Revista Circuladô | Trilce 100 Anos | Edição 12

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TRILCE 100 ANOS Dossiê organizado por Amálio Pinheiro e Pedro Granados

Amálio Pinheiro Inês Oseki-Dépré Pedro Granados

Antonio Moura Julio Ortega Rita Balduíno

Eduardo Jorge de Oliveira Marcelo Sahea Walter Silveira


GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

POIESIS INSTITUTO DE APOIO À CULTURA, À LÍNGUA E À LITERATURA Clovis Carvalho | Diretor Executivo Plinio Corrêa | Diretor Administrativo Maria Izabel Casanovas | Assessora da Direção Executiva Ivanei da Silva | Museólogo

CASA DAS ROSAS ESPAÇO HAROLDO DE CAMPOS DE POESIA E LITERATURA Marcelo Tápia | Diretor


TRILCE 100 ANOS Dossiê organizado por Amálio Pinheiro e Pedro Granados


CIRCULADÔ Revista de Estética e Literatura do Centro de Referência Haroldo de Campos – Casa das Rosas ISSN - 2446-6255 Diretor | Marcelo Tápia Editor | Julio Mendonça Assistente | Caio Nunes Comissão Editorial: Aurora Bernardini, Claus Clüver, Gonzalo Aguilar, Horácio Costa, Leda Tenório da Motta, Lucia Santaella, Luiz Costa Lima, Márcio Seligmann-Silva, Nelson Ascher, Susanna Kampff Lages Diagramação | Davi de Sousa | Comunicação Poiesis Revisão | Centro de Referência Haroldo de Campos Revista CIRCULADÔ – Ano IX – Nº 12 – dezembro 2021 Risco Editorial Edição anterior: Revista Circuladô Ano VIII – Nº11 – dezembro 2020 São Paulo – Poiesis / Casa das Rosas A revista Circuladô é uma publicação anual do Centro de Referência Haroldo de Campos. A revista aceita, para publicação, apenas artigos ainda inéditos em língua portuguesa, espanhola ou inglesa. A extensão dos artigos pode variar de acordo com o tema abordado, sendo que a redação se reserva o direito de propor cortes ou sugerir ajustes. As notas devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no final do texto. Os autores devem fornecer informações biobliográficas, até 400 caracteres (com espaços).


sumário

8

9 10 16 35 40 58

DOSSIÊ: TRILCE 100 ANOS Prólogo El Heraldo del Campus - Julio Ortega Trilce: “el sujeto del acto" - Pedro Granados Trilce LXXVII Ayar Vallejo y Coya Vallejo - Pedro Granados César Vallejo e Trilce: a insurreição pelo tom - Amálio Pinheiro

63 80

Trilce XXXIV: "voz, sílaba e ritmo" - Amálio Pinheiro

64 70 74 78

81 98

INVENÇÃO Antônio Moura - poemas Marcelo Sahea - poemas Rita Balduíno - poemas Walter Silveira - poema

ARTIGOS/ENSAIOS Nékuia, paródia, montagem – Haroldo de Campos desce ao mundo dos mortos - Eduardo Jorge de Oliveira A poesia concreta brasileira e o “Lance de Dados”, de Stéphane Mallarmé - Inês Oseki-Dépré

130

SOBRE OS AUTORES



editorial

1922 tem sido, muitas vezes, designado como um “annus mirabilis” para a literatura moderna; foi naquele ano que vieram a público duas obras de grande importância: Ulisses, de James Joyce, e The Waste Land, de T. S. Elliot. Para nós, brasileiros, foi importante, também, pela realização da Semana de Arte Moderna, cujo centenário já começamos a comemorar em 2021. Mas, no contexto geral da literatura latino-americana, esse ano auspicioso foi marcado, também, pelo lançamento de uma das obras poéticas mais marcantes do modernismo no continente: Trilce, de César Vallejo, uma obra cuja importância, entretanto, transcende o continente. Uma vez que o centenário da Semana de Arte Moderna já está sendo lembrado em outras iniciativas da Casa das Rosas – como a próxima edição da revista Grafias, por exemplo – decidimos incluir, nesta edição de Circuladô, um dossiê voltado a estudos da obra de Vallejo. Somos muito gratos a Amálio Pinheiro e a Pedro Granados pela disposição e empenho em organizar o dossiê “Trilce 100 anos”. A convite de

Pinheiro e Granados, Julio Ortega também contribuiu para o dossiê e a ele agradecemos igualmente. Haroldo de Campos tinha grande apreço por Trilce e se identificava com a radicalidade no limite do intraduzível de sua poesia, como atestam Julio Ortega e Amálio Pinheiro. Ainda nesta edição, Inês OsekiDépré escreve sobre as relações da poesia brasileira e alguns de seus herdeiros atuais com o poema “Un coup de dés” (Um lance de dados), obra do poeta Stéphane Mallarmé que revolucionou a poesia moderna fragmentando a ideia estética num prisma de “imagens alotrópicas” (Hugh Kenner). Eduardo Jorge faz uma leitura de um dos poemas mais importantes e mais difíceis de Haroldo – “Esboço para uma Nékuia” – analisando o papel dos procedimentos de paródia e montagem na obra. Completando a edição, na seção Invenção apresentamos uma seleção de poemas dos poetas Antônio Moura, Marcelo Sahea, Rita Balduíno e Walter Silveira. Julio Mendonça 7


DOSSIÊ:

TRILCE 100 ANOS Sumário

9

Prólogo

10

El Heraldo del Campus. Julio Ortega.

16

Trilce: “el sujecto del acto”. Pedro Granados.

35

Trilce LXXVII: Ayar Vallejo y Coya Vallejo. Pedro Granados.

40

Vallejo e Trilce: a insurreição pelo tom. Amálio Pinheiro.

58

Trilce XXXIV: voz, sílaba e ritmo. Amálio Pinheiro.


PRÓLOGO Este dossiê comemorativo dos 100 de Trilce de César Vallejo busca ampliar o campo de relações entre a obra do poeta peruano, a literatura brasileira e ibero-americana de invenção e o público brasileiro. Há aqui uma amostragem de que seus poemas, pela subversão em espiral e pelos solavancos de leitura, são um lugar de descobertas e análises em contínua expansão. Uma expansão que, pela quantidade, qualidade, radicalidade e convergência das rupturas, provoca deslocamentos nos próprios modos de se lerem versos e de se considerar o gênero literário. Abre o dossiê um texto em que Julio Ortega festeja a prática da tradução e da amizade com Haroldo de Campos, onde o ponto de partida já culminante é a necessidade, no exemplo de Trilce XXIX, de se traduzir o que parece intraduzível. Julio

Ortega mostra como Haroldo situa Vallejo nessa trilha da invenção radical e da incorporação múltipla, em rotação plurilingue, da poesia e prosa ibero-americana. Segue-se o artigo de Pedro Granados, que apresenta “un modo brasileño de leer al peruano”, ao mesmo tempo em que, tendo como base o cotejo de um dos Poemas en prosa de César Vallejo com os materiais de Trilce, adianta-nos uma cena-mito, em arquipélago, de mediação ameríndia com o mundo. Acompanha o artigo um texto analítico de Trilce LXXVII. Em seguida, Amálio Pinheiro desenvolve relações entre a dificuldade de ler Vallejo, sua especialíssima vinculação às chamadas vanguardas, via Haroldo de Campos, e os encadeamentos entre o poético e o político. O conjunto se completa com uma análise e tradução de Trilce XXXIV. Amálio Pinheiro Pedro Granados 9


EL HERALDO DEL CAMPUS Julio Ortega Brown University

Haroldo de Campos fue, en Austin, el bienvenido, el anunciado, el enviado a convertir a los meros monolingües en alfabetos plurales. Todo lo que tocaba se convertía en verbo, y germinaba en frutos románicos, árboles barrocos, boscajes impresionistas. Hasta la yerba es una huella de la épica. El sol era de John Donne, la lluvia de Vallejo, el río de Eliot, el mediodía de Mallarme, la tarde de Pessoa, la noche de Celan. Acababa de publicar su Galaxias, un proyecto de construir, en efecto, un aparato significante capaz de sustituir este mundo por otro, hecho a la medida de nuestros sueños. Este creacionismo, sin embargo, no suponía la mera ilusión de rehacer los orígenes sino un gesto rupturista, de estirpe vanguardista, que postulaba rehacer el devenir. Me explicó Haroldo que había querido que el lenguaje formase un bloque fónico y sígnico en cada página, como la piedra refundadora, deduje por mi cuenta, que es la materia prima de un arte de encender a la letra. Sus “galaxias” son el lenguaje en pos de otra función vital, decidida por el operador y postulada como otro texto para un lector harto de este mundo. Si Mallarme había lanzado como un golpe de dados unas palabras que configuran el universo gráfico de un mundo paralelo, Haroldo de Campos nos entre10

gaba bloques de lenguaje para esculpir la casa del habla a la medida de nuestras utopías actuales, globales y afectivas, esto es, nunca fijadas del todo. El libro, de por si grande como un salterio, era el mapa de una lectura todavía inexistente. Hasta caminar con Haroldo de nuestro complex, el Lantana, en la colina de West Avenue, hacia el campus, cinco o seis calles abajo, a Batts Hall, donde teníamos nuestras oficinas de paso, y había tenido la suya fugaz, Jorge Luis Borges, resultaba un trote gramatical. Yo lo llevaba por mi ruta de siempre, cruzando aleros y pasajes de sombra para eludir el inclemente sol tejano. Haroldo no tardó en descubrir que mi ruta era barroca porque yo evitaba la línea recta cartesiana, como buen peruano hiperbóreo. No sólo había dado en el clavo sino que me revelaba la desconfianza en la línea entre dos puntos, cuya lógica expuesta suponía un mundo geométrico y siempre nombrable. La línea quebrada, en cambio, era una estrategia, y Lezama Lima la habría aprobado como un trabajo gratuito por rehabitar la ciudad de los afectos. Una de esas mañanas tempraneras Haroldo despertó con otra idea improbable: — He decidido, me dijo, que traduzcamos juntos al portugués unos poemas


de Vallejo del libro más difícil de la lengua española, Trilce, pero sólo los imposibles de traducir, aquellos que nadie haya descifrado y resulten enigmas sin glosa creíble. — Pero, Haroldo –me defendí –, si no se entienden en español serán sólo parodias en portugués. — El trabajo será –respondió, con

palabra nos tomaba más tiempo que una frase y ésta más tiempo que una estrofa. Era, en fin, una economía contraria: a mayor esfuerzo menor producción. La palabra “caña” nos tomó un día: eran las cañas del paisaje, del trapiche, de la laguna? O la caña de licor de caña, como la cañaza brasileña? Elegir uno u otro significado llevaba al poema por un sendero comprometiendo todo el enigmático edificio. He aquí el hueco negro y su amplificación en portugués:

fervor renovado –encontrar en portugués un grado de incomprensión ple-

Zumba el tedio enfrascado

namente equivalente. ¿Te das cuenta

Bajo el momento improducido y caña.

de nuestra suerte? ¡Intentar traducir lo absolutamente incomprensible! ¡Hacer

Pasa una paralela a

imposible a la lengua portuguesa gra-

ingrata línea quebrada de felicidad.

cias a la ilegible poesía peruana!

Me extraña cada firmeza, junto a esa agua que se aleja, que ríe acero, caña.

— Pero Haroldo –seguí, heroicamente –, la lengua portuguesa posee un gran sentido común, no está hecha para ser

Hilo retemplado, hilo, hilo binómico ¿por dónde romperás, nudo de guerra?

torturada por Vallejo. Acoraza este ecuador, Luna. — No lo creas –replicó él -, acuérdate de los poetas sebastianistas, en Lisboa,

(Trilce, XXIX)

que esperan todavía por el Demorado, y no olvides la exaggeration, amplificadora del coloquio de Río, gracias a

Haroldo de Campos produjo, bajo mi escepticismo asombrado, esta versión:

la cual, en el lenguaje, ya ganamos el próximo mundial de fútbol. ¡El caniba-

Zumbe o tédio enfarruscado

lismo de los poetas del Modernismo

Sob o momento improduzido e água-ardente.

brasileño es una modesta cena comparado con la bomba de tiempo verbal de

Passa una paralela a passo

nuestro proyecto revolucionario!

ingrato de requebrada linha de felicidade.

Me puse a seleccionar los poemas más difíciles, mientras Haroldo se declaraba complacido por mi edición de Trilce en Cátedra y leía en voz alta algún poema, saboreando su extrañeza como una ofrenda recobrada de una huaca inca. ¡Qué maravilla-, exclamaba, relamiéndose-, la lengua portuguesa no sabe lo que le espera! Las sesiones de Vulcano fueron lentísimas, una

Estranha-me toda firmeza, à beira dessa água que se afasta, aço que ri, ardente, água. Fio retemperado, fio, fio binômico, onde te vais romper, nó, górdio de guerra? Encouraça este equador. Lua.

Es cierto que el poema es, en español, más hermético y severo, más ceñido 11


y concentrado; en la versión portuguesa resuena más vocálico y aliterativo, quizá más fluido que hierático. El último verso era saboreado por Haroldo gracias a la elocuencia de ese punto seguido, que añade una pausa dramática de admiración lunar. Es una nota por demás vallejiana: un punto que resuena mudo. Quizá la mayor libertad es culpa mía: “caña” le expliqué a Haroldo remite a “ron de caña” (sólo en España una caña es una cerveza) y, si imaginamos un paisaje de ingenio semi-industrial de contrastes geométricos: rieles, licor, canales de agua, trabajadores a destajo…, cabría asociar “caña” a aguardiente, aunque al explicitarlo el traductor requiera colaborar con el autor, intervenirlo, para reemplazar a la escritura (registro) con el coloquio (flujo). El punto seguido antes de Luna sugiere que el interlocutor es el poeta que canta a la luna, y torna al punto en relato. Nunca un punto seguido fue más elocuente. Para introducir en nuestra fragua neptunesca una pausa local, llevé a Haroldo una tarde a tomar una cerveza con la tertulia permanente de lo poetas tejanos que constituían una suerte de fraternidad en torno a Robert Bonazzi, generoso amigo, poeta de lenguaje exploratorio, que escribía con un lirismo maduro y, a la vez, aliviado por su inglés de resonancia italiana y simetrías españolas. De inmediato percibí que Haroldo no estaba cómodo con la admiración de estos poetas, que evidentemente pasaban de la poesía a la yerba como si ambas abrieran espacios paralelos. Cada quien le ofreció a Haroldo una pitada de la manguerita conectada a una gigantesca garrafa hindú. Acudí a auxiliarlo y me pidió, en pánico, volver a casa. Nos despedimos con adiositos genéricos y dejamos sin responder las ofertas de pitadas que nos siguieron a la puerta. Yo sabía que estos poetas 12

tejanos cultivaban jardines de yerba en sus patios, pero no imaginé que armarían una degustación colectiva para celebrar a Haroldo en vuelo. Ya recuperados, nos reímos mucho y esa noche escribió un poema en el que decía preferir “la mezcalina de mí mismo.” Me obsequió una copia en un papel ambarino: translatio a chamada nébula Caranguejo uma constelação de reversos na desgaláxia dos buracos negros ou a órbita excéntrica de Plutão meditada em Austin Texas num party em Lavaca Street tomei a mescalina de mim mesmo e passei esta noite em claro traduzindo Blanco de Octavio Paz haroldo de campos Austin tx 8 fev ‘81

Recuperado de Vallejo, Haroldo estaba listo para enfrentar a Octavio Paz en Blanco. Le escribió anunciándole el comienzo de la navegación, en la cual yo colaboraría con primeros auxilios linguísticos. Armados de diccionarios, nos atrincheramos para resistir las obligaciones mundanas y habitar, en portugués, el mandala paziano. Dos o tres veces tropezamos con algunos significados posibles, derivados del juego espejeante de las palabras, y Haroldo le escribió a Paz con preguntas puntuales que Paz resolvió con entusiasmo. Como Borges, Paz creía en las virtudes de la traducción. No sólo todo era traducible en un sistema de equivalencias sino que el poema adquiría, en la otra lengua, una rotación inusitada. No se


trata, concluimos, aunque el término sea esperanzado, del español o el portugués en el mundo sino del mundo en nuestra lengua. En la traducción, se diría, el poema se pone de pie y camina a paso ligero más allá de su paisaje. Fue en este juego de elegir una palabra entre otras, viendo las equivalencias que el lenguaje canjea en la traducción, que tuve un estremecimiento antiguo y, cómo decirlo, absorto. Vi, de pronto, o creí ver y sentí, el lenguaje rotando en torno de la cabeza de Haroldo, como una luz arrebatada que reordenaba palabras, sonidos y alusiones, en una espiral permutativa que terminaba en la punta del lápiz de mi amigo, poseído por una transparencia feliz, anotando en silencio el dictado que el lenguaje le dejaba en las manos. Creí, entonces, que el traductor es elegido por el lenguaje para verse como otro lenguaje. Es verdad que Haroldo había sido elegido varias veces. Para traducir páginas de la Biblia aprendió el hebreo, para traducir a Li Po aprendió el chino…Entendí, así, que la mente de un traductor es un instrumento para exceder las fronteras y habitar el mundo; y, por lo mismo, debería ser reconocido como otra bravura de natura, poética y linguística. Por eso Haroldo, deduje, sólo quiere traducir lo más laborioso, que siempre es lo más riesgoso. Una de esas gloriosas mañanas tejanas, Haroldo llamó a mi puerta y me dejó un poema que había compuesto para responder a nuestras preguntas irresueltas: Ex/ planation there is no plain meaning in a poem

when one begins to explain it and reaches the end only the ex remains: dead end ( no exit: try it again) haroldo de campos austin tx, april 7, ‘81

Quise mucho a Haroldo. Y todavía lo echo de menos. El lenguaje no tiene previsto producir un sustituto de su culto. O tal vez el lenguaje sigue reconociéndose en sus muchos libros, poemas y traducciones. No menos extraordinario fue su afán de documentar las epifanías del camino. Todo lo tenía copiado, clasificado y preservado en su Archivo de los lenguajes en trance de sumar mundo. No se ocupó de reunir a sus amigos, aunque algunos coincidimos con él en coloquios, la última vez creo que en Madrid a propósito de la Feria del Libro. Contó él que se había encontrado con Nathalie Sarraute, y ella había dicho en un diálogo, que el barroco era un movimiento que ocurría más bien en las periferias, no en la Francia, más clásica. “Madame, intervino Haroldo, Rabelais es el mayor escritor francés y creo que podríamos considerarlo barroquizante, como lo bien demuestra Bajtin…” Cada vez que Haroldo mencionaba a Bajtin yo temía se acordara de que los traductores de su gran Rabelais al español son un tal César Conroy, peruano, y Julio Forcat, argentino. El seudónimo es discreto ya que el tratado se tradujo del francés, y después por Michael Holquist, mi colega en Austin, tra13


ductor a su vez de Bajtin al inglés, confirmé que la traducción francesa era literal. Alguna vez, Haroldo me contó que otro escritor francés le había dicho que Severo Sarduy se había convertido en autor “telqueliano.” Haroldo respondió, no sin ironía: “Si Sarduy se ha telqueleado se puede decir que los del grupo Tel Quel se han barroquizado gracias a él.” Intercambio de estilos, si los hay. Ese mayo de la Feria madrileña coincidimos Haroldo de Campos, Severo Sarduy, el pintor mexicano Alberto Gironella, Julián Ríos y yo. Me acuerdo muy bien que una mañana en la Feria fui a la presentación de una novela de Severo y pasamos un rato charlando de buen ánimo como siempre con él, convocando la gracia de los amigos, cuando de pronto me dijo: “No tengo público, no ha venido nadie a que le firme un libro.” Yo seré el primero en comprar uno, respondí, y entre sus protestas, así lo hice. Mientras me firmaba el libro, como por un conjuro, apareció otro lector y, en seguida, alguien más. Pronto, estaba rodeado de curiosos lectores y futuros seguidores. Se armó una gran tertulia. Le debo a Severo la mala reputación de que libro que toco se llena de lectores. Pero como era tan supersticioso, en una de sus novelas incluyó una frase de la nota que escribí sobre uno de sus libros. Me fijé que justo al lado de su stand habia un toldo pintado de modo simple con un paisaje habanero. Era un paisaje kitch y llamé a Severo para que nos tomen una foto con lo que bien podría ser una imagen suscitada por su ibro. Severo estaba encantado por cita t(r)ópica. Ese día fuimos a comer juntos Haroldo, Severo, Gironella, Julián Ríos y yo. Severo, como siempre, se apoderó de la charla y su ingenio fue un chisporroteo. Pidió, además, un platillo de anguilas tiernas, y dando alaridos de placer, las devoraba teatralmente. A Julián Ríos se le ocurrió que había que enviar14

le una postal colectiva a Octavio Paz para decirle, simplemente, que lo echamos de menos. Haroldo parecía un profeta bíblico de fin de semana madrileña. Vestía camisa colorida, blue jeans, y unos zapatones medievales. De pronto, Severo desapareció. Cuando volvió entendimos que había pagado la cuenta. Típico gesto suyo, y todo para recordarlo siempre. Me despedí, sin saberlo, de mi amigo, cómplice, co-conspirador y colega, Haroldo de Campos, el Heraldo del Campus, en un coloquio que organizó David Jackson, mi ex-colega de Austin, y ahora profesor de Yale, dedicado a celebrar la obra del poeta más inventivo, nuestro miglior fabbro. “On Transcreation: Literary Invention, Translation and Poetics,” tuvo lugar el 1719 de octubre de 1999. Participaron, entre otros, Marjorie Perloff, de Stanford, notable estudiosa de la poesía moderna; la valiosa comparatista Leyla Perrone-Moisés, de la Universidad de Sao Paulo; y Jacques Roubod, de París, poeta de los mejor traducidos al español. Evoco ese coloquio con una sombra sobre la mirada: Haroldo luce de buena voluntad pero bajo de ánimo. Del tiempo fueron las horas, frutos de la melancolía, donde su alta risa resuena en el “circo ambulante” montado con Emir Rodríguez Monegal para seguir llevando la buena nueva latinoamericana por los pueblos de un mundo que recuperaba, en español y portugués, la gracia gratuita de la magnificencia literaria. Todavía nos preguntamos por él, como si estuviese de vacaciones. David Jackson, en un coloquio sobre Pessoa, esta vez en Brown, lo recordó a propósito de la traducción, que él llamaba “transcreación.” Me di cuenta que nuestro amigo había previsto, desde la traducción como temporalidad, la metáfora de lo transitivo y lo transitorio del pensamiento sobre lo procesal que hoy nos define. Mientras


otros se dedicaban a demostrar que la metáfora latinoamericana era la “resistencia” (idea derivada de la polarización de los años 60), desde la etnología se recuperaba, más bien, la capacidad dialógica de las lenguas originarias y las intermediaciones aborígenes, que postulaban distintas mediaciones y formatos donde se podía comprobar la metáfora de la “reapropiación,” que José María Arguedas definió como “creatividad” popular. Desde las ciencias sociales como armazón disciplinario de unos “estudios culturales” (muy poco inspirados en el dialogismo bajtiniano que refrendó Stuart Hall), más bien de estirpe dialéctica, se promovió un esquematismo dualista (el español vs. las lenguas originarias, Arguedas vs. Vargas Llosa, cultura andina vs cultura moderna, estatismo vs. democracia liberal…) que poco tiene que ver con la dinámica moderna de las culturas nacionales y sus articulaciones globales. Aunque a veces de uso complaciente, la “antropofagia” brasileña fue también una versión feliz del relato temporal (duradero si creativo, precario si pacificado) sobre la hibridez. Me gustaría probar que Haroldo de Campos, en verdad, adelantó el área de lo transatlántico como una rearticulación de nuestra lectura global. Ese trans del trayecto, a través del lenguaje y más allá del espacio, declara la conceptualización de nuestra transitoriedad y, por lo mismo, la extraordinaria validez del evento, sin principio ni final, delicado y único, puro flujo de lo vivo, suscitado por la mirada recíproca y la palabra mutua. En esa dirección, y por distintas rutas, se fue forjando lo que me gustaría llamar el modelo procesal que disputa la organización del otro modelo, el canónico-disciplinario, más bien positivista, que ha cuajado en el pensamiento neo-liberal y su fe ciega en el mercado, y ha impuesto el extravío de la ética de los afectos. 15


TRILCE:

“EL SUJETO DEL ACTO” Pedro Granados, PhD VASINFIN

Resumen

Resume

Tomamos un poema en prosa de nuestro autor, “No vive ya nadie”, y lo cotejamos con Trilce. Lo que encontramos es que aquel “sujeto del acto” —frase-broche de dicho poema en prosa— resulta transversal a toda la poesía de César Vallejo y, en específico, dialoga de modo muy revelador con el poemario de 1922. En el sentido de encarar sobre la naturaleza o el tipo de “acto” que en ambos textos se ventilaría; tanto como, asimismo, sobre el quién del “sujeto” allí presente. Todo esto puesto en debate con el canon crítico; muy en particular, con el “modo brasileño” —Oswald de Andrade, Haroldo de Campos y Amálio Pinheiro— de leer al peruano. En síntesis, hallamos que al poemario Trilce lo constituye una escena (“acto”) virtual y un sujeto tanto virtual como colectivo (articulado en archipiélago); “acto” y “sujeto”, de modo semejante a un mito, previos a toda experiencia. Escenas u hologramas en vías de constituir un aporte ontológico y de mediación conceptual amerindia con el resto del mundo.

We took a prose poem by our author, “Nobody lives anymore,” and we checked it against Trilce. What we find is that that “subject of the act” —phrase-brooch of said prose poem— is transversal to all of César Vallejo’s poetry and, specifically, it dialogues in a very revealing way with the 1922 collection of poems. sense of addressing the nature or type of “act” that would be aired in both texts; as well as, likewise, about the who of the “subject” there present. All this put in debate with the critical canon; very particularly, with the “Brazilian way” –Oswald de Andrade, Haroldo de Campos and Amálio Pinheiro of reading Peruvian. In short, we find that the Trilce collection of poems is constituted by a virtual scene (“act”) and a virtual as well as a collective subject (articulated in an archipelago); “Act” and “subject”, similar to a myth, prior to all experience. Scenes or holograms in the process of constituting an ontological contribution and an Amerindian conceptual mediation with the rest of the world.

Palabras clave: Poema en prosa de Vallejo; Trilce

Key words: Poem in prose by Vallejo; Trilce and

y Brasil; sujeto poético en Trilce.

Brazil; poetic subject in Trilce.

16


Introducción En conjunto, en estos poemas puede

Trilce, maqueta tridimensional análoga a la Piedra de Saywite1, aunque todavía con algunas interferencias de factura en Los heraldos negros y con la añadidura de una fuerte carga de historia europea en España, aparta de mí este cáliz. Trilce, en sí mismo, un calendario ceque2 o sistema integrado de espacio-tiempo antes que, por más pertinentes que sean, alguna u otra serie de narraciones. Al modo de lo que Tom Zuidema, tal como Eduardo Viveiros de Castro (varias veces citado aquí) discípulo de Claude Lévi-Strauss, explicara en su estudio sobre los Incas: “si bien las narraciones de los cronistas sobre el pasado inca pueden no servir para la construcción de la verdad histórica, son fuentes invalorables para identificar las propiedades estructurales de la organización sociopolítica incaica” (Urton XXXV). Trilce, fiesta elevada a un daguerrotipo. Que el poemario de 1922 es un auscultamiento alrededor de la vulva: “Poética de la circularidad” (Granados 2004); que constituye, ante todo, un performance solar celebrativo: Trilce: húmeros para bailar (Granados 2014)3; que reproduce escenas de una mesocrática Lima, conectadas a su proceso de modernización, a través de una intensa y generalizada zamacueca (Granados 2007); o que constituye el “cerebro” o la “sien” de toda su poesía4: Trilce/Teatro: guión, personajes y público (2017a), no es menos cierto5. Pero, además, que aquella misma celebración se eleve a un plano abstracto, simétrico —no únicamente multiculturalista6 ni metalingüístico7—, y en dinamismo “tácito” e intemporal, tampoco es menos cierto8. Por otra parte, de modo análogo a lo que en general caracteriza a los “poema en prosa”9, y al que en específico hemos elegido aquí, “No vive ya nadie”:

observarse el abandono progresivo de la concreción o la determinación espacial, temporal y temática, en favor de una mayor abstracción e indeterminación, que los convierte, como ocurre muchas veces en poesía, en expresión de vivencias, sensaciones e ideas generales o universales (Llorente 236)

Aparte de, y gravitantes también en nuestro ensayo, lo que sobre ellos puntualiza, por ejemplo, Fanny Arango-Keeth: A) “Los poemas en prosa de César Vallejo funcionan como hipertextos [que dialogan incluso con los postulados metapoéticos del escritor], pues contienen todas las configuraciones temáticas presentes en la obra poética del poeta peruano” (62); y B) “la figura yo en la prosa poética vallejiana, adquiere los valores de sujeto social, histórico y a la vez universal” (82). Trilce, en suma, se yergue en estandarte y garantía de triunfo ante cualquier tipo de limitación o de frontera porque transcurre en un cronotopo “ligeramente” distinto del habitual. “Escena cerebro”, en correspondencia al “sujeto del acto”, conectada y paralela a la escena más amplia y performática propia de “las funciones y los actos”. Escena entonces, la del “sujeto del acto” (de nuestro “poema en prosa”), sintética, virtual y en anticipo (Trilce, 1922) de aquella otra (“escena cerebro”) articulada por César Vallejo y propuesta al lector en sus audaces “Notas para una nueva estética teatral” (1934) (Granados 2017a). Trilce, despliegue de un mito10 — el de Inkarrí11— que escinde no sólo un determinado cronotopo, sino también al mismo sujeto de “No vive nadie”: “-Me dices”/ ”Y yo te digo”. Trilce, todo un mandala amerindio contra la muerte. 17


Análisis de “No vive ya nadie…” —No vive ya nadie en la casa —me dices—; todos se han ido. La sala, el dormitorio, el patio, yacen despoblados. Nadie ya queda, pues que todos han partido.

Y yo te digo: Cuando alguien se va, alguien queda. El punto por donde pasó un hombre, ya no está solo. Únicamente está solo, de soledad humana, el lugar por donde ningún hombre ha pasado. Las casas nuevas están más muertas que las viejas, porque sus muros son de piedra o de acero, pero no de hombres. Una casa viene al mundo, no cuando la acaban de edificar, sino cuando empiezan a habitarla. Una casa vive únicamente de hombres, como una tumba. De aquí esa irresistible semejanza que hay entre una casa y una tumba. Sólo que la casa se nutre de la vida del hombre, mientras que la tumba se nutre de la muerte del hombre. Por eso la primera está de pie, mientras que la segunda está tendida. Todos han partido de la casa, en realidad, pero todos se han quedado en verdad. Y no es el recuerdo de ellos lo que queda, sino ellos mismos. Y no es tampoco que ellos queden en la casa, sino que continúan por la casa. Las funciones y los actos se van de la casa en tren o en avión o a caballo, a pie o arrastrándose. Lo que continúa en la casa es el órgano, el agente en gerundio y en círculo. Los pasos se han ido, los besos, los perdones, los crímenes. Lo que continúa en la casa es el pie, los labios, los ojos, el corazón. Las negaciones y las afirmaciones, el bien y el mal, se han dispersado. Lo que continúa en la casa, es el sujeto del acto. De entrada, y luego de situarnos en el tipo discurso que caracteriza una parábola, donde alguno o el discípulo (“-Me di18

ces”) pasa por alguna angustia o tiene un apremio que es apaciguado por el maestro (“Y yo te digo”) —aunque aquí sea el propio yo poético el escindido12— se nos presenta el objeto alrededor del cual gira todo este poema-diálogo: “la casa”. Este sustantivo —aparte de sus metonimias (la sala, el dormitorio, el patio) — aparece once veces entre la primera (una vez), segunda (cuatro veces) y tercera estrofa (seis veces) que estructura “Ya no vive nadie”; aunque con el añadido por el cual aquellas sinécdoques no son ahora: “el lugar de la ausencia, sino sujeto de un verbo que conlleva un rasgo semántico humano: “yacen” [¿’humanización’ de los objetos?]13 (Ávila y Schnabel 114). Adicional a estos dos últimos temas (el sujeto doble o escindido, aunque a su vez complementario, y la “casa”), finalmente, se integra uno tercero: el tema de la ausencia/presencia. Cada uno de estos tres temas, a su vez, atravesados de modo transversal por dos epistemologías vallejianas que hemos descrito o explicado ya anteriormente: escena general/ escena cerebro” (Granados 2017a) y las distintas nociones de las Humanidades (libros, pueblos, narrativas y post-antropocentrismo) que confluyen en la obra literaria de César Vallejo, en general, y no sólo en su poesía (Granados 2020a, 2020b). De esta manera, podemos leer lo que pasa en “Ya no vive nadie” en términos de dos distintas escenas simultáneas y concurrentes, más que de dos cronotopos (antes/ después) separados y melancólicos; y, asimismo, distinguir las perspectivas de nuestras posibles lecturas de este poema en prosa en relación a cada una de aquellas nociones de las Humanidades a las que necesariamente recurrimos para llevarlas a cabo. Por lo tanto, simultaneidad y concurrencia en la “casa” (que sabemos no podemos tomar ya sólo en su significado


específico, sino también general: “casa” = ‘mundo’) donde confluyen, de modo oximorónico, lo que se va y lo que se queda (2da estrofa) y donde constatamos su “nutrición” ininterrumpida por más que la hallemos, formalmente, ya sea en plan de “casa” o de “tumba”: “Sólo que la casa se nutre de la vida del hombre, mientras que la tumba se nutre de la muerte del hombre”. Es decir, constatamos no una cortapisas, sino más bien una continuidad viva allí; aunque, claro, la primera esté de “pie” (casa) y, la segunda, “tendida” (tumba). Formando el entrecruzamiento entre ambos estados de la “casa” (lo vertical contra lo horizontal) una suerte de cruz (como siempre, en la obra vallejiana, no es desdeñable el guiño al cristianismo) o, más bien, un aspa o una hélice o un círculo móvil y metamorfoseante: “Lo que continúa en la casa es el órgano, el agente en gerundio y en círculo”. Y, esto último, ya lo hemos tratado con algún detalle en nuestra tesis para Boston University (Granados 2004); respecto de la poética y utopía específicas del poemario de 1922: “La poética de la circularidad: El mar y los números en Trilce”14. Asimismo, en esta tercera estrofa de “Ya no vive nadie”, aunque de manera un tanto más enfática, se nos invita a tamizar nuestra lectura a través de alguna de aquellas nociones de la Humanidades apuntadas más arriba. Y, ciertamente, entre todas ellas —ya que se hallan aquí en implícito debate— es la noción post-antropocéntrica y multinaturalista con la que pactamos15; aunque, es fundamental puntualizarlo, con este proceder jamás se anule o descarte a la otra u otras perspectivas. Es decir, ante una noción de las Humanidades en tanto “pueblos” o multiculturalismo que opta por una noción de la muerte en tanto “partida” o máximo “recuerdo”, se nos aclara:

Y no es el recuerdo de ellos lo que queda, sino ellos mismos. Y no es tampoco que ellos queden en la casa, sino que continúan por la casa […] Los pasos se han ido, los besos, los perdones, los crímenes. Lo que continúa en la casa es el pie, los labios, los ojos, el corazón. Las negaciones y las afirmaciones, el bien y el mal, se han dispersado. Lo que continúa en la casa, es el sujeto del acto.

Por ejemplo, para William Rowe —en una conferencia titulada, “César Vallejo: el acto y la palabra”, apoyada en el poema “No vive ya nadie”—, Los heraldos negros y Trilce representarían la instancia de la “palabra” mientras, los Poemas Póstumos (España, aparta de mí este cáliz), recuperarían el tiempo de la infancia, aunque ya no como nostalgia. Lo fantasmagórico o gótico se volvería aquí material; no sería ya el recuerdo, sino las personas mismas las que quedarían. El sujeto del “acto”, además, no sería el de la identidad personal, sino de una compartida por todos los humanos. Tiempo-espacio, por último, mesiánico o abierto a la resurrección (Granados 2010). Es decir, en cuanto para articular su lectura, Rowe ha recurrido a una noción de las Humanidades en tanto pueblos o historia, aquélla resulta coherente e incluso, al menos en principio, no tendríamos por qué rebatirla; pero es mutiladora o prejuiciosa. Corre paralela y va emparejada a lo que todavía para un gran sector de la crítica sobre la obra de Vallejo, desde una lectura política (real politik) de la poesía del peruano, considera es lo más valioso o “evolucionado” de la misma una vez que ya no ésta escrita en Lima, sino en Europa: “la exaltación de lo cotidiano, la poesía de compromiso social y las técnicas narrativas de los Poemas humanos” (Ávila y 113); en pocas palabras, nos referimos 19


aquí a los poemas que Vallejo dedicara a la Guerra Civil Española. Por nuestra parte, al nosotros adoptar una perspectiva multinaturalista y amerindia, el “sujeto del acto” tanto en Trilce como en “Ya no vive nadie” corresponden a la “Sien” o a la “escena cerebro” de la poesía del peruano. Ojo, para nosotros Trilce continúa siendo ¡Trila!16, aunque este performance colectivo-glosolalia-onomatopeya lo elevemos ahora a un plano, sino morfológico17, sí más conceptual o abstracto. Algo distinto, aunque a la larga semejante en cuanto se apela a alguna específica noción de las Humanidades, ha ocurrido con la recepción de Trilce en el Brasil. A estas alturas, confiamos que vamos percibiendo que Trilce, a contracorriente de representar una supuesta poesía de vanguardia –y, por ende, signada por lo aleatorio del fragmento18 o lo arbitrario del montaje19— apelaría, por el contrario, por una lectura correcta y reparadora. Sin embargo, aquella “corrección” en su lectura, muy lejos de la temática o ideológica20, no implicaría otra cosa que hacer converger, en la misma, un máximo de nociones simultáneas de las Humanidades. Muy en particular, aquella que denominamos post-antropocéntrica o simétrica; la cual, cabe puntualizarlo, atraviesa e integra aquellas otras nociones. A manera, también merece enfatizarlo, del perspectivismo interespecífico amerindio que en consecuencia se activa: parte de la concepción de un universo monista compuesto por multiplicidad de puntos de vista; ellos corresponden tanto a seres vivientes —humanos y no humanos: jaguares y tapires— como a artefactos y cosas — desde astros hasta piedras—, los que asumen la cualidad de personas […] Rebasando fronteras geopolíticas, lo

20

social deviene cosmos; la separación sociedad civil-Estado resulta artificial o absurda; la política se transforma en cosmopolítica (Rossi 31)

Si volvemos al Brasil, creemos que el basamento Barroco (en principio, Ovidio), vía los neo-barrocos cubanos Lezama Lima o Severo Sarduy, convoca y documenta al más interesante vallejismo brasileño; es decir, el estudio y traducción de la poesía de César Vallejo y, en específico, de Trilce. Ciertamente, la recepción brasileña apuesta a que el Barroco no es mera tecnología 21 ni, tampoco, sólo una lectura a través de las Humanidades entendida en tanto y en cuanto prestigiosos “libros”22; sino, más bien, que aquella potente metáfora figurativa, generativa y desencadenante del Barroco23—interesado, ya que el espectáculo es el terreno natural del arte, en la apariencia más que en la realidad de las cosas— pasa a constituir, en el Brasil, un muy sugerente proto multinaturalismo crítico-traductor. Proto, en tanto y en cuanto éste constituye también un discurso de la inmanencia de las cosas; pero que sin embargo no ha roto en su base con el escepticismo característico de aquel paradigma cultural-literario: “Los filósofos escépticos no creen en una verdad objetiva, porque todo es subjetivo, dependiendo del sujeto que estudia y no del objeto estudiado” (Scarponi 2017). Cuando el multinaturalismo amerindio vallejiano, en cambio, y aunque asimismo inmanente al mundo como el Barroco, acredita en la agenda independiente de cada cosa. Y, sobre todo, no es escéptico; sino, más bien, tal como en Trilce, asertivo, pleno de confianza y certeza24. Cada cual y cada cosa es soberana; aunque, al mismo tiempo, se halle estrechamente conectada al Sol. En el Brasil se ha partido de un bestiario barroco y se ha llegado a una teoría caníbal o antropofági-


ca de la creación: Haroldo de Campos25 y, entroncado a éste, aunque muy a su modo y, sobre todo, aplicada sistemáticamente a Trilce, también Amálio Pinheiro: Ao intemar-se em nosso cérebro e aí reexperimentar cordas vocais, Vallejo parece querer desligar essas junturas sinápticas que nos acostumam a uma determinada cadência favorecida pelo embalo mítico de milênios de memória musical. Propõe esquemas rítmicos de leitura que não se enquadram em nenhum folclorismo temático acalentado pelos anos: este facilmente pode vir a ser o prolongamento pitoresco de um modelo repetitivo que religa ritualmente a comunidade à tribo pela redundância da divisão rítmica. Corrompendo a expectativa de regularidades, Trilce pede uma mente policêntrica, contra qualquer

legibilidade

domesticável.

Polilingüismo, polirritmia e polifonia. (Pinheiro 1993: 178-179)

Creemos que con estas reflexiones (de 1993), Amálio Pinheiro —publicó, antes, su tesis sobre César Vallejo, O abalo corpográfico (1986) y una selección traducida de la poesía del peruano, A dedo (1988)—, aunque muy poco conocido en Hispanoamérica, se convierte en el más aguzado vallejiano de esta parte del mundo. Entonces, ante la escuela francesa (Coyné, Sicard, entre otros), el “modo anglo” de leer a Vallejo (Franco, Higgins, Clayton, etc.) o la variopinta recepción peruana (Ortega, Ballón, Cornejo Polar, por ejemplo), Pinheiro es el que más y mejor —de algún modo, insistimos, esto lo empezó Haroldo de Campos que ya en 1981, junto a Julio Ortega, tradujo algunos de los más “difíciles” poemas de Trilce— ha sabido configurar una consistente y persuasiva lectura “brasileña” del autor peruano26.

En el Brasil se ha partido de un bestiario Barroco27, como decíamos más arriba, y se ha puesto énfasis en la membrana sonora, en la metamorfosis y proliferación que, de modo paradójico, a través de esta misma inestabilidad, opacidad y concurrencia permitiría homologar o democratizar, si fuere el caso, no sólo a aquellos famosos protagonistas de la Fábula de Polifemo y Galatea de Luis de Góngora (Polifemo, Acis, Galatea, Doris) (Granados 1994); sino, asimismo, y con igual rango, a cada uno de los seres y paisajes que allí habitan (Sicilia). Sin embargo, la noción (es) de las Humanidades en la cual militó el oceánico erudito Haroldo de Campos28, a fin de cuentas todas ellas antropocéntricas, e incluso a pesar de su radical acierto de que “escribir es traducir” (al escribir incluso en la lengua materna), se topa aquí con sus propios límites. Labor, la de este último, muy de la mano con la “Antropofagia cultural” de Oswald de Andrade (18901954); autor que no constituye, ni mucho menos, un dato lateral respecto a lo que denominamos aquí el “modo brasileño” de leer a Vallejo29; sino, por el contrario, constituye su nutricia fuente. En el paralelo que podría establecerse entre el “vanguardismo” de Trilce y los manifiestos “Pau-Brasil” y “Antropofagia” —que constituyen en Oswald de Andrade su etapa “vanguardista” (Laera y Aguilar 192)—, no tanto en lo que su obra tiene de “lúdica” y que se refleja en la Semana de Arte Moderno de 1922. Sino, más bien, en lo que de filosófica o rescate de la propuesta antropofágica, en términos más especulativos, contempla la cuarta etapa de la obra de De Andrade: “ensayos que tienen como fin hacer de la antropofagia una teoría cultural” (Laera y Aguilar 193). Entre esta última producción las tan elocuentes reflexiones, sin duda entramadas también a Trilce (respecto a su talante inclusivo 21


o archipiélico), por ejemplo, “Un aspecto antropofágico de la cultura brasileña: El hombre cordial” (1951), citamos: “Se puede llamar alteridad al sentimiento de lo otro, esto es, de verse otro en uno mismo, de constatar en uno mismo el desastre, la mortificación o la alegría del otro. Ese término pasa a ser así lo opuesto de lo que significaba en el vocabulario existencial de Charles Baudelaire, esto es, el sentimiento de ser otro, diferente, aislado y hostil” (De Andrade 167). Hombre “cordial” o matriarcal o amerindio —constituyen sinónimos en Oswald de Andrade— que previamente Sérgio Buarque de Hollanda había estudiado en el capítulo V de Raíces de Brasil, y cuya característica fundamental podríamos resumir de este modo: “un vivir en los otros” (De Andrade 168). Virtual conexión de TrilceAntropofagia, o “num quase programa cholo-antropofágico” (Pinheiro 2019: 204), en dos puntos fundamentales. Primero, tanto la invención de la antropofagia, como la equivalencia —aunque no explicitada por parte de César Vallejo— Trilce-Inkarrí: “reformula la vanguardia y, como práctica, viene a resolver la inserción de la cultura y el arte nacionales en la modernidad cosmopolita, de un modo crítico y novedoso” (196). Segundo, asimismo interpolando lo sostenido por Alejandra Laera y Gonzalo Aguilar: Oswald cree [también César Vallejo] que la ruptura pasa por el uso del lenguaje y por las técnicas de composición, y entre las variantes básicas y disponibles no elige la propuesta surrealista del automatismo y del azar objetivo ni el absurdo ni el nihilismo dadaísta, sino que opta por una vertiente constructivista cercana a las primeras vanguardias europeas (Cendrars, Picasso, Léger) (196-197)

22

Y finalmente, incluso acaso un tercer punto; aunque no necesariamente de coincidencia entre el brasileño y el peruano: “la antropofagia es también una promesa, una utopía […] el surgimiento de la era del Ocio se producirá cuando las máquinas reemplacen el trabajo humano” (202). Frente a esta utopía de Oswald de Andrade, lo que César Vallejo nos propone en Trilce sería más bien una epifanía o la adopción de un punto de visión (ceque solar andino) sea cual fuese el momento histórico o incluso la ideología allí predominante. Aunque, ciertamente, habría unas sociedades más proclives que otras en cuanto a la facilitación de esta experiencia tanto individual como comunitaria; tal sería el caso, por ejemplo en las crónicas de Vallejo, de la familia soviética frente a la burguesa: “Concebir la urbe del porvenir dentro del sistema capitalista —como lo hacen los filósofos, profetas, políticos y escritores burgueses— es un absurdo y un contrasentido […] No es la ciudad del porvenir Nueva York […] Menester es socializar el trabajo, la técnica, los medios e instrumentos de producción, de una parte; y de la otra, la riqueza” ( Vallejo 2002b: 14-15) 30. Aunque en camino, agregaríamos aquí, a la familia trilceana y, por ende, a las “trilceanas ciudadanías” (Granados 2020c); lo cual es como decir, ni utopía ni distopía y, sí, post-antropocentrismo. Cabe puntualizarlo, el “sujeto del acto” vallejiano se levanta íntegro en Trilce —en toda la plenitud de su red— y preserva todo aquello en una instantánea no menos viva e intensa; jamás desconectada del baile o la celebración, aunque en última instancia ésta sea ya intemporal y en apariencia de carácter “hierático”: “[Respecto a Trilce XXIX] el poema es, en español, más hermético y severo, más ceñido y concentrado; en la versión portuguesa resuena más vocálico y aliterativo,


quizá más fluido que hierático” (Ortega 2019: 303). Trilce = “escena cerebro”, la cual a cada lectura se actualiza y pone en “acción”, asimismo, tanto a Los heraldos negros como a su poesía póstuma. Si ahondamos un tanto más en aquella tercera estrofa de “No vive ya nadie…”, en su honda paradoja: “Los pasos se han ido, los besos, los perdones, los crímenes. Lo que continúa en la casa es el pie, los labios, los ojos, el corazón. Las negaciones y las afirmaciones, el bien y el mal, se han dispersado. Lo que continúa en la casa, es el sujeto del acto”. Nos hallamos como ante dos paralelos, discretos y distintos campos semánticos: A (“Los pasos se han ido, los besos, los perdones, los crímenes”; “Las negaciones y las afirmaciones, el bien y el mal, se han dispersado”) y B (“Lo que continúa en la casa es el pie, los labios, los ojos, el corazón”; “Lo que continúa en la casa, es el sujeto del acto”. Y constatamos, con cierta sorpresa, que lo decisivo no es A, que se “ha ido”; sino B, que “continúa”. Es decir, cierta morfología física u objetual predominando sobre el lenguaje e incluso la ética o la historia31. De modo puntual, una noción de las Humanidades entendida en tanto mediación conceptual o multinaturalismo (H4) sobre las otras dos: “giro lingüístico” (H3) y “pueblos” (H2). Perspectivas, estas dos últimas, en las que concurren —junto con las Humanidades entendidas como canon (occidental) (H1)— la inmensa mayoría de los críticos vallejianos hasta hoy en día32. De biografistas duros a “indigenistas”; de filólogos a decoloniales; hasta, desde hace algunos años, variopintos traductores intersemióticos y en digital, la mayoría militantes posmodernos o deconstruccionistas. Respecto a zanjar con estas cuestiones, nosotros preferimos escuchar a un antropólogo como Eduardo Viveiros de Castro:

si en el mundo naturalista de la modernidad un sujeto es un objeto insuficientemente analizado, la convención epistemológica amerindia sigue el principio inverso: el objeto es un sujeto insuficientemente interpretado […] Los artefactos poseen esa ontología ambigua; son objetos, pero necesariamente indican un sujeto, porque son como acciones congeladas, encarnaciones materiales de una intencionalidad no material. Y así, lo que unos llaman ‘naturaleza’ bien puede resultar la ‘cultura’ de los otros” (2010: 43)

En otras palabras, ¿por qué B sería superior a A? Porque B es precisamente lo menos conocido o lo “insuficientemente interpretado”; ante lo cual A actuaría o predicaría de modo prejuicioso o reiteraría un mero lugar común. Asimismo, acaso un filósofo como Graham Harman, con lo que éste denomina una “ontología orientada a objetos [OOO]”33, nos ayude a precisar nuestras ideas: “La verdad del fenómeno no depende del observador sino de la propia actividad del objeto, es decir, del modo de resistir de lo que hay” (Ramírez 20). Y, además, nos permita despejar aquello que más arriba pusiéramos entre corchetes y signos de interrogación: “[¿’humanización’ de los objetos?]. Según Harman: “los humanos son una de tantas cosas con el mismo poder de triturar y modificar a sus cualidades […] el ser humano no es ningún pivote primordial de la realidad, de la relación con la verdad o con la totalidad del universo, sino tan sólo uno más de tantos objetos en relación” (Gutierrez Velasco 2020). Sin que nada de esto último, a este nivel, entre en conflicto con lo que, a su turno, Viveiros de Castro nos ha planteado, por ejemplo, en su A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropolo23


gia. : “A proposição presente nos mitos é: os animais eram humanos e deixaram de sê-lo, a humanidade é o fundo conum da humanidade e da animalidade [y de los objetos u artefactos, añadiríamos nosotros] (2002: 481); y una estudiosa, como María José Rossi, ha glosado: “Si el mundo occidental ve a la naturaleza como una y a la cultura como múltiple, producto de la función singularizante y diferenciadora del alma, el mundo indígena ve lo contrario: una multiplicación de naturalezas y un espíritu uno al mismo tiempo humano, indiferente, genérico” (Rossi 34). Por lo tanto, es así como se deja entender mejor, fuera de todo antropocentrismo y antropomorfismo, la segunda estrofa de nuestro poema: “El punto por donde pasó un hombre, ya no está solo. Únicamente está solo, de soledad humana, el lugar por donde ningún hombre ha pasado”. El archipiélago —que constituimos humanos, animales y objetos— es humano todo él porque no hay modo que no lo sea; carecemos de otro referente o alternativa de cotejo34. Sin embargo, esto no apaga la pregunta de lo que, por separado y de manera soberana, los humanos, animales u objetos sean. Es decir, o no los conocemos del todo o este conocimiento es un proceso todavía inacabado. Por otro lado, tampoco dejamos de encontrar H1 en el poema en prosa “No vive ya nadie”; tal como, y de modo abundante, hallamos asimismo en Trilce dado el amor de César Vallejo por la literatura del Siglo de Oro, en particular, por la sotileza de Góngora y Quevedo. De esta manera, siguiendo el hilo de nuestra argumentación, no debemos pasar por alto aquel “Nadie” [“Outis”: Odiseo ante Polifemo] y su contrario “todos” (pasando, de modo previo, por ‘alguno’ y ‘algunos’) del comienzo mismo del poema (1er párrafo) y de su consecuente “Todos” del 24

tercer y último párrafo. Es decir, por un lado, en la oración subordinada que estructuralmente constituye nuestro poema en prosa, ambos párrafos ligados (1ero y 3ero) pasan a ser la proposición principal del texto; mientras el segundo párrafo actúa como la frase subordinada: —No vive ya nadie en la casa —me dices—; todos se han ido. La sala, el dormitorio, el patio, yacen despoblados. Nadie ya queda, pues que todos han partido [1er párrafo] Todos han partido de la casa, en realidad, pero todos se han quedado en verdad [3er párrafo].

Tal como Ulises en medio de la isla de los Cíclopes, se enfrentan aquí nuevamente dos estadios de evolución: lo primitivo (Polifemo) y lo civilizado (Ulises)35. Y, del conato, dará como resultado un nuevo Ulises36, amerindio más bien (el sujeto poético vallejiano), para quien “Nadie” (que partió) es ahora “Todos” (que se quedó); es decir, un sujeto post-antropocéntrico y simétrico: esos diversos cuerpos humanos y no humanos, considerados agentes actuantes, rehúsan la contraposición convencional

sociedad

civil-Estado,

propia de las elaboraciones occidentales modernas —de Hobbes a Hegel— para comprender el cosmos social. La política se transforma en cosmopolítica “sin salir de la política” (Viveiros de Castro 2010: 221)

Ahora, si ahondáramos en aquella intertextualidad o paralelo ya establecido por la crítica entre las obras de Vallejo y Rulfo (y la de Guimarães Rosa), se nos ocurre que la “cosmopolítica” podría ser una clave. Por ejemplo, para profundizar en estos textos:


“no oyes ladrar los perros “(Pedro Páramo) – “¿quién hace tanta bulla?” (Trilce I)

Gesto de los “perros” (y no menos seres humanos y paisaje y cada uno de los objetos allí “yacentes”) en tanto advertirnos de su presencia en medio de ese aparente deshabitado desierto; y la “bulla”, en Trilce I, de toda la realidad que circunda al yo poético y que carece todavía de voz. Conceptos plasmados además, y porque Inkarrí no es regionalista ni chauvinista, también en un autorretrato tardío de Paul Gauguin37 (Camino del Gólgota). Adrede aquí, y aunque de modo no menos paradójico, el pintor desea focalizar el contorno tanto, o incluso más, que su propio autorretrato. El mundo multinaturalista –el cual Gauguin ha descubierto en sus viajes y residencia en Oceanía– y su yo o identidad en su trance más radical (se halla, como Cristo, camino del Gólgota) no pueden ya disociarse; no pueden ambos ya concebirse el uno sin el otro. Es más, al descubrimiento y complicidad del observador con esta epifanía –la de la simetría: el cosmos “humano”– está destinado todo el cuadro. Y, por lo tanto, su temática no podría ser la del escepticismo ni la del dolor; ni la de la despedida o la muerte. Sino, muy por el contrario, y tal como en la poesía de César Vallejo, la bienvenida a otra vida que desde ya existe, pero ante la cual no alcanzamos a sonreír todavía porque nos resulta algo demasiado nuevo o inédito. Sensibilidad, la cual, aunque tenga un entronque cultural específico (H2) carece ya de fronteras étnicas y asume, más bien, un rango universal y ontológico (H4). Conclusión Hace unos años, al atar cabos sobre lo que íbamos estudiando de la poesía

de César Vallejo, el día 08/08/08 lo declaramos en nuestro blog “Día de la utopía vallejiana”; esto último, dada la tan elocuente —por ausencia— no inclusión en Trilce del número 8 (Fernández 250). El 8 sería un símbolo aún por realizarse en Vallejo —aunque en tanto metonimia del mismo, más bien, abundante desde ya en toda su poesía—, algo que no tendría correlato en la realidad ni palabras en la poesía y sería, eventualmente, acicate y objetivo de toda su búsqueda (poética e histórica). Por lo cual, agregábamos allí, al menos ese día —en honor a Trilce — deberíamos interrumpir pensar tal como lo hacen en los noticieros; despojarnos, tanto como fuera posible, de nuestro rol de funcionarios o racioneros del sentido común. O, acaso resulte equivalente, pensar más bien desde varias nociones de las Humanidades de modo simultáneo; no sólo desde una o dos de éstas, y agregando siempre y de manera necesaria aquella noción simétrica o post-antropocéntrica. Paradójico fundamentalismo vallejiano y, aún más, trilceano en medio de tanta aleatoriedad, constructivismo o nihilismo supuestamente típicos de la vanguardia histórica y latinoamericana. Lo cual, en última instancia, nos invitaría a considerar la vanguardia en términos de oscilación, metamorfosis o dialéctica cultural-ontológica; es decir, intentar colar toda aquella idea preconcebida y canonizada del montaje vanguardista por el tamiz: fragmento ~ “fermento”. En consecuencia, la lectura correcta y reparadora a la cual nos convida Trilce no sería unidimensional ni, mucho menos, autoritaria; sino, y aunque al principio pueda resultar algo paradójico frente al ejercicio de nuestra insoslayable libertad: inclusiva, multidimensional, multitemporal y decididamente simétrica. Algo de esto último, resulta muy grato para nosotros comprobarlo, y que sin duda desde 25


ya lo distingue, va siendo ensayado por el “modo brasileño” (Haroldo de Campos y Amálio Pinheiro inspirados por obra de Oswald de Andrade) de leer a Vallejo; sobre todo en cuanto a una adaptación radial o “barroca” de recepcionar la obra del peruano. El “acto” decisivo de un Inkarrí reintegrado y pleno (en “bloque”, expresión vallejiana) sucede en cualquier cronotopo en que aquél embiste al tiempo lineal: “La metamorfosis mítica es un acontecimiento, un cambio sin moverse de lugar, una figura del devenir (Rossi 35). Y el quién del “sujeto” de Trilce resulta equitativo al del poema en prosa, “No vive ya nadie”. Un coro mixto de personas, animales y objetos, por demás afiatado, cada vez que el Sol o Inkarrí aparece.

26


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28

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Notas

7 Frente a la gravitación del término “tupi”, para el de-

1

Maqueta del mundo cósmico de los incas, asociado al

senvolvimiento de la cultura mestiza, en tanto: “bateria

agua, la fertilidad de las tierras y las fuerzas comprome-

incorporativa das possibilidades asimilitativas do código”

tidas en su existencia […] donde representaron las princi-

(Pinheiro 2019:100); Inkarrí, en cuanto Trilce, actuaría

pales estructuras hidráulicas que encontramos como vesti-

más bien, glosando lo anterior, como batería incorpora-

gios de su gran conocimiento de las cuencas asociados a la

tiva de las varias, distintas y simultáneas nociones de las

divinidad y a su visión del mundo.

Humanidades que ponemos en juego al leer e intentar en-

2

“líneas de mira dirigidas desde el Coricancha a todo el

tendernos a nosotros mismos: libros (H1), pueblos (H2),

horizonte” (Zuidema LI); “el sistema de ceques del Cuzco

narrativas (H3) y postantropocentrismo (H4) en sus dos

organizó también la vida de las generaciones de su gente,

variantes: posthumanismo (H4a) y multinaturalismo (H4b)

la memoria de su pasado y el de otros pueblos con quienes

(Granados 2020a). La perspectiva del “código”, tal como

los incas tuvieron contacto” (Zuidema LVII).

aquí se ventila, incorporaría H1, H2 y H3 (constructivis-

3

“Ao nos propor um con-viver performático com César

mo-deconstrucción, relevancia del denominado “giro lin-

Vallejo (não se trata já de apenas ler), a partir de uma

güístico”). Pero no incluiría H4, más allá de rescatar cierto

partitura de inscrições (não se trata mais de escrever) mu-

“efecto de realidad” o ideología socio-cultural (canibalismo,

sicais (a marinera e suas fugas e síncopes etc.) e sexuais

antropofagia), sin llegar a concebir este principio de si-

(amores com Otilia e suas ramificações) vinculada organi-

metría en cuanto mediador conceptual o “giro ontológico”.

camente à cultura andino-mestiça dos arrabaldes festivos

Por lo tanto, en Trilce no se trata de un contenido esen-

em formação e movimento da Lima dos 1900 e poucos,

cial a ser respetado o venerado o acaso en su traducción

Pedro Granados impugna, de chofre, as consabidas inter-

considerado inmune, tal como piensan Walter Benjamin y

pretações político-essencializantes e nos abre, em leque

Haroldo de Campos, a ser una: “transmissão inexata de

risonho, o vaivém diagramático de Trilce aos textos de an-

um conteúdo inessencial” (Pinheiro 2019: 105). Todo esto

tes e depois” (Pinheiro 2014: 11).

sucede en el plano del lenguaje y, en cambio, todo mito,

4

A tono con la recurrencia de los 10 poemas con la pala-

dado el caso Trilce o Inkarrí, según lo sostiene Eduardo

bra “sien” en Trilce: XXIII, XXX, XXXV, XXXVI, XLII, XLVII,

Viveiros de Castro: “se sitúa, no en una lengua y en una

XLVIII, LXXI, LXXIV y LXV. Y a propósito del dossier Sien en

cultura o subcultura, sino en el punto de articulación de

Trilce (Mar con soroche/VASINFIN: Santiago/Lima, 2021).

éstas con otras lenguas y otras culturas. El mito no es

5 “Vallejo para Granados y Granados para el contrapunto y

nunca de su lengua, es una perspectiva sobre otra lengua

la marinera. Dos poetas bajo el mismo signo zodiacal jugan-

[Mitologías]” (2010: 223). Tal es lo que, por nuestra parte,

do a las escondidas. Pero Granados nos ayuda a hundirnos

sostenemos también aquí sobre Trilce y lo continuaremos

en la solaridad del vate de Santiago de Chuco, si cabe, y

ventilando a lo largo de este artículo. “Perspectiva sobre

también a caer de pie en una fonda de ritmo y sabor insos-

otra lengua” que devora omnívora, pero que a su vez se

pechada para quienes habíamos hecho una lectura circuns-

abre paso entre la estilística, la filología, la recepción y las

pecta de nuestro poeta universal” (Herrera 2014).

variadas perspectivas de estudios político-culturales.

6 “El relativismo cultural, o multiculturalismo, supone una di-

8 En coincidencia con cierto pensamiento poetológico del

versidad de representaciones subjetivas y parciales, inciden-

autor de Trilce. En la crónica, “El secreto de Toledo” (1926),

tes sobre una naturaleza externa, una y total, indiferente a

menciona: “[Dinamismo tácito y dinamismo expreso] Del

la representación. Los amerindios proponen lo contrario: por

reposo nace el movimiento, diría Ovidio […] Por eso será

un lado, una unidad representativa puramente pronominal:

que hay quienes aman la vida de los pueblos de España,

es humano todo ser que ocupe la posición de sujeto cos-

prefiriendo, sin duda, su dinamismo tácito y esencial, al

mológico; todo existente puede ser pensado como pensante

dinamismo expreso y esporádico de los otros países eu-

(existe, luego piensa), es decir como ‘activado’ o ‘agendado’

ropeos” (Vallejo 2002 I: 232-233). En el poema póstumo,

por un punto de vista [El punto de vista crea, no el objeto,

“Telúrica y magnética”: ¡Suelo teórico y práctico!/¡Surcos

como diría Saussure, sino el propio sujeto]; por otro lado,

inteligentes; ejemplo: el monolito y su cortejo!/ ¡Papales,

una diversidad radical real u objetiva” (Viveiros de Castro 54)

cebadales, alfalfares, cosa buena!/ ¡Cultivos que integra

29


una asombrosa jerarquía de útiles/ y que integran con

más obligados estamos no sólo a leer; sino, también, a un

viento los mujidos,/las aguas con su sorda antigüedad!”

convivir performático con César Vallejo.

(Vallejo 1968:299). “!Suelo teórico y práctico!”, finalmente,

12 En la edición de Américo Ferrari (1996), este “poema

entonces, tal un cronotopo donde coinciden o se aglutinan

en prosa”, va antecedido por, “Cesa el anhelo, rabo al aire”

de modo paradigmático aquel “dinamismo tácito y expreso”.

(322) de honda conexión con el que nos ocupa. Allí, y por

9 Según terminología de la edición de Georgette de Vallejo

análogas circunstancias, el sujeto poético también se escin-

(César Vallejo. Obra poética completa, Lima: Moncloa,1968);

de: “Y yo/ me escondo detrás de mí mismo, a aguaitarme si

o “Poemas póstumos I”, según Américo Ferrari (César Vallejo.

paso/ por lo bajo o merodeo en alto”. Aunque también po-

Obra poética, Madrid: Colección Archivos, 1996), que no usa

dríamos considerar, si optáramos por la escisión “discípulo”/

el concepto de “poemas en prosa”.

“maestro”, y ya que ambos atraviesan una pérdida y duelo

10 Sin embargo, “mito” en Vallejo, ni de estirpe “surrea-

en común (el fallecimiento de su madre), el esquema: nar-

lista” ni “dadaísta”, aunque el “Cholo” congeniara más con

rador-protagonista/ hermano “Ángel” del importante cuento

este último e incluso cultivara una auténtica amistad con

“Más allá de la vida y la muerte” (Escalas melografiadas).

Tristan Tzara. Dado el planteamiento de Saúl Yurkievich:

Importante porque, por ejemplo, un crítico y poeta como

“el surrealismo salvaguarda lo mítico, lo mágico, lo místico,

Oscar Hahn no duda en afirmar: “fue escrito 32 años antes

lo misterioso y, en esta dirección, prolonga el vector ro-

que Pedro Páramo y en el que hay un tratamiento de la

mántico-simbolista. Mientras que el surrealismo presupone

muerte afín a Rulfo [y de “La amortajada”, de María Luisa

un retorno reparador al orden preindustrial, el dadaísmo

Bombal] (Hahn 2011). Con el perspicaz añadido, de parte

decide enfrentar el menoscabo provocado por el nuevo

del crítico chileno: “En la novela de la Bombal esa ruptura

contexto urbano y la sociedad de masas [...] los dadaístas

[con los límites entre la vida y la muerte] se manifiesta a

saben que tienen que obrar en el vacío, con horizonte clau-

través de la experiencia de una sola persona; en la de Rulfo

surado y al borde del precipicio [...]. Si Pablo Neruda inau-

es un estado del mundo [semejante aunque, como vere-

gura en la poesía hispanoamericana la alucinada videncia

mos, finalmente distinto al de Vallejo]. Asimismo, a modo

que los surrealistas preconizan, la actitud dadaísta está

de otro ejemplo, en esta relación de poéticas Vallejo-Rulfo;

representada por la movilidad icónica y la mutabilidad ver-

también se ha reparado en la conexión entre “El unigéni-

bal, por las torsiones de César Vallejo” (Yurkievich 1992:

to” (1923), de Vallejo, y “Luvina” (1953), de Rulfo: “donde

27-28). Es decir, “mito” en Vallejo, ni “romántico-simbo-

un hombre habla con otro, sin que nunca escuchemos su

lista” (legado europeo) ni, tampoco, obrando “en el vacío”

respuesta, asunto que acontece de cierto modo en Pedro

—lugar común o prejuicioso vinculado a las vanguardias

Páramo (1955)” (Solé 206).

históricas— a pesar de las múltiples torciones de aquella

13 De manera análoga a lo que encontramos, en la descrip-

poesía. En paralelo a su estirpe literaria, a la consideración

ción de un contexto semejante, en el cuento “Más allá de la

de las Humanidades en tanto libros o autores; “mito” el de

vida y la muerte”: “Por sus pocos días de tránsito en Santiago,

Trilce, más bien, como parte de una herencia conceptual

Ángel habitaba ahora solo en casa donde, según él, todo yacía

amerindia y post-antropocéntrica.

tal como quedara a la muerte de mamá” (Vallejo 1970: 25).

11 “Somos de aquellos que creen, si no en la resurrección

14 Intentamos demostrar aquí que este poemario descri-

a la manera mesiánica, por lo menos en la reexhumación

be un viaje que tiene en el escenario marino su lugar de

médico-legal” (“La historia de América”) (Vallejo 2002 I:

partida (Trilce I) y de llegada (Trilce LXXVII), circularidad

222). No tenemos duda que César Vallejo incorporó el

temática que, según nuestra hipótesis, no hacía otra cosa

mito, jamás contrapuesto a lo político, en su propio pro-

que reflejar la relevancia del ícono “0” (vocal, círculo o

ceso intelectual y artístico. Escépticos o desilusionados; o

cero) tanto en la estructura del libro como en la mayoría

fervorosos y comprometidos por la pertinencia de este tipo

de sus imágenes más relevantes y símbolos reiterativos

de estudio: William Rowe, Helena Usandizaga o, de modo

(los números), aunque ahora no a través de su estatismo

elocuente, Alan Smith Soto. Lo cierto es que mientras más

—como “charco” o “tumba” de Los Heraldos negros— sino

militantes en lo “trasatlántico” seamos —sintonizados de

a través de su dinamismo y la constante mudanza en su

modo simultáneo a ambas o más orillas de la academia—,

perfil icónico; es decir, el “0” observado desde otra pers-

30


pectiva puede ser 1, y viceversa. En otras palabras, en este

y adorno del baile de jarana” (Granados 2007); al cual po-

capítulo nos avocamos a la adecuación de una lógica radial

dría enmarcar las siguientes palabras de Armando Almánzar

y metamorfoseante para entender el cambio y proliferación

Botello: “Me recuerda al que realizaron Deleuze y Guattari

numérica, y lo que esta última significa en Trilce. El mismo

con Kafka en “Por una literatura menor”, para demoler el mito

que parecería obedecer a una lógica multiradial y ternaria,

de éste como personaje simplemente depresivo, sin vitalidad

pero donde el ‘Tres’ no alude tanto a los números como a

y ajeno a la vida cotidiana”. Allí, en síntesis, sosteníamos:

las dimensiones puestas en juego; esta es la manera por

“Creemos que Trilce [en tanto letra, ritmo y coreografía, a

la cual este poemario se torna tridimensional, recrea con

un tiempo] nos invita a pensar que la suerte de los indíge-

el lenguaje un paisaje en movimiento, todo el itinerario

nas —la sierra de su Perú— no fue la única que desveló a

cinético de un viaje, del primero al último poema del libro.

César Vallejo, sino que el mestizaje y modernización de Lima

15 Noción de las Humanidades en la obra del “Cholo”, nos

también coparon su interés; muy en particular la presencia y

percatamos ahora, que ya desarrolláramos en nuestro libro

rol de lo afroperuano”. Es decir, nuestro punto de vista crítico

Poéticas y utopías en la poesía de César Vallejo (2004).

ha girado de lo formal a lo coyuntural, cultural y político; ya

Entonces, H4 (Post-antropocentrismo o “giro ontológico” o

no se trata sólo, aunque haya sido imprescindible, de inten-

mediación conceptual amerindia), en lo que ya distinguía-

tar elevar la maqueta multidimensional del libro de 1922.

mos allí en tanto “inclusión”: La Poética de la inclusión:

Ahora hallamos a César Vallejo, en Lima, como testigo de su

heraldos negros y heraldos blancos en Los heraldos negros

modernización; y militante de una democracia perfectible y,

(Cap.I); “circularidad”: La poética de la circularidad: El

no menos, más acorde con la realidad multicultural del Perú.

mar y los números en Trilce (Cap.II); y “nuevo [antiguo]

Tal como resume el filósofo Carlos Quenaya: “Granados se

origen”: La poética del nuevo origen: La piedra fecunda-

propone, ni más ni menos, que leer Trilce en clave de mari-

ble de los Poemas de París (Cap.III)/La piedra fecundada

nera limeña, es decir, desde el contexto de la modernización

de España, aparta de mí este cáliz (Cap. III). “Inclusión”

de Lima (años 20) y la gravitación de la clase proletaria…

no sólo en tanto una unidad plural o voz coral, sino tam-

en específico desde la quinta o el callejón donde los obreros

bién lógica que incorpora a la unidad incluso su opuesto.

(…) celebraban la vida con aquel ritmo de raíz afro-perua-

“Circularidad”, con el mar que en Trilce no constituye úni-

na” (2010). Cabe añadir que en este trabajo procedimos a la

camente un referente, sino ante todo: “[la] dinámica inter-

manera de Paul Zumthor, aunque sin todavía haberlo leído;

na que en los números se iconiza” (Granados 2004: 54) en

es decir, tratamos Trilce XXXVII a manera de un archivo de

plan de “captar la fugacidad que está en movimiento cons-

glosolalias culturales que, una vez pasadas por el tamiz del

tante” (Menczel 257). Y que, como bien podemos observar,

análisis y puestas en contexto, rescataron una memoria y

concluye nada menos que con la fecundación de la piedra

recrearon un escenario social, cultural y político.

por parte del sujeto poético; cópula, ciertamente, simétri-

17 “En el americano que quiera adquirir un sentido morfo-

ca o multinaturalista. Trabajo el nuestro que, en aquella

lógico de una integración, tiene que partir de ese punto en

época y un tanto hasta hoy —salvo las agudas reseñas de

que aún es viviente la cultura incaica” (Lezama 411) José

Angélica Serna (2004) o Gabriella Menczel (2010)—, ha

Lezama Lima, José Lezama Lima. El reino de la imagen.

caído “en el vacío” ya que no encaja con los estudios valle-

Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1981.

jianos del canon crítico (H1, H2 o H3). Serna, por ejem-

18 Término, cuya relevancia a nivel de la cultura, merece

plo, que moteja nuestro proyecto de “utopía intelectual”

una oportuna reflexión de parte de Amálio Pinheiro: “O

o de “reactivación del saber desde el saber”, concluye lo

caráter multiplicante, ramificante e fragmentário da cul-

siguiente: “Los procesos encontrados en la aplicación de la

tura se dá, entre nós, por uma proliferação dos processos

lógica de la inclusión, el principio de circularidad y el hal-

civilizatórios fronteiriços junto a um grande enfraqueci-

lazgo de nuevos orígenes en tierras ya conocidas conciben

mento das noções binárias de centro e periferia (o que nos

la poesía de César Vallejo como un texto total que no tiene

obriga a uma revisão e reconfiguração lógico-conceptual),

quiebres, es decir, que no se adscribe a poéticas condicio-

não por uma glorificação da velocidade a partir do para-

nadas por factores sociales o políticos”.

digma eurocêntrico de modernidade levado a cabo pelas

16 Aludimos a nuestro ensayo “Trilce: muletilla del canto

tecnociências. As sociedades não binárias e lentas, dado

31


o seu caráter constitutivamente fractal e mestiço, é que

plasma incorporativo, funcionando como uma espécie de

são rápidas para interligar os outros e as diversidades”

metabolismo de base desde aquela mencionada arribada

(Pinheiro 2011: 11)

de confluências, parece radicalizar a agilidade estrutural

19 Por ejemplo, el radical relativismo del Cubismo, en el

dos textos interna e externamente” (Pinheiro 2004: 124).

que: “la simultaneidad de puntos de vista no decanta, no

POR ENTRE MÍDIAS E ARTES, A CULTURA. Ghrebh‐ n.

obstante, en visión total: el objeto permanece roto, frag-

06, São Paulo, novembro/2004. 120-130. Confluências

mentado y enigmático (Rossi 32).

que por el despliegue no lineal sino radial del Barroco, han

20 Verbigracia, la que Alberto Escobar nos propusiera en

implicado también para el Brasil la pervivencia y pertinen-

su tan elocuente libro Cómo leer a Vallejo: “Creo que el

cia del pasado en la recepción estética del presente; así

desciframiento que Escobar nos propone se excede en la

como la revisión o revalorización de autores: “controver-

determinación cohesiva, en el empeño unitivo por presentar

sos (Gregório de Matos, no barroco) ou marginalizados

la obra vallejana como un ininterrumpido ascenso [‘ideo-

(Odorico Mendes… Sousândrade… Pedro Kilkerri… Oswald

lógico-valorativo’, desde Los heraldos negros, pasando por

de Andrade)” (De Campos 209).

Trilce, hasta su consumación en España, aparta de mí este

24 Podríamos describir Trilce como fragmentos (análogos a

cáliz] signado por el control y la coherencia. A través de esta

los de Picasso); pero cuyo montaje móvil no es arbitrario,

lectura los textos suelen perder su capacidad metamórfica,

sino que aquellos acontecen, en tanto “fermentos”, recons-

su plurivocidad inestable, su irradiación tan multidireccional

truyendo el cuerpo del Inca (Sol) el cual, a su vez, está vivo.

como multidimensional” (Yurkievich 1977: 245).

Por lo tanto, constituyen “fermentos” (hombres, animales,

21 Tal como, por ejemplo, lo sostiene Sergio Franco:

objetos, párrafos, versos, palabras, comida, líquenes, are-

“Resulta inevitable, por ello, pensar en el “barroco” puesto

na, etc.), cada uno de ellos independiente y soberanamente

que éste consiste en una operación antes que en una épo-

orientado; aunque asimismo motivados o atraídos a rein-

ca, un estilo o una esencia. En efecto, se trata de la pro-

tegrar aquel cuerpo por ahora deshecho. En este sentido,

ducción de pliegues que se expanden al infinito mediante

guiados por la lógica y oscilación fragmento/”fermento”, cir-

diversas actividades como tensar/destensar, contraer/dila-

cunscritos a la literatura de la región, aunque no sólo limita-

tar, comprimir/explotar, envolver/desarrollar, evolucionar/

do al último siglo, sería perfectamente posible —aunque no

involucionar (Deleuze, Te Fold. Leibniz and the Baroque.

menos arduo— ordenar y elaborar una antología en términos

Minnesota Press 1993, 1–6; 27–38) [El barroco cuestio-

de “Fermento[s] de sol”: Actual poesía amerindia.

na el lenguaje en tanto que instrumento comunicativo y

25 Según la traductora Christiane Quandt: “Como latinoa-

funcional del capitalismo; la tendencia barroca al exceso

mericanista, he leído a los vanguardistas “antropófagos”

y el despilfarro antagoniza la exigencia de acumulación y

brasileños, especialmente a Haroldo de Campos y su, para

beneficio de la economía burguesa (Sarduy 1250) [Obra

la época, revolucionaria noción de la traducción como acto

completa, 1999] (Franco 475).

de “transcreación” e incluso de “antropofagia”. Partiendo

22 El Barroco brindaría toda una alternativa al paradigma

de la teoría de Benjamin, según la cual con cada idioma

europeo de modernidad: “O caráter multiplicante, ramifi-

al que un texto es traducido este último se aproxima más

cante e fragmentário da cultura se dá, entre nós, por uma

al lenguaje divino, De Campos dice que toda traducción es

proliferação dos processos civilizatórios fronteiriços junto a

un acto voraz, el traductor se convierte en un devorador

um grande enfraquecimento das noções binárias de centro

que luego digiere el texto de partida (el sacrosanto “ori-

e periferia (o que nos obriga a uma revisão e reconfigura-

ginal”) para convertirlo en otro tipo de suelo fértil para la

ção lógico-conceptual), não por uma glorificação da velo-

recepción dentro de su espacio linguístico cultural. Lo que

cidade a partir do paradigma eurocêntrico de modernidade

en Benjamin se basa todavía en un concepto esencialista/

levado a cabo pelas tecnociências. As sociedades não biná-

místico, en De Campos se convierte en una filosofía de la

rias e lentas, dado o seu caráter constitutivamente fractal

traducción (des)constructivista” (Campos 2019).

e mestiço, é que são rápidas para interligar os outros e as

26 Modos de leer poesía, incluido el que denominamos aquí

diversidades” (Pinheiro 2010: 11).

“brasileño”, cuyas particularidades y taxonomía se podrían

23 O dispositivo al cual: “Lezama Lima chamou de proto-

facilitar si nos orientamos en nuestra labor con la distinción,

32


para cada uno de ellos, de las nociones de las Humanidades

Assunção, Horácio Costa, Thiago de Mello, Alai Garcia

que los auspician o presiden. Aunque es un campo todavía

Deniz, Lucie de Lannoy, Ademir Demarchi, etc. Y, frente a

por explorar, la tarea consistiría en estudiar las modalidades

la cuales, tenemos actualmente incluso otros desarrollos;

y los relevos —desde un punto de vista histórico, teórico y

por ejemplo, en la “trìplice fronteira” Brasil, Argentina,

cultural— en nuestros modos habituales de leer poesía (esti-

Paraguay: Wilson Bueno, Douglas Diegues, “Alejandro

lística, estructuralismo, “giro lingüístico”, etc.). Frente a otras

Abdul” (un poeta “inventado” surgido en las aulas de la

maneras más recientes, aunque con un canon todavía por

UNILA –Foz do Iguaçu– hace aproximadamente una dé-

hacerse o consolidarse en América Latina; como, por ejem-

cada) (Granados 2017b, 2013). Y, más recientemente,

plo, aquel que surgiría de la tamización de su literatura a

en la región amazónica de Acre: Universidad Federal de

través de la oscilación fragmento/fermento.

Acre (UFAC, Rio Branco) actuando como centro de irra-

27 Probablemente la genealogía de la Antropofagia, a

diación: Uwa’Kürü – Dicionário analítico – volume 5, 2020

partir del Barroco histórico, obedece al siguiente esque-

(Granados 2020a) y “Dadá da Tapioca” (Granados 2016).

ma: Barroco o Soledades (ante el desbarajuste del tiem-

En parte del desenvolvimiento de estas dos últimas recep-

po lineal tan favorable y en apariencia incuestionable del

ciones de Trilce en el Brasil, “tríplice fronteira” y “amazo-

poderío peninsular (español-portugués). Filosofía estóica)

nia”, nos hemos desempeñado como activos mediadores

+ Neo barroco cubano (derroche y pan erotismo como

culturales y conceptuales.

respuesta a la usura y puritanismo de la ideología capi-

30 Más tarde, hacia 1930, luego de Trilce (1922) y del ta-

talista yanqui. Epicureísmo: placer, Lezama; o, “amistad”,

lante estético predominante de Pau-Brasil (1924), ambos,

Martí) + énfasis en el mestizaje brasileño o amerindio y

César Vallejo y Oswald de Andrade, van a constituirse en

una respuesta, finalmente política, aunque en primer

intelectuales orgánicos del partido comunista.

lugar gnoseológica u ontológica frente al saber europeo:

31 E incluso sobre una filosofía de “alas blancas” o apolínea y

el amerindio muerde y devora las ideas de Europa, las di-

su consiguiente “saber”; en contraste, más bien, con una “fi-

giere y las añade a su tan inclusivo archipiélago o retablo

losofía de alas negras” o en intenso claroscuro: la membrana

cultural; pero, al mismo tiempo, qué duda cabe, no deja de

de un mar muy agitado en pleno medio día (“Que nos buscas,

“morder” o desgarrar el cuerpo de occidente.

oh mar, con tus volúmenes/ docentes”, Trilce LXIX). Las olas

28 “libros o canon, multicultural o “barroca” e, incluso, li-

del mar, obviamente, en correspondencia metonímica con el

bertaria en tanto llamarnos la atención sobre la naturaleza

apetito cognoscitivo del sujeto poético.

constructiva o narrativa de las mismas” (Granados 2020a).

32 Los que aparecen sumariamente reseñados, aunque

Bástenos observar la teoría de su práctica traductora o

constituya siempre una tarea pendiente dada la ingente

“A Estética da Tradução”, un curso universitario suyo que

nueva bibliografía, aparte del trabajo de Ricardo J. Kalimán

comprendía tres secciones: “A Lógica da Tradução (tradu-

(1994), en David Sobrevilla (1995) y en Américo Ferrari

ção referencial e tradução poética); A Física da Tradução

(1989). Para este último, cuya reseña nos parece la más

(Ezra Pound; Jakobson); A Metafísica da Tradução (Walter

ponderada y matizada entre las otras: “la obra de Vallejo

Benjamin)” (De Campos 209). O, como resume Seligmann-

podría caracterizarse con la expresión difundida por un li-

Silva: “Haroldo seguiría uma concepção da literatura como

bro de Umberto Eco: es una obra abierta [...]. Esta obra

jogo intertextual –jogo de citação e plágio, tradução cons-

abierta ha suscitado más de una lectura igualmente abier-

tante de um texto no outro” (Tápia 225). Finalmente, per-

ta. Recordemos entre otras las de André Coyné, Alberto

cibimos que a modo como lo ensaya su referente Oswaldo

Escobar, Jean Franco, Rafael Gutiérrez Girardot, Keith Me

de Andrade, tanto en la exposición como en el método,

Duffie, Julio Ortega, Eduardo Neale Silva, Roberto Paoli,

Haroldo de Campos se halla: “más cercano a las asocia-

Guillermo Sucre [...]. Lo que caracteriza todas estas lec-

ciones analógicas que a una exposición argumentativa”

turas, aparte de no aplicar una metodología preestableci-

(Laera y Aguilar 194).

da, es que la investigación se apoya en ciertos contenidos

29 “Modo brasileño”, el desarrollado por De Andrade-

semánticos de los poemas y de ellos parte, estudiando su

Campos-Pinheiro, que ha convivido con otras produccio-

alcance en la obra en relación con la escritura y sus pro-

nes críticas vallejianas dentro mismo del Brasil: Ronaldo

cedimientos. Otro tipo de enfoque es el que parte de los

33


procedimientos estilísticos para deducir de ellos la visión

burla el héroe de Homero revela a su víctima la verdade-

del mundo del poeta. El autor que más ha avanzado en

ra identidad, para que ésta no se pierda, enterrada para

esta dirección es Giovanni Meo Zilio con Stile e poesia in

siempre en la oscuridad del Olvido: “Cíclope, si alguna vez

César Valleiol [...]. Otros críticos como Walter Mignolo,

algún mortal te inquiere sobre la espantosa privación de

Enrique Ballón o Irene Vega, han querido aplicar métodos

tu ojo, cuéntale quién te cegó: Ulises, hijo de Laertes, el

preelaborados por lingüistas y doctrinarios de la semiótica

saqueador de Troya, el hombre de Ítaca”.

y de la poética. Los resultados no son convincentes. En el

36 Héroe homérico muy presente en la literatura de la

polo opuesto, trabajos exclusivamente dedicados a la in-

época; si no, baste recordar al exacto contemporáneo del

terpretación de las ideas y la temática, pero que soslayan,

poemario Trilce, Ulises de Joyce (1922) del cual Vallejo tie-

como lo hace James Higgins, lo que constituye propiamen-

ne una opinión muy positiva desde la antítesis que éste es-

te a Vallejo como poeta, esto es, su singular lenguaje. Ello

tablece entre la “sed del saber por el sentimiento y no por

también puede suceder en algunas exegesis que reivindi-

la inteligencia”. Precisamente, aquello que diferenciaría el

can la poesía de Vallejo como exponente de una ideología,

pensamiento de un obrero manual de otro, intelectual: “el

escuela o movimiento filosófico, sociológico o político. Las

pecado original de deshonestidad que es innato a la labor

principales son las existencialistas y las marxistas [...]. La

del escritor, comparada esta actividad con la mano de obra

exégesis de Juan Larrea cae en el mismo error que los

[…] Tentados estamos de decir que la inteligencia es por

ideólogos, aunque a la inversa: deja de lado lo que puede

naturaleza maliciosa. Sin ella, el hombre sería el más noble

haber de social y de político en la obra poética de Vallejo

y puro de los seres […] En el escritor, este escollo natural

[Y, aunque referido más bien a los tipos humanos de los

de la inteligencia es más grave porque el pensamiento se

vallejistas, véase Silva Tuesta]” (Granados 2004: 14)

ejerce en él de modo profesional o, al menos, sistemático”

33 OOO, entre otros filósofos, aunque con sus propios ma-

(Vallejo 2002 II: 602). Ergo, a partir de aquí entendemos

tices, denominado también “realismo especulativo/ nuevo

mucho mejor aquello que el autor peruano intentó argu-

materialismo”, en pleno desenvolvimiento; según Gerardo

mentar en “Contra el secreto profesional”. Vallejo sostiene

Flores Peña: “tiene toda la intención de convertirse en

sobre la novela de Joyce, tanto como sobre el Preludio de

uno de los giros más importantes que ha dado la filosofía

Rachmaninoff o la danza de Isadora Duncan, lo siguiente:

en su historia. Hemos roto por fin la jaula transparente”

“está logrado sin ayuda predominante de la inteligencia y

(Ramírez 277).

sólo a base del instinto creador” (Vallejo 2002 II: 603).

34 Algo semejante a lo que Gastón Bachelar, en El aire y

Por otro lado, Ulises, al que le han dedicado textos otros

los sueños, nos dice respecto a que cuando intentamos

muchos de los escritores más destacados del pasado siglo:

imaginar el “vuelo humano”, no tenemos más remedio que

Cavafis, Pound, Eliot, Pessoa, Saba, Kasantsakis, Seferis,

recurrir a alas y plumas.

Joan Maragall o Álvaro Cunqueiro (Conde Parrado 84).

35 Polifemo es el hombre primitivo que posee apenas un

37 Pintor sobre el cual Vallejo – en un debate de la épo-

ojo para mirar el mundo. Ópticamente su visión carece de

ca sobre si aquél era peruano o francés – enarbolaba:

perspectiva, profundidad y dimensión, realidad perceptiva,

“Gauguin [el hijo de Flora Tristán] es, por todos respec-

más que biológica. A este hombre primitivo vence la inteli-

tos, una sensibilidad peruana […] Los amores temáticos

gencia de Ulises, hombre civilizado, cuya percepción bino-

del gran pintor, su fuerza temeraria, su exceso insultante,

cular capta horizontes panorámicos, volúmenes cinemas-

su simplicidad, están voceando los Andes, el Amazonas, el

cópicos y relaciones existenciales. En la isla de los Cíclopes

Cuzco” (Vallejo, 2002a I: 357).

se enfrentan, pues, dos estadios de evolución: lo primitivo y lo civilizado. Polifemo confiesa, tal vez semi comprendiéndolo, el engaño idiomático: un vocablo, elemental en cualquier idioma, es el arma invisible con que Odiseo -señor de artimañas- vence al fornido gigante. La sagacidad supera a la violencia (IX, 413). En vano Polifemo, en su ceguera, arrojará rocas a la embarcación. En una última

34


TRILCE LXXVII

Ayar Vallejo y Coya Vallejo Pedro Granados

Resumen

Summary

Se explora Trilce LXXVII como ejemplo de superación o salto cualitativo respecto a “Huaco” (Los heraldos negros), poema clave del apartado “Nostalgias imperiales” del poemario de 1918 y, lo hemos ventilado anteriormente, también de todo el poemario de 1922. En “Huaco”, aunque en lo fundamental se perfile un héroe solidario, el sujeto poético anda solo; mientras, y muy por el contrario, en Trilce LXXVII el Inca (“Ayar Vallejo”) va indisolublemente acompañado de su “Coya”. Es más, ejecuta ahora sus ritos cosmogónicos literalmente fundido con ella y en íntima complicidad con la naturaleza. Por lo tanto, Ayar, Coya y Naturaleza constituyen, al menos por un determinado lapso, una compacta unidad o plenitud.

Trilce LXXVII is explored as an example of improvement or qualitative leap with respect to “Huaco” (The Black Heralds), a key poem in the “Imperial Nostalgia” section of the 1918 collection of poems and, we have previously ventilated it, also of the entire collection of poems from 1922. In «Huaco», although basically a solidarity hero is outlined, the poetic subject walks alone; while, and quite to the contrary, in Trilce LXXVII the Inca («Ayar Vallejo») is inextricably accompanied by his «Coya». What’s more, he now performs his cosmogonic rites literally merged with her and in intimate complicity with nature. Therefore, Ayar, Coya and Nature constitute, at least for a certain period, a compact unity or fullness.

Palabras clave: Trilce y mito de Los hermanos

Key words: Trilce and myth of the Ayar brothers;

Ayar; mitos masculinos y mitos andróginos; César

male myths and androgynous myths; César

Vallejo y la mitología andina.

Vallejo and Andean mythology. 35


TRILCE LXXVII (Vallejo 219)

Graniza tánto, como para que yo recuerde 14 YO y acreciente las perlas 7 que he recogido del hocico mismo 11 de cada tempestad 7 No se vaya a secar esta lluvia. 10 5 A menos que me fuese dado 9 caer ahora para ella, o que me enterrasen 15 YO-ELLA mojado en el agua 6 que surtiera de todos los fuegos. 10 ¿Hasta dónde me alcanzará esta lluvia? 11 10 Temo me quede con algún flanco seco; 12 temo que ella se vaya, sin haberme probado 14 ELLA-YO en las sequías de increíbles cuerdas vocales, 14 por las que, 4 para dar armonía, 7 15 hay siempre que subir ¡nunca bajar! ¿No subimos acaso para abajo?

Canta, lluvia, en la costa aún sin mar! 11

Retomando a James Higgins, en este poema: “por razones de contigüidad, las perlas [v.2] representarían los granizos” (82-84). Añadimos nosotros, y con este mismo criterio, también la lluvia (vv.5, 10 y 18) y, por último, aunque previo recodo sintáctico en el texto, asimismo ella (vv. 7 y 12). Por lo tanto, en Trilce LXXVII, aquellos elementos son equivalentes; aunque, como luego veremos, faltaría incluso adicionar a esta lógica de “contigüidad” al propio sujeto poético o primera persona1: “yo” (v. 1) y “me” (vv. 6, 7, 10 y 11). 36

IMPERSONAL

Ahora, hablábamos de “recodo sintáctico” porque, ciertamente, y a modo de una oración subordinada, el poema tiene también dos niveles. El primero de estos, el dominante, constituido por los versos que van del 1 al 5; y, luego, por dos versos discontinuos 10 y 18 (final y que “resume” el poema). En cambio, la proposición o lexía subordinada, estaría constituida por dos bloques de versos: del 6 al 9 (bloque A)2 y del 11 al 17 (bloque B)3. Obvio, aunque son sintácticamente de distinto nivel, ambas proposiciones constituyen una


sola oración o, como en este caso, ambas confluyen en el sentido de un único poema. Abreviando esto último, aunque iremos matizándolo, se trata de cómo, secuencialmente,el Yo –o primera persona, de los versos 1 a 5– pasa a constituirse en un Yo-Ella, entre los versos 6 al 9 (bloque A); de aquí regresa momentáneamente el Yo (‘masculino o él’, v. 10);luego, aunque en un orden modificado, se pasa nuevamente a un Ella-Yo de los versos 11 al 17 (bloque B). Para, por último, resolverse todo aquello en una mutua e íntima identificación o androginia –que no distingue ya más entre Yo (‘el’) y Ella– a través del impersonal “Canta, lluvia”. Con este último término (“lluvia”), si honramos la lógica de la contigüidad observada más arriba, asimismo en tanto sinónimo de “granizo”, “perlas”, “ella” e incluso, al final, el propio “yo” –“flanco” (v. 11) análogo a “Costa” (v. 18)4— o primera persona en el poema. En consecuencia, en el verso 18 se hallan todos aquellos elementos fusionados, hechos uno, aunque con una apariencia inusual y ejecutando una acción específica: “Canta, lluvia”; frente a un “otro” distinto: el “mar” (v. 18)5. El cual, apenas aparezca o se perciba su presencia, establecerá una automática disgregación o separación respecto a la “Costa”. Es decir, mientras dure la “lluvia” (unión y fusión de todos aquellos elementos), garantiza plenitud, suficiencia e indistinción –denominémosla epifanía, más corto que “Merienda suculenta de unidad” (Trilce LXXI) (Vallejo 213)–; la cual, y por el contrario, una vez aquélla mengue esos elementos retornarán a ser de modo claro y distinto lo que son. Por su parte, el esquema “oracional” que acabamos de repasar, distingue y describe los campos semánticos de lo que más arriba hemos denominado “Ayar Vallejo y Coya Vallejo”; con la otra parte de nues-

tro lema (“Trilce LXXVII”), en tanto “canto” (de “Canta, costa”) propiamente dicho. Ayar Vallejo y su amada o Coya (presente-ausente en el poema). Edad post-antropocéntrica y de una geo-política universal respecto, incluso, al mito de Inkarrí6. Trilce LXXVII, por lo tanto, fusiona un mito cosmogónico, en tanto “Ayar Vallejo” (oración “principal”), a un mito amoroso, en tanto “Coya Vallejo” (oración “subordinada”)7. Lo cual va a dar como resultado uno andrógino (“Ayar Vallejo y Coya Vallejo”); que no va a corresponder ni responder más a un pronombre personal, sino aun mito inscrito en el paisaje o, en general, a la Naturaleza (“Canta lluvia”). Es decir, y finalmente, a un andrógino constituido por ambos personajes juntos (Ayar y Coya) y la naturaleza. Todavía, por ejemplo en “Huaco”de “Nostalgias imperiales” (Los heraldos negros), el sujeto poético, aunque Inca, era un solitario; ahora es doble, “recuerda” (v. 1) el tinku8 con su amada y, al final, se funde en ella: si bien existen otros mitos andinos, en este [Hermanos Ayar] la participación femenina es de especial relevancia. Inclusive, se encuentra la participación de cuatro mujeres míticas: Mama Ocllo, Mama Huaco, Mama Cora y Mama Auca. Asimismo, se puede hallar muchas manifestaciones de la dualidad, que es un aspecto fundamental del Tahuantinsuyo (Guzman Giura, “Resumen”)

Sujeto “doble”, en Trilce LXXVII, y en realidad incluso sujeto “triple”, mientras logre elevar su canto aquella “lluvia” (v.18). Por lo tanto, “Ayar Vallejo y Coya Vallejo”9, constituye el mito de una nueva edad. No uno de la destrucción; sino, por el contrario, uno de creación simétrica o post antropocéntrica. 37


Referencias Burela,

Notas

María.

“De

los

hermanos

Ayar

a

Inkarri”,

1

“Este desplazamiento del signo, en términos lacanianos,

Anthropologica, 1983. 44-45.

permite la identificación analógica entre la lluvia, el sujeto

Guzmán Giura, A.“El mito de los cuatro hermanos Ayar:

lírico y las cuerdas vocales o el sonido” (Menczel).

una aproximación a los roles femeninos”. Tesis Lic. Historia,

2

PUCP, 2015.

e ilustra –en breve– lo que constituirá la androginia o tota-

Higgins, James. César Vallejo en su poesía. Lima: Seglusa

lidad final de todo el poema. De este modo, se distinguen

Editores, 1989.

fundamentalmente una primera persona (“me”), aunque

Menczel, Gabriella. “El canto de la lluvia: la palabra poé-

aquí supeditadao sin autonomía (vv. 6 y 7), la cual, en

tica de César Vallejo (Trilce LXXVII)”. Nuevos caminos

última instancia, deseará fundirse con cada uno de los ele-

del hispanismo. .Actas del XVI Congreso de la Asociación

mentos de la naturaleza: aire (“caer”, v. 7), tierra (“me

Internacional

enterrasen”, 7), agua (“agua”, v. 8) y fuego (“todos los

de

Hispanistas.

Pierre

Civil,

Françoise

Este bloque A, tanto como el siguiente (B), construye

Crémoux (Coordinadores), Vol. 2, 2010([CD-ROM]).

fuegos”, v. 9); más “ella” incluida (v. 7).

Sánchez, Rodolfo y Jüngen Golte. “Sawasiray-Pitusiray,

3

la antigüedad del concepto y santuario en los Andes”.

sos 11 al 17; aunque aquí se ponga de relieve lo correspon-

Investigaciones sociales, Año VIII, n. 13 (2004) 15-29.

diente ya no a la naturaleza, sino a “ella”. Mejor dicho, el

Vallejo, César. César Vallejo. Obra poética completa. Lima:

sujeto poético “recuerda” (v. 1) su apasionado encuentro

Moncloa, 1968.

con la amada; haciendo que todos, y cada uno de estos

Algo semejante, a la nota anterior, ocurre entre los ver-

versos, aludan a un coito entre ambos amantes. De este modo, fusionado con la naturaleza desde el bloque A, ahora también el sujeto poético lo está con la amada. Por lo tanto, el “recuerde” (v. 1) significa, literalmente, un volver a vivir. 4

“Flanco”, “Costa” o, también, “costilla” de Adán. Lo

cual haría remitirnos al capítulo 2 del Génesis, donde se lee: “Entonces Jehová Dios hizo caer sueño profundo sobre Adán y, mientras éste dormía, tomó una de sus costillas y cerró la carne en su lugar. Y de la costilla que Jehová Dios tomó del hombre, hizo una mujer y la trajo al hombre». Mito bíblico que, en realidad, Trilce LXXVII va a focalizar, aunque para debatir; y el verso 11 (“Temo me quede con algún flanco seco”) sería, entre otros, uno que ilustraría aquello muy bien. Es decir, y glosando el verso, “Temo me quede en algún punto –en particular en aquella costilla que Jehová me tomó– no mujer”. 5

Elemento de la naturaleza que tiene una muy signifi-

cativa, aunque no menos compleja presencia, en la poesía de Vallejo. En Trilce (1922), lo hallamos en tanto palabra individualizada: Trilce XXIV (“llorando a mares”, v. 3); Trilce XLV (“Me desvinculo del mar/ cuando vienen las aguas a mí”, vv. 1-2) (de sugestivo paralelo respecto a lo que vamos argumentando aquí entre “Costa”/ “mar” o “lluvia”/ “mar”); y también en Trilce LXIX (“Qué nos buscas, oh mar, con tus volúmenes”, “El mar, y una edición en pie” (vv. 1 y 14). Como asimismo, y de modo anagramático, formando “mar” parte de otras palabras: Trilce XIX (“Penetra en la maría

38


ecuménica”, “Quemaremos todas las naves!, Quemaremos la última esencia!, vv.7, 12-13), Trilce XXIV (“transcurren dos marías llorando”, v. 2). Palabras compuestas que, por cierto, ameritan toda nuestra atención; sobre todo aquellas donde “mar” pierde su hegemonía o individualidad y pasa, no a perder, sino a ganar en completud o plenitud. Por ejemplo, aquello de Trilce XIX: “mar/ía” (‘masculino’ + ‘femenino’) reforzado por lo de “ecuménica”. 6 “Así en 1958 al publicar Efraín Morote B. una de las versiones recogidas en Qéro no titubeó en hablar de un nuevo mito de fundación del imperio[Inkarrí], haciendo referencia a que su valor es tan comparable al de los dos mitos “oficiales, el de los hermanos Ayar y el de Manco Qhapac saliendo del Titikaka (pág. 442)… A partir del siglo XVIII parece extenderse la versión solar del lago Titicaca, independiente del texto de Garcilaso~. Similarmente a esta difusión y coincidiendo con ella aparece Inkarri en su forma actual (Burela44-45). 7 En realidad, también podemos constatar aquel “mito amoroso”, o espacio íntimo del poema (bloque B), incluso en la cadena cosmogónica o bloque A; por ejemplo, aquello de: “que he recogido del hocico mismo/de cada tempestad” (vv. 3-4). Es decir, aquella “tempestad” no ha sido única, sino que ha habido varias (“de cada”);”tempestades”, entonces, en relación a orgasmos; y estos, obvio, vinculados a “hocico” [de tenca] o portio femeninos. Aunque el efecto de realidad y el tono, sobre todo en los cuatro primeros versos de Trilce LXXVII, son clara o uniformemente “épicos” o “masculinos”. 8 Entre las representaciones más generalizadas de la idea de tinku (encuentro) generatriz o sawasiray-pitusiray estaba, sin duda, el choclo en el que dos mazorcas de maíz crecen pegadas por su base […] El ciclo mítico de «Los hermanos Ayar» sugiere, por otro lado, que existe un nexo entre los vocablos pitusiray-sawasiray y el tinku sexual (Sánchez y Golte 15). 9 “A partir del mito de Los Cuatro Hermanos Ayar se puede encontrar como se le va clasificando a ciertos espacios, actividades y divinidades como masculinos o femeninos. Pese a ello, las diferencias de los roles no son tajantes. Puesto que, en ciertos casos los roles femeninos pueden ser realizados por varones y viceversa. Esto se fundamenta en el mito revisado… Entonces, se legitima que existan tanto mujeres femenino/femenino como femenino/ masculino. A diferencia del mundo occidental, que ha creado roles sexuales estáticos” (Guzmán Giura 66).

39


CÉSAR VALLEJO E TRILCE: a insurreição pelo tom Amálio Pinheiro (PUC-SP)

Sed omnia praeclara tam difficilia, quam rara sunt. Espinosa, Ética

Resumo A partir de uma textura que inclui pluralidades simultâneas assimétricas e alteradas em estado de palimpsesto, a poesia de César Vallejo propõe uma leitura do poético e do político que escapa das interpretações de conteúdo e enfatiza uma erótica rítmica. Trilce, de 1922, é o ápice dessa tendência de incorporação dissonante do múltiplo levada a cabo dos maiores aos menores elementos dos poemas, conforme procedimentos que modificam velocidades e cadências sonoras e

gráficas. Daí sua posição exemplar dentro das chamadas vanguardas e de uma história literária não-linear. Torna-se pertinente trazer para o diálogo com o poeta peruano uma confluência de autores e poetas, também na contramão da história como evolução progressiva, e ligados à ideia e à prática de uma circulação tradutória das vozes, ritmos, materiais e repertórios: Tinianov, Zumthor, Benjamin, Flusser, Meschonnic, Lezama Lima, Severo Sarduy, Pedro Granados, Haroldo de Campos. Palavras-chave: Trilce, ritmo, oralidades, técnicas, tom.

40


A dificuldade como procedimento Enfatizemos aqui parcialmente, sem ordem de precedência, algumas das dificuldades luminosas que a leitura do peruano César Vallejo acarreta. Como tais dificuldades, algumas ocultas, embora sensorialmente impactantes, sempre retornam e insistem, tornam-se também responsáveis pelas grandes e variadas regiões de abertura e descoberta em sua obra, chegados os 100 anos da primeira publicação de Trilce pelos Talleres Tipográficos de la Penitenciaria de Lima, em 1922. É preciso adiantar que o poeta as coloca todas em ação ao mesmo tempo, nas interações internas e externas ao texto. Isto exige uma leitura em ziguezague contínuo e com uma rigorosa pluralidade simultânea em que corpo e mente, natureza e cultura, o animal e o humano, estão implicados, nas muitas camadas de um palimpsesto em rotação, por meio de inúmeros procedimentos que mobilizam torceduras, avessos e inversões mutuamente divergentes/convergentes, desde os menores aos maiores níveis e elementos (da letra à estrofe), da composição. Desse modo, o livro contém um conjunto de procedimentos trílcicos que se esparramam, segundo o gênero ou formato, por toda a obra/vida do Cholo Vallejo, desde Los heraldos negros (1918) até os póstumos Poemas humanos e España, aparta de mí este cáliz, passando pelos Poemas en prosa, livros de contos, textos jornalísticos, políticos, teatrais etc., Carnets de escritos diversos e poemas publicados esparsamente, como inclusive aquele intitulado também, sintomaticamente, Trilce, de 1923. Toda essa circulação tradutória aponta para alguma coisa intersticial, uma alteridade alterada, algo ou algum lugar que não pode ser dito de outra maneira: “Hay un lugar que yo me sé / en este mun-

do, nada menos, / adonde nunca llegaremos. (...) El horizonte color té / se muere por colonizarle / para su gran Cualquiera parte. / Mas el lugar que yo me sé / en este mundo, nada menos, / hombreando va con los reversos.” O acúmulo de materiais, repertórios, jargões e neologismos da mais diversa extração, ora provenientes das séries (TINIANOV, 2013) mais vizinhas (correspondências, contos, rascunhos, notas, coloquialismos, ritmos vocais e silábicos) e ora mais distantes (tecnicismos jurídicos e científicos, estrangeirismos, solecismos, algarismos), é, de verso a verso, remontado molécula a molécula por Vallejo, através de um jogo de empilhamento de linguagens, digamos, em bazar, e de junturas sintáticas que encadeiam em filigrana dentro do poema o que vem de fora, sem perder, nesse reviramento da relação interna, o rebote tenso da página com o mundo de fora, já flagrado este ao modo de uma imagem concreta e movente dentro de uma sorte de pesa-papeis. Esta interação cinética dentro/fora/dentro nunca pode ser nominal ou lexical, mas sempre derivada de fluxos rítmicos trazidos por sonoridades e distúrbios gráficos inseridos, como pingentes, pencas ou nacos silábicos, nas intra-palavras. Trilce IX: “Vusco volvvver de golpe el golpe.”. Isto pede uma atitude especial: um leitor ao mesmo tempo inserido nos códigos, nativos e imigrantes, da natureza e da tribo, do mais primitivo ao mais atual, e fora, pelo maior tempo possível, da “Gran Costumbre” (Cortázar). Esta tendência do difícil (essa máxima expansão inventiva da mestiçagem do castelhano -- desde as aljamias da Tafsira (2003), nos começos do século XVI, do Mancebo de Arévalo)--, embora contrabalançada aqui e ali por mosaicos ou retalhos de “facilidades difíceis”, pode resvalar para 41


zonas de silêncio que se esfregam num “outro lado”, um alhures desconhecido. Disso nos adverte o vallejista Américo Ferrari: En efecto, el conato de liberación total del lenguaje conduciría, de no ser compensado por un movimiento inverso, a la disolución de las estructuras del lenguaje poético: tendencia que existe, sin duda, en Trilce, donde hay poemas que realmente frisan en la incoherencia. A ello alude seguramente Vallejo cuando habla de los “bordes espeluznantes” a los que se ha “asomado” (FERRARI, 1986: 21).

Ou quem sabe se trata de que estão cobrando de um poema vallejiano o que jamais se cobraria de uma dança ou da música dodecafônica, por exemplo. A companhia de Tinianov Nessa linha, precisamos fazer um esforço para entender a compactação dos vários processos, procedimentos e princípios construtivos, vinculados estreitamente entre si, de que o poeta de Santiago de Chuco lança mão, que concentra em Trilce e redistribui, em arabescos readequados à situação histórico-política, sem nunca submeter seus versos a lemas partidários ou conteúdos resolutivos. Por isso parece-nos muito oportuno aproveitar as formulações do escritor e teórico russo Iuri Tinianov para dilatar e adensar os múltiplos jogos de força dentro/fora, entre séries e gêneros, atuantes na poesia de César Vallejo. Ressaltemos a conjugação de dois pontos. Primeiro, um inescapável princípio geral: “A história da literatura (ou da arte) está intimamente ligada às outras séries históricas” (TINIANOV e JAKOBSON, 2013: 157), através da mediação das séries da fala; o segundo é uma interação interes42

pecífica e operativa: “a correlação de um elemento com a série de elementos semelhantes de outros sistemas e de outras séries, é condição (...) da função construtiva deste elemento” (TINIANOV, 1968: 49). Não pode haver teoria separada de toda essa circulação envolvida num processo expandido de interação, que afeta desde os maiores elementos da composição (versos, estrofes) aos menores (rimas, sílabas, grafias, fonemas, traços acentuais). Daria Khitrova, citando Jakobson, enfatiza como Tinianov preferia a confluência do já editado com os textos em andamento, fossem apontamentos, cartas, esboços, rascunhos, diários, correções etc., visto que compõem um painel em redemoinho entre passado e presente e reatualizam os roteiros do futuro: “Jakobson fala da ‘fidelidade de Tinianov na coexistência entre presente e passado, [...] na continuidade entre as memórias de ontem e os protótipos e presságios do passado distante’” (KHITROVA, 2019: 7). Esse continuum é, ele próprio, em autores como o César Vallejo de Trilce, a prática teórica em devir, ligado à vida, às oralidades em trânsito e ao ambiente da cultura, processo entretecido ao vivo, na nervura de uma circulação e de um movimento assimétrico que insere, sem separação possível, o mais regional no mais universal, o mais autóctone no mais forâneo, o mais “clássico” no mais “popular”, a cidade nos órgãos físicos. A Tinianov chega a importar mais essa interação, o vaivém sem chegada ou saída, do que as obras isoladas. É aí que as entonações coletivas oralizantes, fluindo da paisagem sonora (com todos os rumores, até às últimas potências vocais, do ambiente), e reconfiguradas no escrito, assumem importância capital. A cidade e seus farrapos de fala retumbam no corpo. Veja-se esta cena de um pregão ao sol em Trilce XXXII:


999 calorías.

da arte não é, afinal, tão larga (...)

Rumbbb... Trrraprrr rrach... chaz

Por isso Khliébnikov pode efetuar

Serpentínica u del bizcochero

uma revolução na literatura: porque

engirafada al tímpano.

suas estruturas não eram exclusivamente literárias, porque ele dava ao

Vallejo frequentou a Rússia dos tempos de Tinianov, entrevistou figuras como Maiakóvski, mas não encontrou pessoalmente o primeiro. Imagine-se como o ensaísta russo leria esse número três deslizando em Trilce, ou o relato, comprimido em uma única frase musical, Muro occidental: “Aquella barba al nivel de la tercera moldura de plomo” (o título funciona como primeiro verso de um provável poema-frase que pretende ser conto, pauta de ressonâncias rítmico-sonoras). O livro de contos Escalas Melografiadas é, em verdade, uma espécie de almoxarifado de sons, sílabas e versos. O título Trilce – é sempre necessário soletrá-lo devagar e amiúde --, como todos os 77 poemas, não significa nada em específico, mas roça e abalroa quase tudo, pois são emergências conjuntas de sentido ainda em estado de morfose. Vallejo não trabalha, como muitos o desejam e perseguem, com um “sentido profundo” a ser descoberto, progressiva e evolutivamente, até um coroamento dialético de síntese final, mas sim com ressonâncias semânticas em blocos e em ramificação explosiva, derivadas da condição incorporante e alterada dos repertórios incaico-mestiços do Peru para o mundo. Vale ainda mais para o peruano e sua dança de números o que diz Iuri Tinianov sobre outro confrade daqueles anos russos, Khliébnikov: As novas estruturas articulam forças poderosas e lutam por expandir-se (...) Há uma grande variedade de opiniões a respeito das explorações numéricas de Khliébnikov (...) A distância entre o método da ciência e o

mesmo tempo lugar tanto à linguagem do verso como à linguagem dos números, às conversas incidentais de rua e aos eventos da história mundial (TINIANOV, 2019: 227).

Mestiçagem, barroco, vanguarda. A radicalidade intertextual, com que a lupa do autor de “Dostoiévski e Gógol: sobre a paródia” dilatava o âmbito das letras para o lugar deslizante e miniatural dos múltiplos gestos gráfico-sonoro-visuais, entre a página e a vida, do dizer criativo, encontraria o eco e o campo propícios nos peculiares modos barrocos e mestiços de composição de inúmeros autores do continente: aqueles que foram acrioulando e acaboclando as miríades de relações entre natureza e cultura, no compasso das miríades de relações entre forças urbanas, autóctones e migrantes/ imigrantes, por meio de processos aglutinantes dentro da própria matéria dos códigos já modificados pela paisagem, instaurando, pela consistência e polirritmia, algo como (caso fosse necessário dar algum nome aproximado) uma poética do simultâneo barroco-mestiça. Esta poética modifica as relações estruturais entre as novas técnicas e os novos códigos alterados pela cultura/natureza. Há vários modos de se falar dessa condição antropofágico-mestiça da América Latina e Caribe, a partir da qual passamos a nos situar aquém/além dos efeitos da ação das políticas colonizantes e euro-ocidentalizantes (durante, em presença e apesar das mesmas: a Colônia foi um lugar de invasão e de produção), 43


para encontrar as coordenadas de conhecimento que nos dizem respeito e, justamente por isso, intrinsecamente capacitadas a ser agentes da tradução festiva do alheio no telúrico, sem mais o desgaste e a trava da oposição binária. Parece que o “acontecimento fundador” (ZUMTHOR, 1997: 116), neste continente de conjunções multiplicantes, em variação inclusiva, entre mitopoéticas e história cultural em camadas plurais, é a mestiçagem, malgrado as muitas perturbações e desencontros. Vejamos, por exemplo, alguns procedimentos, indicados por Severo Sarduy, dessa montagem das alteridades exógenas em aglutinações metonímicas: Ao implantar-se na América e ao incorporar outros materiais linguísticos – refiro-me a todas as linguagens – verbais ou não --, ao dispor dos elementos com frequência multicores que a aculturação lhe oferecia, de outros estratos culturais, o funcionamento deste mecanismo do barroco se tornou mais explícito. Sua presença é constante sobretudo em forma de enumeração disparatada, de acumulação de diversos nódulos de significação, de justaposição de unidades heterogêneas, de lista díspar e collage (SARDUY, 1979: 164-165).

Os modos e a quantidade de uso dos materiais e repertórios -- incrustados a uma indescartável paisagem polifônica e policromática da natureza enroscante e espiralada sob águas e sol (enovelamento admirado e constatado por botânicos como Martius, Humboldt e poetas como Goethe), fundamentais num barroco formado nessa morfose -- vão mapeando as práticas dos nossos poetas, Vallejo, Oswald, Girondo, Huidobro, Tablada, Guillén..., e também de escritores como Guimarães Rosa, Cortázar 44

e Lezama, nos entornos da primeira metade dos 1900. Já nos anos 1.930/40, a obra de um Lezama Lima (...) parece ser um monstruoso conjunto no qual se integram, giram, todos os fragmentos; sejam estes, para chamá-los com os nomes ad usum, poemas, novelas, relatos, ensaios, artigos, entrevistas, boatos, conversações, e constituem partes de um todo maior que se integra em níveis distintos de significação múltipla (LÓPEZ, 1989: 15)

Agiganta-se em Lezama um movimento de caleidoscópica acomodação proliferante da “arribada de confluencias” no continente americano, que cai como luva para os poemas de Trilce, tendo-se em vista, segundo nos mostra Tinianov, o deslocamento e a mudança de função de cada elemento noutro texto ou gênero. Isto se dá, nos poemas trílcicos, através de costuras que mapeiam a cadeia reticulada das conexões, criando um enorme espaço de entre-formas, moduladas estas por uma espécie de morfose vegetal e luminosa que faz os signos serem represados pelas coisas. Trata-se de uma vigorosa conexão do material artístico com o ambiente: Vallejo, em Santiago de Chuco, já podia fazer uso de um vasto repertório nativo, em formigamento “vanguardista”, antes mesmo de chegar a Lima. No caso brasileiro, Haroldo de Campos já demonstrara, a partir de Gregório de Matos e Sousândrade, desde o período colonial, o similar e variado movimento de incorporação festeira de listas e séries múltiplas heterogêneas que passam a conjuntos de pluralidades simultâneas: Tatuturema (1868), parte do longo poema Guesa (1832-1902), de Sousândrade, é uma sarabanda orgiástico-satírica, de índios, missio-


nários e colonizadores, baseada no

como patrimônio seu, como um botim

modelo da ‘Walpurgisnacht’ do Faust

vacante à espera de um novo sujeito

I de Goethe; Pau Brasil (...) é o títu-

histórico, para remeditar-lhe o funcio-

lo da primeira coletânea de Oswald

namento em termos de uma poética

de Andrade, publicada em 1925, na

generalizada e radical, de que o caso

qual são aproveitados, sob a forma

brasileiro passava a ser a ótica dife-

de montagem, excertos de crônicas e

renciadora e a condição de possibilida-

relatos escritos sobre o país à época

de. A diferença agora podia pensar-se

da descoberta e dos inícios da coloni-

como fundadora (...). Quem poderá

zação da terra (CAMPOS, 1983: 127).

agora ler Proust sem admitir Lezama Lima? Ler Mallarmé, hoje, sem con-

Haroldo, Lezama, Vallejo.

siderar

as

hipóteses

intertextuais

de Trilce de Vallejo (...)? (CAMPOS,

O encadeamento em marchetaria das formas da natureza e das linguagens, através das traduções e das mestiçagens, com a ação dos filamentos e ramificações helicoidais da paisagem dentro das falas nativas, alteraram os códigos, que agora têm de escancarar um desvio ou retorcimento para o qual, voragem multiplicante, ainda não temos nome suficiente, visto não caber em qualquer binarismo herdado. Lezama vai tentando expor essa virada a partir de um conhecimento da paisagem pelo pontilhado da alegria, que inclui um Góngora já devorado: “O sentencioso pode tornar-se taciturno, o reflexivo pode adormecer no fiel da balança. Mas o americano, Martí, Darío ou Vallejo, que foi reunindo suas palavras, concentra-se nas exigências da nova paisagem, trocando-as em corpúsculos coloridos” (LEZAMA, 1988: 135). Trilce, tudo indica, parece ser a antecipação mais radical e completa desta importante formulação de Haroldo de Campos: Na verdade, o que ocorria aqui, era a mudança radical do registro dialógico. Ao invés da velha questão das influências, em termos de autores e obras, abria-se um novo processo: autores de uma literatura supostamente periférica subitamente se apropriavam do total do código, reivindicavam-no

1983: 118 e 124).

Outro componente crucial na poesia de Vallejo, que Trilce aprofunda ao máximo, está na meticulosa tessitura de cada sílaba, verso e estrofe, por onde são embutidas, como num cinzelamento de tauxia, sem necessidade de menções lexicais e temáticas, as tradições de linguagem antigas e clássicas (Góngora, Quevedo etc., apliques variadíssimos do verso decassilábico, mosaicos musicais dos cantos flamencos e de bairro etc.) e todas as falas, ditos e coloquialismos nativos em estado de mescla ambulante. Vallejo eleva à voltagem mais alta, com uma alternância matizadíssima e conexa de formas e cadências, a interação entre literatura e uma oralitura. Nisto também o poeta peruano aprofunda, com maior amplitude e consequências ético-políticas, o projeto poético de um Gregório de Matos (contemporâneo de Juan del Valle y Caviedes, no Peru), que “(...) leva a miscigenação de elementos própria do período até à textura mesma da sua linguagem, entremeando nela, para efeitos de contraste e de grotesco, vocábulos tupis (indígenas) e africanos, numa jocunda operação de caldeamento linguístico-satírico” (CAMPOS, 1979: 296). A grande interrogação da finitude existencial encravada, por assim dizer, de 45


muitas maneiras, nos textos de Vallejo (Trilce XXXIV: “y nuestro haber nacido así sin causa.”), é enfrentada também como baile de sílabas que represam as potências da natureza dentro das técnicas lúdico-dançantes da cultura das cidades, junto à montagem de elementos díspares buscando estruturas abandonadas ou pedaços de falas e interjeições cotidianos. Daí que Haroldo tenha dito, a respeito da série romanesca, do Julio Cortázar de Rayuela (este um romance-bricolagem montado num ziguezague de excertos de vários recortes de jornal e citações etc., com várias direções mutuamente implicadas de leitura): Meu encontro com Julio Cortázar não se deveu a um acaso de percurso, nem a uma dispersa curiosidade intelectual. Foi a consequência natural, objetiva, da ótica reguladora de meu modo de pensar a literatura ibero-americana e sua inserção no mundo.

bir, pero me sale espuma, / quiero decir muchísimo y me atollo”): o lexical, já desconjuntado pelas inserções alógenas de todo tipo (andinismos, tecnicismos, arcaísmos, neologismos, americanismos, estrangeirismos etc.), e, no mesmo embalo de rotação destrutivo-construtiva, o frasal-sintático (frase coloquial, frase feita, frase erudita, frase alterada). A dificuldade reside na combinação massacrante de intertextos distorcidos dentro da intralíngua, que devem ser deletreados no gume vocal de cada letra e linha de verso. E isto pode ir muito longe: as fronteiras entre verso e prosa se podem dispersar e permutar; e a própria existência do verso como medida pode ser questionada pela desarticulação da sequência silábico-vocal e pela reconfiguração espacial da página branca, como em Trilce LXIV, onde, após um fluxo barroquizante em “prosa”, uma letra n irrompe com um rumor desconhecido, um salto chaplinesco, em glossografia, da fala:

(...) Rayuela, como Paradiso, como o Grande sertão: veredas (1956), de

Verde está el corazón de tanto espe-

Guimarães Rosa – que os antecipa de

rar; y en el canal de Panamá !hablo

alguns anos, mas se inscreve também

con vosotras, mitades, bases, cúspi-

no mesmo alto paradigma de proble-

des! retoñan los peldaños, pasos que

matização ontológica do destino hu-

suben, pasos que baja-

mano e do questionamento inventivo

n.

da linguagem e da forma romanesca --, é um desses marcos que põem em cheque o relacionamento supos-

Experimentemos algo do que foi dito com a primeira estrofe de Trilce V:

tamente de mão única entre a literatura da Europa e a da América Latina

Grupo dicotiledón. Oberturan

(CAMPOS, 2010: 119-126).

desde él petreles, propensiones de trinidad, finales que comienzan, ohs de ayes

As sinfonias dissonantes de Trilce (cada um dos 77 poemas poderia ser analisado como uma partitura em palimpsesto com entradas e saídas plurais e conexas) resultam, também, da compactação de duas zonas de mestiçagem desse seu quase-idioma (“Quiero escri46

creyérase avaloriados de heterogeneidad. Grupo de los dos cotiledones!

O clima orquestral da aventura amorosa se expande numa folia de algarismos e sílabas que, com a potência afetiva em fluxo dos corpos, engasta e comprime um


variadíssimo repertório (botânico, animalesco, musical, interjectivo, exclamativo, coloquial) através de inversões, avessos, filosofemas, barbarismos ortográficos e sintáticos, e assim por diante. Os jogos de força latejantes só podem ser suscitados por um empilhamento (inclusive dos números) barroco-antropofágico que empolga os participantes do festejo desejante na paisagem sonora. Vallejo, no entanto, não permite sequer uma sequência estável, ou cadência fluida, apoltronada, de leitura. As estrofes seguintes mudam a direção prosódica e frasal-sintática, acompanhadas de um último verso-estrofe, que insiste num refrão, a ribombar, num crescendo, em cada variante, por todo o poema: A ver. Aquello sea sin ser más. A ver. No trascienda hacia fuera, y piense en són de no ser escuchado, y crome y no sea visto. Y no glise en el gran colapso.

remonta mestiçagens, reimprime isoglossas, desmembra fósseis verbais, remenda grafias inimigas, restaura grafemas alheios, atualiza entonações reprimidas, decanta e entoa o rastro onomatopaico das linguagens. Há no jogo trilceano algo criptográfico que escapa ao conhecimento do mundo fenomênico apenas pela intencionalidade “inteligente” dos sujeitos, uma certa composição que vem também de fora, do ambiente, para dentro dos corpos pensantes: “Escribí un verso en que hablaba de un adjetivo en el cual crecía hierba. Unos años más tarde, en París, vi en una piedra del cementerio Montparnasse un adjetivo con hierba. Profecía de la poesía” (VALLEJO, 1973: 85). Acupuntura político-poética para afastar os fascismos ocultos da língua e dos modos de falar, quando enquistados pela frase feita, lugar-comum ou clichê grandíloquos, eufêmicos e melífluos. Orwell (2012: 155-158) disse-o de modo direto, a respeito do uso inglês, em 1940:

La creada voz rebélase y no quiere

Essa invasão de nossa mente por

ser malla, ni amor.

expressões prontas (“lançar os ali-

Los novios sean novios en eternidad.

cerces”, “realizar uma transformação

Pues no deis 1, que resonará al infinito.

radical”), só pode ser evitada se es-

Y no deis 0, que callará tánto,

tivermos constantemente em guarda

hasta despertar y poner de pie al 1.

contra elas, e cada expressão destas anestesia uma parte de nosso cére-

Ah grupo bicardiaco.

bro. (...) Uma vez que você não sabe o que é o fascismo, como pode lutar

A capacidade pluritradutória de Trilce (que incrusta o de fora nas nervaduras internas do poema), trilce portanto como treliça (“petreles”, “propensiones de trinidad”, “grupo dicotiledón”), módulo tipográfico produtor de nova maquinaria de vozes e ruídos, que redescobrem a atualidade dos ritmos corporais, em analogia, por exemplo, com a alta elaboração de técnicas destinadas à captação dos ritmos orgânico-neuronais – essa trilcedade é que

contra o fascismo?

Daí a necessidade de destripar as palavras, que Vallejo cultivava também ao vivo, repetindo à exaustão frases e palavras de políticos e poetas de então. Rir dos estereótipos (essas repetições avassaladoras com que todo poder esgrime para permanecer), é um modo de atingir, em Vallejo, a fruição sem fronteiras. “O estereótipo é um fato político, a figura 47


principal da ideologia” (BARTHES, 1993: 55). Porém, Vallejo tritura a língua pela liberdade da alegria lúdica e selvagem de chegar ao outro lado, sem a obrigação de estar, carteirinha na mão, contra nada. Haroldo de Campos mostra como a revolução mallarmeana situava-se no ápice da crise que envolve a “modernidade” e seus aparatos tecnológicos: “Mallarmé, respondendo a Degas: ‘A poesia se faz com palavras e não com ideias’, deve ser visto na culminância desse processo. Há nessa evolução uma tomada de consciência da crise da linguagem e da própria crise da poesia e da arte” (CAMPOS, 1997: 254). Se indagado por Degas, estamos vendo que Vallejo diria algo como: a poesia se faz com letras e não com ideias. A “vanguarda” (temos de seguir usando tais palavras?), para Vallejo, já estava na mescla de falas, sílabas e vozes do castelhano peruano desde Santiago de Chuco/Trujillo/ Huamachuco/Lima... (De passagem: só para que se possa calibrar sincronicamente o livro Trilce, Ulisses, de James Joyce, também apareceu em 1922.) Trilce: oralidades e dança ao sol Algo muito importante se perfaz. Nada menos gratuito do que a trama de anagramas, paronomásias, quase-paronomásias e todos os incontáveis jogos sonoros vasculhados, a dedo, por Vallejo. Esta trama confere, no ato de flagrar os movimentos das situações represadas pela língua (ora em lentidão ora em catadupa rítmicas), consistência concreta e material aos fusionismos mais paradoxais e desdobra-se aos outros poemas do livro; e, mais ainda, pela massiva inclusão de elementos orais com fortíssimo impulso vocal multitudinário e melismático (em que persistem as vozes nômades de bairro e 48

as danças e cantos comunitários negro-andino-flamencas do Peru), encenam o cotidiano erótico repassado pelas tonalidades da cidade e pelas reverberações de luz entre sol e sílabas. A vida pode ser difícil, isso sabemos sempre: porém os pés bailam como sílabas alegres. Passemos a palavra a Paul Zumthor (1979: 516): As manifestações até aqui repertoriadas de uma poesia destinada à transmissão oral (mesmo quando repousam sobre um texto escrito) implicam uma primazia do ritmo sobre o sentido, da ação sobre a representação, da atitude sobre o conceito: tendem, como em último termo, à identificação da poesia e da dança.

Por isso mesmo é tão indispensável a leitura que faz Granados, em “Trilce: húmeros para bailar”, das intensas implicações performáticas congregadas, até então pouco observadas conjuntamente, entre oralidades, erotismo e dança popular peruana nos versos trílcicos, sob um sol incaico em que bruxuleia, sobre o bordado sonoro, a mitopoética de Inkarrí (“Inka Rey”), ao modo de um milenarismo e messianismo agente de uma reincorporação autóctone coletiva (aproximada, guardadas as proporções, ao nosso sebastianismo). Daí que nessa noção do político em Vallejo não se possa separar o micro do macro, a saber, o esmerilhamento sonoro dentro do teatro das oralidades e das relações sexo-amorosas revela o corpo da sociedade em requebros álacres de performance, que se refaz e redime assim por meio de práticas lúdicas (a dança, o canto, a poesia), a partir das quais os mitos solares entremeiam, em tessitura miniatural, uma paisagem integral dos cidadãos, animais, plantas, materiais e objetos cotidianos das cidades e da natureza:


Tanto que resulta muy tentador postular, bajo esta clave, una organización posible de todo el poemario; alzar un mapa de la intensidad o de las “fugas” en esta marinera y resbalosa que es Trilce. Para ser más preciso, marinera en tanto performance; (...) Leer Trilce nos obliga, pues, a entrar en performance; por lo tanto, a disfrutar y compartir, aunque intensas , lo efímeras de nuestras estadías allí. Lo primordial no consiste – aunque esto no se excluye – en procurar el sentido, al menos aquel que constituirían sólo la palabras; sino disponernos a participar en aquel baile. (...) En suma, Trilce requiere que apliquemos nuestros cinco sentidos y uno más: el del ritmo en la danza. Es por ese motivo, porque queramos o no – y lo hagamos bien o mal – al ler este poemario bailamos, que nuestra experiencia de lectura (su sentido, su referente, su semántica) es necesariamente fugaz e inestable (GRANADOS, 2014: 26-30).

Fica patente o dístico inicial de Trilce I (“Quién hace tánta bulla y ni deja / testar las islas que van quedando”) como aviso ao leitor da roda-viva de ritmos a que foi chamado a entrar: o primeiro verso é uma interrogação vital e corriqueira em meio de conversa, perfeitamente encaixada num decassílabo, cujo hemistíquio na sexta sílaba aumenta, pela altura da voz suspensa, a presença física do barulho (“bUlla”) onomatopaicamente. O segundo verso, eneassílabo, introduz com um tecnicismo jurídico (“testar”) a dança sob a forma de arquipélago e as possíveis danças do arquipélago, em muitas camadas de leitura em palimpsesto. Vallejo vai mostrando (trata-se de um incessante e minucioso ir-e-vir) que o caráter revolucionário dos poemas não

se dá pela exclusão pura e simples dos metros clássicos, porém pela riqueza da mescla intersticial e simultânea dos materiais, em que, por exemplo, o Siglo de Oro, Góngora ou Quevedo, são cinzelados e reincorporados na marchetaria. Daí para frente não ficamos mais impunes à lufada de orquestrações marinhas, distúrbios e cicatrizes verbais, mapeadas, na segunda e terceira estrofes, pela meditabunda frase coloquial, em verso também decassilábico (num abrupto encaixe, outra vez, da musicalidade coloquial no verso clássico), saída de vozearias de rua: “Un poco más de consideración”. Nesta ressoam muitos “jogos de entonações” vindos das vocalizações primitivas para a instância do escrito, e aí permanecem, sobrenadando em vaivém como múltipla escansão e prosódia. Haveria muito a dizer sobre esse tipo de “canto alternado” sob forma de refrão, onde várias gargantas entoam seus cantos. Citemos algo com Paul Zumthor, para se ter uma ideia da participação anônima e coletiva de todas essas vozes em Vallejo: Historicamente, pode-se ter por certo que o uso do refrão constitui um traço específico da oralidade: as formas poéticas escritas que o adotaram, tomaram-no de empréstimo a algum gênero oral. (...) O refrão coral manifesta, de maneira mais explícita, a necessidade de participação coletiva que fundamenta socialmente a poesia oral (ZUMTHOR, 1997: 104-105).

Em seguida, o anúncio luminoso do sol musical, em canto coral, das tardes do Pacífico -- “DE LOS MÁS SOBERBIOS BEMOLES”, espécie de quase-Manifesto estético que perpassa toda a micropolítica dos poemas, esbatendo em tonalidades e acentos diversos sobre os arquipélagos 49


de ilhas, guanos, corpos, aves e palavras. (Não deve passar desapercebido o fato de que o verso redistribui o SOL em espelhamentos e paronomásias, e de que os BEMOLES, que contêm o sol em forma musical dissonante, são sinais indicativos dos semitons, e ainda de que se constituem senão como SOBERBIOS BEMOLES, isto é, se espalham com uma pequenez incrustada mas grandiosa.) Não por acaso Haroldo de Campos, no seu “Tributo a César Vallejo”, aproxima o poeta peruano de Sousândrade, tendo em vista um similar impulso vanguardista com fulcro num dispositivo operatório incaico-solar e “numa precisa referência geográfico-ecológica” (CAMPOS, 2010: 144), aquela dos sóis cambiantes de todas as “seis de la tarde” do Pacífico das “islas guaneras”. E compara, em Sousândrade, “a queda da dinastia solar de MancoCápac: “O Sol ao pôr-do-sol, (triste soslaio!)”, com o soneto de Los heraldos negros, “Nostalgias imperiales”, “em cujo último verso lê-se: náufrago llora MancoCápac” CAMPOS, 2010: 140). A disposição gráfico-visual e os letrismos de Trilce tinham que estar a serviço do que o texto não podia, de outro jeito, dizer: “La presentación gráfica de los versos no debe servir para sugerir lo que dice ya el texto de tales versos, sino para sugerir lo que el texto no dice. De outra manera, el no pasa de un pleonasmo y de un adorno de salón de “nuevo rico” (VALLEJO, 1978: 29). O sol e o jornal estão presentes também, de modo disseminado, e mais ativo ainda, onde não estão lexical ou tematicamente designados, permutando seus códigos, e contribuindo assim para a formação de novas atitudes, afetos e eletricidades sócio-corporais. Difícil não lembrar este excerto de Oswald de Andrade: “Pra me distrair / abro a janela / como jornal”. 50

Técnica e atualidade: a companhia de Walter Benjamin Aqui é o lugar nodal de um entroncamento e ramificação da poética de César Vallejo com relação à produção vanguardista do continente, no sentido de não atribuir às séries da civilização urbana, e às linguagens e repertórios daí decorrentes, valor lexical ou temático preponderante, mas sim – e mais radicalmente que os demais – propriedades, simultaneísmos e imantação rítmicos. Citemos o próprio: Poesía nueva há dado en llamarse a los versos cuyo léxico está formado de las palavras ‘cinema’, ‘avión’, ‘jazz-band’, ‘radio’ y, en general, de todas las voces de la ciencia e industrias contemporáneas, no importa que el léxico corresponda o no a una sensibilidad autenticamente nueva. Lo importante son las palabras. Pero no hay que olvidar que esto no es poesía nueva ni vieja, ni nada. Los materiales artísticos que ofrece la vida moderna, han de ser asimilados por el artista y convertidos en sensibilidad. El radio, por ejemplo, está destinado, más que a hacernos decir ‘radio’, a despertar nuevos temples nerviosos, más profundas

perspicácias

sentimentales,

amplificando evidencias y comprensiones y densificando el amor. La inquietud entonces crece y el soplo de la vida se aviva. (...) Muchas veces las voces nuevas pueden faltar. Muchas veces el poema no dice ‘cinema’, poseyendo, no obstante, la emoción cinética, pero efectiva y humana. Tal es la verdadeira poesía nueva (VALLEJO, 1978: 113).

Não se fala, na última estrofe de Trilce II, em jornal ou telégrafo:


Nombre Nombre

tre os gigantescos meios tecnológicos, por um lado, e um mínimo conheci-

Qué se llama cuanto heriza nos?

mento moral desses meios, por outro

Se llama Lomismo que padece

lado. De fato, de acordo com sua natu-

nombre nombre nombre nombrE.

reza econômica, a sociedade burguesa não pode deixar de separar, na medi-

Exercitam-se, todavia, nexos e ritmos gráfico-telegráficos, e a língua como produtora de eletricidades sonoras e gráficas, que conclamam as associações corticais ao desemboloramento. Como uma ponte de ligação, não podemos deixar de citar, por oportuno e atualíssimo, àquela época e agora, um trecho do “Teorias do fascismo alemão”, de Walter Benjamin (1986: 130), escrito em 1930: Léon Daudet, filho de Alphonse, ele próprio um escritor importante, líder do Partido Monarquista francês, publicou certa vez em sua Action française um relato sobre o Salão do Automóvel, cuja conclusão, embora talvez não nes-

da do possível, a dimensão técnica da assim chamada dimensão espiritual, como não pode deixar de excluir decididamente, a ideia técnica do direito de participação na ordem social.

Ressalta em Benjamin uma atitude política forçosamente vinculada ao escoamento das energias nervosas, provenientes das novas tecnologias, para todas as instâncias do cotidiano social, onde estão em jogo, nos mínimos atos, os afetos e as percepções. Fala muito bem sobre o assunto Willi Bolle, ao comentar o artigo “Nervos sadios”, de 1930, que termina com a frase -- “O tédio entontece, a diversão esclarece” (BENJAMIN, 1986: 179-181):

tas palavras, era: “L’automobile c’est Ia guerre”. O que estava na base des-

O texto de Benjamin é um exemplo de

sa surpreendente associação de ideias

sua atração por espetáculos de todo

era a concepção de uma aceleração

tipo, pela cultura visual no cotidiano

dos recursos técnicos, dos tempos, das

das pessoas e seu interesse persis-

fontes de energia, etc., os quais em

tente por uma história política das

nossa vida particular não encontram

percepções e das emoções que, em

aproveitamento pleno, adequado e, no

última instância, lhe era mais impor-

entanto, insistem para se justificar. Na

tante que uma história das obras de

medida em que renunciam à interação

arte (BOLLE, 1986, 13).

harmônica, justificam-se na guerra, a qual com suas destruições prova que a realidade social não estava madura para fazer da técnica seu órgão, e que a técnica não estava suficientemente forte para dominar as forças elementares da sociedade. Sem querer diminuir a importância das causas econômicas da guerra, pode-se afirmar que a guerra imperialista, em seu aspecto mais duro e mais funesto, é determinada também pela enorme discrepância en-

Nada mais próximo do lugar em que dá a revolução de Trilce. A dissociação entre a dimensão técnica e a ordem social, nos grandes ou mínimos elementos, acelerações e ações, por parte do fascismo inoculado na vida citadina burguesa, era já denunciada acerbamente pelo Cholo Vallejo, de modo bem semelhante a Benjamin, em vários artigos de jornal do seu período francês. Este é de 1926, sobre o Salón del Automóvil de Paris: 51


Qué gloria para los fanáticos del progreso! Qué triunfo para los futuristas! Qué poderosa demostración de caballos de fuerza! Por las vastas avenidas que rodean al Gran Palais, donde está el Salón del Automóvil, pasean victoriosos de esta demostración los constructores de carros, los ingenieros convencidos, los sportman y amateurs, las damas-pilotos y sus perros de lujo, los turistas de anteojos, con el inevitable señor Citrôen a la cabeza. Dueños absolutos de la urbe, que todo lo soporta (VALLEJO, 2014: 84).

Por isso que, tratando-se, à falta de melhor denominação, das chamadas vanguardas latino-americanas, marcantes especificações têm de ser feitas. Adiantemos algumas. Se, em princípio, “a paisagem urbana” se torna, segundo Schwartz (1983: 181) o “protagonista principal de grande número de poemas” em Oswald de Andrade e Oliverio Girondo, essa mesma paisagem, com Vallejo, esvazia-se de sua temática, passando a vigorar como um impulso coral eletro-magnético, onde vozes incaico-mestiças, canções de bairro, garatujas e glossolalias populares e infantis , junto a todas as rupturas sintático-sonoras, se dedicam a cerzir, no cerne da língua, os liames perdidos entre técnica e sociedade. Tudo isso, no entretanto, repassado necessariamente por “um dizer ao mesmo tempo com um código de alteridades e a dizê-lo de um modo alterado” (CAMPOS, 2001: 95), de tal modo que a paisagem da natureza, da cultura e da cidade (o referido sol inca, por exemplo, e principalmente seus SOBERBIOS BEMOLES), através da mestiçagem de formas, já reabsorvida pelas ressonâncias e tessituras silábico-vocais, ressitue e calibre a técnica, a despeito das estereotipias do exótico e do burocrático, na direção de novas conjun52

ções de sensibilidade a partir das quais as mitopoéticas locais se traduzem para o mundo. Essa é uma técnica que, conforme queria Benjamin, desloca o consumo trivial e utilitarista dos aparelhos e máquinas para a formação de sensibilidades afetivas, artísticas e sociais, através de relações de velocidade ou ritmo: “La técnica no se presta mucho, como a simple vista podría creerse, a falsificaciones ni a simulaciones. La técnica, en política como en arte, denuncia mejor que todos los programas y manifiestos la verdadera sensibilidad de un hombre” (VALLEJO, 1978: 77). Pois bem. A mera adesão ao léxico dos instrumentos e das maquinarias e dos conteúdos políticos de qualquer época não poderá nunca dar conta da necessária interação entre “a aceleração dos recursos técnicos” e a vida social. É esta capacidade de invenção para relacionar o temático, a técnica e a forma dos tempos hodiernos que especifica o Huidobro de Altazor frente a, por exemplo, Cendrars y Apollinaire. Neste ponto, Yúdice posiciona o poeta chileno, citando-o em seguida: Huidobro incluye todos los elementos del ‘esprit nouveau’ en su poesía (afiches, aviones, teléfonos, telégrafo, ‘dreadnoughts’ etc.), pero, como afirma en una crítica del futurismo, lo que importa es el tratamiento poético del tema y no el tema en sí como afirmación

de

una

nueva

poesía:

“No es el tema sino la manera de producirlo lo que hace ser novedoso. Los poetas que creen que porque las máquinas son modernas, también serán modernos al cantarlas, se equivocan absolutamente. Si canto el avión con la estética de Victor Hugo, seré tan viejo como él; si canto el amor con una estética nueva, seré nuevo.” (YÚDICE, 1978: 64).


Fundamental, nessa linha, a diferença, traçada por Haroldo de Campos, entre Oswald de Andrade e Blaise Cendrars: “Todavia, diferentemente de alguns escritores de vanguarda europeus – entre os quais seu amigo Blaise Cendrars – esse reconhecimento do novo não se limitou ao moderno vocabulário dos transportes, trens e telefone, mas estendeu-se integralmente ao tom (mood) e à estrutura do poema” (CAMPOS, 1972: xxxix). Com a mesma intenção não apenas vocabular, Girondo, ainda antes da aventura de “En la masmédula”, na epígrafe dos seus “Veinte poemas para ser leídos en el tranvía”, já buscava incorporar o movimento joco-grotesco da urbe à deglutição tradutória pelos novos códigos da paisagem: Cenáculo infernal, com a certeza reconfortante de que, em nossa qualidade de latino-americanos, possuímos o maior estômago do mundo, um estômago eclético, libérrimo, capaz de digerir, e de digerir bem, tanto uns arenques setentrionais ou um cuscuz oriental, como uma becasina cozida ao fogo ou uns desses chouriços épicos de Castela (GIRONDO, 1968: 47).

Mas não basta engolir: é preciso mastigar e “digerir bem”. No poema bonde, as deformações e neologismos etc. aglutinam-se à nova andadura rítmica – para a qual a forma do veículo contribui -- e à mescla carnavalizante entre palavras, fonemas e classes sociais, já contíguas e permeáveis, que a cidade migrante-imigrante faz sacolejar sobre os trilhos e sob o sol: “O transatlântico mesclado / Dlendlena e esguicha luz / Postretutas e famias sacolejam”. Assim, a nova locomoção, via novas conexões rítmicas, é assimilada à paisagem sonora e social dos corpos na cidade.

Insista-se nesta afinidade entre Benjamin e Vallejo, básica para se entender a relação entre arte, técnica e sociedade, de uma parte, e, de outra, o parentesco entre as políticas neo-liberais e as fascistas, via amortecimento, nestas últimas, das energias afetivas, assim como o reforço das acomodações duais de oposição. O autor de Escalas Melografiadas já percebera, num texto de 1926, publicado em Paris (Favorables Paris Poema, nº 1), a necessidade de transformar as novas forças e velocidades das novas maquinarias a partir da reestruturação de novos ritmos e tonalidades, em que o poético e o político se cruzassem: “Los materiales artísticos que ofrece la vida moderna han de ser asimilados y convertidos en sensibilidad” (VALLEJO, 1978: 113). Por esse motivo que tantos poemas de Trilce assumem uma variação de formas múltiplas e móbiles, aquém/além das noções de verso e prosa, como um arquipélago ou mata de quase-signos em contínuo rodopio de dança, que conclama ao mesmo tempo as sinapses neuronais, o esqueleto animal e os espaços da cidade e seus objetos, num grande diálogo interno/externo sempre inconcluso. Oralidade e ritmo: Henri Meschonnic e Vilém Flusser Qualquer menção conteudista pode obrigar a um achatamento dos movimentos lúdico-rítmicos do material poético. Toda lógica binária necessita de um léxico – inócuo sonoramente e linear digitalmente – para domar os interlocutores refestelados em dogmatismos binários de plantão. Vallejo teria levado ao seu maior esplendor, com sua polifonia prosódica e oral, os estudos de um Meschonnic (2017: 148) sobre o ritmo: “(...) o léxico não é 53


a linguagem, a linguagem é infinitamente mais que um léxico”. Aqui vale um bate-bola com o autor da “Poética do traduzir”:

A discursividade linear não é propriedade de todas as línguas. Não tem sentido falar-se em linearidade do tupi, do bantu, nem, a rigor, da

Toda a história das transformações

língua japonesa. O universo de tais

da poesia e da literatura mostra que

línguas não consiste em situações

elas são transformações do pensa-

organizadas linear e historicamente,

mento do ritmo e da oralidade. (...)

mas

O paradoxo do signo é que ele cons-

de

titui um modelo da linguagem do

situações o homem unidimensional

qual a linguagem empírica não para

não

de escapar, o qual o sujeito linguísti-

ruptura não é simples, e não consiste

co não para de ultrapassar. Pelo cor-

simplesmente

po, pela voz. E o assunto do poema,

elementos

pelo poema. (...) No signo, o mo-

ou ideogramas). (...) A revolução

delo binário, totalizante, expõe sua

linguística brasileira atesta, no seu

fraqueza. (...) Na medida em que a

aspecto mais profundo, o surgir do

poética se funda como uma crítica

novo homem, a saber, de um homem

do signo, esta crítica começa saindo

não-histórico

do modelo indo-europeu das línguas

para o qual a história (o discurso)

(...) (MESCHONNIC, 2010: 57-82).

não passa de uma das dimensões nas

de outra

situações maneira.

existe.

(...) na

organizadas (...)

O

Em

tais

processo absorção

multidimensionais

de de

(tupi

(multidimensional),

quais pensa e vive – portanto, um

Poetas tais como Vallejo, Huidobro, Girondo, Oswald, Nicolás Guillén partem do lugar em que os caracteres indo-europeus, pela ação de mestiçagem incorporadora, adligaram-se à paisagem sonora, às vozes afroindígenas e falas populares, passando inescapavelmente de idiomas flexionais a aglutinantes. Adligar-se, conforme o “Dicionário Aurélio”: “Bot. Fixar-se por apêndices ou pelas raízes (uma planta a outra)”. Daí, muitas vezes, esse pendor pantagruélico de Trilce por fluxos sintático-metonímicos de alegria, pequenas Galáxias pré-haroldianas muito bem polidas: “Alfan alfiles a adherirse / a las junturas, al fondo, a los testuces, / al sobrelecho de los numeradores a pie. / Alfiles y cadillos de lupinas parvas. (...) cuando innánima grifalda relata sólo / fallidas callandas cruzadas”(Trilce XXV). Serve muito bem ao Peru de Vallejo o que refere Flusser sobre o multilinguismo no Brasil: 54

homem que sintetiza história e nãohistória em síntese que não é tese de um processo seguinte (FLUSSER, 1998: 159-161).

Do poético ao político: o tom Não se pode, sem perda irreparável, perseguir em Vallejo um sentido unitário discursivo e dominantemente temático (o que, óbvio, não quer dizer que não os haja, em grande e variada complexidade, redistribuídos conforme a exigência do momento), acorde com um pensamento em crescimento progressivo-linear antropo-ocidentalizante, visto que o poeta atua numa espécie de intra-história que se dá nas interlínguas e intervozes de todas as séries que, por abandonadas, em algazarra de tons e semitons sob o sol, constituem os processos mais produtivos e criativos da cultura -- e superam a noção retilínea da história


pela do arquipélago em continuum, que se incrusta nos poemas trílcicos. Através da variedade de jogos silábicos (de diversas alturas ou mesmo tartamudeantes) e pelo vozerio acentual e tímbrico, a prática poética vallejiana nos introduz nessa outra história ou aquém-história -- por onde os agentes da paisagem, em pluralidade simultânea atuam, já despidos de qualquer ressentimento opositivo grupal isolado e partidário. Tomam a dianteira as golfadas de uma condição vocal em circulação rotatória (nunca por influência identitária!) na qual os ritmos, o lúdico e o erótico dos bairros de Lima, da mulataria, do feminino, do animal e do não-adulto, em criação conjunta de técnicas e práticas (jamais em pluralidades separadas!) estruturam o movimento coral dos poemas. Trata-se de variação multiplicante inclusa e mútua num continuum móbile, onde todo e qualquer fonema move-se numa dança em transe de relação, onde o que mais importa é a juntura ou gesto relacional e não aquilo que está relacionado. Talvez isto esteja dito no título de um dos Poemas Humanos: “Traspié Entre Dos Estrellas”. César Vallejo – ou outra dimensão de autoria que fale por, com ou apesar dele --, através dessa “descomposión o vivisección del processo de creación de un poema” (VALLEJO, 1973: 97), traz para dentro dos textos essas “nebulosas” ou “acueductos” de uma política fora de qualquer viés partidário em crescimento, porque se fermenta em correntes elétricas e nervaduras de integração dos sentidos, químico-fisiológicas, de uma outra civilidade. (Apesar dele próprio, ou seja, às vezes, como todos, sufocado e confundido pela intrusão dos rumos massacrantes da história oficial na posição pessoal.) Ora, somente por rodeios e aproximações é que se pode chegar,

semanticamente, em artigos de jornal, a traduzir o que sejam esses tons dos bemóis, na verdade entretons e semitons, constituintes da bordadura da trama (sabemos que, na incapacidade de perceber e, portanto, analisar, a trama relacional interna das coisas aparentemente separadas, reside o problema inexpugnável de toda ideologia). É o que tenta o poeta dizer, com várias listas de exemplos, em muitos lugares, de diversos modos: Una cosa es mi conducta política de artista, aunque, en el fondo, ambas marchan siempre de acuerdo, así no lo parezca a la simple vista. Como hombre, puedo simpatizar y trabalhar por la Revolución, pero como artista no está en manos de nadie ni en las mías propias el controlar los alcances políticos que pueden ocultarse en mis poemas. (...) El poeta socialista no reduce su socialismo a los temas ni a la técnica del poema. No lo reduce a introducir palabras a la moda sobre economia, dialéctica o derecho marxista, a movilizar ideas y requisitórias políticas de factura u orígen comunista, ni a adjetivar los hechos del espíritu y de la naturaleza, con epítetos tomados de la revolución proletária. El poeta socialista supone, de preferencia, una sensibilidad orgánica y tacitamente socialista. Sólo un hombre temperamentalmente socialista, aquel cuya conducta pública y privada, cuya manera de ver una estrella, de comprender la rotación de un carro, de sentir un dolor, de hacer una operación aritmética, de levantar una piedra, de guardar silencio o de ajustar una amistad, son organicamente socialistas, sólo ese hombre puede crear un poema autenticamente socialista (VALLEJO, 1978: 27-28).

55


Tais tentativas podem ser reunidas, também, e melhor, a partir das tiradas do poeta dispersas em escritos vários, ao modo obliquo de Faits Divers ou de um Teatro de Revista, em cartas, testemunhos, cadernos, diários, rascunhos, Carnets etc., todos em diálogo inacabado e inacabável com todos os demais textos. A intenção sempre será, como neste artigo de 1925, esquadrinhar tonalidades rítmicas da sensibilidade, que não cabem nas lógicas racionais: (...) heme libre hasta de pensamientos. Sí. Ah, mi querido Vicente Huidobro, no he de transigir nunca con usted en la excesiva importancia que usted da a la inteligencia en la vida. Mis votos son siempre por la sensibilidad. (...); ... sensibilidad como función más que psíquica, fisiológica, mi querido Vicente (VALLEJO, 2014: 253).

Daí o caráter ínsito da presença indígena na cultura: “La indigenización es acto de sensibilidad indígena y no de voluntad indigenista” (VALLEJO, 1927), já que cresce de baixo, pelos desvãos, e se expande em radículas e filamentos do idioma que não dependem apenas da vontade dos sujeitos, mas do trabalho conjunto da cultura/natureza. Nessa expansão musical trílcica, paisagem e poesia trocam de lugar em “Telúrica y magnética”, nos Poemas humanos: “Paquidermos en prosa cuando pasan / y en verso cuando páranse! (...) Cóndores? Me friegan los cóndores! (...) / Rotación de tardes modernas / y finas madrugadas arqueológicas! / Indio antes del hombre y después de él! / Lo entiendo todo en dos flautas / y me doy a entender en una quena! / Y lo demás, me las pelan!...” “Quiera que no quiera se es o no se es indigenista y no están aquí, para nada, los llamamientos, las proclamas y las ad56

moniciones en pro y en contra de estas formas de labor” (VALLEJO, 1927). Vallejo tem clareza sobre a relação entre os procedimentos políticos e os poéticos, que podem dar voz ao que está excluído, sem recair no equívoco de apenas inverter as posições binariamente ocupadas. “Sólo los indios sufren y no los cholos y hasta los blancos?” (VALLEJO, 1978: 149). Somente uma técnica assimilada por uma sensibilidade em interação com as forças arteriais da sociedade e da natureza pode mudar “a aceleração dos recursos técnicos, dos tempos, das fontes de energia etc.”, desaproveitada pelas tecnociências (conforme mostrou Benjamin linhas acima), em novos afetos e atitudes articulados em colaboração comum, desde que as nervuras corpossociais de todos se imantem. Donde a necessidade de agir, em alta potência, dentro dos códigos rítmicos (não apenas dos léxicos saídos da interpretação “inteligente” dos conteúdos da época) e alterá-los. O político e o poético estão no tom. “Lo que importa principalmente en un poema es el tono con que se dice una cosa y, secundariamente, lo que se dice” (VALLEJO, 1978: 79). Somente esse tom pode captar as “oscuras nebulosas de la vida” e universalizar a mestiçagem de códigos, séries e textos de toda espécie, e tornar atuante uma composição indo-fêmeo-negroide a partir dessas sílabas selvagens e alegres malhadas de sol. “Quizá el tono indoamericano en el estilo y en el alma?” (VALLEJO, 1973: 97). E ainda mais, a alegria na finitude “Si no ha de ser bonita la vida, / que se lo coman todo” (VALLEJO, 1973: 98).


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TRILCE XXXIV voz, sílaba e ritmo Amálio Pinheiro

Trilce XXXIV Se acabó el extraño, con quien, tarde la noche, regresabas parla y parla. Ya no habrá quien me aguarde, dispuesto mi lugar, bueno lo malo. Se acabó la calurosa tarde; tu gran bahía y tu clamor; la charla con tu madre acabada que nos brindaba un té lleno de tarde. Se acabó todo al fin: las vacaciones, tu obediencia de pechos, tu manera de pedirme que no me vaya fuera. Y se acabó el diminutivo, para mi mayoría en el dolor sin fin, y nuestro haber nacido así sin causa.

O problema do conteúdo Este soneto, espécie de primo-pobre enjeitado do livro Trilce, não pôde ser considerado, pela maior parte da crítica, como fazendo parte da chamada “evolução unitária” e “coerentemente dialética” da poética vallejiana, de Heraldos Negros a Poemas Humanos e España, aparta de mí este cáliz, na trajetória dominante em que as comoções individuais e afetivas e os enfrentamentos com a orfandade, a sociedade e com Deus se resolveriam maduramente no coroamento em cadeia, com algumas variações conceituais, neo-marxistas ou neo-hegelianas, nas figuras substancializadas 58

do órfão, do índio, do operário e do miliciano; nem pôde nunca, este mesmo soneto, representar dignamente as revoluções trilceanas, sendo um poema reconstruído como rescaldo da época do primeiro livro, e concentrado em memórias múltiplas dispersas de atribulados percalços amorosos. No entanto, Vallejo o inseriu aí, com chispas e elos que se expandem por toda a obra. O nó górdio parece estar na tendência, proveniente do pensamento centro-ocidentalizante, de rastrear nos textos do grande poeta andino uma interpretação de conteúdos, fundada na separabilidade entre significado e significante (de que deriva a importância maior e mais elevada concedida ao primeiro), entre o léxico e as vozes/oralidades/coloquialidades e entre, portanto, mente e corpo. Seria, nesse percurso unilinear, absolutamente necessário mostrar o crescimento progressivo de uma “ideia” e de um “significado”, cada vez mais “profundo” e “humano”, do nosso autor. Barthes já dissera: “A cultura francesa sempre privilegiou muito, ao que parece, as “ideias” ou, para falar de modo mais neutro, o conteúdo das mensagens. Ao francês importa o ‘algo a dizer’.” (“A face barroca”, em O Rumor da língua, Brasiliense, 1988, p. 244). A pressão interpretativa de se perseguir uma síntese totalizante no plano do significado corre sempre o risco de desprezar o corpo a corpo intersticial daqueles complexos componentes que constituem, no final das contas…, um poema: “…os gestos e os tons, os signos mímicos, acústicos e motores, que


dão expressão e matiz significativo às palavras” (WELLERSCHOFF, “Literatura y práxis”, Guadarrama, 1975, p. 75). E também Susan Sontag, já em 1964, clamava: “Em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte” (“Contra a interpretação”, L&PM, 1987, p. 23). Não esqueçamos também, à época de Vallejo, do positivismo invasor das Repúblicas latino-americanas, ocupado numa educação e formação intelectual centrada nas classificações binárias: ordem e desordem, alto e baixo, o maior e o menor. As interações entre as partículas e corpúsculos da cultura, das linguagens e dos afetos cantantes e dançantes, que expandem os sentidos pelos ritmos, eram consideradas coisas de um povo mestiço e selvagem que não tinha o que fazer. Enfim, estamos diante do dilema do “ser” (o que é que isso é ?; o que é que ele quer afinal dizer?), a saber: diante daquilo que o brasileiro Oswald de Andrade, parente xamânico de Vallejo, traduziu como “tupi or not tupi / that is the question”. E o mesmo César Vallejo disse-o de várias maneiras: “Lo que importa principalmente en un poema es el tono con que se dice una cosa y, secundariamente, lo que se dice.” (VALLEJO, Obras completas 4, El arte y la revolución, p. 79). Daí que o autor de Trilce exigisse, em vez da “vontade indigenista”, localista, mentalista e conteudista, uma “sensibilidade indígena” (VALLEJO, Variedades, núm. 1025, Lima, 22/10/1927), já impregnada animalmente em todos os atos grandes e pequenos. Num poema tal sensibilidade anímica deve dilatar-se encravada não só nos desdobramentos lexicais, macro-estéticos, mas numa extensão de sentidos possíveis nos planos micro-estéticos, em que se dão as mediações mínimas entre língua, corpo e ambiente.

Pequenos sons dançantes e seus arredores Trata-se aqui de um soneto (do italiano sonetto, “pequena canção, ou literalmente, pequeno som”); mas um soneto enviesado, conduzido como filigrana sonora que busca ritmos de canto e dança. 11 versos decassílabos (hendecassílabos em castelhano) dialogam ricamente com 2 heptassílabos (octassílabos em castelhano) e mais 1 eneassílabo (decassílabo em castelhano), distribuídos certeiramente no terceiro verso da primeira estrofe e primeiro e terceiro versos da segunda estrofe. No Brasil, diríamos que poderia ser lido ou cantado como uma peça de samba-canção, ou talvez, sambolero. Chama de cara nossa atenção a insistência, no começo de cada estrofe, do estribilho “Se acabó”: acupuntura oxítona que comanda o exercício da memória e da finitude de todas as coisas, apenas arrematada pela conjunção “Y” do último terceto, que ressalta a perda do fundamental “diminutivo” e inclui a situação pessoal e dos amantes dentro da fatalidade comunitária de todos os viventes: “y nuestro haber nacido así sin causa” (não há, diga-se de passagem, como deixar escapar essa orfandade universal já no anterior Trilce XXXIII, tenha-se nascido ou não: “o haga la cuenta de no haber aún nacido”). Contudo, esse “Se acabó” é uma espécie de rodopio de dança, escansão vocal e marcação rítmica do traçado prosódico do poema, que nos obriga a reler soletrando todo o quase-soneto, num incessante recomeço em continuum (é o que, inclusive, numa quase-paronomásia, a orquestração silábica da última palavra do último terceto nos propõe, forçosamente: Sin CAuSA / Se ACAbó). Assim, a partir desta fragílima simetria assimétrica, as estrofes emolduram 59


(“Se acabó el extraño”/ “Se acabó la calurosa tarde”/ “Se acabó todo al fin”/“Y se acabó el diminutivo”), em ziguezague, uma caudalosa e aglomerada listagem ampliada de um memorial das faltas e saudades, num crescendo cinemático como de câmera-na-mão, aquilo que um Severo Sarduy (“O barroco e o neobarroco”, em América Latina em sua literatura, Perspectiva, p. 165) chamou de “lista díspar” ou “enumeração disparatada”. (Este modo barroquizante de composição será desdobrado noutros moldes, exaustivamente, em Poemas Humanos e España, aparta de mí este cáliz; mas já está muito presente em Trilce.) Configura-se um caleidoscópio compacto da multiplicação metonímica do múltiplo, cujo material de ligadura e dobradiça é acentual, sonoro, vocal e prosódico. Mostram-se aqui os ritmos de afetos, acontecimentos, situações e paisagens que arrancam da fala ordinária adaptada às séries do verso, a partir do pormenor e do gesto chaplinesco intenso (o Chaplin de Luzes da Cidade, por exemplo) que se amotina por ser diminuto e dito insignificante. Intenso e extenso, sem qualquer dúvida, pela sua multiplicante aptidão molecular para incorporar e tornar tecidas alteridades plurais de séries distantes em movimento conjunto. Os elementos de fala coloquial são incrustados numa composição que costura o simples no complexo e o fácil no difícil: da primeira à segunda estrofe se urde uma joalheria solar a partir da letra “a” e suas articulações em “ar”, “al”, “ab”, “ap”, “ad” etc., além de muitas outras bordadas e atravessadas enviesadamente, num incessante jogo de entre-espelhamentos e bumerangues. Alguns poucos apontamentos: insistência da palavra “tarde”, por três vezes, em fim de verso; insistência em cavalgamentos (enjambements); a maioria dos hemistíquios são acentuados 60

no calorífero fonema em “a”. O primeiro verso da segunda estrofe, que assinala a presença da lembrança da natureza/cultura nos corpos amantes (“tu gran bahía”), é um apoteótico rendilhado de dança e cor silábicos sob o regime do sol: “Se acabó la calurosa tarde;”. Uma, entre outras, possível variante gráfico-vocal: Se ACAbó LA CALuRoSA tARde. Ressoa aqui o quase-manifesto estético-solar de T. I: “Un poco más de consideración, / y el mantillo líquido, seis de la tarde / DE LOS MÁS SOBERBIOS BEMOLES”. Sílaba: por uma política da alegria Ressalta aqui um fenômeno grato e marcante na produção das culturas poético-musicais do continente, que César Vallejo leva a grandes desdobramentos: a enumeração compactada e ampliada, marchetada de dobras-e-curvas em cor/ som/voz, que coloca em cena, nas formas em movimento de alta voltagem fonética, a alegria solar dos gestos gráfico-sonoros. A linha de tristeza e dor dos significados é invadida pela alegria erótica do baile, o que aumenta em muito a complexidade da composição. A espessura da composição se adensa com a recarga das formas em movimento da alegria recompondo o âmbito da tristeza. Parece que vemos aqui o cholo Vallejo dançando feliz em seu bairro. (Não se pode deixar de ler, a respeito, “Trilce: húmeros para bailar”, de Pedro Granados, VASINFIN, 2014.) Isto porque as sílabas, no caso, montam uma linguagem aglutinante que rompe o caráter flexional e linear da língua, mesmo quando, como neste Trilce XXXIV, Vallejo não destripa as palavras ou incrusta-as em implosões sintáticas e ortográficas de toda ordem. O ritmo coloquial encadeado nas nervuras dos códigos nativos é suficiente para abalar as ontologias importadas.


A paixão dos ritmos silábicos está distribuída por toda a obra e vida do poeta. Vai aqui um parco exemplo, tirado do conto Liberación de Escalas Melografiadas: “Suenan esas notas, y desusada sugestión ejercen ahora en mi espíritu, hasta el punto de casi sentir la letra misma de la canción, engarzada sílaba por sílaba, o como clavada com gigantescos clavos en cada uno de los sonidos errantes. (…) Las notas se cruzan, se iteran, patalean, chirrían, vuelven a iterarse, destrozan tímidos biseles”. (VALLEJO, Obras Completas 2, Laia, Barcelona, 1980, p. 43-4). A condição estética, ética e política, combinadas, se concentram, por assim dizer, na biosemiosfera das sílabas, que aglomeram os pequenos gestos vitais, sentimentais e vocais, em todas as menores, invisíveis e imprevisíveis atitudes diárias. Isto já era praticado por Vallejo em Trilce, cinco anos antes de escrever em “Ejecutoria del arte socialista” (Variedades, núm. 1.075, Lima, 6/10/1928): “Porque la estética socialista no debe reducirse a los temas, al sentido político ni a los recursos metafóricos del poema. No se reduce a introducir palabras a la moda sobre economía, dialéctica o derecho marxista. (…) La estética socialista debe arrancar únicamente de una sensibilidad honda y tácitamente socialista”. Alguma tradução

la traducción” (“Electrones de la obra de arte”, em El arte y la revolución, Obras Completas 4, Laia, Barcelona, p. 79). Para nós, por meio de uma esquiva negativa, Vallejo está querendo dizer que, liberada a poesia da couraça lexical, a tradução parte da sua aparente impossibilidade colada ao ritmo e tonalidade dos versos, para, através das aproximações do jogo sempre incompleto de compossíveis do impossível, fazer alastrar-se de língua a língua a escavação do palimpsesto traduzível, agora posto à decifração noutro espaço-tempo. Os melhores poetas são, em consequência, dentro de uma heurística falível, os únicos propícios à tradução. TRILCE XXXIV Acabou-se esse estranho, com quem, tarde da noite, regressavas parla e parla. Já não há mais quem me aguarde, disposto meu lugar, boa a maldade. Acabou-se a calorosa tarde; tua grande baía e teu clamor; a charla com a tua mãe acabada que nos brindava um chá cheio de tarde. Acabou-se enfim tudo: essas férias, tua obediência de peitos, tua maneira de me pedir que não me vá embora. E acabou-se o diminutivo, para minha maioridade em dor sem fim

Agora nos dispomos a enfrentar um belo problema frente ao que podemos chamar uma teoria oculta da tradução em César Vallejo. Diz o poeta: “Lo que se dice es, en efecto, susceptible de pasar a otro idioma, pero el tono con que eso se dice, no. El tono queda inamovible en las palavras del idioma original en que fue concebido y creado. (…) Los mejores poetas son, en consecuencia, menos propicios a

e nosso haver nascido assim sem causa.

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INVENÇÃO

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ANTONIO MOURA África

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Escrever nada, escrever negro, negro sobre negro, nada sobre nada, escrever Não escrever no ar branco o nome do indizível com a fumaça azul do haxixe, escrever na coronha dos fuzis, no cano das armas, até entrar pelo cano, entrar para o cânone e sair pela porta dos fundos da história, escrever com uma das mãos enquanto a outra dá adeus, escrever com a boca fechada pondo a língua pra fora, escrever sem as mãos, escrever com a sola dos pés nas dunas fumegantes das Arábias, escrever no dialeto sangrento das tribos em guerra, arabescos contra algaravias, escrever com as pernas, com um pé nas costas, só com uma perna, uma perna só – saci gaulês – escrever com o toco da perna gangrenada, escrever gangrena, escrever com a parte da perna amputada, escrever as noites e os silêncios sobre tudo o que já foi escrito, manuscritos, palimpsestos, sobre os grifos, sobre os gritos da canalha, escrever sem som, sem fazer barulho, sem um ruído sequer, escrever a cavalo, escrever a camelo atravessando as sete vozes do deserto, escrever na língua dos animais selvagens que rondam a tenda durante a noite inteira, escrever na lama da alma, xamã soletrando as sílabas dos tambores da selva, escrever com a poeira da noite sobre o vazio dos dias, virar a página, virar as páginas de areia das noites e dos dias, virar comerciante, traficante, trafegar no tempo dos assassinos – para além dos dias e das estações, pessoas e países, a bandeira em carne viva sobre a seda dos oceanos e das flores árticas; (elas não existem), até chegar, por mar, mancando – mancada – manco de muletas sobre as águas, num quartinho de hospital em Marselha – e dali, de novo partir, num navio de velas manuscritas e rasuradas para o abismo da voz apagada pela boca da eternidade que se abre abissal, Abissínia. 65


ANTONIO MOURA Onipresença Onipotência A Giorgio Agamben

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Júpiter Isis Baal Amon-Rá Thor Saturno Cronos Belus Vênus Odin Marte Plutão Hutzilopochtli Tezcatlipoca Tupã Javé Olódumarè Moloch Gigantes ICBC China Construction Bank Agricultural Bank of China Berkshire Hathaway JPMorgan Chase Bank of China Wells Fargo Aplle ExxonMobil Toyota Motor Bank of America AT&T Citigroup Verizon Communications Wal-Mart Stores PetroChina HSBC Holdings

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ANTONIO MOURA the invisible war

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Os fragmentos da guerra invisível entram pelas frestas das portas e janelas, fantasmas de gás inflamável evaporados de grandes banquetes onde são servidos terrorismo de estado à la carte, cozidos geopolíticos com uma pitada de fundamentalismo religioso e fatias de porcos totalitários à direita e à esquerda da mesa. Multidões de refugiados cruzam o mapa de meu quarto, passam por cima de minha cama carregando seus trapos até saírem pela porta do espelho onde esperam encontrar um outro mundo. Os minúsculos fragmentos desta guerra grudam na sola de meus sapatos onde quer que eu vá, onde quer que eu ande, na rua, debaixo da terra, pelos telhados, explodem em forma de estilhaços ultra silenciosos a cada passo e enquanto ando em minha parca velocidade de homem a guerra invisível viaja numa velocidade estonteante por dentro de pequenos telefones, deixando milhares de mortos e feridos por entre os escombros das telas de cristal líquido. A guerra fantasma é um flâneur maligno do Vale da Sombra da Morte, está em toda parte e em parte nenhuma, às vezes, sem que ninguém perceba, passa, com suas armas de alta tecnologia, por entre crianças que brincam descalças numa abandonada praça de periferia. Às

vezes passa, causando arrepios, um vento frio, nos animais da floresta. Por toda parte e em parte alguma, impalpável, Deus Onipresente, vaga um vírus fabricado em laboratórios transnacionais pagos pela moeda de lata dourada que carrego em meu bolso. Não se pode vê-la nem ouvi-la, só senti-la quando já está muito perto, entrando silenciosa e sorrateira por dentro dos pesadelos dos que dormem nas cidades que dormem sem dormir de olhos bem abertos quando fecham os olhos de medo, quando tapam os ouvidos, para não escutar, apavorados, o bater de botas e o trotar de cavalos adornados de fitas e penachos aproximando-se de suas cabeceiras. Veja, de dentro da cortina de fumaça e poeira que se levanta do cyber front erguido eletrônico no meio da sala, a múmia de Tio Patinhas ressuscita ainda mais sovina, decretando o fim da história, o fim das utopias, nadando, cínico, em sua gigantesca banheira de dinheiro. Em vários pontos estratégicos da nova guerra, tiranetes-fantoches esperam por novas ordens sentados em seus urinóis decorados por coloridas logomarcas. Não se sabe onde ela está – o inimigo sou eu, o inimigo é você – a guerra feita de vento, que agora me faz andar como um cego que tateia o ar sem sua bengala.

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MARCELO SAHEA YemanJoyce, 2021

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Calligrafeet, 2020

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Exorbitando a língua, 2021

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RITA BALDUINO Micropolíticas Poéticas

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A política perpassa todos os passos, atravessa todos os olhares, se infiltra na mais ínfima das ações humanas. Tanto as micro como as macropolíticas se fazem presentes no cotidiano, são vitais, e muitas vezes invisíveis, como o ar que respiramos. Contudo, nos últimos tempos o poder legitimador das macropolíticas tem sido colocado à prova como regulador eficaz na vida dos cidadãos brasileiros. Paralelamente, as micro políticas se multiplicam em espaços diversos e se diversificam em sua forma. Enquanto se evidencia um enfraquecimento da política tradicional, ações micropolíticas se tornam alternativas para o modo de fazer desta política. A prática artística contemporânea pode manifestar-se como forma de micropolítica sem ter a pretensão do modelo modernista, onde a arte tinha a função heroica de mudar o mundo. Na contemporaneidade, micropolíticas artísticas pretendem apenas colocar o dedo nas feridas, porque percebem os paradoxos e a complexidade de nossos dias pós-utópicos. É neste sentido que venho realizando uma série de poemas-ação. Com as palavras nos olhos, Tiemposcuros é uma poesia visual, ação poética micropolítica, expressão da perplexidade diante do estado paradoxal da situação política brasileira. Realizada para abordar o obscuro que se mostra em contínuo alvorecer no

palácio central. Como espelhar suas sombras? Comer com os olhos o paradoxo que se perpetua ou colocar o dedo na ferida até sangrar, enquanto durar? E dura, na cara dura. Tiemposcuros é um retrato em preto e branco, onde negativos e positivos se alternam. Ora é uma imagem fotográfica em negativo que afirma a clareza com que as coisas escondidas se apresentam; ora é uma imagem fotográfica em positivo que aponta o continuísmo daquilo que se oculta exatamente por ser evidente, assim como os óculos perdidos que não conseguimos encontrar porque estão na cara. Paradoxos que nos assolam e assombram dia e noite, noite e dia. Já Colônia Brasil é um poema-objeto feito de aromas fétidos, desenvolvidos com essências vencidas e cheiro de perfume barato. Em cada frasco uma palavra adjetiva o perfume, marcando nominalmente o traço do odor. Se as memórias involuntárias das “madeleines de Proust” ou a “memória de olfato memorável” de Lygia Fagundes Telles narram reminiscências do passado despertadas pelo olfato, Colônia Brasil propõe memorar o presente contínuo das características sombrias e nocivas do nosso contexto político-social. Rita Balduino São Paulo – 2021 75


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WALTER SILVEIRA Isto não é isto

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ARTIGOS/ ENSAIOS

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NÉKUIA, PARÓDIA, MONTAGEM

HAROLDO DE CAMPOS DESCE AO MUNDO DOS MORTOS Eduardo Jorge de Oliveira

Resumo: O artigo desenvolve uma leitura do termo grego “Nékuia” na poética de Haroldo de Campos, mais precisamente no poema “Esboço para uma Nékuia”, de Signância quase céu, de 1979. Nesta leitura, Nékuia (Odisseia, Canto XI) pode ser interpretada como um procedimento de paródia e de montagem, processos que Haroldo de Campos dominava muito bem técnica e teoricamente.

Abstract: The paper develops a reading of the Greek term “Nékuia” in Haroldo de Campos’ poetics, more precisely in the poem “Esboço para uma Nékuia”, from Signância quase céu, 1979. In this reading, “Nékuia” (Odyssey, Canto XI) can be interpreted as a procedure of parody and montage, processes that Haroldo de Campos mastered very well technically and theoretically.

Palavras-chave: Nékuia, Poesia, Tradução, Transcriação, Montagem, Paródia.

Key-words: Nékuia, Poetry, Translation, Transcreation, Montage, Parody. 81


Os mortos e um glossário de frases feitas

de turista falo sete línguas, nesta idade! E não tenho mais governante! O Polícia – Também falo sete línguas, todas

Em guisa de introdução uma das mais importantes fontes da paródia para Haroldo de Campos: Oswald de Andrade. Cabe ler dois fragmentos da peça A morta, escrita em 1937: O Turista – E aqueles? O Polícia – São os mortos O Turista – Vivem juntos? Vivos e mortos? O Polícia – O mundo é um dicionário. Palavras vivas e vocábulos mortos. Não se atracam porque somos severos vigilantes. Fechamo-los em regras indiscutíveis e fixas. Fazemos mesmo que estes que são a serenidade tomem o lugar daquelas que são a raiva e o fermento. Fundamos para isso as academias... os museus... os códigos O Turista – E os vivos reclamam? O Polícia – Mais do que isso. Querem que os outros desapareçam para sempre. Mas se isso acontecesse não haveria mais os céus da literatura, as águas paradas da poesia, os lagos imóveis do sonho. Oswald de Andrade, “A morta”, [1937] 2011, 205-206.

O polícia poliglota e o turista são vozes que se equivalem naquilo em que elas se opõem, isto é, uma voz é complementar da outra. Nesse diálogo é possível constatar um estranho emaranhamento dos elementos estudados, isto é, o ritual de encontro com os mortos, a nékuia, a paródia e a montagem. No trecho seguinte da sequência do diálogo entre o polícia e o turista constata-se um estranho encontro: O Turista – Com quem tenho a honra de falar? O Polícia – Com a polícia poliglota O Turista – Oh! Que prazer! O senhor sou eu mesmo na voz passiva. Na minha qualidade

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mortas. A minha função é mesmo essa, mata-las. Todo o meu glossário é de frases feitas (Andrade [1937] 2011, 206).

O efeito cômico surge dessas duas entidades que não ficam fora do texto, mas que garantem a ordem, a polícia (πολιτεία), e o conhecimento pela viagem que dá origem ao termo turismo que, desde Kafka, com Na colônia penal (In der Strafkolonie, 1914-1919), assume ares irônicos na figura do explorador (Forschungsreisenden). A ironia oswaldiana é refinada pelas camadas do texto, pois cabe ao turista fazer o papel de intermediário dos sentidos do texto com o leitor afim de revelar-lhe pouco a pouco as diversas camadas da peça de teatro. O primeiro impulso levaria um leitor a afirmar que as ações se complementam pelos papeis ocupados pelo polícia e pelo turista. O “ato lírico em três quadros” de Oswald de Andrade no entanto, não é nada caricatural, mas promove uma profunda relação dos vivos com os mortos. Na peça, os vivos estão divididos entre aqueles que querem se desfazer dos mortos (os cremadores), isto é, da memória e de toda e qualquer forma de lembrança, enquanto que outra parcela dos vivos (os conservadores de cadáver) se mantém numa comunidade babélica com os mortos. Em cantos paralelos é possível ouvir a dissonância dos vivos em relação aos mortos entre distintas palavras de ordem: “Abaixo os mortos! Eles comem a comida dos vivos!” (Andrade [1937] 2011, 209) e os gritos conservadores (de cadáver), por sua vez, são: “Babel! Babel!” (Andrade [1937] 2011, 212). Entre ambas as vozes dissonantes


existe um chamado à ação. Cabe ler um fragmento da breve carta-prefácio do autor endereçada à Julieta Barbara: É o drama do poeta, do coordenador de toda ação humana, a quem a hostilidade de um século reacionário afastou pouco a pouco da linguagem útil e corrente. Do romantismo ao simbolismo, ao surrealismo, a justificativa da poesia perdeu-se

em

sons

e

protestos

ininteligíveis e parou no balbuciamento e na telepatia. Bem longe dos chamados populares. Agora, os soterrados, através da análise, voltam à luz, e através da ação, chegam às barricadas (Andrade [1937] 2011, 177).

O breve fragmento lança luz às práticas de Haroldo de Campos, ainda que a situação histórica e a orientação dos escritores sejam distintas. Mas existe entre elas uma ética oswaldiana que animou a ação do autor de galáxias é esse que foi mencionado: o poeta é um coordenador de toda ação humana. No breve texto há ainda uma menção aos soterrados que são tanto aqueles desgarrados pelos sentidos perdidos ou adormecidos na poesia quanto os que se afastaram do apelo à ação, que pode ser lido a partir de outros engajamentos na obra de Haroldo de Campos. Com a intenção de trazer os mortos à luz, Oswald de Andrade está a praticar uma nékuia pelos próprios quadros do seu ato lírico. Esse era um chamado político que sombriamente ressoa ao longo do século XX e, pela história social do Brasil, chega às primeiras décadas do século XXI. As frases feitas e línguas mortas da peça A morta se situam em termos de cantos paralelos e de montagem. A título de introdução, a nékuia pode ser compreendida literalmente como uma rapsódia1 sobre os mortos e que, para Haroldo de Campos, ela seria

uma rapsodomancia, conforme nos informa Antenor Nascentes no dicionário etimológico resumido, a saber: “Do. gr. rhapsodós “rapsodo” e mántis “advinho” (1966: 635). Haroldo de Campos busca modos de ler as palavras pronunciadas na nékuia um modo premonitório de leitura das poéticas sincrônicas: Homero, Pound, Mallarmé são três exemplos. No Houaiss se lê o sentido mais apurado da rapsodomancia no verbete que o lexicógrafo dedica a palavra: “suposta adivinhação por meio de passagens tiradas aleatoriamente das obras de um poeta” (2009: 1611). A rapsodomancia pode ser chamada de operação de paródia e de montagem. Ela foi inventada por Haroldo de Campos como um modo de costura dos sentidos advindos tanto dos gregos quanto da literatura brasileira, de onde Oswald de Andrade é uma presença incontornável. Nékuia pode ser compreendido precisamente nesta leitura em termos de procedimento (Chklovski, 1917; Jakobson, 1977) literário, pois ela evoca um estranhamento (oстранение) insuperável na literatura ocidental: o diálogo dos vivos com os mortos. Em Bere’shith, por exemplo, Haroldo de Campos se vale do argumento que o paralelismo leva a uma sofisticação da “função poética”. O crítico e tradutor brasileiro se apoia no livro de Robert Alter, The Art of Biblical Poetry. Segundo Haroldo de Campos: (...)

ao

tratar

da

“Dinâmica

do

Paralelismo”, um recurso congenial à arte poética bíblica, Alter dá relevo ao momentoso texto de Victor Chklóvski, “A Arte como Procedimento” (Iskússtvo kak priom, 1917), considerado o virtual “manifesto” do chamado “formalismo russo”. O paralelismo, nesse “manifesto” pioneiro, é definido à luz do critério do “estranhamento” (ostraniênie). “A percepção da desarmonia

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num contexto harmonioso é um fator importante no paralelismo” – afirma Chklóvski no seu escrito, considerado por Alter “um dos textos seminais da

juntos, as modificações semânticas específicas são produzidas. A montagem, finalmente, é um recurso utilizado com conhecimento e sensibilidade dos paralelismos.

teoria literária moderna”. E conclui: “O escopo do paralelismo, como o

Cantos paralelos, Montagem, Nékuia

da imagética em geral, é transpor a percepção usual de um objeto para a esfera de uma nova percepção, isto é, produzir uma específica modificação semântica” (Campos, 2000: 93).

Procedimento é um termo justo para o estranhamento, muito embora exista a tradução inglesa do vocábulo russo “priom”2 (приём) que é “device” (mecanismo, aparato) ou simplesmente técnica. Haroldo de Campos produziu incessantemente procedimentos que são modificações semânticas específicas que geralmente não funcionavam isoladas, mas se sustentavam mutuamente nos âmbitos da criação, da crítica e da transcriação. Esse foi o caso da sua nékuia que, embora não tenha sido teorizada, ela se sustenta pela própria tradução que o poeta fez do canto XI da Odisséia, publicada na revista Phaos, da Unicamp, em 2001, e o poema “esboços para uma nékuia”, de 1979. Embora distantes no tempo, o paralelismo reforça a busca de uma sofisticação da função poética da língua portuguesa. Esse aspecto merece ser sublinhado na obra de Haroldo de Campos, pois a paródia ocupa um lugar central, a começar pelos papeis de poeta, de crítico e de tradutor ocupados por ele paralelamente. Mas isso vai além de atividades compartimentalizadas que se comunicam: o poeta parodia o tradutor. O tradutor parodia o crítico. O crítico parodia, por sua vez, o poeta e o tradutor, de modo que existe um jogo de combinações de paródia entre tais papeis. Eles são linhas paralelas e comunicantes, de onde emerge a dificuldade em separá-los, pois, 84

A noção de “cantos paralelos” (do grego Para Ode) foi elaborada teoricamente por Haroldo de Campos a partir de suas práticas de leitura de Oswald de Andrade no final dos anos sessenta (1967) e de Goethe nos anos oitenta (1981)3. Ela é resultante de um efeito prático da perspectiva sincrônica dos textos literários, o que implica em um modo nada evolutivo para a seleção de textos das mais diferentes épocas e tradições. Foi em uma entrevista até então inédita que foi feita em Belo Horizonte que Haroldo de Campos mencionou que, ao invés de uma historiografia da formação e da identidade, queria por em prática uma historiografia da transformação e da diferença. Pode-se afirmar por esse viés que a perspectiva sincrônica em termos historiográficos também lhe abriu as portas de modo simultâneo e paralelo, evocando as mais distintas temporalidades que emergem das formas literárias. O “aleo” não é gratuito e se aproxima do que pode ser lido a partir da obra historiador italiano Carlo Ginzburg, como foi notado por Muriel Pic, uma “epistemologia do tipo adivinhadora” (Pic, 2020: 268), sendo, no sentido mais amplo do termo, uma leitura conjectural. Além disso, através de traduções (transcriações) e de seus próprios poemas, a paródia tornou-se uma técnica desenvolvida de modo bastante sofisticado por Haroldo de Campos, que descia ao mundo dos mortos pelas etimologias e retornava por meio de paronomásias, aliterações, movimentando-se nas suas descidas e subidas pelos próprios altos e baixos dos vocábulos com o objetivo de


apreender efeitos fônicos, tácteis e sinestésicos do signo. Fazendo essas incursões pela palavra, Haroldo de Campos usava a palavra sob a forma de óbolo para fazer incursões eslavas, semíticas, gregas até as línguas latinas e neolatinas. Dos cantos paralelos vêm as imagens que se assemblam a partir de um dos mecanismos internos da paródia, a saber, o caráter da memória codificada que sob uma forma parodiada, traz o sentido original de volta ainda que modificado, cujo exemplo de Deus e o Diabo no Fausto de Goethe traz Glauber Rocha pelo ritmo da frase. Voltando a se repetir de modo inusitado a paródia logra em transmitir diversamente aquilo que ela retorce. Menos que uma sátira burlesca a paródia para Haroldo de Campos é um modo de veicular informações estéticas de outras obras, mas esse transporte efetuado por ela não ocorre sem um choque de sentidos ou de intenções conforme afirmou Irwin Robert Titunik no ensaio “The Formal Method and the Sociological Method (M.M. Baxtin, P.N. Medvedev, V.N. Volochinov in Russian Theory and Study of Literature” (Titunik 1973: 196). Haroldo de Campos tinha esse propósito dos cantos paralelos teoricamente bem mapeado e, se antes, foi afirmado que ele não desenvolveu um estudo aprofundado, pode-se retomar a afirmação para dizer que suas considerações crítico-teóricas ocorreram sob a forma de paratextos, isto é, posfácios, prefácios e textos que serviram de apêndice sobretudo para suas traduções. A concepção de livro não existe sem procedimentos de montagem fundamentais para que ele pusesse os cantos paralelos em marcha. A montagem para Haroldo de Campos também possui fontes precisas dentre as quais pode-se situar a presença de Ezra Pound e Ernest Fenollosa no que diz respeito ao caráter ideogramático

da escrita, os próprios Cantos, do Pound também é uma obra-limite para a montagem. Mas a obra em que a montagem talvez esteja mais presente no plano teórico seja o livro organizado pelo próprio Haroldo de Campos: Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem, publicado orignalmente em 1977. À dimensão da montagem cabe acrescentar o sentido de uma missão ambiciosa de Fenollosa, compreendida por Pound e por Haroldo de Campos que é a de unir oriente e ocidente pelo viés da visualidade poética (1998 [1977]: 17). Assim, a montagem para Haroldo de Campos pode ser entendida como um elo de união entre os mais diversos cantos paralelos. Paródia e montagem se mantém em uma dinâmica que implica em proliferar, por um lado, e, por outro, reunir. No entanto, essa reunião não ocorre de qualquer modo, existe todo um agenciamento dos signos em termos de detalhes e estruturas, seus altos e baixos trazidos ao mundo dos sentidos que é o mundo dos vivos. Com a montagem o poeta consegue dar forma ao seu canto que é simultaneamente próprio e alheio. Eis um breve esboço da paródia e da montagem como um modo de delimitar um procedimento na obra de Haroldo de Campos que a partir de agora será desenvolvido a partir de um dos seus poemas, “Esboços para uma Nékuia” (1974/1975), do livro Signantia quase coelum (1979). O título do livro começa por uma tradução, pois está em latim e em português: Signantia quasi coelum/Signância quase céu. Se por um lado, no poema “esboços para uma nékuia” existe uma mediação com o mundo grego pela própria grafia da palavra nékuia, marcando o inframundo, que é o mundo dos mortos, por outro, no título do livro, existe uma ideia de ascensão coelum. Coelum, por exemplo, é um termo difícil de ser dissociado de Santo Agostinho. O autor das Confissões ao 85


adensar as nossas relações com o céu no mundo crístico, produziu uma semiologia na qual Haroldo de Campos de modo crítico passou a designar o aspecto sígnico do céu. Mas o céu é uma promessa e para não se render totalmente a esta promessa, o poeta vai à concretude do signo: por isso o “quase céu”, afinal, o signo do céu não é o céu em si. Ceci n’est pas un ciel: como se o poeta quisesse fazer uma paródia de uma paródia como aquela de Magritte. O céu na condição de signo possui dimensão material e a preferência de Haroldo de Campos pelo Paradiso de Dante nos ajuda a compreender a condição que ocupava o centro das suas preocupações. Montagem e paródia agem na palavra grega, nékuia, que ajuda a descer e uma latina coelum que ajuda a subir. E o poeta – parodiador, montador, enfim, o que faz poieîn que é fazer, compor como nos lembra Jacyntho Lins Brandão (2002: 117) – assume o status viatoris, inventando um trânsito entre estes mundos vocabulares que lidam com distintas tradições. A ênfase no mundo latino permanece no “status viatoris”, a segunda parte do livro que tem por fim, “esboços para uma nékuia”. O poeta propõe um tríptico que nas suas palavras é “organizado fragmentariamente segundo um esquema tripartite, o texto inverte a equação tipográfica dantesca”, ou seja, o paraíso, o interregno do purgatório – sob o signo da viagem – e termina por uma ida aos infernos, “via linguagem”, como destaca o autor. Inverter o esquema da Commedia de Dante: eis uma ação paródica do poema de Haroldo de Campos. Esse é o esquema de leitura proposto pelo poeta ao qual é preciso se ater num primeiro momento, pois se trata da sua montagem. Pouco a pouco, o leitor mais crítico pode desmontá-lo numa operação lúdica de leitura a qual se deve considerar o aparato crítico presente 86

como elementos paratextuais da obra, isto é, um ensaio de João Alexandre Barbosa a guisa de prefacio, “um cosmonauta do significante” e três ensaios organizados em termos de posfácio: “rumo à concretude”, de Severo Sarduy, “a micrologia da elusão”, de Andrés Sánchez Robayana e “Xadrez de estrelas”, percurso textual, 1949-1974, de Benedito Nunes. É praticamente um exército imbatível que um leitor voraz ou astuto tem que enfrentar para desmontar o livro (*). Trata-se de um grupo seleto de críticos com os quais Haroldo de Campos elaborou um diálogo e que tal diálogo faz parte da montagem exterior ao poema, dado que no poema as referências são das mais diversas, sobretudo as expressamente citadas: Homero, Pound, Novalis, Dante, Mallarmé, Sousândrade, Kilkerry, Oswald de Andrade o que, junto com os críticos, demonstra um trabalho de montagem do livro interno e externo. Nékuia: palavra-paródia, palavra-montagem Em um primeiro tempo, a nékuia foi definida como uma rapsódia dos mortos. Mas seria interessante abrir a perspectiva para um canto aos mortos e ainda um canto dos mortos, de modo que a palavra lida com um estado de comércio entre vivos e mortos. Nékuia é um termo grego que designa um modo de chamar os mortos à luz, existindo na tradição literária lida e translida por Haroldo de Campos, cujo episódio mais conhecido se situa no canto XI da Odisséia retomado posteriormente, no primeiro canto de The Cantos (1915-1925), de Ezra Pound e mesmo Eliot em The Waste Land transfigura a nékuia com a presença de Tirésias na terceira parte do poema (“O Sermão do Fogo”) cujas libações se resumem a latas de conserva (2004: 153). Nesse sentido,


nékuia tanto abre uma perspectiva sincrônica de Homero a Pound ou a Eliot quanto algo decorrente de tal perspectiva, a saber, a paródia e a montagem que permitiu a descida de Haroldo de Campos ao mundo dos mortos. A literatura é um diálogo com os mortos: Oswald de Andrade o formulou com o teatro e Haroldo de Campos com a poesia, a crítica e a tradução. Uma afirmação que pode interpelar o clássico de Luciano de Samósata, Diálogo dos Mortos (Νεκρικοί Διάλογοι). No entanto, é retomando a etimologia necrológica dos mortos, Νεκρικοί, que se pode vislumbrar um primeiro contato com o termo nékuia. A afirmação da existência de um diálogo com os mortos no campo literário requer uma especificidade sobre essa vocação de textos provenientes das mais diversas tradições, notadamente, a dos gregos que possui um rico vocabulário para esse diálogo aconteça das mais diversas formas. Termos como catabase, anabase, por exemplo, descrevem movimentos respectivamente de descida e de

subida ao/do mundo dos mortos, de onde se tem por princípio que eles estejam abaixo do mundo dos vivos, por uma semântica da terra, sem qualquer contato com a luz e, portanto, com o mundo dos sentidos, das palavras. Os mortos estão despidos e descarnados de sentidos e de palavras. O caso da nékuia não é o movimento de descer ou de subir que assume a importância, mas o modo de chamar os mortos para a luz, como Ulisses fez com Tirésias, seguindo os rituais – as libações –, propostos por Circe. Ulisses segue a receita à risca. Frances Foster, por exemplo, descreve as indicações: “O encontro de Odisseu com os mortos, ou nekuia, é um episódio notoriamente complexo (...). Primeiro, Odisseu deve viajar para o lugar que Circe descreveu, localizado no outro lado do rio Oceano, em “uma rocha e o conflito de dois rios trovejantes”4 (2019: 124). Uma hipótese é que não tenha havido uma descida, mas que o próprio poema explora os limites do mundo no mediterrâneo e que o submundo da Odisseia se situaria na costa da Espanha.5

Figura 1: Mapa com percurso de Odisseu no retorno da Guerra de Troia6

87


Não deixa de ser um exercício para a imaginação contemporânea, situar Tirésias no contexto ibérico, o que não é de todo distante do que lhe foi destinado em língua portuguesa com Fernando Pessoa no poema “Ulisses” de Mensagem (1934). É preciso seguir não apenas o fio da receita de Circe, como as recomendações para que os mortos em geral não se aproximassem. Ulisses tem a dupla atividade para coordenar para o encontro com Tirésias: fazer o ritual e afastar os mortos. O sangue do sacrifício dos animais é o que atrai os mortos. É a partir do sangue que a palavra volta a circular. Por isso, os animais sacrificados por Ulisses produzem a quantidade necessária de sangue para o discurso de Tirésias e nenhum outro morto poderia se aproximar afim que não se perca a proximidade com palavras do vidente de Tebas. Cabe a ele, Ulisses, afastar as cabeças dos mortos com a espada, pois elas não podem se aproximar do sangue, “πολλὰ δὲ γουνούμην νεκύων ἀμενηνὰ κάρηνα”, uma recomendação que lhe foi feita no canto décimo e posta em prática no canto décimo primeiro. Mesmo o seu companheiro Elpenor, que tinha ficado na Ilha de Circe, que lhe aparece reclamando o corpo insepulto, a mãe própria mãe do viajante, Anticleia, buscam sua palavra, mas ele não deve se desviar de Tirésias que lhe dirá o seu destino. Anticleia e Elpenor dão sentido ao passado e ao presente do herói, que deve se ater imediatamente à leitura do destino, seu porvir. Frances Foster mais uma vez apresenta um comentário preciso a respeito: Elpenor não se aproxima do sangue para falar com Odisseu, e Odisseu permite que Teiresias se aproxime do sangue, como Circe instruiu. Teiresias fala com Odisseu, pedindo que ele “se retire” de um poço [ou simplesmente afaste sua espada] “que eu, bebendo

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o sangue, coisas veras te direi” [trad. Haroldo de Campos]11.96 (...). É assim Teiresias que primeiro introduz a idéia de beber o sangue para poder falar. Mais tarde ele esclarece que Odysseus pode escolher falar com os outros mortos, deixando-os beber o sangue: “Seja qual for o morto que você deixar ir para perto do sangue, ele lhe falará infalivelmente” 147148. Odisseu relata que os espíritos subsequentes dos mortos, como sua mãe, de fato se aproximam e bebem o sangue antes de falar com ele7 (Foster 2019: 126).

Tirésias controla toda a narrativa no mundo dos mortos e doravante dos vivos. A função iniciatória da nékuia pode ser dupla, indicando uma parte interna e externa ao poema homérico. No primeiro, o aspecto interno dá sentido ao próprio fio do retorno e ao destino do herói que será praticamente o desfecho do poema, pois Ulisses eliminará os pretendentes de Penélope no canto XXII. O segundo ponto existe pelo caráter exterior, mantendo a estrutura do poema aberta: uma nova partida no final, sendo que o poema não tem um ponto final, mas termina de modo episódico em termos de estrutura ou obra aberta (Campos, Eco*). Tirésias não apenas tem a função de prever o futuro, mas a de organizar a narrativa, sobretudo a do retorno, das aventuras de Ulisses. O lado das previsões em literatura, sua dimensão mântica (Bottero, 1974: 85; Ginzburg, 1999 [1986]: 146) permite cria uma rede semântica a partir da qual a adivinhação se atém menos ao futuro do que à própria estrutura textual, de uma leitura simultânea da própria estrutura da obra e dos detalhes dos cantos. Essa é uma forma literária que não deixou de fascinar Haroldo de Campos que


verteu para o português em dois volumes a Ilíada, mas também o próprio canto em questão de modo que ele aprendeu muito bem a manejar esta técnica com sutileza seja nas traduções que ele empreendeu de textos sagrados em línguas semíticas, seja na própria poesia que merece ser lida em conjunto com seus textos teórico-críticos e suas traduções, afinal, Haroldo de Campos realizou com a nékuia uma modificação semântica específica. Na tradução feita por Haroldo de Campos “Da Nékuia – Odisséia – Canto 11” os signos de subida e descida está no movimento do sol “quando às estrelas sobe” e “quando à terra baixa”. E tudo é noite, inscrito nos limites da luz: a viagem ao sítio indicado é noturna, a nau é azul-cianuro. Apenas Circe tem uma “claravoz”. A libação que poderia ser chamada de “despacho” que, segundo o Houaiss, é um termo da umbanda que implica em uma ação para depositar em um lugar determinado (frequentemente encruzilhada, cachoeira, mata) uma oferenda a Exu, conhecida por “ebó” para que se possa desfazer algum ato maléfico de bruxaria. Haroldo de Campos a traduz da seguinte maneira a parte do canto XI sobre a libação/despacho: por primeiro, aquamel; depois o vinho doce; água a terceira vez; alvíssima farinha sobrespargi; roguei muito então às cabeças vácuas dos mortos: a Ítaca tornando, estéril novilha imolarei no paço, a melhor delas; pira plena de dons, para Tirésias, só para ele, todanegra, sineira, uma ovelha. Exconjurado assim o povo morto, as vítimas Dessangrei e na fossa negrejou o cruor (Campos, 2001: 9)

Uma vez feito o ritual ou despacho, começam a emergir as “formas defuntas, psico-fantasmais” que implica em “vácuas testas” ou “cabeças vazias” atiradas e ex-

citadas pelo odor do sangue e que Ulisses afasta com a espada. As palavras de Tirésias coincidem duplamente com a verdade: primeiro, antes de beber o sangue, o tebano lhe diz “coisas veras te direi” e depois, no último verso do canto XI “É o que eu falo e é verdade”. No canto, a única indicação do advérbio “quase” aparece apenas uma vez para designar Penélope, a “quase-deusa”. “Esboço” e “quase”: vocábulos entre a figuração e a duração O que torna a descida de Haroldo de Campos ao mundo dos mortos um evento singular na literatura não apenas brasileira, mas um acontecimento em língua portuguesa? Em primeiro lugar, a escolha vocabular apresenta uma aventura heurística e filológica para, em seguida, tornar-se uma oscilação dos signos, cuja atenção pode se voltar para a primeira palavra do título: signância. A descida é uma signância ou mais precisamente uma errância do signo cuja força significante do advérbio “quase” é essencial: “perto de”, “aproximativamente”, “por pouco”. Nos esboços do poema – gentilmente cedidos por Ivan Campos e pela Casa das Rosas – pode-se perceber a decisão cautelosa da descida pelo som das palavras, pelo efeito dos epítetos e pela queda realizada pelo poeta. A escolha lexical é fundamental para a descida de Haroldo de Campos ao mundo dos mortos, como se pode observar no fragmento da figura 2. Já no fragmento seguinte, a espacialização e o movimento contam mais para a dinâmica dos fragmentos do poema. Por efeito de tal contato, a escrita que é o seu mapa e referência, dará lugar poema, cuja composição pode ser comparável ao retorno, isto é, o contato com a luz – matéria extremamente admirada por Haroldo de Campos no Paradiso, de Dante, esse é um modo 89


Fig. 2. Fragmento do esboço do poema de Haroldo de Campos

Fig. 3. Fragmento do esboço do poema de Haroldo de Campos

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ao qual diversas instâncias literárias são tocadas pelo poema: Tirésias não vai organizar a narrativa ou prever o seu futuro; não há um Virgílio a guia-lo, pois esses fatos literários já existem, a diferença está no modo como eles serão lidos e translidos pelo autor. A descida ocorre por aproximação, por fragmentos, formando ainda uma história com poucas datas. Essa condição adverbial do “quase” que pulsa no poema com uma intensidade próxima do termo “esboço”. Ambos pulsam, são pontos luminosos pela indefinição: “esboço” pela figuração não definitiva e “quase” pela energia empregada que ainda não deu uma forma definitiva a um projeto concluído. Eles são dois modos distintos de prolongar o efeito de duração no poema. Os dois termos podem ser lidos à luz das palavras de Gilbert Simondon sobre a nékuia: No momento em que um indivíduo morre, sua atividade está inacabada, e pode-se dizer que ela permanecerá inacabada enquanto houver seres individuais capazes de re-actualizar essa ausência ativa, a semente da consciência e da ação. Sobre os indivíduos vivos recai o fardo de manter os indivíduos mortos em uma nékuia perpétua. O subconsciente dos vivos é todo tecido com esta carga de manter em ser os indivíduos mortos que existem como ausência, como símbolos dos quais os vivos são recíprocos8 (Simondon 2005: 250).

A citação de Simondon reforça o que Oswald de Andrade escreveu em A morta, isto é, o conflito paródico entre conservadores de cadáver e cremadores. Ela também permite compreender o processo de tradução, crítica e criação em Haroldo de Campos em termos de uma nékuia perpétua, sobretudo em poesia, pois ele man-

teve uma reciprocidade simbólica com as mais diversas culturas e as transpôs ao português. Se em Oswald de Andrade a paródia está no primeiro nível, em Haroldo de Campos ela entra no jogo de refinamento, é multiplicada pelo paralelismo e se unem pela montagem. O grau de inacabamento de “quase céu” e de “esboço para uma nékuia” conformam esta descida, uma catabase, que retorna dinamicamente em termos de “ausência ativa” assinalada por Simondon como a semente da consciência e da ação que é a semente de reciprocidade entre vivos e mortos. E o poeta tal como Oswald de Andrade escreveu, é o coordenador de toda ação humana. Com uma ação coordenada Haroldo de Campos compõe “esboços para uma nékuia”. Poema épico fragmentário dividido em três partes. A primeira começa com o termo grego νέκυια e o poema começa pelo “caos facetado”: Haroldo de Campos recupera o negror do canto XI da Odisseia com “negros revérberos no negro” e também “luz negra”, “pólem no escuro” (1979: 68). Com as letras maiúsculas ele sobe o tom “NÉKUIA” e com isso as “vácuas testas” se tornam “os sem-narinas”. As vozes farejam o fosso das libações. Não custa assinalar que o poema possui uma estrutura em página-dupla à luz do NAUFRÁGIO de Um lance de dados, do Mallarmé (1897), poema também traduzido ao português por ele. O contraste com o ritual vem nas páginas seguintes com a palavra ENSOLARA entre AMOR e CORPO. Existe um eixo vertical na página para AMOR ENSOLARA CORPO. A nékuia está transformada em fato de linguagem, o BRANCO/ ABSOLUTO emerge nas próprias páginas. E depois ENTENEBRECE. Diante dos fragmentos das páginas seguintes se sobressaem a podridão, uma vegetação mortífera, a ira das varejeiras. E eis que nesta necromancia, pois a nékuia é um tipo de necromancia, 91


os mortos encontram Haroldo de Campos: Sousândrade, Oswald, Kilkerry surgem no CAOS COSMO. Se o primeiro canto começa com o caos facetado, ele termina com a imagem do “pó de letras” “no vento” que faz parte do ritmo de um pólen que vem de Novalis, autor que está na epígrafe do livro: “Das Paradies ist gleichsam über die ganze Erde verstreut – und daher so unkentlich geworden” (1979: 25). Isto é: “O paraíso está, por assim dizer, espalhado por toda a terra – e por isso se tornou tão obscuro”. Obscuro para nós os vivos que somos os mortos de outro, pois é preciso sublinhar que a relação entre vivos e mortos é tautologicamente uma relação. Somos em alguma medida de tempo, os mortos de outros. Essa é uma ética e o que os poetas fazem é transformar a questão de morte e vida, esta ética, em poética. Por isso esses sentidos – as palavras – explodem em fragmentos, porque o próprio paraíso assim está. O acaso explode em casos. Desses “casos do acaso” (1979: 82-83) “este poema pende aceso frise de gerânios ocaso como um”. E assim termina a primeira parte e, ao passar para a segunda existe uma continuidade: “cristal de violetas” (que) farfala. O poema está impregnado de odores e cores de flores (asfódelos, crisálidas, lótus, papoulas, gerânios, violetas: flores difíceis; salvo o lótus, flores trissílabas e com a carga simbólica da morte e do luto) em contraste com a imagem mortífera dos “sem-narina”. É no mesmo canto segundo que existe uma imagem que central na nékuia de Haroldo de Campos: “descer / para / subir” e “para / subir / descer” (1979: 97). Dado que Ulisses foi aos limites do mediterrâneo, a verticalidade do subir e descer se torna uma horizontalidade. As palavras nesta parte têm um efeito de chama, de fogo, sendo quente e cortante o epíteto para Ulisses: “o-que-passa-entre-as-lâ92

minas-de-obsidiana9” (1979: 102-103) que se prolonga por uma “marca a/ fogo” (1979: 103). Por fim, a coda, com paraíso em aparas e inferno ao avesso que marcam “o êxito ao revés” num azul que se desfaz não apenas como cor, mas como palavra. Ou simultaneamente os dois, cor e palavra como o azul-cianuro da proa da nau de Ulisses no começo do canto XI. Entre cada parte do poema, existem imagens, abstrações geométricas e cores que se sobrepõem como a última imagem na qual se sobrepõem o preto e o azul ao modo de uma espécie de floresta ou mata gráfica em contraste com as linhas mais rígidas de cidade. Na imagem intermediaria entre o canto 1 e o 2, existe a presença da cidade em termos de retângulos estruturados na página dupla, mas uma palavra também pode ser lida: “degrau”, ou seja, palavra que designa cada um dos pontos de apoio que permitem a locomoção ascendente ou descendente em uma escada. O ponto que é índice tanto da subida quanto da descida, é a única palavra na assemblage entre os fragmentos montados entre os cantos de “esboço para uma nékuia”. Se a montagem é o elemento mais preponderante, um leitor pode se perguntar pela dimensão paródica evocada em diversas situações. A dimensão altamente fragmentada não permite identificar as personagens Elpenor (“o êxito ao revés”), Anticleia, Tirésias que se inserem na comunidade dos mortos, isto é, dos sem-narinas, e o próprio Ulisses (“o-que-passa-entre-as-lâminas-de-obsidiana”). No entanto, o grau de fragmentação de “esboço para uma nékuia” é extenso como a busca dos limites do oceano por Ulisses. O jogo paródico acontece pela presença condensada de outros poetas como o Novalis e Mallarmé. Mas pode ser identificado uma espécie de “messianismo fraco” ao qual se referiu Walter Benjamin na segunda tese


das suas teses sobre o conceito de história (Benjamin 1980: 694). No entanto, o apêndice B às teses de Benjamin tem muito a transmitir sobre esse “messianismo fraco” e sobre a relação dos judeus com a memória e com uma possível ausência de leitura do futuro. Esse ponto pode se relacionar com o que poderíamos formular como a função-Tirésias na literatura Ocidental e as formas de experimentar o tempo em literatura. Segundo Benjamin: Certamente o tempo não foi experimentado nem tão homogêneo nem tão vazio pelos adivinhadores que o interrogaram pelo que tinha em seu seio. Quem quer que mantenha isto em mente pode talvez chegar a um conceito de como o tempo passado foi vivido na memória: isto é, da mesma forma. Como é bem sabido, os judeus estavam proibidos de indagar sobre o futuro. A Torá e a oração, por outro lado, os instruiu a se lembrarem. Isto os desencantou do futuro, ao qual os desencantados obtêm informações de adivinhos. Para os judeus, porém, o futuro não se tornou um tempo homogêneo e vazio. Pois nele cada segundo era o pequeno portão pelo qual o Messias podia entrar10 (Benjamin, 1980: 704)

A partir dessa leitura é importante perceber um Ulisses desencantado – entzauberte – (O Ulysses com Y, de Joyce) e que o resultado do comércio realizado com Tirésias, a verdade do tebano, na tradução de Haroldo de Campos, seja uma poética: “poderás regressar ainda, caso teu íntimo / domes e o dos teus homens” (Campos 2001: 11). Essa poética, princípio ético e ático, necessita de uma disciplina. Tirésias parece propor um reencantamento que parece, por sua vez, ser um princípio nortea-

dor quando Haroldo de Campos se vale da paródia: o poeta volta a reencantar pelo ritmo. Como escreve Henri Meschonnic a respeito do ritmo como uma “anti-totalidade”, é preciso perceber a relação fundamental entre movimento e parada (1982: 84). Ao que Ulisses – e talvez esteja sendo soprada uma ética – também tem um futuro que depende do comportamento dos outros. As duas últimas frases do Apêndice B, de “Sobre o Conceito de História”, de Walter Benjamin, ajudam a iluminar um aspecto que merece ser lido a partir da paródia e da montagem. E não será pela parodia, mas pela paráfrase que podemos ler esse aspecto entre Walter Benjamin e Haroldo de Campos, isto é, para os poetas, porém, o futuro não se tornou um tempo homogêneo e vazio. Pois nele cada fragmento11 era a pequena porta de entrada pela qual o sentido dos mortos podia entrar. Quanto mais paralelos forem estabelecidos, maior a probabilidade desta entrada. Haroldo de Campos desceu ao mundo dos mortos porque é dele que vem uma específica modificação semântica do futuro. É citando Hopkins no paratexto de Bere’shit “Inter-e-intratextualidade no Eclesiastes” que Haroldo de Campos esclarece: “A estrutura da poesia consiste numa paralelização contínua, variando dos paralelismos – como são chamados tecnicamente – da poesia hebraica às antífonas da música da Igreja, até o intrincado verso grego, italiano ou inglês” (Campos 2000: 94). Ou português, pode-se acrescentar. A nékuia, a paródia e a montagem permitiram que Haroldo de Campos mostrasse na odisseia da própria obra uma palavra que foi fundamental, seja para Aquiles, na guerra ou para Ulisses, no retorno, a histerofimia (υστεροφημία), isto é, a fama depois da morte. Menos que uma necromancia, a rapsodomancia de “esboço para uma nékuia” permite uma leitura que combina 93


a ética dita por Tirésias com essa abertura ao futuro mais imediato nos sentidos, a partir de Walter Benjamin, que se abrem a cada palavra, sílaba, letra ou mesmo nos brancos das páginas do poema. Para Haroldo de Campos, que conhecia detalhadamente este princípio benjaminiano não deixou de sublinhá-lo no poema “Ode (explícita) em defesa da poesia no dia de São Lukács: “walter benjamin/ que esperava o messias/ saindo por um minúsculo/ arco da história no/ próximo minuto/ certamente te conheceu/ anunciada por seu ângelus novus/ milimetricamente inscrita num grão de trigo/ no museu do cluny” (1985:17). É com essa visão da poesia que Haroldo de Campos desceu ao mundo dos mortos.

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95


NOTAS

that I may drink the blood and speak to you truthfully”

1 : É o Houaiss que informa os sentidos do termo, os

11.96 (...). It is thus Teiresias who first introduces the idea

quais foram selecionados neste estudo apenas os três

of drinking the blood in order to speak. He later clarifies

primeiros: “1. Entre os gregos antigos, trecho de poema

that Odysseus can choose to talk to others of the dead by

épico recitado pelo rapsodo 2. Fragmento de um poema

letting them drink the blood: “Whichever of the dead who

2. Cada um dos livros de Homero” (1611). Existe ainda

have died you let go near the blood will speak to you in-

a presença do sentido no ato recitativo, a própria perfor-

fallibly” 147-148. Odysseus reports that subsequent spirits

mance e, a palavra rapsódia também aceita a dimensão da

of the dead, such as his mother, do indeed approach and

montagem e até da paródia. Ver. O Tupi e o Alaúde, Uma

drink the blood before speak to him (Foster 2019: 126).

interpretação de Macunaíma, de Gilda de Melo e Souza.

8

São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1979.

inachevée, et on peut dire qu’elle restera inachevée tant

2

“Sempre gostei da forma como Lemon & Reis tinha o

qu’il subsistera des êtres individuels capables de réactua-

termo Priom de Shklovsky adequadamente traduzido para

liser cette absence active, semence de conscience et d’ac-

técnica (em ‘Arte como Técnica’), reconhecendo a explica-

tion. Sur les individus vivants repose la charge de main-

ção de Boris Eichenbaum de 1926 sobre o motivo pelo qual

tenir dans l’être les individus morts dans une perpétuelle

Shklovsky e outros tentaram se livrar da noção de ‘forma’

nékuia. La subconscience des vivants est toute tissée de

(um ‘termo confuso’): eles queriam propositalmente ‘enri-

cette charge de maintenir dans l’être les individus morts

quecer’ a discussão usando a noção de ‘técnica’. 1 Parece-

qui existent comme absence, comme symboles dont les vi-

me que a técnica é de fato um termo que ajuda a tomar

vants sont réciproques. Gilbert Simondon, L’individuation à

as artes como um campo fora do reino da retórica clássica.

la lumière des notions de forme et d’information, Grenoble,

Além disso, ela ajuda a conceituar os efeitos das técnicas

Millon, coll. « Krisis », 2005, p. 250.

e tecnologias na mesma estrutura, o que ajuda no estudo

9

das genealogias das artes e tecnologias inevitavelmente

ta escura, caracterizado por fratura concoidal, devido a rá-

entrelaçadas”. Annie van den Oever & Tom Gunning (2020)

pido resfriamento de material vulcânico, e por não conter

Viktor Shklovsky’s Ostrannenie and the ‘Hermeneutics of

água ; ágata da islândia, hialopsita, vasos de Óbsio.

wonder’, Early Popular Visual Culture, 18:1, 15-28, DOI:

10 Sicher wurde die Zeit von den Wahrsagern, die ihr ab-

10.1080/17460654.2020.1751915

fragten, was sie in ihrem Schoße birgt, weder als homogen

3

Ver outro texto desenvolvido sobre isso: Cantos

noch als leer erfahren. Wer sich das vor Augen hält, kommt

Paralelos: Haroldo de Campos e a arte da paródia apresen-

vielleicht zu einem Begriff davon, wie im Eingedenken die

tado em Yale em 2019, ainda inédito.

vergangene Zeit ist erfahren worden: nämlich ebenso.

4

Au moment où un individu meurt, son activité est

Obsidiana, segundo o Houaiss, é um vidro de cor pre-

Odysseus’s encounter with the dead, or nekuia, is

Bekanntlich war es den Juden untersagt, der Zukunft nach-

a notoriously complex episode (...). It is a complex rite.

zuforschen. Die Thora und das Gebet unterweisen sie dage-

First, Odysseus must journey to the place that Circe has

gen im Eingedenken. Dieses entzauberte ihnen die Zukunft,

described, located on the far side of the river Ocean, at

der die verfallen sind, die sich den Wahrsagern Auskunft ho-

“a rock and the conflux of two thundering rivers” (Foster

len. Den Juden wurde die Zukunft aber darum doch nicht zur

2019: 124).

homogenen und leeren Zeit. Denn in ihr war jede Sekunde

5

die kleine Pforte, durch die der Messias treten konnte.

Agradeço calorosamente a artista Athanasia Vidali pe-

las precisões fonéticas e cartográficas da nékuia no Canto

11 Convém situar o próprio fragmento não como parte

XI, da Odisseia.

de algo maior ou de um conjunto, mas como um proble-

6

ma que impede o seu fechamento num todo, anterior ou

Fonte: https://www.protothema.gr/stories/article/732907/

diadrastikos-hartis-me-to-20etes-taxidi-tou-odussea/

posterior, e naquilo que ele tem de abertura temporária,

7

Elpenor does not approach the blood to talk to

como escreveu Hans-Jost Frey: “The fragment is neither a

Odysseus, and Odysseus allows Teiresias to approach

whole nor a part. This means that it cannot be understood

the blood, as Circe has instructed. Teiresias speaks to

from the perspective of the whole. The archeologist who

Odysseus, asking that he “withdraw” from a pit “in order

glues potsherds together and the dentist who fills cavi-

96


ties have no sense for the fragmentary, and just as little does the philosopher who tries to construct a system out of fragments. They are all nostalgic for wholeness and flee from what they cannot master into the security of closure. But the openness of the fragment is not temporary and cannot be repaired. If it were a whole the fragment is not temporary and cannot be repaired. If it were a whole the fragment would not be a fragment anymore; if it were a part it could be completed and made into a whole. Because it is neither a whole nor a part, it remains resistant to closure (1996 [1986]: 26). Essa instabilidade do fragmento é extremamente proveitosa para a poesia de Haroldo de Campos.

97


A POESIA CONCRETA BRASILEIRA E O “LANCE DE DADOS”, DE STÉPHANE MALLARMÉ Inês Oseki-Dépré

O poeta Haroldo de Campos consagrou várias leituras críticas extremamente produtivas ao “Lance de dados” mallarmeano no qual ele vê a origem do poema moderno ou “pós-utópico”, isto é, o poema metalinguístico que toma a poesia como objeto, cuja linguagem se torna cada vez mais específica, que se emancipa da linguagem referencial, que elimina as conexões, o poema que surge “da luta contra o acaso, a desordem, o caos, a entropia dos processos físicos”. Esse poema no qual, segundo Walter Benjamin, Mallarmé incorpora “as tensões gráficas da publicidade na apresentação tipográfica” e que, como uma partitura, desenvolve movimentos ascendentes e descendentes com figuras sintáxicas particulares. Segundo o filósofo alemão, (Vereidigter Bücherrevisor, 1926), existe por outro lado uma relação em Mallarmé entre a publicidade e os “eventos decisivos do seu tempo na economia e na técnica”. A partir de 1952, ano da criação do grupo Noigandres, Haroldo de Campos, juntamente com Décio Pignatari e Augusto 98

de Campos, exploram no plano semiótico (espacial) as sugestões mallarmeanas que constituem uma das dimensões interessantes da poesia concreta e conseguem conciliar todos os aspectos (icônico, gráfico, semântico, sintáxico) que fazem a riqueza de “Um Lance de Dados”. A atuação desses artistas se prolonga até nossos dias com a participação ativa e recente de Augusto de Campos, autor de poemas visuais. Mais recentemente, outros poetas aparecem na cena brasileira, como Arnaldo Antunes, por exemplo. Pode-se dizer que a partir dos anos 80 uma nova geração post-concretista aparece, cujo mais ilustre representante é Arnaldo Antunes. Herdeiro de certo modo da poesia concreta, esse artista, intérprete e cancionista do grupo Tribalistas, e a partir de certas ideias fortes do concretismo, tende a evoluir em direção de obras gráficas (cartazes, poemas visuais, fotos, instalações) sem esquecer as performances que realiza como poeta e como cantor de rock. A seu respeito, Haroldo


de Campos lembra as palavras do mesmo Walter Benjamin sobre a escrita destinada a avançar: “cada vez mais longe no domínio gráfico de sua figuralidade nova e excêntrica” anunciando o devir de uma escrita icônica na qual os poetas antes de mais nada, “como nos tempos antigos, seriam peritos em grafia”1. Outros artistas do extremo contemporâneo brasileiro merecem ainda menção em nossa apresentação que, no prosseguimento do poema verbi-voco-visual inaugurado por Mallarmé, o colocaram de maneira espetacular na cena política de hoje: André Vallías e Antônio Moura.

nos sem amenidade se zombávamos dos leitores. Como o poeta, cândido, me interrogava sobre as impressões deles, eu não dissimulei completamente o fato de que eles tinham ficado um pouco surpresos. Com a modéstia costumeira que constituía uma parte de seu charme, ele exprimiu muita pena e me definiu sua concepção da arte. O papel do poeta não é, antes de mais nada – talvez unicamente – o de excitar, pelos meios mais simples e os mais nobres, a sensibilidade dos leitores, de provocar em suas almas as mais sublimes ressonâncias? Provocar com um mínimo de artifícios, por uma

O Lance de dados de Stéphane Mallarmé

frase, por uma palavra escolhida, um máximo de emoção estética é sem duvida o cúmulo da arte. O dedo posto

Algumas palavras sobre o famoso poema malarmeano nos parecem necessárias aqui. Publicado pela primeira vez no número 17 da revista Cosmopolis, em 1897 em Paris, último poema de Mallarmé (1842-1898) antes de sua morte, muita água correu sob a ponte a seu respeito. Não faz parte de nossas intenções propor uma nova definição ou explicação desse poema que surgiu como um objeto não identificado no momento de sua publicação. Muitos críticos, eminentes, se entregaram a essa tarefa com sucesso2. Sabe-se que sua recepção inicial foi relativamente negativa como se pode verificar pelas palavras do secretário de Cosmopolis, A. Lichtenberger, em 1914: A inspiração era admirável. Mas um pouco desconcertante sua realização. Sobre uma página branca dispersavam-se frases distintas, em linhas desiguais, dissimétricas e compostas de sete tipos de caráteres. O efeito no público foi deplorável. Perguntaram-

numa folha virgem disposta diante dele, ele concluiu, sonhador: “Talvez em definitivo o mais belo poema seja uma folha branca3.

Nesse mesmo ano, esse aspecto “desconcertante” do poema foi reconsiderado e, muito próximos dos poetas concretistas brasileiros, pôde-se ler as palavras de Paul Valéry, amigo e contemporâneo de Mallarmé que resumimos, graças à tese de Thierry Roger4: “Essa construção extra-lúcida foi meditada com a preocupação de uma perfeição absoluta inseparável da obtenção de sua dimensão visível”. Essa máquina, portanto, se define mais precisamente como uma máquina fundamentalmente tipográfica centrada na “unidade visual” da página, que permite ao poema de se estender na dupla direção do desenho e da partitura, para citar as duas palavras-chaves do prefácio da edição Cosmopolis. Essa estética da página acrescenta à sucessividade da leitura linear a simultaneidade de uma leitura tabular: o “Lance de dados” des-inventa a superfície criando uma poe99


sia do Plano. O pesquisador conclui: “seguindo essa leitura valeryana, o poema de Cosmopolis, triplamente reflexivo, seria não somente meta-literário (evidenciando o “sistema da literatura”) e meta-lingüístico (evidenciando as propriedades da linguagem), mas também e principalmente meta-malarmeano (evidência de uma poética “mise à nu”)5. Na verdade, desejamos de maneira sucinta e sincrônica, apresentar três momentos hipertextuais que seguiram a aparição do poema no Brasil nos séculos 20 e 21 desde 1965 até hoje. Nossa apresentação vai se limitar, portanto, às relações privilegiadas que se estabeleceram entre sua descoberta e a poesia de vanguarda brasileira, em particular a poesia concreta e pós. Sua recepção brasileira se deve, como se sabe, aos poetas concretos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, autores, desde 1965, da obra introdutória do movimento, Teoria da Poesia concreta6, composta de um conjunto de artigos e de poemas no qual a menção do poeta francês é constante. Devemos-lhes igualmente o volume Mallarmé, datado de 1975, contendo ensaios, traduções de poemas do poeta francês e particularmente Um Lance de Dados. Tentaremos mostrar a que ponto a leitura desse poema engendrou uma teorização muito produtiva no tocante à poesia e às artes em geral da parte de nossos três poetas, mas igualmente em que medida ela marcou a obra deles de maneira indelével. Essas poucas considerações bastam para estabelecer uma filiação entre Um lance de dados e os poetas brasileiros que o tomaram como paradigma. Apresentamos a seguir a relação privilegiada que entretiveram com Mallarmé negligenciando outros aspectos de suas produções poéticas e teóricas, numerosas, como ensaios, e traduções.

100

Teoria da poesia concreta Dez anos antes da publicação do volume Mallarmé, a primeira referência ao poema em relação à poesia concreta foi formulada pelo poeta Augusto de Campos, autor, conjuntamente com Décio Pignatari e Haroldo de Campos do volume Mallarmé publicado posteriormente em 1975. Num artigo publicado pelo Diário de São Paulo (20-03-55), e republicado em Mallarmé, ele põe em relação o poema francês as descobertas musicais contemporâneas: Mallarmé é o inventor de um processo de organização poética cuja significação para a arte da palavra se nos afigura

comparável,

esteticamente,

ao valor musical da “série”, descoberta por Schoenberg, purificada por Webern, e, através da filtração deste, legada aos jovens compositores eletrônicos, a presidir os universos sonoros de um Boulez ou um Stockhausen. Esse processo se poderia exprimir pela palavra estrutura (...)7

Evocando a poesia concreta, o poeta recorda: “Como processo consciente, pode-se dizer que tudo começou com a publicação de Un Coup de dés (1897), o ‘poema planta’ de Mallarmé, a organização do pensamento em ‘subdivisões prismáticas da Ideia’ e a espacialização visual do poema sobre a página”8. Alhures, o poeta estende esse “novo campo de relações e de possibilidades do uso da linguagem” à experiência da “pintura e os meios modernos de comunicação, do ‘mosaico do jornal’, o cinema e as técnicas publicitárias”9. Essa ideia de estrutura tem como corolário “a exigência de uma tipografia funcional, que realmente reflita as metamorfoses, os fluxos e refluxos das imagens”10 e ele recorda os


efeitos desejados por Mallarmé no prefácio ao poema (carácteres de impressão; posição das linhas tipográficas sobre a página; presença de “brancos”; o uso particular da página constituída por duas folhas duplicadas (desdobradas?). Se a referência a Mallarmé, em particular a Un Coup de dés é uma constante entre os poetas concretos, é comum, por outro lado, que o poeta francês apareça ao lado de Joyce (finnegans wake), Pound (cantos), cummings, citados enquanto poetas ideogramáticos. A divisa concretista será: POESIA CONCRETA: TENSÃO DE PALAVRAS-COISAS NO ESPAÇO TEMPO. É interessante acompanhar a evolução da poética de Augusto de Campos, o mais exclusivamente visual dos três concretistas. Com efeito, se no início, como o pretende Marjorie Perloff11, o poeta é ao mesmo tempo atento à logopoeia poundiana (“a dansa do intelecto entre as palavras”), é a melopoeia que domina suas produções. Assim no poema “Lygia finge”, poema que

pertence à antologia Poetamenos (1953), ela nota uma série de transformações lexicais em várias línguas e conexões entre os diferentes vocábulos (lygia-finge-digital-illa// gryphe-lynx//lynx-figlia) assim como o eco entre so lange so et sorella et so only lonely. A antologia contém poemas em cores, tais instrumentos musicais diferenciados e é assim que encontramos poemas bicolores (amarelo/ bordô), em quadricromia (azul, vermelho, verde, amarelo) e, às vezes, apresentando cinco cores (vermelho, verde, bordô, amarelo, azul escuro) como no poema citado, ou seja, um poema orquestral (Klangfarbenmelodie), à maneira de Webern. Ora, se esse poema insiste nas tonalidades e melodias como também na dispersão das palavras sobre a página, como de certo modo num Lance de dados, alguns poemas aparecem como quase-icônicos, a forma remetendo à significação, “cratílicos” segundo a sugestão de Perloff, isomorfos segundo a definição da poesia concreta12.

101


Como prova disso, ela cita o poema de Gertrude Stein, “a rose is a rose”, em capa da obra Porta-retrato (1989), construído por círculos concêntricos de cor rosa e que remetem à forma da flor. Gonzalo Aguiar13, analisando o poema “Tensão”, escrito em 1956 apenas com palavras, evoca o isomorfismo como característica do poema. Ele assinala a acu102

mulação de significantes nasais, sibilantes e palatais “que se distribuem até os extremos da figura”. Segundo ele, as nasais contaminam a totalidade do poema sem que as relações entre as palavras sejam predominantemente fonéticas. Prossegue: “Graças à tipografia em futura, utilizada pelos poetas concretos durante a ‘fase matemática’, acentua-se a quadrícula do


tensão (1956)

poema e o valor nodal do ‘t’ como vínculo espacial entre quatro elementos que formam uma cruz ou ‘t’ (tem,tam,tem,tom) (...) A tensão obtida é o poema. Conclui: “Tensão” conquista um espaço de transparência que os concretos denominaram em seus manifestos isomorfismo (“conflito de fundo-e-forma em busca de identificação”, segundo a definição do manifesto de 58)14. A referência a Mallarmé permanece sempre em tela de fundo da obra visual de Augusto de Campos. Em 1988 ele produz TVGRAMME, 1 tombeau de Mallarmé, re-

presentado por um retângulo que poderia ser a forma de uma estela, no qual estão inscritas letras minúsculas cuja leitura é interrompida pela letra “t” que pode remeter às cruzes de um cemitério. Quando decifradas, as palavras em francês indicam: “Ah Mallarmé/ la chair est triste (referência a um soneto) / et personne ne te lit/ tout existe/ pour finir à la télé”15. Em 2009 ele apresenta: “intradução readymallarmade: contemporâneos” em francês, poema relacionado com o anterior. Essa pirâmide, com a ponta virada 103


para baixo sobre 11 “linhas” cujos caráteres gráficos se reduzem à medida da leitura, faz referência à frase de Mallarmé em Mystère dans les Lettres: “Prefiro, diante da agressão, retorquir que contemporâneos não sabem ler”. A frase “Des contemporains ne savent pas lire”, é declinada em ordem decrescente: na segunda linha se lê nitidamente a silaba “CON”, insulto popular francês, vulgar, que significa “imbecil”. A partir da sexta linha, as palavras se tornam ilegíveis e necessitam um esforço para serem decifradas, o que coloca o lei104

tor na categoria dos con-temporâneos se não souberem ler. Finalmente, apesar dos inúmeros recursos utilizados por Augusto de Campos, cores, caráteres tipográficos de diferentes tipos, colagens, fotos, montagens como nos “Popcretos”, em que utiliza recortes de jornais e revistas, computador, ele se manteve fiel a Mallarmé. Com Júlio Plaza realizou poemas-objetos em três dimensões em 1974, com Caetano Veloso um disco em 1975. Utilizou igualmente plexiglas que permitiu dupla leitura em transparência. A partir de 1980 criou vídeos,


poemas-laser. Com o filho Cid, músico, criou poemas sonoros, propôs espetáculos. O holograma POEMA-BOMBA no qual as letras se dispersam no espaço é ainda uma alusão a Mallarmé citado por Sartre: “O poema é a única bomba”. O mesmo Gonzalo Aguiar evoca o poema « Anticéu », apresentado em braille, no conjunto Despoemas (1996), originariamente em Expoemas (1980-

1985). Esse belo poema tátil pode ser, segundo o crítico argentino, decifrado com vários sentidos um dos quais ele indexa como a queda de Ícaro, após ter-se aproximado muito do sol. O poema, lembra o crítico, é construído num degradé de cores que vão do azul ao celeste até chegar ao branco no qual as letras, se confundindo com a página branca, podem ser percebidas somente de soslaio16.

105


Na obra de 1965, as aparições de Décio Pignatari são bastante freqüentes. Pondo o acento sobre um paradigma de poetas extrangeiros e brasileiros (Dante, Mallarmé, Joyce, Pound, cummings, Apollinaire, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade…) e de artistas plásticos (Volpi, Max Bill, Calder…), ele convoca Mallarmé e a « crise de verso ». Como seus dois companheiros, ele lhe presta homenagem ao afirmar: Quanto às realizaçoes espaciais, citese, antes de qualquer outra, a última e impressionnante obra de Mallarmé, Un Coup de Dés, 1897, que é a primeira obra poética consciente e estruturalmente organizada segundo a espacio-temporalidade.

Os

problemas

colocados por sua teoria das « subdivisões prismáticas da Ideia », - cuja concretização requereu o branco da página como elemento de estrutura, palavras em diferentes caixas e tipos e indicações de leitura, que fazem do poema uma verdadeira partitura verbovocovisual – cobrem, hoje, a maior parte do campo de preocupações da poesia concreta.17

A interface com outros meios de expressão caracteriza uma grande parte da produção artística de Décio Pignatari : cinema, música, teatro, daí o poema-código e semiótico. Em seu ensaio consagrado à poesia concreta brasileira, um outro aspecto dessa poesia é salientado pela crítica americana Marjorie Perloff, desta vez a respeito de Pignatari. Segundo a crítica, o poeta Kenneth Goldsmith, em ocasião de uma mesa redonda em 2001, exprime sua surpresa diante das palavras do poeta brasileiro: “Eu fiquei atordoado. 106

Tudo que Pignatari dizia parecia prever o funcionamento da internet (...) o envio, o conteúdo, a interface, a distribuição, as características multimídia, só para citar alguns elementos18”. Em seu ensaio “Acaso, arbitrário, tiros”19, sem citar Mallarmé, Décio Pignatari define a noção de acaso: “Rigorosamente falando, somente uma arte condicionada por (novos) princípios abre (novas) possibilidades e probabilidades, que configuram o campo do Acaso20, onde tem lugar e tempo a criação, mediante permuta dialética entre o racional e o intuitivo.” Paradoxalmente, se nas premissas, os poetas concretos adotaram uma concepção do poema a múltiplas facetas, não foi no volume comum dedicado a Mallarmé, que Pignatari realizou seus poemas gráficos ou intermediais, o que não impede que se deva a ele os hipertextos mais eloquentes do “Lance de dados”, presentes não no volume consagrado ao poeta francês, mas em sua antologia Poesia Pois é Poesia, que reúne textos que vão de 1950 a 1975. Trata-se de um poema de 14 páginas em páginas duplas, “stèle pour vivre n°4 – mallarmé vietcong”21. As seis primeiras páginas apresentam o texto na página da esquerda e uma imagem à direita. Se os textos remetem aos poemas de Mallarmé, de maneira alusiva, as imagens são antes satíricas, ou mesmo irreverentes. Assim, para “o vierge indice” (o virgem índice), corresponde uma mão com o índex apontando para a direita; “ancestralement à n’ouvrir pas” (ancestralmente a não abrir), numa construção sintáxica puramente malarmeana, se apresenta face a uma chave plana apontando para a direita, na mesma direção que o índex anterior. A terceira página é claramente humorística mostrando à esquerda o verso “sa petite raison virile” (sua pequena razão viril) e à direita o que se assemelharia


a um canhão em direção à direita, ou um falo ereto sobre duas bolas. A quarta imagem vem precedida de “penché de l’un ou l’autre bord” (inclinado de um lado ou de outro) com uma significação enigmática e é seguida do que poderia ser um cachimbo com seu fornilho virado para baixo e o tubo à direita ou talvez uma touca de dormir. A quinta página dupla mostra à esquerda “l’effleure une toque de minuit” (aflora uma touca/um toque de meia-noite), ilustrada por uma touca de dormir com a ponta terminando por um pompom sempre virado para a direita; a página seguinte “en foudre” (em relâmpago) ecoa com o canhão-falo, que ecoa por sua vez com o sexo precedente. Enfim, as duas últimas páginas apresentam diferentemente dois versos em itálico no alto da página de esquerda: “le vieillard vers cette conjonction suprême” e “le vieil art vers sept, conjonction suprême”, jogo de palavras dificilmente traduzível em português (“o velho em direção dessa conjunção suprema” e “a velha arte em direção do sete, conjunção suprema”) em ressonância com o “septuor” (séptuor) do soneto em “x”22, na parte inferior em maiúsculas itálicas:

« SI C’ÉTAIT LE NOMBRE/ CE SERAIT LE HASARD » ET « SI SEPT EST LE NOMBRE/ CESSERAIT LE HASARD » (SE FOSSE O NÚMERO, SERIA O ACASO e SE SETE FOSSE O NÚMERO, CESSARIA O ACASO). A página da direita em fundo preto apresenta sete círculos brancos nos quais estão inscritos “MAL”, “ALL”, “ALLARM”, “LARME”, “ARME”, “MER” e um dado. Poema verbi-voco-visual, esse poema de Pignatari apela para vários sentidos e interpretações mesmo se a dimensão cibernética é menor. Se a iconicidade do poema não deixa dúvidas, pode-se observar um funcionamento poético muito marcado que o caracteriza: a repetição que cria uma escansão, um ritmo, a semelhança das imagens todas de mesma dimensão e se não fosse o bastante, a última página viria confirmar o aspecto hipertextual do poema, homenagem a Mallarmé. Note-se que em cada círculo, encontramos uma palavra com um significado mesmo se “all” tem uma significação anglófona. Décio Pignatari é autor de diversos poemas visuais nos quais a perícia poética se alia sempre a uma mensagem política plena de humor.

Cr$isto é a solução, Décio Pignatari

107


stèle pour vivre nº 4 mallarmé vietcong

108


109


110


111


112


Beba coca-cola, Décio Pignatari (1957)

No poema “beba coca cola” (Noigandres 1958), ao lado da progressão semântica, observa-se uma grande regularidade formal. O poema joga com as mesmas letras /b/ e /c/ e palavras dissílabas, paroxítonas, exceto para a última palavra, isolada, cujos caráteres se espaçam e embora continuando paroxítona, a palavra se transforma em trissílaba, “cloaca”. A mensagem ideológico-politica é muito forte, da ação de beber, salienta-se o ingrediente nocivo “cola”, polissêmico, que se transforma em “caco”, que é uma figura, quem bebe vira “caco” ou forma “caco” no seu corpo. Daí a possibilidade, combinatória, de ou bem de se tornar uma “cloaca” ou bem de sofrer de sua “cloaca”... Décio Pignatari é o autor de inúmeros poemas em que joga com letras, formas, cores, e sempre muita ironia, como podemos ver em alguns exemplos. Os problemas humanos, as relações entre os ho-

mens, ou simplesmente as transformações são « temas » sobre os quais trabalha. Se Augusto de Campos permanece até o fim sendo o poeta mais claramente visual do grupo e Décio Pignatari um promotor infatigável da Poesia Concreta, Haroldo de Campos, autor de Galáxias, é sem dúvida o ensaísta mais produtivo do trio não somente sobre “Um Lance de dados” mas também sobre as questões literárias mais diversas. No artigo “A Obra de arte aberta” de 1955 e incluído no volume TPC23, Haroldo diz do poema malarmeano: A concepção de estrutura pluridividida ou capilarizada que caracteriza o poema-constelação mallarmeano, liquidando a noção de desenvolvimento linear seccionado em princípio-meio-fim, em prol de uma organização

113


circular da matéria poética, torna perempta toda relojoaria rítmica que se apoie sobre a “rule of thumb” do hábito metrificante. Dessa verdadeira rosácea verbal que é o Un Coup de Dés emerge, como elemento primordial de organização rítmica, o silêncio (...)

Num capítulo intitulado “Evolução de formas: poesia concreta”24, ele acrescenta: “Mallarmé propõe a organização do espaço gráfico como campo de força natural do poema” e considera o poema Un Coup de Dés como a matriz da poesia concreta. Ele confirma por outro lado a contribuição da cibernética ao poema, como o preconiza Décio Pignatari, e propõe uma análise do poema “Terra” deste último mostrando a maneira como o autor ativa o processo de “retro-alimentação” (feed-back) da cibernética como recurso estrutural do poema:

A palavra « terra », repetida várias vezes mas se articulando e se desarticulando, encontra na 5a linha, um elemento novo 114

no final, com acréscimo de um « r » que será completado por « araterra », que pode ser a continuaçao da palavra « terra », mas que introduz um novo elemento, « ara ». Na 7a linha, o « r » suplementar sendo suprimido no final do verso provoca a criação de um novo vocábulo « raraterra », que remete à realidade do camponês – sem terra – ao qual se apõe « te » (o interlocutor). Esse elemento novo, espécie de « erro » em relação à espera do leitor, uma vez evocando a raridade da terra, atinge um clímax em « terraraterra », « terra à terra » expressão na qual aparece « erra » duas vezes. O poema de certa maneira se auto-decifra. Essa « vocação » pedagógica faz parte de uma das facetas de Haroldo, tradutor e excelente crítico e vai se desenvolver no volume Mallarmé. Nesse volume, trata-se particularmente de tradução em que inclui Un Coup de dés traduzido por ele25. Haroldo de Campos introduz sua tradução por meio de um aparelho crítico de várias páginas contendo glosas e esclarecimentos sobre a significação dos termos mas também inúmeras observações provenientes de eminentes leitores ou críticos que justificam tal ou tal opção tradutiva. Tratase, portanto, ao mesmo tempo de uma tradução poética (no amplo sentido da palavra, levando-se em conta o aspecto prosódico) e de uma tradução erudita. A preocupação com Mallarmé acompanha sua obra até o fim de sua vida e, em 1997, num belo livro de ensaios (Um arco íris do branco26), Haroldo de Campos presta homenagem ao poeta francês através de um longo ensaio “Poesia e modernidade: da morte da arte à constelação. O poema pós-utópico”) no qual ele examina a noção de Modernidade. Para ele, o Um Lance de dados de Mallarmé está para a civilização industrial o que a Comédia de


Dante está para a Idade-Média. Trata-se do ponto culminante da evolução e da transformação da poesia vindo num momento de crise da linguagem e da crise da arte, que coincide com o aparecimento da imprensa numa sociedade marcada portanto pela simultaneidade e pela interpenetração dos meios de comunicação. A revolução de Mallarmé, inspirado

pelas técnicas de espacialização visual da imprensa quotidiana, é uma revolução ao mesmo tempo lexical e semântica, mas igualmente sintáxica e epistemológica. Finalmente, ao imaginar uma espécie de livro-espetáculo, que participaria do teatro, do oficio litúrgico e do concerto, Mallarmé cria um poema pós-utópico, que cumula na “pluralização das poéticas possíveis”27.

115


Alguns poemas de Haroldo de Campos respondem de maneira imediata ao Coup de dés, dentre os quais podemos citar « O âmago do ômega », em caracteres brancos sobre fundo negro numa inversão do dia para a noite. Outros, como “nascemorre”, sugerido pelas observações de Hans Arp sobre a poética de Kandinsky (konkrete Dichtung), funcionam como o poema “Terra” de Décio Pignatari: uma primeira proposição e a introdução de um elemento entrópico que vai servir de chave para uma segunda proposição. O paralelo com o poema mallarmeano consiste na disposição sobre a página, na circularidade do poema, no auto-deciframento. Aqui o jogo se faz entre « nascer » e « morrer » na primeira parte que introduz « remorre ». Também, a aliteração 116

em « s » insiste no início e no final do poema, a palavra « se » sendo igualmente homófona, significando o sujeito da voz passiva ou a condição. Se nasce, morre. A ambigüidade provém do neologismo « remorrer » em antítese a « renascer » e os derivados. O que seria « desnascer » ou « desmorrer » ? Se nesse poema, a alusão a Stéphane Mallarmé se verifica principalmente na disposição gráfica que o caracteriza, ela é típica de muitos poemas concretos de Haroldo, que jogam com a significação. A veia crítico-política vai se manifestar num longo poema em que jogos de sílabas e artifícios tipográficos sustentam a mensagem benjaminiana. Trata-se de “O anjo esquerdo da história”, poema de caráter político, tardio, que evoca a questão dos “Sem Terra”.


O anjo esquerdo da história Os sem-terra afinal estão assentados na pleniposse da terra: com-terra: ei-los enterrados desterrados de seu sopro aterrados

enver-

terrorizados

gonhada a-

terra que à terra

goniada

torna

avexada

pleniposseiros terra-

-envergoncorroída de

tenentes de uma

imo-abrasivo re-

vala (bala) comum:

morso-

pelo avesso afinal

a pátria

entranhados no

(como ufanar-se da?)

lato ventre do

apátrida

latifúndio

pranteia os seus des-

que de im-

possuídos párias-

produtivo re-

pátria parricida:

velou-se assim ubérrimo: gerando pingue

que talvez só afinal a

messe de

espada flamejante do anjo torto da his-

sangue vermelhoso

tória cha-

lavradores sem

mejando a contravento e

lavra ei-

afogueando os

los: afinal con-

agrossicários sócios desse

vertidos em larvas

fúnebre sodalício onde a

em mortuá-

morte-marechala comanda uma

rios despojos:

torva milícia de janízaros-ja-

ataúdes lavrados

gunços:

na escassa madeira

somente o anjo esquerdo

(matéria)

contrapelo com sua

atocaiou-os

multigirante espada po-

mortiassentados

derá (quem dera!) um dia

sitibundos

convocar do ror

decúbito-abatidos pre-

nebuloso dos dias vin-

destinatários de uma

douros o dia

agra (magra)

afinal sobreveniente do

re(dis)(forme) forma

justo

-fome- a-

ajuste de

grária: ei-

contas

los gregária comunidade de meeiros

(28/5/96, Folha de São Paulo)

117


Poema pós-utópico, rico em paronomásias, palavras-valise, aliterações, sobre uma questão social brasileira muito grave, de atualidade, emprestando procedimentos ao mesmo tempo mallarmeanos e também os jogos de palavra e as sonoridades de um Joyce, ideogramático como cummings, seu interesse reside igualmente no engajamento político do autor sem que isso afete a função poética. Poema posto em música. Pouco importa que em seu fervor por Un Coup de dés Haroldo tenha tido uma percepção superlativa segundo certos críticos, o essencial é a maneira como ele pode utilizá-lo como paradigma para uma poética em devir. Contrariamente ao que pudemos afirmar anteriormente, o poeta Arnaldo Antunes é autor de ensaios críticos, escritos à sua maneira, em particular sobre Augusto de Campos. A respeito da capa do livro A margem da margem deste último, ele comenta: “Augusto de Campos diz cada vez mais com cada vez menos”28. Ele analisa em seguida o poema da capa constituído por três enunciados « não me vendo/ não se venda/ não se vende » numa apresentação holográfica e insiste na imensa economia do poema, constituído de 10 letras em que a polissemia do verbo (“vender/vendar”) permite várias opções de leitura. A respeito do aspecto metalinguístico do poema, ele nota, em resposta às criticas dirigidas aos concretistas: Como justificar, nesse caso, o prosseguimento das experiências individuais de Augusto, Haroldo e Décio Pignatari em varias áreas (da tradução à prosa, da poesia visual ao vídeo, do CD às apresentações ao vivo, da holografia à computação gráfica)? E como justificar o trabalho de varias

118

gerações de poetas que atuam com independência estética, frente a uma tradição que inclui a contribuição preciosa da poesia concreta em seu repertório de referências e procedimentos, dando desenvolvimento ao fértil campo de pesquisas ali aberto, não só na poesia visual como na sua contaminação em outras mídias; não só na arte do verso (agora um pouco mais acima do chão, como na parábola de Cage) como na prosa poética; não só na poesia como na musica popular? Finalmente se a acusação de esterilidade se refere ao tamanho reduzido de muitos poemas de Augusto de Campos (opção individual pela síntese; dizer o máximo com o mínimo), soará tanto mais descabida se colocada à luz da exuberância de um livro como Galáxias, de Haroldo de Campos29.

Antunes aponta para um aspecto interessante da contribuição da poesia concreta à poesia brasileira que veio a seguir: a multiplicação e a diversificação de formas que o movimento permitiu existir. Ele próprio faz parte desses artistas de múltiplas facetas, praticando o grafismo, a poesia, a canção, a fotografia, as performances, o vídeo, os espetáculos... Embora seja muito conhecido e muito popular como cantor pop, tendo já vendido até 2009 centenas de milhões de CD de Os Tribalistas (nome de seu grupo de rock), ele foi contemplado com o Prêmio literário Jabuti (a maior recompensa brasileira em literatura) em 2015 por sua antologia de poemas Agora aqui ninguém mais precisa de si que reúne poemas que jogam com a linguagem e em particular uma forma de antanaclase30, figura de predileção de Mallarmé:


a água da água não se se para não se se gura a água a água só se ca Nesse poema aparentemente muito simples e breve, o poeta trabalha sobre a disposição das palavras para construir primeiro a sequência: “a água da água não se se-para” jogando com a separação do verbo em duas partes cuja homofonia (se=se, pronome indefinido ou pronome reflexivo da 3ª pessoa) criando um efeito de surpresa mimético (se separar). A “estrofe” seguinte retoma os dois pronomes (“se” e “se”) com uma transformação semântica: o sujeito da estrofe anterior era “a água”, aqui posposto, seguindo um verbo transitivo direto (não se segura a água, ela escapa) com a paronomásia entre “-gura” do verbo “segurar” e “água”. A terceira “estrofe”, lá onde se espera um paralelismo, uma nova surpresa espera o leitor: a água somente “se-ca”, verbo intransitivo, quando se poderia pensar a um outro verto transitivo, reflexivo. Alhures Arnaldo Antunes joga igualmente sobre a disposição gráfica das palavras na página, do contraste entre as letras brancas sobre fundo negro como aqui sobre as linhas curvas convergindo de esquerda à direita: “átomo divisível/

montanha móvel/ certeza volúvel/ mundo delével/ aço inoxidável. Todas as palavras têm um atributo gramaticalmente semelhante mas seguem uma progressão: tudo é perecível menos o aço, o único objeto industrial. Um outro exemplo, em cores, lembra um cartaz publicitário espalhafatoso com a repetição da mesma frase em várias línguas para apresentar uma afirmação evidente. Na verdade, Arnaldo Antunes pode construir poemas em verso ou em prosa, jogando constantemente sobre as sonoridades e a significação que se prestam ao sorriso, sendo nisso mais próximo de Décio Pignatari. Não raro encontramos desenhos infantis na página da esquerda de textos em prosa que jogam com a repetição de frases aparentemente muitos simples até a frase entrópica que favorece a mudança de significação. A obra Palavra em movimento31contém graffiti, fotos, montagens, colagens, instalações que correspondem de certo modo a sua trajetória com vários suportes (letras de musica, placas de rua, objetos, pedaços de papel, desenhos, caligrafias, vídeos, instalações). Aí se encontram monotipos e politipos fabricados por meio de pigmentos de papel. As colagens apresentam múltiplas camadas de papel superpostas, alguns antigos, outros escritos. Os ready-made são outras das suas formas de expressão (com adesivos, banners, legendas) e a escultura também está presente. De um modo geral, pode-se considerar sua atividade como estética e politicamente subversiva (subversão de objetos, de textos, de certezas) inclusive em sua maneira muito popular de cantar a pop-music (com uma bela voz). Suas letras e suas obras parecem em geral accessíveis, mau grado a complexidade delas, o quotidiano fazendo parte de suas fontes. O uso da poliglossia e das fotos de viagem são transformados em poemas sonoros ou visuais. 119


A seu respeito poderíamos dizer o que Walter Benjamin já havia previsto: : “Com a fundação de uma escrita de trânsito universal, os poetas renovarão sua autori-

dade na vida dos povos e assumirão um papel em comparação com o qual todas as aspirações de rejuvenescimento da retórica parecerão dessuetos devaneios góticos”32.

Poema extraído de Aqui ninguém precisa de si, S. P., Companhia das Letras, 2015, s/p.

120


121


Io, André Vallias

No contexto de nossa reflexão e para concluir, dois outros poetas brasileiros merecem nossa atenção mesmo se nenhuma referência ao Coup de dés seja manifesta em seus trabalhos. Isso não impede que ao olharmos para suas obras, eles representam outras “subdivisões prismáticas” da Ideia malarmeana. Do primeiro, André Vallías, iniciado à poesia visual por Augusto de Campos, podemos ler a definição do poema como diagrama aberto: O conceito de poema como diagrama aberto, ao incorporar as noções de pluralidade, interrelação e reciprocidade de códigos, não só garante a viabilidade da poesia numa sociedade sujeita a constantes revoluções tecnológicas, como lhe confere uma posição privilegiada -> a de uma poesia universal progressiva (como antevia

Schlegel)

ou

simplesmente:

poiesis (do grego = criação, feitura)...

122

Partidário da libre circulação, seus poemas podem ser lidos, vistos e ouvidos em seu site http://www.andrevallias.com/ oratorio (Prêmio Bolsa de encorajamento, Prêmio cultural Sérgio Motta) 2015. Segundo ele, é a afirmação de Pignatari: “os poetas são os designers da linguagem” que o levou a se interessar pela poesia e a querer combinar a infinidade de elementos que constituem a linguagem. Durante sua estadia na Alemanha, entrou em contato com Willem Flusser e, longe de sua biblioteca, interessou-se por outras formas de expressão poética, vídeo, CD roms e essa tecnologia o ajudou a desenvolver o domínio da poesia, a ultrapassar o escrito e a serigrafia seguindo desse modo o exemplo dos poetas concretos. Sobre a situação brasileira atual, ele compôs três poemas “gráficos” da mesma veia que Pignatari: O poema acima com as cores da bandeira brasileira é composto de várias inscrições tendo BRASIL como tema de


Brasil país do futuro, André Vallias, 2018

um slogan repetido varias vezes e com a predicação que segue e que rima -uro. Esta última aparece em branco, completando as cores nacionais (o branco corresponde às estrelas da bandeira). O fundo indexa o firmamento. A primeira frase é conhecida, um slogan muitas vezes repetido: “Brasil, pais do futuro”. O poeta procura em seguida palavras com a mesma desinência que vão das verbalizações de substantivos (perfuro, trituro, rasuro, torturo, parjuro) num crescendo signifi-

cativo até dois substantivos pejorativos: “monturo” e “pão-duro”. O poema que segue fala por si mesmo de maneira eloquente, numa defesa antecipada dos Índios e numa paródia do lema vigente durante a ditadura (19641985): “ame seu país ou deixe-o”. Aqui o país é substituído por “ameríndio”, que contem uma parte do verbo “amar”. O terceiro poema gráfico é uma alusão aos discursos demagógicos em carácteres que imitam os das antigas máqui123


Ameríndio, André Vallias, 2014

nas de escrever. À medida em que o texto progride, ele é rasurado como era costume proceder antes do aparecimento do corretor e que se batia um “x” nas letras erradas. O texto é humorístico em razão de sua aparência old fashion e porque ele diz o contrário do que pretendia no início. André Vallías se considera um poeta fora da escrita colaborando dessa forma com a “poesia universal progressiva” da qual fala Scherer a respeito de Mallarmé. Com Antonio Moura, ele partilha do mesmo sentimento de solidariedade com os Índios brasileiros ameaçados mais do que nunca de serem exterminados pelo novo governo brasileiro e já expulsos em grande parte de suas terras seculares seja pelo envenenamento das águas da barragem de Brumadinho (Estado de Minas Gerais, 300 mortos), seja pela expulsão da floresta amazônica da qual são objeto. Seu vídeo Totem pode ser visto “on line”33. 124

Enfim, de Antonio Moura, poeta do livro e da imagem, remetemos os leitores a um vídeo de uma grande sobriedade e beleza que teria tido sem dúvida a aprovação de Stéphane Mallarmé. Como André Vallías e originário da Amazônia, ele consagra um vídeo-poema aos Índios34. Trata-se de uma série de 16 quadros cujo primeiro apresenta o nome da tribo ao completo: GuaraniKaiowa. O título do poema é “Matança”. As imagens se sucedem e a partir do segundo quadro, junto a GuaraniKaiowa pode-se ler BangBang em negrito (« GuaraniKaiowaBangBang »). Após cada quadro, pode-se ouvir tiros que acarretam no desaparecimento de uma letra. O 16° quadro mostra um espaço vazio, de um vermelho violento, mais forte do que nos anteriores, cor da terra. A apresentação dos quadros é entrecortada pelas palavras:


Nossa pele tem a cor da terra Pois a terra é nossa Nos é que somos das terras Nossa terra tem a cor da terra Pois a terra é nossa Nos somos das terras Pois a terra

Inês Oseki-Dépré – Aix-en-Provence, août, 2019. (Texto da conferência realizada na Universidade de Augsburg (Al.), set. 2019, durante o 13° Congresso Alemão de Lusitanistas da Universidade).

Pois a terra é nossa Nos é que somos das terras Nossa pele tem a cor da terra Pois a terra é nossa Nos é que somos das terras (Fala do Cacique Ambrósio Vilharva, leader Guarani Kaiowá assassiné le 1er décembre 2013 dans le village de Guyraroka, Caarapó, Mato Grosso do Sul, Brésil. )

Aparentemente distante de Um Lance de dados nos aproximamos dele de uma parte pela extrema economia do poema, pelo seu aspecto constelar de outra. Sempre a caminho da poesia universal progressiva. Haroldo de Campos teve certamente razão em considerar o poema de Mallarmé como pós-utópico : « um sonho no qual a ‘economia restrita’ do livro se articula com a história e a economia política ». Ele prossegue : « É essa esperança programática que permite entrever no futuro a realização adiada do presente, que anima a suposição de que, no limite, a ‘poesia universal progressiva » possa ocupar o lugar socializado do jornal, essa féérie populaire, qual poema enciclopédico de massa, ‘indispensável como o pão ou o sal’ ». Conclui, e nós juntamente com ele: a poesia de hoje (movida pelo princípio-realidade) está ancorada no presente, « não conhece senão sínteses provisórias e o único resíduo utópico que nela pode e deve permanecer é a dimensão crítica e dialógica que inere à utopia ». Mais adiante : « a ‘poesia concreta’ dos anos 50 e 60, como ‘experiência de limites’, não clausurou nem me enclausurou. » Essa poesia não deve aspirar a « uma poética da abdicação ». Ela não deve tampouco ceder à facilidade. Tal é a lição de Un Coup de dés.

NOTAS 1

“Experiência e pobreza”, (Ensaio extraído de Walter

Benjamin – Obras escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 114-119. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.) Ver Haroldo de Campos, “Poesia e modernidade”, in O Arco-íris do branco, R. J., Imago, 1997, p. 259. 2

Thierry Roger apresenta uma tese somente so-

bre o poema (“L’Archive du Coup de dés”) defendida na Sorbonne em 2008 sob a direção do professor Bertrand Marchal, outro grande especialista do poeta, e comportando 964 páginas na qual são citadas uma dúzia de trabalhos sobre o assunto, além de mais de quarenta artigos e centenas de referências ao poema. 3 L’inspiration en était admirable. Mais un peu

125


As instituições estão funcionando, André Vallias

126


déconcertante en était la réalisation. Sur une page blanche

13 Gonzalo Aguiar, “O Olhar excedido”, in sobre augusto de

s’éparpillaient des phrases disjointes, en lignes inégales,

campos, R.J., 7 Letras & Casa Rui Barbosa, 2004, p. 36-51.

dissymétriques et composées de sept sortes de caractères.

14 Ver Gonzalo Aguiar, « O Olhar excedido », excelente

L’effet sur notre public fut déplorable. On nous demanda,

ensaio sobre Augusto de Campos a partir da problemática

sans aménité, si nous nous moquions de nos lecteurs.

do olho, in Sobre Augusto de Campos, R.J., Edições Casa

Comme le poète, candide, m’interrogeait sur leurs impres-

de Rui Barbosa e 7 Letras, 2004, p. 36-p.51.

sions, je ne lui dissimulai pas complètement qu’ils avaient

15 Ah, Mallarmé/ a carne é triste/ ninguém te lê/ tudo

été un peu surpris. Avec cette modestie délicieuse qui for-

existe/ pra terminar na tevê (tradução nossa).

mait une partie de son charme, il m’exprima son regret et

16 Gonzalo Aguiar, « O Olhar excedido », sobre Augusto

me définit sa conception de l’art. Le rôle du poète n’est-il

de Campos, op. cit., p. 47.

pas, avant tout, – peut-être uniquement – d’exciter, par les

17 Décio Pignatari, « Poesia concreta : pequena marca-

moyens les plus simples et les plus nobles, la sensibilité de

ção histórico-formal », TPC, op. cit., p 61.

ses lecteurs, de provoquer dans leur âme les plus sublimes

18 Marjorie Perloff, « Da vanguarda ao digital », O Génio

résonances ? Provoquer avec un minimum d’artifices, par

não original, op. cit., p. 95.

une phrase, par un mot choisi, un maximum d’émotion es-

19 Décio Pignatari, “Acaso, arbitrário, tiros”, in TPC, op.

thétique, est sans doute le comble de l’art. Le doigt posé

cit., p. 147.

sur une feuille vierge étalée devant lui, il conclut, rêveur

20 Mallarmé, “Um Lance de Dados”, onde se lê: “Um lan-

: « Peut-être qu’en définitive le plus beau poème est une

ce de dados... jamais... abolirá o acaso”, tradução Haroldo

page blanche

de Campos, Mallarmé, op. cit., p.153 e sq.

4

21

“Puisque l’œuvre qu’il rêvait était une œuvre dont

Décio Pignatari, Poesia Pois é Poesia (« Exercício fin-

l’apparence visible était une partie capitale” (Visto que a

do », 1968), S. P., Livraria Duas Cidades.

obra que ele imaginava era uma obra da qual a aparência

22 Stéphane Mallarmé, « Elle, défunte nue en le miroir,

visível era uma parte capital), », P. Valery, Œuvres, Paris,

encor/Que, dans l’oubli fermé par le cadre, se fixe/De scin-

Gallimard, p.781, apud Thierry Roger, op. cit., p. 269.

tillations sitôt le septuor », Plusieurs sonnets, O. C., Paris,

5

Gallimard, 1945, p. 69.

Thierry Roger, L’Archive du Coup de dés (Étude critique

de la réception d’Un coup de dés jamais n’abolira le ha-

23 Haroldo de Campos, TPC, op. cit., p. 28-29.

sard de Stéphane Mallarmé (1897-2007), Paris, Classiques

24 Haroldo de Campos, TPC, op. cit., p. 47.

Garnier, 2010.

25

6 Teoria da Poesia Concreta, S.P., Edições Invenção, 1965 (TPC).

26 Haroldo de Campos, Um arco iris do branco, R. J.,

7

Imago, 1997.

Augusto de Campos, Mallarmé, S. P., Perspectiva,

Haroldo de Campos, Mallarmé, op.cit., p. 119-177

1975, p. 177.

27 Haroldo de Campos, Um arco iris branco, R. J., Imago,

8

1997.

Augusto de Campos, Teoria da Poesia concreta (TPC),

S.P., Edições Invenção, 1965., p. 32.

28 Arnaldo Antunes, 40 Escritos (org. Joao Bandeira), S.

9

P., Iluminuras, 2014, p.46.

Augusto de Campos, Mallarmé, op. cit., p. 27.

10 Augusto de Campos, Mallarmé, op. cit., p. 178.

29 Arnaldo Antunes, “Poesia concreta”, 40 Escritos (org.

11 Marjorie Perloff, « De l’avant-garde au digital », O

Joao Bandeira), op. cit., p. 90-91.

Gênio não original, B.H., Ed. UFMG, 2013 (trad. Adriano

30 Figura que consiste em usar palavras quase semel-

Scandolara), p. 121-129.

hantes quanto ao som, mas diferentes de sentido. Aurélio.

12 Segundo Décio Pignatari, o isomorfismo, num primei-

31 Exposição realizada em São Paulo, no Centro Cultural

ro momento processual da prática compositiva espacial,

Correios, 11/07/2015.

tende à fisiognomia e a um movimento imitativo do real

32 Haroldo de Campos, “Poesia e modernidade”, in O

(motion) (...) Num estágio mais avançado de evolução for-

Arco-iris branco, ibidem.

mal, num estágio mais racional de criação, o isomorfismo

33 Ver https://vimeo.com/57330266.

tende a resolver-se em puro movimento estrutural, estru-

34 https://www.youtube.com/watch?v=8uWGnws9gVY)

tura dinâmica (movement), TPC, op. cit., p. 87.

127


SOBRE OS AUTORES Amálio Pinheiro é poeta, tradutor e professor no programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP. Coordena o Grupo de Pesquisa “Barroco e Mestiçagem e tem produzido ensaios e traduções comentadas de autores da Espanha, da América Latina e do Caribe. Desenvolve pesquisas sobre as relações entre a memória cultural, as artes e as ciências não clássicas, com ênfase nas conexões e ramificações entre voz, poema, corpo, séries culturais e paisagem urbana. Publicou, entre outros, César Vallejo: o abalo corpográfi-

Eduardo Jorge de Oliveira é professor as-

co, César Vallejo a dedo (tradução) Aquém da identida-

sistente de literatura, media e cultura da Universidade

de e da oposição. Formas na cultura mestiça, América

de Zurique. Fez seu Doutorado pelo Departamento de

Latina: barroco, cidade, jornal, e Tempo Solto (poemas).

Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Departamento de

Antônio Moura nasceu em Belém do Pará,

Filosofia da École Normale Supérieure (ENS), Paris. Sua

1963, residiu em São Paulo, Lisboa e atualmente vive

pesquisa de pós-doutorado foi desenvolvida na École

em Belém. Poeta e tradutor, tem doze livros publicados,

des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris). É autor

oito no Brasil e três no exterior. Poesia: Dez, edição do

de A invenção de uma pele – Nuno Ramos em obras

autor; Hong Kong & outros poemas, Ateliê Editorial; Rio

(Iluminuras, 2018) e Signo, sigilo – Mira Schendel e

Silêncio, Lumme Editor; A sombra da Ausência, Lumme

a escrita da vivência imediata (Lumme Editor, 2019).

Editor; A outra voz, Editora Patuá. Tradução: Quasesonhos,

Jean-Joseph

Rabearivelo,

Lumme

Editor;

Inês

Oseki-Dépré é

pesquisadora

e

Traduzido da noite, Jean-Joseph Rabearivelo, Lumme

teórica de Estudos da Tradução, professora emérita,

Editor; Contra o segredo profissional, César Vallejo,

tradutora e ensaísta. Já publicou Literariedade (1

Lumme Editor; Este gesto-nuvem, Edições do Escriba,

970), Théories et pratiques de la traduction littérai-

Isabelle Lagny, 2019. Rio Silêncio foi premiado na John

re (1999), Traduction & Poésie (2000), De Walter à

Dryden Translation Competition, em tradução para o in-

Benjamin à nos jours (2006), Haroldo de Campos:

glês de Stefan Tobler, posteriormente publicado em pela

une Anthologie, entre outros. Como tradutora, verteu

editora Arc Publications, com o título de Silence River,

para o francês importantes obras, tais como: como Le

com uma turnê de lançamento por oito cidades da

ciel em damier d’étoile, de Antonio Vieira, Livre de

Inglaterra. Publicado em Valéncia, Catalunha, Edicions

I’nquiétude, de Fernando Pessoa, Les premières his-

96, em tradução para o catalão por Joan Navarro, sob o

toires, de Guimarães Rosa, Structure de la bulle de sa-

título de Després del diluvi i altres poemes (Após o dilú-

von, de Lygia Fagundes Telles, Conversation extraor-

vio e outros poemas). Editado no México, Río Silencio,

dinaire avec une dame de ma connaissance, de Carlos

em tradução para o espanhol por Victor Sosa, Editora

Drummond de Andrade, Galaxies e Poémes d’Haroldo

Calligrammes. Tem sido publicado em diversas revis-

de Campos, de Haroldo de Campos. Já para o por-

tas e antologias nacionais e internacionais, como em

tuguês, traduziu os Écrits de Jacques Lacan (1986)

Portugal, Estados Unidos, Espanha, Alemanha e França.

e Algo Preto (2006), de Jacques Roubaud.

128


Julio Ortega (Perú, 1942).

Después de es-

tudiar Literatura en la Universidad Católica de Lima y publicar su primer libro de crítica, La contemplación y la fiesta (1968), sobre el “boom” de la novela latinoamericana, emigró a Estados Unidos invitado como profesor visitante por las Universidades de Pittsburgh y Yale. Vivió en Barcelona como traductor y editor. Ha sido profesor en distintas universidades peruanas y estadounidenses, y profesor visitante de otras muchas de América Latina y España. Desde 1989 es catedrático de Literatura Hispánica

Rita Balduíno é artista e poeta visual, mes-

en la Brown University (Providence, USA), donde dirige el

tranda pelo Instituto de Artes da Unesp. Realizou ex-

Proyecto de Estudios Trasatlánticos. Dirige varias coleccio-

posições individuais na Capital e interior de São Paulo

nes de editoriales iberoamericanas y ha ganado diversos

e participou de várias exposições coletivas no Brasil.

premios literarios, como el Rulfo de cuento (París), Bitzoc

Como participante de

de novela breve (Mallorca), Casa de América de ensayo

teve trabalhos expostos na Argentina, Chile, Espanha,

(Madrid) y el Copé de cuento (Lima).

Venezuela e Suécia.

movimentos de Arte Postal, Participou de duas edições da

Feira Tijuana/SP, da Flip-2018 em Paraty/RJ , Semana Marcelo Sahea. Poeta, performador, ensaís-

Euclidiana de Literatura em São José do Rio Pardo/

ta, tradutor e artista sonoro/visual. Publicou os livros:

SP, Inverno Cultural de São João del Rey/MG e fez

Carne Viva (2003), Leve (2006), Nada a Dizer (E – edi-

parte da Cooperativa da Invenção da Casa das Rosas

torial, 2010) e Objeto Intersemiótico (2021). Gravou

em 2017. Tem poemas publicados na Revista Gente

os álbuns Pletórax (2011) e Preparando Meu Próximo

de Palavra de Porto Alegre, Revista CTRL+Verso do

Erro (2020). Como performador, se apresentou em

Centro de Estudos Haroldo de Campos.

palcos do Brasil, México e Espanha. Integra diversas

primeiro livro de poemas o feito afaga o gesto, pela

antologias, coletâneas, revistas e sites especializados

Editora Patuá com apoio do Proac /2017.

Lançou seu

em arte, literatura e poesia, no Brasil, EUA, França e Espanha. Trabalha com videoarte, realizou exposi-

Walter Silveira. Poeta, performer e rea-

ções e participou de mostras e festivais de arte digital,

lizador audiovisual. Graduado em Rádio e TV pela

poesia sonora, poesia visual e videopoesia no Brasil,

Escola de Comunicações e Artes-USP. Paralelamente

México, Portugal, Inglaterra, Eslovênia, Grécia e EUA.

às atividades em televisão, tem projetos autorais e experimentais em torno do suporte eletrônico. Vários

Pedro Granados (Perú, 1955). Su poesía

vídeos seus integram a coletânea Made in Brasil - 30

ha sido traducida parcialmente al portugués, inglés y

anos de Vídeo-Arte no Brasil, organizada por Arlindo

alemán. Ha publicado también varias novelas cortas:

Machado. Desde 1977 participa de e organiza várias

Prepucio carmesí, Un chin de amor, Una ola rompe,

mostras, Exposições e Eventos de Poéticas Visuais

Boston Angels, entre otras. Asimismo, algunos libros

em SP, Curitiba, Salvador, Belo Horizonte e Brasília.

de crítica; entre estos su tesis de PhD para Boston

Com o poeta Augusto de Campos e o músico Cid

University, Poéticas y utopías en la poesía de César

Campos, desenvolveu e dirigiu o espetáculo de poe-

Vallejo (Lima: PUCP, 2004); al cual se le suma, por

sia, música e vídeo POESIA É RISCO. Publicou poe-

ejemplo, Trilce: húmeros para bailar (2014) o Trilce/

mas em muitas revistas experimentais e álbuns-solo

Teatro: guión, personajes y público, ensayo que

de poemas, assim como teve participação em impor-

mereció el Prêmio Mario González de la Associação

tantes mostras de poesia e fotografia (individuais e

Brasileira de Hispanistas (2016). Desde el 2014 pre-

coletivas). Co-organizou a exposição MULTIMEDIA

side el “Vallejo sin Fronteras Instituto” (VASINFIN).

INTERNACIONAL (1979) e POESIA CONCRETA: O

Actualmente vive en Lima, Perú.

PROJETO VERBIVOCOVISUAL (2007).

129


Realização


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