Evandro Carlos Jardim

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na gravura e na pintura (aquarela e têmpera). Como na memória, há

coleção arte trabalho e ideal

acumulação e sedimentação antes da invenção e síntese. As perguntas roteirizam e decupam etapas, provocando generosas respostas que esclarecem não só o estudante de artes e o teórico do setor, como o público em geral. A gravura em metal, central na produção do artista, é o foco principal da entrevista e onde reside um dos maiores méritos des-

O triângulo “arte, trabalho e ideal”

ta publicação. O testemunho em primeira pessoa arranca o ranço

abrange o gesto artístico. O pensa-

dos manuais e joga o exercício dessa técnica exigente para uma

mento crítico o acompanha, e as

prática inventiva, que sabe subverter a tradição e alcançar dicção

técnicas o tornam possível. Esse

contemporânea. Embora frise a importância do domínio técnico

gesto define a fabulosa complexi-

como incontornável para atingir a autoria poética, Evandro está

dade da relação com o mundo e a

atento às lições do acaso.

insaciável necessidade que o artis-

Folheados e comentados, acasos inscritos em diversos cader-

ta tem de questioná-la, mensurá-la

nos de anotações, que o artista faz no cotidiano do ateliê ou nas

e inventá-la. Investigar esse univer-

caminhadas pela cidade, geram outro momento delicioso da en-

so é o intuito desta coleção.

trevista. É quando são confrontados esboço e obra final. Mas a rigor não existe obra final no trabalho de Evandro, que justapõe desenhos, retrabalha diversas vezes a mesma matriz e obtém, assim, muitas versões de uma única imagem. Que sempre pode ganhar mais elementos e se articular com outras matrizes para nova obra, sempre no trânsito entre espaço urbano e ateliê. Símbolos máximos dessa cartografia pessoal, há gravuras como o Pico do Jaraguá (ponto mais alto do raro horizonte natural de São Paulo) mas também com o antigo vidro de tinta de caneta-tinteiro pousado na mesa. Enlaçados, por vezes, com textos de autoria do próprio artista em fluente caligrafia. Porque, como observa Evandro, “quando o ser humano olha alguma coisa, ele não olha somente através da fisiologia do olho, ele olha também com

Evandro Carlos Jardim ocupa um lugar significativo na história da arte brasileira. Ele é conhecido por seu trabalho de gravura em metal, cujos processos reinventa há mais de quarenta anos. E também é pintor. Sua obra é feita de um vaivém entre técnicas e suportes. Ele não para de trabalhar, observando e anotando os lugares de sua eleição: seja uma cidade, seja São Paulo, a natureza, o rio Tamanduateí ou o vento que sopra do mar.

a potência da alma”.

arte trabalho e ideal evandro carlos jardim

Na entrevista, Evandro expande experiências, contextualiza intenções e elenca processos de trabalho tanto no desenho quanto

evandro carlos jardim arte

org. fabiana de barros michel favre marcia zoladz

trabalho e ideal

Este livro realiza algo de inestimável importância para a percepção e fruição da obra de um dos protagonistas da história da gravura no Brasil. Seus autores alcançam aquele olhar por cima do ombro do artista empenhado na criação do trabalho. Evandro Carlos Jardim é flagrado quase no momento mesmo em que as ideias assomam e o levam da intenção ao gesto que vai fixar as imagens e a poética que caracterizam sua obra, tão extensa quanto plena de reflexões sobre tempo e memória. Momento íntimo, a que o grande público não costuma ter acesso, e do qual só conhece os resultados nas exposições. Para revelar esses bastidores, foi adotado o formato da extensa e minuciosa entrevista no ateliê. Como nunca é demais frisar, a palavra do artista é testemunho precioso. É fonte primária que vai semear caminhos mais sólidos para abordagens teóricas posteriores, dispensando os adjetivos e suposições de gabinete, infelizmente tão recorrentes ainda na historiografia da arte brasileira. Provocado por perguntas precisas, feitas por Fabiana de Barros e Michel Favre, Evandro vai detalhando de modo fascinante e acessível (afinal, é também um excelente professor) a genética de suas imagens. Ele narra as ações que constroem seu processo de trabalho, escolhas de materiais e instrumentos, técnicas e invenções. A ambiência do ateliê, com multidão de objetos de trabalho em perfeito ordenamento na bancada, na prancheta e nas paredes, é esquadrinhada com sensibilidade nas fotos realizadas por João Musa e Favre. Essa documentação visual contribui, também, para penetrarmos na natureza do que é feito ali e da qual se ocupa, com sua agudeza habitual, o texto crítico de Aracy Amaral. A historiadora de arte, com a autoridade de ter acompanhado os quarenta anos de trajetória de Evandro, chama a atenção para a característica principal do universo criativo em que ele se move, descartando a tentação de buscar datas e fases estanques, mecanicamente evolutivas. Alerta para “o perfil de sua trajetória circular, que retorna a si própria, constantemente. E que encerra, nesses regressos, a chave de sua

Angélica de Moraes crítica de arte e curadora

poética particular”. Amaral observa que a “lição de vigilância e exceISBN 978-85-9493-195-5

lência” de Evandro se dá, isto sim, por blocos de assuntos e investigação obsessiva sobre a fluidez da memória.

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DETALHE DA CHAPA DE GRAVURA DA SEQUÊNCIA TAMANDUATEÍ, COM O PRÉDIO DO PALÁCIO DAS INDÚSTRIAS SEMPRE À ESQUERDA NA ESTAMPA E À DIREITA NA CHAPA. ÁGUA-FORTE E ÁGUA-TINTA, REALIZADAS DE 1980 ATÉ HOJE.

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Conselho Editorial Ivan Giannini Joel Naimayer Padula Luiz Deoclécio Massaro Galina Sérgio José Battistelli Edições Sesc São Paulo Gerente Iã Paulo Ribeiro Gerente adjunta Isabel M. M. Alexandre Coordenação editorial Clívia Ramiro, Cristianne Lameirinha, Francis Manzoni Produção editorial Thiago Lins Coordenação gráfica Katia Verissimo Produção gráfica Fabio Pinotti Coordenação de comunicação Bruna Zarnoviec Daniel

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org. fabiana de barros michel favre marcia zoladz

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ATELIÊ DO ARTISTA, 2016.

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© Edições Sesc São Paulo, 2019 Trecho do poema “O sim contra o sim”, página 16: © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto Todos os direitos reservados Preparação Elen Durando Revisão Sílvia Balderama, André Albert Versão para o inglês Anthony Cleaver Projeto gráfico e diagramação Rico Lins +Studio, Julieta Sobral Capa Rico Lins +Studio, Julieta Sobral Imagens da capa: detalhes de Muita chuva em setembro e Verão VIII. Fotos de João Musa. Fotos João Musa: páginas 2-3, 6-7, 10-11, 14-15, 19, 28, 32-3, 71 a 93, 96 a 109, 113, 116, 119, 120-1, 123, 157, 160. Michel Favre: páginas 20-1, 22, 23, 34, 35, 40, 43, 46 a 48, 50, 52 a 55, 58, 60 a 62, 64, 66 a 68, 158-9. Fátima Moreira: páginas 94, 95. Dados internacionais de catalogação na Publicação (CIP) EV141 Evandro Carlos Jardim / Organização de Fabiana de Barros; Michel Favre; Marcia Zoladz. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2019. (Arte, trabalho e ideal, 1). 160 p. il.: fotografias. Bilingue (inglês/português). isbn

978-85-9493-195-5

1. Arte Brasileira. 2. Fazer artístico. 3. Atelier de artista. 4. Jardim, Evandro Carlos. I. Título. II. Barros, Fabiana de. III. Favre, Michel. IV. Zoladz, Marcia. V. Arte, trabalho e ideal. cdd

708.981

Edições Sesc São Paulo Rua Serra da Bocaina, 570 – 11º andar 03174-000 – São Paulo SP Brasil Tel. 55 11 2607-9400 edicoes@edicoes.sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp

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sumário apresentação . 12

Danilo Santos de Miranda

introdução . 17 Fabiana de Barros Michel Favre Marcia Zoladz

conversação com evandro carlos jardim: imagens revisitadas . 24 Aracy Amaral

entrevista . 32

por Fabiana de Barros Michel Favre

obras . 72 verbetes . 110 glossário sobre gravura . 114 biografias . 117 english version . 120

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MUITA CHUVA EM SETEMBRO, DETALHE DA ÁGUA-TINTA, 23 X 26,5 CM, 2000.

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apresentação Nas mãos do artista, as possibilidades experimentais se desenham como potências imensuráveis. O ato criador propicia conectar distintas linguagens e adotar tecnologias contemporâneas ou advindas de tempos remotos, que ora se amalgamam ora se permutam, para esfacelar ou perpetuar anseios, costumes e visões sobre o mundo. É na urgência de verter ideias que o artista traça o extraordinário e lança-se em busca do desconhecido, arriscando inovações estéticas ou recriando perspectivas. Numa métrica imprecisa, a decantação de vivências decorrentes do fazer artístico e sua fruição colaboram na construção de acepções e sentidos que, por vezes, passam a pertencer ao âmbito histórico das ações humanas. Passado que se faz presente nas atividades inventivas, pois estas carregam tradições milenares, consolidando um lastro narrativo inerente à arte. Segundo Mário Pedrosa, “a arte é o exercício experimental da liberdade” , ideia que sugere indagações acerca da complexidade própria desse ofício e nos convoca a refletir sobre as camadas visíveis e invisíveis do campo artístico que, por vezes, esgarçam as fronteiras de outras áreas do conhecimento. Tal maleabilidade insinua frestas para potentes transformações, pois configura um território fértil para perscrutar as questões humanas e os dilemas existenciais, acessando o sensível e o simbólico. É isso que possibilita a distintos agentes da área educativa, social e cultural envolver-se em ações depositárias de um legado de reflexão e produção coletiva – em conformidade com as noções de liberdade e autonomia, caras em significado e propósito ao Sesc. Nesse contexto, a publicação de uma coleção voltada para as artes visuais almeja colaborar para a difusão de saberes, propiciando, por meio

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de variados olhares e práticas, a aproximação com distintas poéticas e o acesso a elas. Dessa forma, ao se defrontar com a espessura do presente, a coleção Arte, trabalho e ideal, organizada por Fabiana de Barros, Michel Favre e Marcia Zoladz, apresenta recortes de histórias de vida dedicadas às dimensões do fazer artístico, contextualizando o artista e sua obra por meio da escrita e das imagens, revelando os plurais modos de reinventar o mundo para si e para o outro. Nessa perspectiva, o entendimento da publicação de livros como patrimônio cultural reúne subjetividades e ancora ações para democratizar e ampliar a variedade de recursos de acesso à arte. Em certa medida, a noção de memória é sugerida tanto pelo próprio formato colecionável – podendo caracterizar um pequeno acervo sobre o assunto – quanto pela apresentação das lembranças dos artistas em entrevistas, aprofundando a construção de uma biografia atrelada a questões artísticas que passam a compor o repertório de cada leitor. O primeiro convidado, que honra a coleção, é Evandro Carlos Jardim. Artista, professor e gravador reconhecido por sua produção artística e intensa atividade docente, transita em universidades, centros de cultura e ateliês de gravura. A construção de seu pensamento gráfico, intensificado pelo adensamento do tempo dedicado à prática da gravura em metal, é permeada por imaginários que se baseiam simbolicamente na cidade de São Paulo, em especial. Valorizar o percurso desse artista brasileiro é iluminar leituras sensíveis das impressões de uma cena contemporânea criada entre luzes e sombras, gravadas no metal e na alma.

DANILO SANTOS DE MIRANDA Diretor Regional do Sesc São Paulo

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Frase contida em artigo do crítico de arte pernambucano (1900-1981) escrito em 1968 para

o Correio da Manhã.

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SEM TÍTULO, NANQUIM E CANETA ESFEROGRÁFICA, 11,3 X 18,5 CM, 1965.

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O sim contra o sim2 Miró sentia a mão direita demasiado sábia e que de saber tanto já não podia inventar nada. Quis então que desaprendesse o muito que aprendera, a fim de reencontrar a linha ainda fresca da esquerda. Pois que ela não pôde, ele pôs-se a desenhar com esta até que, se operando, no braço direito ele a enxerta. A esquerda (se não se é canhoto) é mão sem habilidade; reaprende a cada linha, cada instante, a recomeçar-se. JOÃO CABRAL DE MELO NETO

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"O sim contra o sim". In: A educação pela pedra, João Cabral de Melo Neto, Alfaguara,

Rio de Janeiro, pp. 144-5.

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introdução Investigar “arte, trabalho e ideal” é como colocar em uma perspectiva triangular as relações entre o artista, os meios que ele emprega e a coletividade. É uma geometria tão variável e mutável quanto existem práticas, pensamentos e indivíduos. Um triângulo sempre em movimento, como um protótipo que escapa às modelizações. O trabalho do artista é abordado como um ato de transformação feito de tensões e resistências entre uma intenção e um gesto, uma ideia e um ideal, em contextos incessantemente redefinidos. A coleção Arte, trabalho e ideal é um convite para caminhar pelo ateliê do artista e questionar os três polos desse triângulo. Cada livro é composto de duas partes complementares. Um texto crítico original, escrito por uma personalidade notória escolhida pelo artista, apresenta o trabalho deste e o situa em seu contexto de produção. Em seguida, uma entrevista com o artista na qual a arte é abordada em função de uma prática e de meios orquestrados segundo um ideal. Às vezes, o essencial se desdobra em função do percurso do artista, de suas referências ou daquilo que o motiva. Outras vezes, trataremos as escolhas técnicas como extensões do pensamento ou mesmo ferramentas, consideradas próteses para aumentar certas capacidades em diálogo com o ideal perseguido. São esses meios, técnicas e objetivos que estão no centro da coleção. Quando o pensamento se torna forma, impulsionado por um processo coletivo, ele carrega consigo as condições de sua urgência. Essa, por sua vez, é renovada pela prática e inscrita em sua época.

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Gravitando ao redor de artistas de diferentes horizontes, formações e gerações, cujas escolhas técnicas são tão diversas quanto a gravura, o cinema, a colagem ou a organização de arquivos, nossa coleção dá ênfase, sem hierarquia, às técnicas empregadas pelo artista, revelando sua subjetividade, sua cultura, seus rituais, sua metodologia ou seus erros. Evandro Carlos Jardim ocupa um lugar significativo na história da arte brasileira. Ele é conhecido por seu trabalho de gravura em metal, cujos processos reinventa há mais de quarenta anos. E também é pintor. Sua obra é feita de um vaivém entre técnicas e suportes. Ele não para de trabalhar, observando e anotando os lugares de sua eleição: seja uma cidade, São Paulo, a natureza, o rio Tamanduateí ou o vento quente que sopra do mar. Desde 1959, Evandro Carlos Jardim vem transmitindo sua experiência a várias gerações de artistas. Na entrevista que nos concedeu, ele define com precisão o que vê como o comportamento artístico que poderia ser o subtítulo de nossa coleção: “Quando a gente se envolve com artes plásticas, […] esse compromisso nos leva a um comportamento político, a um comportamento social. […] Você precisa conhecer aquilo que você faz. E saber o que aquilo representa para uma coletividade”. O triângulo “arte, trabalho e ideal” abrange o gesto artístico. O pensamento crítico o acompanha, e as técnicas o tornam possível. Esse gesto define a fabulosa complexidade da relação com o mundo e a insaciável necessidade que o artista tem de questioná-la, mensurá-la e inventá-la.

FABIANA DE BARROS MICHEL FAVRE MARCIA ZOLADZ

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POENTE, ÁGUA-FORTE E ÁGUA-TINTA, 16,5 X 24 CM, 1996/1997.

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na gravura e na pintura (aquarela e têmpera). Como na memória, há

coleção arte trabalho e ideal

acumulação e sedimentação antes da invenção e síntese. As perguntas roteirizam e decupam etapas, provocando generosas respostas que esclarecem não só o estudante de artes e o teórico do setor, como o público em geral. A gravura em metal, central na produção do artista, é o foco principal da entrevista e onde reside um dos maiores méritos des-

O triângulo “arte, trabalho e ideal”

ta publicação. O testemunho em primeira pessoa arranca o ranço

abrange o gesto artístico. O pensa-

dos manuais e joga o exercício dessa técnica exigente para uma

mento crítico o acompanha, e as

prática inventiva, que sabe subverter a tradição e alcançar dicção

técnicas o tornam possível. Esse

contemporânea. Embora frise a importância do domínio técnico

gesto define a fabulosa complexi-

como incontornável para atingir a autoria poética, Evandro está

dade da relação com o mundo e a

atento às lições do acaso.

insaciável necessidade que o artis-

Folheados e comentados, acasos inscritos em diversos cader-

ta tem de questioná-la, mensurá-la

nos de anotações, que o artista faz no cotidiano do ateliê ou nas

e inventá-la. Investigar esse univer-

caminhadas pela cidade, geram outro momento delicioso da en-

so é o intuito desta coleção.

trevista. É quando são confrontados esboço e obra final. Mas a rigor não existe obra final no trabalho de Evandro, que justapõe desenhos, retrabalha diversas vezes a mesma matriz e obtém, assim, muitas versões de uma única imagem. Que sempre pode ganhar mais elementos e se articular com outras matrizes para nova obra, sempre no trânsito entre espaço urbano e ateliê. Símbolos máximos dessa cartografia pessoal, há gravuras como o Pico do Jaraguá (ponto mais alto do raro horizonte natural de São Paulo) mas também com o antigo vidro de tinta de caneta-tinteiro pousado na mesa. Enlaçados, por vezes, com textos de autoria do próprio artista em fluente caligrafia. Porque, como observa Evandro, “quando o ser humano olha alguma coisa, ele não olha somente através da fisiologia do olho, ele olha também com

Evandro Carlos Jardim ocupa um lugar significativo na história da arte brasileira. Ele é conhecido por seu trabalho de gravura em metal, cujos processos reinventa há mais de quarenta anos. E também é pintor. Sua obra é feita de um vaivém entre técnicas e suportes. Ele não para de trabalhar, observando e anotando os lugares de sua eleição: seja uma cidade, seja São Paulo, a natureza, o rio Tamanduateí ou o vento que sopra do mar.

a potência da alma”.

arte trabalho e ideal evandro carlos jardim

Na entrevista, Evandro expande experiências, contextualiza intenções e elenca processos de trabalho tanto no desenho quanto

evandro carlos jardim arte

org. fabiana de barros michel favre marcia zoladz

trabalho e ideal

Este livro realiza algo de inestimável importância para a percepção e fruição da obra de um dos protagonistas da história da gravura no Brasil. Seus autores alcançam aquele olhar por cima do ombro do artista empenhado na criação do trabalho. Evandro Carlos Jardim é flagrado quase no momento mesmo em que as ideias assomam e o levam da intenção ao gesto que vai fixar as imagens e a poética que caracterizam sua obra, tão extensa quanto plena de reflexões sobre tempo e memória. Momento íntimo, a que o grande público não costuma ter acesso, e do qual só conhece os resultados nas exposições. Para revelar esses bastidores, foi adotado o formato da extensa e minuciosa entrevista no ateliê. Como nunca é demais frisar, a palavra do artista é testemunho precioso. É fonte primária que vai semear caminhos mais sólidos para abordagens teóricas posteriores, dispensando os adjetivos e suposições de gabinete, infelizmente tão recorrentes ainda na historiografia da arte brasileira. Provocado por perguntas precisas, feitas por Fabiana de Barros e Michel Favre, Evandro vai detalhando de modo fascinante e acessível (afinal, é também um excelente professor) a genética de suas imagens. Ele narra as ações que constroem seu processo de trabalho, escolhas de materiais e instrumentos, técnicas e invenções. A ambiência do ateliê, com multidão de objetos de trabalho em perfeito ordenamento na bancada, na prancheta e nas paredes, é esquadrinhada com sensibilidade nas fotos realizadas por João Musa e Favre. Essa documentação visual contribui, também, para penetrarmos na natureza do que é feito ali e da qual se ocupa, com sua agudeza habitual, o texto crítico de Aracy Amaral. A historiadora de arte, com a autoridade de ter acompanhado os quarenta anos de trajetória de Evandro, chama a atenção para a característica principal do universo criativo em que ele se move, descartando a tentação de buscar datas e fases estanques, mecanicamente evolutivas. Alerta para “o perfil de sua trajetória circular, que retorna a si própria, constantemente. E que encerra, nesses regressos, a chave de sua

Angélica de Moraes crítica de arte e curadora

poética particular”. Amaral observa que a “lição de vigilância e exceISBN 978-85-9493-195-5

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