptação aos costumes dos catequistas, em breve se transformaram em eficientes elementos de combate, em prol dos esforçadosevangelizadores.

C o m o s a l d e a m e n t o s , alargavam-se as já vastas ocupações territoriais dos espanhóis, no Solimões, sendo a sede de suas missões no lago de Coari, a aldeia denominadaAlvelos, hoje conhecidaporFreguesiaVelha.

Sempre ciumento de suas terras na América, Portugal não vira com bons olhos a intromissão daquela gente em seus domínios, e assim, a luta, entre lusos e castelhanos chegara até ali, dando lugar a que oraAlvelos estivesse em poder dos missionários espanhóis, ora sob o domíniodasforçasarmadasdePortugal.

Daí as precauções tomadas por

aqueles na guarda dos seus haveres. Tinham os depósitos de dinheiro que, nesses belos tempos, era em ouro cunhadoouembarras,emlocaldistantee acima da povoação. Possuíam, ao que se acreditava, grandes somas, verdadeiros tesouros,acumuladosporlongosanosem suas excursões pelo nordeste da terra brasileira, então objeto da cobiça dos holandeses, dali expulsos pelo governo dePortugal.

Mas,porvoltade1710dava-sea expulsão dos espanhóis, das missões do baixo Solimões e foi naturalmente, por essa época que, temendo ver caírem seus grandes haveres em poder dos portugueses, que os podiam colher de surpresa, utilizaram-se do falado tacho, e cheio este de ouro e bem fechado, fora lançado ao leito desse igarapé, que ficou sendoconhecidoporigarapédoTacho.

Os naturais, em muito pequeno número, que assistiram a essa manobra dos jesuítas, não tentaram dali retirar o precioso tesouro porque aqueles padres fizeram-nos crer que tê-lo deixado entregue à guarda de uma cobra-grande, tradicionalmente conhecida dos aborígenes por GUARIBA. Entretanto, quandoalgumaudaciososeaproximando do local fazia tentativas para retirar o tacho, tempestuosas ventanias desabavam na região, intimidando o aventureiro, que desistia da empresa. Se em época invernosa, acompanhava-se a tempestadedoesturrardotiri-tirí-manha.

Pelo verão, o leito do igarapé fica a descoberto, mas, ao avizinhar do aventureiro, abrem-se as nascentes das águas e em pouco tempo o lamaçal se cobre de água corrente, do que tem resultado não mais se fazerem tentativas, conforme afirmam os naturais daquelas bandas,paraaemersãodessetesouro,real ou imaginário, que dizem existir no igarapé do Tacho, poucas milhas distante dacidadedeCoari.

NOTA: Tiri-tirí-manha ou Dirim-dirim-manha: Mãe do terremoto, datempestade.Apelidodeumaespéciede jacaré, que tem a cauda bipartida e é muitobarulhento.

258 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

BOIÚ-ASSÚ

Antônio Cantanhede.

Duas horas de chavascal adentro, após termos deixado o Lago de Coari, o vapor “Macapá” soltara aos quatro ventos, o seu apitar harmonioso, dandosinaldeatracação,aoportodeVila Andrade.

Lançado o pandeiro da retinida, levando o chicote do grosso cabo de arame à terra, por ordem do comandante q u e , d e bombordo, na p o n t e d o c o m a n d o , d i r i g i a a manobra,atraiu nossa atenção u m a castanheira c o l o s s a l , derreada, em voltadaqualforapassadoocabodevai-evem.

Era a primeira vez que víamos uma castanheira, sem a devida compostura…

Essa árvore, desde pequena, vem ereta, a olhar para o céu; cresce e se desenvolve altaneira, entre as outras árvores; alta, de proporções soberbas, com a copa sempre florida é, talvez, a mais bela das que enfeitam a floresta amazônica.

Nossa curiosidade aumentara, logo que pisamos na terra de Vila Andrade, situada à margem esquerda do Juma, rio de água preta, cujo nome faz lembrar a tribo de índios, que, em época remota,poralihabitara.

A história dessa castanheira é longa, dissera-nos o senhor Castelo, pessoa a quem nos dirigimos, a pedir informes; e levou-nos a vê-la de perto. Sua história prende-se a deste lugar, que

outrorasechamouBoiú-assú,portersido aqui morta a maior cobra de que há notícia,nestasalturas.

Nesse percurso que fizemos, de poucos passos, nos explicou que Vila Andrade está em um pequeno torrão, ligadoàmatageral,porumaestreitafaixa deterra,umistmo.

Antigamente, neste mesmo lugar, dizia-nos o nosso informante, os índios reuniam-se para a celebração das festas.Pelaproximidadedorioedevidoa ser o melhor porto de desembarque desta redondeza,foraescolhidoparamoradado tuxauadatribodosJumas.

Às dezenas e centenas, vinham índios de grandes distâncias passar aqui temporadas,nosprazeresdosseusfestins, regados à caiçuma e ao cacherí, embriagadores.

Durante o correr dos festejos, eranotado,entretanto,odesaparecimento dealgunsdosconvidados,atéqueumdia, quando sopravam o boré, fora observado um grande rebojo no porto. O som desse instrumento, ao que se acreditava, tinha a virtude de atrair as cobras, e com certeza, eramelasquelevavamosdesaparecidos.

Fizeram-se armadilhas e envenenaram-seaságuasdorio,mastudo emvão.

Certo dia, um dos moradores do lugar, por necessidade do momento, ao passar pela faixa que ligava o torrão à mata geral, observou que grande porção da terra ia caindo à água, como se arrancada por força viva. Atento, pode ver, com surpresa e cheio de terror, que uma cobra-grande tentava separar as terras, destruindo o istmo, naturalmente, para poder devorar de uma só vez, toda aquelagente,quealiseencontrava

Imediatamente comunica o ocorrido ao tuxaua e a tribo fica em rebuliço:flechas,pedras,torasdemadeira foram lançadas, na direção apontada pelo índioamedrontado.

61.AVilaAndrade fica localizada na margem direita do Rio Coari Grande. O rio Juma é mais distante, sendo afluente do Itanhauã,queéafluentedoRioCoariGrande.

259 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

A última isca fora Japó, rapaz guapo,hábilcaçador,noivodabelaIací.

Como os que o precederam, ficaranoventredaserpentetraiçoeira.

Desde então, Iací, retirada a um canto da maloca, quase louca de paixão, pela perda do bem amado, não mais tomaraparteativanosfolguedos,quenão seinterrompiam.

À boca da noite, descia à beira do rio a afrontar a voracidade do réptil devorador.

Cantava as suas trovas de saudade e adormecia, sorrindo, com a ideiadesertragadapelacobravoraz,para assimjuntar-seaonoivoquesefora.

Reúne-se, então, o conselho dos anciõesparadeliberar.

Várias e absurdas algumas, foram as sugestões apresentadas, sendo vitoriosa aquela que assentava na pescariadoferozinimigodatribo.Servirse-iam, pois, desse meio, e um dos presentesforaescolhidoparaisca.

Terminados os preparativos, meteram o infeliz em uma panela de grandes dimensões, adrede preparada que, jogada à água, ficara flutuando Dentro, sentado, o índio-isca estava munido de um cacete, preso por forte corda de embiras, a qual vinha de terra, enquantoqueeleestavasolto,consistindo o seu trabalho, em atravessar o cacete no ventre da cobra, uma vez engolida a panela.Orestante,osdeterrafariam…

Horas de ansiedade precederam o momento de operar Por ordem do tuxaua,tocou-seoboré.

Dentro de pouco tempo, a panela, movendo-se, desaparecia na voragemdaságuas.

Estava preso o ofídio, mas a corda retesada, com dois ou três empuxões,partira-se.

Outras panelas e novas vítimas foram lançadas à água em dias adiante, semomínimoresultado.

As vítimas sucediam-se. Rara eraanoiteemquenãodesapareciaumdos festeiros.

Certa vez, reunido o conselho dos anciões, perante o qual não era permitida a presença de mulher, surge, desgrenhadaeabatida,afiguraminúscula de Iací, que suplica: “Pai, eu quero ser a isca da cobra-grande; eu quero ir também na panela, e te prometo que matarei a malvada”.

Voltaram-se todos, admirados, não da coragem da jovem indígena, não do ardente amor dessa intrépida cabocla, masdasuaaudácia,emvirinterromperos trabalhosdetãoaugustaassembleia.

Uma mulher a perturbar o conselho dos anciões! Bradam indignados os presentes e preparam-se já para expulsá-la do recinto, quando Iaci, rojando-se de bruços no chão da sala, chorando a sua grande dor, perde os sentidos.Osjejunsquepassaram,desdea mortedeJapó,tornaram-naenfraquecida.

O tuxaua ergue-se. O seu olhar está faiscante de cólera, e, ao fitar a pequena criatura desmaiada, apenas diz, comosentença:“Elairá”.

D i s s o l v i d a a r e u n i ã o , recomeçam os preparativos para a original pescaria, enquanto as danças, as bebedeirascontinuam.

260 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Osíndiosinternam-senamata,a procura de cipós e de embiras, para a tessitura da nova corda, enquanto Iací vaga, sem norte, pela beira do barranco, a cantar a sua dor. Está de semblante abatido, porém não demonstra mais aquela tristeza dos outros dias. Sentada, a olhar para o rio quieto, destrança os cabelos: Ela pensa que brevemente irá juntar-seaJapó,esorri.

O conselho reúne, novamente, para resolver se Iací será a nova isca ou deve perdoar-lhe. Ela assiste ao julgamento. Discute-se, e afinal, a ré é absolvida, porque os índios Jumas, rendendo culto especial à mulher, não devem, mesmo como punição, expô-la a ser devorada pela cobra-grande. Entretanto, é escolhido um homem para substituí-la.

Desanimada, Iací implora, mas em vão. Então suplica que lhe cortem os cabelos e com eles teçama corda que tem de segurar a panela. Seu coração dará resistência a esses fios negros que são brandos como carauá, porém mais fortes queopau-d’arco!

O conselho ouve em seus debates, pela primeira vez, a voz de uma mulher.

Instantes após, todas as outras, seguindo o exemplo dessa heroica criatura, oferecem as vastas cabeleiras, e acordaétecida,destavez,comoscabelos negrosdasíndiasJumas,solidáriascomo gestodeIací.

Decadaladodaribanceirasoam osborés,chamandoacobra.

A panela, com a isca, flutua ao sabordaságuasligeiramenteondulantes.

Como das outras vezes, o escolhido está dentro dela, tendo à mão o cacete.

Forte rebojo anuncia a aproximaçãodomonstroesfomeado.

Iací espreita e canta a sua loucura.

A panela roda e desaparece.

Homens e mulheres fazem inauditos esforços para colher a corda, porém o animalopõeresistência,tentandoarrastálos. Então Iací, como uma leoa, toma da ponta desse trançado que é parte da sua outrora vasta cabeleira e volteia por detrásdacastanheiramaispróxima.

A árvore vai cedendo, vai-se inclinando para o solo, porém, resiste, e a fera, vencida, é puxada para terra. Apedrejada e furada com o murucú, custa, entretanto, morrer, mas, o veneno sutilcompletaaobra.

A alegria da vitória é imensa. Dançam e saltam em volta do monstro abatido. Satisfeitos, cada qual se apodera de uma tora de carne do animal: fazem o assadoecomem…

Em breve, o festim transformase em alarido de dor. Envenenados, os índios se estorcem, em desespero, e muitosmorrem.

Estelugar,desdeentão,passoua chamar-se BOIÚ-ASSÚ, concluiu o nossoinformante.

—EIací?Indagamos.

— Iací, a louca, trazendo nas mãos emagrecidas um pedaço de carne a sangrar,vemsentar-sejuntoàcastanheira derreada, e, como vingança, com os seus dentes afiados, dilacera o coração da cobra-grande.

N O TA : B o i ú - a s s ú , n a Amazônia, é designativo de cobragrande Também o utilizam, para se referiremaenchentesgrandesdosrios.

Boré Instrumento musical dosíndios(Flautafeitadetaquara).

IacíouYacy—Lua. Maloca—Habitaçãodeíndios.

Murucú — Espécie de lança, de pauvermelho,comumapontaervada.

Chavascal — Lugar, nos rios e lagos, onde afloram vegetais, parecendo, àdistância,nãohaverágua.

261 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Entre os indígenas que habitaram as selváticas regiões do rio Itanhauã, em Coari, destacavam-se, por sua operosidade, os da tribo Tucanos. Eram eles hábeis caçadores e valentes guerreiros, dedicando-se, também, ao trabalhodecultivaraterra.Deboaíndole, jamais tomaram parte ativa nas tropelias contra os desbravadores da floresta virgem, que orlava esse belo e caudaloso rio, cuja tortuosidade lhe dá aspecto interessante. É tão sinuoso o Itanhauã que, ao navegá-lo, ora temos o Sol adiante, ora por de trás, à direita ou à esquerda.

Grandes distâncias, transpostas pelo caminho de suas águas, em dias e mais dias de viagem, são vencidas por terraempoucashoras,tirando-se,comoé de costume dizer em linguagem regional, asvoltasdorio.Éfrequenteouvir-se,bem nitidamente, como se fora próximo, ruídos e estrondos, de madeiras caídas a grandesdistâncias.

Foiàmargemdesseriodeáguas esverdeadas que viram a luz da vida os dois irmãos, Pau-darco e Caripira, criaturas nômades e destemidas. Criaram-se como dois heróis de lenda, tais as suas aptidões para a caça e para a pesca, por isso, sem pouso certo, entretinham-se na exploração da flora e da rede hidrográfica de Coari, do que resultou serem ótimos auxiliares dos aventureiros, primitivos exploradores e ocupantesdaquelasparagens.

De força muscular prodigiosa, era Pau-darco o escudo do irmão, ágil manejadordoarcoedaflechacerteira.

Cada qual tinha a sua especialidade, o seu modo de agir: Paud'arco, após irritar o inimigo da selva, vencia-o a golpes de sua musculatura férrea, raramente servindo-se do seu cacetedamadeiraquelembravaopróprio nome; o irmão gozava em abater a caça à distância, mortalmente ou não, conforme seu desejo no momento. E sempre foram felizesnassuaspelejas,noseiodafloresta inculta.

De uma feita, quando os dois irmãos subindo o rio Itanhauã se separaram, Pau-darco, como de costume,

desafiara uma onça para lutar. Infelizmente, porém, quando o animal dá o salto de investida ele se desequilibra não podendo utilizar-se do cacete.Afera, enraivecida,crava-lhenocrânioosdentes aguçados,dando-lhemorteinstantânea.

Era um animal forte, belo e ágil, oadversáriodomalogradocaçador.

Ao grito, único que soltara este, acode o irmão que, após cortar a grande volta do rio, dentro de poucos minutos, presenciava o banquete da fera, a refestelar-se nas carnes sangrentas e ainda quentes de Pau-darco, seu irmão e companheiro.

Retesado o arco, a flecha parte e enfia-se nas entranhas da onça que baqueia junto ao corpo daquele que acabaradematar.

Louco de dor, Caripira sangra o inimigo abatido e tira-lhe o coração, que devora. Depois, parte sem rumo, a soltar aos quatro ventos o seu grito de guerra. Desde então, ele não para, na caçada as onçasatéqueestesrareiam.

Sua história torna-se conhecida da tribo, que o lamenta. Não encontrando ele mais com quem lutar na mata virgem, passa o tempo a flechar os incautos habitantes das águas do rio Itanhauã. Lança a sua flecha para o alto, para vê-la descer,apósterdescritograciosacurvano areircravar-senocascodatartaruga,que boiara,confiante,paratomarrespiração.

Passam-se luas e mais luas, e, afinal,atristezalevaodesoladocaçadora entregar sua alma a Tupã, seu Pai, seu Criador.

Revoluteando e adejando sobre a sepultura de Caripira, aparecera aos olhos dos supersticiosos Tucanos, um gavião de boas proporções, o qual, por vezes se elevava nos ares e das alturas precipitava-se às águas do Itanhauã, trazendo ao emergir, preso às suas possantes garras, algum peixe descuidoso.

Então, como homenagem ao valente que se fora, deram os Tucanos ao gavião-pescador, cinzento-pedrês, até esse momento conhecido pelo apelido de “Rabo trocado”, o nome do heroico “Caripira”.

262 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Minhas Memórias do Festival Folclórico Coariense (1976–1993)

do futuro, que eu sabia que eu estava fascinado por ver aquela linda apresentação.

Em1987,euestavacom14anos ejuntocomoscolegasdeaula,assistimos todas as noites ao Festival Folclórico de Coari. Agora o palco era outro, a quadra de esporte São José da escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que era simplesmente conhecida por “Quadra do Colégio”.

As primeiras manifestações dos folguedos folclóricos coarienses aconteceram durante toda a primeira metade do século XX. Durante esse período, ocorriam nos terreiros da frente das casas, apresentações do bumba-meuboi do cearense França, o boi Prata-fina do seo Ioiô, e as pastorinhas. Contudo, o primeiro Festival Folclórico de Coari só foi organizado em 1972, pelos representantes de classe da Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, sendo um sucesso e com participação de outras escolas,pastorais,grupodejovensetc.

Quando eu era criança, com 4 anos, tenho lembrança do primeiro festival que eu assisti. O local onde tudo acontecia, era a praça São Sebastião, quase em frente de nossa casa. Era um tabladoalto,construídoemmadeira,onde sedançavatodasasbrincadeiras.

Eu fui assistir ao festival com a moça que cuidava de mim. Ela adorava veracontecimentosdacidadeemelevava para todos os lugares movimentados. Recordo a primeira cena que ficou em minhamente,aapresentaçãodaTribodos “Ajurimáuas”. Lembro até hoje daquela cena pujante. Foi muito curioso ver um grupo de jovens fantasiados com trajes indígenas com muitas penas de pássaros. Eles dançavam de maneira coreografada, batendo um bastão nas tábuas do tablado, aosomdeapitosegritosindígenas.

Não lembro de sentir medo, apenas muita curiosidade e fascínio por ver pela primeira vez a manifestação de nossaculturacoarienseeacreditoquenão tinha noção do que estava acontecendo. Sóépossívelperceberapartirdesseolhar

Eu esperava até mais tarde para ver as apresentações do boi-bumbá Corre Campo e do estreante boi-bumbá Garantido. O Corre Campo foi fundado em1986eoGarantidoem1987.

O boi-bumbá Corre Campo usava as cores vermelha e branca, e o boi era preto. Ele possuía uma apresentação muito tradicional com uma vaquejada bem aguerrida, ritual de matança e ressuscitação do boi, personagens tradicionais do folguedo como Pai Francisco,CatirinaeCazumbá.

O boi-bumbá Garantido em Coarieraumfolguedoqueusavaascores azul e branco, o boi era branco.Agrande novidade do ano de 1987 foi as toadas vindasdeParintins,muitoritmadasecom letrasqueficavamemnossamente.

♫♫MasqueméGarantido, levantaobraço! Eusou!Eusou! ÉoBoidoPovãoecantacomigo Oh,oh,oh!Evaisercampeão!♫♫

♫♪Ohlêlêohlêlêohlálá Édeboi,édeboi-bumbá Ohlêlêohlêlêohlálá Comoéonomedoteuboibumbá “Garantido”Olêlêlêohlálá♪♫

263 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

No final, o “Balé Indígena” teve maispontosdoqueosdoisbois-bumbáse que as demais danças, sagrando-se o campeão daquele inesquecível festival folclóricode1987.

No ano de 1988, o festival de Coari teve um tema muito peculiar, pois foi o centenário da libertação dos escravizados no Brasil. O Colégio (ENSPS) trouxe para a quadra São José a Dança Afro-brasileira sob a produção e coordenação do professor Antônio Mariano. Naquele momento, aconteceu uma grande celebração da cultura afrobrasileiraemterrascoarienses.

Era de certa forma, um bom uso das toadas de Parintins, às vezes onde estava escrito vermelho, eles trocavam porazul,devidosàscoresdoGarantidode Coari.

Nesse festival folclórico de 1987, ainda não havia disputas por categorias, todos os folguedos disputavam entre si. Concorriam boibumbá com lendas, danças, quadrilhas, etc. E quem tivesse o maior número de pontos,seriadeclaradoocampeão.

N e s s e a n o h o u v e u m a apresentação que ficou marcada na história de nossa cidade, a inesquecível dança da escolha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro: Balé Indígena Foi umaintensamovimentaçãoecomposição coreográfica, uma música contagiante, sincronismo nunca percebido em nossas danças,eprincipalmente,adançaclássica sendo executada por indígenas em um ritual maravilhoso.

Fiquei boquiaberto c o m a q u e l a apresentação. Quem assistiu ao “Balé Indígena” p r o d u z i d o e coreografado por Nivaldo Moura guarda até hoje aquele espetáculo clássico executado no meio da selva amazônica.

A grande Senzala com uma placaescrita“Homeless”(sem-teto)eraa principal alegoria daquele folguedo folclórico, era o local onde os personagens saíam para suas apresentações. Tenho a lembrança que o ápice da festa foi as encenações do AugustoCésarPica-pau,suairmãMariae do professor Mariano representando as incorporações de entidades das religiões Afro-americanas (Candomblé e Umbanda).

Os homens entravam em fila indiana fazendo coreografias ritmadas que traziam a representação da cultura africana através de movimentos tradicionais ao som de músicas como “Madagascar Olodum” da banda Reflexus:

♫♪EvivaPelôPelourinho Patrimôniodahumanidadeah Pelourinho,Pelourinho Palcodavidaenegrasverdades Eprotestos,manifestações FazoOlodumcontraoApartheid JuntamentecomMadagáscar Evocandoigualdadee liberdadeareinar♪♫

A indumentária do cordão para os homens era calças brancas, faixa vermelhanopeito,fitanacabeça,umafita larga na cintura, uma ráfia (fibra têxtil de palmeiras) vermelha nas mãos e um escudo com fundo preto, desenhos afros embranco.

264 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

As mulheres nos deixaram uma forte lembrança de uma entrada emocionante e inesquecível. Usavam um vestido branco com detalhes na barra, mangascomdetalhesemvermelhoeráfia em vermelho. No cabelo elas usavam turbantes que expressavam a realeza da mulher africana Contudo, o mais marcante, foi a entrada com a coreografia cadenciada ao som da música “Eu Só Peço a Deus” de Beth Carvalho e MercedesSosa: ♫EusópeçoaDeus Queadornãomesejaindiferente Queamortenãomeencontreumdia Solitário,semterfeitooqueeuqueria♫

No momento final, entraram três meninos pintados de óleo queimado, segurandoumacaravelaemminiaturanas mãos, ao som da música “Zumbi” do GrupoAgreste.

♫Nosacolejodonavioquechegueiaqui Meiovivomeiomortofoiqueeusenti Omeucorpolájogadonapedradoporto Meiovivomeiomortomaisnãodesisti♫

Agora,podemosnostransportar para o ano de 1989. Nesse momento, eu tinha 16 anos e as lembranças são mais vívidaseospersonagensmuitoligadosao meuconvívioescolar.

Uma dança regional que ficou muito marcada nesse festival de 1989 foi “O Lampião” da escola João Vieira. Havia uma característica muito forte naquela dança. Aconteciam combates faiscantes de terçados, tiros de espingardas, músicas puramente sertanejas.

Uma lembrança forte de 1989, foi a apresentação da lenda do Sol e da Lua da escola João Vieira. O texto tipicamente amazônico da lenda que procura explicar os fenômenos naturais através do imaginário indígena, repassado oralmente de geração em geração, foi usado através da dança e do teatro para que o público pudesse entender o enredo do folguedo. A professora Dalva representou a Lua e o professor Wilson Cavalcante interpretou opersonagemSol.

Uma típica história de Romeu e JulietaouaindafeitiçodeÁquila.Pois,no enredo eles são um casal indígena que vivenciaram uma história de amor, que era contra a tradição do Tupi-guarani. Eles foram punidos, transformados em astrosestelares,esóseencontrariamduas vezes durante o dia, no pôr-do-sol e na alvorada. No final a professora Dalva entrava com uma fantasia de lua no lado esquerdo da quadra e o professor Wilson entrava com uma fantasia redonda, com luzesfortesrepresentandoosol.

Voltaremos a relembrar os boisbumbás coarienses com algumas novidades. O Garantido mergulha cada vezmaisnaculturadeParintins,contudo, com as fantasias e capacetes mais elaborados e com acabamento profissional. O Corre-campo começa a importar alguns trajes típicos e de luxo. Contudo, o grande ápice foi a assessoria do artista plástico parintinense Jair Mendes. Pela primeira vez, os dois bois na evolução tiveram um acabamento modernoecommovimentosilimitados.

Neste ano, uma alegoria muito comentada, foi a cachoeira do boi Corre Campo. Ela tinha movimento de águas que se movimentavam, os peixes pulavamcomosefosseumapiracema.As pedras foram feitas com maestria, parecendo reais. Dentro da cachoeira, a jovem Cleidilene estava fantasiada de sereia, com seus longos cabelos negros, uma cauda de sereia bem elaborada, e sentadaemumapedranofundodaságuas olhando seu espelho. Uma cena inesquecível e um alumbramento na mente dos coarienses que ficaram comentando por semanas aquela apresentação.

265 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

A Miss Coari 1988, Silvana Soares, foi a miss do Boi-bumbá Corre Campo fazendo sua apresentação com traje de miss e faixa. Esse item do Boibumbá mais tarde se tornaria a Cunhãporanga.

O Garantido também trouxe o seuexércitodemulheresbonitas:

• Gerlane Farias, a Miss do Boi Garantido.Elatinha15anosefezuma excelente apresentação. No ano seguinte, 1989, ela viria a ser a 1ª RainhadaFestadaBanana.

• Mara Alfrânia, só de entrar na quadra já chamou a atenção de todos com seu traje branco e transparente denominado “deusa da Beleza”. Dois anos se passariam e Mara seria Miss Coari1990eMissAmazonas1991.

• Cleomara Araújo, foi com um traje denominado “deusa do Amor”. Em 1992elasetornouMissAmazonasem concursorealizadoemItacoatiara.

Um momento que ficou marcadonaapresentaçãodogarantidofoi a homenagem a Chico Mendes. Chico foi líder no embate contra o desmatamento e por reivindicar melhores condições de trabalho para os seringueiros em Xapuri, no Acre Foi assassinado em 22 de dezembro de 1988, praticamente 6 meses antesdaquelefestivalemCoari.Omundo ficava sensível às causas ecológicas. E na quadra São José se ouvia a música ArgumentodeAdelsonSantos:

♫Em questões de Solimões fundamental É saber que o negro não se mistura com amarelo É saber que o negro não se mistura com amarelo Não mate a mata Não mate a mata A virgem verde bem que merece consideração mais A virgem verde bem que merece consideração. ♫

O grande organizador e idealizador do Boi-bumbá Corre Campo foi professor Edvaldo de Souza, conhecido por todos como Catola, que na apresentação era o “Amo do Boi”. Lembroquenessemesmoano,fuiassistir uma apresentação na quadra da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em ChagasAguiareaconteceuoritualdotira alíngua,queaconteciaassim:

O Pai Francisco acabava de dar o tiro de morte no boi. O povo cantava animado:

♫♫Chicotiraalíngua Chicotiraalíngua Chicotiraalíngua Sequertirar….♫♫

EoPaiFranciscorespondia:

♫♫Afacaestácega, Afacaestácega, Afacaestácega Nãoquercortar…♫♫

266 Nunca
Archipo Góes
Mais Coari
Rainha da Batucada do Boi Estrelinha

Literatura Coariense

Na sequência acontecia a repartição do boi. Houve um tempo em que as apresentações dos bois-bumbás foram restringidas ou proibidas. A repartiçãoeraumaformadecriarumbom relacionamento com a comunidade. No período da ditadura militar, em Manaus, os bois ofertavam as partes do boi aos poderes constituídos, para não correr o riscodacensura.

Durante a repartição acontecia versosassim: ♫Oh lé lê oh lá lá – Olha o boi que te dar Oh lé lê oh lá lá – Olha o boi que te dar Eu pego no rabo e dou para o delegado. Eu pego no coração e Dou para o Dr João Eu pego no peito e Dou para o Prefeito ♫

Na parte final do auto do boi, acontecia a ressuscitação do boi-bumbá pelo pajé da tribo. O professor Wilson Cavalcante comandou o ritual, dançando e repetindo as palavras em tupi-guarani “Araxo (aratxó) Caramuru” como um mantra.

♫♫AraxóAraxó

AraxóCaramuru

AraxóAraxó

AraxóCaramuru♫♫

Araxó significa poderoso e Caramuru, filho do trovão. O mantra foi repetido em um ritual de pajelança, em que foi invocando o “Poderoso Filho do Trovão” fazendo o boi-bumbá Corre Campovoltaravida.

No outro dia, na nossa sala de aula do 2º Magistério, repetíamos com alegria o mantra durante todos os intervalos das aulas. Georgeth Míglio, a minha estimada amiga, que fez eu gostar depoesia,comentouatualmentenasredes sociais:

“Ocorrecampoeraoverdadeiro boi coariense! O Pajé Wilsão Cavalcante arrasava na pajelança! Aratxó caramuru…”

Agora vamos para a parte final deste texto sobre as minhas memórias do festival folclórico de Coari. No ano de 1993, o prefeito era o Dr. Odair Carlos Geraldo.MeuamigoOsneyOliveiraerao chefe do Departamento de Cultura e eu estava na coordenação organizadora do Festival. Então, eu participei mais ativamente de cada parte desta festa junina.

Foi um festival muito rico culturalmente. O cenário mudou para a quadradaescolaDomMário,umaquadra grande, com medidas oficiais Foi construído, pela primeira vez, alguns camarotes para que as pessoas pudessem assistir com um pouco mais de conforto. Eu ficava na mesa da coordenação ajudando em tudo, desde o cronômetro, até o julgamento de recursos e impugnações.

O Garantido começou com entradas individuais do apresentador AntônioPauloSantos(PaulinhoMarçal), César do Cavaco e José Willacy. Foi apresentadootemaeoenredo:“Histórias de Boi-bumbá”. Em seguida, houve a entrada a marujada do Boi-bumbá Garantido que teve uma apresentação com cadência e precisão. A rainha de bateria foi a jovem coariense Yomara Lira. Ela era uma modelo muito badalada em nossa cidade, estava com um corpo escultural e dançando muito bem. Foi umaexcelenteescolhaparaaabertura.

OenredocomeçoupelaGréciae tem como primeiro item, uma comissão de frente composta por um grupo de adolescentes vestidas de azul e branco, mais o núcleo principal integrado pelas 7 moças atenienses, que seriam entregues em sacrifício ao personagem mitológico Minotauro, em seu labirinto. Lembro de duas amigas que participaram, Manoela DantaseNalraMirlene.

267 Nunca Mais Coari Archipo Góes

Literatura Coariense

Tenho algumas lembranças que vem sempre na mente, de como cada amigo se comportava durante a sua apresentação. Como amiga Ruth Queiroz que representava com muita beleza a Miss do Boi Garantido, e mais tarde, em 1996 foi a vencedora do concurso Miss Coari mais concorrido da história dos concursos coarienses.Aalegria da colega de aula Perpétua que dançava como porta-estandarte expressando um sorriso cativante deixando todos felizes ao vê-la bailando.

No segundo momento, houve a apresentação do boi Prata Fina demonstrando como começou a manifestação dessas brincadeiras juninas em Coari antes dos festivais. A filha do seo Ioiô, dona Rosa Esmeralda, cantou algumastoadasdoPrata-Fina.

Algumas amigas foram destaques no Garantido. Nara Bastos entrou com um capacete muito lindo representando o sol. Lembro de passar por diversas vezes na frente de sua casa e um grupo de artistas trabalhavam na construção daquela indumentária. Ana Célia Oliveira entrou com um capacete grande e ela estava muito feliz, pois amavamuitoparticipardaquelefestival.

Ana Creuza Fernandes realizou uma apresentação maravilhosa com seu traje de “Deusa da Beleza”. Era um traje branco e transparente e foi uma excelente combinação de fantasia e modelo. Em 1992, Ana Creuza fez uma apresentação primorosa, sendo destaque no concurso deMissCoari.

A apresentação do Boi-bumbá Garantidoem1993foimarcantedevidoà pesquisa bibliográfica do José Wyllace, que investigou sobre a história do Boibumbáatéecrioubaseparaacomposição de suas toadas. Uma vez, vi ele pesquisando com nossa professora, Irmã Marília Menezes, que era filha do poeta e folclorista Bruno Menezes. Pela primeira vezoBoi-bumbáGarantidotrouxetoadas inéditas, destacando a toada Jurupari, onde a sua mitologia é muito presente na

região de Coari Com as toadas esplêndidas e inéditas, sem cópias ou plágios, aconteceu uma grande evolução do Boi Garantido no Festival de 1993. Pela primeira vez, aconteceu o ritual de matançadoboieasuaressuscitação.

O Boi-bumbá Corre Campo apresentou o tema e o enredo “Cultura Indígenas”. Nesse ano de 1993, o boi de Chagas Aguiar modificou a maneira de contar seu enredo, visto que houve uma modernização em quase todos os itens apresentados.Oprimeiroitemquelogose notou a diferença foi um pajé de ofício, que além de ser um excelente bailarino, eleeraumestudiosodaculturadospajés.

A batucada do Corre Campo possuíamuitosinstrumentistasemarcava com potência, ritmo forte, deixando um compasso mais acelerado. E assim, deixou mais intenso a apresentação do folguedo no Festival daquele ano. As figuras engraçadas e tradicionais do boibumbá Pai Francisco, Catirina e Cazumbá continuam sempre presentes durante toda a apresentação, trazendo umadosedehumorparaosespectadores.

268 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Batucada do Corre Campo

Literatura Coariense

Lembro em especial de alguns itens: Maria José e seu lindo traje com costeira amarelo e preto. Minha Aluna, Patrícia Alves e seu capacete em homenagem à lua foi uma grata surpresa. Ela, naquela noite, parecia outra pessoa, deixando de lado a timidez e mostrando a alegria de dançar boi-bumbá. A professora Naraci Bastos, trouxe de Codajás as três finalistas do concurso Rainha do Açaí que fizeram uma demonstração de seus trajes típicos confeccionados da palha desidratada da palmeira do açaí. E finalizando, Eros Alfaia que entrou com seu capacete vermelho e branco fazendo uma coreografia indígena com vários passos tradicionaisemuitoefeitodefumaça.

Para a surpresa de todos, entrou na quadra uma figura típica amazônica, a imensa alegoria da Cobra-grande que percorreu toda a quadra, circulando entre os brincantes. A lenda da cobra-grande estámuitoassociadaàquedadeterrasnas margens do rio Solimões, pois o ribeirinho não tendo como explicar o fenômeno natural, atribui ao mito e seus personagens lendários a explicação através do movimento das cobras em baixodaterra.

Na sequência começou a apresentação dos principais itens do boi Corre Campo, as tribos indígenas e a Cunhã-poranga.Astribosforamogrande investimento do folguedo no festival daquele ano e foi onde mais existiu retorno. Foi uma grande quantidade de tribos terceirizadas do Boi Garanhão de Manaus, e 100 componentes divididos em 3 tribos, todos eram moradores do bairro Chagas Aguiar e suas indumentárias confeccionadas em Coari. A quantidade de tribos e a qualidade de suas coreografias e trajes fizeram a base para a grande evolução do Corre Campo naquelefestival.

Na apresentação final, antes do ritual, entrou uma alegoria com a escultura de uma onça, o pajé e a Cunhãporanga montada na onça. Foi o ápice da festa. A Cunhã-poranga fez uma apresentaçãoqueficoumarcadaemtodaa história dos festivais, pois a sua alegria

em dançar era muito cativante. Era dona de um corpo que poderia ombrear com qualquer Cunhã-poranga parintinense daquela época Ao som da toada do Arlindo Jr. composta especialmente para oCorreCampo,arainhadabelezadeixou um espetáculo de presente para a minha memória, que mesmo depois de 29 anos, nãoesqueci.

♫♫ Boi Corre Campo Uma explosão de amor Seu uru forte Faz a galera vibrar Campeão da terra… Do meu boi-bumbá Boi Corre Campo Para sempre eu vou te amar ♫♫

Nessemomento,estoupassando entre os brincantes, tirando dúvidas quanto ao tempo da apresentação para os dirigentes, quando sou puxado pelo braço, surpreso olho para ver quem seria…veioalindaimagemdaRainhado Açaí. Ela sorriu, me falou algumas coisas no ouvido. E após a apresentação do Corre Campo, saímos para apresentar a cidadeanossavisitante.

De repente, o leitor pode estar pensando — Poxa! Faltou aquela dança, as quadrilhas, os bois mirins etc… mas essas são as minhas memórias particulares, foi a forma como fui impactado pela nossa cultura no festival folclórico. Fica o desafio. Faça um texto narrando as suas memórias e como você foi impactado pela cultura coariense, que com muita felicidade publicarei no nosso site.

Tenho ainda duas cenas fortes do dia seguinte, dia da apuração. Uma ao passar na frente da escola João Vieira e o b s e r v a r a s p e s s o a s f e l i z e s comemorando. E a segunda, ao passar na frente da prefeitura e ver alguns brincantesdoBoiGarantidoqueimandoo Boi Prata Fina em protesto por perderem o primeiro festival. E depois disso, não tivemos mais um festival dos bois coarienses. Foi uma parte importante da nossa cultura, que agora se encontra apenas em nossas memórias. Foi um tempoqueoventolevou.

269 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Archipo
Góes

Literatura Coariense

Na década de 80 foi comum no Brasil algumas cidades criarem festivais em comemoração à grande produção do seu principal produto agrícola. Essas festas eram incentivadas nacionalmente pelo programa dominical Globo Rural. No Amazonas, o governador era Amazonino Mendes, que através da agência Emamtur (EmpresaAmazonense de Turismo), estimulou a criação de vários festivais nas cidades da hinterlândiaamazonense.

A Festa do Guaraná foi a precursora no Amazonas. Começou na década de 60 e permanece sendo realizada todos os anos na cidade de Maués. Depois tivemos a Festa do Açaí emCodajás,aFestadoLeiteemAutazes, a Festa do Tucunaré em Nhamundá, a Festa da Castanha em Tefé, Festival do PeixeOrnamentaldeBarcelos,aFestado Cupuaçu em Presidente Figueiredo, a FestadaLaranjaemAnoriemuitasoutras espalhadasportodooAmazonas.

Tenho em minhas lembranças o anode1989,Coarieraumacidadepacata, tranquila, ordeira e passava por grandes transformações em sua estrutura. O prefeito era EvandroAquino, um técnico agrícola de formação e funcionário do IDAM. Em seu primeiro ano de mandato foicriadaalendáriaFestadaBanana,que seria realizada todos os anos, na primeira quinzenadedezembro.

Eu, ao realizar uma pesquisa intensa nos jornais do Amazonas, constatei que desde a década de 60, Coari já vinha sendo noticiada como detentora da maior produção de banana no estado do Amazonas, chegando ao grande ápice no final da década de 70 e por todos os anos 80. Em 1988, Coari enviou mais de um milhão de cachos de banana para a capitaldoestado.

Evandro Aquino criou uma

comissão organizadora composta de membros do Departamento de Cultura e do IDAM. No planejamento foi criado prêmios para o agricultor com maior produção de banana, premiação para o maior cacho de banana, premiação para o agricultor com maior variedade de banana (Prata, Maçã, Pacovan, Nanica, PontaFina,InajáouOuro,etc.),concurso de comida típica onde o principal ingrediente seria a banana, concurso de calouro, concurso de dança, e a atração mais esperada da noite, a eleição da RainhadaBanana.

O concurso de Rainha da Banana tinha sua essencial característica em ser um concurso de beleza em que o traje típico era muito importante na nota final de cada candidata. Não era só a beleza plástica, mas todo um conjunto da apresentação.Nacomissãoorganizadora, faço um destaque para a Professora Simonete Dantas que era a organizadora de todos os desfiles oficiais promovidos pela prefeitura de Coari e ao artista plástico Izocrates Brandão (Dó) que era responsável pela construção dos lendários palcos do aniversário da cidade edaFestadaBanana.

AFesta da Banana foi realizada na recém-criada Feira do Produtor Rural, no aterro em cima do igarapé de São Pedro A Feira do Produtor Rural começou no início da década de 80, em plena rua da praça São Sebastião, depois houveumamudançaparaoiníciodarua5 de Setembro, passando pela frente do sobradinho dos Dantas e continuando até o Instituto Bereano de Coari na rua Rui Barbosa. Como era uma feira que acontecia na rua, não havia organização, higiene e segurança, proteção das chuvas etc., era preciso de um local que viesse a atenderosanseiosdosprodutoresruraise festejar a grande produção de banana do município.

270 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Minhas Memórias da Festa da Banana – 1989 a 1991 Archipo Góes

Literatura Coariense

Candidatas a Rainha da 1ª Festa da Banana

Nodia23denovembrode1999, aconteceu uma das primeiras ações da comissão organizadora, a realização de uma viagem a capital, com o prefeito EvandroAquino, as Candidatas a Rainha da Banana, para convidar o Governador Amazonino Mendes e solicitar apoio da Emamtur, a agência de turismo do estado do Amazonas, para patrocínio das atraçõesregionais.

Ascandidatasselecionadaspara concorrer ao título de Rainha da Banana foram: Fernanda Alves, que já mostrava muitas técnicas nos desfiles de moda em Coari; Simoni Medeiros, candidata que nasceuemMauésemoravacomafamília dotioArnaldoAlves(Sevla);EloizaReis, irmã da icônica goleira de handebol, Karatê; Arione Boaes, a única candidata que ainda reside em Coari; e finalmente, Gerlane Farias, que já era 1ª Princesa do Miss Coari 1988 e Miss do Boi-bumbá ReiGarantidoem1989.

— Ninguém vai conseguir me separar do meu amigo Gilberto Mestrinho.

A1ª Festa da Banana aconteceu no dia 9 de dezembro de 1989 e foi palco da reaproximação e apaziguamento entre o governadorAmazonino Mendes e o exgovernador Gilberto Mestrinho que durante a solenidade de abertura da festa estavam lado a lado no palanque fazendo seus discursos sobre a volta da eleição para presidente da república de 1989 e a disputaentreLulaeCollor.

A sensação de estar naquele

novo local de eventos em Coari era inexprimível. Uma pequena passada no Bar’nanas do Gamal e da Irley para acabar a sede era um costume de todos os amigos. Um amontoado de pessoas assistindo aos espetáculos dos cantores e bandas que foram contratados pela prefeituradeCoariepelaEmamtur.

Nessa época a nossa turma costumava ouvir A-ha, Pet Shop Boys, Pink Floyd, Madonna, Guns N’ Roses, Freddie Mercury, Scorpions, RPM, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Cazuza e as músicas traduzidas do F. Cavalcanti no seu programa For Make Love, que gravamos em fita K7 no microsystems, às rádios FM de Manaus no último andar do Coari Palace Hotel. Por outro lado, na festa da Banana tivemos acesso a ritmos bem nacionais e populares.

DurantetodaaFestaaconteciam apresentações de atrações regionais e nacionais no palco principal do evento.A Banda Embaixadores de Manaus, trouxe uma apresentação dos principais hits de 1989: lambadas, forró, axé music e pagode. Em seguida, aconteceu uma apresentação da dupla sertaneja cover Havaí e Rouxinol que cantaram músicas de Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó. E para finalizar a festa, houve a apresentação de Genival Lacerda, que cantou seus sucessos: “Radinho de Pilha”, cheia de duplos sentidos; “SeverinaXiqueXique”,“Eletádeolhoé na boutique dela…”; por fim, “Mate o Véio,Mate”.

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Literatura Coariense

A atração nacional, que encerrou a parte musical da noite, ficou por conta do Rei da Lambada, Betto Douglas,quecontagiouaplateiacomseu repertório do ritmo mais quente do início dos anos 90, a lambada. Ele cantou seus sucessos como: Lambada do Galo Gago, Cúmbia Brasileira, Merengue da Moreninha, Merengue Lambada, Sinto AmoremteuOlhar.

O concurso Rainha da Festa da Banana foi muito concorrido e movimentado.As 5 candidatas dividiram acidadeeatorcidadecadaumaeramuito efusiva e calorosa. As melhores apresentações na passarela, contando simpatia, beleza plástica e elegância, foram de Fernanda Alves e Gerlane Farias.

O fechamento e a principal atração da 1ª Festa da Banana foi o glamouroso concurso que escolheu a 1ª Rainha da Festa da Banana. E a eleita foi uma jovem morena de 15 anos, Gerlane

ASegunda Festa da Banana

A 2ª Festa da Banana foi um marco na história das festas regionais. Agora seriam 02 dias de festa, as candidatasdesfilariam com trajes típicos relacionados ao cultivo da banana, aumentou a quantidade de concursos ligados a produção da banana. Foi uma festa em que a população já entendia o enredodosacontecimentos.

A Festa da Banana teve como objetivo incentivar os produtores e agricultores a investirem cada vez mais em seus empreendimentos visando o aumento da oferta de seus produtos à população coariense e consequentemente amelhoriadesuasreceitas.

O evento foi uma forma de resgatar as manifestações da cultura coariense, através das atividades artísticas desenvolvidas no município. Além de incrementar o mercado através dos produtores de banana, gerando com isso divisa para o município. Por fim, foi uma forma de democratizar o acesso ao lazer, considerando como direito da população, fator de desenvolvimento humanoepromoçãodaqualidadedevida docoariense.

272 Nunca Mais Coari Archipo Góes
Farias. Hoje nossa primeira rainha reside na cidade de Governador Valadares, no interiordeMinasGerais. EvandroAquino e 3 Candidatas à Rainha da Festa da Banana Gerlane e Eu - Valadares-MG em 2016

Literatura Coariense

Exposição da Maior Produção de Banana

Coari, nessa época, era o maior produtor de bananas do estado do Amazonas, com uma produção de 1 milhãoe200milcachosanuais.Mas,não era só uma festa para a área cultural e agrícola, pois foram inauguradas várias obras naquele ano. Sendo a principal, a reinauguraçãodoestádioCarecão,antigo estádio Alexandre Montoril, que a partir daquele ano passou a se chamar “José Rosquildes” em homenagem a filho do ex-prefeito Roberval Rodrigues, que era atleta de futebol e faleceu com 19 anos, vítima de afogamento, voltando de uma excursãodesportivadeoutracidade.

A programação da 2° Festa da Banana foi bastante variada Houve apresentações de cantores nacionais, regionais e locais, show de calouros, carreata, passeio turístico de barco pelas praias principais do município, concurso da maior produção de banana, o maior cacho de banana, o grandiosíssimo concurso para a escolha da Rainha da 2ª FestadaBananaeatradicionalcorridada banana.

Na área da festa, feira do produtor rural, foram dispostas 15 barracas vendendo produtos típicos da banana, como: a torta de banana, a pizza com a cobertura de banana, a salada de banana, a farofa da casca da fruta entre outros. “Antes, a casca era jogada fora. Hoje, ela também é aproveitada.”, afirmou o chefe da Emater-AM de Coari, LuizRebelo.NostanddaEmater,alémde vender comidas típicas, mostrava o que era possível produzir da banana, como,

por exemplo: vinagre, licores, mel, cocada,etc.

Nesse ano de 1991, houve uma maior participação da Emamtur, que ofereceu os prêmios para os vencedores dos concursos, contratou atrações para se apresentarem na festa, além de darem todo o apoio necessário para a realização doevento.

Durante a festa foi realizado um concurso de calouro, em que o vencedor foi o jovem Jean Walmor com a música “Era um garoto como eu que amava os BeatleseosRollingStones”.

A programação da 2ª Festa da Banana aconteceu com a presença de cantores e bandas locais e regionais. Foram atrações como o cantor coariense Piska que cantou sua muito conhecida composição Estrela Distante; a Banda Playpop que trouxe um pouco das músicas mais tocadas em todo o país; Netinho do Solimões; Edney e Billy Marcelo; Sandrinha, a pepita dos garimpeiros, que fez um show com músicas sensuais e um show com muita interação e participação do público presente;eparaencerraranoite,Pinduca, oReidoCarimbó,quetrouxediretamente de Belém do Pará seu repertório muito conhecidonaregiãodoMédioSolimões.

O momento principal da programação do evento foi o concurso de Rainha da 2ª Festa da Banana. Na abertura,houveaapresentaçãodaRainha da 1ª Festa da Banana, Gerlane Farias, que encantou todo o público ao fazer seu desfilededespedida.

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O concurso Rainha da II Festa da Banana foi narrado no jornal Folha de Coaridessaforma:

“Aprimeira a pisar na passarela foiAna Creuza, com um vestido todo em verde, destacando-se o desenho da banana em amarelo. Ana Creuza fez um belo desfile. A segunda foi Elane Souza; com um lindo sorriso no rosto, ela apresentou-se como sendo a própria fruta e trazia sobre a cabeça uma palma de banana. Seu desfile também foi muito bom. Em seguida, a loiríssima Cleomara Costa emocionou a plateia, derramando muito charme e simpatia. Cleomara desfilou com a fantasia denominada “ChiquitaBanana”.

♫♫ Chiquita Bacana lá da Martinica

Se veste com uma casca de banana nanica ♫♫

“Foi uma alusão a marchinha de carnaval ‘Chiquita Bacana’ cantada por Emilinha Borba e composta por Braguinha, com referência e inspiração ao existencialismo francês, no carnaval de1949.”Grifomeu.

“No concurso de Rainha da 2ª Festa da Banana foi marcado por uma disputa muito intensa entre Cleomara AraújoeAstridSilva.Cleomaraestavana melhorfasedesuavidaparaconcursosde beleza,graciosidade,charme,umabeleza plástica indescritível, elegância na passarela usando técnicas modernas, contudo, seu traje típico com elementos de contemporaneidade e alguns brilhos não eram condizentes com as festas regionaisdaquelaépocanoAmazonas”.

“Astrid Silva, foi assessorada

porSocorroBarreto,queeraamentorada Miss MaraAlfrânia e uma artista plástica muitoatualizadaecontextualizadadoque acontecia nos demais festivais regionais. Socorro elaborou uma indumentária brancacommuitatransparência,trazendo umasensualidadeleveeumasaiacheiade produtos relacionados ao cultivo da banana Aquele vestido até hoje é lembrado pelos amantes de concursos de beleza pelo seu bom gosto e originalidade”.

A3ª Festa da Banana

Os preparativos começaram comumavisitadacomissãoorganizadora da Festa da Banana ao o governador em exercido, Francisco Garcia, sendo recebida no Palácio Rio Negro. A comissão,chefiadapeloprefeitoEvandro Aquino, os membros do departamento de cultura, e as candidatas à rainha do evento.Oobjetivofoilevarpessoalmente o convite para o governador participar da festa, conseguir patrocínios e infraestrutura.

Francisco Garcia enfatizou o sucesso da festa nos anos anteriores e a importânciacomoincentivoeconômicoe turístico para o município. A dificuldade de financiamento, também, foi tema da conversa do governador com o prefeito, face à situação econômica do País. Evandro disse que a produção de banana representa dinheiro em circulação, com uma média de 3 milhões de caixa anual, exportadaparaacapitaledemaiscidades, com a produção totalmente natural, sem nenhumrecursoindustrial.

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Coariense

A Festa da Banana, que surgiu da necessidade de incentivar e homenagear o produtor rural, recebia a cadaanomaisturistasefoiconsiderada,a segunda maior festa do estado do Amazonas. Para a 3ª Festa da Banana, fazia-se uma estimativa de um público de 5milpessoasdosdemaismunicípioseda capital. Segundo Evandro Aquino, já existia na época, uma preocupação em todos os setores do turismo, desde hotel, alimentação,àinformaçãosobreocólera, devido à grande divulgação de casos no municípionoiníciodadécadade1990.

O governador agradeceu o convite e desejou sucesso à comissão organizadora e lembrou às rainhas o espírito de competição, que segundo ele, é o da participação no evento como processo de desenvolvimento para o município.

AFesta:

A3ª Festa da Banana aconteceu nos dias 6 e 7 de dezembro de 1991. Foi um evento muito concorrido e mais uma vezemocionouopúblicopresente.Aárea da Feira do Produtor Rural foi pequena para comportar uma multidão, calculada pelos organizadores, em torno de cinco mil pessoas. Os cantores Nino Gato, NetinhoSolimõesePerla,alémdaBanda Impacto, animaram os dois dias de festa. As barracas típicas também se traduziam ematração,vendendocomidasfeitascom banana.

Durante o dia aconteceram atividadesdesportivascomo:aCorridada Banana, cujos vencedores foram o PM

Romério e Gerlane de Souza. As principais ruas da cidade ficaram mais animadas com a Carreata das Candidatas a Rainha, que teve a participação de carros, motos e bicicletas. E na área da feira do produtor rural, aconteceu concursoseshowmusical.

OconcursodeRainhadaBanana:

Foi a primeira festa da banana em que podemos constatar uma grande evoluçãonostrajestípicosdoconcursode Rainha da Festa da Banana. Os artistas plásticos já estavam atualizados e contextualizados quanto ao padrão das roupas típicas das festas regionais e neste ano, superaram as expectativas. Aconteceu um desfile com excelentes trajestípicoseumaseleçãoprimorosadas candidatas.

As candidatas a Rainha da 3ª Festa da Banana foram: Jan-neves Ribeiro, Fabiana Gomes,Adriana Vieira, SanaraMarques,NancyBatista.

O auge do evento foi a escolha da rainha da Festa da Banana. Na minha previsão e opinião na época, a grande disputadoconcursoRainhada3ªFestada Banana seria entre as candidatas Janneves Ribeiro (Miss Coari 1989) e Fabiana Gomes (4ª no Miss Coari 1990). Aconteceu um desfile com muitas técnicasnovas,trajestípicostradicionais, naturaiseoriginalidade.Paraaconfecção dos trajes, que sempre se referiam a banana, foram usados frutos e folhas desidratadas, entre outras partes da bananeira.

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Literatura Coariense

Aestudante Fabiana Raírima da Conceição Gomes, 17 anos, foi eleita a rainha da 3ª Festa da Banana, na madrugada do segundo domingo de dezembro de 1991. Ela concorreu com mais quatro candidatas; obteve 174 pontos do júri formado por empresários, profissionais liberais e artistas que analisaram a beleza plástica e a criatividade nos trajes das candidatas. A segunda colocada, Adriana Vieira da Costa, 17 anos, conseguiu 171 pontos, seguida de Jan-Neves Ribeiro Nogueira, 19 anos, que alcançou 170 pontos. Disputaram ainda as estudantes Sanara Marques de Araújo, 16 anos, e Nancy de SouzaBatista,17anos.

ARainhada3ªFestadaBanana, Fabiana Raírima da Conceição Gomes, destacou-se muito no item de julgamento Beleza Plástica Corporal. Ela já havia disputado o Miss Coari em 1990, ano que Mara Alfrânia foi eleita Miss Coari, e naquele ano de 1991, foi MissAmazonas 1991, que aconteceu na cidade de Itacoatiara.

Astrid Silva, rainha da 2ª Festa da Banana, passou às mãos de Fabiana o cetro, o manto e a coroa. Ela reinou como rainha durante um ano. “Eu acho que o mais importante para mim, foi o carinho dopúblico.Éimportantesaberqueopovo coariense gostou da nossa festa, que me apoiou, inclusive recebi muitas manifestações de apoio das pessoas quando andava pelas ruas”, afirmou FabianaGomesnaépoca.

Durante a sua apresentação no palco da Festa, Fabiana recebeu muitos aplausos do público, que superlotou a áreadaFeiradoProdutorRural.

“Eu acho que tudo isso contribuiu para que esta festa fosse muito bonitae,acimadetudo,queroagradecero apoio recebido das autoridades e de todo o povo; também agradeço a comissão organizadora pela escolha de nossos nomes para disputar o título e pela oportunidade que me deram”, falou emocionadaFabiana.

Mas a sensibilidade de Fabiana ainda estava por surgir em suas declarações. Ela lembrou dos agricultores, os quais são o motivo da festa. “Espero que eles continuem

plantandoabananaparaqueCoariatenha como forte produto de sua economia. Quero agradecer aos agricultores, porque foiatravésdotrabalhodelesqueestafesta podeserrealizada”,finalizou.

Umfatomarcanteda3ªFestada Banana foi a apresentação da cantora paraguaia de muito no Brasil, Perla. Ela cantouosseussucessos:Índia,Fernando, Pequenina, Rios da Babilônias, Pela Estrada do Sol, Galopera, etc. Foi inesquecível aquele momento, música que cresci ouvindo na eletrola Nivico do meu pai. E o momento cômico do evento foiquandoacantorachamouoprefeitoda cidade para dançarem, foi quando ambos caíram durante uma dança. A cena foi gravada pelas filmadoras PanasonicVHS M8, onde as fitas eram exibidas nos aparelhos de videocassete da época, e eu acredito que foi o primeiro meme coariense.

Esse foi meu primeiro texto sobre as minhas memórias da Festa da Banana. Se você chegou até aqui, obrigado pela leitura sobre uma Coari pacata e diferente. Uma Coari de um tempo,queoventolevou.

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Archiipo Góes Rainha da 3ª Festa da Banana
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