Coleção Património a Norte - Nº 9

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N º 09 . 2021

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N º 09 . 2021


Joaquim Inácio Caetano Investigador Integrado do ARTIS-Instituto de História da Arte – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa joaquimcaet@gmail.com Joaquim Inácio Caetano é Conservadorrestaurador de pintura mural. Formado no antigo Instituto José de Figueiredo e ICCROM (International Centre for the Studyof the Preservation and Restoration of Cultural Property) de Roma. Autor de diversos artigos e comunicações sobre o assunto, tem também desenvolvido atividade pedagógica no âmbito da pintura mural portuguesa e do seu restauro. Integrou a equipa de restauro, como responsável local pelo grupo estrangeiro, no projeto UNESCO/Japan Trust Fund para o restauro do Mosteiro de Probota na Roménia. Doutorado em História (Arte, Património e Restauro) pelo Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa com o tema “Motivos decorativos de estampilha na pintura a fresco dos séculos XV e XVI no Norte de Portugal’. Relações entre pintura mural e de cavalete”. Desenvolve atualmente investigação de Pós-doutoramento na mesma instituição sob o tema “O papel decorativo da pintura a fresco dos séculos XV e XVI em Portugal’. Relações com os tecidos lavrados”. É investigador integrado do ARTIS-Instituto de História da Arte – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.



F ICH A T ÉCN I C A

Coleção Património a Norte N.º 09 Título “PINTURA MURAL: A RAIA TRANSMONTANA NO SÉCULO XVI” Autor Joaquim Inácio Caetano Edição Direção Regional de Cultura do Norte – Ministério da Cultura Local de edição Porto Data de edição 2021 março ISBN 978-989-54871-3-4 Depósito Legal 482343/21 Direção António Ponte Coordenação editorial Luís Sebastian Coordenação editorial (n.º 9) Miguel Rodrigues Revisão Alexandre Martins Fotografia Hugo Rodrigues Joaquim Inácio Caetano Paulo Bastos Ilustração Joaquim Inácio Caetano Design gráfico Companhia das Cores, Lda. Parceria Junta de Castilla y León ARTIS Instituto de História da Arte FLUL DETALHAR (www.detalhar.pt) ARQUITETURA360 (www.arquitetura360.pt) Disponível online em www.culturanorte.gov.pt

PA RC E R I A

Os conteúdos dos textos e eventuais direitos das imagens utilizadas são da exclusiva responsabilidade do(s) respetivo(s) autor(es), quando aplicável.


INDÍCE PATRIMÓNIO A NORTE

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EDITORIAL

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PREFÁCIO

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INTRODUÇÃO

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AS PINTURAS

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O CONJUNTO ESTUDADO

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A TÉCNICA

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UMA TÉCNICA PARTICULAR DA PINTURA A FRESCO

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TIPOLOGIAS E MOTIVOS DECORATIVOS

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TEMAS REPRESENTADOS

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HERÁLDICA E INSCRIÇÕES

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AUTORIAS / OFICINAS

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ROTEIRO DUAS IGREJAS - IGREJA DE SANTA EUFÊMIA

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DUAS IGREJAS - IGREJA DE NOSSA SENHORA DO MONTE

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FONTE DE ALDEIA - CAPELA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

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MALHADAS - IGREJA DE NOSSA SENHORA DA EXPECTAÇÃO

76

PICOTE - CAPELA DE SANTO CRISTO DOS CARRASCOS

78

SENDIM-PICOTE - ERMITÉRIO OS SANTOS

82

TEIXEIRA - IGREJA DE SÃO BARTOLOMEU

84

AZINHOSO - IGREJA DE SANTA MARIA – NOSSA SENHORA DA NATIVIDADE

88

CASTRO VICENTE - CAPELA DE SANTO CRISTO

90

SÃO MARTINHO DO PESO - IGREJA DE S. MARTINHO

93

LEGOINHA - ERMIDA DE SANTO AMARO

95

SENDIM DA RIBEIRA - CAPELA DO DIVINO SENHOR DOS MILAGRES

99

VALPEREIRO - ERMIDA DE S. GERALDO

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ADEGANHA - IGREJA DE S. TIAGO

103

LARINHO - CAPELA DE SANTA LUZIA

108

PEREDO DOS CASTELHANOS - IGREJA DE S. JULIÃO

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SEQUEIROS - IGREJA DE NOSSA SENHORA DA TEIXEIRA

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BIBLIOGRAFIA

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PAT R I M Ó N I O A N O R T E Numa Europa e num mundo cada vez mais global, o contacto entre culturas é cada vez mais feito de encontros que de choques. Esta é há muito a realidade secular dos territórios de fronteira, ou como localmente mais se lhe referem, a “raia”. Etimologicamente equivalente a linha e, enquanto tal, separadora de duas realidades que neste seu limite se encontram e separam, esta designação popular não podia ser mais equívoca quanto ao universo que nomeia. Se em relação aos rios há muito que nos habituamos a dizer que unem mais do que separam, também as linhas de fronteira desde sempre uniram mais do que separaram. Se tal não é tão óbvio para a maioria daqueles que vivem longe da “linha limite”, pode-se em modo de atenuante dizer que a mestria da vivência raiana sempre se fez de uma bem representada separação “oficial”, sob a qual o dia-a-dia da vivência real se fez muito contrariamente de convivência, entreajuda, partilha, trocas, intercâmbios, complementaridades, namoros e casamentos, figurativos e literais. Neste universo, a pintura mural destaca-se como uma das manifestações culturais mais paradigmáticas, partilhando “oficinas”, técnicas, temáticas e simbologias, com tanto de religioso quanto de popular e, como tal, modelar na abordagem conjunta e transversal que impõe no seu estudo, salvaguarda, reabilitação e valorização, sobrepondo-se a qualquer atual divisão nacional ou administrativa. Ainda como bem cultural partilhado, os núcleos de pintura mural que chegaram até nós são hoje igualmente suporte da particular identidade raiana, que mais que nunca impõe reconhecer, assumir e valorizar na sua especificidade própria, não como fenómeno marginal ou secundário, ou mesmo “à parte” das duas “culturas principais” de cujo contacto resulta, mas algo com tanto de distinto quanto de complementar.

É por isso com entusiasmo que voltamos a dedicar mais um núme-

ro da coleção editorial PATRIMÓNIO A NORTE ao tema da pintura mural e, especialmente, ao projeto “PATCOM – Património em Comum”, desenvolvido em parceria com a Junta de Castela e Leão, através da sua Direção-Geral do Património e Bens Culturais, e tendo por objetivo a preservação, valorização e divulgação do património histórico comum na área de fronteira entre Portugal (Norte de Portugal) e Espanha (Castela e Leão). Contando com apoio do programa europeu INTERREG V - A – POCTEP, dá continuidade a uma parceria que leva já mais de 15 anos, demonstrando, mais uma vez, o quanto a “linha limite” continua a nos unir, mais do separar.

António Ponte Diretor Regional de Cultura do Norte

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EDITORIAL

Intencionalmente, este N.º 09 da coleção editorial PATRIMÓNIO A NORTE, intitulado “Pintura mural: a raia transmontana no século XVI”, vem complementar os já publicados N.º 02 “A pintura mural no Museu de Alberto Sampaio” e N.º 04 “Pintura mural: intervenções de conservação e restauro”. Se no N.º 02 tratava-se de dar a conhecer a maior coleção museológica de pintura mural exposta em permanência em Portugal, e com isso dar particular destaque ao Museu de Alberto Sampaio, equipamento afeto à Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), o N.º 04 foi já então dedicado a divulgar alguns dos resultados do projeto “PATCOM – Património em Comum”, desenvolvido em parceria com a Junta de Castela e Leão e tendo por objetivo a preservação, valorização e divulgação do património histórico comum na área de fronteira entre Portugal e Espanha. Ainda que especificamente dedicado às intervenções de conservação e restauro já levadas a cabo no âmbito deste projeto de parceria, o N.º 04 não deixou já então de incluir preocupações de identificação, caracterização e estudo histórico. Agora, com este N.º 09 “Pintura mural: a raia transmontana no século XVI”, o autor Joaquim Inácio Caetano vai mais longe, identificando, descrevendo e caracterizando formal e tecnicamente 35 dos principais núcleos de pintura mural do nordeste de Portugal. Distribuídos por 4 concelhos - Miranda do Douro, Mogadouro, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo -, com paralelos formais e estilísticos na “raia” espanhola, o autor leva-nos a conhecer os locais, as técnicas, as “oficinas”, a estética, a simbologia e o imaginário associado a este fenómeno cultural, artístico, religioso e popular tão marcante da “raia” transmontana do século XVI, constituindo-se hoje como uma das maiores heranças culturais conjuntas de Portugal e Espanha.

Luís Sebastian Coordenador editorial (coleção PATRIMÓNIO A NORTE)

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EDITORIAL O projeto PATCOM - Património em Comum candidatado ao programa INTERREG V - A - POCTEP numa parceria entre a Direção Regional de Cultura do Norte e a Direção-Geral de Património da Junta de Castilla y León tem por objetivo o estudo, valorização e divulgação do património em comum na zona raiana entre Trás-os-Montes e Castela e Leão. Neste contexto julgou-se adequado incluir nas suas atividades o levantamento, estudo e valorização da pintura mural a fresco do século XVI na raia fronteiriça transmontana. Verifica-se nos últimos anos uma renovada preocupação com a preservação de manifestações artísticas e patrimoniais nem sempre valorizadas no passado. Nesse contexto a preservação do património integrado (talha, imaginária, azulejaria, paramentaria, pintura mural) de muitas igrejas, independentemente da sua dimensão mais ou menos monumental, tem vindo a constituir-se como uma das preocupações das intervenções da Direção Regional de Cultura do Norte. No caso da pintura mural, o desenvolvimento de estudos académicos tem permitido aprofundar o conhecimento sobre as técnicas, os artistas, os encomendadores. A maior sensibilidade por parte das várias entidades envolvidas na proteção do património - Estado, Municípios, Igreja, proprietários -, tem conduzido à identificação de um número significativo de igrejas e capelas com vestígios deste tipo de expressão artística e a intervenções de conservação e restauro que têm possibilitado a sua preservação. Foi solicitado ao Doutor Joaquim Caetano - um dos maiores conhecedores deste património, seja na perspetiva da Historia de Arte, seja da Conservação e Restauro - o desenvolvimento de um estudo de identificação e caraterização das pinturas murais a fresco do século XVI, ainda existentes nos concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo. O registo fotográfico efetuado por Paulo Bastos, a quem se agradece, permitiu ilustrar o património descrito e valorizar a publicação. Pretende-se, com o trabalho que agora se publica, fazer um ponto de situação sobre a pintura mural a fresco nesta região, das suas caraterísticas artísticas e formais e do seu estado de conservação, permitindo priorizar futuras intervenções de conservação e restauro, mas também definir um pequeno roteiro dos locais já passiveis de serem visitados face ao bom estado de conservação dos conjuntos pictóricos e deixando um desafio às entidades e instituições locais para aproveitarem mais este recurso para a valorização dos seus territórios. O estudo desenvolve uma análise de conjunto, desvendando novos conhecimentos sobre este tipo de património, nomeadamente através do estudo das relações entre as manifestações verificadas nos dois lados da fronteira, permitindo identificar a circulação de artistas e a permanência ou alteração de gostos, técnicas e encomendas. Miguel Rodrigues Coordenador editorial (N.º 09)

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AGRADECIMENTOS

Se este estudo resulta de um projeto desenvolvido pela Direção Re-

gional de Cultura do Norte em parceria com a Junta de Castilla y León, com um calendário próprio para a execução das várias componentes do projeto, entre elas esta publicação, ele não teria sido possível sem a informação recolhida ao longo de vários anos de contacto e de estudo deste conjunto de pinturas murais. E, para isso, muito contribuíram diversas pessoas de diferentes modos.

Assim, começo por agradecer à Direção Regional de Cultura do Nor-

te, na pessoa do Dr. Miguel Rodrigues, o convite que me fez para desenvolver este estudo que, como é de calcular, muito me agradou.

A D. José Cordeiro, Bispo da Diocese de Bragança-Miranda, ao Pro-

fessor Vitor Serrão, à Dra. Berta Nunes, aos Padres António Pires e Paulo Pimparel, a D. Jose Ángel Rivera de las Heras, delegado diocesano de Zamora, aos colegas e amigos Teresa Alarcão, Luís Afonso, Paula Bessa, Cristina Escudero, Ana González Obeso, Carlos Terredor, Sergio Pérez Martín, Lília Pereira da Silva, Lécio Leal, Alice Cotovio, José Pestana, Jorge Gabriel Henriques, Joana Afonso, Paula Brás, Beatriz Pereira, Rui Ferreira, Francisco José Lopes, Jorge Lourenço, Luís Preto, Daniel Vale, Duarte Saraiva, Fernando Pereira, Paulo Bastos, que fez um excelente trabalho de documentação fotográfica e a todos as outras pessoas que, de um modo ou de outro, contribuíram para enriquecer este estudo, o meu reconhecido obrigado.

Joaquim Inácio Caetano

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PREFÁCIO

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Um dos tesouros mais desconhecidos do Património artístico nacional é constituído pelos revestimentos de pintura mural a fresco e a seco que subsistem, em número apreciável de espécimes e por vezes com surpreendente qualidade, espalhados um pouco por todo o território nacional.

O livro que agora se edita por iniciativa da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), da autoria de Joaquim Inácio Caetano, investigador integrado do centro ARTIS da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e um dos maiores especialistas no estudo da arte do fresco, vem constatar essa evidência, dando voz a dezassete conjuntos de quatro concelhos transmontanos (Miranda do Douro, Mogadouro, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo), na sua maioria ignorados do grande público e, em parte, já resgatados em termos de conservação e restauro. Trata-se de um valioso trabalho de revelação e convite à fruição: as obras de arte fazem mais sentido se com elas dialogarmos e se o seu poder comunicacional puder funcionar na plenitude dos seus valores, incluindo os que decorrem da sua integração física num determinado espaço edificado. Cinco dos dezassete sítios que fazem parte do corpus aqui revelado podem ser apreciados na sua genuína expressão pois foram alvo de intervenções de restauro recentes (Fonte de Aldeia, Picote, Os Santos, Legoínha e Adeganha), mas três outros (Duas Igrejas, São Martinho do Peso e Sendim da Ribeira) ainda estão escondidos por estruturas retabulares de talha desde o século XVIII, e as restantes necessitam de intervenção. Um livro serve também para isto: revelar, divulgar, sintetizar saberes e consciencializar para a salvaguarda necessária. Se alguém afirmasse, ainda há duas dezenas de anos, que Trás-os-Montes era uma região rica em pintura mural quinhentista, seria de esperar apenas e só reações de dúvida e espanto. O mesmo se tem passado, aliás, com o todo nacional: a consciência da presença da arte do fresco em Portugal é, como disse, muito recente. Apesar da quantidade das existências, trata-se de uma constatação com apenas um século e que se deve à lucidez crítica de Vergílio Correia, autor do primeiro ensaio (saído em 1921) a comprovar de que também em Portugal, nos séculos XV e XVI, existiu

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uma estimada produção fresquista. Esse estudo pioneiro, assente em farta documentação das “visitações” dos bispados, não obstou a que, ainda em datas avançadas do século passado, a historiografia da arte continuasse a achar inexistente uma pintura mural com dimensão significativa, e a repetir a ideia de modéstia absoluta dos poucos testemunhos remanescentes, considerados “grosso modo” como produção emanada de periferias com técnicas rudimentares e de clientes de gosto anacrónico e sem recursos para aspirar a outros patamares qualitativos. No último meio século, fruto do alargamento de uma consciência histórico-artística que tem andado de mãos dadas com os avanços das técnicas de conservação e restauro, algo se alterou em substância nos estudos patrimoniais, e é nesse quadro evolutivo que se integra o presente livro de Joaquim Inácio Caetano “Pintura mural: a raia transmontana no século XVI”, realizado a partir de uma “investigação micro-artística de resgate” que permitiu salvar numerosos acervos fresquistas e abre campo à dinamização turístico-cultural de patrimónios até há pouco totalmente inacessíveis. Se a geral monotonia dos temas novi-testamentários (Vida da Virgem, Paixão de Cristo, hagiológio cristão) pode criar uma impressão de cadência repetitiva das “histórias sagradas” encomendadas aos artistas por confrarias, irmandades e paróquias (só raramente se assinalam temas vetero-testamentários e, menos ainda, subtemas profanos), é certo que o poder hierofânico de alguns sítios decorados a pincel (como o abrigo rupestre de Os Santos, Sendim, num sítio maravilhoso sobre o curso do Douro Internacional) e o sabor cenográfico de algumas decorações (o “retábulo fingido” da igreja de Picote) sobrelevam qualquer resistência do leitor em se deixar seduzir pelas propostas de visita aqui enunciadas… Este trabalho integra-se numa consciência global que remonta ao trabalho das brigadas do Instituto José de Figueiredo, anexo do Museu das Janelas Verdes, nos anos 60 e 70 do século passado. Devido às numerosas campanhas de restauro e reabilitação de edifícios sacros e civis que desde então se realizaram no nosso país e vieram pôr a nu centenas de revestimentos picturais (atrás de retábulos de talha dourada ou cobertos por camadas de cal), e dada a maior atenção com que essas decorações murárias passaram a ser avisadamente analisadas, foi possível resgatar do olvido (se não da destruição inexorável) centenas de frescos datáveis das fases do Gótico tardio, do Renascimento, do Maneirismo e dos alvores do Barroco. Basta citar-se o esforço da brigada do Instituto José de Figueiredo, dirigido por Abel de Moura (1911-2003), e o trabalho de inventariação global do território por parte da Academia Nacional de Belas-Artes, com ênfase nos tomos dos Distritos de Évora e Beja, da responsabilidade de Túlio Espanca (1913-1993), a par de monografias de regiões e de levantamentos de arquivo, numa dinâmica que permitiu a realização de teses universitárias que privilegiaram um tema anteriormente tão desapreciado (caso das dissertações de Doutoramento de Teresa Cabrita, Luís Afonso e Paula Bessa, Patrícia Monteiro e de muitas teses de Mestrado, como as de Catarina Valença Gonçalves e Jorge Gabriel Henriques, entre várias outras).

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O panorama sinteticamente traçado permitiu clarificar o mapa de existências, que é imenso, com acento maior em alguns distritos como Bragança, Vila Real, Guarda e Évora. O presente livro destaca justamente uma faixa raiana formada pelo território de quatro concelhos de Trás-os-Montes onde ainda há poucos anos nada se conhecia da sua riqueza em termos fresquistas ou em que, face à magreza de testemunhos, ainda se considerava serem eles sem importância que justificasse qualquer esforço particular de recuperação… Apesar das destruições de frescos, devido à aplicação do nefasto conceito de “purismo de estilo” indevidamente usado na primeira fase restaurativa da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), ou porque foram alvo do vandalismo, do abandono e da ignorância, ou ainda devido a pseudo-restauros, contam-se larguíssimas centenas de registos ao longo da Idade Moderna, com destaque para os séculos XVI e XVII, como estes dezassete núcleos bem atestam. Outra ideia que saiu reforçada com os novos estudos, o de Joaquim Inácio Caetano em particular, foi a constatação de que, se é certo que muitas pinturas murais se devem a pintores de estatuto artístico muito inferior, é absolutamente verídico que alguns dos bons pintores de óleo também produziam a fresco, um género artístico que no tempo do Renascimento (basta ler-se Francisco de Holanda, entre outros textos teóricos, para o constatar…) era alcandorado ao estádio mais alto da arte da Pintura e do Desenho, sendo mesmo chamada “a nobre arte do fresco”. É evidente a qualidade pictural de artistas que também usavam o óleo, como sejam (entre os que assinam) o Mestre Arnao (ativo na região do Marão e muito bem estudado pelo autor deste livro), o portuense Baltazar de Morais (a ser o autor dos frescos de 1536 na Igreja de Santo Isidoro em Marco de Canavezes, como defende Paula Bessa) ou o conimbricense Tristão Correia (ativo em 1555 em Santa Valha), entre outros pintores de fresco cujo sentido de aggiornamento estético está acima de toda a evidência. Importante ainda é o contributo que o livro aduz aos atuais estudos de fresco transfronteiriço, organizados pela Junta de Castilla y León em colaboração com a Direção Regional de Cultura do Norte, de que já resultaram os colóquios pluridisciplinares “Pintural Mural Raiana: Zamora, Bragança, Guarda. Séculos XVI-XVIII” (Museu da Farmácia, novembro de 2016) e “Jornada sobre Pintura Mural” (Facultad de Geografía e Historia da Universidad de Salamanca, novembro de 2019), ambos com destacada organização de Joaquim Inácio Caetano na parte portuguesa. Torna-se evidente, não só através da documentação, mas também dos indícios técnico-estilísticos, a presença de artistas zamoranos e salmantinos em empreitadas portuguesas, e vice-versa.

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O autor, Joaquim Inácio Caetano, é um reputado especialista nesta matéria, como conservador-restaurador (empresa Mural da História, com Alice Cotovio e José Artur Pestana) que tem também formação em História da Arte na Universidade de Lisboa (é autor de uma tese de Doutoramento, defendida em 2011, sobre “Motivos Decorativos de Estampilha na pintura a fresco dos séculos XV e XVI no Norte de Portugal”, e de um livro muito importante, “O Marão e as oficinas de pintura mural nos séculos XVI e XVII” (ed. Aparição, Lisboa, 2001). Importa destacar a sua dupla valência técnica, histórica e artística na abordagem a este tipo de património, a que acresce um grau especialíssimo de sensibilidade capaz de encetar diálogos com frescos e pinturas a seco que, não poucas vezes, se lhe deparam em péssimo estado de conservação ou alvo de grosseiros repintes hodiernos. No caso dos frescos transmontanos é certo que nada sobre eles se sabia (salvo pontuais referências do Abade de Baçal, Belarmino Afonso, António Rodrigues Mourinho, Eugénio Cavalheiro, Nelson Rebanda ou Fernando Pereira) e que o conhecimento que passamos a ter sobre este acervo se deve em exclusivo ao esforço inventarial do autor, no âmbito do inventário histórico-artístico religioso patrocinado pela Associação Terras Quentes a partir de 2003 e, de seguida, pelos serviços de Arte Sacra da Diocese de Bragança-Miranda e por alguns municípios. Sobre a qualidade dos dezassete acervos de pintura mural aqui apresentados como convite a uma descoberta do território assente em rotas turístico-culturais diversificadas, ela é naturalmente desigual. Há exemplos onde é a ingenuidade formal e a absoluta carência de recursos e gosto que prevalece, situando o âmbito não-erudito e retardatário em que tais modelos são executados. Mas há que dizer, pelo contrário, que outros núcleos são de excelente qualidade, como sucede com a Capela da Senhora da Teixeira em Sequeiro (Torre de Moncorvo) - tesouro da pintura transmontana, cujos frescos datam de c. 1594-1595 -, aqui com intervenção de bons pintores, um deles o próprio ermitão, Frei Jordão do Espírito Santo que, como hoje se sabe, se autorretratou à entrada do espaço de culto. Tais frescos da Senhora da Teixeira, que no essencial, mostram conhecimento de múltiplas fontes gravadas, italianas e flamengas. A itinerância de “ateliers” de um e outro lado da fronteira, já detetada noutros estudos de Joaquim Inácio Caetano, é facto da maior relevância para a História da Arte peninsular, dando ênfase a um aspeto laboral que tem permanecido na sombra. Entre as propostas de agrupamento estilístico avançadas neste livro a partir de afinidades de estilo e de constantes técnicas (o uso de estampilhas para decorações de brocados, fundos e tecidos), merece registo um dos casos em que a análise dos procedimentos técnico-estilísticos assegura uma identificação: a “Oficina do Mestre de Legoinha”, sob cujo nome se reúnem os frescos da Capela de Santo Amaro de Legoinha, do Ermitério de Os Santos em Sendim/Picote, e parte das pinturas murais da Ermida de Nuestra Señora de Fernandiel de Muga de Sayago/ Zamora e da Igreja de Nuestra Señora del Rosario de Iruelos/Salamanca.

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Por nossa parte, já havia documentado em fundos de arquivo a presença, em terras de Trás-os-Montes quinhentista, de pintores de óleo que também usam o fresco, caso certo de Tristão Correia (Chaves e Santa Valha) e caso possível de Pedro de França e António Leitão, a par de artistas oriundos do foco salmantino e zamorano (onde no século XVI era prática comum o óleo e o fresco, a crer na documentação publicada por Irune Fiz Fuertes na sua tese de doutoramento), o que permite que se percebam melhor as tendências estéticas prevalecentes nesse mercado provincial dividido entre o peso de modelos tradicionais goticizantes e a inovação dos valores renascentistas, primeiro, e maneiristas, já no meado de quinhentos. Que a permuta de serviços se processava nos dois sentidos, prova-o, por exemplo, a presença dos portugueses Martim Afonso e Bartolomeu Ramos, em 1588, em Argañín. Por outro lado, sabe-se da presença, em igrejas do vale de Vilariça, do pintor vianense de óleo e fresco Francisco de Padilha, artista ao serviço do Arcebispado de Braga, o que constitui pista oportuna para futuras identificações que se venham a fazer.

O livro assume-se, pois, com triplo sentido de relevância: em primeiro lugar, afirma a importância de uma região raiana em termos de pintura fresquista num dado “tempo”, revelando-nos uma série de frescos apreciáveis; em segundo, confirma em termos técnicos e artísticos uma intensa itinerância artística transfronteiriça que a documentação já indiciava; enfim, abre campo a trajetos ou rotas turístico-culturais que, além de sensibilizarem as pessoas, ajudam também a salvaguardar os espécimes ainda não intervencionados. São razões de sobra para que a importância do livro agora editado deva ser destacada.

Vitor Serrão Historiador de Arte – Centro ARTIS/IHA-FLUL Prof. Catedrático da Universidade de Lisboa

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INTRODUÇÃO

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A atual publicação resulta de uma extensa investigação realizada

no âmbito do projeto “PATCOM - Património em Comum” do programa INTERREG V - A – POCTEP, numa parceria entre a Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) e a Junta de Castilla y León cujo objetivo é o estudo, valorização e divulgação do património em comum, onde está incluído o estudo das pinturas murais da zona raiana de Trás-os-Montes e, para a sua realização, foi estabelecido um protocolo entre a Direção Regional de Cultura do Norte e o Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa - ARTIS - do qual sou investigador integrado.

Tendo em conta esta ideia inicial, foi selecionado, por uma questão

prática de escolha dos espécimes a estudar, o território de quatro concelhos dos quais dois fazem fronteira com Espanha - Miranda do Douro e Mogadouro - e, além destes, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo, de modo a abranger toda a área ao longo da fronteira, onde haverá mais afinidades com as pinturas espanholas, pois este é um dos objetivos deste estudo. Nesta zona fronteiriça, ficou de fora o concelho de Freixo de Espada à Cinta pois não existem, ou até agora não são conhecidas, pinturas com as características previamente definidas.

Este tipo de património, a pintura mural a fres-

co, é quase desconhecido fora do círculo de estudiosos que a ele se dedicam. É um género de expressão artística que só nas últimas décadas tem sido objeto de várias investigações académicas de doutoramento e mestrado e de estudos monográficos divulgados em livros e artigos 1, tendo-se passado da negação da sua existência para um conhecimento profundo no que diz respeito à quantidade de exemplares existentes no território português e ao seu modo de produção (técnica, pintores, oficinas, fontes iconográficas) .

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Outro facto importante para o avanço do conhecimento da pintura

mural portuguesa foi a aproximação da História da Arte à Conservação e Restauro, trazendo outro tipo de análises relacionadas com os materiais constituintes das obras de arte e com a sua técnica de execução. A longa permanência dos conservadores-restauradores junto das pinturas permite a perceção de pormenores decorativos a que a História da Arte, mais atenta aos conteúdos iconográficos e iconológicos, até então não dava muita importância, pormenores esses que têm que ver, sobretudo, com a utilização de motivos decorativos que se repetem em diferentes pinturas da mesma região geográfica, que vieram a servir de base para uma análise comparativa com vista à atribuição de coautorias. Este modo de abordar o estudo da pintura mural portuguesa dos séculos XV e XVI veio marcar outro avanço no conhecimento dos modos de produção.

Para se perceber a importância que a pintura mural teve, desde

finais do séc. XV até finais do seguinte, com fins catequéticos, devocionais e, também, decorativos, transformando a leitura dos espaços religiosos por meio do fingimento de outros materiais e equipamentos, essencialmente têxteis e retábulos, refira-se que estão identificados cerca de 190 conjuntos de pintura a fresco no Norte de Portugal, Norte alargado que inclui os distritos de Viana do Castelo, Porto, Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco e Viseu. Deste número, alguns já não existem, mas estão documentados, outros são apenas fragmentos e muitos continuam atrás dos retábulos que, a partir do século XVIII, os esconderam até hoje.

Mas, para se conhecerem os modos de produção

da pintura a fresco desta época, nesta região, temos que alargar o olhar e fazer comparações com as pinturas espanholas geograficamente próximas, pois as fronteiras administrativas não eram impedimento à circulação de pintores, sendo os gostos e as modas comuns neste território que abrange toda a zona raiana dos dois lados da fronteira. Paralelamente, e no âmbito do mesmo projeto, a Junta de Castilla y León está também a fazer o estudo das pinturas murais no seu território, com três trabalhos já publicados 2, o que nos permite outro tipo de conclusões, nomeadamente, em relação à questão das coautorias de espécimes de um e de outro lado. Isto não significa, porém, que estas pinturas estejam a ser estudadas pela primeira vez. Devemos referir as investigações académicas de Luís Afonso, de Paula Bessa e de Joaquim Inácio Caetano 3 que são fundamentais para se ter uma compreensão global deste fenómeno.

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NOTAS 1 Sobre a historiografia da pintura mural portuguesa, até à data da sua publicação, veja-se AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural dos Séculos XV-XVI na Historiografia da Arte Portuguesa: Estado da Questão. Artis – Revista do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa. Lisboa. 1 (2002) 119-137. 2

GONZÁLEZ OBESO, Ana; CURA SANCHO, Raquel del - Estudio y docu-

mentación de conjuntos de pinturas murales en la comarca de Sayago (Zamora). Valladolid: Junta de Castilla y León, 2012. PÉREZ MARTÍN, Sergio - Pintura mural del siglo XVI en la Provincia de Salamanca - Foco Noroeste. Valladolid: Junta de Castilla y León, 2019. PÉREZ MARTÍN, Sergio - Pintura mural del siglo XVI en las comarcas zamoranas de Alba, Aliste, Carballeda y Sayago. Valladolid: Junta de Castilla y León, 2019. 3

AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Inter-

nacional e o fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. 2 Volumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. BESSA, Paula - Pintura mural do fim da Idade Média e do início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. Dissertação de Doutoramento em História (policopiado), 3 Volumes. (disponível em WWW: <URL: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/8305>)

CAETANO, Joaquim Inácio - Motivos decorativos de estampilha na pintura a fresco dos séculos XV e XVI no Norte de Portugal. Relações entre pintura mural e de cavalete. Lisboa: Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011. Dissertação de Doutoramento em História (policopiado), 2 Volumes. (disponível em WWW: <URL: http://repositorio.ul.pt/handle/10451/2829>)

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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1 AS PINTURAS



O conjunto estudado

Na área considerada neste estudo contam-se 35 exemplares de pintura mural, distribuídos pelos concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo, encontrando-se em diferentes situações e estados de conservação.

Deste levantamento exaustivo de espécimes de pintura mural a fresco, não nos ocuparemos de alguns deles por diferentes motivos. Porque são apenas fragmentos testemunhando a existência de um programa mais vasto ou estão cobertos por camadas de cal ou atrás de retábulos sendo impossível, de momento, fazer qualquer tipo de análise e perceber o seu programa iconográfico e, ainda, porque alguns estão repintados, focar-nos-emos na análise de 17 exemplares. A grande maioria destas pinturas chegou até à atualidade escondida atrás de retábulos ou coberta por camadas de cal e, em alguns casos, desconhecendo-se a sua existência até ao momento da intervenção de restauro do retábulo, quando é necessário fazer a sua desmontagem. Outro facto relacionado com o “novo” gosto pelos retábulos de talha é, muitas vezes, a destruição da pintura que não ficava oculta por estes equipamentos. Isto percebe-se nalguns locais onde, atrás do retábulo-mor, além da pintura da parede fundeira, existe uma faixa vertical de pintura nas paredes laterais correspondente à área que ficou escondida, como se observa em Picote, São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho, Sendim da Ribeira e Adeganha, significando que as paredes laterais seriam totalmente pintadas.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

25


IC28

A3

Concelho de Miranda do Douro

Situação e Estado de Conservação

Ponte da Barca

A

1

Atenor - Capela de Santo Cristo > B

2

Atenor - Igreja de Nossa Senhora da Purificação > B

3

Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia > D parcial ; F

4

Duas Igrejas - Igreja de Nossa Senhora do Monte > F

5

Fonte de Aldeia - Capela da Santíssima Trindade > G

6

Fonte de Aldeia - Igreja de Santa Ana > D

7

Ifanes - Igreja de São Miguel > B

8

Malhadas - Igreja de Nossa Senhora da Expectação > F

9

Malhadas - Capela de São Bartolomeu > D

10 11

N103

Fragmentos visíveis;

B

Fragmentos atrás de retábulo;

C

Coberta com camadas de cal;

D

Atrás de retábulo;

E

Repintada;

F

Visível a precisar de restauro;

G

Restaurada.

A24

N103

Picote - Capela de Santo Cristo dos Carrascos > G

Braga

Sendim - Capela de Nossa Senhora do Rosário > A

12

Sendim - Capela do Senhor da Boa Morte > A

13

Sendim-Picote - Ermitério Os Santos > G

14

Teixeira - Igreja de São Bartolomeu > C ; D capela-mor ; E nave

15

Vila Chã de Braciosa - Capela de Santa Cruz > E

A7

A11

Guimarães

A7

Concelho de Mogadouro

A3

16

10 > A Algosinho - Igreja de Santo André

17

Azinhoso - Igreja de Santa Maria / Nossa Senhora da Natividade > E

18

Bemposta - Capela de Santo Cristo > E

19

Castro Vicente - Capela de Santo Cristo > D 1

20

São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho > D

21

Lousada São Martinho do Peso - Capela de São Luís > F

22

Travanca - Igreja de Nossa Senhora da Assunção > D

A11

A4

A4 A24

A4

de Canaveses Concelho de Alfândega da Marco Fé 23

Porto24

Legoinha - Ermida de Santo Amaro > G Sendim da Ribeira - Capela do Divino Senhor dos Milagres > D

25

Sendim da Serra - Capela de Nossa Senhora de Jerusalém > D transepto ; F capela-mor

26

Valpereiro - Ermida de São Geraldo > F

27

Valverde - Igreja de Nossa Senhora da Anunciação > C ; D

A1

Concelho de Torre de Moncorvo

A1

26

28

Açoreira - Capela de Santa Marinha > F

29

Adeganha - Igreja de São Tiago > G

30

Larinho - Capela de Santa Luzia > F

31

Peredo dos Castelhanos - Capela de Santa Cruz > D 2

32

Peredo dos Castelhanos - Igreja de São Julião > F

33

Sequeiros - Igreja de Nossa Senhora da Teixeira > F

34

Torre de Moncorvo - Capela de Nossa Senhora da Esperança > C

35

Urros - Igreja de Santo Apolinário > B

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A25


Bragança A4

A4

Vimioso

7

Macedo de Cavaleiros

9

8

Miranda do Douro 3

IP2

14 20 26

19

Alfândega da Fé

21

1 22

17

4

6

15

2 11

12

13

10

Mogadouro

27 23

24

5

16

18

25

29

30

IP2

34 33 Torre

de Moncorvo

28 31 32

35

Freixo de Espada à Cinta

Vila Nova de Foz Coa

N332 N221

Localização das pinturas murais distribuídas por concelhos (2020, ilustração de Joaquim Inácio Caetano©).

IP2

N332 N221

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Sendim da Ribeira. Pintura na parede lateral norte por detrás do retábulo (2007, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Picote. Pintura remanescente da parede lateral norte, já sem o retábulo (2018, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

A sua localização distribui-se, maioritariamente, pela parede fundeira da capela-mor, correspondendo à representação do orago individualmente ou acompanhado por outros santos ou num ciclo narrativo, e pelas paredes do arco triunfal onde estão pintados os santos de devoção local. Com exceção de três capelas, Vila Chã de Braciosa, Bemposta e São Martinho do Peso - Capela de São Luís, onde a totalidade das pinturas está relacionada com um ciclo narrativo, neste caso sobre a Paixão de Cristo e, também, em Picote onde, nas paredes laterais da capela-mor, estava representado um Apostolado, não vamos encontrar nenhum programa pictórico enquanto tal, isto é, onde as várias composições estejam relacionadas entre si, sendo antes, provavelmente, resultantes de encomendas de confrarias ou irmandades e de devotos, como acontece na Igreja de São Bartolomeu de Teixeira.

Teixeira. Conjunto de composições sem ligações iconográficas entre elas (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

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Um caso singular, de que falaremos mais adiante, é o da Ermida de Nossa Senhora da Teixeira que é integralmente pintada no seu interior, incluindo as abóbadas da capela-mor e da nave e, também, da galilé. Q uanto aos edifícios religiosos, existem dois tiMalhadas, igreja de Nossa Senhora da Expectação (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

pos de construção nos quais se enquadra a maioria dos templos. Um deles é constituído por igrejas de nave única com arcos diafragma, cabeceira reta e fachada em cantaria de granito, mais alta que a nave e rematada por uma estrutura que se prolonga verticalmente, sobressaindo do resto da edificação. Normalmente tem um ou mais vãos para albergar os sinos, funcionando como campanário. Na região espanhola vizinha este tipo de edifícios é, também, vulgar e este elemento da fachada principal é designado por “espadaña”, pelo que nos parece que podemos aportuguesar o termo para “espadana” 3. Alguns ainda têm os arcos dos portais de volta perfeita (Duas Igrejas - Igrejas de Nossa Senhora do Monte e de Santa Eufêmia, Fonte de Aldeia - Capela da Santíssima Trindade e Igreja de Santa Ana, Ifanes, Malhadas - Capela de São Bartolomeu e Picote) tendo as restantes, desta tipologia construtiva,

Valpereiro, Ermida de São Geraldo (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

os portais já com arco apontado (Atenor - Igreja de Nossa Senhora da Purificação, Malhadas - Igreja de Nossa Senhora da Expectação, Teixeira, Algozinho, Azinhoso, São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho, Travanca e Adeganha). No outro grupo característico desta região incluímos os pequenos edifícios, cuja característica principal é terem uma galilé (Valpereiro, Vila Chã de Braciosa, Bemposta, Peredo dos Castelhanos - Capela de Santa Cruz, Torre de Moncorvo, Urros, Malhadas - Capela de São Bartolomeu e Açoreira). Existem outros dois edifícios, Castro Vicente e Legoinha que, antes da remodelação que se observa atualmente, deverão ter tido uma galilé pois, aquilo que é atualmente o arco de passagem da nave para a capela-mor, foi em tempos o portal principal uma vez que existem ainda as marcas na pedra para a fixação da tranca em Castro Vicente, do lado da capela-mor e em Legoinha as argolas de pedra onde rodariam as meias portas. O s restantes templos são edifícios sem quaisquer características diferenciadoras, de nave única, com exceção de Nossa Senhora de Jerusalém que tem um transepto.

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A TÉCNICA Uma das características que esteve na base da escolha deste grupo de pinturas foi terem sido todas executadas segundo a técnica da pintura a fresco. Neste tipo de pintura, que se enquadra numa designação mais abrangente, a pintura mural, não se recorre ao uso das tintas tradicionais, entendendo-se estas como as tintas elaboradas a partir de um pigmento ou corante aglutinado por um médium. Usam-se pigmentos inorgânicos, numa suspensão aquosa, e são aplicados como se de uma tinta se tratasse, sendo a as cores predominantes os ocres, vermelhos e castanhos obtidos a partir de óxidos metálicos, com exceção do preto que era obtido a partir de matéria orgânica calcinada.

Não havendo um ligante que os possa fixar ao suporte onde são aplicados – camada de reboco fresco -, é um dos constituintes desse reboco, a cal, que os fixará através da carbonatação do hidróxido de cálcio (cal). Antes de se começar a pintar é executado, normalmente, o desenho preparatório, na maior parte das vezes a pincel e quase sempre com pigmento vermelho, que vai orientar o pintor na aplicação da cor. Podem-se usar, também, outras técnicas de transferência deste desenho preparatório para a superfície do reboco, como por incisão, ou com cordas batidas quando se trata de marcar linhas retas, sempre enquanto o reboco está fresco. Existe ainda outro processo, chamado estresido, em que se utiliza um desenho perfurado, que é encostado à superfície do reboco e que é batido com uma boneca com pigmento passando, assim, os contornos do desenho definidos por pequenos pontos.

Picote. Composição representando o Batismo de Cristo onde se pode observar a paleta de cores utilizada na pintura a fresco desta região (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Adeganha. Pormenor da figura de São Cristóvão onde se vê o desenho preparatório a vermelho (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Temos, portanto, duas condições necessárias para que haja pintura a fresco - existência de um reboco à base de cal e a possibilidade da sua carbonatação durante e após a execução da pintura, ou seja, que esteja fresco (no sentido de oposição a seco). Naturalmente, este revestimento terá que ter atingido determinado grau de dureza para se poder aplicar a cor, o que implica um tempo limitado para pintar. Esta questão é ultrapassada com o artifício de aplicar o reboco em áreas cuja dimensão permita a sua total pintura enquanto está fresco, sendo cada uma dessas áreas designada por jornada ou “giornata” 4. Na realidade, são raros os espécimes de pintura mural a fresco sem acabamentos a seco, ou seja, onde não se tenha recorrido aos pigmentos previamente aglutinados antes da sua aplicação na fase final da pintura. Normalmente é nas carnações, na modelação de volumes, na retoma do desenho e nos elementos decorativos onde mais frequentemente vamos encontrar este tipo de acabamentos. A sua quantidade varia de pintura para pintura Picote. Pormenor onde se observa a marcação de linhas retas pelo processo de corda batida (2018, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

dependendo de vários fatores, entre os quais podemos referir a área de reboco aplicado, isto é, o tamanho de cada jornada, o grau de conhecimento da técnica e a destreza do pintor, o tipo de parede sobre a qual assenta o reboco, as condições ambientais aquando da execução da pintura porque, dependendo da temperatura e da humidade existente na atmosfera, os tempos de secagem de um reboco serão diferentes.

1

4

2

3

5

6

7

Picote. Identificação das várias jornadas e sua ordem de execução (2018, ilustração de Joaquim Inácio Caetano©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Na sua formulação clássica, a pintura a fresco

usa, pelo menos, duas camadas de reboco. A primeira a ser aplicada, o emboço, ou “arriccio” na terminologia italiana, tem como função planificar a parede e, depois de molhada, constituir uma reserva de água para que a camada sobre ele aplicada se possa manter húmida durante mais tempo. Além disso, é sobre a sua superfície que é lançado, em desenho, o esquema geral da composição, chamado “sinopia” 5 servindo, por sua vez, de orientação para a aplicação das várias jornadas. A segunda camada, designada de reboco ou “intonaco”, mais rica em cal e com inertes mais finos, é aplicada por partes seguindo a própria composição de modo a que cada uma dessas partes aplicadas possa ser pintada enquanto o reboco está fresco. O objetivo desta maneira de proceder é minimizar a interferência das juntas 6 na leitura da composição e evitar a possível alteração de uma cor em duas áreas contíguas. Nem sempre se utilizou esta maneira de aplicar a segunda camada seguindo as linhas da composição. É Giotto 7 quem o faz pela primeira vez. Até aí, o reboco era aplicado por faixas horizontais, correspondentes aos níveis do andaime sem necessidade de um esquema prévio de orientação para a aplicação do reboco sendo cada uma dessas áreas designada por “pontata” 8. A sinopia só aparece, portanto, com a introdução da Adeganha. Pormenor onde se observam os acabamentos a seco nos rostos, no tratamento dos volumes das vestes e na decoração da casula (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

nova maneira de aplicar o reboco, criada por este pintor.

Adeganha. Acabamentos a seco numa decoração feita com estampilha (2020, fotografia de Paulo Bastos© | Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

UMA TÉCNICA PARTICULAR DA PINTURA A FRESCO C ontrariamente a este modo de proceder clássico, as pinturas a fresco estudadas no âmbito deste trabalho nunca apresentam duas camadas de reboco. Cremos que a explicação para esta maneira de fazer está relacionada com dois fatores: O primeiro tem que ver com as características da região. Sendo os afloramentos calcários em número muito reduzido, é natural que a produção de cal seja escassa relativamente às necessidades, sobretudo se considerarmos as dificuldades de deslocação nos séculos XV e XVI e, conse-

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quentemente, a reduzida possibilidade de obter cal noutras regiões. Por este motivo, juntamente com o facto de os edifícios religiosos serem construídos com blocos de granito aparelhado constituindo paredes desempenadas e rugosas ou, mesmo quando mais modestos e construídos em xisto, as suas paredes continuarem a apresentar superfícies planas e desempenadas, as paredes destes tipos construtivos quando molhadas mantêm-se húmidas durante bastante tempo criando-se, assim, as condições para ser aplicada uma só camada de reboco. Este revestimento é sempre pouco espesso, raramente chegando aos 5 mm de espessura, muitas vezes com o aspeto de uma pele que reveste o aparelho construtivo. Seria de esperar que tais rebocos fossem pouco resistentes, mas tal não acontece. Apesar de pouco espessos, são muito coesos e, a maior parte das vezes, os danos presentes são consequentes de fatores externos (a

Picote. Pormenor antes da intervenção, onde se observa o reboco com falta de aderência ao suporte e a sua reduzida espessura (2017, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

ação do homem e grandes valores de humidade, seguidos de temperaturas altas causadoras de secagens extremas do revestimento, isto é, ciclos ambientais de grandes amplitudes), traduzindo-se esses danos, na maior parte das vezes, em falta de aderência ao suporte e na formação de sais. A explicação para as qualidades destes rebocos está relacionada com as características da cal usada como pudemos constatar em estudo anterior 9, verificando que esta cal tem um grande grau de hidraulicidade, obtida a partir de um calcário com um grande teor de impurezas. Um dos locais analisados foi uma pedreira em Campanhó, na serra

Picote. Fotografia com luz rasante onde se percebe a ondulação do reboco acompanhando a deformação do aparelho (2018, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

do Marão, que não será, seguramente, a única proveniência de cal para todas as pinturas estudadas. Existem outros afloramentos de calcário, também eles ricos em impurezas, como é descrito relativamente ao fabrico de cal em Salselas do concelho de Macedo de Cavaleiros 10 onde se refere a cor azulada do calcário. Cremos, portanto, que uma das razões para a aplicação de uma só camada de reboco nas pinturas a fresco nesta região do país tem que ver com o conhecimento empírico relativamente às qualidades dos rebocos fabricados com este tipo de cal – resistência e coesão -, tratando-se, portanto, de uma questão de poupar um bem escasso e precioso.

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Anteriormente referimos duas razões para a utilização de uma só camada de reboco na pintura a fresco sendo, a descrita, a mais importante, quanto a nós. A outra está relacionada com o facto de estas oficinas produzirem não só pintura a fresco, mas também pintura de cavalete. Coloca-se, assim, a hipótese de o modo de fazer da pintura de cavalete ter sido transposto para a parede, não no que diz respeito aos materiais, mas sobretudo no modo de proceder como, por exemplo, a inexistência de juntas de reboco numa composição fechada, isto é, cada composição, narrativa ou figurativa, era feita de uma só vez independentemente da sua dimensão. Percebe-se o facto de as cores planas serem aplicadas a fresco - fundos, panejamentos, base das carnações - e tudo o resto acabado a seco. Esta maneira de pintar dispensa a existência de sinopia e, consequentemente, não há necessidade de uma base para a desenhar.

TIPOLOGIAS E MOTIVOS DECORATIVOS Neste conjunto de pinturas não há grande variação tipológica relativamente ao modo como estão organizadas no templo, podendo ser enquadradas, na sua maioria, em dois tipos. Os retábulos fingidos, que constituem o grupo de maior número de exemplares, e as composições isoladas, emolduradas por barras simples. Podemos considerar, também, outro modo de organização onde as composições estão justapostas lado a lado, como nos ciclos narrativos da Paixão de Cristo em Vila Chã de Braciosa, Bemposta e São Martinho do Peso - Capela de São Luís ou na representação de apostolados como na Igreja de Santa Eufêmia de Duas Igrejas onde os apóstolos estão representados em meio corpo inseridos em edículas e em Picote com a representação de corpo inteiro e que revestiam a totalidade das paredes laterais da capela-mor, tendo-se conservado apenas um de cada lado. Podemos também incluir nesta tipologia a Igreja de Nossa Senhora da Teixeira de Sequeiros, mas com características especiais, uma vez que o interior do templo é totalmente revestido de pintura, paredes e abóbada, com a representação de santos, apóstolos e cenas marianas.

Vila Chã de Braciosa. Ciclo narrativo sobre a Paixão de Cristo (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Duas Igrejas, Igreja de Santa Eufêmia. Apostolado nas paredes norte e sul da capela-mor (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Quanto aos retábulos fingidos, não é claro que haja um modelo ou uma tipologia que tivesse servido de referência, contrariamente ao que se passa na vizinha região espanhola de Salamanca onde, de um modo geral, seguem os modelos da retabulística da segunda metade do século XV 11. Assim, na maioria dos casos, encontram-se normalmente, os elementos formais de um retábulo - colunas, entablamento e, mais raramente, um ático - com uma expressão, podemos dizer, de retábulo maneirista, servindo estes elementos para enquadrar as várias composições, com o orago em posição central ladeado por outros santos, ou então com uma temática única como em Sendim da Ribeira com um tema Mariano ou em Fonte da Aldeia com cenas relacionadas com a Santíssima Trindade. Com exceção de Castro Vicente, Sendim da Fonte de Aldeia. Capela da Santíssima Trindade (2015, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Ribeira e de Picote, todos eles têm apenas um registo horizontal, acompanhados, eventualmente, por fingidos de tecidos como em Castro Vicente, Picote e São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho. Esta situação de imitação de um retábulo seria acompanhada, também, pelo fingimento do próprio frontal na mesa de celebração que habitualmente está adossada à parede fundeira. Muitas destas mesas foram destruídas ou alteradas aquando da colocação do retábulo de talha e, as que subsistem e que continuam atrás dos retábulos, são de difícil análise. No entanto, existem ainda algumas onde se verifica esta situação ou, pelo menos, existem vestígios dessa pintura - Atenor - Capela de Santo Cristo, São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho, Legoinha e Valpereiro.

Castro Vicente, Capela de Santo Cristo (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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No que diz respeito aos motivos decorativos, não há, também, muita variedade, sobressaindo os tecidos fingidos. Vamos encontrá-los em barras decorativas como em Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia, Malhadas, Castro Vicente e São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho ladeando as composições figurativas ou como lambrins em Picote e Teixeira. São utilizados, também, como segundo plano das composições figurativas em Picote e Algosinho.

Atenor, Capela de Santo Cristo (2016, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Picote. Imitação de tecido no segundo plano da composição (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Castro Vicente. Imitação de tecidos ladeando o retábulo fingido (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Teixeira. Imitação de tecido num lambrim abaixo do retábulo fingido (2020, fotografia de Paulo Bastos©).


Adeganha é um caso particular de imitação de tecidos, pois toda a capela-mor, com exceção da zona central da parede fundeira onde está representado São Tiago, era pintada com tecidos fingidos a imitar panos de armar, constituídos por faixas verticais com fundos de diferentes cores e com vários motivos executados com estampilha. Nesta igreja vamos encontrar, também, a imitação de tecidos nos segundos planos das composições figurativas executados com a mesma técnica. Em todas as outras pinturas com fingidos, os motivos são executados a pincel sem recurso a um molde. Adeganha. Tecidos fingidos a forrar a capela-mor. (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

Ainda acerca da utilização de estampilhas como método de execução dos motivos decorativos, refira-se que, além de Adeganha, só são utilizadas em mais três locais: Ifanes, Castro Vicente e São Martinho do Peso, - Igreja de São Martinho. Este conjunto de pinturas não é muito rico na utilização de outro tipo de motivos decorativos pois, além dos tecidos fingidos, vamos

Decorações renascentistas. Atenor, Capela de Santo Cristo (2016, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

encontrar

apenas

alguns elementos da gramática decorativa renascentista, com uma expressão que pode ser associada aos grutescos na sua forma de elementos vegetalistas em enrolamentos em Atenor - Capela de Santo Cristo, Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia, Malhadas - Igreja de Nossa Senhora da Expectação, Algosinho, Azinhoso, Valpereiro e Sequeiros. Também renascentistas, são as vieiras que, em Picote, rematam superiormente os espaços onde os apóstolos estão inseridos, assim como a decoração da face interna do arcossólio de Azinhoso, de caixotões fingidos com uma espécie de rosetão no seu centro.

Decorações renascentistas. Duas Igrejas, Igreja de Santa Eufêmia (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

Decorações renascentistas. Malhadas, Igreja de Nossa Senhora da Expectação (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Temos que referir, também, a decoração “ao romano” da igreja de São Martinho do Peso, onde, na parede fundeira, ladeando a composição figurativa, vemos do lado do Evangelho uma composição de elementos constituídos por uma taça com uma figura masculina coroada de um lado e do outro uma mulher, terminando os membros inferiores em enrolamentos vegetalistas, em tons de cinzento sobre um fundo vermelho, repetindo-se este grupo em fiadas horizontais. Esta composição corresponde à primeira vez, em 1507 por ocasião da Visitação da Ordem de Cristo 12, que é usado este termo, “obra romana”, para designar o Decorações renascentistas. Algosinho (2018, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Igreja de São Martinho de São Martinho do Peso. Decoração ao romano (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Decorações renascentistas. Valpereiro (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Decorações renascentistas. Azinhoso (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Decorações renascentistas. Sequeiros (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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que mais tarde, e com a sua evolução, viria a ser designado como “grutesco”.


TEMAS REPRESENTADOS Com exceção da igreja de Adeganha, onde a componente decorativa da capela-mor tem um impacto visual superior à representação do orago na parede fundeira, podemos dizer que os temas são, obviamente, religiosos, com as decorações associadas como foi referido anteriormente. Podemos considerar dois tipos de representação. Composições organizadas em ciclos narrativos temáticos e composições isoladas. Relativamente ao primeiro tipo de organização, o ciclo mais representado é o da Paixão de Cristo, que vamos encontrar em Vila Chã de Braciosa (Cristo perante Pilatos; Pilatos lava as mãos; Jesus a caminho do Calvário; Negação de Pedro; Segundo interrogatório por Pilatos; Flagelação de Jesus; Coroação de Espinhos; Última Ceia; Aparição à Virgem; Ressurreição; Prisão de Jesus; Jesus no Horto; Judas a receber as 30 moedas; Três Santas Mulheres perante o Túmulo de Jesus Vazio; Crucificação; Calvário; Descida da Cruz), em Bemposta, onde algumas das composições não são facilmente identificáveis devido ao mau estado de conservação das pinturas (Cristo perante Pilatos; (?); (?); Cristo a ser açoitado; Flagelação de Cristo; Última Ceia; Ressurreição; Três Santas Mulheres perante o Túmulo de Jesus Vazio; Prisão de Jesus; Judas a receber as 30 moedas; Cristo a Salvar as Almas), em São Martinho do Peso - Capela de São Luís (Jesus da Cana Verde; Jesus é condenado à morte; A caminho do Calvário; Crucificação de Jesus; Flagelação de Jesus; Prisão de Jesus; Jesus perante Pilatos; Santas Mulheres perante o Túmulo de Jesus Vazio; Última Ceia; Lava Pés) e em Adeganha, com apenas quatro cenas representadas, sendo uma difícil de identificar (Última Ceia; (?); Descida da Cruz; Ressurreição). Outro ciclo narrativo relativamente frequente é o dedicado à vida de Maria, normalmente associado à infância de Jesus, existindo, neste grupo de pinturas, três conjuntos com este tema. Em Sendim da Ribeira (Anunciação; Encontro; Natividade; Apresentação no Templo) com a representação de Nossa Senhora do Rosário da posição central e duas cenas de cada lado, em Adeganha (Natividade; Apresentação no Templo; Adoração dos Magos) e em Sequeiros, na parede lateral norte, podemos considerar que as composições do primeiro registo são de temática Mariana (Nossa Senhora das Dores; Coroação de Nossa Senhora; Apresentação no Templo; Adoração dos Reis Magos; Encontro da Virgem com Santa Isabel).

Adeganha. Ciclo da Paixão de Cristo na parede norte da nave (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Com um tema raro, e cremos que é caso único na pintura mural portuguesa deste período, temos em Picote um ciclo dedicado a São João Batista (Encontro da Virgem com Santa Isabel; São Zacarias; Batismo de Cristo; São João Batista; Degolação de São João Batista). Apesar de não os podermos considerar como ciclos narrativos, existem dois conjuntos de pinturas com um tema comum entre as várias composições, que é a representação dos apóstolos, constituindo, assim, o que normalmente se designa como Apostolado. Nas paredes laterais da capela-mor da Igreja de Santa Eufêmia de Duas igrejas, vemos o que resta de um conjunto onde deveriam estar representados os doze apóstolos, mas, porque alguns já não existem ou porque outros não se conseguem identificar, apenas podemos referir, na parede norte, São Simão, Santo André, São Bartolomeu e São Tomé e na parede sul São Matias e São Tiago. O outro conjunto, ao qual já nos referimos, pode ser observado nas paredes laterais da capela-mor da igreja de Picote, existindo apenas do lado norte São Tiago Menor e na parede oposta São Filipe. As representações dos outros apósAdeganha. Ciclo narrativo Mariano ligado à infância de Jesus (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

tolos foram destruídas aquando da colocação do retábulo-mor. A lém desta tipologia organizativa das composições e da representação de santos isoladamente, de que falaremos a seguir, deve ser referido outro género que são as composições narrativas, portanto, onde se representa uma passagem bíblica. São elas o Calvário e o Juízo Final. A primeira, com uma representação simples de Cristo na Cruz ladeado pela Virgem e por São João Evangelista, com ou sem os ladrões em segundo plano, pode ser observada em Atenor - Capela de Santo Cristo, Malhadas, Teixeira, Peredo dos Castelhanos - Capela de Santa Cruz e Vila Chã de Braciosa, incluída no Ciclo da Paixão.

Picote. Ciclo narrativo dedicado a São João Batista (2018, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

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Na Igreja de Nossa Senhora do Monte de Duas Igrejas temos, também, um Calvário, mas este merece uma atenção especial. A composição, que ocupa cerca de metade da área da parede norte da capela-mor é bastante mais rica em pormenores, incluindo outras figuras além das anteriormente referidas. Assim, temos a figura de Cristo na Cruz, os dois ladrões que o ladeiam e os soldados em primeiro plano. Tendo em conta o esquema compositivo desta pintura, a noção de perspetiva, os escorços, o tipo de indumentária dos soldados e a qualidade do desenho preparatório, esta pintura deverá ter como fonte iconográfica uma gravura alemã da primeira Vila Chã de Braciosa (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

metade do século XVI. Outra particularidade desta pintura está relacionada com a sua técnica de execução, não se tratando de um fresco no sentido clássico desta técnica. O desenho preparatório foi executado sobre um barramento de cal e a cor aplicada a seco. Isto explicará o facto de existir tão pouca camada pictórica. Vêem-se alguns vestígios de cor na cruz e corpo de um dos ladrões, de tom avermelhado e, no segundo plano da composição, vestígios de azul em vários locais. O Juízo Final encontra-se representado em Malhadas, na Igreja de Nossa Senhora da Expectação e em Sequeiros. Em Malhadas, na parede norte da nave, vemos no centro da composição uma figura que, apesar das parecenças com a representação de Deus-Pai, é Cristo como Juiz, num trono com um aro de luz ocre e vermelho com os braços levantados e palmas das mãos viradas para o observador. Outra particularidade desta figura é apresentar uma tiara papal e ter cabelo e barba grisalhos, transformando-a em Cristo-Deus que preside a este Juízo Final.

De cada um dos lados desta figu-

ra central encontram-se grupos de figuras, sendo a maior parte delas femininas. No registo inferior do lado esquerdo subsistem apenas dois anjos, um deles com uma viola. Do lado contrário, sob a pintura de uma segunda campanha, podem observar-se duas figuras, desnudas e com cornos, que representam dois diabos e, a seus pés, duas figuras representadas parcialmente e envoltas em labaredas, representação do Inferno, portanto. Em Sequeiros, por cima do portal de entrada e centrado com a porta, vemos Duas Igrejas, Igreja de Nossa Senhora do Monte. Calvário na parede norte da capelamor (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Cristo sentado num arco-íris com os pés sobre o globo terrestre, tendo à sua direita a Virgem e Moisés e uma espada

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ao nível da cabeça. Do lado contrário, os lírios e duas figuras não identificáveis vendo-se, à sua volta, vários anjos com instrumentos da Paixão. Na pintura da abóbada da galilé estão representados os eleitos do lado direito de Cristo, percebendo-se a representação de bispos e de monges de várias ordens como os dominicanos, cistercienses e franciscanos e identificando-se, pelo seu atributo, a figura de São Lourenço. Malhadas, Igreja de Nossa Senhora da Expectação. Juízo Final (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Vemos, do lado contrário, os condenados a partir da zona baixa da abóbada com vários personagens nus e vestidos a serem levados e castigados pelos diabos, vendo-se também alguns corpos a saírem das sepulturas.

Por fim, não sendo um ciclo narrativo, temos na capela da Santíssima Trindade de Fonte de Aldeia um conjunto de composições relacionadas com a invocação da capela, inseridas num retábulo fingido. No primeiro registo, do lado do Evangelho, a Ascensão de Cristo com Nossa Senhora e os apóstolos a seus pés e, do lado da Epístola, o Pentecostes representado sob a forma da Descida do Espírito Santo, em forma de pomSequeiros, Igreja de Nossa Senhora da Teixeira. Juízo Final na galilé (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

ba, sobre Nossa Senhora e os apóstolos. A zona central deste registo, com uma área menor, não tem qualquer representação. No registo superior está representado Deus Pai com o orbe na sua mão esquerda enquanto que com a direita abençoa. Q uanto à representação de figuras e de cenas isoladas, a maioria retrata os santos de corpo inteiro sem aludir à sua vida ou martírio, sendo em maior número os santos taumaturgos, a quem habitualmente se recorria em horas de aflição para obter uma benesse, contando-se entre eles São Sebastião (Legoinha, Castro Vicente, Adeganha e Sequeiros), São Bartolomeu (Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia, Algosinho, Adeganha, Sequeiros e Malhadas - Capela de São Bartolomeu), Santa Catarina de Alexandria

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(Legoinha, Teixeira, Algosinho e Adeganha), Santa Luzia (Legoinha, Sendim da Serra, Duas Igrejas - Igreja de Nossa Senhora do Monte, Duas Igrejas Igreja de Santa Eufêmia e Larinho), Santo António (Legoinha e Adeganha), São Tiago (Sendim da Ribeira, Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia, Adeganha e Sequeiros), São Miguel Arcanjo (Teixeira, Azinhoso, Castro Vicente e São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho).

São Sebastião - Legoinha; São Bartolomeu Adeganha; Santa Catarina - Teixeira; Santa Luzia - Larinho (2020, fotografia de Paulo Bastos©)

Outros há que serão santos de devoção local como Santo Amaro, Santo André, São Geraldo, São Lourenço, São Martinho, São Saturnino ou São Vicente. Outro santo que teve grande devoção na Idade Média, tendo-se prolongado o seu culto até ao Concílio de Trento (1545-1563), que determinou a sua exclusão do hagiográfico católico, foi São Cristóvão, protetor contra a morte súbita em pecado 13. Este santo era representado numa grande escala, normalmente em frente ao portal lateral para que fosse facilmente visível. Destas representações restam-nos uma em Adeganha e fragmentos de outra em Ifanes.

Santo António - Adeganha; São Tiago - Sequeiros; São Miguel Arcanjo - Teixeira (composição integralmente repintada) (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

O culto Mariano não terá sido muito importante na religiosidade destas populações, pois, além das representações em ciclos narrativos anteriormente referidas, está somente representada como Nossa Senhora das Dores em Sequeiros, Nossa Senhora do Rosário em Sendim da Ribeira e em Travanca e como Nossa Senhora com o Menino em Castro Vicente.

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Outro facto curioso é a quase ausência das figuras de São Pedro e de São Paulo, que habitualmente são representados em lugar de destaque na capela-mor como sendo os pilares fundadores da igreja católica. São Pedro pode ser observado na Igreja de São Julião em Peredo dos Castelhanos e em Sequeiros e São Paulo apenas nesta última igreja. Isto pode significar que a maioria das encomendas não seriam do padroado das igrejas, mas sim das confrarias e irmandades locais.

Adeganha - São Cristóvão (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Sequeiros - Nossa Senhora das Dores (2009); Castro Vicente - Nossa Senhora com o Menino (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Peredo dos Castelhanos - Igreja de São Julião - São Pedro; Sequeiros - São Paulo (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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HERÁLDICA E INSCRIÇÕES Por vezes, além das representações figurativas e decorativas, as pinturas são acompanhadas de outros elementos, heráldicos ou inscrições, que podem trazer uma informação suplementar à interpretação iconográfica, tanto em termos de identificação das representações como em relação aos encomendantes e datação. Neste conjunto de pinturas, apenas estão representados três elementos heráldicos. Um escudo com as Chagas de Cristo no frontão curvo do retábulo fingido de Castro Vicente sendo, provavelmente, uma referência ao orago, Santo Cristo, uma vez que não está representado.

Castro Vicente (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Os outros dois, na pintura da Igreja de São Martinho de São Martinho do Peso onde, sobre as decorações que ladeiam o retábulo, se encontra do lado do Evangelho um Brasão dos Távora e, do lado contrário um Escudo da Ordem de Cristo, dando-nos a informação que o comendador desta igreja, à data da execução das pinturas, deveria ser um Távora e que esta igreja pertencia à comenda da Ordem de Cristo 14. No que diz respeito às inscrições, podem ter vários tipos de conteúdo. Ser, somente, identificativas do nome da figura ou cena representada como na Igreja de Santa Eufêmia de Duas Igrejas, na Capela de São Luís de São Martinho do Peso e em Bemposta. Podem ser alusivas à cena representada. Na Igreja de Nossa Senhora da Purificação de Atenor, na parede fundeira junto ao primitivo sacrário existe uma legenda mutilada onde se lê «(...) VEREES (...) BVS» sem, no entanto, entendermos o seu significado. Em Sendim da Serra, ao lado da representação de Santa Luzia pode ler-se a seguinte inscrição: «ESTA COROA TE OFREO / POIS AQVESES ESTE GANHAR / AOS Ǭ NÃO TIVEREM VISTA / TV LHA

São Martinho do Peso - Brasão dos Távora e Escudo da Ordem de Cristo (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

PODES DAR» 15. Trata-se, provavelmente, de uma pintura congrulatória, isto é, de um ex-voto dedicado a Santa Luzia como resultado de uma benesse recebida.

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São Martinho do Peso - Brasão dos Távora e Escudo da Ordem de Cristo (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Atenor, Igreja de Nossa Senhora da Purificação (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Também em Sequeiros, na representação do Juízo Final na galilé, existe uma legenda que acompanha a representação dos eleitos à direita de Cristo e dos danados do lado contrário, lendo-se, no lado esquerdo do observador, «VINDE BENEDITOS DE MEU PADRE VENIT BENEDIT» e do lado contrário «I VOS MALDITOS DE MEU PADRE ITE MALEDITI», que podemos traduzir por “Vinde abençoados do meu Pai vinde venturosos”, “E vós malditos de meu Pai ide amaldiçoados”, acompaSendim da Serra, Igreja de Nossa Senhora de Jerusalém (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

nhada da data de «1595». Nesta igreja existem mais duas legendas na face interna da fachada. Centrada com a porta de entrada, uma representação da Morte em forma de esqueleto com uma gadanha ao lado é acompanhada de uma inscrição onde se pode ler: «VIGILATE QUIA . NE (...)S . QUA . HORA . DNS . VENIET». À direita do observador vemos a representação do primeiro

Sequeiros, galilé (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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ermitão, de seu nome Jordão, com uma cartela a seu lado que o identifica

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e onde se pode ler: «IANO ESTE HE [O] PRIEMEIRO IRMITAO QUE ESTEVE NA CASA» e, por fim, na capela-mor pode observar-se, numa cartela ladeada por grutescos, a data de «1584». Em Picote existem duas legendas num contexto diferente. Estão inscritas em filacteras que acompanham os dois apóstolos representados, que são os que restam de um apostolado que revestia as paredes

Sequeiros (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

laterais da capela-mor e, em que cada uma delas, está inscrito um artigo do credo. Assim, na parede norte com São Tiago Menor uma referência ao artigo 6º «ASCCENDIT AD CELOS SEDE AD DESTERAM DEI PA(...)» - que em português será “Subiu ao Céu, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”. No outro lado, conjuntamente com São Filipe, o conteúdo da inscrição é o do artigo 7º - «INDE VENTURUS EST IUDICARE VI(...)T MORTUOS» - que se pode traduzir para “de onde virá a julgar os vivos e os mortos”. Picote (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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As inscrições podem, também, identificar o encomendante de uma pintura como no Ermitério Os Santos onde na legenda existente abaixo das composições figurativas se pode ler «ESTA Ermitério Os Santos (2020, fotografia de Paulo Bastos©)

OBRA DE NOS(S)A S(E)N(HO) RA DA GLORIA MA(N)DOU F(AZER) A(NTÓNIO ?) E(STEVES ?) JU(AN ?)» 16, assim como em Teixeira, onde a legenda está parcialmente coberta por um repinte, podendo identificar-se apenas «(...) SANTE SPI(RI)TOS MANDOU FZ». Outras vezes estão relacionadas com a identificação de uma pessoa em particular, como é o caso do arcossólio da igreja de Azinhoso que tem uma inscrição que identifica quem ali está sepultado - «AQUI JAZ LUIS EANES DE MADUREIRA VIGARIO GERAL DO SENHOR D. FERNANDO, ARCEBISPO DE BRAGA» 17. Em Castro Vicente e na igreja de São Martinho do Peso existem, também, legendas que devido a estarem em parte cobertas por camadas

Teixeira (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

de cal e sujidade não se conseguem de momento ler. Também sem leitura possível, devido a existir apenas um pequeno fragmento, temos uma legenda em Adeganha. Não se lhe podendo chamar legenda, numa das composições do retábulo fingido em Sendim da Ribeira está inscrito o número «.93» que corresponderá à data da pintura - 1593.

Azinhoso (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Sendim da Ribeira (2007, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

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AUTORIAS / OFICINAS Não existindo no território dos quatro concelhos aqui tratados, infelizmente, documentação relativa a contratos entre encomendantes e pintores para a execução de frescos nem, tão pouco, pinturas assinadas, a questão da autoria de todas estas pinturas fica, de momento e até novas investigações que tragam luz sobre esta questão, sem poder ser completamente esclarecida. Existem, no entanto, alguns pintores conhecidos que trabalharam em terras transmontanas, artistas que terão praticado os dois géneros de pintura - sobre tábua e a fresco -, como era frequente, e que merecem registo na hipótese de virem a aparecer pistas mais sólidas para eventuais intervenções fresquistas. O processo de restauro da Capela de Santa Maria Madalena em Santa Valha, concelho de Valpaços, permitiu descobrir a assinatura que a dá como pintada por um artista que, pelos estudos de Vitor Serrão, sabemos oriundo da cidade de Coimbra, de nome Tristão Correia 18. O retábulo fingido de Santa Valha, que é muito interessante, está datado de 1555 e mostra elementos estilísticos já pronunciadamente maneiristas, com alongamentos de figuras e deliberadas deformações de espaços que permitem atribuir-lhe outras obras de fresco. Recentemente, foi descoberto outro fresco numa capela privada na periferia de Chaves que, provavelmente, é também da sua autoria. Outro pintor de fresco e de óleo ativo no Minho e em Trás-os-Montes é Pedro de França, que trabalhou em Murça entre 1564 e 1566 e na Colegiada de Guimarães. No primeiro caso, pintou o retábulo da igreja, de que nos chegaram três boas tábuas, ainda dentro da tradição renascentista, dadas a conhecer por Reynaldo dos Santos 19. No segundo caso, citado em documentação da Colegiada de Guimarães de cerca de 1570, trata-se de obras indeterminadas em Vila Real. Já se sugeriu 20 a autoria de Pedro de França para os recentemente redescobertos frescos transmontanos da Capela de Nossa Senhora do Areal em Agrochão (Vinhais), que mostram apreciáveis qualidades de desenho e certas similitudes com o estilo que as tábuas de Murça nos apresentam. Independentemente do que a magreza dos documentos nos oferece, é certo que nestas regiões raianas trabalham bons artistas vindos dos principais centros artísticos, caso também de Braga. Um pintor natural de Viana do Castelo e ligado a uma operosa família de artistas minhotos do mesmo apelido, aparece em 1572 no vale de Vilariça a trabalhar para várias igrejas. Trata-se de Francisco de Padilha 21, que em 1572 celebra um contracto com Damião Peres, membro de uma confraria local, para obras retabulares e de demais decoração em terras de Vilariça, no vale do Sabor. O facto de se conhecerem obras de cavalete desse Francisco de Padilha (as tábuas da igreja do Carrêço, de 1566, dispersas por essa igreja e pelo Museu do Seminário Maior de Braga), dá-nos oportunidade de conhecer o seu estilo, sabendo-se que ele e os demais Padilhas também pintavam a fresco e atuaram, longe de Viana e Braga, em terras da Galiza. São pistas a seguir.

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Tal atesta, por outro lado, e como melhor se verá adiante, que a circulação de artistas se fez entre os dois lados da fronteira. Tal é um facto e, portanto, as investigações sobre os pintores ativos nesta região deverão alargar-se para além da raia. Sendo apenas, neste momento, hipóteses de trabalho, Irune Fiz Fuertes 22 refere dois pintores portugueses de óleo e de fresco, Martim Afonso e Bartolomeu Ramos, que na transição do século XVI para o seguinte trabalharam em igrejas na fronteira com Portugal, nomeadamente em Argañin, e cuja obra continua por identificar. As pesquisas de Irune Fiz oferecem-nos também, a partir dos arquivos de Zamora, referências precisas a artistas que tanto trabalham a óleo como a fresco, como Alonso de Remesal I e seu Filho Remesal II, este último instalado depois em Miranda do Douro. É certo que portugueses e espanhóis, pintores de óleo e fresco, na transição do século XVI para o XVII, atuam em igrejas da fronteira junto a Portugal (casos dos dois citados que em 1588 pintam em Argañín) e cujos percursos persistem por identificar com precisão. ​ Como vemos, apesar de termos alguns nomes conhecidos por via dos arquivos a trabalhar em Trás-os-Montes no século XVI, falta-nos associar-lhes as obras (exceção de Tristão Correia), partindo da hipótese de que terão chegado até à atualidade. E nenhum dos dezassete conjuntos fresquistas que aqui reunimos mostra uma assinatura! Um caso especialmente interessante e singular é o da igreja de Nossa Senhora da Teixeira em Sequeiros. Este templo está integralmente pintado, incluindo a abóbada da galilé, percebendo-se que há diferenças formais e técnicas entre o trabalho do interior do templo e a galilé correspondendo, pois, a mais que um pintor. A pintura da galilé, datada de 1593 tem afinidades estilísticas com a obra de cavalete de António Leitão 23. Mas existem outras “mãos” que se detetam com evidência. Neste caso, porém, temos não só a tradição que atribui o essencial das pinturas ao ermitão do templo após peregrinação a Roma, Frei Jordão do Espírito Santo, como dois documentos que o situam na Capela, um de 1606-1607 em que assina num auto precisamente como responsável da ermida, outro numa referência de 1721 que diz o seguinte: Santo quem pintou o corpo desta Capela: «por tradição e notiçia melhor se dis que quem fes a dita Capella fora hum Ermitão chamado frei Jordão do Espirito Stº o qual fora duas vezes a Roma pª a fazer a emitação de outra capella que la vira, e com efeito a fes por sua mão e se mandou ali enterrar de pé defronte do Altar ao dispois que a si mesmo se pintou peguado às portas da dita Capella…» 24. De facto, aos lados da porta, entrando no templo, temos à mão esquerda o retrato a corpo inteiro de Frei Jordão do Espírito Santo, o que parece creditar a seriedade da fonte setecentista. Apesar da precisão desta descrição de 1721 - que tem o inconveniente de ser posterior em cerca de cento e vinte anos à execução das pinturas -, perguntamo-nos até que ponto ela corresponde plenamente à realidade. Esta dúvida surge na sequência da identificação de outra pintura, na Capela de Santo Cristo em Castro Vicente, que atribuímos ao mesmo artista. Um dos elementos de comparação foi, precisamente, o rosto do ermitão e o rosto de um dos apóstolos na representação do Pentecostes: são idênticos. Ter-se-á autorretratado nesta composição ou a tipologia dos rostos é sempre a mesma? Por outro lado, poderia conciliar a sua respon-

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sabilidade de ermitão com a atividade de pintor que executa uma encomenda? Não queremos com isto dizer que a autoria de parte das pinturas da Senhora da Teixeira não seja de Frei Jordão; por outro lado, devemos também, estar atentos ao facto de existirem outras pinturas que lhe possam ser atribuídas. Que os frescos da Senhora da Teixeira são devidos a mais de uma “mão”, é evidência que uma mais atenta análise visual confirma. É especialmente digno de registo o mural que decora a galilé, com uma avantajada cena do Juízo Final inspirada, com muita liberdade, em grupos do célebre fresco de Miguel Ângelo Buonarroti na Capela Sistina em Roma (15361541). Vimos que, segundo a tradição, Frei Jordão fora a Roma em peregrinação e tomara modelo nesse fresco para compor o da galilé da Ermida. Como já se aventou, porém, esta campanha do exterior está datada de 1593 (ou 1595) e mostra, em certos aspetos estilísticos, afinidades com a obra a óleo do já referido António Leitão (c. 1530-c.1595), por sinal um artista educado em Roma. A “mão” de Frei Jordão, a ser ele o autor, reconhece-se mais no texto da galilé e no programa hagiográfico e mariano do interior, sendo importante observar que tudo se inspira em gravuras conhecidas. Pelas investigações de Vitor Serrão, essas fontes são estampas do bolonhês Agostino Carracci (uma fonte mais rara e surpreendente, usada na Tentação de Jesus), dos maneiristas flamengos Cornelis Cort, Johannes Sadeler (segundo Maerten de Vos) e J. Wierix (estampas ao tempo muito divulgadas), e até uma anacrónica “citação” de Albrecht Durer (na Flagelação…) 25. O uso de estampas italo-flamengas foi prática de trabalho comum e até recomendada em tempo da Contrarreforma, para evitar desvios à ortodoxia das imagens, tal como as visitações dos bispados e as Constituições Sinodais pretendiam e como Flávio Gonçalves há muito demonstrou 26. Aceitemos a autoria de Frei Jordão do Espírito para parte das pinturas da ermida, certo, porém, de que o diligente ermitão pintou outras obras na região, o que aliás não deixa de ser lógico, dado o talento que as pinturas murais da entrada do templo revelam. É possível, todavia, que as pinturas do interior da Ermida não sejam todas da autoria de Frei Jordão e, sim, devidas a outras “mãos”, pois as da capela-mor datam de 1587 e as da abóbada e das paredes da nave já dos alvores de seiscentos, revelando discrepâncias de estilo. Ao tempo, havia outros pintores atuantes na zona: conhece-se o nome de um ignoto pintor local, Roque Vieira, que em 1607 estava em Lamego, dado como oriundo de Torre de Moncorvo, sem obra que lhe possa ser tributada. Vimos que pouco se conhece sobre as autorias deste conjunto de pinturas, contudo, sabendo-se atualmente que o modo de produção da pintura mural desta época correspondia à existência de equipas, ou oficinas, que trabalhavam numa determinada região, em função das encomendas, é possível, se as houver, identificar as pinturas que constituirão o corpus de cada uma dessas oficinas. A itinerância de um e outro lado da fronteira é, a partir deste nosso estudo, um facto evidente. Já em 1619 um pintor de Salamanca, Francisco de la Fuente, é chamado a pintar «quatro historias» do retábulo da igreja mirandense de Palaçoulo, que desapareceram 27. E, mais recentemente, apurou-se a passagem por terras de Miranda, em 1616, de Alberto Barbolán, «pintor estrangeiro», encarregado de

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«limpar» pinturas necessitadas na Sé e igrejas da diocese, tarefa em que era especialista, pois acabara de cumprir com sucesso na Catedral de Zamora em 1615 o “restauro” das pinturas murais da Capela de Santo Ildefonso. Conclui-se que, mesmo com a fragilidade da informação documental, o que se sabe atesta uma regular presença de artistas de um e outro lado da fronteira, num intercâmbio que neste tempo (século XVI, início do XVII) era especialmente forte. Falta indagar, a partir das afinidades de estilo entre pinturas - um processo que aqui se inicia, caso do Mestre de Legoinha, por exemplo - quais os exemplos de itinerância que ainda se percebem, e Bragança

que só podem ser atestados pela análise técnica, formal e estilística das obras que nos chegaram. A identificação dessas coautorias é baseada num A4

método de comparação dos vários elementos, figurativos e decorativos, constituintes de cada pintura porque, de um modo geral, quando feitos A4

pelo mesmo pintor, tem a mesma expressão.

A24

Vimioso Macedo de Cavaleiros

Miranda do Douro

1

IP2

16 6

A4

Alfândega da Fé

2

17

9 4

Mogadouro

10

7

3 14

A24

5 IP2

15 8

Torre de Moncorvo

Freixo de Espada à Cinta Vila Nova de Foz Coa

N332

18

Oficina do Mestre de Fonte de Aldeia:

1

Capelas da Santíssima Trindade de Fonte de Aldeia

2

Santa Cruz de Vila Chã de Braciosa

3

Santo Cristo de Bemposta

4

Igreja de San Benito de Palazuelo de Sayago.

N221

12

IP2

13

N332

11

N221

Oficina do Mestre de Legoinha:

5

Capela de Santo Amaro de Legoinha

6

Ermitério Os Santos de Sendim/Picote

7

Ermida de Nuestra Señora de Fernandiel de Muga de Sayago

8

Igreja de Nuestra Señora del Rosario de Iruelos, Salamanca.

Oficina do Mestre de Picote:

A25

9 10

Igreja de Santo Cristo de Picote Ermida de Nuestra Señora de Fernadiel de Muga de Sayago.

Grupo de pinturas com decoração em comum: Mapa com a localização das pinturas comparadas (2020, ilustração de Joaquim Inácio Caetano©).

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11

Igreja de Santa Luzia de Sarzeda

12

Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Aldeia Nova

13

Igreja de São Tiago de Naves

14

Capela de Santa Luzia de Larinho

15

Capela Particular de Vale de Torno Vila Flor

16

Igreja de São Martinho de São Martinho do Peso

17

Igreja de Nuestra Señora de la Expectación de Badilla

18

Igreja de San Blas de Gejo de los Reyes


No que diz respeito a esta região onde, em trabalhos

anteriores, já tínhamos identificado três oficinas 28, cruzando agora os dados resultantes do conhecimento e observação de um conjunto de pinturas da comarca de Sayago da província de Zamora 29 e de um núcleo a noroeste da província de Salamanca 30 com os resultados dos estudos recentes, pudemos estabelecer, também, algumas relações de coautoria entre pinturas de um e de outro lado da fronteira.

Assim, consideramos existirem três conjuntos de pintu-

ras que serão o corpus de outras tantas oficinas. A que designámos por Oficina do Mestre de Fonte de Aldeia, é constituída pelas pinturas das Capelas da Santíssima Trindade de Fonte de Aldeia, de Santa Cruz de Vila Chã de Braciosa, de Santo Cristo de Bemposta e pelas pinturas situadas na parede da nave do lado do Evangelho e no arco triunfal do mesmo lado da Igreja de San Benito de Palazuelo de Sayago.

Em Fonte de Aldeia, onde o programa está de acordo

com a invocação do templo e organizado num retábulo fingido pintado Pormenor de pintura de Fonte de Aldeia (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

na parede fundeira, temos a representação do Padre Eterno no registo superior central, do lado esquerdo do observador a Ascensão de Cristo, rodeado por Nossa Senhora e pelos apóstolos e, do lado contrário, a Descida do Espírito Santo, em forma de pomba, sobre Nossa Senhora e os apóstolos. Nos restantes três conjuntos, podemos observar um ciclo narrativo da Paixão de Cristo. Nas duas capelas portuguesas as várias cenas estão organizadas em dois registos, exceto o Calvário na parede fundeira que tem a altura correspondente à dos dois registos (na pintura de Bemposta já não existe, terá sido destruída ou está debaixo de um novo reboco) e as outras cenas sem uma ordem lógica aparente. Em Palazuelo as várias cenas revestem o último tramo da parede norte e a parede do arco triunfal do mesmo lado, e estão organizadas em três registos, sendo os dois superiores correspondentes às cenas da Paixão de Cristo e o inferior reservado às composições referentes à infância de Cristo identificando-se a Anunciação e a Natividade (no arco triunfal, devido

Pormenor de pintura de Palazuelo (2017, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

ao mau estado de conservação não é possível identificar as cenas). E ste grupo de pinturas tem uma série de pormenores em comum, do ponto de vista formal e técnico, que nos permite considerá-las como o corpus desta oficina. A paleta cromática, muito pobre usando apenas o ocre, o vermelho e preto, o modo como as cenas são emolduradas com barras simples e o tratamento das figuras que denota um fraco domínio no desenho da anatomia, especialmente os rostos e as mãos que são iguais de pintura para pintura. Além disso, as composições que se repetem nas várias igrejas, seguem o mesmo modelo de organização das figuras e dos espaços. De outra oficina que designámos por Oficina do Mestre de Legoinha fazem parte as pinturas da capela-mor da Capela de Santo Amaro de Legoinha, do Ermitério Os Santos de Sendim/Picote, as pinturas do segundo tramo da nave, paredes norte e sul e arco triunfal, da Ermida de

Pormenor de pintura de Vila Chã de Braciosa (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Nuestra Señora de Fernandiel de Muga de Sayago, Zamora e da Igreja de Nuestra Señora del Rosario de Iruelos, Salamanca.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

53


Em Legoinha, o conjunto pictórico não corresponde a um ciclo narrativo onde as composições estejam relacionadas entre si, podendo observar-se, na parede do lado do Evangelho, São Brás (ou São Saturnino) e São Sebastião. Na parede fundeira, na sequência das figuras anteriormente referidas, podemos dizer que a pintura está organizada em três painéis. No da esquerda observam-se duas figuras de santos cuja identificação apresenta algumas dificuldades uma vez que se encontram fragmentadas. No entanto, o primeiro poderá ser São Pedro Gonçalves Telmo, pois tem como atributos uma caravela e uma vara que poderá ser um círio. A outra figura deste painel aparece nimbada, mas com uma grande lacuna na zona do rosto e sem qualquer atributo, não permitindo perceber se é uma figura masculina ou feminina. No painel central temos a Adoração dos Reis Magos, São Domingos e Santo António. No painel da direita da parede fundeira observam-se Santa Catarina com os atributos habituais e, por fim, Santa Luzia, que segura uma bandeja com os olhos. Por cima destas duas figuras a representação da Santa Face de Cristo, provável alusão ao casamento místico com Cristo destas duas virgens mártires. Na parede do lado da Epístola, temos uma única cena que, apesar de se perceber a representação de várias figuras, é de difícil identificação por se encontrar com grandes perdas. No Ermitério, onde podemos fazer a distinção de dois paramentos, temos na zona direita da face sul a Coroação de Nossa Senhora feita pela Santíssima Trindade, onde se identifica Deus Pai à sua direita, o Filho à sua esquerda, ambos a segurar a Coroa, e sobre esta a pomba do Espírito Santo, e na composição esquerda São Paulo Apóstolo. A face nascente é dividida, também, em duas composições com a representação da Conversação entre Santo Antão e São Paulo Ermita e, à esquerda desta, vestígios de um Calvário. Nas pinturas de Muga de Sayago observa-se, na parede norte, um Ciclo da Paixão organizado em dois registos, no arco triunfal do mesmo lado uma Santa Ana com a Virgem e o Menino e, do lado contrário em posição simétrica, uma figura de freira de hábito escuro (Santa Clara?) e na parede sul, organizado também em dois registos um friso de santos em cada um, com figuras masculinas no superior e femininas no inferior. Em Iruelos as pinturas encontram-se na parede fundeira da capela-mor e estão organizadas como um retábulo fingido com a Coroação e Assunção da Virgem em posição central, ladeada por duas composições de cada lado, em dois registos verticais, com outros temas Marianos - Anunciação, Natividade, Epifania e Fuga para o Egipto.

Representação de Nossa Senhora na pintura de Legoinha (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


No caso deste grupo de pinturas, apesar de as semelhanças não serem tão evidentes, uma observação atenta permite-nos encontrar elementos comuns aos vários conjuntos pictóricos. Assim, as várias representações de Nossa Senhora têm bastantes parecenças no tratamento do rosto, sempre de forma oval bastante pronunciada, nos seus cabelos que são longos e ondulados caindo pelos ombros, assim como, quando é representado com o Menino Jesus (Legoinha, Muga e Iruelos), estes também têm características comuns, como o desenho do rosto e do seu cabelo e a auréola cruciforme. Em comum, também, o tratamento dos rostos masculinos, sobretudo os que são barbados e representados com o cabelo branco onde, sobre uma base branca de cal, são desenhados a pincel, com uma cor pouco escura, os pelos da barba e do cabelo. Todas as figuras destas composições denotam, também, a dificuldade do pintor em dar expressão às mãos, que são desenhadas de um modo muito simples. Podemos acrescentar, como elemento comparativo, as vestes e o modo como são desenhadas as suas pregas. Cores planas, com predominância do ocre, em que os volumes e sombras são dados por traços castanhos escuros, sem meios tons. Existe, Representação de Nossa Senhora na pintura de Os Santos (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

também, outro elemento comum em dois dos conjuntos, e este mais singular, que reforça a ideia de coautoria entre este grupo de pinturas. Na ermida de Nuestra Señora de Fernandiel as cenas, nas duas paredes da nave, são separadas verticalmente por colunas. Do lado norte com uma altura correspondente aos dois registos e lado oposto com uma coluna por registo, colunas estas que são pintadas como se fossem feitas de uma rocha de conglomerados, uma brecha. Em Legoinha, na composição da parede sul da capela-mor, e porque a pintura não está completa, vê-se apenas, em segundo plano, um fragmento de uma coluna idêntica.

Representação de Nossa Senhora na pintura de Muga de Sayago (2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Representação de Nossa Senhora na pintura de Iruelos (2018, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

55


Igreja de Nossa Senhora da Ribeira, parede fundeira. Anunciação (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Pormenor do rosto de Nossa Senhora (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Revendo, recentemente, alguma documentação fotográfica de outras pinturas do distrito de Bragança, percebemos que existe outra pintura, na igreja de Nossa Senhora da Ribeira em Quintanilha, concelho de Bragança, representando uma Anunciação, que pode ser associada a este grupo e, com grande probabilidade, fazer parte do corpus desta oficina. Porque essa documentação já tem cerca de 20 anos e não foi feita como ferramenta para futuras comparações com outras pinturas e, também, porque existem pinturas sobrepostas e muita sujidade acumulada sobre a pintura, será preciso fazer uma nova análise no local para se confirmar esta hipótese que, no entanto, cremos estar certa. O tipo de rosto de Nossa Senhora - o seu formato, a expressão e os longos cabelos ondulados caindo sobre os ombros - é em tudo semelhante aos outros nas pinturas que acabámos de enumerar como fazendo parte do corpus da oficina do Mestre de Legoinha. Além disso, existem elementos decorativos idênticos a outros nas pinturas de Iruelos e de Muga de Sayago, como a barra que remata os baldaquinos e divide as composições e, também, uma decoração de elementos vegetalistas de enrolamentos. O último conjunto, que será o corpus da Oficina do Mestre de Picote, é constituído pelas pinturas das paredes laterais das capelas-mor da Igreja de Santo Cristo de Picote e da Ermida de Nuestra Señora de Fernadiel de Muga de Sayago.

56

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Elementos decorativos nas pinturas das igrejas de Iruelos e de Muga de Sayago, respetivamente (2018-2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Em Picote, o que podemos observar é a área de pintura remanescente do conjunto que revestiria a totalidade das paredes laterais, tendo-se conservado a que ficou escondida por detrás do retábulo-mor e destruída a que ficava à sua frente. Identifica-se, em cada uma das paredes, a figura de um apóstolo, sendo o do lado do Evangelho São Tiago Menor e na parede oposta São Filipe, situação que nos leva a pensar que, nestas paredes, estaria representado um apostolado. Estas figuras estão inseridas num espaço rematado superiormente por uma vieira e, lateralmente, por colunas de onde arranca cada extremo da vieira. Cada figura é, também, acompanhada por uma filactera com inscrição, neste caso, alusiva a artigos do Credo. Em Muga de Sayago, ao longo das duas paredes laterais da capela-mor, estão representados, em dois registos, Patriarcas, Reis do Antigo Testamento, Evangelistas, Profetas maiores e menores 31, em composições em tudo idênticas às de Picote, repetindo-se os mesmos elementos associados às figuras - vieiras, colunas e filacteras -, sendo também igual a paleta cromática.

Elementos decorativos na pintura da igreja de Quintanilha (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

57


Se em relação ao conjunto anteriormente referido, que definimos como do Mestre de Legoinha, poderão não ser tão evidentes alguns elementos apontados como comuns, este é daqueles casos em que não Pormenor da pintura de Picote (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Pormenor da pintura de Muga de Sayago (2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

subsistem

quaisquer

dúvidas

quanto à coautoria das duas pinturas, pois são vários os elementos semelhantes entre elas,

como o mesmo tipo de tratamento das carnações e das vestes, a paleta cromática e os elementos associados à representação figurativa - colunas, vieiras e filacteras. Existe ainda outro grupo de pinturas que não podemos considerar como sendo o corpus de uma oficina, uma vez que as suas composições figurativas não têm quaisquer afinidades entre si tendo, no entanto, elementos decorativos em comum, que vamos encontrar nos seguintes templos: Igreja de Santa Luzia de Sarzeda, Sernancelhe, Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Aldeia Nova, Trancoso, Igreja de São Tiago de Naves, Almeida, Capela de Santa Luzia de Larinho, Torre de Moncorvo, Capela Particular de Vale de Torno Vila Flor, Igreja de São Martinho de São Martinho do Peso, Mogadouro, Igreja de Nuestra Señora de la Expectación de Badilla, Zamora e Igreja de San Blas de Gejo de los Reyes, Salamanca. Pomos a hipótese de que estas decorações sejam feitas pelo mesmo pintor, que se terá especializado na componente decorativa dos conjuntos pictóricos e que seria incorporado na equipa para esta tarefa específica. No caso presente, trata-se de decorações vegetalistas estilizadas organizadas em barras, com fundos de diferentes cores, com uma expressão sinusoidal e com ramificações e enrolamentos em vários pontos. A especificidade destas decorações está na expressão das “folhas” que estão ligadas a estes ramos, percebendo-se que a sua execução corresponde a uma pincelada rápida e espontânea, comum em todas as pinturas e impossível de copiar.

58

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


A reforçar esta ideia, de que se trata da mesma “mão” a executá-las, existe em quatro pinturas deste grupo outra decoração associada, que é constituída por uma barra onde corre uma linha ondulante que separa duas meias flores que alternam ao longo da barra. São conhecidas outras oficinas, com atividade apenas em território português, cuja área geográfica ultrapassa o nordeste transmontano e, porque já foram anteriormente dadas a conhecer 32, indicaremos apenas alguns elementos decorativos comuns às várias pinturas dos seus corpus. Oficina do Mestre de São Martinho do Peso, da qual fazem parte as pinturas das Igrejas de São Martinho de São Martinho do Peso, São Tiago de Alfaiates, Sabugal e de uma das campanhas de Nossa Senhora da Fresta de Trancoso.

1

6

2

3

4

5

7

8

Pormenores de decorações vegetalistas. Igreja de Santa Luzia de Sarzeda (2), Igreja de Aldeia Nova (7), Igreja de S. Tiago (4), Capela de Santa Luzia de Larinho (3), Capela de Vale de Torno (8), Igreja de S. Martinho (5), Badilla (1) e Gejo de los Reyes (6) (2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

59


Oficina do Mestre de Adeganha constituída pelas pinturas das Igrejas de São Tiago de Adeganha (1), São Pedro de Marialva, Meda (2), pinturas de uma das campanhas, distinta da anteriormente referida, de Nossa Senhora da Fresta de Trancoso (3) e de uma das campanhas de São Miguel de Ifanes (4).

1

4

2

4

Elemento decorativo executado com estampilha na igreja de São Martinho do Peso (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

1

2

3

Elemento decorativo executado com estampilha na igreja de Alfaiates (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

1

Pormenores decorativos executados com estampilha das igrejas de Adeganha (1), Marialva (2), Trancoso (3) e Ifanes (4) (2008-2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©). Elemento decorativo executado com estampilha na igreja de Trancoso (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

60

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

3

2


Pormenores das pinturas das igrejas de Malhadas e de Duas Igrejas, respetivamente (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

E xistem outras duas oficinas cujo corpus, conhecido até agora, é constituído por pinturas que se localizam no território que estamos a estudar. Uma delas é a oficina do Mestre de Malhadas, já referenciada em estudos anteriores 33, constituída pelas pinturas das Igrejas de Nossa Senhora da Expectação de Malhadas e de Santa Eufêmia de Duas Igrejas, que têm em comum barras decorativas de tecidos fingidos. Por fim, a última oficina conhecida é, ainda, uma proposta de estudo, pois uma das pinturas que fará parte do seu corpus, na Igreja de Santo Cristo de Castro Vicente, só recentemente se tornou visível na sua totalidade, devido à desmontagem do retábulo que a escondia, e encontra-se ainda parcialmente coberta com camadas de cal e com um espesso depósito de poeiras. No entanto, aquilo que já se pode observar, leva-nos a associá-la, em termos de autoria, às pinturas da nave da Igreja de Nossa Senhora da Teixeira. A cabeça de uma das figuras do grupo de apóstolos na cena do Pentecostes é semelhante à cabeça do ermitão representado em Sequeiros.

Semelhanças

idênticas

existem entre a Nossa Senhora de Castro Vicente e as representadas em Sequeiros - o tipo de rosto e as cores e tratamento das vestes. Além destas semelhanças, as colunas e entablamento do retábulo fingido de Castro Vicente são idênticas aos elementos Pormenores da pintura de Castro Vicente à esquerda e de Sequeiros à direita (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

separadores das várias composições de Sequeiros.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

61


NOTAS

15 “Esta coroa te ofereço/pois a quiseste ganhar/aos que não tiverem vista/tu lha podes dar”.

1

O retábulo foi recentemente desmontado para ser restaurado e aguar-

16 AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico

da-se também o início do restauro das pinturas.

Internacional e o fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. 2

2

Volumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

O retábulo foi recentemente desmontado para ser restaurado e aguar-

da-se também o início do restauro das pinturas.

17 MOURINHO (Júnior), António Rodrigues - A Arquitectura Religiosa na

3

Antiga Diocese de Miranda do Douro (Bragança). 1545-1800. Sendim: Câ-

“espadana”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha],

20082020,

mara Municipal de Miranda do Douro, 1995.

https://dicionario.priberam.org/espadana [consultado em 16-07-2020].

18 SERRÃO, Vitor - André de Padilha e a pintura quinhentista entre o Minho e a Galiza. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. SERRÃO, Vitor - Entre a Maniera italiana e a tradição grão-vasquina: dinâmicas da pintura nas Beiras e no Nordeste português, circa 1560-1630. In CARVALHO, J. A. S.; CAETANO, J. O. (coords.) - Além de Grão Vasco. Do

4

1. Objeto que tem forma de espada.

Douro ao Mondego: a Pintura entre o Renascimento e a Contra-Reforma.

2. Chama delgada que sobe alto; língua de fogo.

Viseu: Museu Grão Vasco, 2016. pp. 72-97.

3. Barbatana de peixe.

19 SANTOS, Reynaldo dos - O tríptico de Murça do pintor Pedro de França.

4. Cauda de cometa.

Belas-Artes. Lisboa. 5 (1940) 74-78.

5. Jorro de líquido mais largo que grosso, que sai com força.

20 AFONSO, Belarmino - Pinturas Murais em Capelas do Distrito de Bra-

Depois de termos referido a equivalência entre os termos técnicos

gança. Brigantia. Bragança. 5: 1 (1985) 211-218.

portugueses e italianos - porque é importante fazer esta correspondência

21 SERRÃO, Vitor - André de Padilha e a pintura quinhentista entre o

uma vez que grande parte da literatura portuguesa e estrangeira sobre o

Minho e a Galiza. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.

assunto, quer do ponto de vista da abordagem da História da Arte quer da

SERRÃO, Vitor - Entre a Maniera italiana e a tradição grão-vasquina: dinâ-

Conservação e Restauro da pintura mural e da sua técnica, usam os termos

micas da pintura nas Beiras e no Nordeste português, circa 1560-1630. In

italianos - passaremos a usar as designações portuguesas quando houver

CARVALHO, J. A. S.; CAETANO, J. O. (coords.) - Além de Grão Vasco. Do

equivalentes.

Douro ao Mondego: a Pintura entre o Renascimento e a Contra-Reforma.

5

Este termo não tem equivalente em português.

Viseu: Museu Grão Vasco, 2016. pp. 72-97.

6

Linhas de união das várias jornadas.

22 FIZ FUERTES, Irune - Pintura sobre Tabla en el Siglo XVI en la Antigua

7

Giotto da Bondone (1266-1337), pintor italiano nascido perto de

Dióceses de Zamora. Valladolid: Universidad de Valladolid, 2009. Disserta-

Florença.

ção de Doutoramento em História da Arte (policopiado).

8

Termo relacionado com “ponteggio” que significa andaime.

23 CAVALHEIRO, Eugénio - Os Frescos da Srª da Teixeira. Mirandela: João

9

CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural

Azevedo Editor, 2000.

nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001.

SERRÃO, Vitor - Entre a Maniera italiana e a tradição grão-vasquina: dinâ-

10 CRAVO, António - A Cal. Cadernos Terras Quentes. Macedo de Cava-

micas da pintura nas Beiras e no Nordeste português, circa 1560-1630. In

leiros. 3 (2006) 95-100.

CARVALHO, J. A. S.; CAETANO, J. O. (coords.) - Além de Grão Vasco. Do

11 PÉREZ MARTÍN, Sergio - Pintura mural del siglo XVI en la Provincia de

Douro ao Mondego: a Pintura entre o Renascimento e a Contra-Reforma.

Salamanca - Foco Noroeste. Valladolid: Junta de Castilla y León, 2019.

Viseu: Museu Grão Vasco, 2016. pp. 72-97.

12 DIAS, Pedro - Visitações da Ordem de Cristo de 1507 a 1510 - Aspec-

24 Biblioteca Nacional de Portugal, Reservados, MS 22: Descripção das

tos artísticos. Coimbra: Instituto de História de Arte/Faculdade de Letras da

Villa de Freixo de Espada à Cinta e cousas notaveis della e seu destric-

Universidade de Coimbra, 1979.

to, 1721, fls. 128-131 (SERRÃO, Vitor - Entre a Maniera italiana e a tradi-

13 ROSAS, Lúcia Maria Cardoso - A representação de São Cristóvão na

ção grão-vasquina: dinâmicas da pintura nas Beiras e no Nordeste portu-

pintura mural portuguesa dos finais da Idade Média. Crença e magia. In OLI-

guês, circa 1560-1630. In CARVALHO, J. A. S.; CAETANO, J. O. (coords.)

VEIRA, V. O.; MACEDO, J. M. (coords.) - Crenças, Religiões e Poderes. Dos

- Além de Grão Vasco. Do Douro ao Mondego: a Pintura entre o Renasci-

Indivíduos às Sociabilidades. Porto: Afrontamento, 2008. pp. 365-373.

mento e a Contra-Reforma. Viseu: Museu Grão Vasco, 2016. pp. 72-97).

14 BESSA, Paula - Pintura mural do fim da Idade Média e do início da Ida-

25 GONÇALVES, Flávio - Breve ensaio sobre a Iconografia da pintura reli-

de Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da

giosa em Portugal. Belas Artes. Lisboa. 27. Separata (1972).

Universidade do Minho, 2007. Dissertação de Doutoramento em História

26 SERRÃO, Vitor - Entre a Maniera italiana e a tradição grão-vasquina:

(policopiado), 3 Volumes.

dinâmicas da pintura nas Beiras e no Nordeste português, circa 1560-1630.

(Disponível em WWW: <URL: http://repositorium.sdum.uminho.pt/

In CARVALHO, J. A. S.; CAETANO, J. O. (coords.) - Além de Grão Vasco. Do

hand-le/1822/8305)

Douro ao Mondego: a Pintura entre o Renascimento e a Contra-Reforma. Viseu: Museu Grão Vasco, 2016. pp. 72-97. 27 MONTANER LÓPEZ, Emilia - La pintura barroca en Salamanca. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1987. 28 CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001.

62

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


29 GONZÁLEZ OBESO, Ana; CURA SANCHO, Raquel del - Estudio y documentación de conjuntos de pinturas murales en la comarca de Sayago (Zamora). Valladolid: Junta de Castilla y León, 2012. 30 PÉREZ MARTÍN, Sergio - Pintura mural del siglo XVI en la Provincia de Salamanca - Foco Noroeste. Valladolid: Junta de Castilla y León, 2019. 31 RIVERA DE LAS HERAS, José Angel - La ermita de Nuestra Señora de Fernandiel de Muga de Sayago (Zamora). Anuário del Instituto de Estudios Zamoranos Florian de Ocampo. Zamora. (1988) 153-180. GONZÁLEZ OBESO, Ana; CURA SANCHO, Raquel del - Estudio y documentación de conjuntos de pinturas murales en la comarca de Sayago (Zamora). Valladolid: Junta de Castilla y León, 2012. 32 CAETANO, Joaquim Inácio - Motivos decorativos de estampilha na pintura a fresco dos séculos XV e XVI no Norte de Portugal. Relações entre pintura mural e de cavalete. Lisboa: Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011. Dissertação de Doutoramento em História (policopiado), 2 Volumes. (disponível em WWW: <URL: http://repositorio.ul.pt/ handle/10451/2829>)

33 CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001. CAETANO, Joaquim Inácio - Motivos decorativos de estampilha na pintura a fresco dos séculos XV e XVI no Norte de Portugal. Relações entre pintura mural e de cavalete. Lisboa: Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011. Dissertação de Doutoramento em História (policopiado), 2 Volumes. (disponível em WWW: <URL: http://repositorio.ul.pt/ handle/10451/2829>)

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

63


A3

A28

IC28

A27

N103

N103

A3

A24

N103

A7

A11

A11

A7 A24

10

A7 A28

A3

A4

A11

A4

Porto

A24 A1

A1

A24

A25 A25


N103

A4

A4

IP2

A4

IP2

Torre de Moncorvo

N332 N221

IP2

N332 N221

A25

ROTEIRO


A escolha destes 17 conjuntos de pintura mural, que correspondem a metade dos inventariados nos quatro concelhos aqui em foco (Miranda do Douro, Mo-

C28

Ponte da Barca

gadouro, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo), foi feita para, de certo modo, ilustrar as diferenças existentes entre as várias pinturas sob vários aspetos.

Desde os conjuntos onde se pode constatar que se trata de um pintor de fracos

recursos, onde não há o domínio das noções de perspetiva e das formas anatómicas, como em Fonte de Aldeia, até aquelesN103 onde se percebe que é um artista experiente e conhecedor dos cânones da boa pintura, como podemos observar nas paredes

A24

laterais da capela-mor de Picote ou na parede fundeira da igreja de São Martinho do Peso. Procurámos, também, exemplos onde se percebe a diferença entre os vários tipos de encomenda, feita pelo clero, como em Picote onde temos um retábulo finN103

Braga

gido dedicado ao orago, São João Batista, ou pelas confrarias, irmandades e devotos individualmente, em que são encomendadas representações dos respetivos patronos ou dos santos de devoção própria, nos quais os santos “milagreiros” têm um peso

A11

importante.

A7

Infelizmente, deste grupo, apenas em cinco locais as pinturas se podem apreciar A7

na sua verdadeira expressão devido a terem sido alvo de intervenções de restauro

Guimarães

recentes (Fonte de Aldeia, Picote, Os Santos, Legoinha e Adeganha). Três encontram-se ainda por detrás dos retábulos que as esconderam até hoje (Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia, São Martinho do Peso e Sendim da Ribeira) e as restantes estão 10

visíveis, mas a precisar de intervenção.

A4

Isto significa que, apesar deste estudo pretender ser um instrumento para a

divulgação deste tipo de património, não resolve as questões da salvaguarda física destes espécimes. Seria ótimo que a partir dele as pinturas murais nordestinas passassem Lousadaa ter mais notoriedade e reconhecimento do seu valor e importância no A11cultural português. Para isso é preciso, A4 panorama do património igualmente, que a

vontade e disponibilidade financeira de instituições e particulares aconteça, para que

A24

estas pinturas possam ser resgatadas do esquecimento a que têm sido votadas. A4

Marco de Canaveses

o Concelho de Miranda do Douro 1

Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia

11

Legoinha - Ermida de Santo Amaro

2

Duas Igrejas - Igreja de Nossa Senhora do Monte

12

Sendim da Ribeira - Capela do Divino Senhor dos Milagres

3

Fonte de Aldeia - Capela da Santíssima Trindade

13

Valpereiro - Ermida de São Geraldo

4

Malhadas - Igreja de Nossa Senhora da Expectação

5

Picote - Capela de Santo Cristo dos Carrascos

6

Sendim-Picote - Ermitério Os Santos

7

Teixeira - Igreja de São Bartolomeu

Concelho de Mogadouro

66

Concelho de Alfândega da Fé

8

Azinhoso - Igreja de Santa Maria / Nossa Senhora da Natividade

9

Castro Vicente - Capela de Santo Cristo

10

São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I A25

Concelho de Torre de Moncorvo 14

Adeganha - Igreja de São Tiago

15

Larinho - Capela de Santa Luzia

16

Peredo dos Castelhanos - Igreja de São Julião

17

Sequeiros - Igreja de Nossa Senhora da Teixeira


Bragança A4

A4

Vimioso 4

Macedo de Cavaleiros

Miranda do Douro 1

IP2

7

3

10 6 13

9

Alfândega da Fé 12

2

5

8

Mogadouro 11

14

15

IP2

Torre de Moncorvo 17

Vila Nova de Foz Coa

Freixo de Espada à Cinta

16

N332 N221

IP2

N332 N221

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

67


Parede norte da capela-mor. Composição que junta as cenas do Anúncio aos pastores e Natividade. (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

1 Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia Miranda do Douro

GPS 41.473636, -6.356554

de telheiro cujo teto é suportado por colunas redondas de cor ver-

Do lado direito a Natividade onde a cena se passa numa espécie

melha, vendo-se no seu interior, em segundo plano, o burro e a vaca e em primeiro plano a Virgem do lado esquerdo com túnica vermelha e capa azul e, à sua frente, São José ajoelhado, com túnica escura e capa vermelha e, entre eles, o Menino Jesus. Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Construído, possivelmente, no início do século XVI, está locali-

zado no limite norte da povoação e com orientação nascente-poente. Igreja de nave única e capela-mor mais alta com o arco de passagem de volta perfeita. Fachada simples com espadana, campanário de dois sinos e portal com arco de volta perfeita. Na parede sul o portal lateral é protegido por um pequeno alpendre assente em duas colunas. Enquanto que a parede sul tem um aparelho de silharia de granito à vista, a parede norte é de alvenaria rebocada.

PINTURAS MURAIS

Datáveis do segundo quartel do século XVI, situam-se nas pare-

des laterais e fundeira da capela-mor (atrás do retábulo) e na parede norte da nave.

Nas paredes laterais da capela-mor a pintura que chegou até

aos nossos dias (as duas paredes deviam estar totalmente revesti-

das), está organizada em dois registos.

mente ao estábulo, estão outros anjos, um deles tocando trombeta

Na parede norte, no registo superior, pode observar-se uma

cena relacionada com a Infância de Cristo numa composição com dupla representação.

No lado direito da composição, em posição simétrica relativa-

a anunciar a Boa Nova. Completam a cena dois pastores, vindo do lado esquerdo, caminhando em direção ao telheiro. Esta composição é rematada de cada um dos lados por pinturas decorativas. Do lado esquerdo, elementos vegetalistas de cor ocre e desenho a vermelho

Do lado esquerdo do observador pode ver-se o Anúncio aos

sobre fundo claro e, do lado contrário, a composição é obtida por

Pastores, com um pastor em segundo plano a olhar para os anjos que

circunferências secantes definindo um quadrifólio vermelho sobre

aparecem por detrás das nuvens portando uma filactera com uma

fundo ocre com uma pequena flor no meio de cada círculo, seme-

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Anúncio aos pastores (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

legenda onde se lê «GLA IN EXCLS (...) EO», isto é, “Gloria in Excelsis

lhante à decoração existente na pintura da Igreja de Nossa Senhora

(...) [D]eo”.

da Expectação de Malhadas.

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Parede norte da capela-mor, atrás do retábulo. Santa Luzia e decoração de grotescos (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na parede sul da capela-mor, as pinturas que ainda se conserNatividade (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

vam têm uma área menor e estão em pior estado de conservação devido à abertura de uma janela1 em 1724. No registo superior, apesar da difícil leitura, consegue identificar-se a cena da Expulsão

No registo inferior, um friso com a figuração de vários apósto-

do Paraíso que, à semelhança do que acontece na parede oposta, é

los representados a meio corpo e inseridos numa espécie de nichos

rematada, do lado da parede fundeira, por uma decoração idêntica à

divididos entre si por colunas redondas. Já não se consegue ler a

anteriormente descrita.

totalidade do conjunto devido ao mau estado de conservação da pintura. Começando pela esquerda do observador estará São Simão, que apesar de não ter o seu habitual atributo, uma serra com a qual foi cortado, está identificado com a legenda «(I)MON». Ao seu lado está Santo André identificado pela legenda «ANDREAS» e pela representação do seu atributo, uma cruz em aspas. A seguir São Bartolomeu que, tendo perdido o seu atributo, uma grande faca com que foi esfolado, se identifica pela legenda «BARTOLOMEU(S)». O último deste conjunto, que está parcialmente encoberto pelo retábulo é São Tomé, identificável apenas pela legenda «SA.TAMA(S)».

Parede sul da capela-mor. Expulsão do Paraíso (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na composição figurativa vê-se, à esquerda, uma espécie de

muralha perto da qual um anjo, de túnica azul com uma banda em X sobre o peito, que, pela sua pose e atitude, deveria empunhar uma Parede norte da capela-mor. Apóstolos (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

espada, que agora não se vê. À direita deste, e em primeiro plano, vêem-se dois pares de pernas nuas. Já não existindo o resto do corpo destas duas figuras, que estariam despidas e porque caminham

A pintura prolonga-se nesta parede para trás do retábulo, po-

no sentido contrário ao das muralhas, tendo uma delas uma folha a

dendo observar-se, na continuação deste registo, Santa Luzia com a

tapar a púbis, será, portanto, a cena referida anteriormente. Neste

inscrição «SA(N)TA LUSIA» e com o habitual atributo, a bandeja com

contexto, o anjo deverá ser São Miguel.

os olhos. Veste uma túnica amarela e capa, originalmente vermelha,

mas que hoje apresenta um tom rosado devido à perda da camada

só existindo duas figuras, identificáveis pela legenda e pelo atributo

pictórica. A composição decorativa referida anteriormente continua

de um deles. Junto ao arco triunfal, São Matias, identificado ape-

nesta zona da parede até à altura deste registo e, abaixo dele, exis-

nas pela legenda «MATIAS» já que o objeto que segura é de difícil

te uma banda de grotescos de fundo vermelho e ocre e elementos

identificação e, na continuação, São Tiago, que empunha um bordão

vegetalistas em tons cinza vendo-se, igualmente, uma figura que dis-

de peregrino ao qual está presa uma vieira identificado pela legenda

para uma seta em direção ao que parece ser um escudo.

«IACOBUS».

No registo inferior continua a representação do apostolado, já

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Parede sul da capela-mor. Apóstolos (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Continuando na mesma parede, agora por detrás do retábulo,

Parede fundeira, lado do Evangelho. Anunciação (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

pois o que se consegue identificar, «SA(L)VE OSA(...) ELIS», corres-

em posição simétrica com Santa Luzia, vê-se uma figura, que não

ponde à saudação evangélica.

deve ser um apóstolo. A sua identificação é impossível, apesar de

ter como atributo uma alabarda, já que a legenda que o identifica,

ção que não parece estar relacionada com a identificação de figuras,

«SUDEANTIM», com o “A” e o “N” no mesmo carácter, não nos reme-

mas a uma frase cujo sentido não é percetível, podendo ler-se «(...)

te para qualquer apóstolo (São Judas Tadeu e São Mateus) que tem

ESTEMU O ES E (...). A cena do registo superior não se consegue

este objeto como atributo2. Uma vez mais, acima deste registo, a

identificar.

mesma decoração de quadrifólios.

Acima desta cena, dividindo os dois registos, existe uma inscri-

Do lado sul desta parede vê-se, no registo inferior, uma figura

feminina que não se consegue identificar. A figura segura um livro com a mão esquerda e estende a mão direita para a frente, havendo entre este registo e o superior uma legenda onde se lê «ADAM (...) TENE» que poderá estar relacionada com o ciclo da Criação devido à referência a Adão3.

Parede sul da capela-mor, atrás do retábulo. Figura não identificada (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Parede fundeira, lado da Epístola. Cena não identificada (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

Relativamente à parede fundeira, a leitura é muito mais difícil

por se encontrar por detrás do retábulo, sendo o espaço de observa-

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ção muito reduzido e porque está parcialmente caiada.

tral desta parede, não se consegue ver a composição, que poderá ser

No entanto, do lado de Evangelho consegue identificar-se, no

Porque o trono do retábulo se encontra encostado à parte cen-

registo inferior, uma Anunciação. Vê-se a figura de um anjo com uma

a representação do orago, Santa Eufêmia.

filactera e uma figura feminina sentada em frente de uma mesa. A

legenda da filactera confirma que se trata da representação referida,

norte. Um deles tem apenas uma barra decorativa de entrelaçados,

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

Na nave, apenas existem dois pequenos fragmentos na parede


executada com estampilha, que seria a moldura de uma composição, pois acima vê-se a representação de alguns tufos de ervas que corresponderiam ao solo da cena representada. No outro fragmento, à sua direita, vê-se um anjo que transporta uma figura humana desnudada e, no plano inferior, uma série de figuras também nuas. Esta representação deverá corresponder ao resgate das almas que deveria integrar-se numa cena da representação do Purgatório ou do Juízo Final.

Fragmentos na parede norte da nave. Juízo final (?) e barra decorativa (2020, fotografia de Paulo Bastos©, fotografia do autor).

Este conjunto de pinturas da capela-mor, conjuntamente com

as pinturas da nave da Igreja da Nossa Senhora da Expectação de Malhadas fazem parte do corpus da Oficina do Mestre de Malhadas4

Estas pinturas apresentam muitos danos resultantes de alte-

rações do edifício, como os existentes na parede sul da capela-mor devido à abertura de uma janela e, também, devido à presença de argamassas de cimento, como se pode observar nas paredes laterais da mesma capela-mor. De referir, também, o desgaste generalizado da película cromática e a existência de um depósito de sujidade. Na parede fundeira, existe uma grande área coberta por camadas de cal.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Parede norte da capela-mor. Calvário (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

2 Duas Igrejas - Igreja de Nossa Senhora do Monte Miranda do Douro GPS 41.469000, -6.350424

Parede norte da capela-mor. Calvário (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Construído, possivelmente, no primeiro quartel do século XVI,

situa-se em ambiente rural, com um grande terreiro envolvente, distante da povoação cerca de mil metros e com orientação nascente-poente. Igreja de nave única de cinco tramos divididos por arcos diafragma apontados e capela-mor mais alta com o arco de passagem de volta perfeita. O exterior é contrafortado, correspondendo estes elementos aos arcos diafragma, havendo mais um em cada cunhal da capela-mor. Fachada simples de aparelho de silhares de granito, com espadana e campanário de dois sinos, sendo as paredes

Pormenor do Calvário. Soldados (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

laterais e cabeceira de alvenaria rebocada.

PINTURAS MURAIS

As pinturas localizam-se na parede norte da capela-mor, um

Calvário, datável de meados do século XVI e, no arranque do terceiro e quarto arco diafragma do lado norte, uma figura de santa em cada um, provavelmente do segundo quartel do mesmo século.

Na composição do Calvário, que ocupa cerca de metade da área

da parede norte da capela-mor, pode observar-se, além da figura de Cristo na Cruz, os dois ladrões que o ladeiam e os soldados em primeiro plano. Tendo em conta o esquema compositivo, a noção de perspetiva, os escorços, o tipo de indumentária dos soldados e a qualidade do desenho preparatório, esta pintura terá como fonte iconográfica alguma gravura alemã da primeira metade do século XVI. Pormenores do Calvário. Cristo e o ladrão à sua direita (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Sob o ponto de vista da sua técnica de execução, não se trata

de um fresco no sentido clássico. O desenho preparatório foi executado sobre um barramento de cal e, provavelmente, fixado no processo de carbonatação deste barramento, enquanto que a cor foi aplicada a seco. Isto explicará o facto de existir tão pouca camada pictórica. Vêem-se alguns vestígios de cor na cruz e corpo de um dos ladrões, de tom avermelhado e, no segundo plano desta figura, vestígios de azul. No canto inferior esquerdo observam-se, igualmente, vestígios desta cor. O desgaste da pintura e o depósito de poeiras acumulado sobre a superfície não permite uma análise mais detalhada da composição.

Na nave, no arranque do terceiro arco do lado do Evangelho,

está representada a figura de Santa Luzia, com a figuração clássica segurando um prato com os olhos e, devido à perda da película cromática, é possível ver em algumas zonas o desenho preparatório a vermelho. No arco seguinte temos a representação de outra santa, impossível de identificar, uma vez que devido à perda da película cromática não são visíveis quaisquer atributos.

Parede norte da nave. Santa Luzia e santa não identificada (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

A pintura da capela-mor apresenta desgaste da camada pictó-

rica e fragilidade da camada superficial e um espesso depósito de poeiras e as duas figuras da nave estão bastante desgastadas.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Pai, rodeado por vários serafins, com o orbe na sua mão esquerda, enquanto que com a direita faz um gesto de bênção. As cenas são separadas por colunas, pretensamente jónicas, que suportam um entablamento que faz a separação dos registos.

3 Fonte de Aldeia - Capela da Santíssima Trindade Miranda do Douro GPS 41.428060, -6.406822

Parede fundeira da capela-mor. Retábulo fingido (2020, fotografia de Paulo Bastos©). Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Construído no século XV, é constituído por nave única e capela-

-mor mais baixa e mais estreita. A fachada tem a configuração típica da arquitetura tardo românica desta região, com espadana e campanário simples. Por cima do portal, com arco de volta perfeita, existe uma espécie de púlpito, de construção recente e em metal. A nave é contrafortada a meio de cada uma das paredes e a capela-mor tem

Pormenor. Deus Pai (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

uma abóbada de canhão em pedra, com dois arcos que arrancam de mísulas simples e uma nervura longitudinal. O edifício apresenta aparelho de cantaria de granito, estando as paredes laterais parcialmente rebocadas. A igreja, com orientação nascente-poente, está implantada em meio rural na clareira de uma mata de carvalhos, a cerca 2500 m da povoação.

PINTURAS MURAIS

Datável da segunda metade do século XVI, a pintura encontra-

-se na parede fundeira da capela-mor, com uma forma geométrica resultante da junção de um retângulo com um semicírculo. É um conjunto constituído por três cenas organizadas como se fosse um retábulo com um só registo e ático. O tema está diretamente relacionado com a invocação da capela - Santíssima Trindade - estando

Pormenores. Ascensão de Cristo e Descida do Espírito Santo (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

pintados, do lado do Evangelho, a Ascensão de Cristo com Nossa Senhora e os apóstolos a seus pés e, do lado da Epístola, o Pentecostes

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representado sob a forma da Descida do Espírito Santo, em forma de

pomba, sobre Nossa Senhora e os apóstolos. A zona central, com

tratamento volumétrico das figuras é dado apenas pelo desenho,

uma área menor, não tem qualquer figuração. No ático vemos Deus

com desproporção anatómica e sem domínio da perspetiva, sendo

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

Trata-se de uma oficina de fracos recursos estilísticos, onde o


este facto evidente na cena do Pentecostes onde o pavimento de mosaicos é representado por uma quadrícula retilínea.

Na cena da Ascensão de Cristo, este paira sobre uma espécie

de monte de forma oval, com uma túnica vermelha pelas costas entrando no céu por uma abertura definida por um círculo de nuvens. Os apóstolos e a Virgem, em primeiro plano, rodeiam o monte, de mãos postas em atitude de oração. Na representação do Pentecostes, Nossa Senhora ocupa o lugar central da composição, sentado num banco, com um grupo de apóstolos de cada lado, sobre os quais desce a pomba do Espírito Santo. No primeiro plano está representado um vaso relacionado com os atributos da Virgem, mas ao qual faltam as flores.

A zona central sem qualquer representação faz-nos supor que

este espaço estaria reservado a uma imagem de vulto, situação não muito frequente. Na Igreja de Santa Ana da mesma aldeia existe uma pequena escultura de madeira policromada, que se encontra muito repintada, representando Deus Pai e tendo a seus pés, numa escala menor, Nossa Senhora com o Menino ao colo e que poderá ser a escultura que falta na capela da Santíssima Trindade. Esta representação é muito rara e, possivelmente, representaria a Santíssima Trindade faltando-lhe, no entanto, e como é comum, a representação de Cristo crucificado com a pomba do Espírito Santo sobre a cruz (a posição dos braços e mãos de Deus Pai poderão indicar que este elemento existiu e se perdeu, por um lado, mas olhando com atenção, a posição de Nossa Senhora não deixa espaço para a sua colocação). A outra diferença é que, nas representações mais comums, Deus Pai é representado sentado num trono, enquanto que aqui se encontra de pé. De qualquer modo, se a colocarmos em frente da pintura, a sua escala está perfeitamente de acordo com a área sem figuração.

Pintura com a imagem de vulto, da igreja de Santa Ana de Fonte de Aldeia, colocada em frente da área sem pintura (2015, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Estas pinturas fazem parte do corpus de uma oficina que desig-

námos por Oficina do Mestre de Fonte de Aldeia.

Este conjunto foi alvo de uma intervenção de conservação e

restauro em maio de 2015.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Ao centro da composição vemos uma figura que, apesar das pa-

recenças com a representação de Deus-Pai, é Cristo como Juiz num trono com um aro de luz ocre e vermelho com os braços levantados e palmas das mãos viradas para o observador, com um manto preso junto ao pescoço com um firmal. Outra particularidade desta figura é apresentar uma tiara papal e ter cabelo e barba grisalhos, transformando-a em Cristo-Deus que preside a este Juízo Final.

4 Malhadas - Igreja de Nossa Senhora da Expectação Miranda do Douro GPS 41.543245, -6.326374

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Construído na segunda metade do século XIV, situa-se no limite

norte da povoação com orientação nascente-poente. É um templo de nave única com três arcos diafragma apontados. No exterior observam-se dois contrafortes de cada lado, tendo estas paredes o aparelho rebocado. A fachada de cantaria à vista, com o portal axial

Parede norte da nave. Juízo final (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

de arco apontado e arquivoltas decoradas, termina em espadana com campanário de dois sinos. O portal lateral com arco de volta perfeita é antecedido por uma galilé, comum nesta região e na vizinha província espanhola de Salamanca.

PINTURAS MURAIS

Datáveis do segundo quartel do século XVI, situam-se no últi-

mo tramo da parede norte da nave, junto ao arco triunfal.

A pintura ocupava toda a extensão, em largura, do pano de pa-

rede compreendido entre o arco diafragma e o arco triunfal e está organizada em dois registos. A abertura de um nicho na parte central e inferior da parede e a colocação de um púlpito adossado ao arco diafragma, destruiu parte da pintura correspondente ao registo inferior.

Apesar da pintura se encontrar parcialmente coberta com ca-

madas de cal, no registo superior podemos identificar uma única cena que corresponderá à representação de um Juízo Final.

Pormenor. Cristo-Deus a presidir ao Juízo Final (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


De cada um dos lados desta figura central encontram-se grupos

Em 2014, aquando de uma intervenção de restauro das pin-

de figuras, sendo a maior parte delas femininas, havendo algumas

turas, até ao momento não concluída, foram feitas sondagens que

nimbadas e outras coroadas. Estas figuras são representadas com as

mostraram que por baixo desta segunda campanha continua a pin-

mãos postas em atitude de pedir a interceção de Cristo para a sua

tura correspondente à anteriormente descrita. Nessa sondagem

salvação.

podem observar-se duas figuras, desnudas e com cornos, que representam dois diabos e, a seus pés, duas figuras representadas parcialmente e envoltas em labaredas. Como parece evidente, esta cena faz parte do Juízo Final, representando o Inferno.

Pormenor. Figuras femininas em oração, à direita de Cristo (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

No registo inferior, muito mutilado como já referimos, do lado

esquerdo subsistem apenas dois anjos, um deles com uma viola. Do lado contrário, sobre a pintura original, existe outra correspondente a uma intervenção posterior com a representação de um Calvário e já muito desgastada.

Pormenor. Diabos na zona inferior direita da composição correspondendo à representação do inferno (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

A rematar a pintura vamos encontrar, de cada lado, uma com-

posição decorativa obtida por circunferências secantes definindo um quadrifólio vermelho sobre fundo ocre com uma pequena flor no meio de cada círculo, semelhante a outra existente na pintura da Igreja de Santa Eufêmia de Duas Igrejas.

Este conjunto de pinturas da parede norte da nave faz parte do

corpus da Oficina do Mestre de Malhadas.

A pintura encontra-se mutilada devido à abertura de um nicho

e à colocação de um púlpito adossado ao arco de diafragma que limita a área pintada. Além disso, encontra-se parcialmente coberta com camadas de cal.

Intervenção de restauro iniciada em 2014, mas não concluída.

Pormenor. Calvário correspondente a uma pintura sobreposta (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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5 Picote - Capela de Santo Cristo dos Carrascos Miranda do Douro GPS 41.400612, -6.364372

Conjunto das pinturas na parede fundeira e paredes laterais da capela-mor (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na parede testeira temos um ciclo pictórico dedicado a São

João Batista em dois registos configurando um retábulo fingido.

No registo inferior, a dominar o conjunto e em posição central,

está representado São João Batista de pé, num espaço interior com Visita virtual (2021, DETALHAR©).

uma abertura de cada lado para o exterior por onde se pode observar uma paisagem, tendo por trás de si um pano lavrado. Veste uma pele de camelo, como é habitual na sua representação e, por cima,

EDIFÍCIO

uma túnica vermelha, segurando com a mão esquerda um livro com

Construído na segunda metade do século XV, situa-se no ex-

cordeiro em cima, enquanto que a mão direita aponta nessa direção

tremo este da povoação, encostado ao cemitério e com orientação

indicando o Cordeiro Místico - Ecce Agnus Dei. Esta representação

nascente-poente. O aspeto que o edifício apresenta atualmente cor-

segue o modelo da pintura O Bom Pastor, da autoria de Frei Carlos

responde a uma alteração relativamente à qual não temos qualquer

datável de cerca de 1520, tendo ambas, provavelmente, recorrido à

informação. Tem duas naves, correspondendo a do lado do Evange-

mesma fonte iconográfica.

lho a um alargamento da igreja, estando separada na nave central por cinco colunas de secção quadrada onde estão integradas algumas pedras com inscrições romanas. A cabeceira é ligeiramente mais baixa que a nave. A fachada tem um portal de volta perfeita que foi deslocado para a esquerda aquando da intervenção de alargamento do edifício, estando centrado relativamente ao espaço interior e descentrado na leitura exterior do edifício, sendo rematada por espadana com campanário com um sino. O aparelho é de silharia granítica sem reboco.

PINTURAS MURAIS

As pinturas desta igreja, que se localizam na capela-mor, cor-

respondem a duas campanhas pictóricas. Na parede fundeira são datáveis do primeiro quartel do século XVI e, nas paredes laterais, de meados do mesmo século.

Capela de Santo Cristo dos Carrascos de Picote (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Na composição à esquerda do observador, representa-se o Ba-

Ainda no registo inferior, no limite esquerda do conjunto, existe

tismo de Cristo, num esquema retomado em várias pinturas, com o

outra figura que, apesar da inexistência de atributos que nos possam

anjo que lhe segura a túnica à esquerda, Cristo em posição central e

indicar com segurança de que quem se trata, poderá ser Zacarias, pai

São João Batista à direita havendo na parte superior da composição

de São João Batista. Esta figura segura na mão esquerda um livro (ou

a Pomba do Espírito Santo, neste caso bastante desgastada e da qual

caderno) e com a direita aponta nesse sentido, podendo tratar-se

se apercebem apenas alguns vestígios.

de alusão ao episódio do aparecimento do anjo a anunciar-lhe que

No lado oposto e em posição simétrica, temos a Degolação de

ia ser pai e que deveria chamar João ao filho. Como nesse momento

São João Batista. É também a representação típica desta cena com a

ficou sem falar até ao nascimento, teria escrito o nome para que se

entrega da cabeça a Salomé na presença de Herodes e de sua mu-

soubesse que a criança deveria chamar-se João.

lher Herodías.

São Zacarias (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

No registo superior está representada a cena do Encontro da

Virgem com Santa Isabel. Esta representação faz todo o sentido neste ciclo dedicado a São João Batista, uma vez que Santa Isabel era a sua mãe. Batismo de Cristo e Degolação de São João Batista (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Como já referimos, a pintura das paredes laterais corresponde

a outra campanha pictórica, mais tardia e de diferente autoria. O que se pode observar e que corresponde à área que ficou atrás do retábulo-mor é o que resta de um conjunto que revestiria toda a capela-mor.

Na parede norte está representado São Tiago Menor, que foi o

primeiro bispo de Jerusalém após a Paixão e Ressurreição de Cristo. Morreu lapidado e martirizado com um grosso bastão, daí que um dos seus atributos seja este objeto, como no caso presente.

Na parede oposta pode observar-se a representação de São

Filipe que também foi apóstolo. Morreu crucificado de cabeça para baixo, amarrado à cruz e por fim lapidado. Normalmente é representado, como aqui, com uma cruz de duas travessas como atributo. A presença destas duas figuras leva-nos a deduzir que nas paredes laterais da capela-mor estaria representado um apostolado. Encontro da Virgem com Santa Isabel (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

A composição do registo superior é rematada, de cada lado, por

composições decorativas de imitação de tecidos lavrados, dando ao conjunto uma grande riqueza visual. De referir ainda que o uso deste tipo de decoração não se limita a estas áreas. No segundo plano da figura de Zacarias, na cena da Degolação e por trás de São João Batista, aparecem outros tecidos lavrados.

Imitação de tecidos lavrados no registo superior (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Imitação de tecidos lavrados nos segundos planos das composições figurativas (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

São Tiago Menor e São Filipe nas paredes norte e sul, respetivamente (2020, fotografia de Paulo Bastos©).


Nesta parede, abaixo desta composição, conservou-se um frag-

mento de pintura decorativa, onde se identificam faixas verticais de diferentes cores, vermelho, ocre e cinzento com um motivo (palmeta) de imitação de um tecido lavrado, significando que toda a zona inferior seria revestida com este tipo de decoração. Este motivo decorativo é recorrente numa área geográfica que abrange a zona raiana, dos dois lados da fronteira, correspondente aos distritos da Guarda e Bragança e, do lado espanhol, à comarca de Sayago da província de Zamora5.

Fragmento de pintura correspondente a lambrim com imitação de tecidos de faixas verticais com diferentes cores de fundo e com um motivo em forma de palmeta (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Cada uma destas figuras é enquadrada por uma vieira, inter-

rompida devido à fragmentação da pintura, e coluna, tendo também uma filactera com inscrição envolvendo as suas cabeças. O conteúdo destas inscrições não está diretamente relacionado com as

Filacteras com inscrições (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

figuras representadas, sendo, cada uma delas um Artigo do Credo. Na representação de São Tiago Menor temos a seguinte inscrição correspondente ao artigo 6º - «ASCCENDIT AD CELOS SEDE AD DES-

TERAM DEI PA(...)» - que, completa e escrita corretamente, seria “as-

autoria das pinturas de uma das campanhas pictóricas da Ermida de

Relativamente às pinturas das paredes laterais, são da mesma

cendit ad caelos, sedet ad dexteram Dei Patris omnipotentis”, o que

Nuestra Señora de Fernandiel de Muga de Sayago. Os elementos

em português será “Subiu ao Céu, está sentado à direita de Deus

integrados nas composições - vieiras, colunas e filacteras - são em

Pai todo-poderoso”. No outro lado, conjuntamente com São Filipe,

tudo idênticos, assim como o tratamento formal das carnações e

o conteúdo da inscrição é o do artigo 7º - «INDE VENTURUS EST

vestes das figuras que são de grande qualidade, fazendo parte do

IUDICARE VI(...)T MORTUOS» - que, completa, será “inde venturus est

corpus de uma oficina que denominámos por Oficina do Mestre de

iudicare vivos et mortuos” e que se pode traduzir para “de onde virá

Picote.

a julgar os vivos e os mortos”6.

As pinturas não apresentam quaisquer problemas uma vez que,

recentemente, entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, houve uma intervenção de restauro.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Na face sul temos duas composições, identificando-se, à direita,

a Coroação de Nossa Senhora e, à esquerda, São Paulo Apóstolo. No primeiro painel a Coroação é feita pela Santíssima Trindade, onde se identifica Deus Pai à direita da Virgem, representado pela figura de um ancião de barbas brancas e manto vermelho preso sobre o peito com uma fíbula, o Filho à esquerda com uma auréola cruciforme e, também, com manto vermelho, ambos a segurar a Coroa. A Virgem, de mãos postas em oração, tem o habitual manto azul. Acima da coroa vemos a pomba do Espírito Santo. No painel de São Paulo Apóstolo, este é representado nimbado, com uma espada sobre o ombro direito, com veste castanha e capa azul.

6 Sendim-Picote - Ermitério Os Santos Miranda do Douro GPS 41.38906, -6.39527

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Neste caso, não podemos falar de um edifício, pois trata-se de

um rochedo em forma de abrigo, conhecido na região como fraga, isolado e localizado numa plataforma elevada junto à margem do rio Douro.

Face sul com as composições Coroação da Virgem e São Paulo (2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

PINTURAS MURAIS

Datáveis de meados do século XVI, as pinturas revestem inte-

gralmente as faces internas do rochedo, incluindo a face horizontal superior que funciona como cobertura.

Coroação da Virgem por Deus Pai, Cristo e o Espírito Santo (2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

A pintura da face nascente é iguamente dividida em duas com-

posições, representando a Conversação entre Santo Antão e São Paulo Eremita e, à esquerda desta, um Calvário do qual já só existem vestíInterior da fraga com o conjunto das pinturas (2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

gios. Na primeira composição, Santo Antão, à esquerda, é representado com tau e campainha, enquanto que à direita encontramos São


São Paulo (2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Conversação entre Santo Antão e São Paulo Eremita (2019, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Paulo Eremita levantando o braço direito para segurar o pão trazido

pelo corvo. Estas duas figuras apresentam-se com o hábito dos mon-

conseguiu ler:

ges eremitas da ordem de São Paulo, túnica branca sobre a qual têm

“[ES]TA // OBRA // DE // NOSA // SNRA // SA

uma espécie de dalmática vermelha e ainda sobrepeliz, branco em

[…] RIA // MÃDOU // [FAZER] // [PEDRO] // [AFONSO]”

Já a autora referida, devido à perda de parte da legenda, apenas

Santo Antão e vermelho em São Paulo, tendo este também um colar de grandes contas de cor ocre.

Como vemos, a leitura desta legenda não é fácil e os vários

estudiosos que o fizeram não apresentam resultados concordantes.

Da representação do Calvário, é visível apenas o braço de uma

Também Luís Afonso9 estudou esta pintura apresentando outra in-

cruz, ao qual se encontra preso um braço humano, na posição diago-

terpretação da legenda, baseando-se na sua observação e, também,

nal, e uma figura nimbada com manto, que representará São João. Por

nos levantamentos feitos por A. M. Mourinho e pelo Abade de Baçal,

fim, na cobertura observam-se vestígios da representação de um céu

lendo:

estrelado com estrelas vermelhas sobre fundo claro.

“ESTA OBRA DE NOS(S)A S(E)N(HO)RA DA GLORIA MA(N)

DOU F(AZER) A(NTÓNIO ?) E(STEVES ?) JU(AN ?)”.

Na face sul, abaixo da composição da Coroação de Nossa Senho-

ra, observamos uma legenda, cujos caracteres reportam a um tipo de letra do século XVI, mas de difícil leitura tendo em conta as mutilações

que sofreu ao longo dos tempos.

que trabalhou nesta região e que designámos pela Oficina do Mestre

No entanto, Lúcia Rosas, no seu estudo sobre esta pintura7, re-

As pinturas desta fraga fazem parte do corpus de uma oficina

de Legoinha.

fere uma primeira leitura feita por Francisco Manuel Alves em 1947

com o seguinte conteúdo:

problemas, devido à intervenção de restauro realizada recentemen-

“Esta obra de Nossa Senhora da / Glória mandou propôr A(ntonio?)

te, em março de 2019. Existem vários grafitos e incisões feitos por

E(steves?) Juão.

atos de vandalismo.

8

O conjunto pictórico não apresenta, no momento, quaisquer

Era em Jesus de 1553. Pinilo”.

Legenda na face sul (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

83


7

Pinturas da parede norte da nave (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Teixeira - Igreja de São Bartolomeu Miranda do Douro

GPS 41.446004, -6.505115

sendo composições que deverão resultar das devoções dos fregue-

As pinturas da nave não correspondem a um ciclo narrativo,

ses ou de encomendas de confrarias, sem qualquer relação iconográfica entre si.

Assim, ao longo da parede e começando da entrada em dire-

ção à capela-mor, a primeira composição representa Santa Catarina de Alexandria. Observam-se vestígios de tinta vermelha sobre o manto, que poderão corresponder a um repinte que, entretanto, foi

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

parcialmente removido. Nesta pintura pretende-se dar uma noção de tridimensionalidade através da representação de vários planos,

EDIFÍCIO

Construído na segunda metade do Século XV, é uma igreja de

nave única com a cabeceira ligeiramente mais estreita, com os portais axial e lateral em arco quebrado e empena principal a terminar em espadana com campanário de dois sinos. O portal lateral é protegido por um pequeno alpendre e, adossado à parede sul, junto da empena, foi construída posteriormente uma escada em alvenaria para acesso aos sinos. A empena apresenta um aparelho de silhares

observando-se, no primeiro, um portal em tons cinza com um arco abatido e um plano de fundo com a representação de um pano de armar vermelho escuro, encontrando-se a santa entre os dois planos. A figura tem os habituais atributos, apoiando a sua mão esquerda na roda do martírio, enquanto que com a direita segura a espada apoiada no solo sobre a cabeça degolada. Esta composição é emoldurada por barras com elementos vegetalistas, atualmente de difícil perceção por se encontrar parcialmente repintada.

de granito, enquanto as restantes paredes são rebocadas. Está situada no limite norte da povoação e tem orientação nascente-poente.

PINTURAS MURAIS

As pinturas existentes localizam-se na parede norte da nave e

na parede fundeira da capela-mor, atrás do retábulo, e correspondem a várias campanhas. Na nave deverão corresponder a duas campanhas sendo uma, a da primeira composição do lado esquerdo, do primeiro quartel do século XVI e, as restantes, da segunda metade deste século. Esta avaliação carece de confirmação após uma necessária intervenção de restauro, uma vez que as composições, com exceção da do lado esquerdo, se encontram repintadas. Também para as pinturas que se encontram por trás do retábulo-mor é difícil atribuir uma data por se encontrarem parcialmente cobertas de cal, mas apontamos para meados do século XVI. Santa Catarina de Alexandria (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


A pintura seguinte representa, aparentemente, uma Fuga para

o Egipto e apesar de alguns autores a considerarem da mesma campanha10, não nos parece que se possa associar à pintura anterior. O elemento a partir do qual se faz esta identificação, um burro, é uma pintura sobreposta à pintura a fresco original pois, numa zona de lacuna deste elemento, vê-se uma barra vertical que separaria duas composições não se conseguindo perceber o conteúdo de cada uma delas devido ao desgaste da camada pictórica, ou a uma tentativa de remoção da composição sobreposta. Na composição da direita identifica-se uma figura feminina e na barra inferior da moldura uma legenda também ela impercetível.

São Miguel pesando as almas (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Composição repintada de leitura impossível (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

As composições seguintes estão quase integralmente repinta-

das e, por isso, a apreciação possível é sobre essa camada sobrepos-

Fuga para o Egipto (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

ta, percebendo-se que a pintura original tem a mesma iconografia. No entanto, não é possível fazer qualquer avaliação compositiva e estética da camada original.

Segue-se uma representação de São Miguel pesando as Almas.

O arcanjo ocupa a metade esquerda da composição esmagando um demónio com os pés e empunhando uma espada com a mão direita enquanto que, com a esquerda, segura a balança. Do lado oposto, em cima, Deus Pai com o mundo nas mãos, um querubim de cada

A composição contígua representa um bispo com mitra e capa

vermelha segurando um báculo com a mão esquerda e abençoando uma figura ajoelhada com a mão direita. Esta figura, que deverá ser São Brás, ocupa toda a composição em altura tendo do seu lado esquerdo uma figura de um jovem ajoelhado. Em segundo plano uma torre de igreja com campanário com dois sinos e relógio.

lado e em baixo o inferno com as almas envoltas em labaredas.

Ao lado, uma Fuga para o Egipto na sua representação habitual.

São José na dianteira puxando o burro com Nossa Senhora e o Menino ao seu colo tendo como segundo plano uma paisagem de arvoredo.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

85


O Pentecostes é a penúltima composição deste friso, com Nossa Senhora em posição central e seis apóstolos de cada lado. Sobre eles as línguas de fogo e a pomba do Espírito Santo sobre a Virgem. Abaixo destas duas últimas composições existe uma legenda, que começava antes e continuava numa linha abaixo, parcialmente coberta por tinta vermelha e em parte desgastada, que deverá conter a informação sobre o encomendante, pois consegue ler-se na parte final «(...) SANTE SPI(RI)TOS MANDOU FZ (...)».

São Brás (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

A cena seguinte repete a representação de Santa Catarina. A

santa, de túnica vermelha e manto azul, segura com a mão esquerda a cabeça degolada que aponta com a espada, que segura na outra

Pentecostes (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

mão, enquanto que com o seu pé direito pisa a figura do rei dego-

lado. Ao seu lado esquerdo a roda do martírio e por trás uma peça

plano a representar a cidade de Jerusalém e onde a cruz ocupa todo

de mobiliário com uma jarra de flores e uma coroa. Esta composição

o espaço do primeiro plano.

Por último, uma representação do Calvário com um segundo

tem uma inscrição sobre a camada de repinte onde se pode ler, na zona superior à esquerda do observador, «S. CATARINA» e à direita «JULHO.25 / DE 1820». Esta data corresponde, portanto, à execução do repinte.

Santa Catarina de Alexandria (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

Calvário (2020, fotografia de Paulo Bastos©).


Abaixo deste friso de composições existe outro registo onde,

Este tipo de representação da Morte é raríssimo na pintura mu-

sob a primeira representação de Santa Catarina, se vê apenas um

ral portuguesa de quinhentos. Além desta, existe apenas outra na

cão, desenhado a negro, que porta alguma coisa na boca, devendo

Igreja de Nossa Senhora da Teixeira, em Torre de Moncorvo, onde

ser da mesma campanha desta representação. Este registo inferior

por cima da porta de entrada se vê um esqueleto com gadanha se-

está interrompido, continuando mais à frente por baixo de três com-

gurando uma filactera com uma inscrição.

posições a começar na de São Miguel, podendo ver-se a figura da

Morte, que é representada por meio de um esqueleto cuja expressão

nada se pode adiantar quanto ao tema representado. Numa lacuna

plástica é dada por um desenho negro sobre um tom cinzento. Esta

das camadas de cal, que cobre quase integralmente a pintura, vê-se

figura segura com o braço direito um arco e aponta com a respetiva

uma cabeça masculina nimbada e na zona inferior um lambrim deco-

mão o seu crânio, enquanto que com a direita segura um objeto de

rativo a imitar tecidos lavrados com motivo em forma de palmeta de

difícil identificação, sendo acompanhada por um elemento que pa-

cor preta sobre fundo cinzento, rematado em cima por uma imitação

rece ser uma lápide funerária com uma inscrição onde na primeira li-

de madeira que pode fazer parte de um retábulo fingido.

nha se lê «PACE» e na segunda «C(...)HE». Existe ainda outra inscrição

numa filactera onde se pode ler: «M(I)RA, «(...)NAM (...) PARC (...) QUI

ta camada que deixam ver a composição subjacente. Apresentam

U ECE», sem que se consiga entender o seu conteúdo.

zonas de desgaste nas composições que não estão repintadas e um

Quanto à pintura que se encontra por trás do retábulo-mor,

As pinturas da nave encontram-se repintadas, com lacunas nes-

depósito de sujidade com pingos de tinta sobre as composições. A pintura da capela-mor encontra-se quase totalmente coberta por camadas de cal e com um espesso depósito de sujidade. Notam-se igualmente danos provocados pela utilização inadequada e descuidada da zona por trás do retábulo.

Representação da Morte e inscrição (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Pintura na parede fundeira da capela-mor, atrás do retábulo, onde se observa uma cabeça e o fingimento de madeira e tecido (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Das pinturas existentes no arco triunfal, apenas se pode cons-

tatar a sua existência, porque se vê um reboco caiado, com vestígios de cor nas lacunas das camadas de caiação, sendo impossível adiantar qualquer outra informação uma vez que os retábulos colaterais estão completamente encostados à parede.

Na parede norte, junto ao arco triunfal, observa-se uma faixa

vertical de um reboco pintado que deve ter estado escondido por outro retábulo adossado à parede neste local. Também aqui é impossível descrever o conteúdo da pintura porque se encontra parcialmente caiada e, a zona que não o está, apresenta-se bastante danificada com inúmeras lacunas resultantes da tentativa de remoção da cal.

8 Azinhoso - Igreja de Santa Maria / Nossa Senhora da Natividade Mogadouro GPS 41.384084, -6.684362

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Construído durante os Séculos XIII e XIV com algumas partes

construídas já no XVI, é um templo de nave única com capela-mor mais baixa e estreita tendo, no portal da parede norte, um alpendre assente em duas colunas. Nesta parede está adossada uma capela lateral com portal em arco de volta perfeita, estando a sacristia adossada à parede sul. Os três portais têm arcos apontados, estando o principal descentrado. A fachada principal é mais alta que o telhado da nave e termina em espadana com campanário de três sinos. Entre este e o portal principal existe uma janela de forma quadrada dividida em quatro por elementos de pedra. Está implantado no limite nascente da povoação, com orientação nascente-poente, e o aparelho construtivo é de silharia de granito.

Pintura na parede norte da nave (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

No arcossólio da parede sul, onde foi sepultado Luís Eanes de

Madureira, observamos uma inscrição por cima do arco quebrado onde se lê «AQUI JAZ LUIS EANES DE MADUREIRA VIGARIO GERAL DO SENHOR D. FERNANDO, ARCEBISPO DE BRAGA»11. Na parede de

Existem pinturas em vários locais da igreja, correspondendo a

fundo do arcossólio temos a representação de São Miguel pesando

distintas campanhas pictóricas, com diferentes datações. Assim, a

as Almas. O arcanjo segura uma balança com a mão esquerda, com

pintura do arcossólio será da última década do século XV, enquanto

uma alma em cada prato e com a direita empunha uma cruz com a

que as pinturas da parede fundeira da capela-mor e da nave, no arco

qual subjuga um demónio com asas de morcego. De cada lado do

triunfal e na parede norte, poderão ser datadas da primeira metade

anjo vê-se uma figura, numa escala menor, ajoelhada e com as mãos

do século XVI.

em atitude de oração, sem quaisquer atributos ou nimbos devendo,

88

PINTURAS MURAIS

A pintura da parede fundeira da capela-mor encontra-se por

pois, representar os encomendantes. Esta composição está bastante

trás do retábulo, sendo apenas visível um fragmento no ângulo es-

repintada, tendo o repinte de cor azul ocultado uma grande área da

querdo junto ao pavimento, constituindo um lambrim com a repre-

composição, tal como os rostos e cabeleiras denotam ter sido alvo

sentação de paralelepípedos perspetivados.

dessa intervenção de repinte.

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Pintura no arcossólio da parede sul (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

São Miguel pesando as Almas (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Decorações do intradorso do arco e no exterior do lado esquerdo e do lado direito, respetivamente (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

O intradorso do arco tem uma decoração de fingimento de

caixotões com elementos florais inseridos no seu interior, que se encontram igualmente repintados. No exterior do arco existe uma decoração vegetalista já bastante fragmentada. Do lado esquerdo muito simples, sendo constituída por ramos simples de cor vermelha, enquanto que do lado contrário a decoração está inserida entre duas barras simples vermelhas com representação de troncos e folhagem, de grande qualidade, sobre fundo negro.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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frontão curvo e, no meio deste, um escudo com As Chagas de Cristo e, ao nível do registo superior, rematado lateralmente por uma aleta de cada lado. Não se consegue perceber, devido a estar coberta por camadas de cal e poeiras, que tipo de decoração existirá na área não preenchida pelo retábulo fingido.

9 Castro Vicente - Capela de Santo Cristo Mogadouro GPS 41.376019, -6.829201 Retábulo fingido na parede fundeira da capela-mor (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

A composição do registo superior, centrada, representa o Pen-

tecostes, com Nossa Senhora sentada, rodeada pelos Apóstolos e, acima dela, a pomba do Espírito Santo.

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

O registo inferior está dividido em três composições, estando

completa apenas a central onde estão representadas três figuras

EDIFÍCIO

num fundo de paisagem de escassa vegetação. À esquerda vemos

Pequeno templo de nave única com cabeceira mais baixa e es-

um ancião de barba e cabelo brancos, de túnica avermelhada e man-

treita, com pequeno portal principal de verga reta encimado por um

to branco, segurando um livro aberto na mão. Não são visíveis, de

pequeno campanário de sino único. O arco de passagem da nave

momento, quaisquer atributos que ajudem a identificar esta figura.

para a capela-mor deve ter sido a porta de entrada de uma pequena

Já a figura central, de fácil identificação pois veste dalmática escura

capela constituída apenas por este corpo e, possivelmente, construí-

sobre túnica branca, apresenta-se com tonsura segurando uma pal-

da no século XIV, pois neste arco, de volta perfeita, vêem-se umas

ma na mão direita e um livro aberto na outra mão. Com um corvo a

impostas cilíndricas e no intradorso um corte da pedra que serviria

seus pés, não restam dúvidas de que se trata de São Vicente sendo,

para colocar uma tranca. As paredes são de alvenaria rebocada e

provavelmente, a primitiva invocação da capela. Por fim, do lado di-

está implantado em ambiente rural a cerca de 750 metros a este da

reito Nossa Senhora com o Menino ao Colo vestida com uma túnica

povoação, com orientação nascente-poente.

vermelha e um manto azul e o Menino desnudado.

PINTURAS MURAIS

As pinturas localizam-se na parede fundeira da capela-mor,

existindo duas campanhas sobrepostas, sendo a subjacente do primeiro quartel do século XVI e a sobreposta do último quartel do mesmo século.

Como foi desmontado recentemente o retábulo que escondia

as pinturas, apesar de ainda se encontrarem com um espesso depósito de poeiras e sujidade, é agora possível identificar, apenas, o seu programa iconográfico sem, no entanto, ser possível fazer uma descrição detalhada dos pormenores.

A pintura sobreposta está organizada como um retábulo fingi-

do com dois registos, com colunas marmoreadas a dividir as várias composições, terminando em cima com um entablamento simples e

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

Representação do Pentecostes no registo superior (2020, fotografia de Paulo Bastos©).


parcialmente coberto por camadas de cal. Acima desta composição, pertencendo à mesma campanha pictórica, percebe-se a existência de uma legenda com duas linhas em letra gótica, mas ilegível neste momento devido à sujidade acumulada sobre a superfície. Por baixo e, também, do lado direito, a rematar a composição, existe uma barra de entrançados executada com estampilha.

Composição central do registo inferior. Santo não identificado, São Vicente e Nossa Senhora com o Menino (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Das composições correspondentes aos volantes já só existem

alguns fragmentos que, no entanto, permitem identificar as representações perdidas, não só por esses elementos existentes, mas porque a composição subjacente, agora visível, ter o mesmo tema. Assim, do lado do Evangelho é visível um braço esquerdo atado a um tronco de árvore e um tronco humano cravejado de setas sendo, portanto, a representação do Martírio de São Sebastião, o mesmo tema da composição sotoposta. Do lado oposto, vê-se apenas, no

Pormenor do Martírio de São Sebastião correspondente à pintura subjacente (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

canto superior esquerdo da composição, um fragmento de uma asa de anjo. Identificando-se a composição mais antiga como São Miguel Pesando as Almas, a composição perdida deveria ter o mesmo tema.

Legenda, de momento ilegível, da pintura subjacente (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Ainda desta campanha, na pintura do lado da Epístola, apesar

de bastante desgastada, consegue identificar-se São Miguel pesando as Almas. O arcanjo está no centro da composição, nimbado, seguMartírio de São Sebastião e São Miguel pesando as Almas. Percebe-se a sobreposição de pinturas com o mesmo tema (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

rando com a mão esquerda a balança, não se percebendo, devido ao mau estado de conservação, se em cada prato existe uma pequena figura, uma “alma”. Com a mão direita segura uma lança terminada em cruz na haste superior, que dirige para baixo, em gesto de domi-

Quanto à campanha de pintura subjacente, como já foi referi-

nar um demónio que já se perdeu. No canto inferior direito perdeu-

do, são apenas visíveis as áreas junto às paredes laterais do registo

-se a película cromática e já só existe algum desenho preparatório no

inferior devido à perda da camada sobreposta. Do lado do Evan-

qual se percebem as chamas do inferno.

gelho temos o Martírio de São Sebastião vendo-se o santo nimbado em posição central, atado a um tronco, e cravejado de setas com um algoz de cada lado, estando o do lado esquerdo do observador

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Acima desta composição é parcialmente visível uma composi-

ção decorativa de imitação de tecido com um motivo de palmeta, com um desenho branco sobre fundo vermelho. Mais acima, ao nível do registo superior vêem-se outros vestígios desta decoração nas áreas correspondentes às lacunas da pintura da segunda campanha.

São Miguel pesando as Almas correspondente à pintura subjacente (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Decoração de imitação de um tecido com um motivo de palmeta, a ladear o retábulo fingido (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Os danos que este conjunto de pinturas apresenta são con-

sequência das condições a que estiveram sujeitos durante algumas centenas de anos atrás de um retábulo de talha. Assim, além de um espesso depósito de poeiras e sujidade, os rebocos encontram-se nalgumas zonas com falta de aderência entre camadas e ao suporte, existem algumas fissuras de grande expressão na parede sul, lacunas resultantes da fixação do retábulo, falta de coesão e perda de reboco na zona inferior devido a ascensão capilar de água na parede. Está prevista, para breve, uma intervenção de restauro das pinturas.

A segunda campanha será da mesma autoria das pinturas da

nave da Igreja de Nossa Senhora da Teixeira de Sequeiros, Torre de Moncorvo.

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


As pinturas da parede fundeira estão organizadas como um re-

tábulo fingido com a figura do orago, São Martinho, em posição central, vendo-se apenas parte do cavalo. As figuras dos volantes estão inseridas em nichos que terminam em arco contracurvado, uma imitação de abóbada de pequenos caixotões e com um tecido fingido com motivos vegetalistas em segundo plano. Do lado do Evangelho temos São Miguel Vencendo o Dragão empunhando a lança e vestido com armadura de tons cinza e em que o demónio é representado com tentáculos e muitos olhos. Do lado contrário São João Batista vestido com a habitual pele de camelo com que é representado.

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São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho Mogadouro GPS 41.422904, -6.616801

Parede fundeira da capela-mor. São Miguel Vencendo o Dragão e São João Batista (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

A zona inferior desde o retábulo até ao pavimento está deco-

rada com paralelepípedos perspetivados e a restante área até às

Edifício construído, provavelmente, no século XV, de nave du-

paredes laterais é ocupada por composições decorativas. Do lado

pla, correspondendo a um alargamento para o lado do Evangelho,

do Evangelho a decoração é constituída por um motivo em tons

efetuado no século XVII, tendo em conta as colunas toscanas que

de cinzento sobre fundo vermelho, que consiste numa taça entre

dividem as naves. A fachada com portal de arco apontado e alfiz liso,

uma figura feminina e outra masculina coroada, cujos corpos termi-

mais alta que a nave, é rematada em cima por campanário de dois

nam em folhagens, organizado em linhas que, desencontradamente,

sinos. Na parede norte o portal lateral tem um arco de volta perfeita.

preenchem o espaço. A meio deste pano decorativo, e sobre esta

A capela-mor é mais baixa e estreita que a nave. Tem um aparelho

decoração, está pintado o brasão dos Távora. Do lado da Epístola os

construtivo de alvenaria rebocada. O templo está no limite sul da

motivos decorativos são constituídos por folhas de carvalho a envol-

povoação e tem orientação nascente-poente.

ver uma flor de lis, executados com estampilha, tendo no centro um escudo da Ordem de Cristo.

PINTURAS MURAIS

As pinturas murais desta igreja correspondem a, pelo menos,

duas campanhas pictóricas. Na parede fundeira da capela-mor serão de cerca de 151012 e as das suas paredes laterais, na zona que fica por trás do retábulo-mor, poderão ser datadas do primeiro quartel de século XVI. Existem também dois fragmentos de pintura colocados na parede norte da nave, que foram destacados do arco triunfal, mas, por estarem integralmente repintados, não é possível associá-los a qualquer das duas campanhas referidas.

Na parede lateral do lado do Evangelho encontra-se outra com-

posição com a representação da Missa de São Gregório, com uma leitura difícil devido ao seu estado de conservação, com sujidade, desgaste e parcialmente coberta com cal, identificando-se, no entanto, dois cardeais e um acólito e Cristo conjuntamente com os Instrumentos da Paixão. Abaixo desta composição existe uma legenda que, pelas mesmas razões, não se consegue ler.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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A restante área desta parede, assim como a da parede oposta,

é revestida por pintura a imitar panos de armar com tiras verticais alternando os fundos entre ocre e cinzento com motivos decorativos de elementos vegetalistas estilizados. Esta decoração aparece em várias pinturas relativamente às quais consideramos que, ainda não se possa considerar o corpus de uma oficina, terão sido executadas pelo mesmo pintor especialista neste tipo de decoração13.

Parede fundeira da capela-mor. Lambrim decorado com paralelepípedos perspetivados (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Parede fundeira da capela-mor. Panos decorativos a ladear o retábulo fingido (2020, Direção Regional de Cultura do norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

Parede sul da capela-mor. Imitação de panos de armar (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

A face dianteira do primitivo altar de alvenaria, adossado á pa-

rede fundeira, tem ainda fragmentos de uma decoração a fresco que imitaria um frontal de altar. É uma barra com meias flores, com a linha de corte virada para fora, desencontradas e separadas longitudinalmente por uma linha ondulante.

Na parede norte da nave estão colocados dois fragmentos de

pinturas destacados do arco triunfal, que se encontravam atrás dos retábulos colaterais, constatando-se que foi um péssimo trabalho, pois a pintura terá sido destruída na sua maior parte e o que agora vemos é um repinte e reconstituição sem qualquer qualidade. Uma das cenas representa o Pentecostes e a outra, provavelmente, seria uma Anunciação.

A campanha correspondente à parede fundeira da capela-mor

pode ser atribuída, ou pelo menos as áreas decorativas que ladeiam o retábulo fingido, à Oficina do Mestre de São Martinho do Peso.

As pinturas continuam por detrás do retábulo-mor parcialmente

cobertas com camadas de cal e depósitos de sujidade. Percebe-se que em alguns pontos apresenta falta de aderência ao suporte. A pintura da parede fundeira, além desta situação, encontra-se tamParede lateral do lado Evangelho da capela-mor. Missa de São Gregório (2020, Direção Regional de Cultura do norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

bém picada como consequência de ter sido aplicado um reboco sobre ela. A remoção deste reboco, em quase toda a área pintada, por sua vez, provocou também danos por ter sido feita por curiosos


que estas se encontram parcialmente destruídas neste local. A nave tem uma porta lateral na parede norte.

PINTURAS MURAIS

As pinturas revestem toda a parede fundeira da capela-mor e

cerca de um terço das suas paredes laterais. O limite superior das pinturas não corresponde ao pé direito do espaço, uma vez que este foi subido depois da execução das pinturas. Encontram-se vestígios de pintura na face poente do altar. No arco triunfal, de ambos os lados, existem, acima dos altares adossados, composições que estão incompletas. Todas estas pinturas são datáveis da primeira metade do século XVI. Na parede norte da nave observa-se uma faixa horizontal com várias composições desde a parede do arco até perto da

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porta lateral, sendo estas datáveis da transição do século XVI para o

Legoinha - Ermida de Santo Amaro

seguinte.

Alfândega da Fé GPS 41.337388, -6.846638

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO Pequeno templo localizado num grande adro e rodeado pelas poucas casas da povoação, atualmente desabitadas, com orientação nascente-poente.

O edifício é constituído por dois corpos, cabeceira e nave mais

elevada. Originalmente o templo era constituído apenas pelo corpo

Vista da nave com as pinturas (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

correspondente à atual capela-mor, datável da transição do século XV para o XVI, uma vez que, no que agora é o arco de passagem da nave para a cabeceira, de volta perfeita, existem ainda na sua face nascente os gonzos em pedra de uma porta. Não se sabe em que altura terá sido acrescentado, no entanto, a existência de pinturas murais nas paredes laterais deste corpo, provavelmente de finais do século XVI, dá-nos uma referência temporal para o término dessas obras. O pé direito da capela-mor foi igualmente aumentado na mesma campanha de obras. Tendo em conta o contexto rural onde esta ermida se insere, é possível que tenha tido uma galilé, à semelhança de outros templos da região como, por exemplo, a ermida de São Geraldo de Valpereiro, de Santa Eufêmia de Sendim da Serra, a Capela de Santo António da mesma povoação, a Capela de São João em Vilares da Vilariça e a antiga Capela do Santíssimo Sacramento, em Vilarelhos. No interior, despido de ornamentação, observam-se dois altares de alvenaria de um e de outro lado do arco triunfal, e outro na parede fundeira da capela mor. Neste espaço corre um banco, também de alvenaria, adossado à parede sul. Nesta parede existe uma fresta que foi aberta depois da execução das pinturas, uma vez

Vista geral da capela-mor (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Começando pela capela-mor, este conjunto de pinturas não

segue, aparentemente, um discurso narrativo temático, devendo a escolha das figuras e cenas representadas ser resultante das devoções locais. Isto não significa, porém, que as diversas composições

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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não tenham sido pintadas todas na mesma campanha, antes pelo

possível identificá-la porque apresenta uma grande lacuna na zona

contrário. Pela análise do reboco, da tipologia dos rostos e da paleta

correspondente ao rosto e não tem quaisquer atributos. Veste túnica

cromática, percebe-se que a pintura foi executada numa só campa-

branca, manto vermelho e apresenta-se nimbada.

nha.

O limite inferior da pintura corresponde à altura do altar ados-

sado à parede fundeira e, na parede norte, estão representadas duas figuras sendo a do lado esquerdo um bispo e a do lado direito São Sebastião com a particularidade de o santo ter um gorro na cabeça, o que é inédito no panorama da pintura mural portuguesa. O bispo representado poderá ser São Saturnino uma vez que tem como atributo um touro a seus pés, parcialmente visível. No entanto, existem algumas representações de São Brás onde também o touro aparece como atributo. Neste contexto, faria mais sentido que fosse este último por se tratar, conjuntamente com São Sebastião, de santos taumaturgos. Esta composição é rematada por uma barra preta simples tendo no limite superior uns elementos florais estilizados. Os segundos planos são muito simples, numa cor plana, diferente da cor do solo para marcar uma linha de horizonte.

Parede fundeira da capela-mor, lado do Evangelho. São Pedro Gonçalves Telmo (?) e santo não identificável (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na composição central desta parede existem três representa-

ções distintas. À esquerda, uma Adoração dos Reis Magos que, devido à falta de espaço, se desenvolve no sentido vertical, podendo ver-se à esquerda Nossa Senhora com o Menino ao colo, São José atrás, com dois reis de pé a seu lado e o terceiro ajoelhado diante da Virgem. No centro está representado São Domingos, com túnica branca e capa preta tendo por segundo plano um pano vermelho, no qual ainda se veem vestígios de motivos decorativos. Segura na mão Parede lateral norte da capela-mor. São Saturnino ou São Brás e São Sebastião (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

esquerda o livro da regra e, na direita, um báculo abacial. Esta figura, antes da intervenção de restauro, apresentava-se com vestes brancas e da sua mão direita pendia um rosário. Houve, num momento indeterminado, uma mudança iconográfica desta figura relacionada

A pintura da parede fundeira está divida em três composições,

com a mudança do orago que era São Domingos e passou a ser San-

separadas entre si por barras simples pretas, como na parede lateral,

to Amaro. A completar esta composição temos Santo António com o

tendo cada uma delas a representação de mais que uma figura ou

hábito castanho dos franciscanos, com um bordão na mão direita e,

tema.

na esquerda, um livro sobre o qual está o Menino Jesus.

Na do lado norte observam-se duas figuras, podendo a da es-

querda representar São Pedro Gonçalves Telmo, uma vez que tem como atributos uma nau, que segura na mão esquerda e, na outra mão, uma vara comprida que poderá ser um círio, que muitas vezes acompanha a sua representação. Quanto à figura a seu lado, não é

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Parede fundeira da capela-mor, zona central. Adoração dos Reis Magos, São Domingos e Santo António (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

A terceira composição desta parede tem representadas Santa

Catarina de Alexandria, coroada, segurando na mão esquerda a roda do martírio e na direita a espada, e Santa Luzia, que segura na mão esquerda uma palma, apoiada no ombro, e com a direita uma bandeja

Parede fundeira da capela-mor, lado da Epístola. Santa Catarina de Alexandria e Santa Luzia com a Santa Face de Cristo entre elas (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

com os olhos. Também nesta composição os segundos planos são resolvidos com cores planas. Acima destas figuras está representada uma Santa Face de Cristo, provável alusão ao casamento místico destas duas virgens mártires com Cristo.

Na parede sul a composição representa uma cena com vários

personagens, de difícil identificação uma vez que se encontra muito fragmentada. Do lado esquerdo conseguem-se identificar cinco figuras de pé e outra em primeiro plano ajoelhada, todas com o olhar dirigido para o centro da composição e com as mãos postas em oração. Do lado contrário identificam-se as vestes de duas figuras, uma de pé e outra ajoelhada, não restando qualquer figuração na zona central. Pomos a hipótese de se tratar da representação do Pentecostes ou da Assunção de Nossa Senhora. Parede sul da capela-mor. Composição não identificável (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na nave, as pinturas localizam-se nos dois lados do arco triunfal

e na parede norte junto deste. As campanhas são distintas, sendo esta mais recente.

Do lado do Evangelho, acima do altar adossado à parede, está

representado São João Batista. O santo enverga uma túnica de pele de camelo e, por cima desta veste, o Precursor tem uma capa atada com um nó sobre o ombro direito. Sustenta na mão esquerda um livro, e sobre ele um cordeiro e o lábaro, apoiado sobre o animal. João Batista aponta com o indicador direito para este que “é o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”. Esta representação deverá ter como fonte iconográfica uma gravura do “Flos Sanctorum”.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Parede do arco triunfal, lado da Epístola. Santo Amaro (?) (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na parede da nave, do lado de Evangelho, percebe-se a exis-

tência de duas figuras que, devido ao desgaste da pintura, não são facilmente identificáveis. No entanto, na figura da direita, podemos interpretar a representação de São João Evangelista, onde a sua capa Parede do arco triunfal, lado do Evangelho. São João Batista (2020, Paulo Bastos©, fotografia do autor)

segue pelo ombro esquerdo e passa por debaixo do seu braço direito, segurando com a mão esquerda o que parece ser um cálice enquanto faz um gesto de bênção com a mão direita. A outra figura parece ter um elemento circular à sua frente, o que nos poderia fazer pensar em Santa Catarina com a roda do martírio.

Parede do arco triunfal, lado do Evangelho. São João Batista. Gravura publicada na obra de 1513 “Ho flos sanctõ[rum] em lingoaje[m] p[or]tugue[s]” (Biblioteca Nacional de Portugal©, ilustração a partir de17).

Parede norte da nave. Santa Catarina (?) e São João Evangelista (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

No lado oposto, existe apenas um fragmento de uma figura,

identificável pelo seu atributo, uma nau, podendo ser Santo Amaro. Esta hipótese é reforçada pela comparação com outras representações deste santo nesta região de Trás-os-Montes (Capela de Santa Madalena de Santa Valha, Valpaços; Igreja de Nossa Senhora da Teixeira de Sequeiros, Torre de Moncorvo e Igreja de Nossa Senhora da Guia de Vilar, Boticas).

O orago desta ermida é, atualmente, Santo Amaro. No entanto,

o primeiro foi São Domingos, tal como se pode observar na figura do santo representado no centro da parede fundeira14. Posteriormente, em data indeterminada, a invocação mudou para Santo Amaro e, por esse motivo, o santo representado apresentava, na altura da intervenção de restauro, as vestes brancas.

As pinturas da capela-mor integram-se no corpus da oficina que

trabalhou nesta região e que designámos pela Oficina do Mestre de Legoinha.

As pinturas, assim como o edifício, foram alvo de uma interven-

ção de restauro entre outubro de 2013 e maio de 2014.

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Na parede lateral do lado do Evangelho, as pinturas estão organizadas em dois registos e na parede fundeira as composições remetem-nos para um retábulo fingido, em que a composição central ocupa toda a extensão vertical até à altura do primitivo altar adossado à parede, sendo acompanhada por duas composições de cada lado, também em dois registos. As várias cenas são separadas por barras de cor ocre, servindo de molduras.

Na parede do lado de Evangelho, no registo superior e a partir

da parede fundeira, identifica-se São Tiago Peregrino de veste clara e manto vermelho com um apontamento de arquiteturas em segundo plano. Na composição ao lado, fragmentada por se encontrar no limite da área que fica por detrás do retábulo, vê-se um anjo sem possibilidade de o associar a qualquer representação conhecida por falta de elementos iconográficos. No registo inferior não é possível identificar qualquer composição uma vez que esta área se encontra totalmente coberta por camadas de cal.

12 Sendim da Ribeira - Capela do Divino Senhor dos Milagres Alfândega da Fé GPS 41.309080, -6.905991

Capela-mor, parede do lado de Evangelho. Anjo e São Tiago Peregrino (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Na parede fundeira, em posição central e apesar da pin-

Construído na primeira metade do século XVI, é um pequeno

tura se encontrar quase totalmente tapada pela tábua do fundo do

edifício implantado num declive no limite sul da povoação, de cor-

trono do retábulo, percebe-se a existência de uma figura envolvida

po único com orientação nordeste-sudoeste. Está equipado apenas

por um rosário com duas figuras ajoelhadas, tratando-se, assim,

com um retábulo-mor, atrás do qual se situam as pinturas murais. O

da representação de Nossa Senhora do Rosário. Esta composição é

aparelho construtivo é uma alvenaria de xisto rebocada.

envolvida por quatro outras, com cenas da Infância de Jesus.

Do lado esquerdo, no registo superior, e apesar da maior

PINTURAS MURAIS

As pinturas localizam-se na parede fundeira e na parede lateral

do lado do evangelho por trás do retábulo-mor. Ocupariam uma

parte da área estar coberta por cal, observa-se um anjo com um cetro e filactera na mão esquerda, enquanto com a direita aponta para o alto, podendo deduzir-se tratar-se de uma Anunciação.

área maior mas, com a colocação do retábulo, a área que não ficou oculta foi destruída, encontrando-se, na sua maior parte coberta por camadas de cal e espessos depósitos de poeiras deixando, no entanto, ver alguns pormenores da composição que nos permitem perceber como se organiza o programa pictórico e identificar as várias composições.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Parede fundeira, registo superior direito. Natividade (2013, Joaquim Inácio Caetano©).

Parede fundeira, registo superior esquerdo. Anunciação (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

No registo inferior, já quase totalmente liberto das cama-

Completa este ciclo, no registo inferior, uma Apresentação de

Jesus no Templo. Apesar de a pintura não estar toda a descoberto, os elementos visíveis, um menino nu sobre uma mesa e duas pombas, permitem-nos identificar a cena representada.

das de cal que o cobriam, está representada a cena do Encontro da Virgem com Santa Isabel, onde se veem três figuras femininas. A da direita, de veste vermelha e capa azulada, com nimbo, que deverá ser Nossa Senhora, estende os braços para uma mulher, de veste escura, em posição central da composição, provavelmente Santa Isabel. À esquerda, e em segundo plano, outra figura feminina de lenço branco na cabeça. Entre as figuras de Santa Isabel e Nossa Senhora há uma inscrição numérica «.93» que deverá corresponder à datação da pintura, tratando-se portanto de obra executada em 1593.

Parede fundeira, registo inferior direito. Apresentação de Jesus no Templo (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na parede sul já não existe revestimento, tendo-se perdiParede fundeira, registo inferior esquerdo. Encontro da Virgem com Santa Isabel (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

do a pintura aí existente.

A pintura apresenta danos decorrentes da sua situação de

abandono e perda de importância enquanto elemento catequético

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Do lado direito, no registo superior, apenas se vê no canto su-

e devocional. Num primeiro momento foi oculta com aplicação de

perior direito uma cabeça masculina de barba branca, nimbada, que

caiações e, mais tarde, com a colocação do retábulo sofreu outro

dirige o olhar para a zona central inferior da composição. Tratando-

tipo de danos, como as lacunas provocadas pela fixação do retábulo

-se, como dissemos anteriormente, de um conjunto de pinturas so-

e a acumulação de poeiras. Observam-se também várias escorrên-

bre Jesus, estamos provavelmente perante a representação de uma

cias de uma matéria argilosa que fará parte da argamassa da alvena-

Natividade.

ria e, pontualmente, falta de aderência do reboco ao suporte.

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


que parece ser o seu rosto, com alterações cromáticas e perca de desenho, é uma cor plana da pintura subjacente, da qual se pode ver também, à direita, parte de uma figura de veste clara. Nas lacunas da camada correspondente à decoração de marmoreados, são também visíveis fragmentos de figuras da segunda campanha pictórica. Além da figura do orago, não se conseguem identificar as outras figuras ou cenas representadas.

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Valpereiro - Ermida de São Geraldo Alfândega da Fé GPS 41.392104, -6.902434

Pintura na parede fundeira (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Esta ermida, construída no século XVI, está implantada em

meio rural, situando-se a cerca de 1 Km a norte da aldeia de Valpereiro, caracterizando-se pela sua simplicidade formal e construtiva. É organizada com uma nave simples, sem demarcação da capela-mor, e alpendre. Tem uma orientação nascente-poente. As paredes são em alvenaria rebocada.

PINTURAS MURAIS

Datável do século XVI, a pintura visível ocupa uma faixa hori-

zontal da parede fundeira desta pequena capela e reveste também o frontal de altar. Trata-se do que pode ser designado por retábulo fingido, muito comum na decoração das igrejas portuguesas durante todo o século XVI. Apesar de não sabermos a sua extensão percebe-se, pelas sondagens executadas, que a pintura continua para baixo e para cima da zona descoberta.

A leitura deste conjunto é confusa, pois encontram-se sobre

Vários pormenores onde se observa a sobreposição de camadas de pintura (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

a superfície inúmeros fragmentos de uma caiação que terá coberto todo o conjunto, assim como se identifica a existência de pinturas sobrepostas, sendo estas executadas sobre uma camada de cal, o

que as torna bastante frágeis. A própria representação de São Geral-

pelas suas diagonais, sendo as cores de fundo ocre, nos triângulos

A composição do frontal, em forma de retângulo, é dividida

do, santo bracarense que foi arcebispo da cidade no século X, não

laterais, e cinzenta nos outros dois, com decorações vegetalistas em

corresponde à primeira campanha pictórica, pois a mancha escura

tons de vermelho nos primeiros e em tons de cinzento nos outros.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Frontal de altar fingido (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Como é normal nas pinturas a fresco desta época e desta região, a paleta cromática é muito pobre, predominando os ocres e os vermelhos e, em menor quantidade, os cinzentos. Pelo fragmento de figura subjacente visível, percebe-se que do ponto de vista formal a pintura tem qualidade.

Este conjunto apresenta camadas sobrepostas, quer de outras

pinturas quer de caiações, algumas fissuras nos ângulos da cabeceira devido, possivelmente, a movimentos de abatimento do edifício, lacunas preenchidas com massas de cimento, falta de coesão do reboco numa pequena área na zona inferior esquerda da composição e um depósito de poeiras.

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


da campanha corresponderá ao ciclo da Paixão de Cristo na parede norte da nave e a terceira ao conjunto da parede norte dedicado à Infância de Jesus conjuntamente com a representação de Santa Catarina e Santo António no arco triunfal e a Anunciação na parede sul. Existiam vestígios de uma campanha anterior a todas estas no interior da fresta da cabeceira, que neste momento não são observáveis e, por isso mesmo, não iremos considerar nesta análise.

As pinturas estão situadas nas paredes laterais e fundeira da

capela-mor, no arco triunfal e nas paredes laterais da nave.

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Adeganha - Igreja de São Tiago Moncorvo GPS 41.274326, -7.049880

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

Vista geral da nave da igreja (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

EDIFÍCIO

Começando pela primeira campanha e pela capela-mor, neste

Templo de tipologia tardo-românica construído no século XII

espaço a maior parte da área pintada, que revestiria todo o espaço

e seguintes, de nave única e cabeceira mais baixa e estreita que a

e que atualmente apenas se conserva atrás do retábulo-mor, corres-

nave, com uma interessante cachorrada figurativa. Na parede sul e

ponde a uma pintura decorativa de imitação de tecidos organizados

norte os portais são de volta perfeita, havendo nesta três arcossólios

como panos de armar, em estreitas faixas verticais onde alternam os

exteriores. A fachada tem portal de arco apontado, mais alta que a

fundos brancos, cinzentos e ocres, divididas entre si por barras de

nave, terminando em espadana com campanário de dois sinos. Está

torcidos, com os motivos decorativos executados com estampilha,

implantado no limite nascente da povoação com orientação nascen-

sendo todo este conjunto rematado, junto ao pavimento, com uma

te-poente. Tem um aparelho de silharia de granito.

franja.

PINTURAS MURAIS

Existem três campanhas pictóricas distintas, podendo-se datar

as duas primeiras do primeiro quartel do século XVI e a terceira de meados do mesmo século. Ainda que o grupo de composições correspondentes à Paixão de Cristo, situadas na parede norte da nave, aparente uma maior ancianidade, não nos parece que sejam, de facto, as mais antigas. Esse aspeto deve-se, provavelmente, ao facto de a técnica ser deficiente e terem estado sujeitas a condições de conservação que rapidamente provocaram o desgaste que apresentam. Como habitualmente a decoração de uma igreja começa pela capela-mor, cremos que essas serão as pinturas correspondentes à primeira campanha, conjuntamente com as do arco triunfal e, também, São Cristóvão e São Bartolomeu da parede sul da nave. A segun-

Imitação de tecidos em forma de pano de armar nas paredes da capela-mor (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Imitação de tecidos em forma de pano de armar nas paredes da capela-mor (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues).

Em posição central na parede fundeira temos a representação

Conjunto de pinturas do arco triunfal do lado do Evangelho (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

do orago, São Tiago, com chapéu e bordão de peregrino e um livro

na sua mão esquerda. Esta composição é emoldurada por uma barra

segura uma lança e aponta para o lado onde estava representado

de entrelaçados executada também com estampilha.

o Calvário, vendo atrás de si outra figura, possivelmente Stephanon.

No registo superior temos a representação de Longinus, que

Provavelmente, esta composição devia fazer parte da narrativa da crucificação de Cristo. É notório, nesta composição, a falta de domínio da perspetiva, pois o segundo plano é resolvido com uma linha horizontal que separa o pavimento do fundo, onde se observa uma decoração executada com estampilha, técnica decorativa empregue, igualmente, na decoração das barras que emolduram a cena.

Capela-mor. Pintura decorativa de imitação de tecidos com São Tiago em posição central (2013, fotografia de Joaquim Inácio Caetano©).

A pintura do arco triunfal, que seria integralmente revestido,

pode ser incluída na primeira campanha, tendo-se perdido algumas composições, nomeadamente um Calvário que encimava o arco. Do lado do Evangelho, as composições organizam-se em três registos.

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

Arco triunfal, lado do Evangelho. Registo superior com a representação de Longinus e Stephanon. (2020, fotografia de Paulo Bastos©).


No registo intermédio, temos duas cenas, uma representando

Ainda no arco triunfal e do lado contrário, vemos, correspon-

São Francisco que mostra as chagas e segura um livro na sua mão

dente ao registo intermédio, um fragmento de uma composição re-

direita, sendo o fundo, uma vez mais, uma decoração estampilhada

presentando o Martírio de São Sebastião onde já só se vê uma parte

com um motivo que lembra os motivos de tecidos lavrados. Ao lado

de um dos archeiros e uma área de reboco, a um nível inferior, que

uma Missa de São Gregório.

corresponderá a uma pintura subjacente e que poderia fazer parte da campanha do interior da fresta da cabeceira. Abaixo desta composição e à semelhança do lado contrário, vemos o que resta de um lambrim com pintura decorativa com motivos estampilhados.

Registo intermédio com a representação de São Francisco e da Missa de São Gregório (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Abaixo destas composições, e ainda da mesma campanha pic-

tórica, vemos uma composição decorativa estampilhada que deveria corresponder a um lambrim que rematava o conjunto das representações.

No registo inferior e junto ao ângulo com parede lateral estão

representados Santa Catarina de Alexandria e Santo António e ao lado

Arco triunfal, lado da Epístola. Registo intermédio com a representação do Martírio de São Sebastião (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

direito destes dois santos outra figura ajoelhada com as mãos postas em atitude de oração, que poderá corresponder ao encomendante. Esta composição fará parte da terceira campanha pictórica, conjuntamente com as pinturas que lhe estão adjacentes na parede norte.

Na parede norte da nave temos dois grupos de pinturas, organi-

zados em três registos, correspondentes a duas campanhas distintas, como já foi referido.

O conjunto situado do lado poente, portanto do lado esquer-

do do observador, que corresponde à segunda campanha pictórica, representará um ciclo temático sobre a Paixão de Cristo. A camada pictórica está bastante desgastada vendo-se pouco mais que o desenho preparatório, mas, no registo superior, consegue identificar-se uma Última Ceia, no registo intermédio não se consegue identificar a cena e no inferior uma representação conjunta da Descida da Cruz à direita do observador e a Ressurreição ao centro e, do lado esquerdo, um grupo de figuras que não se percebe se está associado à cena da Ressurreição. Registo inferior com a representação de Santa Catarina de Alexandria, Santo António e encomendante (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Parede norte da nave. Ciclo sobre a Paixão de Cristo: Última Ceia (?), Ressurreição e Descida da Cruz (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Parede norte da nave. Ciclo sobre a Infância de Jesus: Natividade, Apresentação no Templo e Adoração dos Magos (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Segue-se o segundo grupo, entre o anteriormente descrito e

Na parede sul da nave, junto ao arco triunfal, vemos num re-

o arco triunfal, que corresponde à terceira campanha, tratando-se

gisto superior uma Anunciação que deverá fazer parte da terceira

de um ciclo narrativo sobre a Infância de Cristo. Temos a Natividade

campanha pictórica e, abaixo, a representação de São Bartolomeu,

no registo superior onde se observa José à esquerda e a Virgem à

correspondente à primeira campanha, cujo tratamento do fundo

direita com Menino Jesus no meio, abrigados numa palhota cujo teto

denota, uma vez mais, um processo simples de resolver a questão

de palha é sustentado por colunas e, ao fundo, um muro com vários

da perspetiva, com uma linha que divide o pavimento do plano de

vãos. No registo intermédio a Apresentação no Templo com as figuras

fundo com aplicação de cores diferentes nestes dois campos, sendo

habituais nesta representação e no registo inferior a Adoração dos

o pavimento ocre e o fundo branco decorado com estrelas estam-

Magos com a Sagrada Família à direita e os reis do lado contrário,

pilhadas. A moldura é também decorada com motivos decorativos

estando um ajoelhado e os outros dois de pé.

estampilhados.

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Parede sul da nave. Anunciação e São Bartolomeu (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Ao lado destas duas composições e ocupando toda a altura da

Parede sul da nave. São Cristóvão (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

As pinturas que consideramos corresponderem à primeira cam-

parede, um São Cristóvão, que nos parece ser também da primeira

panha farão parte do corpus da Oficina do Mestre de Adeganha.

campanha. A pintura está bastante desgastada restando apenas as

cores castanhas, ocres e o desenho preparatório. A moldura é deco-

2002, as pinturas da nave apresentam danos resultantes da presen-

rada com motivos estampilhados.

ça de água na estrutura murária, que deverá ter origem num proces-

Apesar de terem sido sujeitas e uma intervenção em 2001-

so de ascensão capilar, observando-se a formação de sais, perda de coesão do reboco e das massas aplicadas aquando da intervenção de restauro e desgaste da camada pictórica.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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rias pinturas relativamente às quais consideramos que, ainda que não se possa considerar o corpus de uma oficina, terão sido executadas pelo mesmo pintor especialista neste tipo de decoração15.

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Larinho - Capela de Santa Luzia Moncorvo GPS 41.195814, -7.016854

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

Santa Luzia (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

EDIFÍCIO

O edifício, datável do século XVI, tem atualmente o aspeto de

um oratório com telhado de duas águas suportado pela parede onde se encontram as pinturas e por duas colunas. A antiga capela foi demolida na década de 1970, tendo-se conservado apenas parte da parede fundeira. Situa-se a sul da povoação, isolado de outro casario, com orientação nascente-poente.

PINTURAS MURAIS

A pintura é constituída pela representação de uma única figura,

Barra decorativa de emolduramento e, acima, imitação de tecidos em faixas verticais (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Santa Luzia, que segura na sua mão direita a palma do martírio e na outra mão uma bandeja com os olhos, seu atributo habitual. Atrás da figura está representado um muro que divide o espaço interior, onde

se encontra, do espaço exterior atrás de si, não havendo quaisquer

elementos, como desgaste da pintura, estando a parte inferior muito

outros elementos a acompanhar esta representação. A composição

fragilizada pela presença de humidade e de remendos com massa de

é emoldurada por uma barra decorativa onde se observa uma linha

cimento.

dupla ondulante, com meia flor de cada lado desta linha, de desenho vermelho sobre fundo branco. Acima desta composição existiria outra decoração imitando tecidos com motivos vegetalistas em forma de enrolamentos, dos quais já só se percebe bem a barra central também com desenho a vermelho sobre fundo branco, e vestígios das outras ao lado com fundo ocre. Esta decoração aparece em vá-

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

A pintura apresenta danos resultantes da sua exposição aos


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Peredo dos Castelhanos - Igreja de São Julião

Arco triunfal com os dois fragmentos de pintura (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Moncorvo GPS 41.108460, -7.073921

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

EDIFÍCIO

Datável do século XVI, é um edifício de nave única com capela-

-mor mais estreita, com a fachada rematada no topo por campanário de dois sinos e contrafortada no exterior. As paredes são de alvenaria rebocada e localiza-se no centro da povoação, com orientação nascente-poente. Arco triunfal, lado do Evangelho. Natividade (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

PINTURAS MURAIS As pinturas, da segunda metade do século XVI, localizam-se no

No lado contrário, no que resta da pintura, identifica-se

arco triunfal e serão a parte remanescente, que ficou escondida atrás

uma composição com a representação de três figuras. Em posição

dos retábulos colaterais, de um conjunto mais vasto que deveria re-

central está São Pedro sentado num trono, de mitra e luvas verme-

vestir toda a parede.

lhas levantando a sua mão direita em gesto de bênção. Ao seu lado

direito está Santo André segurando a cruz em aspas, símbolo do seu martírio e com a qual é habitualmente representado. No lado conNo fragmento do lado do Evangelho vêm-se, parcialmente, duas

trário outra figura de pé, impossível de identificar tendo em conta

figuras, uma em primeiro plano representando um homem barbado

a falta de elementos iconográficos visíveis e o espesso depósito de

com o olhar dirigido para baixo, estando a segunda figura um pouco

sujidade que impede uma boa leitura deste conjunto.

mais atrás, com chapéu e vara apoiada no ombro, não havendo mais

elementos identificadores da cena. No entanto, pomos a hipótese

que também não é possível identificar por se encontrar mutilada e

de se tratar de uma Natividade, sendo uma das figuras São José e a

por falta de elementos iconográficos.

outra um pastor. Esta pintura está sobreposta a outra, uma vez que

do lado esquerdo e em baixo se vê parte de um reboco pintado com

e sujidade, algumas lacunas provocadas pela fixação do retábulo e

outras cores e com linhas que definirão outra composição.

falta de aderência do reboco ao suporte em alguns pontos.

Por cima do trono, e sentado neste, vê-se parte de uma figura

As pinturas encontram-se com um espesso depósito de poeiras

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Arco triunfal, lado da Epístola. Santo André, São Pedro e outra figura não identificada (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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17

Sequeiros - Igreja de Nossa Senhora da Teixeira Moncorvo GPS 41.149495, -7.068295

Datações de 1584 na capela-mor e de 1595 na galilé (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Visita virtual (2021, DETALHAR©).

As pinturas do exterior do edifício, na abóbada da galilé e na

parte superior da parede de entrada são, em conjunto, a representação de um Juízo Final. Por cima do portal de entrada e centrado

EDIFÍCIO

com a porta, vemos Cristo sentado num arco-íris com os pés sobre o

Construído no século XVI, entre 1580 e 1595, é um pequeno

globo terrestre, tendo à sua direita a Virgem e Moisés e uma espada

templo de nave única e capela-mor, divididos entre si por grade me-

ao nível da cabeça. Do lado contrário, lírios e duas figuras não iden-

tálica, sendo ambos os espaços abobadados. O edifício é antecedido

tificáveis e, à sua volta, vêem-se vários anjos com instrumentos da

por galilé tendo um contraforte em cada uma das paredes laterais.

Paixão.

O portal de entrada tem um arco de volta perfeita. Está implantado em ambiente rural a cerca de 700 metros da povoação de Sequeiros e a 4 quilómetros de Torre de Moncorvo, com orientação nascente-poente.

PINTURAS MURAIS

Este conjunto de pinturas, que reveste integralmente o interior

da ermida e a abóbada da galilé, apresenta duas datas, 1584 inserida numa cartela de uma barra de grotesco na capela-mor e 1595 na legenda que remata as pinturas da galilé.

Parede de entrada. Cristo a presidir ao Juízo Final (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na pintura da abóbada estão representados os eleitos do

lado direito de Cristo percebendo-se a representação de bispos e de monges de várias ordens como os dominicanos, cistercienses e franciscanos e, identificando-se pelo seu atributo, a figura de São Lourenço.

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Face interna da parede de entrada. Representação da Morte e do primeiro Ermitão (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Abóbada da galilé, lado esquerdo em relação à entrada. Representação dos eleitos no Juízo Final (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Ao longo das paredes e abóbada vamos encontrar trinta com-

posições com molduras fingidas e rosetas no cruzamento destas molduras representado várias figuras e cenas.

Os condenados estão do lado contrário a partir da zona baixa

da abóbada, com vários personagens nus e vestidos a serem levados e castigados pelos diabos vendo-se alguns corpos a saírem das sepulturas. Esta representação diferenciando os eleitos e os condenados é reforçada pela legenda existente no arranque da abóbada onde, do lado dos eleitos se pode ler «VINDE BENEDITOS DE MEU PADRE VENIT BENEDIT» e do lado contrário «I VOS MALDITOS DE MEU PADRE ITE MALEDITI».

Vista geral da nave e das suas pinturas (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Começando da entrada em direção ao altar, na parede norte,

temos um conjunto de composições de temática Mariana - Nossa Senhora das Dores, Coroação de Nossa Senhora, Apresentação no Templo, Adoração dos Magos e Encontro de Nossa Senhora com Santa Isabel.

Abóbada da galilé, lado direito em relação à entrada. Representação dos condenados no Juízo Final (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Entrando na igreja, vemos na face interna da fachada, centra-

da com a porta de entrada, uma representação da Morte em forma de esqueleto com um gadanha ao lado, com uma inscrição onde se pode ler: «VIGILATE QUIA . NE (...)S . QUA . HORA . DNS . VENIET». À direita do observador vemos a representação do primeiro ermitão deste ermitério, de seu nome Jordão, com uma cartela a seu lado que o identifica e onde se pode ler: «IANO ESTE HE [O] PRIEMEIRO IRMITAO QUE ESTEVE NA CASA».

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Nave, parede norte. Nossa Senhora das Dores e Coroação de Nossa Senhora (2020, fotografia de Paulo Bastos©).


Nave, parede norte. Apresentação no Templo e Adoração dos Reis Magos (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Nave, parede norte. Encontro de Nossa Senhora com Santa Isabel (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na parede sul, pela mesma ordem, temas relacionados com a

Paixão de Cristo - Santa Maria Madalena, Ressurreição, Aparição de Cristo à Virgem, Incredulidade de São Tomé e Última Ceia.

Nave, parede sul. Santa Maria Madalena, Ressurreição, Aparição de Cristo à Virgem, Incredulidade de São Tomé e Última Ceia (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Enquanto que as representações enumeradas estão ligadas à

Virgem e a Cristo, as restantes composições da abóbada são representações de santos. Começando pela primeira fiada do lado norte e da entrada para o altar, e segundo a identificação de Luís Afonso16, temos: Profeta (?), santo não identificado, São Bartolomeu, São Tomé e São João Evangelista.

Abóbada, primeira fiada do lado norte. Profeta (?), santo não identificado, São Bartolomeu, São Tomé e São João Evangelista (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na segunda fiada do mesmo lado e pela mesma ordem: São

Jerónimo, Apóstolo (?), São Tiago, Santo André, São Gregório (?).

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No lado sul e começando pela primeira fiada, da entrada para

o altar temos: São Lucas, Cristo e Nicodemos, Apóstolo (?), São Pedro, São Marcos.

Abóbada, segunda fiada do lado norte. São Jerónimo, apóstolo (?), São Tiago, Santo André e São Gregório (?) (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Na segunda fiada do mesmo lado e pela mesma ordem: Santo

Ambrósio (?), São Mateus, São Tiago Menor, São Paulo, Santo Agostinho.

Abóbada, primeira fiada do lado sul. São Lucas, Cristo e Nicodemos, Apóstolo (?), São Pedro e São Marcos (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

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Na capela-mor, na parede do lado do Evangelho, podem ob-

servar-se várias composições que, aparentemente, não tem um fio condutor entre si. Assim, temos a representação de Jesus e Maria seguida do Martírio de São Sebastião e por fim um nicho onde no fundo se vê uma paisagem com várias construções. Do lado contrário a Flagelação de Cristo e, por cima da fresta, Cristo com um nimbo cruciforme entre dois candelabros.

A rematar as paredes de um e de outro lado vemos uma barra

de grotescos em tons de cinza sobre um fundo vermelho onde, no do lado do Evangelho, existe uma cartela com a data de 1584.

Abóbada, segunda fiada do lado sul. Santo Ambrósio (?), São Mateus, São Tiago Menor, São Paulo e Santo Agostinho (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

No arco triunfal, do lado do Evangelho, observa-se a represen-

tação de Santo Amaro e por cima do arco outras representações, numa escala menor, que parecem ser de monges eremitas e, do lado da Epístola, outra representação que não é possível identificar devido ao mau estado de conservação em que se encontra.

Capela-mor. Pinturas nas paredes do lado do Evangelho e da Epístola, respetivamente (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Na abóbada, uma pintura já mais tardia e de menor qualidade

formal, com a representação de Cristo sentado num trono, inserido numa espécie de mandorla, como na pintura românica, rodeado de Arco triunfal com a representação de Santo Amaro do lado do Evangelho (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

anjos e de querubins, sendo a restante área da abóbada pintada com nuvens.

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Capela-mor. Abóbada (2020, fotografia de Paulo Bastos©).

Segundo a lenda, terá sido o próprio ermitão, Frei Jordão do

Espírito Santo, que, após uma viagem a Roma pintou a ermida dizendo-se que é o seu autorretrato que está pintado na face interna da parede de entrada.

Ainda que se trate de uma primeira análise, que deverá ser

confirmada após a intervenção de restauro a que as outras pinturas virão a ser sujeitas, as pinturas da nave desta igreja serão da mesma autoria das da Capela de Santo Cristo de Castro Vicente, pinturas que foram postas a descoberto recentemente após a desmontagem do retábulo que as escondia. Estas pinturas encontram-se com um espesso depósito de sujidade, que impede uma boa leitura, e só após a sua limpeza se poderá fazer uma comparação adequada.

De um modo geral, as pinturas apresentam danos resultantes

da humidade contida no suporte, manifestando-se pela presença de sais, de falta de aderência do reboco ao suporte, lacunas e fissuras. Na abóbada da galilé, parte dos danos que se observam, sobretudo inúmeras lacunas de reduzida dimensão, são resultado de uma atitude iconoclasta da parte dos jovens que por ali passavam e atiravam pedras aos diabos. Hoje isto já não acontece porque foi-se percebendo a importância deste património e da sua conservação.

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NOTAS 1

MOURINHO (Júnior), António Rodrigues - A Arquitectura Religiosa na Anti-

15 Ver subcapítulo sobre Autorias / Oficinas.

ga Diocese de Miranda do Douro (Bragança). 1545-1800. Sendim: Câmara Mu-

16 Páginas 917-922 do Volume 2 de AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural

nicipal de Miranda do Douro, 1995.

Portuguesa entre o Gótico Internacional e o fim do Renascimento: Formas, Sig-

2

AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Inter-

nificados, Funções. 2 Volumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

nacional e o fim d o Renascimento: Formas, Significados, Funções. 2 Volumes.

17 Página 228 da obra Ho flos sanctõ[rum] em lingoaje[m] p[or]tugue[s]. - Li-

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

xboa: per Herman de campis bombardero del rey & Roberte rabelo, 1513. Biblio-

3

AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Inter-

nacional e o fim d o Renascimento: Formas, Significados, Funções. 2 Volumes.

teca Nacional de Portugal. Cota: res-157-a. (disponível em https://purl.pt/12097/5/#/9)

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. 4

CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos

Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001. CAETANO, Joaquim Inácio - Motivos decorativos de es tampilha na pintura a fresco dos séculos XV e XVI no Norte de Portugal. Relações entre pintura mural e de cavalete. Lisboa: Instituto d e História da Arte d a Faculdade d e Letras da Universidade de Lisboa, 2011. Dissertação de Doutoramento em História (policopiado), 2 Volumes. (disponível em WWW: <URL: http://repositorio.ul.pt/handle/10451/2829)

5

CAETANO, Joaquim Inácio - Os frescos de Picote. INVENIRE. Moscavide. 16

(2018) 30-41. 6

Agradecemos a D. José Angel Rivera de la Heras a preciosa ajuda na leitura

destas inscrições. 7

ROSAS, Lúcia Maria Cardoso - O eremitério Os Santos em Sendim/Picote.

Douro – Estudos e Documentos. Porto. 5: 9 (2000) 47-57. 8

Página 436 de ALVES, Francisco Manuel [Abade de Baçal] - Memórias Ar-

queológico-históricas do Distrito de Bragança. Tomo 11. Porto: Tipografia Empresa Guedes, 1947. 9

Páginas 691-698 do Volume 2 de AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural

Portuguesa entre o Gótico Internacional e o fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. 2 Volumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. 10 Páginas 746-751 do Volume 2 de AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Internacional e o fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. 2 Volumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. 11 MOURINHO (Júnior), António Rodrigues - A Arquitectura Religiosa na Antiga Diocese de Miranda do Douro (Bragança). 1545-1800. Sendim: Câmara Municipal de Miranda do Douro, 1995. 12 Páginas 672-677 do Volume 2 de AFONSO, Luís Urbano - A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Internacional e o fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. 2 Volumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. 13 Ver subcapítulo sobre Autorias / Oficinas. 14 Em 1845 ainda era capela de São Domingos, conforme o Inquérito Paroquial desse ano (Página 355 de SOARES, Franquelim Neiva - Visitações e Inquéritos Paroquiais da Comarca da Torre de Moncorvo de 1775-1845. Braga: edição do autor, 1981).

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PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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COLEÇÃO

Património a Nor te Edição da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), PATRIMÓNIO A NORTE é uma coleção monográfica, numerada, sem periodicidade fixa, disponível em versão impressa e digital, acessível gratuitamente online (www.culturanorte.gov.pt). Destinada a técnicos e público generalista, aborda variados temas dentro do amplo universo de atuação da DRCN, da reabilitação patrimonial à conservação e restauro, da investigação histórica, arqueológica e etnológica à salvaguarda, das artes à museologia.


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Nº 01

Nº 02

“10 anos de reflexão sobre Casasmuseu em Portugal” reúne 7 textos de sete autores, que tentam sintetizar 9 encontros de reflexão e debate sob o tema Casas-museu, realizados em Portugal desde 2010 sob a égide do ICOM - International Council of Museums – Portugal e o DEMHIST International committee for historic house museums. Decorridos em 9 espaços de referência do atual panorama museológico português, estes encontros constituíram uma oportunidade privilegiada de reunir profissionais das mais variadas especialidades dentro do universo museológico, não só português, mas igualmente internacional. Indo para além do clássico formato de atas, tenta no seu conjunto trazer reflexões atuais sobre o tema, diversificando abordagens, experiências e perspetivas.

“A Pintura Mural no Museu de Alberto Sampaio” apresenta com rigor cientifico e de forma acessível a coleção de 10 pinturas murais de século XVI hoje integradas no Museu de Alberto Sampaio, em Guimarães. Sendo possível ao público apreciar 8 destas pinturas murais na “Sala dos Frescos” do Museu de Alberto Sampaio, este estudo inclui ainda pinturas menos conhecidas, conservadas nas reservas do museu. Inicialmente pintadas em paredes de igrejas e casas religiosas, o destacamento destas pinturas murais dos seus locais originais e posterior integração no Museu de Alberto Sampaio, enquanto peças museológicas, é o mote para uma abordagem ampla aos seus contextos de proveniência e à sua integração no panorama geral da pintura mural no Norte de Portugal, abordando técnicas, estilos, oficinas, encomendadores e as lógicas religiosas e de poder por trás da sua produção e do seu significado.

Nº 03

Nº 04

“Centros Interpretativos: técnicas, espaços, conceitos e discursos” reúne textos de apresentação de alguns dos mais significativos centros interpretativos do Norte de Portugal. Espaços estruturados de apoio à interpretação, medeiam objetos tão diversificados como monumentos, territórios, vivências, tradições, fenómenos socioculturais, acontecimentos históricos ou personalidades. Aqui explicados na “primeira pessoa” pelos decisores e equipas técnicas responsáveis pela sua conceptualização, desenho e materialização, disponibiliza numa só publicação uma síntese de saberes e experiências, tão pertinente quanto necessária, num período em que este tipo de espaço de interpretação se impôs já como modelo privilegiado nas mais diversas temáticas na área da Cultura, Património, Artes e Turismo-cultural.

“Pintura Mural: intervenções de conservação e restauro” reúne um excecional conjunto de intervenções de conservação e restauro sobre pintura mural realizadas no Norte de Portugal e Espanha. Inseridas em igrejas, capelas e ermitérios de ambos os lados da fronteira, os aspetos simbólicos, técnicos e formais destas pinturas murais expõem um fenómeno transversal aos dois “reinos” ibéricos, com especial expressão junto à “raia”, revelando um mundo de partilha onde artífices itinerantes levam consigo práticas e gostos, ignorando fronteiras. Aqui descritas na “primeira pessoa” pelos técnicos de conservação e restauro responsáveis, partilham-se problemáticas, conceitos, materiais e técnicas em ambas as línguas ibéricas.

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“Mediação Cultural: objetos, modelos e públicos” reúne textos de alguns dos mais significativos equipamentos culturais da região Norte de Portugal, que aqui são desafiados a apresentar, “na primeira pessoa”, a sua atuação na área da mediação cultural. Espaços, meios, estratégias, equipas e públicos são abordados numa lógica de partilha de experiência e conhecimento, versando áreas de aplicação tão diversas quanto História, Arte Antiga, Contemporânea ou Rupestre -, Território, Arquitetura, teatro ou Ciência. Procurando partilhar tanto quanto provocar o debate, o diálogo é desde logo aberto com um acutilante texto de reflexão por Guilherme d’Oliveira Martins: “Todas as pessoas têm o direito de se implicar e de participar na valorização do património cultural, segundo as suas escolhas, como modo de assegurar o direito a tomar parte livremente na vida cultural. Daí a importância da mediação cultural, ou seja, de promover e aprofundar a participação dos cidadãos na gestão e preservação do património”.

“Convento de Vilar de Frades: perspetivas de intervenção 19942008” convida o leitor a revisitar o processo de reabilitação de um dos mais icónicos Monumentos Nacionais da região Norte de Portugal. Numa lógica de partilha de experiências, alguns dos seus principais intervenientes são desafiados a expor conceitos, opções e resultados em áreas como História, História da Arte, Arqueologia, Arquitetura e Conservação e Restauro, abordando o percurso feito através das fases de estudo prévio, projeto e restauro de edifícios, azulejaria, pintura e mobiliário. O lugar de referência ocupado por este icónico convento é ainda o pretexto perfeito para uma incisiva reflexão de Paulo Pereira sobre a atualidade do “Património Monástico” enquanto herança cultural – as escolhas do passado e as opções do futuro.

“Tongobriga: coletânea de estudos comemorativos de 40 anos de investigação” reúne um conjunto de treze contributos de dezasseis autores que, agrupados em três grandes áreas de atuação (“Investigação Científica”, “Formação Profissional” e “Mediação Cultural”), celebram as principais vertentes de atuação do serviço que a Direção Regional de Cultura do Norte tem instalado na Área Arqueológica do Freixo (Marco de Canaveses), classificada como Monumento Nacional desde 1986. Quatro décadas decorridas sobre o início, em agosto de 1980, da investigação que, desde logo, proporcionou e justificou o desenvolvimento das outras duas áreas preferenciais de ação, os contributos aqui reunidos estão naturalmente focados nos anos mais recentes e assumem diferentes formas e distintos conteúdos: da síntese histórica à perspetiva futura, da experiência vivida à projeção de um horizonte distante, do discurso expositivo à expressividade da imagem, do relato sobre aquilo que foi feito à expressão do desejo de concretizar o muito que ainda está por fazer.

“Cinema: espaços, estudos, instituições e património” proporciona ao leitor uma visão de conjunto do panorama atual do universo da “sétima arte” em Portugal, com enfoque na região Norte. Investigadores, entidades reguladoras, gestoras e de ensino, cineclubes e museus são convidados a abordar temas como as salas de cinema, imprensa da especialidade, conservação, patrimonialização, reabilitação, musealização, associativismo, ensino, produção, divulgação e consumo. Profusamente ilustrada com centenas de desenhos, fotografias, reproduções, fotogramas, vídeos e visitas virtuais, conta com especial colaboração dos principais arquivos nacionais e salas de cinema.

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VISITAS VIRTUAIS

parceria www.arquitetura360.pt

colecção PATRIMÓNIO A NORTE

Para uma experiência imersiva das visitas virtuais disponibilizadas, utilize óculos VR (virtual Reality)

Centro Interpretativo do Castelo de Guimarães Guimarães GPS 41.447889, -8.290334

Mosteiro de Santa Maria de Salzedas Tarouca GPS 41.0546361, -7.7256082

Mosteiro de São João de Tarouca Tarouca GPS 40.99575, -7.7483444

Convento de Santo António de Ferreirim Lamego GPS 41.052588, -7.775415

Centro de Interpretação do Românico Lousada GPS 41.278567, -8.283357

Tongobriga Marco de Canaveses GPS 41.161600, -8.147180

Centro Interpretativo do Vale do Tua Carrazeda de Ansiães GPS 41°12’25.7″, -7°25’10.2″

Casa da Memória Guimarães GPS 41.4420443, -8.2931302

Mosteiro de São Martinho de Tibães Braga GPS 41.555895, -8.479021

Museu de Alberto Sampaio Guimarães GPS 41.442609, -8.292255

Fundação de Serralves Porto GPS 41.159728, -8.659930

Centro de Interpretação da Cultura Sefardita do Nordeste Transmontano Bragança GPS 41.806040, -6.755918

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PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I


Museu do Douro Peso da Régua GPS 41.161646, -7.789954

Fundação Côa Parque Museu do Côa Vila Nova de Foz Côa GPS 41.080006, -7.111904

Casa da Arquitetura Matosinhos GPS 41.178405, -8.686878

Casa da Música Porto GPS 41.158761, -8.630723

Teatro Nacional São João Porto GPS 41.144612, -8.607457

Galeria da Biodiversidade Porto GPS 41.153633, -8.642540

Convento de Vilar de Frades Barcelos, Braga GPS 41° 32’ 25”, -8° 33’ 23”

Coliseu Porto Ageas Porto GPS 41.146902, -8.605639

Cinema Trindade Porto GPS 41.150500, -8.611982

Teatro Sá da Bandeira Porto GPS 41.146805, -8.608901

Cinema Passos Manuel Porto GPS 41.146902, -8.605639

Teatro Municipal do Porto (Rivoli) GPS 41.147757, -8.609533

Cinema São Jorge Lisboa GPS 41.158761, -8.630723

Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia Miranda do Douro GPS 41.473636, -6.356554

Duas Igrejas - Igreja de Nossa Senhora do Monte Miranda do Douro GPS 41.469000, -6.350424

Fonte de Aldeia - Capela da Santíssima Trindade Miranda do Douro GPS 41.428060, -6.406822

PINTUR A M UR A L : A R A IA TR A NSM ONTA NA NO SÉCULO XV I

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Malhadas - Igreja de Nossa Senhora da Expectação Miranda do Douro GPS 41.543245, -6.326374

Picote - Capela de Santo Cristo dos Carrascos Miranda do Douro GPS 41.400612, -6.364372

Sendim-Picote - Ermitério Os Santos Miranda do Douro GPS 41.38906, -6.39527

Azinhoso - Igreja de Santa Maria/ Nossa Senhora da Natividade Mogadouro GPS 41.384084, -6.684362

Castro Vicente - Capela de Santo Cristo Mogadouro GPS 41.376019, -6.829201

São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho Mogadouro GPS 41.422904, -6.616801

Legoinha - Ermida de Santo Amaro Alfândega da Fé GPS 41.337388, -6.846638

Sendim da Ribeira - Capela do Divino Senhor dos Milagres Alfândega da Fé GPS 41.309080, -6.905991

Valpereiro - Ermida de São Geraldo Alfândega da Fé GPS 41.392104, -6.902434

Adeganha - Igreja de São Tiago Moncorvo GPS 41.274326, -7.049880

Larinho - Capela de Santa Luzia Moncorvo GPS 41.195814, -7.016854

Peredo dos Castelhanos Igreja de São Julião Moncorvo GPS 41.108460, -7.073921

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Sequeiros - Igreja de Nossa Senhora da Teixeira Moncorvo GPS 41.149495, -7.068295

PI N T U R A M URA L : A RA I A T RA N S M O N TA N A N O S ÉCULO XV I

Teixeira - Igreja de São Bartolomeu Miranda do Douro GPS 41.446004, -6.505115


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“Pintura mural: a raia transmontana no século XVI” identifica, descreve e caracteriza formal e tecnicamente 35 dos principais núcleos de pintura mural do nordeste de Portugal. Distribuídos por 4 concelhos - Miranda do Douro, Mogadouro, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo -, com paralelos formais e estilísticos na “raia” espanhola, o leitor é levado a conhecer os locais, as técnicas, as “oficinas”, a estética, a simbologia e o imaginário associado a este fenómeno cultural, artístico, religioso e popular tão marcante da “raia” transmontana de século XVI, constituindo-se hoje como uma das maiores heranças culturais comuns entre Portugal e Espanha.

Edição da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), PATRIMÓNIO A NORTE é uma coleção monográfica, numerada, sem periodicidade fixa, disponível em versão impressa e digital, acessível gratuitamente on-line (www. culturanorte.gov.pt). Destinada a técnicos e público generalista, aborda variados temas dentro do amplo universo de atuação da DRCN, da reabilitação patrimonial à conservação e restauro, da investigação histórica, arqueológica e etnológica à salvaguarda, das artes à museologia.


PA RC E R I A

FINANCIAMENTO

España - Portugal

UNIÃO EUROPEIA

PATCOM

Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

INSTITUTO DE HISTÓRIA DA ARTE FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DE LISBOA

DISPONÍVEL ONLINE www.culturanorte.gov.pt


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