REVISTA | Sem Limites

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bauru , são paulo

1ª edição, jun/2023

Expediente:

Direção Editorial: Ana Clara Abbate

Diagramação: Ana Clara Abbate, Beatriz Yuri Fukumoto e Lorena Couto Chiaperini

Infografia: Isabella Mari Ono

Captação de Imagens: Ana Clara Abbate, Beatriz Yuri Fukumoto, Isabella Mari Ono, Lorena Couto Chiaperini e Victor Hugo Soares Santana

Redação: Lorena Couto Chiaperini

Vínculo Institucional:

Docente Responsável: Cassia Leticia Carrara Domiciano

Orientação: Cassia Leticia Carrara Domiciano, Isabela Gaspar Silva Marianno, Joyce Carr e Maurício Elias Klafke Dick

Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)

Referências:

ABC MAIS. Feiras livres em Bauru: confira os locais e dias de funcionamento. ABC Mais, [S.l.]. Disponível em: https://abcmais.net/ cidades/feiras-livres-em-bauru-confi ra-os-locais-e-dias-de-funcionamento/. Acesso em: 20, Jun. 2023. | ICONOGRAFIA DA HISTÓRIA. Conheça a ascensão e decadência da Casa da Eny: o bordel mais famoso do Brasil durante o período da ditadura militar. Iconografia da História, 8 de outubro de 2020. Disponível em: https://iconografiadahistoria.com.br/2020/10/08/conheca-a-ascensao-e-decadencia-da-casa-da-eny-o-bordel-mais-famoso-do-brasil-durante-o-periodo-da-ditadura-militar/. Acesso em: 20, Jun. 2023. | SAEZ, Gabriel; LEAL, Giovana; MENDES, Nathália. Arepas em solo brasileiro. Cena, Bauru, 14 fev. 2023. | SOCIAL BAURU. Aniversário de Bauru: veja 125 curiosidades sobre a cidade. Social Bauru, 30 jul. 2021. Disponível em: https://www.socialbauru.com.br/2021/07/30/aniversario-de-bauru-veja-125-curiosidades-sobre-a-cidade/. Acesso em: 20, Jun. 2023. | SOLUTUDO. Orgulhos de Bauru: pai do Bauruzinho, Adelmo Barreira fala sobre a criação do mascote da cidade. Solutudo, [S.l.]. Disponível em: https://conteudo.solutudo.com.br/bauru/orgulhos-de-bauru-pai-do-bauruzinho-adelmo-barreira-fala-sobre-

Editorial

A revista Sem Limites é um espaço dedicado a registrar e documentar a vida cotidiana em Bauru, preservando histórias de pessoas e estabelecimentos da cidade. Nosso objetivo é incentivar bauruenses e residentes a buscar experiências diferentes, enquanto despertamos um interesse mais profundo pelos aspectos histórico-culturais que moldam nossa cidade. Queremos criar um ambiente acolhedor e enriquecedor, onde cada história seja valorizada e cada voz seja ouvida.

Por meio de matérias, entrevistas, ensaios fotográficos e muito mais, exploraremos as narrativas que moldam Bauru, destacando os personagens e os locais que contribuem para a riqueza cultural da cidade. Queremos promover uma conexão genuína entre as pessoas e a cidade, incentivando a descoberta de novas perspectivas e inspirando um profundo apreço pela diversidade que nos cerca. Se você busca uma revista que vai além dos clichês, que mergulha no coração pulsante de Bauru e celebra suas histórias autênticas, a revista Sem Limites é o seu guia. Junte-se a nós por esse trajeto repleto de descobertas, enriquecimento cultural e conexões humanas, para celebrar e preservar o legado da nossa amada cidade lanche!

14 6 4 40 História da Cidade Sem Limites Arepas em solo brasileiro Feiras de Bauru Será se eu não fosse um poeta Feira do Rolo O que é que o Ubaiano tem? A saga do Bauruzinho Agradecimentos 4 6 12 14 26 28 40 42 Sumário
14 40 26 28 12
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Suleidys Aurora

Barcelo Diaz

, de 44 anos e pele que não entrega a idade, notou nossa presença com certa relutância. Ela tirava o papel-filme da carne de pernil, um dos recheios para as arepas que seriam preparadas mais tarde. O pão de milho feito na chapa chamado de arepa é um dos pratos típicos de sua terra natal e uma das opções da barraquinha de confeitaria Bienmesabe a Venezuela.

Enquanto os doces eram apresentados e detalhados por Suleidys, Julio Ovidio Aguilera, marido e confeiteiro de 53 anos, nos cumprimentou com um aperto de mãos rápido. Os olhos verdes e rosto marcado pelo tempo compõem a expressão cansada, e o jeito tímido contrasta com a receptividade da esposa, já mais acostumada na conversa com os clientes em uma mistura de português e espanhol.

Perguntamos o que havia trazido o casal ao Brasil. A venezuelana hesitou. “Bom, eu acho que vocês não vão gostar dessa conversa porque ela, infelizmente, envolve política. Eu não estou aqui de visita, eu estou aqui porque tive que fugir do meu país”, respondeu.

Suleidys afirma que levou dez anos para que enxergasse problemas na Venezuela. “A gente nunca acreditou. Uma pasta de dente custar 5 dólares? Jamais”, diz a feirante. A crise que o país vive iniciou em 2014, resultado de políticas anteriores que concentraram a economia num único eixo: a comercialização de petróleo.

Apesar da riqueza natural, o país historicamente enfrenta grandes índices de desigualdade social e pobreza. Políticas sociais implementadas pelo governo Hugo Chávez, de 2002 a 2013, foram responsáveis por diminuir a pobreza em 20%. Após esse período, a família de Suleidys tinha casa própria, três carros e um

negócio estável de confeitaria na cidade petrolífera de El Tigre, no estado de Anzoátegui.

A venezuelana foi professora do ensino fundamental e se aposentou ainda no país. Seu contato com a culinária começou quando ajudava no restaurante da mãe, mas ela nunca imaginou que precisaria deixar a profissão para acompanhar o marido na venda de doces e salgados. “Aí chegou o momento que tudo ficou ruim”, ela lembra.

O cenário vivido por Suleidys é complexo, a melhora que a Venezuela havia conquistado se desfez junto à queda do preço do petróleo no mercado internacional em 2014. Conforme estudo do Observatorio Venezolano de Finanzas, as medidas adotadas durante o segundo mandato chavista, a partir de 2007, desequilibraram a economia interna. Com a concentração da economia venezuelana na comercialização do petróleo, o país enfrentou dificuldades com a queda dos preços no mercado internacional em 2014. Além disso, em resposta ao governo de Maduro, os Estados Unidos impuseram sanções econômicas à Venezuela, e a União Europeia, juntamente com outros países como o Brasil, também isolaram o país.

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A CRISE BATE À PORTA

Em 2018, a hiperinflação na Venezuela afetou o empreendimento da família de Suleidys. Se antes o casal distribuía doces para 20 padarias, a crise tornou a confeitaria em um item de luxo.

Além das dificuldades nos negócios, aquele ano foi marcado por problemas pessoais na família. Suleidys perdeu a mãe após passar dias no hospital e ver com os próprios olhos a situação que o sistema de saúde se encontrava. “Em dois dias eu vi todo o horror daquele hospital: chegava gente baleada e não podia ser atendida. Não tinha medicamento, não tinha nada” enfatiza a feirante.

Suleidys também aponta para os gastos que vieram com a perda da mãe. “Enterrar a minha mãe foi um absurdo de caro, iria chegar a hora em que não teríamos mais dinheiro. Éramos classe média, mas ainda assim, uma hora iria acabar”, complementou. O salário que vinha de sua aposentadoria como professora do fundamental já não era o suficiente para sustentar a família. Ela interrompe a fala. Abre o celular e busca por um recibo de pagamento que gostaria que víssemos com nossos próprios

olhos: 270 bolívares soberanos era o valor enviado pelo governo venezuelano em janeiro deste ano, correspondente a sua aposentadoria. Na cotação atual, a quantia equivale a 59,40 reais.

“Eu pego esses 50, 60 reais que chegam [da aposentadoria] e compro um chinelo, tanto faz para mim. Mas e para quem está lá? Que precisa se manter com esse dinheiro, como faz?”, argumenta a aposentada. Foram 26 anos de trabalho para o Ministério da Educação, mas estabilidade e recompensa não chegaram da forma que imaginou.

O salário dos professores do setor público flutuava entre 1,8 mil e 3,5 mil bolívares soberanos em 2018. Convertendo com base no câmbio daquele ano, seria o equivalente a 107 reais — valor que era suficiente para comprar apenas um quilo de carne bovina e um quilo de queijo.

“O professor vende suco, o professor faz artesanato, o professor arruma calça. O professor faz qualquer coisa para arrumar um dinheiro extra. Mas é para isso que nós estudamos?”, questiona Suleidys.

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EM TERRAS BRASILEIRAS

Julio e Suleidys não imaginavam que a crise os levaria a solo brasileiro. O casal pingou de cidade em cidade, em busca de estabilidade ainda na Venezuela. “Moramos em Cumaná, Caripe e Casanay, até que chegamos em El Tigre. A cidade era petroleira, então havia chance de progredir”, diz a feirante. As tentativas do governo em conter a inflação falharam, levando estabelecimentos à falência. Foi quando ambos perceberam que nem os trabalhos extras estavam dando conta da situação.

Mas a filha de 16 anos que sofre de epilepsia foi o principal motivo que os trouxe ao Brasil. “Precisei fazer uma escolha: ou vínhamos para cá, ou a minha filha morria”, conta a mãe. O tratamento da doença precisa de medicamentos especializados, que eram importados do Brasil. Suleydis, Julio e seus dois filhos partiram para uma viagem sem destino ou data de retorno. A primeira cidade que moraram em solo brasileiro foi Manaus, no estado do Amazonas, em 2018. O casal recorda com carinho os

momentos que passaram por lá durante sete meses e elogia a hospitalidade com que foram recebidos. “Lá, as pessoas te conhecem e vão te visitar, conversar com você. São muito receptivos e ainda hoje ligam nos perguntando quando vamos voltar”, conta Suleydis.

Já a segunda parada foi no ano de 2020, em Mineiros do Tietê, cidade que fica no estado de São Paulo. Por lá, também foram bem recepcionados e os negócios deram certo enquanto a maioria dos residentes não deixava a cidade durante o isolamento social. Entretanto, a partir do momento em que as medidas de flexibilização entraram em vigor e os trabalhadores voltaram à rotina, a demanda diminuiu e as vendas perderam força. E então, era hora de procurar por uma nova casa.

“Lá, as pessoas te conhecem e vão te visitar, conversar com você. São muito receptivos e ainda hoje ligam nos perguntando quando vamos voltar”

11 Sem Limites | 2023

Foi no mesmo ano que vieram com a filha para Bauru. Quando chegaram na cidade, não foi fácil conquistar a freguesia. “Eu comecei a entregar panfletos e as pessoas deixavam na minha mão. E nossa, eu chorava, [...] as pessoas nem querem saber o que você tem para oferecer”, lamenta a feirante ao recordar as primeiras experiências enquanto divulgava as comidas na rua.

Em 2022, entraram para as feiras da cidade e, desde então, é por meio delas que tiram seu sustento e se ocupam de domingo a sexta. A lista é longa: Bela Vista aos domingos, Praça do Avião às segundas-feiras, Camélias às terças, Vitória Régia às quartas, Rua Fuas às quintas, e Flamboyant às sextas.

E quem dera se a barreira linguística fosse o único desafio para os feirantes, eles precisam

agradar o paladar de pessoas que nunca sequer ouviram falar da comida venezuelana. “Até agora, as feiras estão funcionando. É difícil, mas estamos conquistando a freguesia”, desabafa Julio.

O casal se anima ao falar sobre os peruanos, equatorianos, chilenos, mexicanos e colombianos que encontram, principalmente, na região do Vitória Régia. “Isso aqui, perto das 18h, vira uma festa latina”, alegra-se Julio. E é essa diversidade que sustenta o sonho do confeiteiro: montar um restaurante, com músicas e pratos típicos venezuelanos.

Matéria: Gabriel Saez, Giovana Leal e Nathália Mendes Imagens: Lorena Couto
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Chiaperini, Isabella Mari Ono e Victor Hugo Soares Santana
13 Sem Limites | 2023

Será se eu não fosse um poeta.

“Será se eu não fosse um poeta, não sentiria a dor de não ter? Não sentiria falta do seu olhar? Do seu ouvir? Do seu pouco esforço em me interpretar? E entender dos nossos porquês?”

João Antônio Souza Filho escreveu esse poema de profunda significância, imprimiu-o em uma simples folha de sulfite, protegendo-a cuidadosamente em um saquinho plástico e saiu determinado em uma noite fria de Bauru para fazer o que já não é mais um “hobby”, um “passatempo”, ou uma mera “distração”, mas sim o que hoje representa sua verdadeira essência e principalmente, o seu sustento.

O poeta de Bauru é conhecido pelos frequentadores das noites agitadas da Getúlio Vargas, da Praça da Paz e de alguns outros bares da cidade. Seu público é escolhido ao acaso, dentro de uma longa caminhada que se inicia pelo Confiança Max, todos os finais de semana, até o final da avenida, andando a pé das 18h até à 1h da manhã, chegando até à Nações Unidas onde concluí seu itinerário na Praça.

Carregando sua bolsa a tiracolo, segurando um leque de poemas em suas mãos e usando sua boina costumeira, ele aborda as pessoas educadamente perguntando: “Você já conhece meu trabalho?” ou “Você tem um tempinho para minha poesia?”.

A decisão de apreciar o brilhantismo do senhor João Antônio depende inteiramente do espectador. Esse é o cotidiano de um poeta ambulante.

“Aos onze anos o que me empolgava eram as frases de final de filme, não tinha Google na época, mas eu comecei a querer saber quem escrevia essas frases, e então descobri que algumas eram partes de poemas. São os poetas que falam essas frases bonitas? Então eu quero ser poeta também.”

A poesia faz parte de sua história desde quando João era apenas um menino, aos 12 anos ele já escrevia alguns versinhos para uma garota da sua sala que ele tinha uma paixão platônica, e aos 14 anos, quando o garoto estava chegando quase na oitava série, o primeiro poema completamente formado aconteceu: “Apesar de Tudo”.

“Esse poema eu lembrava dele como se fosse ontem, reescrevi ele depois de muitos anos, não com exatamente as mesmas palavras, mas a mesma essência, e hoje está sempre “na roda”, foi o primeiro poema da minha vida.”

Da inocência de um talento juvenil às trilhas percorridas ao longo da vida, João Antônio seguiu diferentes caminhos, afastando-se temporariamente dessa sua grande paixão. Contudo, como a força de uma correnteza que retorna ao seu curso original, o talento poético encontraria seu caminho de volta à vida do poeta. Em um momento em que a necessidade se fazia presente, nasceu o poeta de Bauru, renovado e repleto de inspiração. Esse reencontro marcou um novo capítulo na trajetória de João…

17 Sem Limites | 2023

Apesar do barulho, que não me deixa dormir. Ainda ouço um bem-te- vi.

O galo anunciando: “Em breve a manhã”

Apesar do lago que seca.

Vem a chuva, que teima em restabelecê -lo, para a alegria dos patos.

Apesar da sua indiferença, ao passar por mim.

Posso sentir o seu perfume.

Apesar das guerras, há os que buscam a paz.

Apesar da fome, os que buscam saciá -la.

Apesar da morte.

Existe a vida, que teima em prosseguir.

Pelos dias, pelas ruas, por dentro de nós, e de nossas mentes.

Apesar dos tortos caminhos.

Existem os que encontram, a melhor forma de trilhá -los.

Apesar de tudo, ainda cantam os pássaros, ainda brilham as manhãs.

Ainda busco a poesia.

Apesar de Tudo 18 Sem Limites | 2023
19 Sem Limites | 2023

Luta, Riscos e Risos

A poesia retornou para a história de João após o mesmo passar no vestibular do curso de Física na Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, e ele precisar se mudar para conseguir manter os estudos. Unindo duas facetas completamente opostas, a poesia e a física se tornaram suas aliadas nessa nova luta. João tinha 57 anos na época, um punhado de poemas engavetados e um curso para se formar.

As dificuldades em conciliar os gastos entre alimentação, moradia, transporte com os estudos, somados a um acervo de poemas parados e sem uso em sua gaveta, e uma visita à sua filha em Floria-

nópolis fizeram com que ele desse um passo novo em sua vida.

“Era 2018, fui visitar minha filha no começo de março, na semana da mulher, e a cidade estava cheia de eventos em homenagem à data. No centro, eu fui ver as atividades e tinha um rapazinho vendendo Zine, comprei, ele cobrava 5 reais, achei legal pra caramba, e isso passou, mas ficou na minha cabeça.”

Quando em 2019 ele passou na universidade, a lembrança daquele dia voltou como uma intuição, ele mesmo disse, então criou coragem para transformar aqueles poemas que havia escrito durante a vida toda em algo além da arte, impri-

miu-os e começou a vender por todo o campus.

No primeiro dia de vendas, ele se alegrou com o resultado, ligou para a filha e ela o motivou a continuar. Começou a vender também na porta do RU, o Restaurante Universitário, e persistiu tanto nessa luta diária, que os estudantes chegavam a procurá-lo para saber se haviam novos lançamentos. À medida que ele percorreu seu caminho, suas palavras conquistaram e começaram a emocionar os corações daqueles que estavam imersos na correria da vida cotidiana, muitas vezes negligenciando a importância dos sentimentos.

20 Sem Limites | 2023

Linhas que se tocam, Se cortam Se unem. As forças que nos levam ... A seguir, sentir ou deixar.

Deixar de lado.

Deixar lá no longe.

Deixar de ir, Ou ficar.

Se há um fato que está aí, E não me deixa esquecer. É o tanto que se faz para se viver. Caminhos sem sentido.

Desejos contidos, antigos. Buscas carnais. Se existe ilusão, Existe o gozo. Indescritível? Sim. Mas não irrisório. E a cada...

Riscos e risos nos chegam.

Para nos confortar, Desafiar. Nos envolver.

Riscos e Risos
21 Sem Limites | 2023

O que é Bauru pra você?

“Bauru é primeiro de tudo minha família aqui, minha mãe, meus irmãos. Mas a pandemia me fez ficar aqui, e me fez ver Bauru com outros olhos, a vida noturna de Bauru é mais rica, tem mais diversidade, tem mais olhares para o meu trabalho. Bauru é uma redescoberta para mim.”

O poeta redescobriu a cidade sem limites e se encontrou nas andanças noturnas. Nos dias atuais João Antônio continua o trabalho para manter seus estudos na UFSCar (trabalhando aqui durante os finais de semana e estudando lá durante a semana), ao mesmo tempo que paga a mensalidade do segundo curso que estuda, Biomedicina na Universidade Paulista, UNIP, em Bauru.

A cidade universitária abriu as portas, ele se sentiu um pouco mais motivado do que em São Carlos, sentiu os jovens mais abertos, ouvintes melhores, e acabou passando a tornar sagrado o compromisso de sair às ruas da cidade lanche todos os finais de semana.

Um laço se formou com a juventude, o poeta encontrou uma abertura muito maior com esse público e conquistou fãs na cidade. Mas nem tudo são flores, João sofre muito também para que seu trabalho seja aceito muitas vezes.

“Meu processo é de invasão, eu “atrapalho” as pessoas, tiro elas do que estão fazendo, e muita

gente fala não pra mim, é normal, mas é ruim.”

Existe desrespeito, existe rispidez e existem também muitos ouvidos fechados, nem todos estão com corações abertos para deixar as palavras, as reflexões e os versos do poeta entrarem. Ele sempre oferece seu talento a título de uma contribuição espontânea, mas muitas vezes não é só dinheiro que falta naqueles que se recusam a ouvir.

“Se eu morresse amanhã eu queria ser lembrado pelas mensagens que tem no Eterno Dom, no Poder e no Apesar de Tudo. Eterno Dom principalmente, mesmo não sendo meu favorito, eu escrevi sobre o autoperdão, é um poema que nasceu dessa questão minha: eu me cobro muito e a gente não aceita falhas, derrotas, e é um poema onde eu me perdoo.”

22 Sem Limites | 2023
23 Sem Limites | 2023

Venha exercer este Teu dom. De se perdoar.

Pois tropeços não são quedas. Assim seguimos, Como ciganos. Pelos desafios.

Muitas vezes construídos

Em nós mesmos. Buscando nossa verdade. Que tudo possa ser Menos confuso.

Dentro desta Nossa pseudo consciência.

Espere, Sem pressa.

Pois nosso dia há

De chegar

Para embalar nosso Sorriso.

Nos afagar desta dureza. Destes nossos caminhos.

Eterno Dom 24 Sem Limites | 2023

O Eterno Dom

Em uma folha sulfite, João Antônio escreve poemas. Traça sonhos, cria um futuro e sustenta seus próprios estudos. Com uma folha sulfite, ele estuda física, biomedicina, estuda novas tecnologias, e esperanças de um mundo novo.

Com uma folha sulfite, João Antônio convida desconhecidos na rua a pararem, ouvirem e refletirem, dentro da bolha tão veloz e voraz que é o mundo, sobre sentimentos, dores e lutas.

A folha sulfite chega ao acaso nas vidas de cada um, e elas sempre acertam, encaixam perfeitamente em cada oco da alma, em cada espaço vazio, em cada declaração romântica, em cada momento de riso.

João acerta com a mão do destino, com o talento nas palavras, com as declamações calorosas, com o afeto entregue pedindo o que você pode oferecer em troca, às vezes nada, às vezes algo, às vezes apenas o que ele quer, sendo poeta: “seu ouvir, seu esforço em lhe interpretar e entender seus porquês.”

João Antônio carrega em várias folhas sulfite, um eterno dom.

25 Sem Limites | 2023

Poder

Como é bom se encantar, com o poder da vida. Sem lembrar de nossas dores.

Apenas do prazer de sonhar. Sem reprimir o desejo. de se andar nas nuvens.

Ao sabor de um desejo. Alegria ao amar.

Brincando sob a chuva. Ou mesmo com as ondas do mar.

Veja que lindo pôr do sol.

Ao final de mais um dia.

Que bom é a chegada, após aquela longa espera.

Nem sempre lembramos o porquê, de nossas idas e vindas. Mas o que importa…

É estarmos aqui...

No agora.

26 Sem Limites | 2023

Matéria: Lorena Couto Chiaperini

Fotografia: Lorena Couto Chiaperini

27 Sem Limites | 2023

baiano tem cerveja gelada, comida caseira, Pé Queimado e o coração de qualquer unespiano. Localizado à frente da Portaria 1 da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, o bar acolhe e “cria” os estudantes há mais de 50 anos, com o calor e o carinho de seu dono que leva o mesmo nome. Todo unespiano bauruense o conhece, seja pelos pratos do dia, a cervejinha nas sextas depois da aula ou esperando nas noites frias o ônibus perdido.

Feliciano Soares de Oliveira, o famoso Ubaiano, rege o bar desde antes mesmo das paredes da UNESP serem erguidas, nos seus 83 anos, ele já foi nome de bloco de carnaval, homenageado em diversas formaturas, personagem de documentário do curso de jornalismo, e um verdadeiro pai para todos os estudantes que se deixam acolher pelo

espírito jovem e afável do Ubaiano.

“Minha moradia é a UNESP, eu moro aqui, moro em casa, mas 90% do tempo eu moro aqui, adoro ficar aqui, prefiro aqui que isso aqui é o paraíso. Aqui ninguém conhece esse lugar melhor do que eu, vi cada tijolo ser colocado, desde o ínicio até o fim.” Mas Bauru nem sempre foi sua casa, em vez de baiano, Feliciano é mineiro, nascido em Janaúba, Minas Gerais, deixou a cidade ainda menino e seguiu sua história em Dracena, para depois de 5 anos se mudar para o Paraná seguindo um primo seu que o levou para jogar em um time de futebol de segunda divisão profissional. Com os anos, Feliciano passou a viver de cidade em cidade no Paraná acompanhando o time, até ser escalado pelo Atlético de Paranavaí, o último que jogou antes de uma lesão que o fez parar.

31 Sem Limites | 2023

Sei lá, Bauru é obra do destino. Eu não conhecia nada, vim para cá eu e um amigo meu, era uma vida difícil quando a gente mudou pra cá em 69, você não achava serviço nem pra pegar bituca na rua”

Um viajante, ele chegou por acaso, sem rumo, como ele mesmo disse, arrumou um bico ou outro que sustentava a família na época, até que foi na Vila Falcão, em agosto de 1970, em frente a antiga Fundação Educacional de Bauru, que começou seu primeiro laço com os estudantes. Ubaiano começou a pilotar o “Burguesão”, o primeiro carrinho de cachorro-quente de Bauru, construído por ele mesmo com a ajuda dos estudantes de engenharia. O lanche, ainda desconhecido na cidade naquela época, foi um sucesso, e o carrinho permaneceu por 10 anos no mesmo lugar, alegrando a clientela jovem, que viria a ser o principal

que seu lanche fazia, mas ele não aceitava, e seguia firme o seu negócio, trabalhando sozinho durante as noites, e conquistando todos os que passavam por lá. Quando em 1980, a faculdade se

32 Sem Limites | 2023

“Baiano foram os estudantes que colocaram, ganhei esse apelido por eles, e ficou. Eu não sou baiano, mas não ligo, ser baiano ou ser mineiro, tudo é gente a mesma coisa.”

Antes, o apelido era só “Baiano”, mas quando a faculdade passou de Fundação Educa cional de Bauru para Universidade Estadual Paulista, UNESP, o apelido também ganhou o “U” na frente, e ficou até os dias de hoje, o famoso Ubaiano. te, já que Ubaiano fora um dos que fizeram parte do ato para qu não conhecida assim, se tornasse realmente unificada, então o mi parte da história dos universitários, mas do próprio nascimento da Universidade que conhecemos hoje.

Não só um nome referenciando a universidade, mas Uba, (como também é carinhosa mente chamado), ganhou homenagem em um bloco de carnaval com o apelido sau doso. Foi assim que em 1996 fundaram o Ubaianesp, o bloco que iniciou como uma homenagem no carnaval daquele ano, seguiu firme por mais 5 anos, quando desfilou pela última vez.

“O primeiro ano a gente fez a carretinha, eu desfilei na parte de cima, coloquei um cha péu de baiano na cabeça, fui de roupa branca igual Zé Pilintra e fizeram várias músicas oficiais do bloco.”

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ão só de carnavais foi feito esse bar, Ubaiano “quase” por muito pouco, fez parte da história política de Bauru - contra sua vontade.

Em meados de 2000, o colocaram como vereador para cumprir um número de candidatos, pela sua relevância social, principalmente entre a juventude da época, o mineiro ganhou votos por todas as partes da cidade, mas o número não foi suficiente para que ficasse com o cargo - felizmente para ele, que nunca pretendeu seguir uma vida política.

Sua presença na vida da juventude era diferente, sua importância era outra, Ubaiano é uma fonte de eterna juventude, o bar é o centro de muitas histórias, um carnaval sem fim, e o mesmo é o seu dono, alegre, juvenil, e uma prova viva de que Bauru está cheia de tesouros.

“Eu sou velho, mas meu juízo continua infantil, só convivo com a juventude!”

36 Sem Limites | 2023

Tão jovem que seu bar promovia eventos icônicos e marcantes, ideias que só poderiam ser tiradas de uma alma jovial como de Uba, como a festa onde acontecia um sorteio de jegue - inusitado, divertido e acima de tudo, seguro (o Jegue não era sorteado de verdade, ele era entregue para a fazenda de amigos do mineiro quando a brincadeira acabava), o famoso “Vale Jegue” era equivalente a uma latinha de cerveja, comprando uma automaticamente você ganhava o número para sorteio.

O evento era famoso, a garotada se divertia muito, Baiano lembra como se fosse ontem, não queriam ganhar o jegue de jeito nenhum porque achavam que teriam que levá-lo para casa no final da noite, mas o grande vencedor sempre trocava no final o animal por um fardo de cerveja, saía vitorioso com seu prêmio, e o jegue voltava feliz para sua casa.

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á algum tempo, Ubaiano também não só era o dono de um bar universitário e promovedor de sorteios de jegue, mas também um frequentador assíduo de festas da faculdade, os estudantes o levavam para Ilha Solteira todo ano, já chegando a lotar mais de onze ônibus, ele retribuía levando litros de Pé Queimado nessas excursões, e a farra estava feita…

“O segredo do Pé Queimado é que foi um aluno que inventou, não é uma receita minha. Ele nem ensina eu, ele faz os badulaque dele em São José do Rio Preto, e só manda pra mim colocar licor de canela, esse é o segredo da nossa tradição”

Mas não se serve apenas bebida em um bar, Ubaiano oferece abrigo, acolhida e compreensão. Não foi só uma vez, em que um estudante perdia o último horário do ônibus e ele oferecia a própria casa para abrigá-los. Muitos estudantes já dormiram em sua casa, com seus filhos, e sua família, acolhidos como se fizessem parte de lá. Ubaiano trata todos os universitários como se fossem sua própria criação, e é esse um dos motivos para todos os dias seu bar estar sempre tão cheio de vida, de juventude e de “filhos”.

“Eu puxo a orelha deles também, nunca fizeram nenhuma traquinagem ou malcriação, mas alguma coisinha errada que eu vejo eu chamo ali no cantinho e converso de coração aberto, falo como se fosse meu filho.”

E são mesmo. Os pais dos pais de alunos que já passaram pela UNESP ainda lembram dele com carinho, ainda telefonam, ele tem amigos na Inglaterra, ex alunos que mandavam notícias do Irã, estudantes que já se formaram há anos que o visitam, tão forte o laço que se cria.

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Ubaiano tem um barzinho em frente a UNESP, tem mil histórias, tem centenas de homenagens, tem litros de Pé Queimado debaixo do balcão, tem uma caixa cheia de fotos e lembranças, tem Prato Feito todo dia, tem um bloco de carnaval. Mas Ubaiano tem, principalmente, filhos. Milhares de filhos universitários.

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Agradecimentos

Queremos expressar nossa mais profunda gratidão a todos que contribuíram para a construção desta edição da revista.

Agradecemos àqueles que nos abriram as portas de suas vidas e estabelecimentos - Feliciano Soares de Oliveira “Ubaiano” que nós recebeu com imenso carinho, nos deu uma dose de Pé Queimado e abriu suas dezenas de caixas de lembranças, João Antônio Souza Filho, que nos permitiu acompanhá-lo por duas noites de trabalho, nos mostrou seu mundo e dividiu sua arte conosco, Julio Ovidio Aguilera e Suleidys Aurora Barcelo Diaz, que nos contaram sobre sua jornada, e adoçaram nossas tardes de quarta com a culinária venezuelana… A todos estes, agradecemos principalmente por nos permitir registrar e compartilhar suas histórias, seus olhares e sentimentos singulares. É por meio de suas experiências e vivências que podemos enriquecer a narrativa da nossa comunidade.

Agradecemos à Professora Cassia Letícia Carrara Domiciano, por nós dar a oportunidade de realizar esse projeto e conhecer as riquezas ocultas de Bauru, além de todo apoio e suporte durante a criação da mesma. Seu olhar carinhoso foi essencial, somos muito gratos.

Agradecemos a Maurício Elias Klafke Dick, Joyce Carr, e Isabela Gaspar Silva Marianno, nossos professores que nos auxiliaram grandemente durante esse Interdisciplinar.

A todos vocês, nosso mais profundo agradecimento. Com o apoio de cada indivíduo envolvido, conseguimos finalizar esse projeto e nossa missão de compartilhar histórias autênticas, inspirar conexões e celebrar a cultura de forma significativa.

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