Emia escola de artes, casa de crianças: uma experiência de 35 anos.

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EMIA, escola de artes, casa de crianças: uma experiência de 35 anos / coordenação Andrea Fraga. – São Paulo: SMC, 2016.

101 p. : il.

Vários autores.

ISBN 978-85-62287-06-0

1. Arte: estudo e ensino. 2. Escola Municipal de Iniciação Artística – EMIA.

CDD-707

CDU-7.071.5


escola de artes, casa de crianças: uma experiência de 35 anos realização Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo

organização Andréa Fraga Berenice de Almeida Cristina Rogatko Giselle Ramos Liseti Bonamin Milene Perez Priscilla Vilas Boas Sandra Cunha

São Paulo 1º Edição - 2016 SMC



sumário Arte e convívio em simbiose Maria do Rosário Ramalho (Secretária Municipal de Cultura)

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Apresentação

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Uma pequena história para iniciar uma longa história

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Nana Albano

Mapa artístico pedagógico EMIA: escola de arte, casa de crianças Sandra Cunha

Iniciação: iniciar a vida, iniciar um percurso, iniciar a ação Andréa Fraga

Integração de linguagens: sobre os diversos fluxos de um rio Priscilla Vilas Boas

O artista professor: o universo do artista professor no multiverso chamado EMIA

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Milene Perez

Acontecimentos artísticos

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A identidade da EMIA: revelações a partir dos processos de ensinar e aprender arte com crianças

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Sandra Cunha

Narrativas Poéticas Entre tempos e gestões: quando a cobra morde o rabo Andréa Fraga

Outros Escritos Ficha Técnica

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Arte e convívio em simbiose

Maria do Rosário Ramalho SecretáriaMunicipal Municipaldede Cultura (Secretária Cultura)

O que faz com que uma Escola de Artes para crianças, incrustada num Parque e distante dos debates mais acalorados sobre as políticas públicas de cultura, se mantenha por 35 anos, passando por diferentes gestões na Prefeitura de São Paulo e na Secretaria de Cultura? De onde vem a força da EMIA - como é carinhosamente chamada por todos a Escola Municipal de Iniciação Artística -, que já formou tantas gerações, deixando nelas marcas profundas? E, se é assim, como tantos dizem, por que só temos uma EMIA? Depois da leitura deste livro, creio que as indagações serão outras... Resultado de um enorme esforço da Andréa Fraga, a competente e dedicada diretora, e de toda a sua equipe e apoiadores, das páginas vão brotando histórias, imagens e memórias que os arquivos da escola ajudam a contar e que se mantêm vivas pelos significados deixados em cada um que por ali esteve em diferentes momentos de sua trajetória. Com cursos regulares e integrados nas áreas de artes visuais, música, dança e teatro, a EMIA atende por volta de 1000 alunos, que ingressam com idade entre 5 e 7 anos por meio de sorteio público e ali permanecem pelo período de 6 a 8 anos. Nesse espaço acolhedor, que integra três casas dentro de um parque, acontecem ainda oficinas livres para ex-alunos, pais e comunidade, engaja-

dos no dia a dia como numa grande família, seja nas reuniões pedagógicas, nas festas e mostras anuais, ou simplesmente nos valiosos momentos de convívio. Essa experiência já inspirou outros modelos: na cidade de Santo André, há uma escola semelhante desde 1995. Em São Paulo, nos anos 2003/2004, foi criado o projeto EMIA nos CEUS, interrompido na mudança da gestão. Nos últimos anos, está em curso na Secretaria Municipal de Cultura o PIÁ – Programa de Iniciação Artística, que acontece em equipamentos da própria Secretaria e em parceria com a Secretaria de Educação. O PIÁ vem se aprimorando a cada ano e, junto com a EMIA, tem chamado a atenção para a necessidade de fortalecermos programas e ações voltados à arte e à infância, que ressaltem a importância do brincar na vida dos cidadãos que pretendemos formar, e que já se refletem nos debates em curso sobre o Plano Municipal de Cultura. Da interação e do engajamento dos artistas professores com crianças, pais e comunidade nesse lugar tão especial, vai surgindo um lindo bordado, delicado e ao mesmo tempo muito expressivo dessa história. O desafio está em fazer essa potência que muda vidas chegar, ainda que de diferentes maneiras, aos outros cantos da cidade. O registro, por meio desse maravilhoso livro e da exposição que marca seu lançamento, é um passo importante nessa direção.

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Apresentação Andréa Fraga Berenice de Almeida Cristina Rogatko Giselle Ramos

Liseti Bonamin Milene Perez Priscilla Vilas Boas Sandra Cunha

Um livro que falasse sobre a EMIA - Escola Municipal de Iniciação Artística de São Paulo - sempre foi um projeto sonhado e iniciado por várias pessoas em distintos momentos da sua história de trinta e cinco anos de existência, comemorados em 2015.

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Ao longo desses anos, muitos textos foram escritos por artistas professores sobre seus trabalhos desenvolvidos nesta escola, na forma de artigos, dissertações, teses, apresentações em congressos e eventos diversos, geralmente a partir das experiências e reflexões de cada um (veja em Outros Escritos). Sentimos, então, que era chegada a hora de falarmos, enquanto escola, sobre o nosso modo de abordar o ensino-aprendizagem de arte com crianças, tendo em vista a sua importância como instituição educativa pertencente à Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. O primeiro esforço nesse sentido foi o lançamento, em 2014, da nossa primeira revista, EMIA em revista, edição CORPOCASA. Agora, lançamo-nos ao desafio de escrever este livro. No decorrer do processo, concepções e formatos foram se transformando, até chegarmos, depois de ires e vires, a esta publicação que ora apresentamos como uma grande conquista e motivo de comemoração! Com este livro, apresentamos a EMIA, mostrando como nossa escola se configura, como ela está estruturada e como funciona, com a clareza de que o que somos hoje vem sendo construído por muitos que por aqui passaram ao longo dessas mais de três décadas, e também por aqueles que atuam junto às crianças no presente. Para a elaboração deste livro, pequeno para tantas histórias de vida que habitaram e que habitam esta escola, foi preciso selecionar tex-

tos, imagens, documentos e depoimentos. Ao fazermos essas escolhas, o que nos inspirou e guiou foi aquilo que temos de mais precioso na EMIA: as crianças e a arte que pode ser vista, ouvida e sentida a cada porta que se abre ou a cada janela por onde se espia nessas três casas que compõem a escola. Assim, propomos que sejam lançados olhares e pensares para a EMIA como espaço das crianças e da iniciação na Arte por meio de processos criativos desenvolvidos junto a artistas professores que atuam de modo colaborativo, integrando as áreas artísticas. É sobre esses assuntos, princípios norteadores do modo de existir desta escola, que tratam os primeiros textos. Como as reflexões que nortearam a escrita desses textos iniciais se deram com base no que somos e fazemos, nas práticas artístico-pedagógicas que nos constituem enquanto instituição educativa, trazemos narrativas de processos dos próprios artistas professores que aqui atuam nos dias de hoje para compor essa publicação. Com isso também queremos trazer maior compreensão sobre nossa abordagem artístico-pedagógica, diversa, multifacetada, e que, ao mesmo tempo, converge para eixos de atuação com características que unem a todos. Em seguida, no texto que leva o nome Acontecimentos Artísticos, mostramos como a escola, para além da sua função educativa, constitui-se também como um espaço de intensa produção artística e promoção de cultura da maior importância para a cidade de São Paulo. A história desses trinta e cinco anos permeia o presente com suas imagens, frases e depoimentos, como flashes ou janelas que se abrem para tempos outros, ligando acontecimentos e pensamen-


tos de diferentes momentos da vida da escola. Dentro dessa ideia, trazemos alguns fatos marcantes em Tempos de EMIA. É importante ressaltar que este olhar para a história não foi fruto de uma pesquisa longa e sistemática, mas de um passeio pela memória registrada em documentos guardados na escola. Assim, o presente conversa com o seu passado em um diálogo não cronológico, mas construído na esfera de suas conexões afetivas e da produção artística das crianças, guiadas por seus professores, os artistas. Alguns depoimentos permeiam o livro, como “indicativos” poético-sensíveis da importância da EMIA na formação de tantas crianças, hoje adultos que se tornaram não apenas artistas, mas profissionais atuantes em muitas outras áreas. Além disso, não poderíamos deixar de fora, é claro, o Parque Lina e Paulo Raia, o nosso quintal, nosso espaço de viagens, de experiências muitas e de grandes descobertas. Imagens das crianças brincando e criando arte no parque também compõem este livro, que é literalmente envolto pelo fazer artístico delas, presente também na “luva” que envolve cada exemplar. Ao pensarmos que a história pode ter um sentido cíclico, com seus possíveis começos e recomeços, uma conversa entre o início e o presente se faz entre o primeiro e o último texto, ligando alguns fios de encontros, permanências e mudanças entre a primeira e a atual direção da EMIA. Agradecemos imensamente a todos que fizeram e têm feito parte da construção desta escola única, contribuindo com seus saberes e experiências para fazer a EMIA ser o que sempre foi e esperamos que continue sendo: uma escola de arte para e com crianças.

Fizemos um livro... Que este seja apenas o primeiro!

Andréa Fraga artista professora na EMIA desde 1997, coordenadora de dança em 2002/2003 e 2007/2008, diretora da escola desde 2014. Berenice de Almeida artista professora na EMIA desde 1990, coordenadora de música em 1999/2000 e 2007/2008. Cristina Rogatko artista professora na EMIA desde 1994, coordenadora de música em 2014/2015. Giselle Ramos artista professora na EMIA desde 1994, coordenadora de música em 2003 e 2014/2015. Liseti Bonamin artista professora na EMIA desde 1990, coordenadora de artes visuais em 1999/2000, 2005/2006, 2014/2015. Milene Perez artista professora na EMIA desde 2008, coordenadora de teatro em 2014/2015. Priscilla Vilas Boas artista professora na EMIA desde 2007, coordenadora de dança em 2014/2015. Sandra Cunha artista professora na EMIA desde 2007, assistente pedagógica da escola desde 2014.

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Uma pequena história

para iniciar uma longa história Ana Angélica Albano

Recebi o convite para escrever o prefácio deste livro, que comemora os 35 anos da EMIA, como uma honra e, com imenso prazer, voltei no tempo para rememorar minha história nessa escola que, apesar de curta, foi muito significativa para mim.

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Quando ali cheguei, em 1983, para ser apresentada como diretora à equipe de professores, era inverno. Dois anos depois, recebi uma carta inesperada e inesquecível de uma professora, contando-me sua impressão desse primeiro encontro: Estamos em pleno mês de agosto. Você não me pediu nenhuma avaliação, mas ontem assistimos ao audiovisual que será apresentado no Congresso, e minha necessidade de escrever foi tão grande que não resisti. Acho que faltou uma foto muito importante. Infelizmente o Gal Oppido não estava na escola para registrar a sua chegada. Lembro-me bem: você usava uma blusa de seda branca bordada e calça branca. Interpretei como sinal de paz. Nesse primeiro encontro, em que contamos também com a presença da Maria Elisa Bologna, você nos observava, me parecia que colhia as primeiras impressões, analisando desde a atitude corporal até o olhar. Sempre me surpreendo falando “quando a Nana chegou…”, como se você tivesse chegado de paraquedas, de helicóptero ou de outro planeta (Ilza Antunes, agosto de 1985). A escola - que havia sido criada oficialmente dois anos antes - funcionava com dezoito professores, cinco secretárias e uma assistente de direção. Fui a primeira diretora. Na EMIA, todas as aprendizagens anteriores - os anos que trabalhei com crianças e depois com adolescentes, as primeiras experiências orientando professores, incluindo a compreensão do que é trabalhar em dupla com a música, o que é juntar a música, as artes plásticas e

o teatro num mesmo espaço - se integraram. Acredito mesmo que todas as minhas experiências se materializaram naquele projeto. Quando trabalhava em escolas de ensino formal, onde o tempo para a arte é sempre reduzido, dizia que ainda trabalharia numa escola em que arte fosse o mais importante. E como os contos de fada nos advertem: é preciso cuidado com os sonhos, pois eles sempre se realizam. Na EMIA a arte era o mais importante, a própria razão da existência da Escola. Idealizada como extensão da Escola Municipal de Música para as idades iniciais (5 a 12 anos), a EMIA tinha o currículo desenhado basicamente para a música: musicalização, piano, flauta doce, violão, violoncelo, coral e uma atividade complementar à musicalização chamada “expressão”, que integrava artes plásticas, expressão corporal e teatro. A equipe de professores caracterizava-se pela heterogeneidade tanto de idade como de formação: alguns tinham larga experiência no ensino tradicional de piano e flauta, outros ainda estavam cursando a faculdade ou eram recém-graduados; havia também jovens sem formação acadêmica e outros com muitos anos de formação e experiência no campo. O que os unia era o interesse em desenvolver um projeto novo e único na Prefeitura, o grande amor que tinham pelo trabalho e a carência de uma liderança que reunisse as atividades individuais num todo coerente. Cada professor cumpria o seu horário de aula, mas pouco sabia do trabalho dos colegas, pois não havia nenhuma atividade coletiva. Compreendi, então, que a construção conjunta do projeto artístico pedagógico da escola só aconteceria por meio da confiança e da cumplicidade do grupo. Minha tarefa primeira, portanto, seria conquistar a confiança dos professores e criar a minha equipe.


Primeiras turmas da EMIA.

O trabalho em dupla: musicalização e expressão A maioria dos alunos procurava a escola para estudar um instrumento, mas apenas alguns conseguiam uma vaga, pois antes precisavam ser considerados aptos pelo professor de musicalização. Todos deveriam cursar as aulas de musicalização e expressão, mas não havia necessidade de que as duas atividades fossem com o mesmo grupo de crianças, nem havia comunicação entre os professores de uma e outra atividade. Quando consegui, finalmente, entender como o horário estava organizado, apresentei-o aos professores que, pela primeira vez, tiveram clareza do funcionamento semanal das aulas. Observando o horário, percebemos haver apenas um grupo de crianças que permanecia unido nas duas aulas. Avaliamos as vantagens e desvantagens do trabalho com esse grupo de alunos, que se mantinha unido em horários consecutivos, e consultei quem gostaria de trabalhar dessa forma no próximo ano. A proximidade de horário permitiria que os professores que aceitassem a proposta decidissem se queriam juntar os grupos e trabalhar em dupla durante um período maior ou se manteriam as atividades separadas. Ficaria, portanto, a critério da dupla reunir ou não as suas turmas. Não queria impor um modelo, mas abrir a possibilidade da experimentação de um trabalho que eu já havia experimentado e sabia que poderia funcionar. Alguns professores aceitaram participar dessa experiência e, um ano mais tarde, voltamos a avaliar cada grupo e decidimos implantar o modelo de trabalho em dupla para todos. Esta forma de trabalho se consolidou não apenas durante os seis anos em que dirigi a escola (de 1983 a1989), mas continua até hoje, com algumas variações em torno do tema.

Uma reunião semanal e um espaço para acolher histórias Assim que cheguei à EMIA, em 1983, antes de começarem as aulas, convoquei os professores para dois dias de reuniões. Foi nossa primeira experiência conjunta, e precisávamos nos conhecer e saber quais eram as nossas expectativas de trabalho. Depois de um exercício com os objetos de que gostavam ou não gostavam, a sala estava repleta de lembranças e afetos. Havia um silêncio povoado de histórias, imagens preciosas, sabores e aromas. Observamos tudo com cuidado, e comentei não haver encontrado, na escola, nenhum sinal daquelas imagens tão importantes, tão significativas para aquele grupo. A EMIA não trazia marcas da presença deles, nem das crianças. A surpresa causada pela minha observação nos levou a pensar o que seria tornar visível a sua presença na escola e como seria realmente habitar o espaço em que trabalhavam. Muitas sugestões surgiram e continuaram a surgir ao longo dos seis anos em que permaneci na direção: nosso trabalho conjunto havia começado! Anos mais tarde, durante a visita de uma alta funcionária da Secretaria Municipal de Cultura, encantada com as manifestações das crianças e dos professores espalhadas por toda a escola, contei-lhe sobre essa reunião inicial com a equipe e sobre meu incentivo para que ocupassem o espaço com suas imagens. O comentário dela me surpreendeu: “Ah, entendo! Antes de você chegar, os professores trabalhavam como agentes secretos, sem deixar vestígios!”. A partir dessa primeira reunião, percebi que, sem um horário semanal de encontro, não seria possível criar um projeto conjunto. Chegamos, então, a um horário comum, possível para todos, e o final das tardes das quintas-feiras passou a ser dedicado às reuniões da equipe de professores: estávamos inaugurando a nossa forma de fazer escola.

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Ana Angélica Albano no Encontro de professores e funcionários em comemoração aos 35 anos da EMIA. Foto de Tati Fecchio.

Aos poucos fui convidando outros artistas para integrarem a equipe, equilibrando, assim, a contribuição de todas as linguagens artísticas, e as reuniões também foram se enriquecendo. A EMIA não era mais uma escola de música com aulas de expressão, havia se tornado, realmente, uma escola de iniciação em todas as linguagens artísticas!

Um semestre depois da implantação dessa reunião semanal, em agosto de 1984, uma professora escreve em sua avaliação: Eu sempre chego em casa vibrando com os encontros de quinta-feira. Saio daqui no mínimo com uma ideia, uma dúvida, uma emoção ou alegria, para mexer comigo durante dias. É o alimento. A escola também se tornou um lugar para o exercício da música pelos professores. Foi maravilhoso todo mundo se juntando para tocar, experimentando as alegrias da música, vencendo a timidez, rindo de si mesmo. Kyoko Harakava (agosto de 1984).

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Nem sempre as reuniões foram encontros tão felizes ou pacíficos: houve muitos momentos de embate de ideias e posturas diante do trabalho, além de disputas acaloradas pelas paixões, como não poderia deixar de acontecer num grupo de artistas! Por isso mesmo as reuniões eram tão importantes... Como cantou o poeta Lindolfo Bell:

Durante os seis anos em que permaneci na direção da escola, essas reuniões foram assumindo sempre novos contornos, de acordo com a necessidade de cada época: estudo de texto, discussão de problemas do cotidiano, criação de novos projetos, laboratório de criação, avaliação de trabalhos, apresentações de artes cênicas e musicais, exposições de artes plásticas etc. Elas possibilitaram a convivência e a construção da unidade dentro da heterogeneidade ou da unidade possível em cada momento. As reuniões favoreceram, também, que os músicos conhecessem os materiais plásticos, os atores a música, os artistas plásticos o teatro. A oportunidade de se aventurar em todas as linguagens foi se tornando o cotidiano desta escola: músicos se descobriram marceneiros, pianistas encontraram o seu desenho, atores voltaram ao palco… Assim nasceram as 5as Artísticas: reeditando os antigos saraus, uma vez por mês, a escola abria suas portas para a comunidade, apresentando música, teatro, dança e exposições de artes plásticas, trabalhos criados pela equipe de professores, incluindo, algumas vezes, os funcionários administrativos. Outra providência, que percebi tão necessária quanto a criação das reuniões, foi a transformação da minha sala (com a aparência de um gabinete administrativo) em um espaço acolhedor, onde pudesse receber professores, crianças, pais e funcionários, para conversar. Alguns assuntos podiam ser resolvidos nas reuniões, mas outros, certamente, precisavam de maior privacidade...

Não canto a vida por ela ser fácil Mas por ser cheia de altos e baixos Pois para que serviria o canto (ou o grito) no Paraíso? Vivíamos muitos altos e baixos e, ainda assim, considerávamos a EMIA um paraíso…

Inicialmente, chegavam apenas as queixas, as dificuldades com as aulas, com as crianças, com os colegas. Mas, aos poucos, a sala da direção transformou-se no espaço da escuta e da conversa, das descobertas partilhadas, do nascimento de novos projetos. Em agosto de 1983, a escola atendia cerca de 200 alunos e, em 1989, quando deixei a direção, trabalhávamos com aproximadamente 700, com uma equipe de 35 professores, organizados em áreas, cada uma com um professor coordenador.

Professores Paulo César Brito, Paulo Yutaka e Márcia Lagua (1989).


De espectadores, os pais passam a protagonistas Sendo uma escola municipal com atendimento gratuito, sem qualquer seleção, pudemos assistir à crescente procura por vagas, por alunos diversos, oriundos de diferentes bairros de São Paulo. Os dias de matrícula transformaram-se em dias de filas intermináveis. No final de 1988, meu último ano na escola, professores foram à noite observar a fila, para descobrir, entrevistando aquelas pessoas, como ficavam sabendo da existência da EMIA. Uma senhora nos contou: “para falar a verdade, eu não sabia desta escola, estava na padaria, vi a fila e resolvi perguntar o que eles estavam fazendo. Disseram-me que era para inscrever os filhos numa escola muito boa, então resolvi entrar na fila!”. Mas os pais não permaneceram por muito tempo apenas como espectadores do fazer artístico de seus filhos; logo percebemos a importância de integrá-los ao projeto que estávamos construindo e, para isso, foi criado um calendário de reuniões. Algumas eram apenas para pais novos e outras eram abertas para que todos os pais vivenciassem as mesmas atividades oferecidas aos alunos. Entendíamos ser fundamental que passassem pela mesma experiência criativa que movia as aulas dos seus filhos. Apesar de importantes, aos poucos as reuniões mostraram-se insuficientes para algumas mães que também queriam desenvolver atividades expressivas. Foram criadas, então, oficinas de dança, teatro, flauta doce, artes plásticas e um coral para mães. Quando deixei a escola, elas haviam formado seus próprios grupos de teatro, flauta doce, dança e coral e realizavam apresentações dentro e fora da escola. Fazer filas de longas horas para conseguir uma vaga em uma escola de arte - esse bem tão pouco mensurável em nossa sociedade e de nenhum valor na escolarização formal - e apropriar-se desse fazer artístico não apenas para seus filhos mas também para si mesmos são ações que merecem atenção, atos de resistência que confirmam a necessidade de expressão artística que a educação formal não atende. Tudo que eu disser sobre minha experiência na EMIA será, sempre, muito aquém do que aprendi nos seis anos convivendo diariamente com tantas histórias de iniciação.

A EMIA foi, para mim, uma iniciação.


mapa

artístico pedagógico

A proposta básica de iniciação é determinada pela integração de linguagens, que acontece no curso

regular, nosso único percurso obrigatório. Ao in5 e 6 anos vêm à escola uma vez por

gressarem na EMIA, as crianças de

optativas

semana e passam duas horas com uma dupla de arti stas professores. Aos

7 e 8 anos os encontros passam a durar três horas, ainda com dois

professores. Aos 9

e 10 anos as crianças têm a experiência do QUARTETO, três

horas e meia com quatro arti stas professores, um de cada linguagem, música, dança, artes visuais e teatro, atuando simultaneamente e de forma colaborati va. Aos 11 e 12 anos as crianças podem escolher aprofundar sua experiência em uma das quatro linguagens, em encontros de três horas.

orquestra

Esta é a “estrada principal” no mapa artí sti co pedagógico da EMIA, de onde se

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abrem simultaneamente diversas bifurcações, conexões, entradas e saídas, a serem trilhadas pelas crianças a parti r de suas afi nidades, desejos e escolhas. Neste universo, cada um constrói seu próprio currículo, acumulando e diversifi cando experiências. Paralelamente ao curso regular, a parti r dos 7 anos, as crianças podem optar por diversas ati vidades, entre as quais:

Aulas optativas de dança, teatro e artes visuais: existem como possibilidade de se vivenciar essas linguagens no que têm de mais específi co.

Estudo de um instrumento musical:

piano; fl autas doce e

coral

transversal; violino, viola e violoncelo; guitarra, violão e cavaquinho; percussão e bateria.

Orquestra Infanto-juvenil da EMIA:

composta por alunos,

ex-alunos e comunidade

Corais: são diversos agrupamentos que abrangem todas as idades, além de ex-alunos, mães e comunidade. O repertório é bastante variado e inclui outras linguagens.

Oficinas: também abertas à comunidade em geral (mães, ex-alunos, jovens), são de todas as linguagens, mas têm a especifi cidade de projetos apresentados pelos professores e a duração de um ano ou um semestre. Dentro dessa conformação, uma criança pode frequentar a EMIA de um a cinco dias por semana e traçar seu próprio caminho nesta cartografi a, criando, assim, sua história pessoal de iniciação à arte.

música

t


curso regular

5e6

anos

of icinas

7e8

anos

9 e 10

anos

15

instrumento

11 e 12

anos

teatro

danรงa

artes visuais


EMIA

escola de arte, casa de crianças Sandra Cunha

A ideia da criação da escola nasceu em uma reunião onde estavam presentes representantes da Secretaria Municipal de cultura e arquitetos da EMURB. O objetivo dessa reunião era decidir qual destino seria dado às três casas localizadas dentro do Parque da Conceição, o qual havia sido tombado pela Prefeitura. Estava na reunião a Coordenadora das Escolas do Departamento de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura, professora Maria Elisa Bologna, que “aproveitando uma oportunidade que surgiu durante a reunião, propôs a criação de uma escola de música para crianças, e esta proposta foi aceita pelo Secretário, na mesma hora”. Entrevista com Maria Elisa Bologna, em 1997, Projeto: “EMIA e sua História: Um relato de uma experiência”, por Márcia Andrade, Márcia Lágua e Berenice de Almeida, 1997. Acervo EMIA.

Casa que acolheu a EMIA em 1980. Hoje chamada de Casa 3.

O Parque Lina e Paulo Raia tem sua imagem refletida nos prédios espelhados que circundam suas duas entradas da Rua Volkswagen, no bairro do Jabaquara, cidade de São Paulo. Azuis, brancos, cinzas e tantas outras cores tingem o céu ao longo do dia e também se veem refletidas, anunciando que ali o tempo não é aquele marcado pelos relógios. O Parque é o quintal das três casas que ficam dentro dele, e coloridos caminhos nos levam de uma a outra. Neste percurso, pessoas vão e vêm. Em frente a uma dessas casas, a de número três, crianças brincam enquanto alguns adultos as observam: umas correm, outras conversam, duas delas recolhem flores caídas no chão e, em um ritual de precisão e encantamento, pintam de roxo o chão de pedriscos. O silêncio fica de fora deste cenário, enquanto os sons o enchem de vida. Essa imagem, gravada na memória de muitos que por aqui passam cotidianamente ou já passaram, nos apresenta à EMIA - Escola Municipal de Iniciação Artística de São Paulo, que funciona nessas três casas sem muros, habitadas por crianças iniciantes nos caminhos da arte e por professores que são também artistas. Dos encontros entre esses dois principais protagonistas deste espaço educativo nascem e se constituem processos de construção e de apropriação de saberes que têm como resultado a aquisição de conhecimento em arte. Como escola plural e diversa que é, aqui na EMIA trabalha-se, ao mesmo tempo, com as integrações - entre linguagens artísticas, entre professores, entre crianças, entre adultos e crianças e entre o fazer artístico e o fazer pedagógico – e com as especificidades de cada uma das áreas artísticas que a compõem. A complexidade é inerente ao nosso modo de ser. Embora difícil de ser apreendida em um olhar fortuito, a EMIA se mostra sedutora


para quem se dispuser a decifrar seus encantos e a conhecer o que acontece nos espaços e tempos criados por todos nós que, ao longo dos anos, a temos tornado um lugar apaixonante e desafiador para se trabalhar arte com crianças. Fazer arte com crianças é, portanto, a razão de ser da EMIA, espaço de resistência da infância brincante, cidadã e criadora, sempre a inventar novas possibilidades de habitar e de ler o mundo, de interpretá-lo, de lhe atribuir novos significados e de dar vida àquilo que antes só existia na imaginação. Os professores, artistas criadores de metáforas que são, lançam-se ao desafio de planejar aulas e cursos que prevejam o envolvimento e a participação de nossos meninos e meninas. Em tempos e espaços preparados por eles, as crianças chegam, a cada ano letivo, e são acolhidas com brincadeiras, histórias, sons, imagens. Nessa relação de alteridade, os múltiplos canais perceptivos dos professores são constantemente aperfeiçoados para ver, ouvir, sentir e intuir os desejos de invencionice e expressão infantil. O imaginário das crianças vai sendo alimentado e ganha vida em formatos que nos remetem às artes visuais, à dança, à música, ao teatro, ou a todas essas linguagens misturadas. O corpo, em suas múltiplas possibilidades expressivas, é o instrumento primeiro, e materiais diversos são trazidos para os encontros, com o intuito de serem explorados e moldados pelos alunos. E, assim, descobertas e aprendizagens entram em jogo na relação estreita estabelecida entre adultos e crianças, unidos em busca de um objetivo comum: a criação artística.


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Com certeza, a

EMIA mudou tudo para mim, inclusive minha visão de mundo, e eu, até hoje, sempre busco um pouco da EMIA nas coisas que faço fora daqui. Tatiana Irgoroff (ex-aluna , década de 2000)

Primeiras turmas da EMIA.

Durante as aulas e cursos, as crianças experimentam alternativas, escolhem caminhos, criam acontecimentos e burilam modos de ser, de estar, de pensar e de fazer, em consonância com suas concepções e saberes, cultivados e ampliados ao longo dos anos em que aqui permanecem. O conhecimento adquirido em todas as linguagens artísticas se encarna em seus corpos, como que a tatuar modos de atuar e de se relacionar com a arte, de perceber o mundo e seus fenômenos e de conduzir a vida a partir de então. Os processos de construção de conhecimento se dão a partir de roteiros de ações em que podem acontecer tanto as permanências como as mudanças, mas tudo depende do que se mostra, naquele momento, mais pleno de sentido para a consecução dos projetos de cada grupo ou criança. O currículo da escola caracteriza-se, portanto, pela abertura e, assim sendo, emerge a cada encontro e será plenamente visualizado ao fim de cada semestre e de cada ano letivo, de modo posposto, quando os professores relatam e refletem as aprendizagens das crianças nas Narrativas Poéticas da EMIA. Depoimentos de adultos que um dia foram crianças da EMIA apontam a importância desta escola na vida de cada um (veja alguns desses depoimentos espalhados por este livro). O que foi vivido nos atesta que o modo de educar em arte, tal como vem sendo aqui desenvolvido, precisa ser compartilhado de modo mais amplo, ou seja: nossa maneira de trabalhar arte com crianças deve ganhar asas e voar além das três casas que habitam o Parque Lina e Paulo Raia, e esse é um dos objetivos desta publicação. Nossa intenção é, também, inspirar outros professores e artistas que trabalham com a educação da infância, contando um pouco sobre o muito que temos feito ao longo desses trinta e cinco anos de existência.


O resultado disso tudo pode ser apreciado ao cruzarmos as soleiras das portas, ao olharmos pelas transparências e frestas das janelas, ao espiarmos os cantos antes secretos dos porões desta escola única, que se abre e convida a entrar interessados em Arte, Educação e Infância. A arte feita pelas crianças na EMIA questiona os cânones adultos e se mostra de modo vigoroso nas paredes, no chão, nos corredores, nos saguões e banheiros, pende dos tetos e pode ser vista e ouvida para além dos muros e paredes de suas três casas, quando nos imbricamos com seu grande quintal: o parque. Nesta escola, a

arte feita pelas crianças pode ser olhada,

ouvida, tocada, sentida e apreciada, seja ela efêmera, como nas performances, músicas, cenas e danças, ou permanente, como nos objetos artísticos. Luzes, sons, formas, cores, movimentos, cenas e músicas de uma infância que habita a EMIA se insinuam e, captáveis ou fugidias, atiçam nosso desejo de admirar sua força criadora, testemunho de que a EMIA, além de ser uma escola de arte, é também uma escola de crianças. A EMIA é casa de crianças. Por isso tudo, bichos estranhos e engraçados, cores, formas malucas, construções e engenhocas, músicas conhecidas e inventadas, cenas inesperadas e crianças dançando de modo livre enchem de vida a EMIA e nos avisam:

aqui tem crianças criando arte!

A criança se expressa e se revela em cada ato, em cada gesto, em cada movimento, e todo esse despertar vai se juntando e formando um ser em constante transformação, que amplia o seu universo, proporcionando vivências significativas em contato com outros, com um espaço livre, com materiais diversos. Relatório da Área de Expressão, 1985, parágrafos 1,2, 6, 9, Iara Jamra, Rodolfo Savella, Altair Perez Machado, Paulo Cesar Brito, Thelma Antas Penteado, Claudia Arias Badra, Cesar Bella Jr. Acervo EMIA.

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iniciação

iniciar a vida, iniciar um percurso, iniciar a ação

Andréa Fraga

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Iniciação, mais do que um começo, pode também significar criação, transformação, instauração do novo, abertura de caminhos e também a possibilidade de inúmeros encontros: entre pessoas, entre linguagens, entre olhares, entre diferentes momentos de vida e de arte... e, a partir desses encontros, outros infinitos começos podem surgir. Assim acontece esta Escola Municipal de Iniciação Artística. Ter iniciação no nome parece já indicar uma abertura para o que pode acontecer a partir dali, em que a arte é contexto e, ao mesmo tempo, objetivo e meio. Mas até onde vai a iniciação? Onde ela começa? Ela termina? Na EMIA, a iniciação acontece numa constância e amplitude que lhe permitem ultrapassar as fronteiras da arte e se instaurar na relação entre vários atores, entre eles artistas professores, crianças, suas famílias e toda a comunidade formada ao seu redor, quase como uma condição da sua própria existência como escola. Historicamente fundada com o objetivo de preparar crianças para o ingresso na Escola Municipal de Música, a EMIA, já desde o início, subverteu esse propósito de uma finalidade específica, ao dar espaço, na sua construção, para o protagonismo de artistas de outras áreas. Sendo assim, o fazer artístico a partir da expressão e criação já ocupou e, de certa forma, determinou o processo de iniciação na EMIA, tornando-a um espaço de liberdade, experimentação e construção contínua. O que seria, então, a iniciação artística na EMIA? Melhor ainda: o que pode ser iniciação artística, se há tantos pensamentos e propostas diversas a esse respeito?


A localização privilegiada da EMIA e a forma carinhosa com que seus professores ensinam plantaram em mim o amor pela arte.

Clarissa Cabral (ex-aluna , décadas de 1980/90)

21 Professora Sylvia Chiapetta no início da EMIA.

Apesar de terem como intenção a criação de uma escola de música para crianças, Maria Eliza Bologna e Marisa Fonterrada transformaram a primeira ideia numa escola de iniciação artística. O projeto da escola começou, então, a ser elaborado... Projeto: “EMIA e sua História: Um relato de uma experiência”, por Márcia Andrade, Márcia Lágua e Berenice de Almeida, 1997. p. 4. Acervo EMIA.


Passamos muito tempo emprestando conceitos para apresentar a EMIA sem que, de fato, estes se conectassem com o que se realiza no nosso tempo/espaço artístico pedagógico. Uma forma de se falar da iniciação artística é compará-la à alfabetização, numa analogia entre o ensino aprendizagem da língua escrita e das linguagens artísticas, muitas vezes pensado de forma linear e progressiva. Esse processo, no entanto, não acontece exatamente assim na EMIA. Aqui, a iniciação artística já se dá na arte em processo, de onde emergem inúmeros componentes, que vão sendo apropriados, combinados e recombinados das mais variadas formas, até mesmo aquelas mais conhecidas. Isso, ainda, se pensarmos as linguagens artísticas da música, do teatro, da dança e das artes visuais como sistemas fechados de signos a serem assimilados.

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Porém, aproximando-nos de um modo mais contemporâneo de ver o mundo, podemos entender o fazer artístico a partir do contato com os elementos que produzem tais linguagens ainda não codificadas, como o som, o movimento, as cores, as formas, as texturas, os espaços, os tempos, as intensidades, o gesto, as relações, tudo isso não segmentado em áreas, mas vivido nos acontecimentos propiciados em ambientes de criação e convívio entre artistas professores e crianças. Outra forma de se pensar a iniciação, próxima à alfabetização, com a mesma lógica de consecutividade, seria a partir da instrumentalização, ou seja, ensinar primeiramente técnicas e procedimentos, para que estes venham possibilitar, num momento posterior (e por vezes bem posterior!), a criação artística. Também não é isso o que ocorre na EMIA, onde tudo acontece ao mesmo tempo, às vezes até mesmo a criação antes da técnica, já que está ligada à imaginação na brincadeira ou à investigação em processos artísticos. O antes e o depois aparecem apenas na passagem do tempo, de um dia após o outro, um ano após o outro... dos 5 aos 12 anos! Se há uma progressão, ela ocorre em termos de aprofundamento, amadurecimento e ampliação da experiência estética como um todo. Portanto, conceber a iniciação artística dessa forma se afasta radicalmente de uma proposta de formação técnica profissionalizante, ou até mesmo da preparação para tal. Ao contrário, propõe que a iniciação se dê como um mergulho no universo artístico, propiciado pelo diálogo com artistas professores que, trazendo sua bagagem, se lançam nessa experiência junto às crianças, atentos à organização do ambiente, à disponibilização dos materiais e ao


reconhecimento dos gestos singulares de cada um na construção de sua poética. Afinal são artistas que conhecem os caminhos de processos de criação e são capazes de identificar, na experiência das crianças, os elementos do fazer artístico. Pensar a iniciação assim conecta-se a uma noção de infância que vê a criança como ela é: capaz de pensar criativamente e de dar forma ao que pensa e cria. Sendo assim, partimos do que lhe é mais presente e não do que lhe falta, priorizando a inventividade lúdica (mais próxima do modo de ser das crianças) ao treinamento mais técnico ou já intelectualizado. Num âmbito mais filosófico e poético, podemos dizer que, na EMIA, trabalha-se a arte num contexto em que as noções de iniciação e de infância encontram-se imbricadas. A iniciação – vista como a infância da arte e (por que não?) a possibilidade de uma arte da infância, entendida aqui como algo que nasce novo – irrompe, “ainda” não segue a norma preestabelecida, apresenta, experimenta e descobre. Nesse sentido, a iniciação se torna experiência de criação constante, da qual brotam linguagens e constroem-se signos ainda não específicos de uma área, em que a arte se encontra em estado de infância. Infância encarada como potência, arte como campo de experiência e iniciação como o tempo/espaço em que isso acontece. Ao pensarmos, como Walter Cohan,a infância em relação ao tempo, não como uma questão cronológica, mas uma “condição da experiência”, muito mais ligada a aión (como a intensidade da vida humana) do que a chrónos (como a continuidade) do tempo sucessivo, podemos enxergar a iniciação também sob essa perspectiva. Iniciação como um estado de infância, como uma forma de experiência em arte, mais do que apenas uma fase na formação de alguém. Ela acontece no encontro entre artistas professores e crianças que, no diálogo entre desejos e experiências de vida e de arte, constroem juntos um caminho de aprendizagem. Este é o sentido que pretendemos dar à iniciação, como experiência vivida na arte e por meio da convivência num ambiente de criação e ludicidade, em que técnicas, procedimentos e contextualizações surgem apenas na medida em que se tornam necessários no processo do fazer artístico. Como a EMIA não é um corpo homogêneo de pensamento e ação, o que acontece nos momentos artístico pedagógicos é múltiplo e diverso; coexistem propostas e modos de trabalhar mais dirigidos

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a EMIA me colocou em um eterno movimento, e hoje tudo pulsa! Os olhos veem coisas, detalhes de cores, contrastes de tons e, mesmo no vazio, a imaginação voa. Não nos formamos em música, nem em artes plásticas ou cênicas, mas nos transformamos em ferramentas, pois aos poucos somos tomados por essas linguagens em que todo um mundo ganha vida. Leonardo de Laquila (ex-aluno, décadas de 1980 / 90)


o,

a.

ou mais livres, mais sérios ou mais lúdicos, mais integrados ou mais específicos das linguagens, articulam-se tradições e rupturas, repertórios e criações, ousadia e permanência. Embora se construam caminhos no tempo em que se vive na escola, não existe uma lógica de progressão sistematizada, e isso tudo pode se dar de forma concomitante nas experiências diversas possíveis na EMIA. O que se aprende não é facilmente mensurável, porém podemos observar um saber impregnado nas crianças e jovens que passam pela EMIA. Nós mesmos, artistas professores, nos surpreendemos constantemente ao perceber o quanto as crianças já têm incorporado e o quanto se mostram cientes dos processos artísticos, tornando-se críticos com propriedade, quando em contato com obras de arte dos mais diversos tempos e linguagens. Do mesmo modo como se pensa numa educação na cidadania em oposição a uma educação que se diz para a cidadania, na EMIA pode-se falar de uma iniciação na arte e não para a arte. Ainda assim, é um lugar onde arte e cidadania caminham juntas, na medida em que se constroem num ambiente de convivência, em que estão presentes tanto a singularidade da expressão individual quanto o exercício da alteridade, necessário à criação coletiva, assim como à realização em conjunto, não só artística, mas de quase tudo o que ocorre na escola. Esta é uma constatação que não se baseia em pressupostos teóricos, mas nas falas tanto das crianças e suas famílias ainda na EMIA, como em depoimentos de ex-alunos e artistas professores que pela EMIA passaram. Para além da arte, a iniciação acontece, assim, como experiência de transformação, também no âmbito existencial e das relações, nos caminhos de vida que ali se cruzam pelas salas, passeando pelos jardins, adentrando portas e abrindo novas janelas, em seus diferentes espaços, tempos, momentos e circunstâncias. As iniciações são, portanto, múltiplas e diversas, subjetivas e plurais. Elas se espalham e se conectam nos inúmeros planos e dimensões da convivência entre artistas, crianças e toda a comunidade desta que é a nossa escola.

Para conhecer mais da história da EMIA, ver OLIVEIRA, M. Lagua. Arte e Construção do Conhecimento na EMIA. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

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integração de linguagens

sobre os diversos fluxos de um rio Priscilla Vilas Boas

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Essa expressão e suas formas de manifestação variam de criança para criança, de grupo para grupo, acontecendo muitas vezes, de forma silenciosa e de outras, explosivamente, através do teatro, do desenho, da pintura, da construção, do manuseio de sucata, argila, pela dança etc. Relatório da Área de Expressão, 1985, parágrafos 1,2, 6, 9, Iara Jamra, Rodolfo Savella, Altair Perez Machado, Paulo Cesar Brito, Thelma Antas Penteado, Claudia Arias Badra, Cesar Bella Jr. Acervo EMIA.

No início, as mães faziam inscrição para Musicalização e Expressão (curso que abrangia expressão corporal, teatro e artes plásticas), separadamente. A escola funcionou desta forma durante os anos de 1981 e 1982. [...] Houve uma experiência de sucesso, um projeto das professoras Iara Jamra e Sylvia Chiapetta, no qual elas montaram um mesmo grupo de crianças que tinha aula de 3h por semana, sendo que cada professora conduzia 1h30 do tempo total, com sua linguagem específica. A regularidade do grupo e do horário garantiu uma melhor dinâmica do trabalho e a possibilidade de integração das diferentes linguagens artísticas. A partir dessa experiência, nasceu a primeira dupla de trabalho integrado, forma que ainda faz parte da atual estrutura. Projeto: “EMIA e sua História: Um relato de uma experiência”, por Márcia Andrade, Márcia Lágua e Berenice de Almeida, 1997. Texto introdutório. p.5 e 6. Acervo EMIA.

Na EMIA, o ensino-aprendizado em arte nos cursos regulares acontece por meio de relações construídas entre as especificidades da dança, das artes visuais, da música e do teatro. Chamamos esse modo de produzir ensino-aprendizado em arte com crianças de integração de linguagens, pois as aulas são ministradas por dois ou mais professores artistas, especialistas em linguagens artísticas distintas, que atuam concomitantemente. Essa maneira de proceder prioriza não apenas a aproximação entre as especificidades de cada linguagem artística, como também sugere a elaboração de uma experiência relacional que possibilita o diálogo entre pessoas, pensamentos e biografias diversas. Os artistas professores compartilham experiências impressas em seus corpos e suas visões sobre arte, infância e educação com crianças, fazendo com que o campo das relações existentes entre os saberes, os desejos de pesquisa e os modos de ser e estar de todas as pessoas envolvidas sejam fatores fundantes dos processos de criação artística vividos na escola. A partir do princípio da Integração de Linguagens, investigamos como habitar o espaço que existe entre as pessoas e as camadas que as compõem, de modo a percorrer delicadezas e flertar com possíveis incertezas que podem emergir das negociações entre inquietações e desejos imersos nos corpos de cada artista envolvido.


Essa maneira de proceder requer, do artista professor, disposição para lidar com o desafio de vestir os próprios olhos com as lentes que abrigam outros modos de ver, a fim de construir o encontro entre as subjetividades envolvidas. O desafio é manter os sentidos e os poros abertos ao outro e deixar-se atravessar constantemente por novas situações e proposições. Assim como as concordâncias, possíveis ruídos provocados pelas distinções dos modos de pensar e agir não são ignorados, mas inseridos em uma composição complexa, generosa e multifacetada de ideias e formas de existência. Desse modo, o caráter relacional das experiências vividas na EMIA possibilita que crianças e professores protagonizem, juntos, processos artísticos em que as subjetividades atuam em sinergia, de modo a revelar saberes singulares e coletivos. No entanto, para que essa mistura de sons, cores, sabores e texturas aconteça, é necessário que todos estejam dispostos a nadar juntos por fortes correntezas, a oferecer apoio mútuo em momentos de fundura e caos e também a brincar em águas claras e tranquilas. As dificuldades existem e, para que elas sejam superadas, a confiança é vista como um dos princípios de trabalho. Assim, todos se sentem aptos a realizar proposições de pesquisa e são responsáveis por garantir a alteridade, abrindo espaço para que cada um seja ouvido. Cada impulso criador, cada desejo de pesquisa, cada gesto performativo lançado aos demais integrantes do grupo, adultos e crianças, inicia um processo de negociações entre todos os envolvidos no percurso. E para que essas negociações de saberes, curiosidades e desejos se deem de maneira densa, surge a necessidade da escuta, da aceitação do outro e também a possibilidade de expressão e posicionamento de todos.

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É importante a criação de um elo entre o professor e o aluno. O professor acompanha e assessora o processo de criação das crianças, utilizando-se de técnicas, estímulos e exercícios específicos. O professor já pode mais assessorar do que conduzir o tempo todo e traçar o caminho... Documento EMIA Teatro, Movimento, Música, Artes Plásticas - Berenice de Almeida, 1996. Os conteúdos de cada área - Livro: EMIA 18 anos por Márcia Lagua, Cecília Tuccori e Celeste Magnocavallo - 1998, p. 13 a 19. Acervo EMIA.

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Em cada encontro e a cada nova proposição, há sempre uma ideia, um plano, um desejo disparado com o intuito de que novas realidades emerjam. Compartilhamos - em um mesmo espaço-tempo, entre artistas professores e crianças - a descoberta constante de novas formas de existência, por meio da escuta e do aprimoramento das capacidades sensíveis e criativas de cada um e do grupo como um todo. Uma primeira fagulha é lançada por um ou mais sujeitos e, enquanto voa e ganha o espaço, ela se aquece, se intensifica e se alimenta de outras fagulhas, constituindo um corpo amplo, forte e pleno de subjetividades. Estabelece-se, então, um diálogo sensível, criativo e com a capacidade de ser constantemente reinventado, em que o silêncio, a escuta e as proposições são de responsabilidade de todos. Os saberes se desejam híbridos, situados na intersecção entre as formas de expressão, enquanto as pessoas, ao mesmo tempo, sugerem e acompanham este movimento. Durante minha gestão como coordenadora da área de Dança da EMIA, tive a oportunidade de visitar as aulas de alguns grupos da escola e pude perceber a variedade de possibilidades encontradas pelos coletivos de professores para elaborar processos de ensino-aprendizado em arte, cuja integração é um princípio. Pude observar que alguns grupos escolhem um “assunto de pesquisa” e o abordam sob o ponto de vista de cada linguagem – ou melhor, da experiência de cada professor naquela linguagem; outros atuam com foco na intersecção dos saberes e procuram encontrar um ponto comum de pesquisa em arte, de maneira que a experiência se dê a partir da pesquisa conjunta desde o início do processo. Alguns coletivos de artistas professores apresentam para as crianças os princípios técnicos da linguagem artística que dominam, inserindo-as no aprendizado de códigos que agem como disparadores do processo de pesquisa em arte. Outros colocam os saberes impregnados em seus corpos à disposição para o diálogo com as crianças, seus colegas e os processos de investigação artística construídos por todos.


Para alguns, o aprofundamento na linguagem específica é uma premissa, pois acreditam que há conceitos próprios de cada linguagem artística necessários para a construção do conhecimento da criança. Para outros, o aprofundamento dos saberes é também importante e vem dos desejos e da necessidade do grupo: é um aprofundamento na capacidade de reconhecer e desenvolver poéticas próprias, individuais e coletivas. Nesse modo de operar, os artistas professores lançam uma ideia, para que o processo de ensino-aprendizado em arte seja desenvolvido de maneira não fragmentada e seus saberes apresentados às crianças na medida em que as necessidades de todo o grupo são percebidas. Dessa forma, os adultos se colocam em “atitude de pesquisa” junto às crianças. Mas o fato de os professores trabalharem nesta chave não significa que as linguagens artísticas não estejam presentes no processo, pois elas estão nos gestos e nas atitudes de cada artista professor. Gestos que inspiram e estimulam as crianças a ressignificá-los na busca por seus modos próprios de elaboração de pesquisa e expressão em arte. Cabe, aqui, dizer que a complexidade do nosso trabalho faz com que essas maneiras de proceder convivam, não apenas na escola, mas, muitas vezes, em um mesmo grupo. A maleabilidade dos artistas professores da EMIA permite que modos distintos de promover uma experiência em arte com crianças possam ser vividos pelo mesmo coletivo de professores e estudantes durante o ano ou, até mesmo, em um único encontro. Para compor esse processo, o desafio de cada sujeito é adquirir uma atitude maleável e mutante, no intuito de contribuir para a construção de uma coletividade capaz de acolher subjetividades e construir alteridades. Essa forma de proceder não prevê verdades fixas, e é preciso ter um corpo poroso, capaz de absorver e permear, adequando-se, o tempo todo, a novas configurações. A estabilidade, quando ocorre, é efêmera, assim como as certezas que nos movimentam.

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Assim, é possível dizer que o ensino-aprendizado em arte por meio da integração de linguagens artísticas na EMIA nos possibilita navegar juntos em rios imaginados, cujos fluxos podem ser modificados a qualquer momento. Nesta escola, podemos fazer surgir correntezas, inventar cachoeiras, mergulhar fundo em águas misteriosas. Podemos fazer chover e depois secar a água do chão com dourados raios de sol. Podemos adentrar a névoa espessa, voar entre nuvens, cobrir de flores os caminhos e - por que não? conhecer a dor dos espinhos. Podemos ser fortes e grandes, mas também podemos nos tornar muito pequenos, para penetrar frestas de portas e janelas escondidas. Podemos escorregar em areias finas, surfar ondas gigantes, navegar mares infinitos, conhecer horizontes distantes, dormir em colchões de algodão macio ou em uma cama feita com folhas secas verdes e marrons de muitos tons. Podemos nos assustar com monstros e, em poucos instantes, fazê-los desaparecer. Podemos nos fazer desaparecer. Podemos viver sonhos impossíveis, colorir o instante cinzento, desaguar em águas correntes que se avolumam ao receber gotas de todos os tamanhos e formas. Podemos ser, juntos, parte de um mesmo rio que corre vivo, denso, composto por fluxos distintos que se acolhem mutuamente e decidem, a cada momento, qual caminho seguir. Esse modo de viver a pesquisa artística com crianças nos permite cultivar o campo das relações e percorrer caminhos repletos de beleza e sensibilidade, em que formas de existir diversas coexistem e produzem modos férteis de construção compartilhada de saberes em arte.

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Conf luências. A EMIA é um espaço de encontro das águas das artes. um espaço impermanente que se manifesta nos olhares, gestos e vibrações que emanam em seivas brutas improváveis... O tempo passa, as memórias destilam-se em um instante, e o que resta ressoa incessantemente. Busco a mim: maior mistério... Leonardo Bertolini Labrada (ex-aluno, década de 1990)


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O artista professor:

o universo do artista professor no multiverso chamado EMIA Milene Perez

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Professora Flavia Ferraz em Tudo só com poesia (Espaço Cultural 2002).

Como falar de um único artista professor na EMIA, já que somos, cada um de nós, um pequeno universo? Essa é a primeira questão com a qual nos deparamos quando nos dispomos a refletir sobre o modo como atuamos com as crianças na escola. Na EMIA, os artistas professores têm a possibilidade de dialogar com a criança a partir de seus modos próprios de ver, sentir e expressar o mundo. Ao mesmo tempo que propõem um processo de ensino-aprendizagem a partir de seus conhecimentos nas linguagens artísticas, esses professores trocam vivências e competências uns com os outros, sendo responsáveis por iniciar e participar de processos artísticos permeados pela escuta e pelo diálogo. Trata-se de um espaço privilegiado para o exercício da reflexão e da pesquisa em arte, cujas parcerias entre os artistas professores se dão a partir das experiências compartilhadas, que trazem à tona novos conceitos e poéticas. O fato de os processos vividos nos cursos regulares da EMIA ocorrerem pelo princípio da integração das linguagens artísticas faz com que a experiência se dê a partir da relação entre as pessoas e seus saberes. Esse modo de operar possibilita uma ampliação constante de conhecimentos de cada professor, na medida

em que ele participa de um diálogo permanente entre diversos modos de formação e repertório artístico e pedagógico. Além do conhecimento específico nas linguagens artísticas das artes visuais, dança, música e teatro, e dos conhecimentos sobre seus processos artísticos, cada professor procura levar para os encontros, também, uma atitude de abertura para participar, junto com as crianças, de explorações, descobertas e transformações de coisas e lugares. Ser um artista professor na EMIA é fruir e acolher o mundo imaginário e criativo das crianças, presente em suas brincadeiras, criando novas formas de brincar, pois este é um modo de propiciar a experimentação da vida, a vivência da aventura, o conhecimento do próprio corpo, de suas potências e limitações. Além disso, o ato de brincar pode ajudar a promover a conquista da autonomia, da responsabilidade e, ainda, fomentar o estreitamento das relações entre todos. É possível dizer que há, no brincar, um grande potencial criador que contribui para os processos de criação e aprendizagem artística. Assim, tecidos de todas as cores, formas e texturas podem virar cabanas, capas, monstros e rios. Uma estante antiga que ocupa o canto da sala pode abrigar passagens secretas para mundos inusitados. Os caminhos do parque podem se transformar em verdadeiros labirintos, onde se deve andar com muita cautela, pois são habitados por seres fantásticos de humores imprevisíveis. As copas das árvores podem esconder segredos milenares e, ainda, abrigar nossos corpos, balançando-os delicadamente.


O artista professor da EMIA também tem a oportunidade de apresentar sua pesquisa artística como fonte disparadora das pesquisas que serão desenvolvidas com as crianças, pois ele se utiliza dos saberes encarnados em seu corpo para compor os processos de construção de conhecimento junto a elas. Esse modo de proceder possibilita que aconteça uma espécie de retroalimentação entre os trabalhos artísticos e pedagógicos dos professores da escola, fazendo com que as experiências vividas com as crianças influenciem suas obras artísticas e que estas, por sua vez, possam influenciar o conhecimento produzido a partir da relação construída entre os saberes e inquietações de adultos e crianças. Esse processo complexo faz emergir uma grande explosão de poéticas que, juntas, compõem este multiverso chamado EMIA.

Um dado importantíssimo da pedagogia da EMIA é que o professor também é um artista dentro da linguagem que ele trabalha com a criança. O seu projeto de trabalho com o grupo de crianças está intimamente ligado com o que ele, naquele momento, acredita e deseja realizar artisticamente. É, portanto, um ato criador que, com certeza, instigará o aprendizado da criança. Escola Municipal de Iniciação Artística – Texto sobre Reunião de Pais, 13 mar.1993.

Maru Ohtani e Coral Arcolito em Gran Circo Los Mejores 10 anos de EMIA. Teatro Municipal (1990).

O papel do artista professor na EMIA em diferentes tempos Na EMIA sempre houve espaço reservado para professores que são artistas e crianças que fazem arte. Embora hoje os espaços sejam outros, a ação do artista professor se estende para além da sala de aula, ocupando o lugar de pesquisa e criação artística dentro e fora dos limites da EMIA. É fato que, atualmente, a atuação artística profissional do professor se encontra fora do espaço da escola. Porém, durante a maior parte da vida da EMIA, o professor era estimulado a exercer sua arte também dentro dos limites da escola, criando e se apresentando ali, ousando transitar entre linguagens outras, agrupando-se com seus colegas e, por vezes, até mesmo junto às crianças. O propósito era que este espaço alimentasse e enriquecesse tanto o professor no seu fazer artístico quanto as crianças em seu processo de aprendizagem em arte, apreciando e participando de apresentações artísticas criadas e produzidas ali.

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aprendi a aprender com alegria, conviver com respeito e desenvolvi a paixão por

a EMIA me fez o professor q

Desde os primeiros anos da escola, ao lado da importância dada à experiência do palco para a criança que se inicia em arte, também o estímulo ao artista professor estava presente. Nana, como assim chamávamos a primeira diretora da EMIA - Ana Angélica Albano –, tinha um olhar sensível para cada professor e estimulava cada um deles a descobrir e mergulhar no seu próprio traço como artista. Os 35 anos de escola nos fizeram ver o quanto esse mergulho transformou e ainda transforma a qualidade do professor na sala de aula.

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Dessa forma, com Nana, e depois Cléa Galhano, a segunda diretora da escola, uma série de eventos artísticos foram povoando a EMIA. Em 1988, essas frequentes apresentações dos professores foram configuradas no primeiro espaço destinado ao ‘artista-professor’ na EMIA: a 5ª Artística. No palco da Sala Paulo Yutaka, uma quinta-feira por mês, das 17h30 às 19h30, a EMIA oferecia às crianças, aos pais e convidados apresentações teatrais, musicais, de dança e/ou performances. Após vários anos, a 5ª artística deu lugar à EMIA Cria / EMIA Pulsa, evento que passou a ocupar os sábados pela manhã e à tarde. No fluxo de movimento e transformação contínua da EMIA, em 2000, esse espaço dos sábados foi aberto oficialmente então como Espaço Cultural EMIA, que ofereceu as mais variadas apresentações até 2008, quando foi extinto. Nesses anos todos, dança, teatro, música, artes visuais, poesia e as mais diversas intersecções dessas linguagens ocuparam espaços da escola e do parque.

Em tempos de 5as Artísticas, EMIA CRIA e Espaço Cultural, buscava-se o contato das crianças com o trabalho artístico profissional de seus professores, como parte integrante do projeto artístico pedagógico da EMIA, considerando essa experiência enriquecedora no seu percurso de iniciação artística. Além de ser também um espaço para o desenvolvimento das pesquisas artísticas dos professores, tratava-se da abertura da escola às famílias e à comunidade, com uma programação cultural constante. Essa era considerada uma atividade de outra natureza pela qual os artistas eram remunerados diferentemente. Com a extinção da verba destinada a este fim, dentre outros motivos, em 2008 o Espaço Cultural deixou de existir. No momento atual, essa relação entre o aspecto artístico e pedagógico do trabalho dos professores na EMIA se encontra dentro de sua atuação, no encontro direto com as crianças. Mesmo que se retroalimentem, sua pesquisa artística se encontra fora da escola e nem sempre é acessível às crianças. Se, por um lado, existe o fato histórico do final do Espaço Cultural (dedicado a este fim), por outro, há também uma realidade diferente no contexto artístico contemporâneo e até no cotidiano desses profissionais, que atuam em diferentes grupos ou participam dos diversos editais que suportam suas pesquisas e produções artísticas.

Intervenção lúdico-sonora com máscaras instrumentos do professor Adriano Castelo Branco com Karime Nivoloni, Rogério Almeida e Thelmo Rocha (2015).


ixão por compartilhar.

ssor que sou.

Professor Paulo César Brito (1991).

André Cabral (ex-aluno da década de 1980 /90)

Como a relação entre os artistas professores e as crianças influencia os processos criativos vividos na escola Para que as crianças tenham espaço para expressar suas singularidades, inquietações, dificuldades, curiosidades, alegrias, sentimentos e desejos, é preciso haver adultos que lhes concedam espaço e tempo para tanto; adultos que as entendam como coconstrutoras de seu conhecimento e responsáveis por suas escolhas e ações; adultos que valorizem suas opiniões e saibam que experiências significativas acontecem por meio da relação entre pessoas, espaços e tempos.

não dicotomia entre as funções de artista e de professor vividas na EMIA facilita a construção De certa forma, a

de uma relação de proximidade e cumplicidade entre adultos e crianças. Nesta escola, as crianças costumam se sentir contempladas em suas necessidades e acolhidas por adultos que também brincam, expressam sua sensibilidade e demonstram suas emoções e sensações. Além de os professores da EMIA produzirem arte, refletirem sobre seus próprios fazeres e poéticas, faz parte também de suas ações estimular as crianças a entrarem em contato com todas as possíveis formas de arte e expressão encontradas em espaços públicos externos e também a frequentarem espaços destinados a apresentações artísticas, como uma extensão da experiência artística vivida pelas crianças na escola.

O processo de construção de ensino-aprendizagem em arte na EMIA é permeado pela afetividade: trata-se de um processo vincular. Portanto as relações de mediação feitas pelo professor durante as propostas são norteadas por sentimentos de acolhimento, respeito e valorização do outro. A proposta inicial parte do professor, cabendo a ele elaborar de que forma essa primeira ideia será compartilhada com as crianças, que materiais e referências irá apresentar, que repertórios serão utilizados (cênicos, imagéticos, musicais, literários, fílmicos). Mas, por vezes, ela acaba tomando novos rumos, e isso se dá pelo fato de essa construção acontecer coletivamente: o artista professor e a criança se colocam como

[...] Eles se colocam, tem suas predileções. Eu, fora da roda, observo e toda orientação vem, a partir do interesse vivido por eles. Muitas vezes, sou eu quem ministro a roda e coloco uma vontade minha, uma fantasia, um jogo para vivermos juntos. Tereza Peric - Projetos 1986, livro do ano. Acervo EMIA.

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Será tão diferente na sala de aula? Será que esses territórios – o palco e a sala de aula - não se assemelham, não se tocam pelas bordas, quando atravessados pela música como experiência? Em ambos não podemos planejar os encontros, controlar a experiência ou agendar os acontecimentos musicais. Mas como músicos, e principalmente se formos professores, podemos nos disponibilizar a sermos seus potenciais agenciadores. ROCHA, Ana Cristina Rossetto. Educação musical e experiência estética: entre encontros e possibilidades. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação, Unicamp. 2011. p. 48-49.


Era o dia do aniversário do Luis Felipe, da turma dos alunos de 5 anos. A mãe trouxe tudo para uma festa: bolo, docinhos, toalha, lembrancinhas etc. Ficamos, eu e minha dupla, professoras de teatro e dança, pensando em como incorporar tudo aquilo à aula, sem simplesmente sentar, cantar parabéns e comer. Então, dispostas a dialogar com os estímulos que surgiam diante de nós, propusemos uma Aula-festa. Aos poucos fomos transformando, junto às crianças, a sala num “outro lugar”: era um salão de festas, com decoração (cenário) e roupas (figurinos) que foram surgindo de papéis, tecidos e outros objetos disponíveis na sala. A banda (música) tocava sem parar e foi se formando, divertidíssima, com instrumentos de percussão e outros inventados naquele momento, e o presente do aniversariante foi um quadro, feito coletivamente utilizando colagens. No salão, muita gente dançante, comilona, conversadeira, criando as relações entre eles e entre eles e a arte. Estava tudo ali, teatro, dança, música e artes visuais, sem que fosse preciso dizer isso às crianças. E, assim, a aula virou festa e a festa virou aula. Foi um momento muito significativo para as crianças, que puderam vivenciar princípios da arte como festa. A compreensão entre as diferenças e similaridades do faz de conta e as práticas artísticas vêm ao seu tempo, e esse tempo pertence à criança.

propositores, apropriando-se, juntos, da experiência e participando ativamente de seus desdobramentos. Trata-se de uma vivência aprofundada, um processo que envolve pluralidade, polifonia, hibridização, e no qual todos vivem o experimento e se expressam com liberdade. Para que isso aconteça, é preciso que o adulto seja capaz de positivar as ações das crianças e compreender suas especificidades, estabelecendo com elas diálogos estreitos que possibilitem a compreensão de que seus dizeres podem se manifestar por meio de palavras, mas também por gestos, expressões e olhares. Assim, a partir de um olhar e uma escuta sensíveis, o professor se coloca como interlocutor, provocador e parceiro, dando suporte às crianças na construção de uma criação estética autoral. Apresentar desafios para os quais não se espera uma única resposta e reparar no ser poético de cada criança, nas suas formas de conhecer, apropriar-se do mundo e expressá-lo, pode ser uma maneira de se palmilhar o caminho simbólico da expressão e do conhecimento.

Dupla Milene Perez e Andrea Fraga, turma de 5/6 anos, 2012.

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Aluno Pedro Massuela em Tudo só com Poesia (Espaço Cultural 2002).

Não se ensina a fazer teatro, teatro fazemos juntos, quando nos tornamos cúmplices, embarcamos na viagem e trazemos a fantasia para a realidade, que é o espaço em que ela “se realiza”. Apostila: Objetivos Propostos no Ano de 1991 - Projeto Teatro: Oficina 11-12 anos - Rodolfo Savella


Grafiti realizado em 2015, no Festival de ex-alunos, por Janaina Perandin (Jana Joana), aluna na década de 1980-90.

A qualidade de presença do artista professor pode ser decisiva para estimular o interesse da criança na busca por descobrir novas formas de expressão e conhecimento, e pode ser observada em modos diversos de se proceder. A partir da consciência de seus repertórios e poéticas próprias e, observando as necessidades de cada grupo, os artistas professores da EMIA podem diversificar seus modos de comunicar propostas às crianças. Algumas delas podem ser transmitidas por palavras, enquanto outras podem ser vivenciadas pelos professores de forma plena, mostrando, por exemplo, como seus corpos se expressam em determinadas situações de pesquisa em arte. Há, ainda, aquelas que são comunicadas por meio de sons, enquanto outras podem se dar por meio da preparação cuidadosa de uma intervenção artística na sala de aula, antes de as crianças chegarem à escola. Outras, ainda, podem dialogar com uma linguagem artística específica, enquanto algumas podem abarcar uma gama maior de expressões estéticas envolvidas. Os modos como os professores compartilham suas propostas revelam, assim, sua abertura para acolher proposições distintas e vivenciar com as crianças novas descobertas e desafios. Estando abertos a procurar sempre novas possibilidades de atuação, os professores se mostram dispostos a vivenciar aquilo que propõem, atuando como figuras integrantes do grupo, abraçando o risco de criarem com as crianças, garantindo o espaço para que experiências significativas emerjam e não temendo territórios desconhecidos. Na EMIA, evidencia-se a realização da arte também pelo professor que, como artista, lança mão de seus recursos artísticos durante as aulas. Eles atuam, tocam instrumentos, dançam, realizam composições visuais e, ao performarem, aproximam o artista do professor que, por sua vez, aproxima as crianças das diversas linguagens artísticas. Ser professor na EMIA é mais do que um corpo de conhecimentos. É uma maneira de ver, sentir e expressar o mundo. Estar, portanto, aberto para a experiência, para o afeto e para a interação com o outro são requisitos fundamentais para adentrar nesse multiverso chamado EMIA, que procura, cada vez mais, dialogar com outros universos cercados por bilhões de outros universos…

Parece-me que tal qualidade de presença não pode ser exercida por um professor que se coloque como um observador distanciado da experiência. Deve ele observá-la e vivê-la, pois a ele se destinam também o encontro e o acontecimento, através dos quais se renova e se reinventa, em transformação constante, em devir: devir-professor, professor-artista em devir, vive ele o acontecimento como artista ao mesmo tempo em que como professor, junto com os alunos ROCHA, Ana Cristina Rossetto. Educação musical e experiência estética: entre encontros e possibilidades. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação, Unicamp. 2011. p. 138, 139.

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Acontecimentos artísticos

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É comum um visitante que chega para conhecer a escola se deparar com algum ‘acontecimento’ artístico a cada porta que se abre, a cada fresta de janela em que se espia. São recortes de momentos que parecem prontos para serem assistidos, embora façam parte de processos que nem sempre são para se mostrar. Música ouve-se por todos os lugares, improvisações coletivas acompanhando uma cena, uma dança, instrumentos solitários ou um canto coral. Instantes altamente cênicos e coreográficos podem ser captados por um olhar atento, antes que se dissolvam em pura brincadeira... difícil chamar de aula esses momentos, tamanha a plasticidade e poesia que revelam!

Paulo Yutaka foi professor da EMIA durante os anos 1988 e 1989. Ator, fundou o Grupo Arte Ponkã, que no ano de 1986 encenou “O Pássaro do Poente”, espetáculo reconhecido como um dos grandes momentos da encenação nos anos 1980. Após seu falecimento, em 1989, a EMIA despediuse de Paulo homenageando-o com o seu nome modelado na placa de argila junto com o “Pássaro do poente”, obra da artista plástica Ligia Catunda.

Pelas paredes e corredores encontram-se painéis, desenhos, colagens, pequenas e grandes esculturas, móbiles, instalações... Arte espalhada por todos os cantos da casa. Assim é também a porta da Sala Paulo Yutaka, que tem o vidro pintado e repintado pelas crianças em diferentes projetos a cada ano. Com um pequeno palco e um piano de cauda, esta é a sala na qual acontece a maior parte das apresentações e grandes encontros da escola. É o centro da Casa 3, onde tudo começou, e funciona quase como um coração que pulsa e faz circular tudo o que se cria na EMIA.


Na EMIA eu fazia coral, f lauta, teatro, pintura, of icina de livro, of icina de serigraf ia, de argila... eu dava um jeito de participar de tudo: chegava por volta da 1h30 e saía quando o parque fechava. Quando eu era criança, dizia que o arco-íris acabava aqui. Renata Carmona Braga (ex-aluna da década de 1980)

Gabriel Levy e Cecília Tuccori em Gran Circo Los Mejores (décadas de 80/90).

Além do cotidiano de encontros regulares entre artistas professores e crianças em seus diversos agrupamentos, a vida na EMIA é permeada de eventos ao longo do ano, que revelam múltiplos resultados artísticos advindos desses processos. Ainda que mostras espontâneas ou encontros entre diferentes turmas sejam frequentes no nosso dia a dia, há diversas apresentações que compõem o calendário artístico da escola. Estas, em suas mais variadas formas e contextos, são parte integrante de todo o processo artístico pedagógico desenvolvido na EMIA, uma escola que concebe a iniciação como um espaço de experiência artística perpassado por múltiplas ações coordenadas e organizadas na instauração do processo criativo. Pois iniciar-se em arte significa abarcar o processo e o produto nas suas mais diversas possibilidades, do despertar para as linguagens ao momento da apresentação ao público nos diferentes espaços culturais da escola e da cidade. Implica, também, em deixar-se ‘fluir em arte’, vivendo tanto a situação de apresentar-se ou expor a sua arte como a de apreciar a arte feita por outros, colegas ou artistas profissionais, ou seja, participar do processo como protagonista e como observador, em diferentes possibilidades da experiência estética. São múltiplos os espaços e momentos de compartilhamento dos produtos que brotam a todo instante de processos artísticos na EMIA, entre o dia a dia da sala de aula, o parque e outros espaços urbanos até o palco italiano com toda a sua estrutura e magia. Ao longo da história da escola, os acontecimentos artísticos foram se revelando nas mais diversas configurações, sempre acolhendo espaços de atuação direta das crianças ou de apreciação de apresentações de seus artistas professores. Em outros tempos, uma programação regular de apresentações, encontros, trocas e oficinas acontecia todos os sábados na EMIA. Assim foi o Espaço Cultural, que antes levava o nome de EMIA Cria e EMIA Pulsa, desdobramentos da experiência primeira das 5as Artísticas.

[...] Neste sentido, foram criados os projetos “EMIA Pulsa” e “EMIA Cria”. No primeiro, são programadas apresentações públicas diversas, como palestras, workshops, aulas abertas, máster Class, encontros temáticos etc. Realizado sempre aos sábados, às 10 horas, na própria escola, o “EMIA Pulsa” tem como ponto interessante a interatividade entre os alunos e o público, muitas vezes formado por crianças. Já o “EMIA Cria” tem por finalidade apresentar o professor da escola em sua atividade artística. Assim, há apresentações teatrais, musicais, dança, exposições, performances, ambientações etc. Acontece também aos sábados, às 16h na EMIA. Há ainda o “EMIA ao Meio Dia”, com apresentações que visam atrair o público que trabalha nas proximidades da escola. Jornal SÃO PAULO ZONA SUL – 24 a 30 de outubro de 1997 – página 12. Acervo EMIA.


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Hoje, sendo esse espaço e tempo de rica produção artística, a EMIA apresenta um calendário que vem se mantendo, há alguns anos, repleto de eventos dentro e fora da escola, com festas, encontros e apresentações que fazem parte das experiências em arte vividas pelas crianças.


Super Semana

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A “Super Semana” é um espaço de apresentação que acontece em outubro na EMIA, em comemoração à Semana da Criança.

Essa semana acontece em outubro, e as turmas apresentam seus trabalhos umas às outras durante o período de aula. Trata-se de um espaço mais espontâneo, onde as crianças podem apresentar recortes de processos ou criações mais efêmeras que não têm a pretensão de serem levadas ao teatro. É também uma oportunidade de os menores, de 5 ou 6 anos, assistirem aos mais velhos e também se apresentarem se tiverem vontade, já que raramente participam das apresentações maiores no final do ano.

Nesta semana, todas as linguagens nas diversas faixas etárias se entrelaçam numa mostra de trabalhos de crianças para crianças.

Mostra de Instrumentos

Nesta mostra se fazem presentes: momentos, flashes, insights de criações e produções feitas em sala de aula. Este espaço, o Teatro Paulo Eiró, será de grande importância para que a “Super Semana” tome outro caráter, uma nova dimensão, dando a oportunidade também das próprias crianças vivenciarem o palco, a plateia. O teatro, para que o olhar da criança mescle com outros olhares e ele passe a ter um sublinhar de criança artista, de artista criança... Programa “SUPER SEMANA” de 20 a 24 de outubro de 1999 - Teatro Paulo Eiró (Coordenadoras: Berenice de Almeida, Daniela Bozzo, Liseti Bonamin, Rosana Massuela e Thelma Penteado)

No segundo semestre, os professores realizam uma pesquisa sobre os possíveis desejos das crianças de estudar um instrumento musical dentre os disponíveis na escola. Um mês antes dessa pesquisa, acontece a Mostra de Instrumentos, com o objetivo de ampliar o conhecimento das crianças sobre os instrumentos musicais. Ao longo dos anos, essa Mostra apresentou diversos formatos. A princípio, começou a se configurar a partir das ‘visitas’ dos professores instrumentistas às aulas de grupos, para falar brevemente sobre o funcionamento e possibilidades musicais de seus instrumentos e tocar para as crianças. Com o crescimento da escola, a Mostra de Instrumentos passou a reunir crianças e professores do período, incluindo também as ‘visitas’ nas salas. Algumas vezes, as crianças que estudam um instrumento tocam e falam sobre ele, participando junto com seus professores.


Ocupação - Teatro na EMIA Exposição Interativa Movimento criado pela área de teatro que propõe, através de uma instalação interativa, o encontro entre crianças e as várias linguagens que envolvem o acontecimento teatral, como teatro de animação, teatro de sombras, figurinos, adereços, circo etc., promovendo também oficinas específicas, apresentações e rodas de conversa.

Viradinha Musical As mais diversas apresentações musicais sempre povoaram o dia a dia da EMIA. A ideia de concentrar em um só dia as muitas formas de as crianças fazerem e ouvirem música foi o estímulo inicial para o surgimento da “Viradinha Musical”, assim nomeada por ter um tempo menor em relação à Virada Cultural da Cidade. Desde 2013, em um sábado durante a manhã e à tarde, acontece esse encontro aberto ao público, que ocupa múltiplos espaços da EMIA, inclusive o Parque. Nessa ocasião, é comum se encantar com os sons vindos dos diversos grupos musicais da escola - orquestra, corais, bandas, cordas coletivas, grupos de violão, percussão -, de alunos solistas de diferentes instrumentos, assim como de duos, quartetos e grandes conjuntos formados a partir da iniciativa de professores e alunos do mesmo período.

Antes disso, outros encontros foram realizados pela área de teatro como a Mostra de Pequenas Cenas, quando eram apresentados trabalhos de teatro criados e desenvolvidos em sala de aula, “fragmentos curtos de trabalhos sem começo, meio e fim: uma colcha de retalhos do teatro que se faz na EMIA”. Flávia Ferraz, coordenadora de teatro em 2002/2003.

Na época do Espaço Cultural, vários encontros temáticos eram realizados aos sábados, reunindo crianças e professores e seus diversos instrumentos.

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Emia Galeria O Espaço EMIA Galeria foi pensado pela área de artes visuais em 2007, com a finalidade de adequar um local dentro da escola para exposições que contemplassem a produção artística tanto das crianças como dos artistas professores ou artistas convidados. Trata-se de um espaço destinado somente para este fim, com abertura “vernissage”, convite impresso, texto de apresentação, montagem que oriente o público e ficha técnica das obras.

Exposição Palavra na Água (2015).

A intenção é promover um espaço artístico cultural com caráter permanente, no qual tenha lugar a pesquisa, o processo artístico e seus desdobramentos em produtos finalizados. Além de valorizar as atividades desenvolvidas pelas crianças e pelo professor como artista, possibilita momentos de interação, trocas e diálogos.

Encontro Criança Criando Dança

44 Existiam antes os Encontros com a Dança, no Espaço Cultural, que envolviam desde aulas abertas ao público em geral até apresentações de artistas professores e grupos de dança da EMIA. A partir de 2007, com o nome de Encontro Criança Criando Dança, saindo do espaço físico da escola, passou a englobar outras ações além das apresentações, buscando o diálogo com crianças de fora da EMIA.

Acontece desde 2007 e ocupa, durante um final de semana, o Espaço da Dança na Galeria Olido, lugar dedicado à dança contemporânea da cidade de São Paulo. O evento tem a proposta de proporcionar às crianças da EMIA o encontro com outras crianças da cidade que façam dança de forma criativa e investigativa, para dançarem juntas, trocarem ideias e experiências e assistirem umas às outras. O formato varia a cada ano, com atividades de improvisação, rodas de conversa, vídeos, exposições interativas, apresentações de grupos profissionais ou jam sessions. As apresentações das crianças fazem parte do encontro e são voltadas para as próprias crianças.

Foto de Dermi Melo.


Cantoria e Encontro de Corais Desde 1990, a Cantoria acontece sempre no primeiro semestre. Nasceu pela necessidade de os participantes dos grupos se conhecerem e trocarem experiências entre si. Os horários de ensaio dos diferentes grupos são distribuídos durante a semana, o que impossibilita o encontro entre eles. Como consequência, não conhecem o que está sendo criado pelos corais. Assim, o que era apenas um piquenique no parque tornou-se um evento que, atualmente, é realizado em teatros da prefeitura. Já os Encontros de Corais ocorrem no segundo semestre. Em 2015, realizamos a 30a edição do Encontro de Corais Infanto-juvenis da EMIA, cujo intuito é apresentar as diferentes criações desenvolvidas durante o ano. Tem como característica a participação de um coral convidado, para que as crianças conheçam outros trabalhos. Dada a existência de dois corais adultos a partir de 2014, foi realizado, em 2015, o I Encontro de Corais Adultos da EMIA. A participação de diversos grupos da cidade de São Paulo tem se mostrado uma experiência muito rica, pois a troca com os corais convidados traz para a EMIA diferentes concepções.

Foto de Thais Ohtani.

Coral na EMIA é diferente Que diferença têm os corais da EMIA? Uma delas é que há uma regente que não rege. Outra é que, no mesmo impulso, faz parte do processo de trabalho a decisão conjunta, pois proponho uma parceria em que, a partir de sugestões apresentadas, as crianças são coautoras na construção das ideias e da criação. E por isso eles não cantam apenas. Juntos, fazemos das canções, em momentos singulares, motivos de construções interpretativas com o corpo, objetos, movimentos, dança, percussão e o que mais vier. Assim, venho aprendendo a fazer esse trabalho há quase 30 anos. Pelos corais da EMIA passaram colegas que trilharam outros caminhos: a primeira foi Thelma Chan, que transformou os corais de oficinas em uma subárea de musicalização; Mara Campos apresentou um outro lado da música às crianças: canções do mundo, outras línguas etc.; Adilson Rodrigues, com o coro teatro, mostrou mais um caminho possível. E, nesses anos, ainda tivemos outros regentes: Naomi Munakata, Alexandre Zihlai, Rosana Massuela, Stella Contreiras, Angela Volcov. Hoje sou a única regente da EMIA, dos corais: Arcolito (7 e 8 anos), Coral da EMIA (9 a 12 anos), Coremia (12 a 16 anos) e Coral Aracê (mães e comunidade). “Cantar é mover o dom, do fundo de uma paixão...”. É ela que me move! Maru Ohtani

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Os trabalhos apresentados são resultados de processos construídos com as crianças, envolvem todas as linguagens artísticas, integradas ou não, e revelam o modo de ser da EMIA, sem grandes produções artificiais, mas com a seriedade que significa acreditar no que fazemos. Cenários e figurinos são criados pelas próprias crianças na medida em que fazem sentido para o que se quer mostrar. É muito mais um momento de realização e encontro do que do grande espetáculo.

Mostra de Final de Ano

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Acontece em um final de semana ou mais dias, conforme a disponibilidade do teatro, e reúne todos os grupos que desejam se apresentar. Ocupar um teatro, com todos os seus aparatos de cenário, som, iluminação, cortina e espaços (como coxias e camarins) acaba sendo uma experiência muito apreciada pelas crianças, que participam de um ambiente que pode ser mágico, divertido e ritualístico ao mesmo tempo.

Além desses eventos, marcados no calendário e com organização prevista, muitos acontecimentos outros podem se dar a partir de convites ou de iniciativas e propostas dos artistas professores atentos e porosos às manifestações artísticas contemporâneas. Exemplos disso são situações como as intervenções em Site Specific, no Centro Cultural São Paulo, ou ocupações em outros espaços públicos da cidade, experiências incorporadas pelas crianças com facilidade e prazer, em que se apresentam para públicos diversos e espontâneos.

Projeto de teatro Fábulas dirigido por Thereza Péric com a Orquestra da Emia sob a regência de Geraldo Olivieri. Foto de Inês Correa.


A EMIA foi um lugar mágico na minha infância. eu podia ser o que eu quisesse no teatro, materializar minha imaginação em cores nas aulas de pintura e expandir minha consciência musical e corporal.

lá eu podia ser eu na totalidade. Jana Joana (ex-aluna, década de 1990)

Como trabalhamos a partir de processos criativos, temos produtos artísticos a todo momento, mesmo que este não seja nosso maior objetivo no curso regular. No entanto, o desejo de apresentar deve ser compartilhado com as crianças que são sempre consultadas e respeitadas na decisão. Já nos grupos específicos - como corais e orquestra -, as apresentações são um pressuposto, portanto são de livre escolha das crianças.

Orquestra da EMIA Geralmente, a orquestra se apresenta em um teatro da prefeitura pelo menos duas vezes por ano. Além das datas fixas, ela é também convidada a se apresentar em vários lugares da cidade.

Foi em meados da década de 1980, que a Orquestra Infanto-Juvenil da EMIA se formou, sob orientação do professor Pedro Mourão. No princípio, era como uma extensão do trabalho de musicalização na escola, similar ao trabalho coletivo que já vinha sendo feito na prática coral. O objetivo era desenvolver a prática em conjunto dos instrumentos de musicalização (flautas doces, xilofones, violão, glockenspiel e violino). O trabalho cresceu e, após alguns anos, o ensaio passou para os sábados e foram realizadas parcerias com vários segmentos da EMIA, como o Coral, o Teatro, a Dança e as Artes Visuais. Durante todos esses anos, diversos professores ficaram à frente da orquestra: Cristina Gatti, José Branco Bernardes e Angela Volcov.

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Professor Chico Lu (Festa Junina, 2011).

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Festa Junina A Festa Junina na EMIA é um momento de grande participação das famílias, que produzem toda a parte relacionada aos comes, bebes, brincadeiras e prendas, aproveitando a ocasião para arrecadar fundos para ajudar a escola. A parte artística é dedicada à cultura popular com suas danças, músicas e brincadeiras, que embora sejam organizadas e ensaiadas previamente com as crianças, não buscam o rigor da apresentação, mas o prazer e o sentido da celebração conjunta. As festas têm um lugar importante de encontro que une famílias, crianças, professores, funcionários e a comunidade do entorno.

Foto de Dermi Melo.

Outras festas populares já aconteceram e podem vir a acontecer na escola, como a Festa da Primavera, o Presépio, entre outras, porém não se mantêm no nosso calendário anual como ocorre com a Festa Junina, presente desde os primeiros anos da EMIA.

Presépio (2002).


Formatura Depois de oito anos passados na EMIA, os jovens já com 13 anos se preparam para fechar seu ciclo dentro da escola, e assim se segue o ritual da formatura. Há uma exposição especial para as artes visuais, apresentação no teatro dos grupos de dança, teatro e música, e a audição dos formandos (que por vezes acontece junto às outras apresentações). Em outro dia, há a entrega de certificados e a festa. Tem sido costume, nos últimos anos, a confecção de camisetas com arte feita pelos alunos, além de um livro com depoimentos e fotos, organizado pelos pais.

Esculturas de Francisco Krindges Geraldini (formando 2015). Professora Sheila Ortega.

É um momento de alegria, celebração e despedida; o fim de uma iniciação e a continuação da trajetória de vida e de arte de cada um. Muitos voltam ainda como ex-alunos, logo em seguida, participando dos grupos abertos e oficinas e demoram em realmente se afastar da EMIA. Outros voltam anos depois, já formados no que quer que seja, apenas para dizer o quanto foi significativo ter passado por ali. E alguns voltam bem mais tarde, como artistas professores, dando continuidade a esses acontecimentos artísticos.

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Formatura 2010.


A Identidade da EMIA revelações a partir dos processos de ensinar e aprender arte com crianças Sandra Cunha

Fazer arte com crianças é a razão de ser da EMIA, como já foi aqui afirmado. No seu nascedouro, estava posta a importância de ser constituída também por outras formas de manifestação artística e, desse modo, a escola ganhou vida em íntima sintonia com o público que iria atender: as crianças.

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As crianças, cuja completude desconhece fronteiras entre formas expressivas, são essencialmente relacionais, imaginativas, brincantes, criativas, abertas às descobertas, manipulações e criações, e seus modos de ser e de estar no mundo rapidamente se ligam ao modo de trabalhar dos nossos professores, os artistas. É no entre tempos e espaços criado por esse encontro entre adultos e crianças na EMIA que acontecem as conexões entre arte e infância, e é isso que norteia nossa atuação pedagógica. Como a EMIA é um espaço educativo que se nomeia escola, com a intenção de compreendê-la buscamos no nosso imaginário exemplos de escolas que com ela se parecem, que com ela dialogam, e surge a pergunta: que educação é essa que promovemos, e qual queremos ser, na nossa maturidade de trinta e cinco anos de existência? Essa questão instigadora foi o mote para dar início à ação da assistência pedagógica junto ao corpo docente da escola, desde o início de 2014. Olhar para quem nós somos quando iniciamos as crianças no mundo da arte e seus mistérios foi o caminho tomado. Em outras palavras, partir das práticas pedagógicas e do que de fato acontece nas nossas aulas e cursos pareceu ser um bom começo, porque olhamos para o passado com respeito, no intuito de compreender o presente, e apontamos para o futuro que queremos construir e ser. O passo zero das práticas foi dado nos nossos percursos profissionais docentes. Ao chegarmos à escola, as práticas foram

compartilhadas e recriadas a cada nova parceria, nas duplas, nos quartetos e no grupo todo. Esse saber construído de modo conjunto vem se formando e se transformando continuamente ao longo desses trinta e cinco anos. Assim, a EMIA também é escola de artistas que se aperfeiçoam ao alargarem sua compreensão da Arte, a partir do diálogo com outras áreas artísticas que não a sua de formação e atuação, e da ação educativa com crianças.

A Identidade da EMIA A EMIA é uma escola do tipo não formal. Encerra os espaços-tempos em que ocorrem processos educativos organizados e, de algum modo, sistematizados, e dos quais participam intencionalmente professores e alunos. Somos uma escola pública pertencente à Secretaria da Cultura, não fazemos exame de seleção para novos alunos e não lhes atribuímos notas. Em vez de seriação, pensamos no percurso das crianças nessa instituição como momentos ligados aos seus modos de ser e de se relacionar com a Arte e sua aprendizagem, aos seus interesses e à aquisição de um conhecimento que vai se tornando sofisticado a cada ano passado por aqui. Interação, ludicidade, investigação, criação e aquisição de repertórios de atuação artística são conceitos definidores desses momentos, como veremos um pouco mais à frente. Ao aprender a fazer Arte, de modo inicial e não profissional, as crianças têm um percurso previsto de oito anos contínuos na EMIA. Com isso, podem desenvolver um corpo de conhecimentos em um nível de complexidade que lhes permite, por exemplo, a continuidade dos estudos em outras escolas especializadas.



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O desafio de trabalharmos as áreas artísticas de maneira integrada, em projetos de caráter interdisciplinar ou transdisciplinar, caracteriza uma abordagem educativa em Arte, voltada para a infância, que merece ser conhecida e reconhecida para além das nossas fronteiras. Nos espaços educativos vários que englobam as salas de aula e o parque no qual a escola está inserida, as crianças participam ativamente dos projetos lançados pelos professores, e seus trabalhos artísticos revelam o respeito e a consideração que merecem ter, reafirmando que elas são, também, sujeitos de direitos. Direito essencial de tomar parte na construção do seu conhecimento e de ser sujeito da sua história. O corpo docente da escola possui formações, experiências e saberes múltiplos: a diversidade é a sua marca. Como consequência dessa pluralidade, concepções variadas sobre o que é Arte, ensino de Arte com crianças e infância permeiam as ações e norteiam, portanto, as práticas artístico-pedagógicas e a relação com as crianças. Buscar não apenas as conexões entre esses modos de atuar e de fazer, mas, acima de tudo, a maior coesão possível entre todos eles foi o que nos instigou a pensar o projeto de formação continuada com a equipe docente, nomeado “As Narrativas Poéticas da EMIA”.

“As Narrativas Poéticas da EMIA” Lançada no início de 2014, essa proposta formativa teve como ponto inicial e princípio constitutivo a consideração pelos saberes dos professores e, desse modo, partiu das práticas pedagógicas e dos pensamentos que as marcavam, registrados e desvelados tanto nos relatórios semestrais, como no que era mostrado nas reuniões de pais. O principal objetivo das “Narrativas Poéticas da EMIA” é tornar cada vez mais visível a aprendizagem das crianças, por meio de uma rica documentação sobre os processos de aquisição e de construção de conhecimento artístico na escola. Essas narrativas têm nos proporcionado importantes oportunidades para

troca de ideias e diálogos sobre Arte, Educação e Estudos da Infância, campos do conhecimento sobre os quais se assenta o nosso trabalho. Na produção das Narrativas, a orientação é para que a ênfase seja colocada na explicitação das propostas de trabalho de cada semestre ou ano, essencial nesse tipo de abordagem pedagógica, com o intuito de compreender seus desdobramentos e consequente avaliação. Que sejam revelados, também, como são organizados os tempos e os espaços promotores de aprendizagens e a seleção dos materiais. A partir do projeto inicial, o antes, são narrados os percursos, singulares e próprios de cada grupo ou professor, na interação com as crianças. E, finalmente, ato reflexivo em consonância com os caminhos trilhados, o conhecimento construído. Esse conhecimento, por sua vez, contempla as questões integrativas entre áreas artísticas, as especificidades de cada uma delas e outras descobertas e questões de outra natureza que os professores julguem relevantes nesses processos. O que se revela dessas narrativas, nossa documentação pedagógica, são experiências, saberes artísticos não apenas vividos, mas também pensados, transformados em conhecimento, em âmbitos que superam o artístico e se colocam no aspecto humano. Nas apresentações, relatos, reflexões e encaminhamentos, presentes em todas as versões de compartilhamento das “Narrativas Poéticas da EMIA”, estamos conhecendo mais profundamente nossas práticas e os pensamentos que as fundamentam. Como resultado desse trabalho de imersão nas Narrativas Poéticas e da sua análise, foram encontrados eixos de atuação artístico-pedagógica e, desse modo, tornou-se possível dar ao corpo docente uma devolutiva desse estudo, em uma tentativa de sistematizar nossa abordagem de ensino da Arte para e com crianças. Um retrato vibrante das nossas práticas, das relações entre adultos e crianças, do que pensamos sobre elas e de como temos desenvolvido o nosso trabalho. Esses eixos podem ser assim colocados:


2. Arte: integrações e pesquisas – O Quarteto Crianças de 9 e 10 anos Nesse momento, a possibilidade do trabalho integrativo se radicaliza e se complexifica em vários âmbitos: no encontro entre linguagens, entre professores, entre crianças, entre professores e crianças e entre a ação artística e a ação pedagógica. A ludicidade permanece, mas vai aos poucos cedendo lugar às pesquisas: de materiais, de procedimentos e de técnicas.

1. Arte: imaginação e ludicidade Crianças dos Grupos: 5, 6, 7 e 8 anos Esse momento é aquele definido pela entrada das crianças no contexto cultural da escola, com suas características e procedimentos distintivos em relação a outros espaços educativos, e que vão sendo compreendidos aos poucos. As interações são definidoras também da relação entre adultos e crianças e, assim como a ludicidade, são aspectos estruturantes da ação pedagógica e da aprendizagem. A imaginação das crianças é ricamente alimentada, e materiais diversos trazidos pelos professores são explorados por elas para dar forma à criação artística. Ao final dessa etapa, as crianças já expressam maior familiaridade com os procedimentos artísticos e com a cultura da EMIA.

As possibilidades criativas e colaborativas entre professores e crianças e entre crianças e crianças se intensificam. Neste momento dos seus percursos na EMIA, as crianças já demonstram ser possuidoras de maior consciência sobre o que fazem por aqui, revelando a existência de um pensamento crítico mais apurado: a experiência artística se converte em conhecimento de caráter mais abstrato, e a relação entre o vivido e o pensado se evidencia em suas falas. Suas composições artísticas agora possuem maior consistência, e já conseguem selecionar o que julgam ser o melhor para o que querem “dizer”, ao lançar mão de várias possibilidades expressivas, em uma linguagem específica, ou de modo que integre mais de uma delas, ou mesmo todas. Neste momento, começam a demonstrar maior controle e conhecimento, no difícil exercício de falar sobre o fazer artístico e seus resultados.

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Considero um presente poder fazer parte da história da EMIA. Creio que são raros os lugares em que a mágica acontece. São raros os lugares e pessoas que te enchem os pulmões, te alimentam a alma e te marejam os olhos. Julia Salgueiro (ex-aluna e ex-professora da EMIA)


3. Arte: Ampliação de Saberes Crianças dos grupos 11 e 12 anos Esses são os dois últimos anos das crianças na escola, o momento das escolhas para novas experiências, ou para passar mais tempo com o foco voltado para uma das linguagens somente. No entanto, como até essa etapa as aulas foram marcadas pela integração das linguagens, muitas crianças continuam a se expressar por meio de todas elas, fazendo uso de um repertório já conquistado de ação e de atuação que desconhece limites entre áreas artísticas.

4. Arte: entrecruzamentos e mergulhos Crianças de idades misturadas Esse momento não é sequencial aos dois anteriores, mas acontece de modo concomitante, e se dá de acordo com as escolhas das crianças. É aqui que acontecem experiências em várias direções pelo caminho dos cursos Optativos em todas as áreas artísticas, para crianças a partir de sete anos de idade (em música: instrumentos), e as Oficinas para crianças de todas as idades (abertas para crianças de fora da EMIA, familiares e comunidade do entorno da escola), e grupos permanentes como os Corais e a Orquestra Infanto-Juvenil da EMIA. Os cursos Optativos e as Oficinas se caracterizam por serem como processos de estudo, particulares e ligados a um interesse específico, mais fortemente relativo a apenas uma das linguagens artísticas. Entretanto, assim como nos grupos 11/12 anos, essa opção não exclui a presença das outras linguagens. Os processos artísticos com as crianças nessa etapa são marcados pela ampliação de repertórios, de qualidades de expressão, de saberes, de conhecimentos e de reconhecimentos. Como as idades são misturadas, a diversidade e a diferença entre crianças e jovens é uma característica destes grupos. Desse modo, os planejamentos, a escolha de materiais, os tempos e espaços pensados para abarcar as distintas possibilidades assumem grande importância em torno de um projeto que una a todos.

A título de remate As Narrativas Poéticas da EMIA têm nos contado muito sobre o caminho formativo que vem sendo tecido com base em um olhar atento e cuidadoso da assistência pedagógica para com os professores e suas demandas - apoiada pela direção e coordenações de áreas. Os encontros de trocas têm como característica um caráter móvel, cujo sentido se constitui na medida em que se pensa e se repensa. A cada vez que nos encontramos para compartilhar e refletir de modo mais profundo sobre nossos processos de ensino-aprendizagem em Arte com crianças, tais eventos têm assumido novos formatos, e acreditamos que eles perderiam seu sentido caso se tornassem modelos estanques. Sua força reside na continuidade e fluidez que se dá em consonância com a natureza do trabalho artístico, mutante e questionador por natureza. A cada edição das Narrativas, surgem novas questões a serem tratadas, e é isso o que tem nos movido na orientação desse processo: observar, ouvir, sermos tocados pelos trabalhos dos professores, promover e fomentar uma prática reflexiva. Esta, assim como a consideração pelos saberes dos professores, é fundante para a formação continuada de grupos profissionais docentes. Nosso trabalho, o artístico e o pedagógico que aqui se integram, deve ser inconformista e crítico. Além disso, temos trazido referenciais teóricos que dialogam diretamente com o que somos e fazemos e que não são alheios às práticas. São, longe disso, sua outra face, e repensar as práticas à luz dos estudos mais atualizados nos campos do conhecimento nos quais se baseia o nosso fazer nos permitirá falar de modo cada vez mais apropriado sobre a importância, a necessidade e o valor da Arte e seu ensino para e com crianças. Diante disso, reiteramos a importância das Narrativas Poéticas da EMIA nesse momento atual da escola. O que queremos é contar não apenas como ocorre a transmissão de conteúdos, nem sobre a absorção de técnicas de transformação de diferentes materialidades, mas o que há de mais significativo na EMIA: o compartilhamento de saberes entre adultos e crianças e a construção de conhecimento no campo da Arte. Tudo com o intuito de compreender as crianças, criar laços, abrir-lhes os caminhos das descobertas, a paixão para criar novos significados, desvendar e conhecer o mundo e seus fenômenos e, enfim, fazer Arte.

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narrativas poĂŠticas


Improvisação

uma experiência com a Orquestra Infanto-juvenil da EMIA Liliana Bertolini

Simultaneamente, os alunos participaram de improvisações inspiradas no trabalho do educador e compositor Koellreutter, músico alemão que chegou A Orquestra Infanto-juvenil da EMIA é um grupo que acolhe estudantes de

ao Brasil em 1937 e deixou um importante legado para a música brasileira.

instrumento em vários níveis de aprendizado. São realizados arranjos espe-

Dentre essas improvisações, realizamos uma adaptação de seu jogo de impro-

ciais, para que todos possam executar as obras musicais do repertório se-

visação chamado “Palhaço”. A orquestra se agrupou em um círculo, formação

lecionado pelo maestro Geraldo Olivieri e seus assistentes Liliana Bertolini,

diferente da habitual, e todos tocavam uma mesma frase rítmica criada por

Júlio Maluf e Nado Garcia.

eles, porém cada um em uma nota. O aluno que assumia o papel de palhaço

A escolha das obras musicais tem o critério de contemplar diferentes gêneros, estilos e períodos da história da música. No entanto, a música erudita contemporânea ainda não havia feito parte do repertório executado pela orquestra, e

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com seu instrumento tocava de maneira a “atrapalhar” os colegas, em pulsação diferente daquela do grupo, o que eles constataram ser muito difícil, mas, mesmo assim, ficaram bastante motivados com o desafio!

por isso decidimos assumir este desafio: a descoberta e a experimentação da

Em seguida, exercitamos a improvisação musical com a orquestra toda, com

sonoridade da música erudita contemporânea, visando a ampliar o repertório

foco na pesquisa sonora do próprio instrumento e nas infinitas maneiras de

dos alunos. Chamamos de desafio, pois estaríamos propondo a escuta e a exe-

interação entre os participantes, inspirados no trabalho da educadora musi-

cução de uma sonoridade que causa estranhamento aos ouvidos da maioria

cal e compositora espanhola Chefa Alonso. Com a duração de um semestre,

das pessoas, até mesmo de estudantes de música.

essa proposta partiu da regência por meio de gestos com significados sonoros

O trabalho foi iniciado com a apreciação musical com foco na escuta ativa, prática auditiva que requer a atenção exclusiva na música. A ação, neste caso, está em encontrar elementos como timbres, frases musicais e a construção da forma de obras musicais. A escuta ativa foi feita com peças do repertório

preestabelecidos: sons curtos e leves (imagem da chuva), sons “estranhos” (desafinados e raspados), sons de rock’n roll (fortíssimos), sons longos e leves (imagem do varal), gesto para o silêncio e gesto para solos que podiam se transformar em duos, trios e quartetos.

dos séculos XX e XXI e propostas como: levantar a mão a cada vez que um

O exercício da improvisação traz ao estudante de música muitas qualidades,

instrumento fizesse um solo, que uma frase musical se repetisse ou a cada

mas também possibilita uma questão crucial que é dar espaço para o surgi-

observação de mudanças de texturas e dinâmica.

mento do novo! O novo não é o não, a negação das formas tradicionais.

O novo é o novo!

Sons raspados.

Sons de chuva.

Convite para o solo.


Esse trabalho é de grande importância para a adaptação da escuta à música contemporânea, pois não estamos acostumados à atonalidade e à variação de ritmos fora de um padrão. Fomos incentivados a sair da zona de conforto onde tínhamos apenas que executar uma partitura na qual o encaixe das vozes e a união do grupo já haviam sido pensados. Tivemos que improvisar, ou seja, criar algo que encaixasse na criação do outro.

Adorei conhecer essa música nova, ela me leva para lugares muito diferentes! Gustavo Brandão (16 anos, violão).

Felipe Berg (15 anos, violino).

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Gostei de F Icar livre para explorar tanto meu instrumento quanto a música!

Foi diferente tocar sem seguir uma partitura! A gente era a nossa própria partitura!

Felipe Gazzoni (16 anos, flauta).

Mariana Catalina Coelho (14 anos, viola).

Entrada para o solo.

Sons muito fortes.

Silêncio.


Nos dois últimos anos (2015/2016), a área de teatro sentiu falta de um espaço que abrigasse elementos materiais capazes de trazer às crianças possibilidades criativas e, ao mesmo tempo, fosse aconchegante, misterioso e encantado como o armário da mamãe ou -

por que não? - o incrível armário

de Nárnia: um portal mágico, capaz de levá-los, através do imaginário, para outros mundos, outras personagens. Um camarim que não se restringisse a um depósito de figurinos e adereços, mas permitisse, para além do vestir-se na magia de ser outro, a autonomia nas escolhas e a responsabilidade no cuidar, já que seria uma sala compartilhada por todos, inclusive professores de outras áreas em atividades distintas. Assim, pouco a pouco, o camarim ganhou status de uma atividade autônoma, e dar uma passadinha por ali passou a ser uma ação frequentemente requisitada pelos alunos, aumentando, assim, as potencialidades do fazer teatral em sala de aula. Afinal,

No teatro, eu posso tudo ser: herói, vilão, mocinho, mocinha, fada, princesa, príncipe, rei, rainha... Posso ser eu, se o “eu” quiser (e quase sempre sou, até quando o “eu”, não quer). No teatro, posso ser tudo o que sempre quis? Ator? Atriz? Dono, dona do meu nariz? Então determino: para todo o sempre, serei feliz!

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A magia do camarim reinventando Nárnia Antonio Correa Neto


Arcolito

coral dos insetos Maru Ohtani e Karime Nivoloni

Foto de Thais Ohtani.

Arcolito é o coral de 7 e 8 anos da EMIA. A sua principal característica é cantar, explorando a brincadeira. A dinâmica de trabalho em dupla no Arcolito é diferente do curso regular, pois

As crianças se envolveram rapidamente. Além das músicas aprendidas, co-

o tempo é curto e precioso. O processo de criação em relação às canções é

meçaram a criar corpos de abelhas, marimbondos, formigas, joaninhas dentre

feito de forma que as crianças se sintam confortáveis, confiantes e autôno-

tantos outros que surgiram, e fizemos máscaras com estruturas de jornal, cuja

mas, para cantar, dançar e atuar. São 50 minutos semanais intensos!!

confecção se realizou graças à colaboração dos pais, que acabaram partici-

Nesse sentido, há necessidade de chegar para o encontro com o foco claro e preciso. As canções são previamente escolhidas segundo o tema anual e

pando também do processo. Solucionamos problemas com emendas, colas e fita adesiva, seguindo os desejos de cada uma das crianças. Os novos adereços foram, então, cuidadosamente pintados e passaram a compor o figurino.

todos os envolvidos aprendem-nas. Após esse primeiro contato com a música e alguma sugestão de experimentação de cena, iniciamos um diálogo coletivo: levantar e experimentar ideias, observar, intervir, propor, ver; escutar o que as crianças sugerem e ajudá-las a organizar o que será mostrado; construir juntos - professores e crianças - a apresentação que integra música, dança, teatro e artes visuais.

Dentre as canções trabalhadas, destacamos “A barata”, de Ruth Rocha e Hélio Ziskind. Foi grande a loucura na criação dessa cena: as crianças se envolveram pelo fato de a barata ser um inseto asqueroso e viveram intensamente a aversão a esse inseto. Em meio a nojo, gritos e aflição, ganhamos uma fantasia de barata feita pela mãe Patrícia Souza. A barata, assim, ganhou vida, e sua entrada em cena era determinante para o movimento do grupo, que se deslocava

Em 2015, o tema foi “insetos”. Nós estávamos sugestionados pelo foco

em coro, fugindo ou amedrontando a pobrezinha. Correria! Gritaria! Marcha

da dengue e do Zica vírus desde o início do ano e pensamos: por que não

de soldados para enfrentá-la!

subverter um assunto problema de forma poética? Apesar da gravidade da questão, o universo dos insetos tem um potencial mágico: um mundo em miniatura, com cores, formas, asas, casas, transparências e voos para habitar nosso imaginário coletivo.

A cena surgida de uma experiência real - fugir da barata ou correr para matá-la - ganha uma potência nas crianças, que se apropriam da canção e acreditam naquela verdade com intensidade. O fazer artístico acontece a partir de um faz de conta, da brincadeira que se repete e ganha, de forma fluida, outras camadas de complexidade, atreladas à técnica e à criação das linguagens envolvidas.

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Invenções e engenhocas Fábio Marques Rogério Almeida

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Em um segundo momento com os dragões, a conversa encaminhou-se para uma história acompanhada do estudo de um livro que mostrava a anatomia dessas criaturas fascinantes e suas similaridades com animais atualmente coUma breve curiosidade: nossa dupla, sempre, mesmo que sem querer, acaba

nhecidos, como cobras, lagartos, jacarés, elefantes, águias etc. Tipos de olhos,

construindo grandes instalações com os grupos.

texturas de pele, tipos de unhas e muito mais. Iniciamos um processo investi-

Inspirados por essa característica e motivados pelas criações de Leonardo da Vinci, Prof. Pardal e, mais recentemente, o Manual do Mundo, nossa proposta baseou-se em instigar as crianças a produzirem pequenas engenhocas para, por meio dessas invenções, vivenciar de forma simples estruturas estéticas e

gativo de forma criativa, no qual cada criança criava seu próprio dragão, com suas diferentes funções, habilidades, comportamentos e até poderes. Esse processo foi finalizado com pinturas a guache. A anatomia de um ser é, sem dúvida, uma grande engenhoca. Trouxemos

poéticas ao mesmo tempo interativas. As possibilidades seriam infinitas: um

essa discussão e fizemos o exercício de montar esse corpo: cada um daquela

brinquedo, um boneco sonoro etc.

sala seria parte do dragão! Uma imensa confusão, já que a grande maioria

Explorando essa ideia, iniciamos nossas conversas com o grupo. Em uma

das chamadas, uma criança comentou sobre a animação Como Treinar

seu Dragão, a que havia assistido. Logo o tema “dragões” ganhou calor na conversa, e nós, professores, assumimos nosso papel mediador, escutando, fazendo pontes entre assuntos e, quando possível, inserindo elementos

queria ser a cabeça, afinal de contas, quem não quer sair por aí cuspindo fogo, gelo, ácido etc.? As crianças, então, perceberam que sem cauda não há equilíbrio. E as asas? E as garras? Se cada parte de um corpo tem uma função, formando um todo dinâmico e vivo, como seria se cada criança fosse parte de um único dragão? E a voz? Voz é corpo?

das linguagens em forma de questionamentos, colocando-os disponíveis

Tudo isso foi ótimo para exercitar a relação do grupo, que mesmo sendo boa,

como ferramentas para conhecer e acessar melhor certas indagações.

nunca negou conflitos importantes a serem trabalhados, além de propiciar


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a exploração do espaço, a utilização de diferentes planos, a escuta não só com o ouvido, mas pelos entre sons, a sensibilidade do toque percebendo o outro por outras formas de contato.... Afinal onde já se viu um corpo estar vivo sem conectar-se? Aliás, há construções que, para existirem, precisam, antes de tudo, se tornar

O dragão foi, assim, tomando uma forma incrivelmente elaborada: um ser de

desconstruções. Por exemplo, para se construir a voz do dragão, brincamos de

7 cabeças, uma diferente da outra, pintado e exposto na lateral da casa 2, ao

desconstruir a fala: exploramos a voz com diferentes timbres e intensidades,

lado do anexo.

e isso depois veio à tona quando construímos um dragão com vários corpos.

Avançamos bastante com ideias e invenções potenciais em diferentes áreas.

Essas brincadeiras não tinham fim, então começamos a criação de um grande

Consultamos as crianças sobre suas expectativas a partir dali, e levantamos

painel cuja figura principal seria um outro dragão, desenhado e pintado por

várias possibilidades, inclusive abandonar o tema. A resposta foi unânime:

todos coletivamente. Um

dragão, feito por todos, mas sem com-

binar o que cada um teria que fazer, muito menos como. No início, as crianças ficaram, divertidamente, perdidas, mas aos poucos foram se encontrando nos traços desse misterioso ser em pleno nascimento.

queriam continuar e construir mais e mais. Comemoramos, traçando um novo percurso. O segundo semestre trouxe outras transformações no enredo dessa história. Nosso dragão ocupou temáticas distintas e foi parar em jogos de tabuleiro

Aproveitamos para expandir esse ambiente, inserindo a música com pequenas

minuciosamente criados e elaborados pelo grupo. Mas isso é outra história e

criações/improvisos construídos para aquele momento. Passamos da flauta

vocês terão de aguardar o próximo livro...

para o violão e o teclado, este último interagindo, inclusive, com sons sintetizados, viajando da Idade Média até um tempo Cyberpunk.


A ideia da ligação entre os corpos foi desenvolvida por meio de atividades

Em dado momento, as crianças demonstraram um forte interesse em experi-

em duplas, trios e grupos, fazendo uso de muitos exercícios de contato-im-

mentar o piano. No entanto nenhuma delas estuda ou estudou esse instrumen-

provisação. Iniciamos com o trabalho de espelho, em que uma pessoa con-

to anteriormente, então concentramos nossa experiência na relação entre os

duz o movimento, e a outra a segue. Os movimentos, assim, surgem sempre

sons e os movimentos. Construímos um jogo em que as notas agudas repercu-

em decorrência da relação entre um corpo e outro. Experimentamos essas

tiam em movimentos no nível alto, enquanto as notas mais graves davam peso

ligações também através de diferentes partes do corpo: uma seguia a ou-

ao corpo, conduzindo-o para um nível mais baixo. Isso foi experimentado por

tra por meio de fios imaginários que ligavam seus quadris ou seus olhares.

todo o grupo que, em seguida, criou uma composição cênica e sonora.

Outra possibilidade explorada foi a construção de esculturas com nossos corpos, que se ligavam compondo múltiplas imagens, que se formavam, deformavam e desfaziam.

de toque gerava uma qualidade de movimento, utilizando ou não materiais.

O processo com a turma foi se tornando mais complexo a partir da introdução

início e um fim do movimento), experimentamos qualidades fragmentadas,

da noção de diálogo. Um indivíduo se movimentava e, quando parava, outro

desdobradas em trabalhos de ocupação dos espaços do corpo do outro, em

iniciava; sem combinações, apenas pela escuta. Às vezes, o momento era di-

duplas e em grupos maiores. O andamento da música determinava quando

Por exemplo, com toques mais diretos (direções cujas trajetórias definiam um

tado por quem estava se movimentando, e isso se dava pelo ato de parar ou

cada um começava e quando terminava. Nesta atividade, a espacialidade e a

começar a se mover. Noutras, o movimento de uma pessoa gerava a necessi-

temporalidade do movimento eram bem precisas.

dade de a outra reagir, tomando para si a ação do colega e continuando à sua maneira. É importante perceber o quanto isso se aproxima de uma conversa cotidiana, em que as pessoas normalmente alternam seus falares ou tomam a palavra para complementar ou expor algo a partir do que lhes foi dito. Em alguns momentos, duas crianças começavam a “falar” juntas e estabeleciam

Fizemos, também, o oposto, usando esponjas e recorrendo a um toque que indicava somente o ponto de partida do movimento, gerando uma qualidade de corpo indireta, fluida e macia, expandida depois para uma composição em grupo em que o ar entre os corpos os deslocava. O nome deste estudo é “espaço vivo”,

parcerias neste tipo de “coro” de movimentos.

e cada ação de uma criança reverberava no corpo de outra, mudando seu nível no

Foi possível notar que a percepção do movimento em relação ao corpo do

um absorvia, do seu modo, o que vinha do outro, e devolvia ao espaço.

outro se expandiu muito com este estudo. Cada vez mais, as crianças afinaram a sua escuta, e isso aconteceu não apenas em relação à disposição espacial na

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Fizemos muitas atividades de contato-improvisação, nas quais uma qualidade

sala, como também por meio da identificação de diferentes ritmos e tempos de interação em grupo através do movimento e da pausa.

espaço, seus deslocamentos e seu modo de se mover. Como uma esponja, cada

Trabalhamos, também, mais focados no espaço, trilhando e seguindo os percursos e passos uns dos outros, experimentando os muitos modos de se deslocar e se apoiar. A diversidade etária da turma (de 7 a 13 anos) contribuiu nesse processo, pois os grupos se formaram de maneira bem variada, dependendo da proposta, pelos desejos daquele momento ou apenas seguindo o acaso. Conseguimos, com este trabalho, construir uma “liga” entre a dança de cada aluno. A turma se tornou um grupo, e as diferenças de idade, de formas de se mover e de experiências rechearam este fazer, dando a ele diversidade de nuances, texturas e sabores.

Corpos que reverberam Valeska Figueiredo


Jogo Nova Identidade Recy Freire Thelma Penteado

Adotou-se como poética para permear os trabalhos artísticos das crianças a investigação de suas identidades individuais e coletivas. O trabalho começa com a desconstrução do conceito de fotografia 3x4: dê seu melhor sorriso e

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faça uma boa careta! Posteriormente, passa pela criação de silhuetas na forma de um autorretrato em resposta às questões: Como eu me vejo? e Como

eu me vejo no mundo?. Instigados a responder à pergunta: Se você

fos-

se um super-herói, que poderes você teria?, a criança busca aquilo que almeja, aquilo que gostaria de ser, de fazer, sendo este um passo a mais na descoberta de sua própria identidade, uma vez que toda jornada de herói é uma jornada de autoconhecimento. Essas e outras atividades desenvolvidas ao longo do semestre culminaram na criação do jogo “Nova Identidade”. A criança tem que jogar as cartas como um jogo clássico de baralho, trocando-as a cada rodada, até completar as 5 cores detalhadas a seguir. Quando completar as 5 cartas, chegará à descoberta de sua “Nova Identidade”. Cada cor corresponde a uma característica, identificada com uma letra marcada no canto esquerdo superior da carta:

• F (roxo): Fala - indicação de como o personagem deverá falar; • T (vermelho): Tamanho - tamanho do personagem - influenciará sua relação com o espaço; • G (azul): Gostosura - aponta o que o personagem gosta de comer - pode ser determinante no comportamento;

Após o jogo, cada criança compõe a criatura, de acordo com seu conjunto de cartas e usando materiais diversos disponibilizados pelos professores (como barbantes, tecidos, conduítes, acessórios de vestuário etc.). Criada a nova persona, as crianças oficializam sua Nova Identidade, ao preencher as Certidões de Revelação da Nova Identidade, de acordo com o seu personagem e as cartas tiradas no baralho, indicando o seu local e data de renascimento, o nome dos pais e também seu o novo nome. Por fim é entregue às crianças a

Carteira de Nova identidade

de cada personagem. A Nova Identidade foi (e continua sendo) um espaço de pesquisa, descobertas, afloramento de desejos, inspirações, provocações, brincadeiras e criação. Para além de pintar, desenhar, cortar e colar, mover-se no espaço, relacionar seu corpo com o do outro, criar personagens ou improvisar, as crianças aqui

• C (verde): Cabelo/Cabeça - tipo de cabelo ou cabeça que a criança irá compor para sua nova persona.

continuam em suas buscas, aprendendo cada vez mais a querer, e a descobrir

• O (amarelo): Origem - onde surgiu o personagem - ajuda na criação de um histórico.

outro e a entender limites, elas dão contorno a seu lugar no mundo.

outras formas desses quereres. Aprendendo a viver em relação, a respeitar o


A história das histórias em quadrinhos na EMIA Marcos Venceslau

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Em 1997, surgiu a primeira oficina de História em Quadrinhos na EMIA. Na

Em contrapartida, os alunos da Oficina produziram uma tira, a qual foi mu-

época, nem tínhamos ideia de que esse e o próximo ano despontariam como

sicada pela orquestra e apresentada no palco da EMIA, sendo exposta em

os “anos de ouro” dos quadrinhos na EMIA. A proposta inicial da oficina era produzir um fanzine, mas o grande envolvimento da turma com o desenho também me provocou grande empolgação

formato gigante num papel Kraft. Da música ao papel e do papel à música mostrou-se uma possibilidade de diálogo entre as linguagens e uma experiência significativa para as crianças.

como professor. Surgiu, então, um desejo de ampliar essa experiência dos

No ano seguinte, com mais entusiasmo e uma turma maior, fizemos duas par-

alunos, integrando o desenho a outras linguagens, possibilitando, assim, que

cerias que trouxeram novas possibilidades de integração. A primeira, com a

eles experimentassem outras formas de contar histórias em quadrinhos. Em conversa com o então regente da orquestra da EMIA, o professor Branco Bernardes, surgiu a ideia de realizarmos um trabalho integrado: Orquestra e Oficina de histórias em Quadrinhos. Dentre as músicas que ensaiavam, o maestro escolheu a adaptação de “A Truta”, de Franz Schubert, para levarmos a proposta às crianças da oficina. Eles ficaram muito empolgados e, inspirados na música, produzimos uma grande história com lápis grafite, em que cada quadrinho era uma página em tamanho A4. Além da reprodução em papel, as páginas foram fotografadas por Nelson Toledo, um amigo fotógrafo, em formato de slides, forma de projeção de fotografias comum na época. Assim, pela primeira e única vez na EMIA, a apresentação da orquestra foi acompanhada pela projeção da história em quadrinhos “A Truta”.

banda de pífaros da professora Liliana Bertolini. Neste projeto, o processo aconteceu a partir de algumas músicas do seu repertório que inspiraram a produção de uma história em quadrados, tamanho A3, de papelão vazado, ou seja, um grande estêncil quadro a quadro, que foi projetado como se fosse um teatro de sombras, ou melhor, “quadrinhos de sombras”. A segunda, com a turma de teatro do professor Chico Lu, foi a produção de uma história em quadrinhos, pintados a guache, quadro a quadro, em um grande formato. O grupo do teatro da turma de 11 e 12 apresentou a “História em quadrões”, com uma movimentação cênica no palco. As propostas realizadas nestes dois primeiros anos da Oficina de Quadrinhos apresentaram-se com possibilidades produtivas de integração de linguagens, mostrando que as histórias em quadrinhos podem ser muito mais do que papel e lápis, transpassando os limites da técnica e se transformando em espetáculo.


Nos dois anos seguintes, a pedidos dos próprios alunos, adotamos a forma

A conduta que costumo manter no espaço dos exercícios de desenho é a de

tradicional de histórias em quadrinhos, ou seja, a produção de revistinhas,

deixar o aluno tranquilo, à vontade, sem censura ou autocrítica, permitindo

chamadas de fanzines. Os resultados produzidos foram: “Arte Nossa” (1999)

que ele possa brincar com o desenho, trocar ideias, dificuldades e habilidades

e “Nóis na Tinta” (2000).

com seus colegas, descobrindo seus valores, suas capacidades para, assim,

Em 2001, as oficinas passaram a ser semestrais para atender a grande procura

deixar surgir, naturalmente, seu traço pessoal.

dos alunos por essa linguagem. Naquele ano, a turma, composta por crianças

Após anos de auge, as oficinas de quadrinhos da EMIA passaram por um pe-

de 8 a 10 anos, recebeu um desafio: produzir histórias em quadrinhos para al-

ríodo de silêncio. No entanto, os quadrinhos continuaram a aparecer nas aulas

gumas poesias de Cecília Meireles - Jogo de bola; A bailarina; O chão e o pão.

de duplas e quartetos, representando histórias contadas, cantadas e criadas,

A diversão fez parte de todo o processo: os alunos liam as poesias, represen-

como também ajudando a criar histórias para as representações teatrais ou

tavam-nas cada um à sua maneira e assim iam tendo ideias de como seria a

sendo estímulo para trilhas ou sonoplastia na linguagem de música.

sequência dos desenhos. O grupo se uniu para essa empreitada, e o trabalho coletivo foi muito enriquecedor. As histórias foram impressas e se transformaram no encarte do programa do espetáculo do final do ano, apresentado na sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo. Ver seu trabalho circulando por uma plateia de mais de quatrocentas pessoas foi uma enorme alegria para os alunos desenhistas. Naquele mesmo ano, ainda produzimos dois fanzines: “Arte na Tinta” e “HQ Emia – A dúvida”. Além das oficinas, as histórias contadas ou desenhadas em sequência também aconteciam em outros grupos, nas turmas com duplas de professores de duas linguagens diferentes. Em uma dessas atividades, produzimos um grande livro com ilustrações sequenciais, pintadas a guache, da história musical “A coca”, com uma turma de 6 anos e a professora Maristela Loureiro. Um trabalho prazeroso desde o fato de concretizar a imagem que cada um tem das cenas da música, até a confecção do grande livro em papelão e espiral de arame. No ano seguinte, destacou-se um trabalho com uma turma de 5 anos junto com a professora Giselle Ramos. O estímulo disparador para o projeto foram algumas lendas tradicionais brasileiras, a partir das quais a turma criou uma história chamada “As aventuras do Saci-Pererê”, desenhada em quadros que ocupavam uma folha, como se fosse a ilustração de um pedaço da história. Para as ilustrações, as crianças utilizaram aquarela, lápis aquarela e nanquim. Por fim, os quadros foram reunidos em um único livro. Criar a história e materializá-la, quadro a quadro, em um livro, envolveu crianças e professores em uma experiência muito significativa. Nas oficinas de HQ, os fanzines foram reunidos em: “Fanzine da Galera” e “Academia do Desenhista”. As turmas estavam lotadas, chegando a catorze alunos. Tivemos novo aumento da procura pela oficina em 2003, o que nos levou a um grande ‘boom’ dos quadrinhos na EMIA. Tivemos duas turmas por semestre e produzimos quatro fanzines: “Planeta quadrinho”, “Lá vêm eles”, “Lá vem ela – uma revista de morrer de rir” e “Quadrinhos engraçados”. As histórias não eram exatamente muito engraçadas, mas com certeza as aulas eram divertidas. Outro fato interessante foi o aumento das meninas interessadas em produzir histórias em quadrinhos, chegando a ter uma turma inteira com apenas um menino. As aulas continham o aprendizado da linguagem específica dos quadrinhos, algumas técnicas de desenho e muitos exercícios envolvendo cartum, tiras e histórias curtas. Sempre com muita conversa, descontração e prática do desenho, possibilitando um espaço que pudesse fazer brotar do aluno o seu próprio desenho. Nesse espaço, também se faziam presentes, muitas vezes, experiências da vida de cada um, com um novo canal de comunicação se apresentando a eles e com assuntos íntimos e mesmo mais complexos vindo à tona, criando um ambiente de discussão saudável e até disparando histórias para serem desenhadas.

Em 2006, os pedidos eram tantos que, em 2007, a oficina de história em quadrinhos ressurgiu, mesmo que por apenas um ano, mas produzindo dois fanzines: “Meninos” e “Meninos 2”, enaltecendo a unanimidade dos meninos na turma da oficina daquele ano, um período divertido e engraçado, e que, desta vez, traduziu-se não só nas aulas, como também nas histórias produzidas. Os livros com histórias ilustradas continuaram aparecendo nas atividades de duplas, principalmente nas turmas de 8 anos. Em 2008, ilustramos a história Festa no Céu na versão da tartaruga, cantada pelo professor Marco Glauco, no esquema de cada um fazendo uma parte da história. Assim também aconteceu com uma história de barquinho, a qual ilustramos com colagem, cada um fazendo sua versão do barquinho. Em 2009, apresentei a história o “Menino do mar”, do amigo Wagner Passos, para dois grupos de 8 anos, um com o professor Marco Glauco e outro com a professora May Kahtouni. Foi bem interessante produzir os dois livros – bastante diferentes – na mesma época e mostrar para as duas turmas as duas versões da mesma história. A atividade de montar uma página com uma sequência criada pelos alunos continuou acontecendo e, em 2011, em uma turma de 6 anos, com a professora Berenice de Almeida, vingou a montagem do livro das histórias criadas individualmente. Todos montaram suas páginas e depois ajudaram a furar e a colocar a espiral no livrão. No quarteto de 2014, com Berenice de Almeida, Valeska Figueiredo e Wando Pira, algumas histórias em quadrinhos surgiram a partir de cenas teatrais, foram desenhadas em aquarela e nanquim e, depois, apresentadas. Nesse mesmo ano, a oficina ressurgiu timidamente, somente no primeiro semestre, mas com um grande interesse dos alunos não só na produção como também nas aulas teóricas, em que discutiam as possibilidades de utilização da linguagem. Tivemos bons resultados coloridos e com muito humor, a começar pelo título que saiu de uma brincadeira, soa bem ao ser pronunciado, mas na verdade não sabemos o que significa “Dueme Deskil”! A linguagem dos quadrinhos é uma forma de contar histórias, geralmente buscada por alunos que falam pouco ou quase nada, gostam do silêncio, de imagens e encontram, nos desenhos, uma forma de se comunicar ou de extravasar suas fantasias. Assim são as histórias em quadrinhos: um espaço aparentemente quadrado, mas com muita imaginação e possibilidades infinitas para a expressão nas mais variadas formas!

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Zigue-zague de ações

como incentivo à autonomia poética Sheila Ortega

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Ao longo deste semestre, visitamos duas exposições: Kandinsky: tudo começa num ponto (CCBB) e Frida Kahlo (Instituto Tomie Ohtake). O planejamento para os trabalhos aconteceu conjuntamente com o processo de apresentar esses dois artistas ao grupo, com o objetivo de pensar suas contribuições mais sig-

Em termos de conteúdos artísticos, alguns alunos estavam muito interessa-

nificativas para a história da arte e observar de perto seus processos criativos.

dos em fotografia, então, passamos por experiências de composição fotográ-

Sua produção foi ponto de partida para diversas experiências estéticas vivencia-

os fundamentos do desenho e da pintura, e alguns alunos permaneceram na

das em sala de aula e mote disparador da investigação de materiais e suportes.

pesquisa da assemblage (colagens com objetos e materiais tridimensionais)

Parte do grupo se preparava para a exposição de formatura, e o desafio do

fica, pesquisa poética e sua relação com a pintura. Além disso, aprofundamos

e modelagem em argila.

semestre era orientar o trabalho dos formandos, ampliar o repertório visual

As propostas também foram elaboradas individualmente ou em grupos, sen-

de todo o grupo para o desenvolvimento dos projetos e direcionar os traba-

do respeitados os interesses individuais de construção, composição e mate-

lhos daqueles que não se formariam. A estratégia de trabalho se deu como um zigue-zague de ações: em alguns mo-

riais, voltando a propostas nas quais todos pesquisavam a partir do mesmo fio condutor.

mentos, os alunos foram orientados de maneira um pouco mais dirigida nas

Esse zigue-zague resulta no incentivo da autonomia poética e visual da tur-

suas pesquisas, como no caso do Kandinsky, cuja proposta era desenvolver tra-

ma, ao mesmo tempo que aprofunda questões próprias da linguagem visual.

balhos que partissem da leitura de obras do artista escolhidas individualmente

Assim, o processo de criação e o fortalecimento das poéticas individuais

pelas crianças. Dessas pinturas, surgiram instalações de parede, tridimensionais,

ganha força com os trabalhos que finalizaram o ano e, para alguns, a própria

desenhos e outras pinturas desenvolvidas pelo grupo.

trajetória na EMIA.


Há alguns anos, a EMIA introduziu a modalidade de ensino coletivo de música

Sem perder de vista os elementos técnicos fundamentais da execução do ins-

em sua grade curricular, a princípio reunindo toda a família das cordas (vio-

trumento, adicionamos às aulas atividades focadas na promoção da criatividade,

linos, violas, violoncelos e contrabaixo) e, posteriormente, com turmas com-

liberdade e experimentação, incluindo o canto, a dança, a improvisação, o rela-

postas somente por alunos de violino. Procuramos promover um ambiente de liberdade e irreverência entre profes-

xamento, a movimentação e a consciência corporais, não apenas como fatores coadjuvantes, mas como parte fundamental e integrante de nossas atividades.

soras e alunos, buscando uma relação horizontal, sem grandes degraus hie-

Trabalhamos com o repertório cultural preexistente dos alunos, a fim de que

rárquicos, a fim de lhes propiciar um espaço para o exercício livre de suas

a construção de novos conhecimentos se dê sobre bases familiares à criança,

prospecções e criatividade. Adotamos, assim, algumas práticas que resultaram

aproveitando e reforçando elementos identitários de nossa memória coletiva

de modo bastante positivo, vejamos algumas.

e afetiva. Dentro desse ambiente cultural familiar e reconhecível, acreditamos

• O aluno deve permanecer em pé, favorecendo a livre movimentação do corpo, que pode dançar enquanto toca, promovendo relaxamento e introjeção da pulsação e do ritmo; • Iniciamos o aprendizado de qualquer elemento por meio do canto e da “dança”, cujos passos reforçam o ritmo da melodia a ser aprendida e ajudam a desenvolver a coordenação motora necessária para executar o instrumento; • As músicas são aprendidas sempre “de ouvido”, promovendo o desenvolvimento da memória e a compreensão e apreensão das formas musicais: sempre há, ao menos, 2 vozes, e todas as crianças aprendem ambas, o que lhes permite adquirir noções de harmonia e acompanhamento, além da possibilidade de distribuí-las de acordo com a capacidade de cada uma; • Valorizamos o uso do modo mixolídio como base para a improvisação a partir das escalas de Ré e Sol Maior, aproveitando o conhecimento prévio da criança: com tal prática, ela não passa pela experiência do “erro” e, sentindo-se bem com o que realizou, ganha gradativamente segurança e liberdade ao improvisar;

que a criança, sentindo-se à vontade e identificando-se como parte integrante dele, tem maior facilidade para absorver novos conhecimentos além de sentir-se segura para experimentar e explorar, o que a conduz a um aprendizado mais completo e feliz. O sentimento de pertencimento promove a cooperação e o suporte mútuo perante as dificuldades; do mesmo modo, as conquistas de cada um são festejadas coletivamente, resultando num salutar e espontâneo reforço positivo. Nesse percurso, cada elemento contribui para a desenvolvimento do outro, buscando atingir as seguintes habilidades: pertencimento - identidade - irreverência - liberdade - alegria - segurança - criatividade. Esta tem sido uma jornada gratificante de felizes descobertas e trocas, que nos possibilita ajudar a construir, no dia a dia, o jeito EMIA de ensinar violino e música.

• Promovemos o uso de canções populares e conhecidas, com ritmos e gêneros musicais brasileiros, assim como de harmonias que enriqueçam as melodias tocadas pelas crianças, tornando a experiência da execução mais rica e auxiliando na musicalização e ampliação de seu universo sonoro e musical.

Traçando caminhos criatividade no ensino coletivo de cordas Adriane Krindges Cíntia Zanco

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Os cabeças de cabaça Celso Amâncio Rogério Almeida

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Dentre as várias ideias, conversas e proposições que nortearam este fazer mu-

Como deixamos que toda e qualquer possibilidade sonora viesse à tona, as

sical, inspiraram-nos as obras de Hermeto Pascoal, mais particularmente o “Ca-

crianças tentaram transformar o bambu em uma grande flauta, em instrumento

lendário dos Sons” – um projeto no qual o compositor criou uma obra musical

de cordas, em percussão, em base para penduricalhos sonoros e por fim, ele

para cada dia do ano. Pensamos muito em como levar esse tipo de projeto para

começou também a ser pintado.

nossa sala de aula: poderíamos realizar uma composição por aula?; uma composição por aluno?; uma por mês, talvez?; uma por signo zodiacal?

Desde então, duas trilhas passaram a guiar nossa caminhada. Com nosso calendário, adotamos um procedimento geral de compor uma música para o

Os signos do zodíaco nos pareceram elementos interessantes para gerar parâ-

signo correspondente zodiacal de cada pessoa presente na aula. Na estrutura

metros de criação, pois dizem respeito a mitos, qualidades de caráter e outras

das composições, percebemos que a turma se valia principalmente de motivos

características que poderiam também ser representadas musicalmente por rit-

rítmicos como eixo estrutural e que em torno dele geravam-se outros eventos

mos, velocidades, intensidades, timbres, forma e instrumentação.

sonoros. Também adotamos como procedimento a gravação das criações para

Idealizando nossa prática como realização das próprias crianças e deixando-as livres para nos trazerem suas experiências e anseios, continuamos questionando os interesses musicais de cada um. Dentre as vontades que nos chamaram a atenção destacamos o desejo de construir instrumentos musicais que não fossem convencionais, mas algo novo, então logo no segundo encontro saímos

avaliação e ensaio dos arranjos. Durante o primeiro semestre, desenvolvemos as músicas dos signos de Aquário e de Áries; no segundo semestre, completamos as demais: Gêmeos, Libra, Sagitário e Capricórnio, além de Câncer, uma singela homenagem ao professor Adriano Castelo Branco, que se tornou um grande parceiro da turma durante todo o tempo.

pelo parque em busca de objetos que pudessem se tornar instrumentos musi-

Os parâmetros discutidos, em muitos casos, tiveram como base a forma, de

cais. Nesta empreitada, encontramos um bambu de quase 3 metros! Talvez pelo

acordo com o que sabíamos ou imaginávamos sobre os signos. Em Áries, por

seu tamanho e semelhança com uma grande flauta, ele se tornou um interesse

exemplo, as crianças sugeriram o contraste entre o aspecto guerreiro do sig-

generalizado, não necessariamente apenas como um instrumento musical, mas

no e a imagem dócil de um carneiro. Assim, começávamos com uma seção

como um laboratório de sonoridades e até de visualidades.

ritmicamente marcada e com dinâmica forte, passávamos a uma seção suave e com ritmo mais lento, no qual destacava-se o som de um carneiro imitado por uma criança para, ao final, terminarmos novamente com a seção forte. A forma ABA era bem definida.


Mas é o bambu? Em Sagitário, chegamos a uma forma rondó (ABACA), sendo a seção A uma

O Bambufone Crewdo (nome inventado pelo grupo para nosso experimento),

alusão ao trote de centauros, enquanto as seções B e C tinham velocidade e

após várias experiências que não deram resultado, precisava de um olhar mais

intensidade mais moderadas, porém sendo muito diferentes entre si.

apurado de alguém que tivesse uma prática mais sólida na construção de ins-

Já as músicas de Gêmeos, Libra e Capricórnio foram estruturadas segundo uma movimentação cênica ou coreográfica. Em Gêmeos havia uma dança realizada entre o aluno Gabriel e o professor Rogério, que remetia à dualidade do signo, enquanto os outros instrumentos improvisavam, buscando estabelecer diálogos sonoros. No caso da música de Libra, pensou-se a oposição entre equilíbrio e desequilíbrio, devido à imagem da balança que comumente representa esse signo. Mas nossas balanças foram metrônomos! Utilizávamos um metrônomo em pulso constante, para representar o equilíbrio, sendo o discurso musical caracterizado por um ritmo bem marcado e quase marcial, enquanto no desiquilíbrio outros três metrônomos eram acionados em pulsações distintas. Nesses momentos, os sons eram imprecisos, sem marcação rítmica, fluidos, e a improvisação tornava-se mais caótica. O comando dessas modificações ficava a cargo de um dos integrantes que se movimentava segurando ou girando um triângulo similar à tampa que os metrônomos de pêndulo possuem. Em Capricórnio, só trabalhamos com vozes e sons corporais que seguiam uma movimentação no espaço, remetendo à perseguição do deus Dioniso pelos titãs e à sua transformação indecisa em um ser metade cabra e metade peixe. Nossas experiências com essa composição no Centro Cultural São Paulo e no Teatro João Caetano foram trabalhos musicais em diálogo com a arquitetura e a espacialidade.

trumentos musicais. Assim, convidamos o professor de artes visuais Adriano Castelo Branco para nos auxiliar. Adriano possui muitos trabalhos centrados na criação de objetos sonoros, instrumentos musicais com materiais diversos, bonecos e máscaras sonoras. Ele participou de vários encontros, demonstrando sua prática, trazendo materiais a serem explorados e criando instrumentos com as crianças. Em apenas uma aula, criamos três flautas, um reco-reco, uma espécie de trombeta feita com cano de PVC e cabaça, iniciamos uma lira também com cabaça e ainda acrescentamos um arame no Bambufone, à maneira de um berimbau. Dessas experiências, surgiu o nome do grupo. Na ocasião, pensávamos em um nome para uma apresentação que realizaríamos no Centro Cultural São Paulo, no programa de rádio chamado TATU no Ar. “Cabeças de Cabaça” foi sugestão da aluna Bianca e, com este nome, o grupo se apresentou também no final do ano no Teatro João Caetano.

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Na estrutura pedagógica da EMIA, tanto a Orquestra quanto o Coral são ofici-

Outro momento importante foi a participação, em 2015, da Orquestra e Coral

nas extracurriculares abertas à comunidade, que acolhem crianças de diferentes

da EMIA, no XXI Seminário do FLADEM, Fórum Latino Americano de Educa-

idades. O encontro entre essas oficinas gera, a cada ano, um projeto temático.

ção Musical (importante encontro entre educadores que acontece anualmen-

Quando em projetos comuns, a Orquestra e o Coral da EMIA agregam cerca

homenagem ao compositor Dorival Caymmi.

de 60 crianças e jovens, de 8 a 19 anos, entre alunos e ex-alunos da EMIA e jovens da comunidade. Desde sua formação, muitos projetos foram desenvolvidos pela orquestra, como o lançamento do seu primeiro CD, “Fazendo Arte” e o desenvolvimento do Projeto “Fábulas”, com o Curso de Teatro, tendo concepção e direção da professora Thereza Peric, apresentando-se no Teatro João Caetano e na USP. Desde o ano 2000, a parceria com o Coral se mostrou das mais constantes. Entre várias montagens, podemos destacar: programa em homenagem aos 80 anos do nascimento de Tom Jobim, homenagem ao compositor consagrado João Donato – esta apresentação contando com a participação do próprio compositor e do Grupo Vocal Arirê. Também tivemos a honra de contar com a presença dos compositores junto às crianças, quando foram montados os

te em diferentes países da América Latina), apresentando um programa em

Ao lado da relevância de levarmos a esse Seminário um trabalho diferenciado como este desenvolvido na EMIA, com ensino coletivo de instrumentos e coral, é importante destacar que só conseguimos firmar nossa participação no evento a partir da grande mobilização de toda a comunidade da escola. Este aspecto revelou-se um dos grandes aprendizados dessa empreitada. Um exemplo dessas ações foi a mobilização de alunos, pais e professores durante a Festa Junina de 2015, para arrecadar fundos, o que culminou com Coral e Orquestra mostrando parte do repertório que seria levado ao Rio de Janeiro. A alegria e a empolgação nesta empreitada coletiva nos estimularam a encarar um novo desafio em 2016: a gravação de um novo CD, aproveitando as festividades dos 35 anos da EMIA.

programas com músicas de André Abujamra e Antônio Nóbrega.

A Orquestra da EMIA

e sua parceria com o coral Geraldo Olivieri Julio Giudice Maluf Liliana Bertolini Nado Garcia Maru Othani


Folias, folhas, formas e outras filigranas

Chico Lu Paulo da Rosa

Se, naturalmente, a criança ocupa o espaço onde brinca, utilizando os objetos disponíveis ao seu redor, nossa escola, localizada dentro de um parque, oferece um sem número de possibilidades que propiciam uma ponte preciosa entre o real e o imaginário, plasmando narrativas e criações com um cenário para fabulações e demais arquiteturas lúdicas, plásticas, sonoras, cinéticas e cênicas. Depois que o grupo fica envolvido por uma história ou brinquedo, qualquer elemento deste generoso quintal pode servir para deflagrar uma multifacetada criação, construída de imagens, narrativas, cantos, cenas, danças etc. Pensemos, por exemplo, num passeio de observação pelos caminhos do lugar: trilhas, pedras, árvores, terra e ladeiras pavimentadas vão adquirindo significados míticos e vestindo nossa fantasia com o olhar da aventura. Podemos, então, recolher folhas diferentes e trabalhar esse material de diversas maneiras. A cada encontro, independentemente da atividade do dia, colo-

camos uma folha num caderno como faziam as nossas avós. Com o decorrer do ano e da história (ou histórias) em desenvolvimento, vamos revisitando nossas “folhas gravuras”, enquanto damos prosseguimento a nossa fábula registrada em desenhos, pinturas e demais objetos. Que as casas possam se transmutar em castelos, o parque em floresta, as salas tantas em cortes ou masmorras, as escadarias em íngremes fortalezas! Nossa criação vai, assim, abraçando a matéria do real, jogando com palavra e coisa, bailando com o tempo e seus desdobramentos e significados e, no final, quem sabe aquela primeira folha do parque terá se transformado na janela da memória, para se lembrar de uma história cuja última cena poderia se encerrar com a conhecida canção de Chico Buarque: “Agora eu era o herói, e meu cavalo só falava inglês...”.

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Tempestades e tormentas, crise e exploração Wanderley Pira

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75 Barthes define teatro como uma atividade que “calcula o lugar olhado das coisas”,

dos quais pertinentes aos caminhos que nos propusemos a trilhar. Nesses

e é a partir de deslocamentos do lugar olhado das coisas que o conhecimento é

momentos, colocava-me como a margem de um rio intenso e caudaloso, que

produzido e adquire densidade...

ampara, orienta, dá curso, mas não impede seu fluxo.

As aulas eram iniciadas com jogos corporais dinâmicos, exercícios de expressão

Desde o começo do ano, alguns textos serviram como estímulos para desen-

corporal e atividades de percepção em grupo, em que se buscava um estado de

volver o projeto e, quando trouxe “Alice Através do Espelho”, houve grande

atenção física, tônus e disposição para as atividades que viriam a seguir.

identificação, primeiro pelo contato com o filme e depois pelos aspectos míti-

Num segundo momento, eram oferecidos jogos e exercícios que despertas-

cheio de fantasias.

sem um olhar técnico e crítico para o fazer teatral. Os jovens elaboravam ce-

cos, intrínsecos aos personagens e à trajetória da jovem Alice por esse mundo

nas em grupo a partir de diversos tipos de desafios e, então, cada grupo apre-

Numa de nossas inúmeras conversas sobre a obra, um dos alunos questionou:

sentava sua improvisação. Os demais alunos assistiam e depois comentavam

“Professor, então tudo aquilo que aconteceu do outro lado do espelho se pas-

a partir de questões pontuais e objetivas.

sava dentro da cabeça da Alice??? Aquele mundo era a cabeça da Alice???”.

Na terceira parte da aula, eram efetivamente aplicadas improvisações e dinâ-

Os ensaios, então, começaram: jogos de espelho, criações de personagens a

micas que levassem os jovens a se confrontar diretamente com o projeto inicial

partir de desenhos corporais e sensações, noções de espaço e tantas outras

- Tempestades e Tormentas, Crise e Exploração: vontades, conflitos, dúvidas e

atividades realizadas durante o ano foram surgindo e servindo como subs-

universos desta idade tão peculiar. Nos momentos de exploração individual usa-

tância teatral para a nossa “Desalice através do desepelho”.

vam-se fotos, frases, desenhos e pensamentos, e os alunos eram provocados a transformar essas informações (ou mesmo seu estado de ânimo) em linguagem

Em nossa montagem, meio naturalista e meio non sense, apresentada no Teatro

estética: movimento no espaço, gesto dramático, poesia, som, criação de cenas

João Caetano, ficou claro que, quando atravessaram o espelho, os alunos da

e relação com o outro, buscando evidenciar conflitos e depois resolvê-los.

turma de 11 e 12 anos do curso de teatro de 2015 colocaram ali suas vontades,

Com alunos muito propositivos e hábeis na construção de narrativas dramáticas, foi necessária uma atenção especial para mediar todas as vontades e ideias surgidas e que, muitas vezes, geravam discussões e conflitos, muitos

crises, explorações, tormentas, teatralidades, tempestades e fantasias.

Esta Alice foi e sempre será deles, e eu, margem, observando, orientando...


Contingências

do nosso tempo Wilson Dias

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Há mais de 30 anos trabalhando como professor de música, 18 dos quais

Penso ser necessário e urgente enfrentar esse contingente da “modernidade”,

na EMIA, noto mudanças de comportamento impostas pelas “necessida-

aumentando a importância do aprendizado de um instrumento musical, pois a

des” criadas pela vida moderna, que têm influenciado diretamente a re-

subtração desses atributos em nossa formação tornaria o ser humano mutila-

lação do estudante com o seu instrumento e com o aprendizado musical.

do de qualidades importantes para o seu desenvolvimento e para as relações

O estudo de um instrumento exige muita paciência, dedicação, perseverança,

com o outro. O instrumento é o outro, as pessoas são o outro.

acuidade, esmero, paixão.... Esses atributos confrontam-se com os anseios do

Tocar um instrumento também nos leva, muitas vezes, à prática em grupo

mundo, e:

e, então, outras habilidades nos são exigidas: o respeito ao outro, a con-

• A paciência entra em conflito com a pressa, a ansiedade e a velocidade; • A dedicação se contrapõe à multiplicidade, à variedade e aos vários dispositivos que nos subtraem o foco; • A perseverança se confronta com o descartável, o tutorial que nos dá um atalho rápido, a substituição por algo mais acessível: tornou-se mais fácil desistir; • A acuidade e o esmero são substituídos pela conformidade com o mal feito, pela preguiça e o desânimo ao se cogitar tentar de novo; • A paixão é substituída pelo passageiro, pela apatia, pela falta de ideais, pelo supérfluo do mundo do consumo desenfreado...

centração na escuta da exposição do outro e da própria, a organização das ideias a serem propostas, a criatividade para reagir aos estímulos sonoros, a disciplina de se colocar em certos momentos e de calar em outros etc. Tudo isso não combina com a pressa que nos é imposta na contemporaneidade, pressa que nos faz perder habilidades tão importantes na relação humana, pressa que nos faz, inclusive, perder o tempo. Sem pressa, na EMIA, esse tempo se dá de forma natural, gradativa, espontânea, pois sem se dar conta a criança observa, experimenta, brinca, descobre, inventa, transforma. Na EMIA, a criança é ouvida, ouve, sente, participa de forma ativa, usa todos os sentidos, cresce. A EMIA faz 35 anos sem pressa! Entendo que o movimento é necessário, e as mudanças vão sempre acontecer, afinal, Bach compunha à luz de velas, não tinha internet nem rede social! Não se trata de uma recusa ao 4G, mas se esquecermos de habilidades simples e inerentes aos seres humanos, em mutilados nos transformaremos...


Pergunto: o que é uma casa? E por aí seguimos um caminho de descobertas que transportam crianças e adultos até os primeiros abrigos humanos, as cavernas, seguindo para as eficientes tendas nômades, até chegar nas múltiplas moradias urbanas e na imensa diversidade de habitações que a humanidade cria para, em algum momento, estabelecer vínculos no mundo. A proposta aqui lançada, para duas turmas de crianças entre 5 e 6 anos, mobilizou adultos e crianças a pesquisar os lugares que habitamos e as estruturas necessárias para construir abrigos, espaços onde nos recolhemos do perigoso mundo exterior. Se o início se dá a partir de referências visuais e narrações sobre o tema, o desenvolvimento será sua concreta materialização com os objetos disponíveis: paus, pedras, galhos, pregos, martelos, cordas, barbantes, tecidos e flores. Sim, flores! Porque a casa é o infinito mundo da intimidade e memória, abrigo de todas as cores.

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Casa, mundo e abrigo o universo da intimidade Alexandre Medeiros Maria Silvia Monteiro Machado


Adquiri o conhecimento da fogueira e os signif icados do fogo e do jongo, uma cultura que eu não conhecia, e a história do ‘Pássaro de Fogo’, porque eu não tinha ouvido falar sobre a história nem sobre o Stravinsky.

Ao fazer uma linha da pintura com o corpo, me senti solto no movimento e capaz de representar um desenho com o movimento.

Catharina Cristina, 11 anos

Rodrigo, 11 anos

Fazer o trabalho coletivo me ajudou com o trabalho da outra escola, aumentou minha criatividade. Ricardo, 10 anos

Aprendi a não ter timidez, aprendi que em grupo tudo se consegue.

Na EMIA você pode decidir muitas coisas. Escolhe o que quer fazer nas linguagens.

Fernando, 10 anos

Pelife, 10 anos.

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O jogo tem uma trama que faz você pensar... é difícil e eu gosto disso. Isadora, 10 anos

Aprendi sobre outras culturas com o trabalho do ‘Pássaro de Fogo’ e com o das danças que os africanos dançavam. Mainá Cristina, 11 anos

Todas as pessoas estão juntas: professores, alunos, funcionários. Aqui você pode expressar melhor os sentimentos. Se sente livre dentro desse parque. Francisco Javier, 9 anos.

aqui você pode fazer coisas legais, é divertido. Não precisa f icar sentado, prestando atenção na professora. Nathalia, 11 anos

O que mais gostei foi transformar sentimentos em ações. Amanda, 10 anos


Aprendi que dá pra fazer arte sem usar papel e lápis. Aqui podíamos nos soltar: dançar, brincar, desenhar e nos livrar do que não nos deixava fazer isso, nos livrar da prisão que não soltava nosso verdadeiro espírito de criança.

Olívia, 10 anos

Aprendi que dá pra colocar, no desenho, a música. Giulia, 10 anos

Matheus, 9 anos.

Aprendi a me expressar pelos movimentos. Miguel, 10 anos

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No final do primeiro semestre de 2015, pedimos aos alunos dos quartetos de segunda e de quinta-feira do período da tarde que falassem um pouco do trabalho realizado: o que aprenderam e do que mais gostaram. A partir dos seus relatos, percebemos que as crianças foram capazes de sentir efetivamente a integração de linguagens, enquanto transportam, traduzem e entrelaçam sensações e experiências artísticas.

Sentimentos em ações Gostei, porque é outro jeito de dançar. Maria Clara, 9 anos

Antonio Vaz Lemes Beatriz Aranha Coelho Maria Silvia Monteiro Machado Marili Macruz Rosa Comporte Telmo Rocha


Vamos contar uma história,

E todos aqueles brinquedos,

ela começa assim:

as pedrinhas e os pedrões,

com o fechar e abrir dos olhos,

então, já era a hora

Nossa, eles têm cheiro,

escutar, perceber e sentir

de reinventá-los agora,

peso e gosto também!

os sons que nos rodeiam

esfregando todas as folhas,

O seu som tem textura,

e nos fazem querer descobrir!

e da boca nascer um novo sentido.

e sua cor também muda; tem forma e beleza

De onde eles vêm?

Mas cadê os objetos?

Quem eles são?

Os instrumentos divertidos?

Como podemos tocá-los?

Ah, aos poucos eles foram chegando!

E assim nós criamos

Reproduzir ou interpretá-los?

Alguns das lojas e outros da roça.

instrumentos-brinquedos aqui.

Quantas dúvidas...

Uau, quantas cabaças!

Nos deslumbramos com brincadeiras

Mas é assim o descobrir!

E agora, o que construir?

e vimos uma orquestra inteira surgir.

que veio da natureza!

Vejam, são objetos sonoros,

Imaginem! Sons e imagens, agora,

Então imaginem,

vamos nos divertir!

vocês poderão ouvir!

o que ali não nos dávamos conta:

Desenhar, cortar, furar e serrar,

pássaros e folhas

prender, lixar e soprar!

juntos num vento só,

Atenção! Devagar,

o avião pelo parque

senão eles podem quebrar!

entre muitos outros borogodós!

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Os sons que nos rodeiam, um imaginário Adriana Amaral Renata Facury


Pontos de vista,

Arte para mim é mais uma diversão, porque ainda sou criança.

uma entrevista

Heloísa

Paulo Farah André

Quando faço arte, penso em estar saindo o pássaro que estava na gaiola e sinto pegar fogo da ponta de meus pés até o último f io de cabelo. Marina

Entreguei perguntas de uma entrevista para duas turmas de teatro, com crianças entre 7 e 13 anos. Lendo as respostas, vejo que essas crianças sabem

Todos fazemos arte no cotidiano, tudo o que escrevemos, gesticulamos, falamos, agimos e pensamos; tudo isso é arte, que pode passar desapercebida aos olhos dos outros e talvez até aos nossos olhos. Gabriela

quem são e o que querem. Têm fé na vida, estão lúcidas e sábias. Têm profundidade no entendimento das linguagens e no fazer artístico. São precisas na ética, na determinação, são críticas e criativas. Têm uma postura franca e direta ao responder e encarar os questionamentos. Se elas crescerem assim, íntegras, teremos outro mundo. Haverá lugar para novas experiências em uma nova sociedade. São pequeninas flores do amor, tornando-se artistas, responsáveis por seus destinos, e a história de seu tempo há de ser melhor: vão transformar marasmo em ternura. Acredito que arte-educar, falar do mundo, revelando-o com brincadeiras, abrindo as linguagens da arte é a nossa silenciosa revolução. Estar aqui na EMIA, neste momento, é a realização de um projeto conjunto de arte educa-

Teatro é um lugar em que você pode ser qualquer pessoa, homem, mulher, príncipe, princesa, dragões, até um galinho f ilhote. Mariana

ção que, em vinte anos rodando pelos mais diferentes lugares, eu ainda não havia encontrado. É uma experiência plena, que merece ser conhecida, mas não replicada, pois cada experiência tem em si uma forma única, cada encontro de pessoas é único, e educar é uma forma plena de encontro. Aqui nos encontramos, crianças de todas as idades, trocando a vivência da criação e experimentando, com alegria e plenitude, pois uma parte muito grande do aprendizado se dá por meio da comunicação sutil, e que se intensifica com o afeto, com as amizades, que fazem com que elas se sintam confortáveis, aceitas e amadas dentro do grupo. Especialmente com as crianças,

Para mim, a EMIA é inspiração, é uma caixinha de criatividade, e a chave é o aluno. Encaixar a chave na fechadura é papel dos professores.

o aprendizado se dá com cumplicidade e confiança.

Theo

Arte traz memórias, não só as boas, mas também as ruins. Pode te levar a lugares desconhecidos, nos quais os sonhos despertam, e as emoções transparecem. Sofia

As pessoas podem mostrar o que sentem e o que querem; na arte, elas descobrem e exploram outros planetas. As estrelas são sentimentos abstratos que muitas vezes formam figuras ou não. Nessa mistura de realidade e sonho, você se expressa e se inspira e, quando vê, já está em outro mundo. Catarina

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Exercício entre o fazer e o falar sobre o que se fez Berenice de Almeida Marcos Venceslau Valeska Figueiredo Wanderley Pira

No primeiro semestre de 2015, tivemos uma trajetória bastante aberta, marcada por momentos de aprofundamento de questões, inclusão de propostas

Este trabalho deu base para um longo processo de transposições e traduções

provenientes do grupo ou mesmo pelo desligamento de certas experiências em

entre linguagens artísticas, que tinham sempre como fundo a ideia de revelar

prol de outras. Isso nos permitiu trafegar pelas linguagens de maneira ampla

algo escondido em cada expressão, que está ali, junto, mesmo quando não de

e diversificada, fazendo com que cada área pudesse observar o grupo e res-

maneira explícita, ou o que poderia ser, e ao ser imaginado, é.

ponder a ele, oferecendo os recursos necessários para o desenvolvimento das necessidades que foram surgindo.

Este foi um processo complexo, que proporcionou o desenvolvimento de mui-

Iniciamos usando tubos para olhar o entorno. Transitamos pela sala, escola e

identificação de que, em certos momentos, coexistem todas as linguagens artís-

pelo parque. O olhar pôde se dilatar, o pequeno ganhou maior proporção e

ticas em ação sem a predominância de nenhuma delas; a descoberta de outros

tos saberes: a criação de um fluxo de passagem entre as linguagens artísticas; a

coisas diferentes foram vistas pela primeira vez. As crianças falaram muito sobre

termos para traduzir essas experiências (performance, site specific, instalações

esta experiência, mostraram muita animação em se deparar pela primeira vez

etc.); a capacidade de se deixar permeável à ação do outro, afetando e sendo

com detalhes que lhes passavam desapercebidos no cotidiano. Isso também

afetado reciprocamente.

foi feito com a escuta: ao colocar os tubos nos ouvidos, outros sons surgiram,

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foi possível conhecer novamente o que se apresentava, isto é, reconhecer o momento presente. Esses recortes foram transpostos para o papel em formato circular, do mesmo modo que foram vivenciados. As crianças escolheram a expressão do seu olhar. Através delas, histórias foram criadas, preenchendo a lacuna entre uma imagem e outra pela imaginação, pelo que poderia ser e, desta maneira, passou a ser. Essas histórias foram transpostas em cenas, nas quais o desenho aparecia nas pausas e na narrativa inventada. Podemos destacar, especificamente na área do teatro, o trabalho feito a partir de criação e composição de narrativas cênicas.

Um exemplo disso: ao término de uma de nossas atividades, estando numa roda de conversas, um dos alunos perguntou: “E quando faremos teatro?”. Esta pergunta foi o disparador de várias reflexões junto ao grupo sobre o fazer teatral e o fazer artístico. Nessa conversa, fomos levantando várias outras perguntas, questionando-os sobre nossas dinâmicas em sala e procurando criar pontes sobre o fazer expressivo. Merece destaque algo identificado como um saber do qual a turma vem se apropriando cada vez mais e é característica deste grupo de professores e alunos: o

Percebemos que as crianças começaram a aguçar a atenção para o pequeno, o que está escondido. Além disso, exercitamos a criação, preenchendo as relações com inventividades.

interesse em conversar e discutir sobre o que foi feito. Sentimos que as crianças desenvolveram um discurso bem rebuscado sobre o seu fazer, refletindo aspectos que interessaram ou não e expondo seus pontos de vista. Por outro lado, as composições artísticas aos poucos ganharam maior clareza e consistência, e eles foram aprendendo a selecionar o que queriam fazer em cada proposta. Acreditamos que esse exercício entre o fazer e o falar sobre o que se fez contribuiu muito para isso.

Quando você comunica, está fazendo teatro?

Mostrar ou se mostrar para o outro?

Por que repetir?

Televisão é teatro?

O que é reproduzir, o que é criar?

Corpo cotidiano versus corpo teatral.


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Toco, então, no violão, algumas músicas do repertório desenvolvido com eles e outras que não conhecem. Eles, então, fecham os olhos e começam a sentir o tempo de cada música, e eu, claramente, os percebo contando o tempo.

— Tem música que é 2, tem música que é 3, tem música que é 4! — Como assim?

Toco, agora, músicas conhecidas: “O Pato”: a maioria responde 2. Eu os observo, e os que já descobriram ajudam os poucos que ainda não entenderam. “A casa”: todos respondem 3. “Pombo correio”: todos respondem 4. Com essa vivência, crianças de 7 e 8 anos começam a sentir o tempo de cada música.

— Sem maiores explicações! Tem música que é 2, tem música que é 3, tem música que é 4! Gostaria que vocês sentissem: fechem os olhos!

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O tempo de cada música Ana Claudia Cesar


Estações do Movimento o corpo que tem ciclo, o corpo que tem flexibilidade, o corpo que se relaciona Márcia Maddaloni

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• Observação de pessoas, lugares, notícias e gestos do cotidiano; • Coisas de que gostam de fazer; • Coisas de que não gostam de fazer; “Estações do Movimento” é um projeto desenvolvido com a turma de dança de 11 e 12 anos, em que várias competências artísticas são exploradas. A composição coreográfica é trabalhada de maneira compartilhada com os alunos, desafiados a serem autores de suas próprias danças, tendo a professora

• Palavras e frases usadas no dia a dia (como gírias e outras); • Situações do cotidiano (a escola, a casa, os amigos etc.);

como parceira na construção desse processo.

• Livros, filmes, lazer.

A temática é bastante abrangente e, durante as aulas, são tratados assuntos

Assim, além de autores da dança, os alunos, a partir das discussões e referên-

como estética, espaço, consciência do corpo em movimento e em pausa, fi-

cias apresentadas, tornam-se cada vez mais propositivos, começam a perce-

gurinos, maquiagem, cenário, adereços, objetos de cena etc. Os temas mais

ber o valor daquilo que foi aprendido e demonstram um sentimento de per-

abordados são:

tencimento em relação às obras artísticas produzidas em grupo.


86 Esta ação artística, além de delongar zelo a miúdos objetos, se direciona a turmas de crianças pequenas até aquelas que tiverem vontade de entrar nesse jogo de esconde.

lugar que apenas seu dono saiba e, caso seja necessário, também o proponente da ocupação. Desimpedido de sofrer qualquer interferência, ser visto por transeuntes desse espaço ou achado por outrem, o objeto fará parte de uma composição de miudezas.

A ocupação de pequenos objetos expostos em esconderijos acontece em um local definido entre todos os participantes e tem duração mínima de duas semanas, com possibilidades de prorrogações conforme o desdobramento de cada acontecimento.

Sua busca pode gerar a criação de mapas que misturem pistas sobre sua localização e identificação e que indiquem aspectos afetivos, funcionais ou imaginários de cada um em relação à escolha de sua miudeza e hospedagem. Ao ser encontrado, a turma pode pedir em troca informações sobre o objeto e as

Escolha algo seu, miúdo, precioso e, no entanto, suscetível a perdas. Em um local aberto e grande - como quintal, praça ou parque -, procure um escon-

ocorrências na estadia dessa ocupação, reveladas em qualquer linguagem como uma história, dança, música ou imagem.

derijo para seu pequeno objeto habitar temporariamente. Este ficará em um

Ocupação de

miudeza de afeto Beatriz Aranha Coelho


Nosso projeto envolveu a construção de brinquedos com as crianças. Começamos o ano de 2016 com um levantamento de brinquedos e jogos, como bolinhas de gude, amarelinha, pião e outros de riscar no chão, procurando estabelecer diálogos entre as crianças e os pais, a respeito de brinquedos antigos e novos. Algumas crianças construíram uma casa de boneca, outras, jogos com bolas de gude, e duas fizeram tubarões. Para a construção desses objetos, usamos material reciclável - como garrafas pet, bandejas de isopor, caixas de papelão, tampinhas, bolas de gude e retalhos. Para criar bonecos que habitassem as “casas”, confeccionamos abayomis (bonecas feitas de retalhos e nós). Os tubarões passaram, então, a ser casas também, pois eram habitados pelos bonecos.

Depois, quando as crianças construíram uma vila, juntando brinquedos e personagens e elaborando novas histórias, o que era individual passou a ser coletivo. A partir dessa montagem, quiseram fazer espaços cênicos com tecidos e os banquinhos da classe, formando casas maiores que eles mesmos habitavam. Ao final, observamos que houve uma continuidade entre o momento da construção das casas para bonecas e a construção das suas próprias casas. E o prazer de construir seus próprios brinquedos e criar suas histórias, utilizando a imaginação e a criação de espaços de brincar, com personagens, mundos e jogos, foi o que mobilizou esses dois momentos.

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Construindo brinquedos

Júlio Maluf Rosa Comporte


Abirrealicrishe! Abirrealicrishe! Abirrealicrishe!

Pronun-

oculto que narre um pouco desse trabalho, é porque queremos trazer você, leitor,

ciamos três vezes e olhamos para trás: o que vimos foi um semestre repleto de

para perto desse buraco do porão concreto e imaginário que vai ao encontro da

cenas, ambientações de espaços, situações de suspense e uma forte sensação

memória e de seus fantasmas.

de que existem “mais mistérios entre o Céu e a Terra do que nossa vã filosofia

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pode imaginar”. E enquanto imaginávamos, fomos tateando maneiras de dizer, fazendo sentir pela música, pela densidade de uma cena, do ar, por meio da pele, pelo modo de manipular objetos, ocupando o espaço com o corpo preenchido de memórias narradas ou sonhadas de um pressentimento. Podíamos dizer que havíamos descoberto um segredo, que algo nos fora revelado, algo que está em nossa vida cotidiana e que passa desapercebido. É como se tivéssemos tocado algo que não saberíamos como explicar de maneira objetiva. O mistério

Este trabalho de ambientação de espaços e situações misteriosas teve como mote a memória antepassada, a descoberta de um porão na escola e a incursão nesse “buraco” assustador por uma escada estreita. Esse começo forneceu materiais para uma pesquisa mais densa e profunda, alimentada pelo interesse das crianças pelo tema que carrega a presença oculta de algo ameaçador, da memória e da procura. Muitos foram os elementos e materiais trabalhados, como a fotografia dos an-

não deixou de ser mistério, mostrou-se, escondendo-se em uma fresta, como

tepassados das crianças e suas histórias, e também a fotografia das próprias

aquilo que imaginávamos; porém, como a bruma, não podíamos ver além, tam-

crianças. Essa pesquisa nos levou, em agosto, à exposição Guignard – A memória

pouco agarrar, mas sentimos, como a presença de Nosferatu, que se anuncia

plástica do Brasil Moderno, no MAM; o artista nos trouxe questões fundamentais

pela sombra, por sinais.

que apareciam em seus retratos e que repercutiram no processo que vivíamos. O

Bachelard, em “A Poética do Espaço” (2008, p.37), afirma que “No porão agi-

que é realidade? O que é real?

tam-se seres mais lentos, menos saltitantes, mais misteriosos. [...] No porão

Essas perguntas nos levaram a criar nossos próprios autorretratos; no entanto,

há trevas dia e noite. Mesmo com uma vela na mão, o homem vê as sombras

esse autorretrato tinha seu duplo, em seu verso: uma face oculta, a face de um

dançarem na muralha negra do porão”. E se aqui buscamos uma fala sobre o

monstro. Na esteira deste trabalho, aprofundamos a pesquisa de criação de pai-

“Abirrealicrishe”

não pronuncie três vezes e não olhe para trás Renata Facury Sheila Ortega Beatriz Coelho Alexandre Medeiros


sagens sonoras, fizemos isso a partir de sons emitidos e produzidos com o corpo

medo e estar atento, como se a qualquer momento alguma coisa saltasse da

e também com o suporte de instrumentos. Aqui trouxemos uma referência, ago-

escuridão e pusesse fim àquela história.

ra, do cinema, com o filme Vermelho como o Céu (2006), o qual narra a história de um menino, que após um acidente com uma arma, é enviado para uma escola de cegos, onde tem que redescobrir como interagir com o mundo, tendo os sons

A cada vez que era levado à cena, este trabalho trazia o suspense consigo. E aqui vários objetos - mais especificamente brinquedos trazidos pelas crianças

como referências.

- foram os mediadores materiais daquilo que dava o sentido cotidiano à cena,

Desta experiência, propusemos sensibilizações com vendas, que originaram as

mito da

seguintes declarações:

você tememos todos os monstros libertos e guardamos a esperança, expecta-

Não conseguia saber em que lugar eu realmente estava”; “Me sentia em um corredor longo e escuro e vazio”; “Senti o espaço modificado”; “Tive a sensação de fantasmas”; “Sensação de noite”; “Chuva, aranhas e fantasmas”;

e ao mesmo tempo abriam as portas para que os monstros saíssem, como no

Caixa de Pandora...

curiosa Pandora, obrigado. Graças a

mos sempre por algo, pesadelo e dádiva. Nesse processo criativo, explorou-se uma possibilidade de atuação, aquela em que o fluxo de relações, mediações, indicações e desejos entre os envolvidos foi vivido comumente como um vórtice/turbilhão. Contudo, os professores também margeavam o processo, aparando arestas a partir das ferramentas das linguagens, mas com o mesmo peso e intensidade, as crianças traziam seus materiais criativos, suas interpretações e narrativas. Acreditamos que a fluência nesse modo de atuar é o substrato/espírito/alma de pensamentos e desdobramentos práticos da integração de linguagens no quarteto; assim, por meio de discussões sobre o entrelaçamento e a comple-

“Me sentia cercada por monstros”;

mentaridade das linguagens, foram criados jogos, exercícios para a sensibili-

“Imagem de floresta”...

consideração que as linguagens artísticas têm, cada uma a seu modo, manei-

Estas frases e imagens de ambientes tornaram-se recursos para produções

de modo ampliado os temas mistério, medo e suspense.

de ambientações e paisagens sonoras que levamos para a constituição do

zação da percepção e o desenvolvimento de modos de expressão, levando em ras de expressar-se, porém sem deixar de buscar confluências para exprimir

trabalho cênico.

Com isso, as experimentações com os recursos variados das linguagens ar-

A criação desse repertório foi igualmente permeada por experimentações

tilhadas pelas crianças nas oportunidades de apresentações no

tísticas alicerçaram possibilidades estéticas vividas globalmente e compar-

Criança

corporais que propunham a densidade do corpo na vivência das imagens, dos

Criando Dança, nas muitas mostras de processos para pais e colegas

sons, e de subtextos em que havia um mistério, algo do qual se deveria ter

em sala de aula e na apresentação final no Teatro João Caetano.

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ENTRE TEMPOS E GESTÕES quando a cobra morde o rabo Andréa Fraga

Ouroboros (ou oroboro ou ainda uróboro) é um símbolo representado por uma serpente, ou um dragão, que morde a própria cauda. Segundo o Dictionnaire des symboles [2] o ouroboros simboliza o ciclo da evolução voltando-se sobre si mesmo. O símbolo contém as ideias de movimento, continuidade, autofecundação e, em consequência, eterno retorno. [...] a serpente rompe uma evolução linear, ao morder a cauda, marcando uma mudança, pelo que parece emergir num outro nível de existência, simbolizado pelo círculo. Cléa Galhano com alunos no parque 1983.

A imagem proposta da cobra que morde o próprio rabo, conhecida como ouroborus, pode parecer antiga em tempos de tanta mobilidade e transformação, mas ainda vejo nela uma incrível potência como símbolo de ciclo, de renovação, de iniciação e evolução, podendo também abarcar a tridimensionalidade da espiral.


Mas o que isso tem a ver com a EMIA e seus tempos? Embora este livro não pretenda contar a história da EMIA, acredito ser importante apontar o vínculo e as relações de proximidade que se estabelecem entre o que somos hoje e de onde viemos. Portanto, proponho, neste posfácio, um diálogo com o prefácio de Ana Angélica Albano, a primeira diretora da EMIA. Nesses 18 anos na escola, vivi diversos papéis, como artista professora, coordenadora, como presidente da Associação de Professores, como mãe e agora como diretora, só não fui criança na EMIA, mas me sinto eternamente aprendiz aqui, portanto estar na direção tem sido mais uma experiência de iniciação dentre as tantas que a EMIA proporciona. Penso nesta função como a de quem aponta um caminho, abre espaços, garante a possibilidade de acontecer, une interesses, articula desejos, acolhe angústias, dá força e impulsiona a ação criativa de todos do grupo. Justamente por ter vivido todos esses papéis, posso dizer que “A EMIA SOMOS NÓS”, e assim trouxe esta proposta que tem como premissa a legitimação do que já somos, reforçando o que temos construído esses anos todos tanto em termos de prática artístico-pedagógica como de uma gestão conduzida por artistas professores. Quando olho para o tempo, vejo o que vivi e, para além disso, as experiências narradas por outros mais antigos e pelos documentos úmidos e amarelados guardados na EMIA. Neste olhar, percebo um fio de coerência entre tantas ações, pensamentos e situações acontecidas nesta história de tantos percalços e conquistas. Entre altos e baixos, aproximações e distanciamentos, expansões e recolhimentos, mais ou menos movimento, entendo que temos nos aproximado de um amadurecimento como escola.

Ao propor que a EMIA SOMOS NÓS, penso não só na ação de todos que agora fazemos parte da escola, mas também em todos que fizeram parte de sua construção em diferentes tempos. Nesse sentido, vem o valor que tenho dado à nossa história, cuidando das nossas memórias na preservação e organização dos documentos que existem na escola e na promoção de encontros e reencontros entre ex e atuais professores, diretores e alunos. Este livro, assim

EMIA, escola de artes, casa de crianças: uma experiência de 35 anos, apontam a necessidade

como a exposição

e o merecimento de um Centro de Memória para a EMIA, onde coubesse tudo o que não coube num livro único. Foi nesses encontros entre tempos de EMIA, por meio de leituras e conversas, que me deparei com tantos pontos em comum numa história que avança, ao mesmo tempo em que retoma, mantém e se renova. Surpreendo-me com a permanência de algumas situações mesmo que adaptadas ao tempo: os conflitos se parecem, assim como as contingências políticas e administrativas, ainda que em contextos diferentes. Há o que foi plantado lá no início, contado no começo deste livro e, daquilo, o que hoje permanece, o que se transformou, o que se retomou, o que não existe mais e o que evoluiu a partir dali. A escola onde “a arte era o mais importante” foi, ao longo do tempo, descobrindo que a importância está no fazer arte a partir da relação entre crianças e artistas professores. As experiências dessas crianças, hoje lidas nos depoimentos dos adultos em que se tornaram, mostram o que de mais significativo tem se construído na EMIA.

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Aula no parque (1982).

Continuamos tendo uma equipe igualmente heterogênea de artistas professores, ainda que sejam outros na sua maioria. A busca de uma unidade possível na diversidade, “num todo coerente”, tem sido também uma meta da gestão atual, assim como foi naqueles primeiros anos, através da discussão sobre nossos princípios, ressaltando o que nos une nesta teia complexa de propostas que coexistem na EMIA. A “construção conjunta do projeto artístico pedagógico da escola” aconteceu de fato pela sua apropriação por par-

te desses professores, que se tornaram coordenadores (professores eleitos a cada dois anos em suas áreas), assistentes (artístico e pedagógico) e diretores. Nos últimos quinze anos, os diretores foram, antes, artistas professores da escola. Do início do “trabalho em duplas”, temos hoje a maior parte das atividades da escola integradas entre duplas e quartetos de professores de diferentes linguagens, o que se tornou um princípio deste projeto e modelo para outros dentro e fora da prefeitura de São Paulo (como PIÁ – Programa de Iniciação Artística). Nossa “reunião semanal”, às quintas, perdura até hoje e se constitui um lugar de sustentação do trabalho conjunto dos artistas professores junto à direção e à coordenação, espaço potente de encontro onde convivem as concordâncias e desavenças que caracterizam o trabalho coletivo. Hoje não temos mais o espaço regular de apresentações dos artistas professores que se inaugurou com as 5as Artísticas, mas o trabalho artístico do professor está impregnado na sua ação junto Aula no parque (2012).


às crianças e deixa suas marcas pela escola, nos sons, nos gestos, nas paredes e corredores, na EMIA Galeria… Depois de termos o espaço da escola ampliado para as três casas do parque (em 1999), a estrutura e o funcionamento da EMIA foram se “complexificando” e se segmentando a ponto de termos uma das casas praticamente inteira para a administração. Ao assumir a direção, propus que os espaços fossem mais permeáveis, que arte e crianças estivessem em todos os lugares, e que houvesse um diálogo mais próximo entre todas as esferas da escola. Com isso levei a sala da direção para o coração da escola, tornando-a um espaço acolhedor e, literalmente, de portas abertas para “receber os professores, as crianças, os pais e funcionários para conversar”. A participação das famílias manteve-se constante na EMIA, mesmo que de formas diferentes. O diálogo com os pais acontece ainda numa reunião no início do ano para os novos na escola, e com os professores de seus filhos uma vez a cada semestre. As oficinas foram retiradas por certo momento, considerando-se que a escola deveria atender apenas as crianças, mas voltaram e permanecem como proposta de aproximação e entendimento pelas famílias do que se constrói com as crianças na EMIA. Existe, ainda, a participação, que cresceu e se intensificou, não só no sentido de parceria nas questões referentes a necessidades materiais, mas também do apoio político, fundamental para a sobrevivência da escola em determinados momentos. “As filas de horas para conseguir uma vaga” na escola não existem mais, agora as vagas são preenchidas por sorteio público, porém a procura ainda é muito grande, deixando uma longa lista de espera… Hoje recebemos por volta de 1000 alunos, com uma equipe de 52 professores, cinco coordenadores de áreas, nove funcionários, além da direção com um assistente artístico e um assistente pedagógico. Nesses poucos anos em que estou na direção da EMIA, tenho investido na qualidade das relações interpessoais e profissionais não só como estratégia, mas também como condição para o desenvolvimento de qualquer proposta artística, pedagógica ou política dentro e fora da escola. Propus, desde o início, que valores como respeito, confiança, responsabilidade, diálogo, transparência, participação e coerência pautassem nossa ação nos diversos âmbitos da EMIA. Nesse tempo, formou-se uma equipe de gestão e coordenação que trabalhou articulada a esses propósitos de forma propositiva e colaborativa, construindo um outro lugar de atuação para essas funções. Com a orientação da Sandra Cunha, assistente pedagógica, temos investido na nossa formação continuada, acreditando no saber dos professores e insistindo no desenvolvimento de um registro mais re-

Andréa Fraga no Encontro de professores e funcionários em comemoração aos 35 anos da EMIA (2015). Foto de Tati Fecchio.

Em 1995 criou-se a APEA EMIA Associação de Pais e Ex-alunos, que tem sido parceira da escola tanto na organização de eventos como a Festa Junina, como na realização de projetos, como a gravação dos CDs e outros.

flexivo e poético sobre o que fazemos. Lançamos pela primeira vez uma revista, a EMIA em revista, e agora ousamos fazer este livro. Penso que levar a cobra a morder o próprio rabo significa voltar-se ao princípio que tanto pode ser início como também fundamento. Vejo que nossos princípios (fundamentos), apresentados hoje neste livro, foram germinados a partir daquele princípio (início), narrado no prefácio. Assim, ao ler o relato da Nana, sem ter vivido sua direção, sinto-me fortalecida, percebendo a comunhão entre o que se iniciou em sua gestão e o que existe hoje, trinta e tantos anos depois. Parece que a cobra morde o rabo depois de um longo percurso e iniciamos um outro momento da escola, de amadurecimento, de continuidade transformável e de uma solidez fluida que possibilita sermos constantemente contemporâneos.

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outros escritos Livro, teses e dissertações de artistas professores que têm a EMIA como tema ou contexto ALMEIDA, Maria Berenice Simões de. Processos criativos no ensino de piano. Dissertação de Mestrado, ECA - USP. São Paulo, 2014. BORGES, Thaís Veiga. Rondó, uma forma de educação instrumental: a iniciação ao instrumento musical. Dissertação de Mestrado, IA - UNESP, 1993. São Paulo. FREITAS, Maria Thereza Peric de. A fala como música no jogo dramático: um caminho resultante da ampliação da experiência estética na prática pedagógica. Tese de Doutorado, ECA - USP. SP, 2013. FREITAS, Maria Thereza Peric de. A busca de um caminho interdisciplinar entre o teatro e a música. Dissertação de Mestrado, ECA - USP. SP 2004. FREIXEDAS, Claudia Maradei. Caminhos criativos no ensino da flauta doce. Dis-

96

sertação de Mestrado. ECA - USP, São Paulo, 2015. OLIVEIRA, Márcia Lagua de. As aventuras de Alice no país das maravilhas e na EMIA: Winnicott e educação. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia - USP. São Paulo 2009. OLIVEIRA, Márcia Lagua de. Arte e construção do conhecimento na EMIA. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006. OLIVEIRA, Márcia Lagua de. Rua Guajuviras s/n. Parque da Conceição, casa 3, um estudo sobre a EMIA: Escola Municipal de Iniciação Artística. Dissertação de Mestrado. USP, São Paulo, 2001. ROCHA, Ana Cristina Rossetto. Educação musical e experiência estética : entre encontros e possibilidades. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, Campinas, SP, 2011. VILLAS BOAS, Priscilla. A improvisação em dança: um diálogo entre a criança e o artista professor. Dissertação de Mestrado. UNICAMP .Campinas, SP, 2012.

Artigos e outros tipos de publicações: Disponíveis no blog: emiasp@blogspot.com.br


Ex-professores

Ex-funcionários

Adilson Rodrigues (1991-1996); Alexandre Zilahi Junior (1991); Altair Perez

Alzira Jacinto Mota (2000-2013); Cenia Maria Volcou (2003-2006); Cilcéia

Machado (1984-1994); Ana Cristina Curvello de Araujo Petersen - Nininha

Mendonça Zanella Pietro Alcover (1997-2002); Conceição de Oliveira Fu-

(1986-1990); Ana Cristina Rosseto Rocha (1981-2011); Ana Lucia de Moraes

kushima (1986-2004); Crispin Gonzales Junior (1980-1987); Eleni Bartalini

Tatit (1994-2006); Andréa Fraga (1997-2013); Andrea Gandolfi (2006-2006);

(1980-2013); Eliana Leite Meirelles (1984-1995); Elisabeth Lumi Morooka

Angela Volcov Rimoli (1989-2002); Aparecida Aurélia Leite Miller Reis Rodri-

Honda (2001-2004); Elizabeth Lima (2001-2009); Ivone Sitta Workme (1989-

gues (1996-2011); Carlos Alberto Silva (1999-2011); Carlos Henrique Sgrec-

1996); Lenira Maria Ramos (2002-2005); Lucia Ferraz Correa (1993-2002);

cia - Cacá (1990-2014); Cecília Lucia Tuccori (1983-2001); Celeste Aida Mat-

Lucia Helena Gorayed (2010-2012); Maria de Lourdes Paschiega Foffa (1980-

tioli Magnocavallo (1991-2011); Cesar de Barros Bella Junior (1999-2000);

1992); Maria de Nazaré Batista da Silva (1991-2007); Maria Lucia de Carvalho

Claudia Arias Badra (1980-1986); Claudia Maradei Frexeidas (2000-2012);

Rebelo (1989-1995); Ofélia Michico Ninomiya de Godoy (1983); Paulo Sérgio

Claudio Murilo Segantin Duarte (1989-1990); Clayton Heringer (2006-2011);

Benvindo de Castro (1996-2011); Petronilia Faria Neto (2007-2010); Pio Ale-

Cléa Galhano (1983-1992); Clovis Gomes Moreno (1982-1994); Cristina

xandre Costa Neto (1992-2013); Regina Prohaska (2005-2012); Reinilda Ma-

Schirippita Gatti (1989-1991); Daniela Rizzi Bozzo (1996-2010); Emily Takeu-

ria Mamedio de Araujo (2002-2013); Ronaldo Ribeiro Mariano (1988-2008);

chi Sugai (1992-1993); Evandro Silveira (2005-2006); Fabio Tagliaferri Sabi-

Tânia Aparecida Dubau Fernandes (2005-2007); Tânia Aparecida Gomes de

no (1998-2000); Francisco Luiz da Costa Carvalho - Chico Lu (1994-2015);

Oliveira Camilo de Souza (1989-1991).

Gabriel José Levy (1989-1990); Helio Braga da Silveira Filho (1987-1995); Henrique Autran Dourado (1998-1999); Iara Ferreira Jamra (1980-1986); Ida Morato Ferraz Meireles (1980); Ilza Antunes Araujo (1980-2006); Isa Poncet (1990-1995); Isabelle Benard (1992-1999); Italo Peron de Andrade (19871988); Iviny Valeska Ferraz (1999-2003); João Carlos de Souza (2006-2014); José Antonio Branco Bernardes (1990-1999); Julia Barrera Salgueiro (20122013); Katia Mauro Correa (1990-1991); Kyoko Harakava (1980-2007); Lidia Bazarian (1985 -1988); Ligia Beatriz Xavier Coelho Pinto (1987-1988); Lina Vieira Graça (1982-2001); Lucina Coin de Carvalho (1997-1999); Luiza Olga Bernarscone Labes (1981); Magno Bissoli Siqueira (1997-2001); Mara Campos (1990-1991); Marcelo Juliano e Silva (1995-2005); Marcelo Salum Ferreira (2011-2012); Marcia Fernandes dos Santos (1986-1989); Marcia Lagua de Oliveira (1982-2011); Marcia Soares Andrade (1989-2005); Margarete Arroyo (1991-1993); Maria Amalia Martins (1980- ); Maria Cecília Pereira Lacava - Cilô (1994-1995); Maria Carolina Duprat Ruggieri - Caru (19871989); Maria de Fatima Egydio Fontes Pimentel (1983-2013); Maria Helena Franco de Araujo Bastos (1995-1996); Maria Silvia Rocha de Oliveira (19811986); Maria Stella Contreiras (1994-1999); Maria Thereza Peric de Freitas (1980-2011); Marina Marcondes Machado (1989-2000/2005-2008); Mauricio Miranda (1993-1996); Monica Olivetti Soares (2000-2015); Naomi Munakata (1988-1989); Nelly Maria Guedes de Toledo Barros (2005-2012); Osmar Cunha (1995-2000); Paulo César Oliveira Correa de Brito (1984-1994); Paulo Nin Ferreira (1984-1990); Paulo Ricardo Ferreira (2002-2008); Paulo Yutaka de Souza Kussano (1989-1990); Pedro Alves Mourão (1983-1989); Peterson Costa (2008-2010); Raquel Coelho (1986-1994); Regina Célia de Souza Marques (1980-1983); Rodolfo Savella (1985-1994); Rogério Luiz Moraes Costa (1982-1994); Rosana Nogueira Giosa (2004-2006); Rosana Tonholi Massuela (1989-2011); Roseli Novak (1992-1995); Rui Fernando Gonçalves Siqueira (1986-2015); Samira Martins Marana (2012-2013); Sandra Regina Ximenes Leite (1993); Sandra Mara da Cunha (2007-2012); Selma Marques de Oliveira (1988-1989); Sirvart Avedissian Monjian (1982); Sonia Raimundo (1993); Sylvia Della Colletta Chiapetta (1980-2013); Tatiana de Laquila (19982005); Thais Veiga Borges (1980-2002); Thelma Chan (1982-1989); Thelmo Bonanno Cruz (1983-1990); Valeria Gadioli Zaniboni (1980- ); Valeria Zeidan Rodrigues (1993-1999); Wellington José Duarte da Silva (1998-1999); Zilda Candida do Santos (1982-2003).

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ficha técnica

EMIA escola de artes, casa de crianças: uma experiência de 35 anos

PREFEITURA DE SÃO PAULO

EMIA ESCOLA MUNICIPAL DE INICIAÇÃO ARTÍSTICA

Prefeito Fernando Haddad

Diretora Andréa Fraga

SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA Secretária Maria do Rosário Ramalho

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Secretário-adjunto Maurício Dantas Chefe de Gabinete Rossella Rossetto

Assistente Artístico Evandro Silveira Assistente Pedagógico Sandra Cunha Coordenação de Artes Visuais Liseti Bonamin (2014/2015) Simone Lima (2016) Coordenação de Dança Priscilla Vilas Boas (2014/2015) Thiago Leite (2016) Coordenação de Música Cristina Rogatko (2014/2015) Giselle Ramos (2014/2015) Maristela Loureiro (2016) Celso Amâncio (2016) Coordenação de Teatro Milene Perez (2014/2015) Antonio Correa Neto (2016) Secretaria Administrativa Carmen Olivieri Maria do Carmo Rêgo Ricardo Gisolfi Pires Marina Shikichi Cícero Barros da Silva Secretaria de Alunos Carla Cassia Rozante Lima Wanda Saracho

Portaria Dulcinea de Andrade César Margarida Jesus da Silva


LIVRO: EMIA, ESCOLA DE ARTES, CASA DE CRIANÇAS: UMA EXPERIÊNCIA DE 35 ANOS Organização Andréa Fraga Berenice de Almeida Cristina Rogatko Giselle Ramos Liseti Bonamin Milene Perez Priscil la Vilas Boas Sandra Cunha

ARTISTAS PROFESSORES EM 2016 Adriana Amaral

Marcia Maddaloni

Adriane Cristine Krindges

Maru Ohtani

Adriano Castelo Branco

Glauco Silva

Alexandre Medeiros de Oliveira

Marcos Venceslau de Carvalho

Ana Cláudia César

Marcus Charles Felix Gonçalves Ferreira

Antonio Correa Neto

Maria Silvia Monteiro Machado

Antonio Vaz Lemes

Marili Macruz

Antonio Francisco da Silva Junior

Maristela Loureiro

Barbara Silva Schil de Souza

May Kahtouni

Beatriz Aranha Coelho

Meri Angelica Harakava

Berenice de Almeida

Milene Perez

Celso Amâncio de Melo Filho

Odino Fineo de Andrade Pizzingrili

Cintia Zanco

Paulo Farah Andre

Cristina Rogatko

Priscilla Vilas Boas

Dalva Argentino

Recy Freire

Douglas Froemming

Renata Facury Farias da Silva

Eugenia Nóbrega

Rogério Almeida

Fabio Marques

Nado Garcia

Flávia Ferraz

Rosa Comporte

Geraldo José Olivieri Junior

Rosana Bergamasco

Giselle Loiacono Ramos de Azevedo

Sheila Christina Ortega

Joana Salles

Simone Laiz de Morais Lima

José Paulo da Rosa

Telmo Rocha

Julio Giudice Maluf

Thelma Antas Penteado

Karime Nivoloni

Thiago de Arruda Leite

Laura Longo

Valeska Figueiredo

Liliana Maria Bertolini

Wanderley Pira

Liseti Bonamin

Wilson Dias

Coordenação Geral Andréa Fraga Produção Executiva Vanessa Lopes Projeto Gráfico e Diagramação Priscilla Ballarin Projeto, Editoria e Revisão de Texto Lina Mendes Capa Tiago Sussumu Tutida (formando 2015) professor Odino Pizzingrilli Curadoria de Imagens Liseti Bonamin Pesquisa Documental Berenice Almeida Cristina Rogatko Giselle Ramos Organização de Acervo Maíra Silvestre Yara Costa Fotografia Ching C. Wang Silvia Machado Acervo EMIA Digitalização e Tratamento de Imagens Ching C. Wang Vanessa Lopes Assessoria de Imprensa Arebo Comunicação Impressão Imprensa Oficial do Estado S/A – IMESP Realização Secretaria Municipal de Cultura

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