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A UTOPIA DA ARTE CONCRETA

Quando Fiaminghi encontrou a pintura do Grupo Ruptura, em dezembro de 1952, sua reação foi de indiferença. “Não calou nada em mim”, disse. Apesar de o manifesto do grupo falar em “os que criam formas novas de princípios novos”9, a exposição foi apenas um entre muitos estímulos à mudança estética que acontecia na época.

Como iria acontecer em outros momentos críticos de seu percurso, Fiaminghi se transformou em reação a um grande impacto catalisador. Foi assim com a II Bienal de São Paulo, em dezembro de 1953. “Com um elenco de primeira grandeza, refletiu o clima de euforia que se espalhou por toda a cidade.”

A exposição mostrou artistas já consagrados nos centros europeus, mas pouco conhecidos em São Paulo. Havia salas especiais de Picasso, Klee, Braque, Duchamp e Mondrian. Volpi foi escolhido como o melhor pintor brasileiro, prêmio dividido com Di Cavalcanti, por pressão de Herbert Read e Mário Pedrosa. São Paulo se queria vanguarda. Institucionalizou-se a ideologia do novo, do crescimento e do progresso pela industrialização, do moderno e da internacionalização. Fiaminghi visitava a Bienal com frequência, em companhia de Charoux, Waldemar da Costa e Valentino Cai. Como dizia, “era boteco e corredor”.

9 Grupo Ruptura, Manifesto, São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1952.

Fiaminghi reagiu ao impacto com recolhimento e trabalho interior. Não ia mais pintar no ateliê de Waldemar da Costa; só aparecia lá para conversar. Em regime de meio período, pintava em casa. Porém, mais fazia estudos do que obras. Na retrospectiva Fiaminghi: décadas 50/60/70, não é mencionada nenhuma pintura datada de 1954. Porém, seus trabalhos em guache daquele ano – raríssimos em fases posteriores de sua produção – indicam que o novo rumo, a arte concreta, já se decidira.

O artista havia encontrado a estrutura dinâmica de módulos, em cores básicas, prenunciando o movimento de formas seriais que distingue suas obras concretas. Já se diferenciava em relação aos outros pintores concretos pela invenção na racionalidade ou pela racionalidade inventiva – uma pintura disruptiva, podemos dizer. Max Bill, por exemplo, pintava soluções racionais de formas seriais e programadas a partir de um algoritmo único, enquanto as formas seriais de Fiaminghi se autossurpreendiam pela interferência da informação original criada pelo artista. No concretismo suíço, imperava a ordem e a continuidade das relações visuais, estáveis. Em Fiaminghi, a invenção ou a criatividade transgrediam a sequência racional, como se introduzissem um algoritmo do caos, recusando a dominação da razão.

Em 1955, o tempo de recolhimento deu lugar ao tempo de pintar. Aos 35 anos, resolveu concentrar toda a sua vitalidade no trabalho artístico. Em junho, participou da abertura da III Bienal com duas obras: Composição vertical I e Sequência de curvas. Na crítica de J. G. Vieira, é identificado como pintor concretista, junto com um grupo de artistas. “Fui pego em flagrante”, reagiu, com seu jeito histriônico. A partir de então, passou a viver e a pintar a utopia da arte concreta, uma visão de transformação da pintura e da sociedade, na esteira da euforia social das décadas após a tragédia da Segunda Guerra Mundial.

Em relação à sociedade, esperava-se um heterogêneo “admirável mundo novo”, indo da fantasia da perfeição da técnica e da indústria ao fetichismo dos objetos e de ambientes de bom design, do desenvolvimento tecnológico e econômico à igualdade social e à abolição da propriedade privada. Nas artes visuais, o projeto era mais homogêneo: a perfeição de uma nova ordem estética, sustentada pelo entendimento da psicologia da forma, a gestalt, como meio para realizar a recepção imediata da obra de arte, como se isso fosse efetivamente possível.

Este trecho de Arte concreta, manifesto de Theo van Doesburg de 1930, sintetiza bem a utopia do concretismo na pintura:

O quadro deve ser inteiramente concebido e formado pelo espírito antes de sua execução… deve ser inteiramente construído com elementos puramente plásticos, isto é, planos e cores. O elemento pictural só significa a “si próprio” e, consequentemente, o quadro não tem outra significação que “ele mesmo”… A construção do quadro deve ser simples e controlável visualmente…A técnica deve ser mecânica, isto é, exata, anti-impressionista… Esforço pela clareza absoluta10.

10 Theo van Doesburg, “Arte concreta”. Em: Aracy Amaral, Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962), São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo e Pinacoteca de São Paulo, 1977, p. 43.

No Brasil, esses princípios se traduziram em guias para a nova pintura concreta, a exemplo do resumo escrito por Waldemar Cordeiro: a) construção espacial bidimensional (o plano); b) atonalismo (as cores primárias e complementares); c) movimento linear (fatores de proximidade e semelhança)11.

Fiaminghi continuou em suas conversas:

O que é pintura concreta? Postulações e princípios, alguns princípios que defendíamos. A nossa proposta de objetivos e princípios com relação às nossas obras era: o despojamento total da forma; pretendíamos uma forma racional e própria das artes plásticas, descongestionadas dos conteúdos literários desnecessários. Os conteúdos literários extrapictóricos, que invadiam as demais tendências. Para nós, um quadro concreto não deveria contar uma história, e sim propor problemas de pintura antes de tudo. Em si próprio conter e transmitir uma visualidade permanente, constante de sua própria linguagem cromática. Um quadro concreto para nós é aquilo que se vê e não aquilo que se pensa que se está vendo. Ou ainda pensar que o que se está vendo no quadro serve apenas de suporte para imaginações gratuitas fora do próprio quadro. O imaginário do inexistente da obra. A nossa obra é geométrica na medida em que a arte não deve ser geometria. Eu vou citar aqui o que Platão considerava e me parece que isso vem bem a calhar neste momento. Platão considerava que copiar os objetos da realidade imediata significava lidar com modelos inferiores. Considerava isso uma imperfeição do mundo das ideias e definia que o uso das formas geométricas seria o absoluto em arte, por serem as únicas a permitir uma visualização do mundo das ideias. As obras tinham em comum a cor e a forma como funções principais, e não os estímulos delas decorrentes. A vibração ótica da cor e da forma, os efeitos produzidos pelo inter-relacionamento da simultaneidade, era o que propúnhamos, era o que executávamos.

Como “princípio de esperança”, na expressão de Ernest Bloch, a utopia concreta aconteceria como expressão do mundo da tecnologia da sociedade industrial, o chamado “mundo administrado” de Adorno. Com sua realização, a humanidade atingiria a perfeição, a plenitude do desenvolvimento do espírito na visão hegeliana. Essa era a húbris, o sentimento de hiperpotência dos concretistas e da cultura brasileira na década de 1950, uma fantasia que durou pouco, mas deixou marcas capazes de ser consideradas como prenúncios de outra fantasia: a de que a cultura brasileira teria um significado global, um discurso que quase cinquenta anos depois ainda pode soar como fantasioso.

Por explorar o limitado código das formas geométricas, altamente redundante e, no fundo, contrário à busca da originalidade, essencial à arte, em pouco tempo se reconheceu que a utopia concreta era uma distopia para os artistas. Como escreveu Haroldo de Campos, ela “aliena a singularidade de cada poeta pela necessidade de uma poética, perseguida em comum, pelo esforço coletivo”12.

A série Virtuais contesta a certeza concreta, uma vez que “seu objeto é determinado negativamente como indeterminável”13 . Essa indeterminação – o objeto é positivo ou negativo? – faz com que a arte concreta deixe de ser a certeza da geometria para ser a incerteza da forma subjetiva, aquela que poderia ser a forma virtual. Ela mesmo provoca e encontra seu fracasso, formula e atesta seu equívoco.

12 Haroldo de Campos, De la razón antropofágica: diálogo y diferencia en la cultura brasileña, Cidade do México: Siglo Veintiuno, 2000, p. 44.

Com essa série, Fiaminghi contestou a sua prática de pintor concreto. Procurou a autotransformação de sua visualidade pela síntese entre elementos opostos: o pleno e o vazio, o triângulo e o losango, as cores complementares. A resultante seria uma não forma tridimensional, ou melhor, uma forma de duas dimensões e meia: a forma-possibilidade ou a forma que almeja vir a ser outra forma, como quer o título da série.

As obras se dão a entender como componentes da autointerrogação do artista, como provocadoras de reflexão, algo totalmente distinto da racionalidade que leva à percepção imediata e autossuficiente, como a arte concreta queria ser. Ou será que o conflito entre o triângulo pleno e o triângulo virtual não representa uma dupla denúncia da arte como ilusão, lembrança da perigosa tendência da arte concreta?

As obras Virtuais se autocontestam enquanto obras de arte, enquanto unidade. Se a série Alternados era um modelo de unidade visual, esta nega tal unidade e se mostra como uma heterogeneidade, como duas formas percebidas como três. A unidade visual da utopia concreta torna-se uma fixação: objetivamente real, subjetivamente irreal – sem querer ser ilusão. É uma situação de interrogações, não mais a do autoritarismo visual, centralizado na própria obra de arte concreta.

13 Theodor W. Adorno, Aesthetic Theory, Mineápolis: The University of Minnesota Press, 1996, p. 72.

Dentro de sua obra pictórica, na tela Corluz, superposição de quadrados em transparência (1958), na página seguinte, Fiaminghi já previra o fim da utopia concreta, movido por sua inquietude e pela permanente busca do novo. Assumiu essa intuição e rompeu com o grupo de pintores concretos em 1959, por meio de uma carta dirigida a Waldemar Cordeiro e a outros colegas.

Fiaminghi foi além da obra concreta. Realizou a objetivação da obra de arte ao negar a forma ideal do capitalismo. Em seu trabalho, não há qualquer traço do processo de produção industrial. Ao contrário, ele propõe a própria materialidade, a forma como a inscrição da própria forma: “a densidade de alguma coisa em si mesma, como alguma coisa colocada em uma obra de arte, não pode ser alguma coisa em si mesma”14

A ação política de Fiaminghi não se realizava por meio do discurso verbal, mas pela própria pintura, com a recusa da forma preestabelecida ou da ornamentação, resultado da beleza fácil, ao gosto do mercado. Ao invés do prazer dos sentidos, sua obra busca expressar sua inquietação intelectual e denunciar o mito do novo capitalismo brasileiro.

O concretismo, sob a liderança intelectual de Waldemar Cordeiro, se queria um movimento de esquerda; porém, hoje é possível constatar que ele se integrava à ideologia desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek. Fiaminghi soube intuir esse avesso da realidade que era a sua verdade. Ao buscar ir além das limitações da utopia concreta, estava fazendo um duplo movimento, estético e político. Ele buscava a verdade estética, isto é, aquela gerada por uma “racionalidade arcaica” e expressa por: “toda obra autêntica propõe igualmente a solução do seu enigma insolúvel”15

Nas obras concretas, Fiaminghi operava somente com as aparências, como se a Pintura, com P maiúsculo, pudesse se limitar à sua exterioridade. Na teoria, os pintores concretos entendiam que a pintura se orientaria

14 Ibidem, p. 108.

15 Ibidem por um discurso sobre sua exterioridade, sem propor uma expressão própria, como se fosse possível uma existência sem essência, ou um acidente sem substância, uma contingência sem necessidade – usando dicotomias próprias da filosofia aristotélica. Podemos assegurar, então, que o concretismo cometeu um equívoco semelhante ao do existencialismo sartriano – por coincidência, na mesma época, no final dos anos 1950.

Logo os concretos se deram conta de sua impossibilidade, não mais como membros de um grupo uno, mas como artistas individuais. Se a série Virtuais expressa a ruptura de Fiaminghi com os programas da arte concreta, as duas obras Superposição sintetizam a sua heureca ao prenunciar o futuro de sua pintura.

O primeiro destaque é a inscrição do gesto pictórico. Antes, suas obras se apresentavam com acabamento industrial, como se tivessem sido pintadas como automóveis, sem intervenção da mão humana. Agora, a pintura passou a revelar a si mesma ou o ato de pintar, assumindo-se como expressão objetiva de uma subjetividade: criação e execução em uma única pessoa – essência e existência em identidade.

As formas, cujo módulo seria o quadrado, deixam de ser definidas por contornos e passam a ser definidas por si mesmas, com limites irregulares, e revelam a inscrição do gesto ou a expressão do pintor.

O segundo destaque refere-se à forma. É preciso salientar que a ruptura de Fiaminghi se realizou pelo quadrado, e não pelo círculo, como seria de se esperar de um gráfico. Nesse momento, para marcar sua descoberta de uma nova pintura, Fiaminghi cria um neologismo – corluz – que viria a identificar sua produção na maturidade.

Na tela já citada, Corluz, superposição de quadrados em transparência, enigmática como As meninas de Velázquez, implode o conflito das formas geométricas com as manchas de cores. Os quadrados existem apenas no título. Na tela, seus contornos foram dissolvidos pela variação da cor, como se marcados pela erosão. A pintura decompôs a geometria, mais do que a desconstruiu. Mesmo as linhas mestras verticais ou horizontais não são contínuas, à exceção das linhas externas, os limites da pintura. Pintar essa tela foi para o artista como comer a maçã da árvore do Paraíso, o fruto proibido para Adão e Eva: o pecado mortal que o expulsou da arte concreta e o condenou a vagar de tela em tela, sem mais nenhum princípio ou guia, e a adotar um discurso sem método, sem esperança de encontrar uma saída, a síntese entre o que via e o que pintava. Uma saída impossível e, por contradição, a porta de entrada para o pedregoso caminho da beleza.

ARTE-RUMO

No início de 1959, Fiaminghi começou a trabalhar no ateliê de Volpi, onde encontrou uma nova forma de pintar: em silêncio, com introspecção e, em especial, fazendo uso da técnica da têmpera, como um discípulo diante do mestre nos tempos de Giotto. Deixou de pintar as formas opacas da tinta automotiva, a tripolim, e descobriu na transparência da pincelada uma nova problemática da pintura.

Iniciou a “arte-rumo”, nas palavras precisas de Décio Pignatari, implodindo os limites da geometria pela cor transparente. Ao trocar a utopia concreta pelo “tempo pós-utópico”, na expressão de Haroldo de Campos, a pintura de Fiaminghi deixou de ser resposta e voltou a ser enigma.

Fiaminghi resumia a sua transição como um outro particular. Depois da fase fechada do concretismo, passou para pesquisas, aproveitando-se da tecnologia da litografia, o offset. Ele sentia que havia algo novo a mostrar e executou obras nesse sentido, obras que se propunham à multiplicação, como verdadeiro múltiplo, e não como uma simples reprodução em série de uma obra.

O artista vivia um momento crítico, oscilante. Dividia-se em dois fazimentos ainda embrionários, como se cada olho enxergasse um mundo distinto, como se o cérebro não processasse a síntese necessária entre as duas formas de ver o mundo exterior.

De um lado, as formas de cores opacas, chapadas, e de contornos nítidos, bem definidos pela geometria euclidiana. De outro, as cores de saturação e luminosidade variáveis, limites e contornos imprecisos, como se traçados por uma mão trêmula ou um pincel grosso. Algo como a convivência do esprit de géométrie e do esprit de finesse de Pascal, normal para um ser humano comum, porém conflitante para um pintor que ainda se via como geométrico. Era como se ele carregasse as incertezas do ser humano, ainda que destiladas pela “sabedoria pictórica” de Volpi, na expressão de Décio Pignatari.

“Voltei às telas como quem vai à guerra. Volpi cedeu-me uma sala ao lado de seu ateliê em 1959. Aprendi com ele os segredos da pintura a têmpera, e isso veio, como um tranquilizante, somar-se à pesquisa corluz. A emulsão da têmpera é cristalina e os pigmentos, quando puros, proporcionam uma cor luminosa inalterável”16 , contou Fiaminghi.

Essa convivência de técnicas aparentemente divergentes correspondia a um olhar interior que Fiaminghi precisava encontrar para expressar a própria essência da sua pintura. Um caminho tão difícil que poucos pintores foram capazes de empreender.

Fiaminghi encontrou sua postura, ou seu “comportamento”, como ele dizia. Antes, buscava respostas afirmativas. A certeza visual de suas obras concretas, viabilizadas pela geometria, expressava-se por afirmações visuais, verdadeiras em si mesmas. Agora, a pintura exprime suas interrogações. Pergunta-se como se perguntaria uma criança deslumbrada com as coisas do mundo, mas que só se satisfaz se receber respostas essenciais, aquelas que definem e não deixam mais nada a perguntar.

Nesse conflito visual da geometria contra o orgânico, entre a sintaxe ortogonal e a cor da pincelada transparente, Fiaminghi optou pela pintura, com seus acasos, erros e acertos, desnudamentos e “desnodamentos”. Diferente de outros artistas, como Lygia Clark e Hélio Oiticica, que em crise semelhante preferiram sair pela tangente e pular do mundo da pintura para outros mundos, Fiaminghi continuou pela pintura, bidimensional, sem se atrair pela tridimensionalidade, como nos Bichos e nos Objetos sensoriais ou nos Bólidos e nos Parangolés. A fidelidade a Volpi e aos grandes mestres sempre foi absoluta. A pintura tornou-se uma obsessão para Fiaminghi maior até do que para Mondrian. Encarava-a como transformadora do objeto em sujeito que dá a ver, da “coisa do olhar” à “coisa do mostrar”, de forma ainda mais radical. Essa tornou-se a própria raiz do seu trabalho. Todos os problemas existenciais e estéticos se canalizaram para e pelo fazer e desfazer da pintura, única e exclusivamente. Vivendo num ambiente intelectual onde se falava e escrevia muito

– muita teoria ou pretensa teoria –, Fiaminghi jamais escreveu sobre pintura, exceto um curto parágrafo. Recusava-se. Pintava e ponto. Não era como Leonardo e Michelangelo; preferia ser como Cimabue ou Giotto: um fabro, um fazedor, e não um falador.

Fiaminghi dividia-se entre a imagem geométrica e a imagem orgânica, entre a certeza e o acaso, entre o rigor dos traços e das cores chapadas e as de luminosidade variável. Entre a pintura que mostra o mundo pré-visível e aquela que desvenda o invisível. Durante anos, perseguiu essa síntese crítica, que leva à crise. E ela veio.

No final da década de 1970, como se quisesse se purificar do passado para entrar no incógnito do futuro, fazer seu salto qualitativo para encontrar a sua verdade, Fiaminghi pintou em caleidoscópio do tempo. Retomou projetos da década de 1950 para executá-los em 1976 e 1977.

Nesse não momento, como se o tempo pudesse ser seu oráculo e mostrar o futuro, o novo, Fiaminghi pinta o seu conflito interior entre o espírito de geometria e o instinto da pintura, o seu animus. Oscilava entre os momentos da arte concreta ortodoxa e as descobertas recentes da estrutura dinâmica da corluz. O quadrado deixava de existir como personagem, passava a se mostrar como fundo ou grelha de diagramação. Os triângulos dançavam nos vértices dos quadrados, como se buscassem suas origens. O artista voltava à disciplina original para logo se insurgir, em busca da densidade das cores em formas, como se intuindo a chegada do caos organizado dos anos seguintes, como se profetizando o final da geometria. Ela implodia, reemergia como quem sabe se afirmar como o que não se dissolve, sólida como um diamante, mas esplendorosa. A cor deixa de ser apenas uma reflexão, passa a ser luminescência. Um momento que seria de maestria, que qualquer outro apenas desfrutaria. Mas, para Fiaminghi, era hora de recomeçar, de buscar algo novo, para encontrar a verdade de sua pintura, a virada para entrar em seu “estilo tardio”, na categoria de Adorno, que seria a sua energia para os próximos anos.

A passagem seria radical.