Revista TIP Nº 7. - A Paradiplomacia no Brasil (PT)

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Trabajos de Investigación en Paradiplomacia, Ano 10, No 1. Buenos Aires, Argentina, Julho 2021. ISSN: 1853-9939. 1. Relações Internacionais 2. Governos Subnacionais 3. Cidades Globais 4. Cooperação Descentralizada 5. Paradiplomacia

TIP (Trabajos de Investigación en Paradiplomacia). Revista acadêmica de acesso livre e gratuito. Disponível em: www.paradiplomacia.org. Os trabalhos incluídos neste número foram considerados e revisados pelo Conselho Assessor e a Equipe Editorial TIP (ver nota metodológica). As opiniões expressadas nos mesmos são responsabilidade dos autores e podem não coincidir com aquelas dos integrantes da TIP. Todos os direitos reservados. É autorizada a reprodução e difusão do material contido nesta revista para fins educacionais ou outros fins não comerciais sem prévia autorização escrita dos titulares dos direitos de autor, sempre que especificada claramente a fonte. É proibida a reprodução do material contido nesta revista para revenda ou outros fins comerciais sem prévia autorização escrita dos titulares dos direitos de autor. As solicitações para obter autorização devem ser encaminhadas ao Diretor e à Equipe Editorial TIP por e-mail a tip@paradiplomacia.org.

O planejamento e desenvolvimento do conteúdo audiovisual co-construído entre Paradiplomacia.org e a equipe de coordenação técnica da AL-LAs Alliance e os parceiros da rede. Nesta edição, em particular, a Prefeitura de Belo Horizonte e a Prefeitura do Rio de Janeiro, e uma colaboração especial da Prefeitura de São Paulo.

Esta revista dedicada à paradiplomacia no Brasil contou com o valioso apoio do ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade para obter os conteúdos esperados e sua tradução ao espanhol e ao português.

Paradiplomacia.org Copyright © 2021, Paradiplomacia.org Buenos Aires, Argentina.

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EQUIPE Diretor Nicolás Mancini Coordenador Chefe Paul Vasco Editor Ray Freddy Lara Pacheco Equipe Editorial Adriana Huerta Nuñez Daphne Besen Fermin Gallegos Geovana Bardesio Henry Servellón José Sanchez Martín Gonzalo Britos Pablo Navarro Rosario Guadalupe Robiou Vivero Conselho Consultivo da Revista TIP Denisse Grandas Fernando Carrión Manuel Martínez Nahuel Oddone Noé Cornago Octavi de la Varga Paola Arjona Paulina Astroza Rodrigo Perpétuo Conselho Editorial Liliana Froio Cairo Junqueira Soraya Pessino Gilberto Rodrigues Carina Beje Reyne Ferretti Regina Laisner Desenho Gráfico Nicolás Ariel D’Alessandro Arte Charlotte Borges

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ÍNDICE Nota do diretor Nicolás Mancini .............................................................................................................................................. 6 Cooperar é Preciso Rodrigo Perpetuo ............................................................................................................................................7 Nota do Alianza AL-LAs ............................................................................................................................. 8 Nota do Editor Ray Freddy Lara Pacheco ........................................................................................................................... 15 A paradiplomacia não institucionalizada no Brasil. Uma comparação com a África do Sul Naiane Inez Cossul, Kiara Costa e Gyordanno Sortica Farias .............................................................. 22 A institucionalização da paradiplomacia financeira nas entidades subnacionais: o caso do Rio Grande do Sul. Matheus da Silva Junges ............................................................................................................................. 40 As relações internacionais no estado de Santa Catarina. Alice Helena Heil de Borba ......................................................................................................................... 64 A evolução da paradiplomacia no estado da Bahia e sua relevância no enfrentamento da pandemia do COVID-19. Sílvia Barros de Santana Corrêa ............................................................................................................... 84 Internacionalização descentralizada como caminho para o desenvolvimento: perspectivas e ações do consórcio nordeste. Guilherme de Lima Souza .......................................................................................................................... 98 A dimensão intramunicipal da paradiplomacia brasileira: análise do Foro Nacional de Secretários e Gerentes Municipais de Relações Internacionais. Karina Pietro Biasi Ruiz e Luciana Leite Lima ...................................................................................... 120 Os direitos humanos nas cidades e a cooperação internacional através das redes: o caso da rede de Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) e a cidade de São Paulo (2013-2016). Kelly Komatsu Agopyan ........................................................................................................................... 140 A congruência nos processos para a internacionalização de Belo Horizonte (2005-2020) através do Interesse Local-Internacional. Ramon Cristiano Bonifacio e Daniel Villarruel Reynoso ..................................................................... 161 Paradiplomacia - fragilidade alternativa do federalismo brasileiro em tempos de luta contra a pandemia COVID-19. Chyara Sales Pereira e Luiza Farnese Lana Sarayed-Din ................................................................... 184 Gestão pública da paradiplomacia municipal na nova república brasileira. Víctor Ferreira de Almeida ....................................................................................................................... 201 As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27. Ana Carolina Medeiros Simões de Abreu ............................................................................................... 222

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Paradiplomacia e cidades inteligentes, duas caras de uma mesma moeda: planejamento, desenvolvimento e internacionalização das cidades. Sara Moreno Cyrino Carvalho e Aline Ananda Marques Dantas ...................................................... 246 Actores Clave ............................................................................................................................................ 260 PHARE e ICLEI se unem para fortalecer a sustentabilidade e a governança internacional ... 281 Nota Metodologica ................................................................................................................................... 287

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Nota do Diretor

NOTA DO DIRETOR

Nicolás Mancini Diretor de Revista TIP y Diretor-executivo de Paradiplomacia.org

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Brasil é grande, diverso e, ademais, é diverso em sua paradiplomacia. Quanto mais pesquisamos, mais formas inovadoras de projeção internacional dos governos locais encontramos, mais profissionalismo, trabalho coletivo e, principalmente, mais criatividade.

Nestes tempos de pandemia, os vínculos internacionais se tornaram irrefutavelmente úteis e válidos, e são frequentemente apresentados como a melhor ferramenta para o intercâmbio de informações, boas práticas e até mesmo recursos-chave para enfrentar a crise sanitária. A visão global das cidades no mundo de hoje é um sintoma de inteligência e até mesmo um reflexo de sobrevivência. Os governos locais do Brasil têm uma trajetória interessante na arena internacional, um longo caminho percorrido com o apoio do governo nacional, mas também com muito progresso proativo, independente e às vezes, se necessário, independentista com o objetivo de privilegiar o direito à autonomia global. O contexto nacional às vezes pode ser adverso e veremos um pouco disso tudo nesta edição especial dedicada à paradiplomacia brasileira. Por último, desde a primeira edição da Revista TIP, temos um grupo interessante de autores(as) brasileiros(as) publicando conosco. Cada chamada serviu para conhecer novos(as) acadêmicos(as), profissionais, estudantes e professores(as) que se juntaram à grande #EquipeParadiplomacia, gerando valor e adicionando seu grão de areia ao conteúdo livre, aberto e cooperativo da Paradiplomacia.org. Dedicamos esta Edição Especial “A Paradiplomacia no Brasil” à essas autoras e autores1 e aos(às) novos(as) que somaram nesta nova edição. ¡Muito brigado!

1 Rafael Pinto da Silva, Thauan Santos, Luan Santos, Laura Oliveira de Medeiros, Fernando Rei, Kamyla Cunha, Joana Setzer, Fabiana Rita Dessotti Pinto, Noemi Galvao, Thiago Mattioli Silva, Eduardo Augusto Café, Matilde de Souza, Armando Gallo Yahn Filho, Deisy Ventura, Marcela García Fonseca, Mayara Suzanne Freitas Chaves, Marco Aurélio Machado de Oliveira y Fábio Machado da Silva.

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Nota do Rodrigo Perpetuo

COOPERAR É PRECISO

Rodrigo Perpetuo Secretario Executivo de ICLEI América del Sur

“Navegar é Preciso, Viver não é Preciso” (Fernando Pessoa) “Cooperar é Preciso, Viver não é Preciso” Em tempos de pandemia, a Sociedade Internacional experimentou pela primeira vez em cerca de 100 anos a sua fragilidade. Essa fragilidade se manifestou com toda a intensidade nas cidades. Ela traz incertezas. Faz com que a conjuntura mude com velocidade. Confere imprecisão à ação política. Apesar da imprecisão, vimos florescer novamente, como uma possibilidade de enfrentamento ao Covid-19, a diplomacia das cidades. Trocas bilaterais, plataformas unindo redes e associações, parcerias com agências da ONU e com bancos multilaterais, intercâmbios e trocas de vários tipos, mostrando mais uma vez que cooperar é preciso. Uma das constatações possíveis, mesmo que ainda em meio à incerteza e imprecisão da vida e da política, é que a ação paradiplomática veio para ficar. A função diplomática é baseada em três eixos principais: representação, comunicação e negociação. No mundo contemporâneo, não faz mais sentido que essas funções estejam reservadas a um aparato vinculado ao estado central. A paradiplomacia é necessária. Qualquer organização precisa da diplomacia. Principalmente as cidades! A paradiplomacia se consolida, portanto, como um instrumento que ajuda a balizar a precisão da intervenção pública. Ela o faz a partir de inúmeras possibilidades. Tão amplas que imprecisas. Ainda assim, necessárias! Que esta edição da Revista TIP contribua para iluminar a incerteza, e materialize, a partir do exemplo e da reflexão acadêmica, a tese parafraseada para o nosso tempo do poeta maior da língua portuguesa, Fernando Pessoa: cooperar é preciso! Boa leitura a tod@s!

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Nota do Allas

AÇÃO INTERNACIONAL DOS GOVERNOS LOCAIS BRASILEIROS: UM FENÔMENO IRREVERSÍVEL?

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o final de 2020, Paradiplomacia.org fez um chamado para apresentar artigos na publicação de um número especial de sua revista TIP dedicado à paradiplomacia no Brasil. Nesse marco, com a colaboração da Aliança Euro-Latino-Americana de Cooperação entre Cidades AL-LAs, organizou o webinar “Ação internacional dos governos locais: um fenômeno irreversível?” acontecido no 10 de dezembro.1

O objetivo deste espaço foi reunir representantes de diferentes setores para uma reflexão sobre o estado da ação internacional dos governos subnacionais diante das mudanças políticas e da conjuntura global que o Brasil atravessa e, com ela, traçar um cenário futuro. O seguinte texto reúne as principiais reflexões do webinar. O seguinte texto reúne as principiais reflexões do webinar.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS A ação internacional dos governos locais não é um fenômeno novo, mas sim a intensidade e a relevância que ganhou nos últimos anos. Nas últimas duas décadas, aumentou o número de cidades vinculadas ao exterior, bem como a magnitude e o dinamismo de suas relações, os temas e espaços de participação em nível mundial. Hoje, o âmbito subnacional enfrenta o desafio de implementar soluções aos principais problemas que afligem a sua população para melhorar sua qualidade de vida e promover o desenvolvimento territorial. A resposta aos principais desafios econômicos, políticos, sociais e ambientais recaem sobre os governos locais. Nos últimos anos, a relevância conquistada 1

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pelos governos locais ao nível internacional tem sido evidenciada por meio de sua participação em espaços de discussão internacional, particularmente na discussão de agendas de desenvolvimento global, por exemplo, o processo de construção da Nova Agenda Urbana em 2016 y o Objetivo 11 “cidades e comunidades sustentáveis” da Agenda 2030. Atualmente, mais e mais cidades reconhecem a necessidade de se conectar com o exterior para promover seu desenvolvimento. Por sua vez, os governos locais estão fortalecendo sua posição no cenário internacional e promovendo uma mudança no sistema de governança global que permita a integração das prioridades locais na agenda internacional. Paradoxalmente, em algumas latitudes, o fenômeno da ação internacional dos governos locais corre o risco de reversão. A crise do mul-

Disponível no: https://www.youtube.com/watch?v=Z_WMh12Kl4M


Nota do Allas

tilateralismo, os processos de recentralização, os nacionalismos, as políticas protecionistas e a xenofobia têm impactado a internacionalização de algumas cidades. No entanto, para algumas cidades a ação internacional também se tornou uma forma de resistência através do qual eles expressam seu estranhamento com as políticas nacionais, por exemplo em questões ambientais e migratórias. Assim reafirmam seu compromisso com a cooperação e solidariedade internacional como princípios para não deixar ninguém para trás.

AÇÃO INTERNACIONAL DE GOVERNOS LOCAIS BRASILEIROS Desde a década de 1980, com o processo de redemocratização, os governos subnacionais brasileiros têm assumido uma participação importante no cenário internacional, principalmente desde o âmbito municipal (Laisner e Garnica, 2018).

lógica de democracia participativa em que diferentes atores estão vinculados para avançar para um “federalismo social” (Saraiva, 2004). Segundo a Dr. Laisner (2021), as eleições de 2016 marcaram o início de uma mudança na direção da internacionalização dos governos subnacionais brasileiros. As mudanças na política interna e externa brasileira, derivadas da chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro, geraram repercussões, principalmente para governos de esquerda. A participação dos governos subnacionais nos espaços internacionais foi reduzida e com ela a proeminência conquistada. A internacionalização dos municípios brasileiros destacou-se por refletir sobre o seu grau de institucionalização das disparidades socioeconômicas no país, sendo a região Sur/Sudeste a que possuía maior atuação e institucionalização da prática, em contraste com a região Norte/Nordeste onde o registro foi bastante menor1. Em 2016, o número de municípios com estruturas de relações internacionais foi reduzido quase pela metade (França, 2021).

O aumento das Secretarias Municipais de Relações Internacionais (SMRI) na década dos 90 e seu auge nos anos 2000 (Junqueira, 2015), refletiu o reconhecimento da importância da atividade internacional para contribuir a melhorar as condições de desenvolvimento dos entes subnacionais.

A atuação internacional dos governos locais está em constante mudança, não apenas determinada pelas tendências políticas, mas pelas próprias dinâmicas territoriais. Apesar de essa atividade apresentar diferenças marcantes entre as regiões do país, há uma redução considerável da atividade internacional subnacional brasileira que levanta questões para o seu futuro.

A última década foi marcada por um maior crescimento do número de municípios e estados brasileiros vinculados com o exterior além da diversidade de assuntos nos quais estão interagindo. Esse aumento ocorreu em duas dimensões: por um lado, de uma lógica comercial e de atração de investimentos e, por outro, de uma visão social de desenvolvimento e uma

Desde 2019, o país tem experimentado uma virada na política externa, consequência da emulação da política externa norte-americana, que tem atingido as posições construídas ao longo dos anos em espaços multilaterais e gerou retrocessos em questões como Direitos Humanos e sustentabilidade (Rodrigues, 2019). Essas mudanças, somadas a outros

1 Segundo estudo elaborado por Ribeiro (2009, pp. 70-81) em que foram analisados 72 municípios com mais de 500 mil habitantes, dos quais 71% referiram ter algum tipo de atividade internacional e apenas 40% tinha área responsável das questões internacionais. Desses 40% (29 municípios), 76% pertenciam ao eixo Sul / Sudeste, enquanto os 24% restantes correspondiam à região Norte / Nordeste.

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fatores em nível local e regional, têm gerado repercussões na internacionalização de entes federais e municipais, resultando, em casos extremos, no fechamento de SMRI (Secretários Municipais de Relações Internacionais).

AÇÃO INTERNACIONAL DE GOVERNOS LOCAIS BRASILEIROS NO CONTEXTO DA PANDEMIA A crise do COVID-19 abriu uma nova fase na ação internacional subnacional. A necessidade imediata de responder à emergência sanitária aumentou a utilidade de buscar soluções no exterior, desde ajuda humanitária à cooperação técnica. Essa situação demonstrou os custos do isolamento em todos os níveis de governo. As cidades com uma atividade mais dinâmica e profissionalizada conseguiram acelerar a sua resposta, ao contrário das cidades com menos e até sem participação internacional. No caso brasileiro, cidades com mais experiência internacional ativaram canais de comunicação bilateral com outras cidades, desde uma visão solidaria, para troca de informações sobre a evolução da pandemia e as medidas implementadas. Como exemplo, o caso da compilação de experiências que Belo Horizonte partilhada com os seus aliados internacionais (França, 2021). Da mesma forma, os governos locais usaram redes de cidades para gerar intercâmbios para propor soluções coletivas aos desafios comuns. As associações municipais também coordenaram ações de resposta, como o caso da Frente Nacional dos Prefeitos que aproveitou o seu capital político para se tornar uma plataforma para trazer aos seus associados a casos no nível mundial através de reuniões virtuais e seminários. Dessa forma, eles foram capazes

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de se antecipar, mesmo às ações promovidas a partir do nível nacional (Oliveira, 2021). A corrida pela vacinação tem dado especial destaque a essa situação, onde na busca pela garantia da vacinação de sua população, estados e municípios estabeleceram relacionamento direto com governos nacionais e empresas farmacêuticas estrangeiras. Por exemplo, o acordo firmado pelo estado da Bahia com o governo russo para aquisição da vacina Sputnik (Globo, 2020). Esses relacionamentos ocorreram fora do estabelecido pelo governo nacional e como uma medida alternativa aos discursos de negação do Executivo (BBC, 2021). Por exemplo o acordo do estado de São Paulo com o governo chinês para compra de vacinas, à margem das agressões do governo nacional ao governo chinês (UOL, 2021). Isso não se limitou aos grandes estados ou municípios. Para alguns governos locais, esta situação levantou a necessidade de estabelecer contato com atores internacionais, mesmo sem experiência previa. Por exemplo, o município de Buritama, São Paulo, com apenas 15 mil habitantes, que contatou o governo russo por meio da Embaixada para a compra da vacina (Prefeitura de Buritama, 2021).


Nota do Allas

UM FENÔMENO IRREVERSÍVEL?

uma demanda do movimento municipal mundial, à qual as prefeituras brasileiras aderiram por meio do processo de consulta UN752.

O balanço do seminário traçou um panorama positivo para a articulação internacional dos governos locais brasileiros, com oportunidades, mas com compromissos claros.

AL-LAs e seus colaboradores têm conduzido o processo político “Um lugar na mesa global” que promove a participação e incidência dos governos locais em espaços internacionais. Este processo foi impulsado em 2016 no marco da discussão da Nova Agenda Urbana. No 2021 está a 5 anos, pelo que será feito um balanço das conquistas obtidas.

Sem dúvida, nos encontramos diante do maior desafio para a humanidade desde a Segunda Guerra Mundial, o que nos levou a perceber a necessidade de colaborar para encarar juntos ameaças comuns. Antes da pandemia, o multilateralismo enfrentava um momento crítico, no entanto, a própria pandemia é uma oportunidade de reforçar esse compromisso de cooperar a partir desse sistema. A rede de Cidades e Governos Locais Unidos identificou como uma das prioridades da recuperação post pandemia trabalhar na construção de uma nova geração do multilateralismo mais inclusivo1. As crises geralmente abrem oportunidades. O cenário pós-guerra trouxe consigo o surgimento do multilateralismo e a intenção das nações de trabalhar juntas para o bem comum. Para os governos locais, a situação atual representa uma oportunidade de gerar uma mudança no sistema de governança global, onde suas contribuições e o papel desempenhado na pandemia sejam reconhecidos. Essa conjuntura poderá ser catalisadora para o reconhecimento dos governos locais como atores-chave do desenvolvimento, com capacidade de articular o território com os espaços de representação mundial, em especial o sistema das Nações Unidas (Perpétuo, 2021). Essa é

No plano nacional, a internacionalização dos governos locais brasileiros também tem sido uma expressão de resistência às políticas nacionais (Laisner, 2021), mas hoje é proposta como uma ferramenta de desenvolvimento e recuperação pós-pandêmica e como uma oportunidade de promoção para, além das correntes políticas, promover a unidade dos municípios e estados brasileiros para o bem comum (Salles, 2021). A crise lembrou que, independentemente do tamanho, toda cidade tem algo a aprender e algo a compartilhar com o mundo, e que a internacionalização pode enriquecer e potencializar qualquer política pública. É assim que a construção e fortalecimento de capacidades serão indispensáveis para ​​ que os municípios com experiência internacional se fortaleçam e quem na pandemia iniciou sua relação com o mundo, possam conceber a internacionalização não como algo conjuntural, mas como um vetor de desenvolvimento. A geração de ferramentas e a profissionalização serão essenciais para promover a inter-

1 O “Decálogo para la era posterior a COVID-19” poder ser consultado no: https://www.uclg.org/ sites/default/files/decalogo_covid19.pdf 2 Em 2020, por ocasião do seu 75º aniversário, as Nações Unidas lançaram o processo de consulta global sobre o papel da cooperação internacional na construção do futuro que queremos, por meio da Campanha UN75. CGLU coordenou a participação de governos locais ao nível internacional e com a colaboração deles, o processo foi realizado na América Latina entre maio e junho de 2020 com a participação de 93 representantes de governos locais de 17 países da região. O relatório apresentado às Nações Unidas pode ser consultado em: https://www.global-taskforce.org/sites/default/files/2020-09/LRGs_Visioning_UN75_Report.pdf

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nacionalização das prefeituras brasileiras e dar continuidade às sinergias geradas na crise. Alianças como a de AL-LAs e Paradiplomacia.org serão altamente relevantes para esses objetivos e para promover a sensibilização e o reconhecimento da prática. Essa busca pela internacionalização, além do fortalecimento institucional, deve contar com os mecanismos necessários para promover a participação cidadã. Como é o caso de Salvador (Pesino, 2021) que trabalhará essa dimensão democrática a partir de um conselho consultivo cidadão. A articulação com os atores do território será fundamental para que a ação internacional possa ser concebida, não como uma agenda política do governo, mas como uma agenda da cidade, com um território envolvido e engajado. Sem dúvida, a internacionalização das prefeituras brasileiras é um fenômeno irreversível. O Brasil e sua cultura fazem parte do imaginário global e têm uma relação histórica com o mundo que transcende os governos (Cruz de Mello, 2021). O fenômeno poderá enfrentar altos e baixos, mudanças nas prioridades, objetivos e dinamismo, mas permanecerá latente. Hoje, mais do que nunca, a internacionalização se apresenta não como uma opção, mas como uma necessidade urgente. A pandemia é uma oportunidade para os governos locais brasileiros refletirem sobre o papel que desejam desempenhar no mundo.

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Referências BBC, “Bolsonaro é provavelmente o primeiro líder político da história a desencorajar vacinação, diz especialista francês” [em linha], París, 5 de fevereiro de 2021, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55939354 [Consulta: 12 de fevereiro de 2021] Cruz de Mello, A., webinar “Ação internacional dos governos locais: um fenômeno irreversível?” [em linha], Paradiplomacia.org, 10 de dezembro de 2021, https://www.youtube.com/watch?v=Z_WMh12Kl4M França, H., webinar “Ação internacional dos governos locais: um fenômeno irreversível?” [em linha], Paradiplomacia.org, 10 de dezembro de 2021, https://www.youtube.com/watch?v=Z_ WMh12Kl4M Globo, ”Governo da Bahia assina acordo com a Rússia para submeter vacina Sputnik V a testes”, [em linha], Brasil, 9 de setembro de 2020, https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/09/09/ governo-da-bahia-assina-acordo-com-a-russia-e-quer-testar-efeitos-da-vacina-sputnik-v.ghtml [Consulta: 12 de fevereiro de 2021] Governo do Estado de São Paulo, “SP mantém contato com autoridades chinesas para liberação de insumos da vacina” [em linha], São Paulo, 20 de janeiro de 2021, https://www.saopaulo. sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/escritorio-de-sao-paulo-na-china-contata-autoridades-chinesas-para-liberacao-de-insumos/ [Consulta: 13 fevereiro de 2021] Junqueira, C., “A criação das secretarias municipais de relações internacionais (SMRI) como nova realidade da inserção internacional dos entes subnacionais brasileiros” [em linha], Brasil, Dezembro 2015, http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6477/1/BEPI_n21_Cria%C3%A7%C3%A3o.pdf [Consulta: 10 de fevereiro de 2021] Laisner, R. y Garnica, D., “Superação do subdesenvolvimento, erradicação da pobreza e atuação internacional de municípios: o exemplo da cidade de São Paulo” [em linha], Revista Direito a Cidade, vol.10, no. 1, Brasil, 2018, file:///D:/Biblioteca/Surgimento%20e%20consolidacao%20 smri%20brasil.pdf [Consulta: 11 de fevereiro de 2021] Laisner, R., webinar “Ação internacional dos governos locais: um fenômeno irreversível?” [em linha], Paradiplomacia.org, 10 de dezembro de 2021, https://www.youtube.com/watch?v=Z_ WMh12Kl4M Oliveira, P., webinar “Ação internacional dos governos locais: um fenômeno irreversível?” [em linha], Paradiplomacia.org, 10 de dezembro de 2021, https://www.youtube.com/watch?v=Z_ WMh12Kl4M Pesino, S., webinar “Ação internacional dos governos locais: um fenômeno irreversível?” [em linha], Paradiplomacia.org, 10 de dezembro de 2021, https://www.youtube.com/watch?v=Z_ WMh12Kl4M Prefeitura de Buritama, “Prefeito Rodrigo protocolou pedido para compra de 30 mil doses da vacina russa Sputnik V”, [em linha], Buritama, fevereiro 2021, http://buritama.sp.gov.br/ site2/2021/02/14/prefeito-rodrigo-protocolou-pedido-para-compra-de-30-mil-doses-da-vacina-russa-sputinik-v/ [Consulta: 12 de fevereiro de 2021] Ribeiro, M., “Globalização e novos atores: a paradiplomacia das cidades brasileiras” [em linha], Salvador, 2009, https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/12065/1/globalizacao-e-novos-atores_ri.pdf [Consulta: 9 de fevereiro de 2021] Rodrigues, G., (2019). “¿El Trump del trópico? Política exterior de ultraderecha en Brasil” [em linha], Análisis Carolina, abril 2019, https://www.researchgate.net/publication/332426648_ El_Trump_del_tropico_Politica_exterior_de_ultraderecha_en_Brasil [Consulta: 13 de fevereiro de 2021]

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Nota do Allas

Salles, L., webinar “Ação internacional dos governos locais: um fenômeno irreversível?” [em linha], Paradiplomacia.org, 10 de dezembro de 2021, https://www.youtube.com/watch?v=Z_ WMh12Kl4M Saraiva, J., “A busca de um novo paradigma: política exterior, comércio externo e federalismo no Brasil” [em linha], Brasília, 2004, http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200005 [Consulta: 12 de fevereiro de 2021]. UOL, “Doria sobre pedido de ajuda do governo Bolsonaro à China: ‘Faltou vergonha’ ” [em linha], São Paulo, 9 de março de 2021, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/03/09/doria-ironiza-pedido-de-ajuda-de-bolsonaro-a-china-faltou-ate-vergonha.htm?cmpid=copiaecola [Consulta: 9 de março de 2021]

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Nota do Editor

ÁREAS DE OPORTUNIDADE PARA CONSOLIDAR A AÇÃO EXTERIOR DOS GOVERNOS LOCAIS NO BRASIL PARA A CONSTRUÇÃO DE UM CORPUS TEÓRICO-CONCEITUAL EM PARADIPLOMACIA

Ray Freddy Lara Pacheco Editor do Revista TIP

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ação exterior dos governos locais no Brasil, assim como em muitos países da América Latina, se observa a partir dos anos oitenta, graças a diversos fatores a nível interno, externo e dual, partindo do pressuposto, e como indica Gilberto Rodrigues (2019), “cada país tem sua própria história, salvaguarda política e tradições culturais que levam a controles mais ou menos formais que incentivam ou restrinjam à chamada paradiplomacia” (p. 42). A partir disso, se observa o seguinte: No plano interno, após as ditaduras civis e/ ou militares1 à passagem para uma incipiente democracia graças às modificações do quadro constitucional (no Brasil a partir da constituição de 1988), assim como novas formas de governo (no Brasil, assim como em outros países da região, e como bem define Tullo Vigevani, 2004, como um federalismo centralizador) onde a Federação Brasileira ou a União, como também é conhecida, está conformada por estados, municípios e o Distrito Federal o que permitiu a revalorização do local e os espaços subnacionais/subestatais graças a processos de descentralização, desconcentração,

e a promoção do desenvolvimento econômico endógeno. E ainda que pareça irônico, devido à crise da soberania estatal e o aumento da autonomia dos entes locais, assim como a proliferação de movimentos sociais e etno-territoriais (por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra surgido nos anos setenta, ou a consolidação do Movimento Social Altermundialista exemplificado no Foro Social Mundial de Porto Alegre em 2001). No plano externo, fenômenos bem conhecidos como a crescente interdependência nos aspectos econômicos, políticos, técnicos, etc., a Globalização, a reconfiguração, transformação e/ ou crise do Estado-Nação, o surgimento dos regimes regionais e a cooperação inter-regional, no país amazônico graças a sua abertura econômica internacional via integracionismo (com a criação do Mercado Comum do Sul ou MERCOSUL junto com Argentina, Paraguai e Uruguai em 1991). Assim como a solução a problemas ou assuntos globais como o meio ambiente e a mudança climática (Por exemplo, a Cúpula da Terra do Rio de Janeiro de 1992, e seu vigésimo aniversário na Conferência de desenvolvimento sustentável das Nações Uni-

1 O Brasil, durante o século XX, passou por dois períodos ditatoriais; o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985).

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Nota do Editor

das ou Rio+20), a saúde e doença, o respeito aos Direitos Humanos, entre outros têm permitido que tanto governos como atores locais se insiram na Governança global. Por último, existem alguns fatores de caráter híbrido ou duais que também têm favorecido que as unidades subnacionais/subestatais brasileiras se internacionalizem, graças à glocalização, sua situação de vizinhança mediante a cooperação transfronteiriça, a migração e os fluxos transacionais de bens, serviços, financeiros, entre outros. Todos estes fatores, permitiram que desde a academia se observasse que o fenômeno da Paradiplomacia agiria como uma área de crescente expansão conforme se consolidassem os fatores internos, externos e duais no país, o que permitiria que seus territórios observassem a internacionalização como um instrumento indispensável para seu desenvolvimento e seu posicionamento a nível local, nacional e global, neste caso, são excepcionais as experiências de Curitiba (como modelo de cidade1 sustentável graças a políticas públicas de renovação e mobilidade urbana como a Rede Integrada de Transporte2), Belo Horizonte (se apresenta como um polo nacional de cultura ou uma Cidade Líder da Agenda 21 da Cultura segundo a Cidades e Governos Locais Unidos - CGLU3) ou o Rio de Janeiro (durante dez anos, dos anos 2007 a 2016, se apresentou como um espaço

de grandes eventos, convertendo-a em uma cidade cosmopolita e aberta ao mundo4). Em seu momento Mónica Salomón, com respeito ao “caminho para que a comunidade acadêmica brasileira de Relaciones Internacionais alcance maior visibilidade e peso dentro da disciplina global passa, em primeiro lugar, pela qualidade e a relevância de sua produção intelectual. A estratégia de inserção internacional das ideias se deve basear no diálogo e em um rigor metodológico alheio a qualquer moda, seja mainstream ou alternativo” (2014, p. 87), e é algo que ao menos e em termos gerais, os estudos acadêmicos sobre a paradiplomacia ou diplomacia federativa no Brasil têm tratado de desenvolver, e apesar de que se tem tratado conceitualizar de uma melhor maneira este fenômeno desde uma visão nacional se reconhece que ainda não foi possível5. Aqui os estudos de Vigevani assim como a publicação gerada com seus colegas da (PUC/ UNESP/UFSC), em 2004 A dimensão subnacional e as relações internacionais é a primeira grande aproximação à visão brasileira do problema paradiplomático desde uma visão comparada junto com grandes especialistas do tema a nível mundial6. E ainda que este e outros textos da época, identificam estudos normativos centrados no aspecto jurídico-legal sobre a capacidade institucional que pos-

1 Sobre o modelo de cidade, recomenda-se a Fernanda Sánchez e Rosa Moura em “Ciudades-modelo: estrategias convergentes para su difusión internacional” Eure, 2005 [em espanhol: https://scielo. conicyt.cl/scielo.php?pid=S0250-71612005009300002&script=sci_arttext&tlng=e ] ou em português “Cidades-modelo: espelhos de virtude ou reprodução do mesmo” Cadernos IPPUR, 1999 [https://revistas. ufrj.br/index.php/ippur/issue/viewIssue/277/86]. 2 Também conhecido como o “metro sobre rodas” sobre este tipo de transporte recomenda-se: https://www.lincolninst.edu/publications/articles/sistemas-transporte-publico-masivo-tipo-brt-bus-rapid-transit-desarrollo 3 A cidade em 2014 obteve o “Premio internacional CGLU – Ciudad de MÉXICO – Cultura 21”. Para mais detalhes recomenda-se: http://www.agenda21culture.net/es/nuestras-ciudades/belo-horizonte 4 La cidade abrigou neste espaço de tempo, os Jogos Panamericanos de 2007, Río+20 em 2012, Jornada Mundial da Juventude em 2013, sede da Copa do Mundo de Futebol 2014, festejo de seus 450 anos de fundação em 2015, Jogos Olímpicos de 2016, além de ser uma das principais Sedes do Carnaval do Brasil. 5 Sobre a discussão recomenda-se: Figueiredo, Débora (2018). A atuação internacional dos governos subnacionais: construções conceituais, limites e contribuições para o caso brasileiro. Carta Internacional, 13 (3), 137-168. https://www.cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/846/397 6 Marcelo Passini, Maria Inês Barreto, Marcelo de A. Medeiros, Tatiana Lacerda Prazeres, Gilberto Rodrigues, Michael Keating, Brian Hocking, Caterina García Segura, Noé Cornago, Miryam Colacrai,

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Nota do Editor

suem os entes territoriais para realizar ação exterior, assim como um número considerável de análise e estudos de casos, independentemente disso, outros dois textos referentes de autores brasileiros são: 1) Paradiplomacia e Entes Não Centrais no Cenário Internacional de Álvaro Chagas Castelo Branco em 2008, y Paradiplomacy: Cities and States as Global Players de Rodrigo Tavares em 2016. Desde a perspectiva do desenvolvimento territorial, a visão de Carlos Roberto Sanchez Milani (Compreendendo a complexidade socioespacial contemporânea: o território como categoria de diálogo interdisciplinar, 2009 com Maria Teresa Franco Ribeiro), e que em conjunto com Maria Clotilde Meirelles Ribeiro conceituam a Gestão Internacional Local. Por outro lado, Joana Setzer, Fernando Rei, Elói Martins Senhoras são autores que revisam a Paradiplomacia do Meio Ambiente. Desde a perspectiva da integração regional e cooperação transfronteiriça os textos de Henrique Sartori de Almeida Prado (A Cooperação Descentralizada e a Política para a Fronteira no Brasil, 2019 | Fronteiras e Relações Internacionais, 2015) assim como os estudos de Marcelo de Almeida Medeiros, Joseli Fiorin Gomes, Suellen Mayara Péres de Oliveira, Gustavo Oliveira Vieira, Liliana Ramalho Fróio merecem destaque. Sobre a importância da cidade no meio internacional se identificam os estudos de Vanessa Marx (Las ciudades internacionales: Las ciudades como actores políticos en las relaciones internacionales, 2010); Maria Clotilde Meirelles Ribeiro (Globalização e novos atores: a paradiplomacia das cidades brasileiras, 2011); Armando Gallo Yahn Filho (Relações Internacionais e atores subnacionais, 2013); André Aprigio (Paradiplomacia E Interdependência: As Cidades Como Atores Internacionais, 2016) assim como as publicações de Leonardo Mercher y Mónica Salomón González que abordam a influência das cidades através de suas associações, redes e alianças como promotoras de

governança global. Igualmente reconhecido os estudos de Gilberto Marcos Antônio Rodrigues sobre seus significados de Política Externa Federativa e a Política Externa de Cidades. Neste número sete da Trabajos de Investigación en Paradiplomacia (TIP) dedicado à Paradiplomacia no Brasil se observa o que previu Vigevani há quinze anos, “ainda que o debate não tenha ganho grande intensidade, existem indícios de que a questão tenha maior importância no futuro” (2004, p. 27-28), assim no ano de 2021, os artigos que foram recebidos provêm de jovens pesquisadores brasileiros que foram formados e são seguidores de muitos dos autores que foram resenhados anteriormente, e ainda que originalmente se esperavam mais artigos, a seleção respeitou os critérios editoriais da revista, assim ao longo da revista se apresentarão doze artigos que resenham casos sui generis, associações municipais e estatais que têm promovido a ação exterior assim como a revisão da permissividade e institucionalidade da federação brasileira frente ao fenômeno paradiplomático: 1. A paradiplomacia não institucionalizada no Brasil. Uma comparação com a África do Sul escrito por Naiane Inez Cossul, Kiara Costa e Gyordanno Sortica Farias. Onde se discute o contexto paradiplomático das unidades subnacionais brasileiras e sul africanas, abordando o tema das dificuldades ou oportunidades das entidades federativas devido à não institucionalização deste fenómeno, o que não tem impedido que estas se internacionalizem. 2. A institucionalização da paradiplomacia financeira nas entidades subnacionais: o caso do Rio Grande do Sul escrito por Matheus da Silva Junges. Analisa-se os efeitos da institucionalização no emprego da paradiplomacia financeira como uma ferramenta da gestão pública subnacional durante os períodos 19871990, 2007-2010 e 2011-2014 através do estudo de caso do governo do Rio Grande do Sul.

Graciela Zubelzú, Saskia Sassen, María del Huerto, entre otros.

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Nota do Editor

3. As relações internacionais no estado de Santa Catarina escrito por Alice Helena Heil de Borba. Principalmente analisou-se a paradiplomacia desenvolvida pelo estado de Santa Catarina (2003 a 2017) coordenadas pela Secretaria Executiva de Assuntos Internacionais (SAI). Como resultado, a agenda paradiplomática do estado deu como resultado o novo conceito denominado Estratégias Inside Out, que se destaca do enfoque teórico tradicional da paradiplomacia. 4. A evolução da paradiplomacia no estado da Bahia e sua relevância no enfrentamento da pandemia do COVID-19 escrito por Silvia Barros de Santana Corrêa. Ainda que não se trate de algo novo na história do país, em meio a uma das maiores crises sanitárias, econômicas e sociais que vive o mundo, provocada pela pandemia do Covid-19, as unidades subnacionais têm sido protagonistas na luta contra o coronavírus. Com este objetivo será analisado o caso do estado da Bahia e sua atuação durante a referida crise. 5. Internacionalização descentralizada como caminho para o desenvolvimento: perspectivas e ações do consórcio nordeste escrito por Guilherme de Lima Souza. Que aponta a ação exterior do Consórcio Interestatal para o Desenvolvimento Sustentável do Nordeste desde uma perspectiva histórica a partir dos anos setenta até hoje com suas práticas observadas em seu primeiro ano de atuação e as implicações da pandemia do COVID – 19. 6. As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27 escrito por Ana Carolina Medeiros Simões de Abreu. As entidades subnacionais brasileiras aproveitam a oportunidade sem precedentes de protagonismo no desenvolvimento de agendas internacionais de sustentabilidade. Diante deste cenário, da literatura sobre o fenômeno da paradiplomacia no Brasil e a governança climática multinível, o artigo analisa o caso do Foro de Secretários do Meio Ambiente das Capitais Brasileiras (CB27) como catalizador para o desdobramento da principal agenda climática da atualidade como o Acordo de Paris.

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7. A dimensão intramunicipal da paradiplomacia brasileira: análise do Foro Nacional de Secretários e Gerentes Municipais de Relações Internacionais (FONARI) escrito por Karina Pietro Biasi Ruiz e Luciana Leite Lima. Demonstra-se se como o FONARI, entre 2005 e 2020, atua sendo um ator paradiplomático para fortalecer as políticas existentes dos territórios, assim como construir capacidades estatais a nível municipal. 8. Os direitos humanos nas cidades e a cooperação internacional através das redes: o caso da rede de Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) e a cidade de São Paulo (20132016) escrito por Kelly Komatsu Agopyan. Examina se a cooperação internacional descentralizada através das redes de cidades impacta as políticas públicas locais de direitos humanos. Através do estudo de caso entre CGLU e a Prefeitura de São Paulo (PMSP) durante o período 2013-2016. 9. A congruência nos processos para a internacionalização de Belo Horizonte (20052020) através do Interesse Local-Internacional escrito por Ramon Cristiano Bonifácio e Daniel Villarruel Reynoso. Identificam-se os processos internos a nível territorial que têm permitido identificar a Belo Horizonte como um caso exitoso em quanto a sua internacionalização. Para alcançar este objetivo, propõe-se a aplicação do Interesse Local-Internacional (ILI). 10. Paradiplomacia e cidades inteligentes, duas caras de uma mesma moeda: planejamento, desenvolvimento e internacionalização das cidades escrito por Sara Moreno Cyrino Carvalho e Aline Ananda Marques Dantas. Apresenta-se a relação entre a paradiplomacia e as cidades inteligentes mediante exemplos de como as relaciones internacionais e a paradiplomacia veem-se envolvidas na implementação das cidades inteligentes para atender aos objetivos locais de desenvolvimento e bem-estar. 11. Paradiplomacia - fragilidade alternativa do federalismo brasileiro em tempos de luta contra a pandemia COVID-19 escrito por Chyara Sales Pereira e Luiza Farnese Lana Sara-


Nota do Editor

yed-Din. Hoje as cidades utilizam seus próprios recursos para se lançar ao cenário internacional. No entanto, suas estratégias de inserção não podem ir além das atribuições e limites da política exterior, que são exclusivos da soberania do Estado Nacional. Assim, procura-se compreender o papel das unidades subnacionais na implementação de políticas de contingência para a pandemia COVID-19 o que demonstra certa debilidade do federalismo brasileiro. 12. Gestão pública da paradiplomacia municipal na nova república brasileira escrito por Victor Ferreira de Almeida. Proporciona uma análise da qualificação dos esforços da gestão pública para as relações paradiplomáticas pelos municípios brasileiros no período da Nova República. Onde se observa que esta gestão da inserção internacional dos municípios brasileiros se caracteriza pelo exercício de atividades públicas sem a estrutura ou planificação necessária, ainda que isso não tenha impedido casos de êxito.

• Programa de Cooperação Descentralizada Horizontal da Comissão Europeia é destinado às cidades e regiões da União Europeia e América Latina - Programa URBAL • Programa Internacional de Cooperação Urbana para América Latina e Caribe - Programa IUC-LAC Assim como no número anterior, declarou-se que o estudo da paradiplomacia e a prática da internacionalização territorial tem se consolidado com o passar dos anos, e é o momento que chegue a se converter em uma subdisciplina das Relaciones Internacionais, porque objeto de estudo já é, além disso é uma área laboral acessível aos futuros internacionalistas dos países na América Latina, algo que a converte em uma das áreas com maior projeção desta disciplina. Convido, portanto, aos leitores da TIP, a que conheçam um pouco mais sobre a Paradiplomacia no Brasil.

Junto a estes artigos se incluem as fichas técnicas de atores-chave que têm promovido e consolidado a paradiplomacia, a ação exterior, a internacionalização territorial e a diplomacia federativa do Brasil • Subchefia de Assuntos Federativos Governo Federal – SAF • Agência Brasileira de Cooperação - ABC • Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais FONARI • Confederação Nacional de Municípios CNM • Associação Brasileira de Municípios - ABM • Frente Nacional de Prefeitos – FNP • Estado de São Paulo • Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro • Prefeitura da Cidade de Belo Horizonte • Governos Locais pela Sustentabilidade – ICLEI • Mercocidades • Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos - ONU-Habitat

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Nota do Editor

Referências Rodrigues, G. (2019). Challenges to Local-Global Relations in Federal Countries. Federal Governance, 15(02): 41-44. https://federalgovernance.ca/index.php/fedgov/article/view/13552 Salomón, M. (2013). Centro, Periferia y la recepción de la Teoría de las Relaciones Internacionales en Brasil. Relaciones Internacionales, (24): 77-88. https://revistas.uam.es/relacionesinternacionales/article/view/5192 Vigevani, T. (2004). El marco jurídico e institucional para la gestión internacional de los actores subnacionales gubernamentales en Brasil. Integración & Comercio, (21): 27-46.

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Esta e todas as obras de arte que ilustram esta revista são da artista Charlotte Borges a cuja generosidade devemos a arte para esta edição da Revista TIP.

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A paradiplomacia não institucionalizada no Brasil...

A PARADIPLOMACIA NÃO INSTITUCIONALIZADA NO BRASIL. UMA COMPARAÇÃO COM A ÁFRICA DO SUL Naiane Inez Cossul / Kiara Costa / Gyordanno Sortica Farias

Abstract The main objective of this article is to compare paradiplomacy in Brazil and South Africa, seeking to analyze the lack of a legal framework and the non-institutionalization of paradiplomatic actions carried out by subnational units. Thus, it is discussed about the paradiplomatic context of the Brazilian subnational units, addressing the issue of the difficulties of federal entities due to the non-institutionalized regime. Finally, Brazil’s paradiplomacy is compared with South Africa, since it is also a country that does not have a legal framework established for such international activity, resembling the Brazilian case. Key-words: Paradiplomacy; Brazil; South Africa; Subnational units; Legal statement.

@chaarlotteborges

Resumen El objetivo principal de este artículo es comparar la paradiplomacia en Brasil y Sudáfrica, tratando de analizar la falta de un marco jurídico y la no institucionalización de las acciones paradiplomáticas llevadas a cabo por unidades subnacionales. Por lo tanto, se discute sobre el contexto paradiplomático de las unidades subnacionales brasileñas, abordando el tema de las dificultades de las entidades federativas debido al régimen no institucionalizado. Por último, la paradiplomacia de Brasil se compara con Sudáfrica, ya que también es un país que no tiene un marco legal establecido para esa actividad internacional, similar al caso brasileño. Palabras clave: Paradiplomacia; Brasil; Sudáfrica; Unidades Subnacionales; Marco legal.

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A PARADIPLOMACIA NÃO INSTITUCIONALIZADA NO BRASIL. UMA COMPARAÇÃO COM A ÁFRICA DO SUL Naiane Inez Cossul / Kiara Costa / Gyordanno Sortica Farias

Resumo O presente artigo possui como objetivo principal comparar a paradiplomacia no Brasil e na África do Sul, buscando analisar a falta de um marco jurídico e a não institucionalização das ações paradiplomáticas realizadas pelas unidades subnacionais. Assim, se discute sobre o contexto paradiplomático das unidades subnacionais brasileiras, abordando a questão das dificuldades dos entes federados devido ao regime não institucionalizado. Por fim, compara-se a paradiplomacia do Brasil com a África do Sul, visto que também é um país o qual não possui um marco jurídico estabelecido para tal atividade internacional, assemelhando-se ao caso brasileiro. Palavras-chave: Paradiplomacia; Brasil; África do Sul; Unidades subnacionais; Marco jurídico.

INTRODUÇÃO

A

paradiplomacia pode ser definida como um conjunto de ações e atividades de entes locais no cenário global, como o estabelecimento de escritórios em cidades no exterior, presença em redes globais, vínculos com cidades irmãs e participação em feiras internacionais. Desde o avanço da paradiplomacia na Europa e na América do Norte nos anos 1970, abriu-se espaço a inúmeros debates em nível interestatal sobre a institucionalização do exercício paradiplomático de unidades subnacionais em todo o mundo. No caso do Brasil, a Constituição de 1988 não ofereceu vantagens para que as unidades subnacionais pudessem se desenvolver abertamente no âmbito internacional. Entretanto, mesmo sem a existência de um modelo institucionalizado de atuação no exterior, a paradiplomacia não é de fato proibida no país, fazendo com que várias cidades e estados, através de algumas margens na legislação, se estabeleçam internacionalmente com cada vez mais frequência.

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A falta da institucionalização de um marco jurídico para a paradiplomacia pode dificultar a coordenação das ações externas de cidades e estados com o executivo federal. Contudo, como mencionado, as unidades subnacionais utilizam-se de pequenas aberturas na lei brasileira para conseguirem acesso ao exterior com o propósito de trazer maior desenvolvimento para seu território. Com base nisso, o artigo tem como objetivo comparar a paradiplomacia do Brasil e África do Sul, analisando a falta de um marco jurídico e a não institucionalização da paradiplomacia. Portanto, os questionamentos do artigo são: a paradiplomacia não institucionalizada cria problemas para as unidades subnacionais? Ou os entes brasileiros conseguem se manter no cenário internacional mesmo com a falta de um marco jurídico? E como isso funciona na África do Sul? Em um primeiro momento discute-se sobre a paradiplomacia dos governos subnacionais brasileiros em seu contexto histórico, a partir dos conceitos teóricos da área de estudo e a prática dos governos locais. Em seguida, se aborda as dificuldades que a ausência de um


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regime institucionalizado pode proporcionar aos entes locais no momento em que desejam se internacionalizar, pois, de certo modo, ainda dependem do Estado Nacional. Por fim, na última seção, compara-se o caso brasileiro com a África do Sul que, igualmente ao Brasil, não possui um marco jurídico institucionalizado para a atuação internacional das unidades, fazendo com que as cidades e províncias sul-africanas necessitem utilizar-se do auxílio de instrumentos paradiplomáticos para se inserirem na esfera internacional, além de seguir as restrições impostas pelo governo central. Ao final do artigo, discute-se a problemática da não institucionalização brasileira por meio das análises e discussões feitas durante a pesquisa. Desse modo, é analisado se realmente a ausência de um marco jurídico é um grande problema para as relações internacionais dos governos locais, ou o contorno da legislação se torna possível de ser realizado pelas cidades e estados ao se internacionalizarem, proporcionando também novos olhares estrangeiros tanto para o país como para os entes envolvidos.

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A PARADIPLOMACIA NO BRASIL

tribuíram para o aumento dos contatos com o exterior tanto em nível federal quanto em níveis estadual e municipal (Barbosa, 2014).

A partir da década de 1970, durante o período da Guerra Fria, a importância de outros atores, além dos Estados, no sistema internacional aumentou significativamente devido a crescente interdependência, caracterizada por efeitos recíprocos entre diferentes países ou instituições que podem se converter em uma relação de dependência mútua. Ademais, para os pensadores da escola institucionalista, como Keohane e Nye, através da interdependência complexa foi possível identificar que os atores não estatais têm ganhado um espaço cada vez mais importante na dinâmica internacional (SARFATI, 2005).

Devido a globalização, a política externa brasileira foi impactada pelo aumento das relações externas dos Estados federados. Por esta razão, os vínculos entre o governo federal e as unidades subnacionais passaram a adquirir maior diálogo, para que houvesse considerável harmonia nos variados níveis das relações externas. Ademais, é possível distinguir três fatores de relevante importância os quais contribuíram para o surgimento da diplomacia federativa no Brasil. Diante disso, se destacam a descentralização política, o processo de integração regional e a abertura e estabilidade econômica na década de 1990 (Barbosa, 2014). Assim, para compreender melhor a contextualização da paradiplomacia no Brasil, é necessário entender os principais elementos que auxiliaram a emergência e o desenvolvimento dessa atividade internacional no Estado brasileiro.

No mesmo cenário, surge também a paradiplomacia, que se define como a atuação das unidades subnacionais - estados e municípios - a nível internacional, aumentando a presença dos governos locais a nível global. A partir da década dos anos noventa do último século, devido as áreas de integração regional, os irmanamentos de cidades, as afiliações em redes globais e cooperação descentralizada, se criou condições para que as práticas paradiplomáticas fossem admitidas como políticas públicas (Oddoney e Pont, 2019). Assim, os entes subnacionais começaram a buscar uma maior inserção na dinâmica global com o propósito de desenvolver o seu território. Em uma Federação, como é no caso do Brasil, o equilíbrio entre o poder central e os Estados federados está ordenado pela Constituição. No entanto, podem surgir questões específicas as quais desafiam essa estabilidade, manifestando problemas e conflitos de interesses os quais, posteriormente, podem ser difíceis de solucionar. A atual Constituição indica que o desenvolvimento e execução da política externa do Brasil é responsabilidade exclusiva do governo federal. Além disso, o maior destaque externo do país e o crescimento econômico do país con-

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Assim como em outros países latino-americanos, por exemplo, México e Argentina, a primeira causa notável da paradiplomacia brasileira está diretamente relacionada com a descentralização política do país. Isso ocorreu devido a redemocratização ao final do regime militar e a criação de uma nova Constituição no ano de 1988, que cedeu certas autonomias para as unidades federativas. Outro ponto de grande importância foi o processo de integração regional. Em 1991, a formação do Mercosul ocasionou em maior contato entre as cidades fronteiriças dos Estados pertencentes ao bloco econômico latino-americano. Por fim, a abertura e a estabilidade econômica, iniciada na década de 1990, também pode ser considerada como um fator que colaborou para aumento das ações paradiplomáticas, uma vez que o Estado brasileiro passou a ter um maior contato com o exterior. Vale ressaltar que ainda antes da adoção da Constituição de 1988, em um período de Re-


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gime Militar, os entes federativos brasileiros já tinham entrado na prática de relações internacionais. Em 1983, o Estado do Rio de Janeiro, pelo comando de Leonel Brizola, se tornou a primeira entidade federada a conter sua própria secretaria especializada em Relações Internacionais. Ademais, quatro anos depois, o governo do Rio Grande do Sul estabeleceu em sua região uma secretaria Especial de Assuntos Internacionais. Desse modo, os dois eventos podem ser vistos como um ponto de inflexão na Federação Brasileira, pois a agenda internacional começou a ser mais bem utilizada pelas unidades subnacionais e, paralelamente, deixou de ser um tema exclusivo do governo federal (NUNES, 2005, apud Mallmann e Clemente, 2016).

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dos anos noventa, durante a gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi criada, em 1997, a Assessoria de Relações Federativas (ARF), que estava relacionada diretamente ao gabinete do ministro (RODRIGUES, 2011). Assim, possuía como objetivo auxiliar os governos dos estados e municípios a alcançar iniciativas externas, além de acordos com estrangeiros, instituições internacionais e organização não-governamentais (Tavares, 2014). À vista disso, em 1997, o Itamaraty começou a estabelecer escritórios regionais com o propósito de trabalhar com os Estados federados de maneira mais próxima e coordenada para a realização de objetivos externos. Por esta

É possível observar que, apesar de terem existido atos paradiplomáticos antes da década de 90, foi em tal época que a paradiplomacia brasileira cresceu significativamente. Nesse cenário, criou-se o Programa da União Europeia Urb-Al (1995-2012), que tinha como intuito dar suporte a cooperação entre os governos municipais da União Europeia para com os da América Latina através da formação de redes temáticas vinculadas a políticas urbanas específicas, como saneamento básico ou financiamento local. Além disso, em 1995, a partir da iniciativa dos governos subnacionais, foi estabelecido a rede de Mercocidades, que envolveu os países pertencentes ao Mercosul e seus associados. Assim, formou-se mais um grande marco no contexto paradiplomático brasileiro (SALOMÓN, 2017). De certo modo, apesar dos fatores apresentados terem sido de grande contribuição para que a paradiplomacia fosse mais bem inserida no Brasil, houve uma forte ausência de tradição e um déficit de canais e instrumentos de relações intergovernamentais. Ademais, tendo em vista a necessidade do Ministério das Relações Exteriores (MRE) em acompanhar a crescente movimentação de governadores e prefeitos na esfera internacional durante a década

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razão, o Ministério das Relações Exteriores deu origem a uma repartição administrativa interna com o propósito de promover eficientes diálogos sobre assuntos internacionais com os demais entes da federação (FIGUEIRA, 2011). Para facilitar o estabelecimento dos debates e interlocuções com as unidades subnacionais, o Itamaraty contava com escritórios de representação localizados em certas regiões notáveis do país. Assim, atualmente, o MRE está representado nos seguintes estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná, Amazonas e Pernambuco. Segundo explica Tavares (2014), a ARF apenas conseguiu exercer um espaço político nos moldes do Itamaraty. Em outros termos, as iniciativas criadas pelo Governo de Cardoso, visando estabelecer diálogos entre as unidades subnacionais e o Ministério das Relações Exteriores, não desenvolveram meios eficazes de interlocução entre os agentes. Por esta razão, existiu também certas dificuldades e coordenação das atividades e ações dos entes locais em assuntos voltados ao exterior (FIGUEIRA, 2011). Além disso, em 2003, a ARF se fundiu com outra assessoria, tornando-se Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA). Durante o primeiro ano do governo do presidente Lula (2003-2010), foi criado o Comitê de Articulação Federativa (CAF) que possuía o propósito de debater e tratar assuntos de competência comum entre a União e os municípios. Nesse momento, se pode notar que com o Partido dos Trabalhadores (PT), afiliado ao presidente Lula, as regiões Norte e Nordeste apresentaram um grande crescimento nas atividades paradiplomáticas, aumentando também suas estruturas (SALOMÓN, 2011). Decidiu-se também criar a Subchefia de Assuntos Federativos (SAF), um novo órgão que estaria vinculado à presidência possuindo como objetivo principal a promoção e incentivo de ações e atividades paradiplomáticas

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das unidades locais (FIGUEIRA, 2011). Ademais, foi instalada a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI). Dessa maneira, os novos organismos tiveram forte influência para uma gama mais diversa de entidades que buscaram dinamizar as relações com unidades subnacionais e alavancar a paradiplomacia no Brasil. A Constituição de 1988 não proferiu oportunidade para que governos subnacionais desenvolvessem relações internacionais, visto que a elaboração e execução da política externa é atribuição exclusiva do governo federal. Entretanto, algumas cidades e estados brasileiros acabaram por exercer a paradiplomacia com crescente frequência. De acordo com Figueira (2011), isso pode ser observado quando considerado o aumento do número de secretarias de relações internacionais criadas no ambiente estadual e municipal. Ademais, os governos de unidades subnacionais atuam também em relações bilaterais através de acordos de geminação (cidades-irmãs), além de participarem, em formato multilateral, de redes internacionais. Uma das formas que as unidades subnacionais brasileiras encontram para realizar a paradiplomacia é o fato de que a Constituição Federal confere aos entes locais amplas competências em questões ligadas a low politics (baixa política). Ou seja, a principal lei do Brasil concede ampla autonomia em temas ligados à saúde, educação, meio ambiente, combate à pobreza, patrimônios históricos e culturais, entre outros. Por esta razão, as unidades subnacionais estão sujeitas a se esquivarem do que está enunciado na Constituição para aplicar esses assuntos no cenário internacional. Dessa maneira, então, os estados e municípios não entrariam em conflito direto com as competências do Estado. Nesse contexto, gerou-se um consenso em torno da premissa de que a lei brasileira não proíbe a atuação dos entes subnacionais no


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cenário estrangeiro, visto que as restrições jurídicas se confinam apenas à prática de alguns atos específicos, como a assinatura de tratados internacionais. Dessa maneira, se torna aceitável que as unidades federadas atuem no exterior, contanto que se dirijam aos temas relacionados especificamente com suas competências constitucionais (Tavares, 2014). O cenário do legislativo nacional pode ser considerado seguro quando se conclui que as unidades subnacionais brasileiras possuem amplas competências desenvolvidas em nível internacional. No entanto, é preciso que os entes locais se limitem as questões relacionadas aos assuntos da baixa política ou necessitem da autorização do Senado Federal para operações financeiras externas (Farias y Rei, 2016). Assim, o Executivo federal detém certa garantia de que seus interesses não serão confrontados pelos governos subnacionais.

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disputa entre os próprios entes locais que, de certo modo, são capazes de dividir os mesmos interesses e dificuldades. Diante disso, como exemplo, os Estados do Rio Grande do Sul e da Bahia já realizaram uma “guerra de subsídios”, que tinha como objetivo atrair empresas automobilísticas para região. Ademais, algo semelhante ocorreu entre os Estados de São Paulo e de Minas Gerais que buscavam grandes investimentos de capital oriundo da China (Vigevani e Prado, 2010).

AS DIFICULDADES DAS UNIDADES SUBNACIONAIS

Assim, em certos casos, as unidades locais conflituam entre si. Uma disputa que, com um marco jurídico paradiplomático, não seria necessária, pois as ações e atitudes dos governos estariam estabelecidas para a tomada de decisões na atuação externa. Desse modo, cabe aos entes subnacionais agirem de maneira informal para alcançarem seus objetivos. Entretanto, é necessário que não conflituem diretamente com a política externa brasileira nem sejam contrários dos próprios interesses e negócios do país, algo que hoje em dia é bastante enfatizado pelo Estado Federal e o governo atual.

Quando o Estado Federal necessita tomar uma determinada ação, só depende a ele manejar tal situação, não obtendo nenhum atraso de maneira geral. No entanto, quando uma unidade subnacional resolve executar alguma medida, perante a esfera internacional, depende do Estado para que as ações possam de fato seguir em frente. Desse modo, é possível discutir e questionar o quão problemático pode se tornar a falta de um marco jurídico institucionalizado para a paradiplomacia, o qual, muito possivelmente, facilitaria governos de entes federados.

Como consequência da baixa institucionalidade entre as unidades e a União, ocorre a ausência de uma agenda comum de relações internacionais entre os entes subnacionais em cooperação com o governo federal. Além disso, também se aponta duas esferas problemáticas, que seriam as causadoras dessa não institucionalização paradiplomática: em um plano doméstico em que a participação de ambos os agentes é ordenada pela legislação nacional e no âmbito internacional pela falta de reconhecimento da personalidade jurídica dos governos não-centrais (Vigevani e Prado, 2010).

No campo internacional, as unidades subnacionais brasileiras buscam medidas que atraiam investimentos estrangeiros para seu território de uma forma que não seja necessário depender totalmente do governo federal. Entretanto, esses métodos, que visam certa facilidade, podem ocasionar em uma

A partir dessa situação, é possível relatar questões prós e contras sobre a existência de um marco jurídico institucionalizado referente a atuação internacional dos entes subnacionais brasileiros. Como sugere Rodrigues (2011), a inexistência da institucionalização paradiplomática pode ser uma causa geradora de in-

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segurança, além de impedir, principalmente os municípios, ações mínimas ou uma maior transparência para a realização da Cooperação Internacional Descentralizada, que poderiam ser inteiramente equilibradas pelo sistema. Em contrapartida, as iniciativas políticas relacionadas ao âmbito das relações exteriores razoavelmente previnem questões conflituosas e impasses sobre as competências dos governos subnacionais. Assim sendo, com base na experiência atual da atuação do Ministério das Relações Exteriores e da SAF, o problema é relativamente solucionado, possuindo também um campo extenso para aprimorar novos resultados ainda a serem explorados (RODRIGUES, 2011). Em senso comum, a União é o único ator possível para tratar de assuntos e deveres da high politics (alta política), isto é, questões ligadas a paz e segurança, englobando as alianças militares e a diplomacia em Organizações Internacionais, como as Nações Unidas. Enquanto isso, as unidades subnacionais, por meio de aberturas na Constituição, apenas possuem opiniões e feitos válidos em discussões sobre a low politics (baixa política), que estão direcionadas a temas como meio ambiente, turismo, aspectos de cunho social e cultural, entre outros.

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mesmo que se leve em consideração alguns pontos de liberdade na atuação internacional dessas unidades (como nas competências da baixa política), são dependentes da aceitação do governo central e de sua forte presença para que ocorra a celebração dos acordos. Com a globalização, um fenômeno que aproximou sociedades e nações ao redor do mundo, houve uma maior conectividade entre estados e municípios estrangeiros, que puderam se relacionar de diversos modos e apresentar características em comum. Diante disso, com o crescimento dos atores não-estatais (incluindo as unidades subnacionais), os Estados adquiriram o receio de perder sua grande importância no cenário internacional. Assim, pode ser que alguns países enxerguem em sua legislação a oportunidade de inibir certos feitos de política externa que não estão relacionadas diretamente com o governo central. A não liberação para que os estados regionais e cidades brasileiras atuem de maneira independente, serve como forma de manter o controle do governo federal de seus negócios. Entretanto, é inegável a necessidade de uma maior liberdade para atuação dos entes locais, não sendo somente usados para fins de interesse nacional.

Em 1997, uma outra solução adquira pelo executivo federal foi a criação da “Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares” vinculada ao Ministério das Relações Exteriores. O novo órgão governamental consistia em deter secretarias nas principais regiões do país, que facilitariam a troca de informações entre o Estado e os entes subnacionais (FIGUIRA, 2011). Dessa forma, os governos locais poderiam representar seus interesses e debates com maior liberdade, porém, mais do que isso, os próprios interesses do Estado Nacional.

Quando situações extremas atingem o país, as unidades brasileiras atuam da melhor forma possível para tentar conter algo que afete totalmente seu território. Essa questão fica visível quando se observa as iniciativas tomadas por cidades e estados com relação à Pandemia COVID-19. Devido à falta de auxílio do governo federal, e as oposições do Presidente Jair Bolsonaro, muitos entes locais recorreram as ações paradiplomáticas para conseguirem amparo de outros Estados com equipamentos médicos (principalmente respiradores).

Mesmo existindo soluções apresentadas pelo governo federal, ainda se torna difícil para os entes subnacionais realizarem sua política externa de forma mais concreta. Isso ocorre pois

Como exemplo, o Estado do Maranhão precisou criar rotas alternativas para comprar aparelhos e utensílios medicinais. Após algumas tentativas falhas, como o confisco de equi-

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pamentos pelos Estados Unidos e do próprio Governo Federal brasileiro, o Maranhão conseguiu trazer as mercadorias pela Etiópia, evitando a retenção nacional. A Receita Federal, no entanto, classificou as operações do governo subnacional como ilegais, visto que foram realizadas sem a sua autorização e prévio licenciamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entretanto, os aparelhos não foram confiscados para que a população não fosse prejudicada (Alvarenga et al., 2020). Diante disso, percebe-se que, dependendo da circunstância, pode ser que medidas consideradas ilegais pelo Estado se formulem a partir de ações paradiplomáticas. Assim, com o estabelecimento de um marco jurídico, é possível que haja menos conflito entre ambos os agentes.

PARADIPLOMACIA SUL-AFRICANA E COMPARAÇÃO COM BRASIL Para compreender melhor como ocorre a funcionalidade paradiplomática restringida ao marco jurídico não institucionalizado, resolve-se comparar o caso brasileiro com a África do Sul, considerando que ambos Estados pertencem aos BRICS, são potências regionais e podem se destacar entre os países emergentes. Portanto, primeiramente, é necessário uma explicação precisa do sistema paradiplomático sul-africano. Após o regime Apartheid, se estabeleceu uma nova Constituição da África do Sul, promulgada em novembro de 1996 pelo presidente Nelson Mandela e que entrou em vigor no ano seguinte. A atual lei maior sul-africana dispôs em estabelecer bases legais para a existência de uma república, definir a estrutura de governo e fornecer direitos para a população. Além disso, serviu também para descentralizar o poder e dividir o país em nove províncias:

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Cabo oriental, Estado livre, Gauteng, KwaZulu-Natal, Limpopo, Mpumalanga, Noroeste, Northern Cape e Western Cape. No mesmo período, a África do Sul cresceu com sua política externa, contribuindo para o desenvolvimento das relações internacionais do país, além de incluir a Cooperação Internacional Descentralizada. No entanto, a Constituição Sul-Africana procurou não abrir espaços para as competências internacionais de suas unidades subnacionais, o que tornou o Estado um regime de paradiplomacia não-institucionalizado (RODRIGUES, 2011). Também criado pela atual Constituição sul-africana, o Conselho Nacional de Províncias (CNP), órgão da segunda câmara do Parlamento, possui a finalidade de representar os governos provinciais. Segundo Rodrigues (2011), o CNP detém a responsabilidade de aprovar alguns tipos de tratados que não sejam de característica “administrativa, executiva ou de matéria técnica”. Desse modo, as províncias acabam ficando de fora das negociações de tratados que poderiam apresentar interesses aos seus governos, descaracterizando o mecanismo de cooperação federativa da CID e dificultando sua efetividade. O papel do Conselho Nacional de Províncias em ratificar acordos internacionais é considerado insuficiente, visto que, como já citado, as províncias são excluídas das conversações e conclusões dos tratados. Isso ocorre pois ao longo dos anos a política externa da África do Sul vêm sendo monopolizada pelo Poder Executivo, o que limitou as atribuições tanto do CNP quanto da própria Assembleia Nacional, deixando-as apenas com a supervisão da implementação de políticas que são decididas pelo governo nacional (NGANJE, 2013). À vista disso, o governo central e as províncias sul-africanas trabalham em conjunto em áreas como saúde, educação, comércio, entre outros. Entretanto, quando essas questões são

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internacionalizadas, muito dificilmente os departamentos executivos nacionais irão consultar as províncias para a tomada de decisões. Ademais, também é importante ressaltar que os temas ambientais são uma exceção, uma vez que algumas províncias são capazes de abordar essa questão internacional melhor do que o próprio governo central (NGANJE, 2013). Como aponta Nolubabalo Magam (2018), a Constituição Sul-Africana não impede que as províncias participem nas relações internacionais, realizando a paradiplomacia. No entanto, para que se realizarem atividades paradiplomáticas, é necessário que os interesses dos governos provinciais estejam sempre em sintonia com os do Estado. Portanto, para compreender melhor o funcionamento da paradiplomacia sul-africana, é preciso entender as ferramentas/instrumentos as quais auxiliam no seu desenvolvimento. Esses mecanismos foram apresentados por Fritz Ikome Nganje (2013) em sua tese “Paradiplomacy: A comparative Analysis of the International Relations of South Africa’s Gauteng, North West and Western Cape Provinces”. Gauteng, North West and Western Cape Provinces”. 1. O primeiro instrumento que o autor propõe são as assinaturas de Acordos de Cooperação Internacional, que é fundamental para o desenvolvimento internacional das províncias sul-africanas. Entretanto, devido a sua prorrogativa limitada de relações exteriores, as unidades subnacionais da África do Sul não se qualificam como subordinadas da lei internacional. Por esta razão, estão sujeitas apenas as assinaturas de acordos não vinculados, os quais geralmente são utilizados pelas províncias para expressar um compromisso de longo prazo com uma parceria estrangeira estratégia. Ademais, embora não possuam obrigações legais, os acordos de cooperação assinados pelas províncias permitem que elevem suas relações

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com parceiros externos (NGANJE, 2013). 2. O segundo mecanismo apresentado são as visitas e viagens para o exterior. Na paradiplomacia da África do Sul, as visitas oficiais são classificadas como entrada ou saída, dependendo se uma província está recebendo uma delegação estrangeira ou está enviando para o exterior uma delegação própria. Na visão do autor, as visitas internas muitas vezes são esquecidas nas análises sobre a paradiplomacia sul-africana. Diante disso, é destacado que as visitas internas proporcionam as províncias a oportunidade de comércio, além da exploração de potenciais parcerias e o fortalecimento das cooperações já existentes (NGANJE, 2013). 3. A próxima ferramenta se refere a participação dos governos subnacionais nas relações exteriores através dos compromissos multilaterais, filiando-se às Organizações e Redes Transnacionais. Neste caso, os governos provinciais agiriam em colaboração com as organizações e instituições visando o compartilhamento cultural e educacional, além de defender os interesses nacionais e de suas províncias. Enquanto nas redes internacionais, cuja adesão seja exclusiva para governos subnacionais, as províncias se permitem a ampliarem suas relações, debaterem questões políticas e desfrutarem da cooperação internacional (NGANJE, 2013). 4. Outro mecanismo de essencial importância para a existência da paradiplomacia na África do Sul é a cooperação entre Estado e província. No caso sul-africano, essa colaboração ocorre raramente pelo desejo de acessar a política externa, mas sim alcançar recursos tecnológicos que acarretem benefícios para as regiões. O governo nacional é quem excuta os acordos obrigatórios e de maior importância, enquanto os subnacionais apenas efetuam a tomada de ad hoc (acordos temporários). Além disso, a maioria dos casos de paradiplomacia são visando tratados econômicos que buscam realizar os desejos tanto do Estado quando da província,


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incluindo viagens a negócios em que o governo subnacional envia um de seus representantes assim como o governo central (NGANJE, 2013). 5. A quinta base apresentada é o intercâmbio com outras comunidades africanas. Nesse caso, o autor afirma a existência de uma paradiplomacia indireta, uma vez que não é necessário o contato direto com o mundo exterior. A paradiplomacia é levada como uma espécie de intercâmbio, onde os emissários de governos ou organizações estrangeiras residem e operam nas províncias sul-africanas. Desse modo, essa ferramenta paradiplomática serve como um importante suporte para fortalecer as relações das províncias com seus parceiros no exterior (NGANJE, 2013).

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Em outras palavras, a paradiplomacia também possui funcionalidade e é executada com frequência na África do Sul, porém existem várias restrições devido ao que o governo central impõe. Ademais, mesmo com a falta da institucionalização de um marco jurídico, as unidades subnacionais sul-africanas conseguem se estabelecer e se desenvolver no exterior buscando atingir maiores promoções de seus interesses provinciais e os negócios nacionais. O sistema de paradiplomacia da África do Sul e Brasil se assemelham no sentido de não pos-

6. Por fim, é indicado o marketing como instrumento para promoção dos interesses econômicos. Um dos principais pontos desse método é proporcionar imagem internacional as províncias com o propósito de atrair investimentos e turistas. Em grandes eventos internacionais, onde a África do Sul está presente, o país dispõe do uso de imagem das províncias principalmente daquelas que possuem grande poder econômico e turístico - com o objetivo de atrair investimentos (NGANJE, 2013). Assim como o Brasil, a África do Sul não apresenta um marco jurídico estabelecido para a paradiplomacia, somente diretrizes de governança federativa, definida como a participação dos entes federais no processo de políticas públicas. O governo central sul-africano controla algumas ações das unidades subnacionais, em especial quando estão relacionados ao recebimento de recursos do exterior. À vista disso, sugere-se também vantagens e desvantagens ao sistema. O ponto positivo seria a existência de algumas diretrizes, tanto do governo federal quanto de algumas províncias. Enquanto o negativo está relacionado a incerteza e a insegurança jurídica em relação a Cooperação Internacional Descentralizada (RODRIGUES, 2011).

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suírem um marco jurídico institucionalizado. É importante ressaltar que ambas as Constituições não oferecem margens legais para que as unidades subnacionais possam realizar relações internacionais. No entanto, não é proibido o exercício de ações e atividades paradiplomáticas. É necessário que os governos locais tomem medidas que possam os beneficiar internacionalmente, porém não confrontem de modo algum os interesses do Estado. Tanto no Brasil como na África do Sul, os entes subnacionais devem possuir representantes do executivo federal em seu território para que haja um melhor debate sobre os assuntos externos que são permitidos aos governos. Além disso, é necessário seguir as diretrizes e interesses do Estado, que utiliza da paradiplomacia das unidades locais para atingir certos objetivos no exterior e atrair mais investimentos para o território nacional.

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Também é possível verificar que os instrumentos usados na África do Sul são muito similares ao que ocorre no Brasil. Assim, destacam-se as relações com Organizações Transnacionais, a cooperação entre Estado e entes subnacionais e o marketing realizado em eventos no exterior. Ademais, observa-se as tentativas em ambos os países de aproximar cada vez mais seus entes federados das relações exteriores, fazendo com que sejam mais participativos e presentes nessas políticas e na busca por investimentos. Todavia, os recursos paradiplomáticos de ambos os países são limitados e a liberdade dos entes subnacionais está diretamente ligada aos interesses do Estado. Desse modo, o governo federal é aquele que possui a palavra final, permitindo ou não a realização da política externa das unidades. Portanto, para facilitar na compreensão, o quadro 1 compara os casos brasileiro e sul-africano.

BRASIL

ÁFRICA DO SUL

Marco Jurídico

Não-Institucionalizado

Não-Institucionalizado

Constituição

Concede amplas competências em áreas relacionadas a baixa política, como educação, saúde, cultura e meio ambiente.

Não oferece margens legais para o desenvolvimento da Paradiplomacia de unidades subnacionais.

Governo Central

Estabelecimento de escritórios de representação do Itamaraty em certas regiões notáveis do país: RJ, SP, RS, SC, MG, PR, AM, PB.

Permanência de representantes do executivo federal nos territórios subnacionais a fim de realizar maiores debates sobre assuntos externos que são permitidos aos governos locais.

Interesses do Estado

Para que não haja conflitos com o Ao realizarem a Paradiplomacia, as unidades interesse estatal, o Governo Central subnacionais brasileiras não devem confron- e as províncias devem trabalhar em tar os interesses do Estado Nacional. conjunto em áreas como saúde, educação e comércio.

Assinatura de Acordos de CoopeCriação de Secretarias de Relações Interna- ração Internacional; Visitas e viagens cionais nas principais cidades de cada re- ao exterior; Filiação às Organizações Instrumentos para- gião; Assinatura de convênios no exterior; e Redes Internacionais; Colaboração diplomáticos Admissão em Redes Globais; Promoção em com o governo nacional; Intercâmbio Feiras Internacionais de unidades subnacom comunidades estrangeiras na cionais; Marketing Internacional. África do Sul; Marketing de Destino Internacional.

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Fonte: elaborado pelos autores, 2021


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CONCLUSÃO Não se pode negar a complexidade do tema quando se é abordado a paradiplomacia e a falta de marco jurídico institucionalizado no Brasil e na África do Sul, que dificulta a atuação das unidades subnacionais no cenário internacional. Além disso, como se observou ao longo do artigo e da pesquisa realizada, existe uma dupla reposta para a questão de se realmente é necessário estabelecer um marco jurídico institucionalizado no país. Ao estudar a África do Sul e seu sistema paradiplomático, encontra-se algumas similaridades com a paradiplomacia brasileira. Assim, cabe destacar a terceirização de atividades e ações internacionais que são repassadas às unidades subnacionais, como as questões ambientais ou a busca por investimentos externos para o território em questão. Essa forma, mesmo sendo mínima, é uma via de inserção internacional que poderia ser melhor aprimorada e facilitada em caso de institucionalização do marco jurídico na legislação. Como mencionado durante o trabalho, a paradiplomacia não é uma atividade proibida, mas sua prática é restringida devido à falta de senso do que é dever estatal e o que os entes subnacionais podem realizar para se acentuarem internacionalmente. Além disso, o âmbito interno das relações também possui seu valor, uma vez que é nele que ocorrem disputas entre regiões que visam maior protagonismo e investimentos externos. Tanto as províncias sul-africanas como os estados brasileiros buscam atingir maior importância interna para que, quando houver a possibilidade de marketing internacional, o governo central decida qual é a melhor unidade que irá auxiliar.

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manência dessas secretarias sejam uma forma de manter as unidades dentro das ações e pensamentos de política externa da União. Porém, servem como um modo de realização da internacionalização de municípios, os quais, através das Redes Globais de Cidades e/ou processos de irmanamento, podem garantir sua presença no cenário internacional. Conclui-se, então, que a falta de um marco jurídico não impede que governos subnacionais atuem internacionalmente e busquem investimentos e parcerias externas. Entretanto, tanto o Estado brasileiro quanto o sul-africano são os principais agentes que continuam mantendo grande controle sobre as ações que os entes federados podem ou não tomar, canalizando as ideias e negócios de cada governo regional. Portanto, considerando a complexidade do tema, é preciso que se estabeleça um marco jurídico institucionalizado para a paradiplomacia, para que não haja necessidade do desvio de leis e nem o uso de outros mecanismos. Além disso, a institucionalização evitaria que, em situações de extrema necessidade, as unidades subnacionais busquem e atinjam ações que sejam consideradas ilegais pelo governo federal e que possam conflituar com o Estado de Direto.

No Brasil, outra medida que favorece a relação entre governo federal e entes subnacionais é a existência das Secretarias de Relações Exteriores nas principais cidade de cada região do território nacional. É incontestável que a per-

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Naiane Inez Cossul Coordenadora e Professora do Curso de Graduação em Relações Internacionais do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Doutora em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestra e Bacharela em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mail: naianecossul@hotmail.com

Kiara Costa Graduanda em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Mail: kiaracst@hotmail.com

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Gyordanno Sortica Farias Graduando em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Mail: gyfarias@hotmail.com

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A paradiplomacia não institucionalizada no Brasil...

Brasil. São Paulo, Instituto de Relações Internacionais-Universidade de São Paulo, 1ª ed. VIGEVANI, T. y PRADO, D. (2010). “AÇÕES E PROBLEMAS DA PARADIPLOMACIA NO BRASIL” em Sala, J. y Gasparoto, A. L. (coord.). Relações Internacionais: Polaridades e novos/velhos problemas, temas emergentes. Marília/SP, Unesp – Oficina Universitária, 1ª ed. Disponível de https:// www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/livro%20blanes.pdf#page=37

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A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PARADIPLOMACIA FINANCEIRA NAS ENTIDADES SUBNACIONAIS: O CASO DO RIO GRANDE DO SUL Matheus da Silva Junges

Abstract This article aims to analyze the effects of institutionalization on the employment of financial paradiplomacy as a subnational public management tool during the years 1987-1990, 2007-2010 and 2011-2014. The research is conducted as a case study based on analysis of laws, decrees, official government documents of Rio Grande do Sul state and semi-structured interviews with key actors. The process of institutionalization of the financial paradiplomacy of the Rio Grande do Sul government results in positive effects on the practice and occurs concurrently with the increase in the volume of resources raised in international financial operations. Key words: Financial Paradiplomacy; Institutionalization; International Credit

@chaarlotteborges

Resumen En este artículo se busca analizar los efectos de la institucionalización en el empleo de la paradiplomacia financiera como una herramienta de la gestión pública subnacional durante los periodos 1987-1990, 2007-2010 y 2011-2014. Se realiza un estudio de caso exploratorio basado en el análisis de leyes, decretos, documentos oficiales del gobierno de Rio Grande do Sul y entrevistas semiestructuradas con actores clave. Se concluye que el proceso de institucionalización de la paradiplomacia financiera en el gobierno estatal mencionado resulta en efectos positivos sobre la práctica y coincide con el periodo de crecimiento del volumen de recursos captados en operaciones financieras internacionales. Palabras clave: Paradiplomacia Financiera; Institucionalización; Crédito Internacional

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Matheus da Silva Junges

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PARADIPLOMACIA FINANCEIRA NAS ENTIDADES SUBNACIONAIS: O CASO DO RIO GRANDE DO SUL Matheus da Silva Junges

Resumo O objetivo do artigo é analisar os efeitos da institucionalização sobre o emprego da paradiplomacia financeira como ferramenta de gestão pública subnacional durante os anos de 1987-1990, 2007-2010 e 2011-2014. A pesquisa é realizada como um estudo de caso exploratório baseado na análise de leis, decretos, documentos oficiais do governo do Rio Grande do Sul e entrevistas semiestruturadas com atores-chave. Conclui-se que o processo de institucionalização da paradiplomacia financeira do governo do estado do Rio Grande do Sul resulta em efeitos positivos sobre a prática e ocorre concomitantemente ao aumento do volume de recursos captados em operações financeiras internacionais. Palavras-chave: Paradiplomacia financeira; institucionalização; Crédito Internacional

INTRODUÇÃO O estado do Rio Grande do Sul (RS) começou a realizar operações de crédito internacional no final da Primeira Guerra Mundial, o auge de um período de retomada do crescimento dos fluxos de capital em nível global. Até o ano de 1931, o RS tinha-se tornado uma das unidades da federação que mais captava crédito no contexto internacional (Bessa Maia e Saraiva, 2016). Os empréstimos de capital estrangeiro foram fundamentais para a construção do estado como uma importante força político-econômica, fora da região sudeste, que é o grande eixo de concentração de investimentos no país. Além da procura de capital externo, o RS tem um papel de destaque no cenário paradiplomático brasileiro. Os processos de integração regional elevaram especialmente a posição estratégica do estado que, por suas características geográficas, sociais e econômicas, sempre participou de questões relacionadas à região platense. Concretamente, as iniciativas de aproximação entre os governos federais de Brasil e Argentina em meados da década de 1990, que foi fundamental para a posterior criação do

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Mercado Comum do Sul (Mercosul), representaram avanços que impulsionaram a participação das forças políticas do estado em um espaço além das fronteiras nacionais (Nunes, 2005; Seitenfus, 1994). Com exceção dos fatores exógenos, o RS é visto como um estado intrinsecamente internacionalista. Além de ter uma população com raízes multiculturais, a economia do estado é reconhecida por ter uma vocação exportadora (Seitenfus, 2020; Biolchi, 2020). Essa conjunção de fatores foi destacada oficialmente por representantes do governo no contexto da criação da Secretaria Especial de Assuntos Internacionais (SEAI), um órgão que foi criado em 1987 e se tornou um marco do movimento de institucionalização das entidades subnacionais brasileiras no plano internacional. O objetivo geral deste artigo é analisar os efeitos da institucionalização no emprego da paradiplomacia financeira como ferramenta de administração pública subnacional. Os objetivos específicos são: (I) investigar a trajetória institucional dos órgãos que regem a paradiplomacia financeira operada pelo governo do estado do Rio Grande do Sul; (II) relacionar a


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trajetória institucional com as cifras das operações financeiras internacionais realizadas durante o intervalo de tempo selecionado; (III) compreender a natureza dos projetos financiados por fundos internacionais. O estudo de caso se baseia na seguinte questão: Como a institucionalização impactou a prática da paradiplomacia financeira no governo do RS? Para efeito de recorte de tempo, utiliza-se como fio condutor o marco estabelecido pelo quadriênio 1987-1999 (Pedro Simón, PMDB) e os governos compreendidos entre os anos 2007-2010 (Yeda Crusius, PSDB) e 2011-2014 (Tarso Genro, PT), períodos que estruturam os capítulos deste artigo e determinam a sua ordem. Para a compilação dos dados necessários para o método process tracing, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com atores chave para a prática da paradiplomacia nos anos selecionados na pesquisa, seleção e análise de leis, decretos estaduais e as Mensagens à Assembleia Legislativa1. Também foram utilizadas fontes secundárias e dados fornecidos pelo Painel COFIEX.

1 As Mensagens à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul são documentos de comunicação entre os poderes Executivo e Legislativo do estado. São publicadas anualmente e fazem referência ao ano anterior à sua divulgação. Desempenham a função de um informe governamental.

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DISCUSSÃO SOBRE A INSTITUCIONALIZAÇÃO E A PARADIPLOMACIA FINANCEIRA Segundo J. N. Bessa Maia (2012), a captação de crédito internacional é a finalidade do processo ou meio – a paradiplomacia financeira – que compreende a ação internacional das entidades subnacionais em busca de recursos financeiros. O conceito de paradiplomacia financeira é baseado na definição proposta por N. Cornago (2004) sobre a paradiplomacia: O envolvimento do governo subnacional nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios (ad hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, com a finalidade de promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional1 (Cornago, 2004, p. 251-252). Bessa Maia (2012), por sua vez, apresenta a seguinte definição de paradiplomacia financeira: A iniciativa própria e autônoma de um governo subnacional para negociar e contratar diretamente a captação de recursos externos ofertados por fontes internacionais, oficiais ou privadas e/ou governamentais estrangeiras com a finalidade de complementar suas necessidades de financiamento de investimento público2 (Messa Maia, 2021, p. 147 - tradução do autor).

Matheus da Silva Junges

A paradiplomacia financeira faz parte dos instrumentos de ação dos interesses econômicos, principais motivadores da paradiplomacia operada pelos governos estaduais e municipais brasileiros (Vigevani, 2006). Além da busca por capital estrangeiro, entre as principais ferramentas de atuação paradiplomática no âmbito da economia, está a promoção das exportações ou do turismo estrangeiro (paradiplomacia comercial); a atração de investimentos estrangeiros diretos (paradiplomacia investidora); e a absorção e transmissão de conhecimento e tecnologia por meio da cooperação técnica (paradiplomacia cooperativa) (Bessa Maia, 2012; Bessa Maia e Saraiva, 2016). As ações que se orientam pela paradiplomacia financeira se guiam pelos objetivos de (i) assegurar os recursos externos para financiar os projetos de investimento público; (ii) obter recursos externos a menor custo e maior prazo de amortização do que os oferecidos no mercado nacional; (iii) arrecadar recursos adicionais para escapar da restrição orçamentária dos próprios ingressos fiscais do governo central; (iv) aplicar as melhores práticas de formulação de políticas e gestão de projetos desde a cooperação técnica e financeira dos organismos internacionais; (v) projetar-se no cenário internacional com o objetivo de atrair investimentos privados (Bessa Maia e Saraiva, 2016). Em resumo, a paradiplomacia financeira no Brasil implica a participação de três atores e depende de três fatores operacionais: a ação direta dos governos subnacionais junto às fontes de oferta de crédito nos organismos internacionais; a capacidade de endividamento e pagamento das entidades, de acordo com o definido nas disposições do pacto federal,

1 [O envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios (ad hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional]. 2 [A iniciativa própria e autônoma de um governo subnacional no sentido de negociar e contratar diretamente a captação de recursos externos ofertados por fontes internacionais, oficiais ou privadas, e/ou governamentais estrangeiras com vistas a complementar suas necessidades de financiamento de investimento público].

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condições necessárias para que o governo federal garanta a operação financeira; e a disposição dos organismos internacionais multilaterais de emprestar diretamente às entidades subnacionais, diretriz que se torna mais flexível com as mudanças ocorridas no sistema financeiro internacional e no funcionamento das instituições de Bretton Woods, no final da década de 1980 (Bessa Maia, 2012, p. 42). Em linha com o conceito proposto por Cornago (2004: 251-252), os governos subnacionais podem estabelecer contatos internacionais “formais e informais, permanentes ou provisórios (ad hoc)”. Por isso, a institucionalização1 é um fenômeno a parte; a formação de estruturas governamentais para gerir a ação internacional não é imprescindível para que os governos subnacionais se envolvam nas questões do cenário internacional. No entanto, o fato é que a institucionalização da paradiplomacia – seja ela motivada por qualquer interesse – é uma ação que, além de incidir sobre sua operacionalização, é por si só objeto de análise. Um dos parâmetros básicos para a afirmação da paradiplomacia brasileira em sua ampla gama de interesses é o crescente número de organismos estaduais ou municipais dedicados às questões internacionais. Há registros de movimentos de institucionalização das relações internacionais em pelo menos 22 estados brasileiros (Gonçalves e Oliveira, 2017). Segundo Carmen Nunes (2005), essas tentativas de institucionalização não seguem tendências padronizadas, pois as estruturas administrativas implantadas pelas entidades subnacionais estabelecem uma conjuntura heterogênea, na qual um mosaico de práticas e arranjos institucionais diversos está presente.

A institucionalização da paradiplomacia financeira...

A existência de mosaicos institucionais faz parte das proposições da escola de análise do Institucionalismo Histórico, uma vertente do neoinstitucionalismo. Essa corrente teórica se desenvolve tendo como fio condutor o questionamento de como as instituições, condicionadas por fatores como a temporalidade, sua sequência e o curso da trajetória, acabam afetando e moldando os comportamentos sociais, políticos e econômicos. Por esse raciocínio, essa perspectiva se torna um apoio importante para a análise institucional realizada neste artigo. Segundo o Institucionalismo Histórico, as estruturas políticas não são entidades unitárias. Elas são compostas de múltiplas instituições transitórias, criadas em diferentes momentos e que operam sob lógicas divergentes. O tecido institucional é intercorrente2 e está estruturado em camadas de autoridade, de modo que não compõem uma ordem política intrinsecamente estável ou idealmente integrada; essas são as características que abrem espaço para as transformações institucionais (Fioretos et al., 2016). No que se refere à conjuntura brasileira, a heterogeneidade demarca um cenário de instituições frágeis, em que a cada mudança de contexto político ou nova eleição a estrutura governamental que se ocupa dos assuntos internacionais pode mudar ou mesmo ser extinta (Nunes, 2005). Deste modo, o espaço que se dá ao emprego da agência internacional como ferramenta de gestão pública acaba vinculado a aspectos personalistas dos líderes políticos de cada governo. Ou seja, as relações políticas e as inclinações, percepções e interesses particulares dos grupos governantes são determinantes para a continuidade – ou não – da operacionalização da paradiplomacia, o que resulta em uma trajetória marcada pela dinâ-

1 Segundo a Enciclopédia de Filosofia de Stanford, se entende por institucionalização o ato de criar estruturas formais que regulam o comportamento de um conjunto de indivíduos em uma determinada comunidade ou entorno político. 2 Karen Orren e Stephem Skowronek (1994) propõem o termo intercurrence como uma proposta de verbalização para o caráter de transitoriedade da criação, reprodução e mudanças institucionais. (Fioretos et al., 2016)

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

mica do stop and go (Vigevani, 2006). No entanto, a influência do personalismo sobre a condução das operações internacionais das entidades federativas brasileiras seria, teoricamente, atenuada pelos efeitos da institucionalização. Essa visão idealizada entende que a ação estruturada, direta e autônoma dos governos subnacionais no ambiente internacional estaria envolvida nos esforços de normalização, estabilização e continuidade, estabelecendo-se como uma prática estratégica, planejada a médio e longo prazo de acordo com os objetivos da administração pública estadual. A institucionalização da paradiplomacia financeira demonstraria, em primeiro lugar, o reconhecimento da relevância dos recursos técnicos e financeiros garantidos pelas operações financeiras internacionais. Especificamente, assume-se que a ação paradiplomática institucionalizada sustenta relações estáveis e contínuas com determinadas instituições financeiras internacionais, condição esta que permite a realização de novas operações sucessivas com ela (Bessa Maia, 2012); ou seja, haveria uma dinâmica que é abordada utilizando o termo repetição de associações. Por esse motivo, é importante ir além e verificar de que maneira o estabelecimento de uma estrutura institucional influencia a prática da paradiplomacia e nos resultados das operações financeiras internacionais.

ANTECEDENTES A ação internacional de governos subnacionais brasileiros consolidou-se com a aplicação do regime federal no país, a partir da Constituição Republicana de 1891. Este marco institucional deu início à chamada República Velha, um período de ampla descentralização, em que os estados brasileiros surgiram como en-

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tidades políticas autônomas. Pode-se observar uma conquista de prerrogativas políticas e administrativas por parte das novas unidades federativas pelo país, sendo o texto do art. 65, inciso 2 muito representativo para isso. Nele se outorga aos estados e municípios “qualquer poder ou direito que não lhes seja negado por qualquer cláusula expressa ou implícita contida nas cláusulas expressas da Constituição” (Baleeiro, 2012, p. 79, tradução livre)1. A partir disso, tornou-se possível a inserção dos estados e municípios, não apenas no espaço das relações exteriores, mas também no fluxo de capital internacional. O vazio jurídico quanto às atribuições no âmbito das relações internacionais fez com que vários governos subnacionais buscassem atrair recursos financeiros de fontes estrangeiras; e a maioria delas ofertou capital de origem privada. As condições vantajosas dos empréstimos internacionais em relação ao mercado nacional de capitais deram origem, junto com a alta demanda de créditos para investimentos públicos, a operações financeiras mesmo que de alto risco e altos custos para os governos estaduais. Assim iniciou-se uma trajetória de endividamento desordenado, uma vez que os tomadores ignoravam as receitas procedentes de impostos, tarifas e prestação de serviços públicos, além de hipotecar os ativos estatais para garantir as operações financeiras internacionais (Bessa Maia e Saraiva, 2016). Por isso, na trajetória da captação de recursos financeiros estrangeiros há um longo histórico de crises econômicas nacionais e internacionais, períodos de endividamento seguidos de resgates financeiros do governo federal, além de medidas que restringiram ou mesmo incentivaram a busca de financiamento que se tornou possível pelas organizações internacionais2. Ao longo do último século, o regime político

1 [Todo e qualquer poder ou direito, que não lhes for negado por cláusula expressa ou implicitamente contida nas cláusulas expressas da Constituição] 2 É recomendável a leitura de Bessa Maia (2012) para conhecer melhor as diferentes fases da práti-

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brasileiro passou por diferentes constituições nas quais a descentralização político-administrativa e a ação autônoma das entidades subnacionais estiveram cercadas de inconsistência. Houve uma permanente centralização das relações exteriores como atribuição exclusiva do Estado. No entanto, a ação direta e autônoma dos estados e municípios, no sentido de inseri-los nos fluxos econômicos e financeiros internacionais, nunca deixou de ser necessária para que as entidades federativas cumprissem a função de promover o desenvolvimento econômico, uma vez que o capital internacional permitiu a proposição de importantes projetos de desenvolvimento a nível subnacional (Vigevani, 2006).

A institucionalização da paradiplomacia financeira...

ram a ser determinantes para que a República aprovasse os contratos de empréstimo junto às fontes estrangeiras. Isso ocorreu junto com a integração do Senado Federal e outros órgãos federais especializados – como a Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX) – no processo deliberativo dos projetos de créditos internacionais com o objetivo de avaliar o cumprimento dos fatores operacionais1.

Conforme destaca R. Seitenfus (1994), os governos estaduais tendem a ser negligentes com respeito às obrigações derivadas da concentração de empréstimos internacionais. A situação de endividamento generalizado das entidades federativas explica porque grande parte do capital internacional passou a ser utilizada para o resgate de dívidas anteriores já nas primeiras décadas do século XX. Outra finalidade importante foi, e continua sendo, o financiamento de obras de infraestrutura pública, projetos cada vez mais realizados pela ação dos governos estaduais e municipais diante da perda de capacidade administrativa do Governo Federal do Brasil (Bessa Maia, 2012). Neste contexto, a importância do capital estrangeiro e a insustentabilidade da dívida externa das entidades federativas motivaram a implementação de uma estrutura de normas e procedimentos processuais e administrativos de apoio jurídico ao financiamento internacional. A prática deixou de ser sustentada pela ausência de regulamentação ou pela ampla descentralização das relações financeiras internacionais, uma vez que fatores como a capacidade de pagamento e o endividamento passaca da para diplomacia financeira no Brasil. 1 É recomendável a leitura de Bessa Maia (2018) para conhecer melhor as diferentes fases da prática da para diplomacia financeira no Brasil.

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

PERÍODO DE 1987 – 1990 De acordo com a análise feita pelo governo a meados de 1987, a situação econômica do estado do Rio Grande do Sul apresentava um quadro de contrastes. As finanças públicas do estado, tratadas como disfuncionais e em colapso, não seguiam a imagem satisfatória dos índices econômicos gerais. A degradação dos serviços públicos, de responsabilidade da administração estadual, revelou-se como um dos principais entraves para o desenvolvimento local, dando sinais claros de regressão do ponto de vista histórico (Simon, 1989). Esse panorama foi impulsionado por um volume crescente de gastos públicos, enquanto as receitas e os recursos próprios não aumentaram proporcionalmente; por isso era preciso buscar recursos financeiros além da arrecadação tributária e as transferências da União. Dentro das possibilidades de fontes adicionais de financiamento, a busca por capital disponibilizado por instituições financeiras internacionais foi considerada viável devido ao longo histórico de operações de crédito em períodos anteriores. Assim, a arrecadação de recursos externos se institucionalizou como parte da ação proposta pela SEAI. De acordo com o Decreto nº 32.515 de 15 de março de 1987, o órgão seria responsável por “assessorar o governador do estado na supervisão e orientação dos órgãos da administração pública estadual, na captação de recursos e investimentos estrangeiros e no apoio ao setor privado estadual em projetos com participação externa1” (Rio Grande do Sul, 1987, p.1). É importante destacar que, levando em consideração as estruturas administrativas anteriores à criação da SEAI, o único órgão encarregado de identificar e analisar as fontes de recursos foi a Secretaria da Fazenda (SEFAZ).

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No entanto, ao definir as funções que as unidades administrativas de sua gestão deveriam desempenhar, os governantes não costumavam especificar nem diferenciar as fontes de recursos que deveriam atrair. A iniciativa de ter um setor administrativo encarregado de assessorar na busca de capitais e investimentos externos fazia parte de uma proposta inédita ou revolucionária, como referiu R. Seitenfus (2020, p. 139) – criador e secretário geral da SEAI. Localizado no Gabinete do Governador, o órgão teve obstáculos criados por condições conjunturais desfavoráveis em sua fase de formação. Diante do estado embrionário das tentativas de institucionalização da paradiplomacia de outras unidades federativas, foi preciso suportar as adversidades da ação precursora; não existiam órgãos análogos consolidados no aparato administrativo dos outros estados e, por isso, as diretrizes para formalizar a ação paradiplomática do estado deveriam refletir o que foi proposto em instituições maiores, como o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty). Além disso, havia algumas restrições orçamentárias e havia sido proibida a contratação de funcionários especializados, o que dificultou a criação de um quadro de funcionários técnicos, devidamente qualificados para trabalhar no ambiente internacional em nome do governo do estado (Seitenfus, 1994). Em 1987, outro órgão foi criado: o Departamento Central de Projetos (DCP). Assim como no caso da SEAI, o processo de criação do DCP já tinha sido detalhado no plano de governo de Pedro Simón, em um documento elaborado e divulgado antes da sua eleição; no entanto, a divisão não foi formalizada até o Decreto nº 32.680 de 13 de novembro de 1987, oito meses depois da criação da SEAI. Os gestores da época consideravam que a escassez geral

1 [assessorar o governador do estado na supervisão e orientação dos órgãos da administração pública estadual, na captação de recursos e investimentos externos e no apoio ao setor privado estadual em projetos com participação externa].

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de recursos exigia a materialização de instrumentos de grande alcance financeiro, ampliando o leque de oportunidades à Administração. Nesse sentido, a criação do DCP buscava satisfazer a necessidade de mobilizar recursos de terceiros para assegurar as condições técnicas e formais do financiamento adicional do estado (Simón, 1987, p. 36). A equipe do DCP estava vinculada à Secretaria de Coordenação e Planificação (SCP). Entre as suas atribuições, destacam-se a responsabilidade pela formulação de projetos de caráter multisetorial (vários departamentos governamentais), facilitando sua fluidez e coordenação, e a de lidar com os projetos que superassem a capacidade de implementação das unidades setoriais (Rio Grande do Sul, 1987b). Assim, ficou evidente o foco na proposição de novos projetos, autorizando inclusive a contratação de novos profissionais especializados para a execução e desenvolvimento das atividades previstas. É extremamente importante destacar a diferença entre dois tipos de projeto: os multissetoriais, conduzidos pela DCP, e aqueles limitados a uma única unidade da estrutura administrativa. Estes últimos tiveram seu planejamento e execução a cargo de cada secretaria do estado. Parte do conteúdo publicado pelas Mensagens à Assembleia Legislativa de 1988 justificou a criação de novas divisões do aparato administrativo do estado, além de detalhar sua organização interna. Sobre as agendas e subdivisões da SCP, o governo comunicou que o papel do assessor técnico da secretaria assumiria trabalhos de naturezas diversas, desde programas especiais até estudos financeiros, como contatos com organismos nacionais e internacionais com o objetivo de atrair recursos para a Administração. No que se refere à SEAI, ela foi definida como uma instância de ação colaborativa em conjunto com outras unidades administrativas, agências federais, regionais e estaduais, que têm como consultores per1

A institucionalização da paradiplomacia financeira...

manentes os municípios e entidades representativas dos setores sociais. Além disso, foi destacado o vínculo permanente da SEAI com o Itamaraty e a comissão para o desenvolvimento de negociações internacionais diretas para a arrecadação de recursos para o estado (SCP, 1998). Uma das seções que representa a evolução dos projetos que executa o Poder Executivo, a Mensagem permite comprovar que parte das iniciativas da SCP contou com o trabalho de assessoria da SEAI1. Desta maneira, e sabendo que ambos compartilhavam a prerrogativa da arrecadação internacional, infere-se que não houve uma ação impregnada de competição. Segundo o dispositivo legal, os primeiros passos para o início da operação que financiaria o Programa Integrado de Melhoria Social (PIMES) foram atribuídos à DCP. No que se refere ao âmbito da SEAI, foi mencionada a promoção da cooperação técnica e financeira com o Governo Federal da Alemanha Ocidental para o desenvolvimento de projetos sociais no estado. Na mensagem à Assembleia Legislativa de 1989 foi comunicada a continuidade da realização de contatos com as representações da Alemanha Ocidental. No entanto, o avanço concreto dos projetos que a relação bilateral possibilitou foram atribuídos à SCP. O executivo explicou que as etapas de preparação, análise, financiamento e execução dos projetos foram adquirindo agilidade graças a ação da DCP. No mais, a Mensagem também reforçou a indispensabilidade de identificar fontes e linhas de financiamento adicionais e que “a articulação entre os diferentes órgãos, fundamental para alcançar alguns objetivos contínua, em alguma medida, sufocada, mas pouco a pouco se vão eliminando os obstáculos e se vão harmonizando as formas de funcionamento”[a articulação entre os diversos órgãos, fundamental para que se concretizem alguns objetivos, continua com certos estrangulamentos, mas, gradativamente, os entraves vão sendo eliminados e

A análise foi dificultada pela ausência de uma página na versão digitalizada do documento.

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harmonizadas as formas de operacionalização] (SCP, 1989, p. 187, tradução do autor). A insatisfação do que foi planejado previamente pode ser um indício dos ajustes impostos ao aparato administrativo do Estado. Dessa forma, a mudança mais importante entre os primeiros anos dessa gestão aconteceu com a substituição do secretário geral da SEAI. O documento com o ajuste de contas do Poder Executivo que foi publicado em 1989 apresentou Paulo Triches, como o substituto de Ricardo Seitenfus, como titular do órgão. A mudança inaugural rompeu a barreira da sucessão de substituições anuais até o final do quadriênio, já que outros dois nomes – Luiz Gehlen e Luiz Octávio Vieira – também ocuparam a direção da Secretaria. Desse modo, somado a conjuntura desfavorável na etapa da formação da SEAI, reforça-se a possibilidade de que tenha havido uma planificação da organização interna e das funções efetivamente exercidas pelo órgão. Na mesma área, de acordo com a Mensagem de 1989, a secretaria ajustou sua atuação em quatro eixos: a inserção do RS na política de integração regional do Cone Sul, cooperação financeira, comercial e tecnológica com países industrializados, cooperação na área cultural e nas áreas de ensino superior e pesquisa. Em outras palavras, as diretrizes funcionais se somam ao fato de que os resultados da atividade de arrecadação de fundos foram apresentados como conquistas do DCP e de outros departamentos da SCP. Entretanto, a rede de contatos e negociações internacionais, tarefas atribuídas à SEAI, têm sido dirigidas a outras propostas para além da paradiplomacia financeira. Segundo a Mensagem à Assembleia Legislativa de 1989, a procura de capital financeiro de origem internacional impulsionou o uso de um instrumento paradiplomático particular: as missões internacionais. A delegação chefiada pelo governador propôs aprofundar os contatos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional de

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Reconstrução e Fomento (BIRF), em particular com o objetivo de obter recursos para o financiamento de projetos relacionados com a gestão ambiental. Pode-se observar este fato como uma demonstração das novas estratégias de atuação que, segundo as atribuições oficiais do órgão, tiveram o assessoramento da SEAI. De acordo com o relatório de Ricardo Seitenfus (Seitenfus 2020, p. 142), até meados de 1989 nenhuma reunião havia sido organizada com organismos internacionais, estratégia que pode ter sido proposta em decorrência da mudança de comando da secretaria.


A institucionalização da paradiplomacia financeira...

Ano 10. No. 1. Julho 2021

Quadro 1 – Operações financeiras internacionais de 1987 até 1990 PROJETO

FONTE

ANO

VALOR TOTAL (US$)

Programa Integrado de Melhoria Social (PIMES)

BIRF

1990

100.000.000

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados fornecidos pelo Painel COFIEX. Valores não corrigidos.

No decorrer dos dois anos seguintes, o avanço dos projetos com financiamento internacional gerou mudanças funcionais e estruturais no âmbito da SCP. Em 1989, o órgão começou a coordenar o Programa de Desenvolvimento de Infraestrutura para a Restauração do Crescimento, que reuniu os principais projetos realizados pelo governo do estado, e o Pró-Guaíba. De forma similar ao PIMES, o programa que avançou em paralelo aos demais citados aqui, uma nova subdivisão da SCP, criada em 1990, passou a coordenar o Pró-Guaíba, que teve a sua operação de financiamento confirmada apenas cinco anos depois1. De todas as formas, a Mensagem à Assembleia Legislativa de 1991 (SCP, 1991) definiu à SCP como o órgão que atuava de maneira articulada com outras dependências governamentais, destacando a SEFAZ, a Secretaria Especial de Governo (SEG) e a SEAI, com o objetivo de obter financiamento externo (SCP, 1991) O PIMES contava com o Grupo do Banco Mundial (BIRF) como fiduciário de um fundo de empréstimos de 100 milhões de dólares redistribuídos em linhas de financiamento multisectorial dentro do estado. No que respeita ao progresso da operação financeira, Seitenfus (1995, p. 96) destaca o PIMES como um exemplo ideal de um dos melhores projetos da América Latina, mas que demorou quatro anos a materializar-se. De acordo com a sua obra, pela lentidão do processo de negociação com as contrapartes estrangeiras y da apro-

vação dos empréstimos por parte do governo federal, os projetos financiados por meio de crédito internacional são, as vezes, iniciativas que só promovem resultados nos governos subsequentes e, não poucas vezes, têm seus projetos originais reorientados na fase de execução. Por isso, se justificaria uma estrutura de gestão institucional, independente da alternância de governos, que permitisse a continuidade de projetos orientados pelo interesse público. O livro e a testemunha de Seitenfus (1994; 2020) corroboram a leitura de que o projeto institucional se havia ajustado nos primeiros anos de governo; em primeiro lugar, as adversidades que enfrentou a Secretaria tiveram consequências às atividades, efetivamente, operadas pela SEAI. As autoridades do órgão – que só incorporou a função de assessorar a paradiplomacia financeira a partir da sugestão dos promotores do plano governamental – esperavam que esta disposição se traduzisse na possibilidade de ampliar a sua equipe de trabalho, algo impossível pela intervenção legal do governador. Assim, motivada também pelas incidências que “se dispôs para facilitar, mas não se impôs para comandar” (Seitenfus, 2020, p. 146); ofereceu-se como instância especializada nos contatos e negociações com os atores internacionais, mas deu espaço para que órgãos tradicionais das Relações Internacionais atuaram de forma autônoma em favor dos seus objetivos.

1 As operações de financiamento do Pró-Guaíba e o projeto de Controle de Inundações do Rio dos Sinos realizadas, respectivamente com o BID e o grupo alemão KfW, não foram oficializadas no período analisado. Contudo, a trajetória que se retratou nos parágrafos anteriores deixa claro que o processo para realizar os empréstimos se iniciou nos primeiros anos da gestão de Pedro Simón.

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

Os ajustes feitos com o objetivo de que a SEAI atuasse como um órgão facilitador, de acesso (Seitenfus, 2020, p. 142) para os contatos e as negociações internacionais – que, no fim, converteram-se em projetos liderados por cada unidade administrativa -, se aprofundaram ainda mais com as mudanças dos titulares. Conforme mencionado acima, a saída de Ricardo Seitenfus após cerca de dezoito meses durante o mandato de Pedro Simón representou a apresentação de novas estratégias utilizadas nos contatos e negociações com organismos internacionais. Por fim, conclui-se que nos anos posteriores à institucionalização da SEAI e da DCP-SCP, foram alcançados resultados importantes que não se limitaram à obtenção de recursos financeiros internacionais. O volume de capital e a formação técnica assimilada por meio das relações paradiplomáticas com instituições internacionais possibilitaram a realização de diversos projetos de gestão pública estadual, associados não só aos propósitos de prover infraestrutura para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental, mas também à duração dos programas - por mais de uma década. Segundo Nunes (2020), pode-se dizer que a paradiplomacia financeira é fundamental para esse resultado, pois proporciona uma oportunidade de maior qualificação às intervenções governamentais.

PERÍODO DE 2007-2010 Tal e como explicou a equipe do governo de Pedro Simón, as finanças públicas, a meados de 2007, encontravam-se em uma situação crítica. Segundo o plano do governo dirigido por Yeda Crusius, a absorção de recursos não oficiais por parte dos governos anteriores foi um componente no aumento do déficit estrutural, e oprimiu o equilíbrio financeiro do estado, a distância entre ingresso e despesas

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havia alcançado, nesse momento, um valor de aproximadamente 1,5 mil milhões de reais. Os serviços prestados pelo sector público, historicamente reconhecidos como suporte de uma situação privilegiada do estado com respeito aos índices de qualidade de vida estavam em processo de amplo deterioro. (Crusius, 2007). O crédito oferecido por terceiros, ainda que tenha sido parte do problema fiscal, foi uma alternativa à proposição de projetos de reestruturação financeira, em vistas do esgotamento das fontes de crédito tradicionais. Afirmou-se que parte das intenções do governo eram: (i) aumentar a importância e as possibilidades oferecidas pelas parcerias público-privadas e (ii) a alternativa de obtenção de empréstimos internacionais para estender a dívida; solução trivial que, conforme consta do plano de governo, depende do aval do Tesouro Nacional e dos Organismos Internacionais (Crusius, 2007, p. 56). A ênfase dada à necessidade de aprovação, tanto por parte das instituições financeiras internacionais quanto dos órgãos federais, mostra a consciência de que a situação de fragilidade fiscal pode inviabilizar a execução das operações financeiras planejadas. Na opinião dos formuladores do plano de governo, a procura de recursos financeiros internacionais era pouco utilizada. Além dos organismos estatais de Japão e Alemanha1, foi citado o Banco Mundial como provedor de financiamento não reembolsável - sim a necessidade de pagar a operação a longo-prazo – principalmente para projetos de preservação do meio ambiente e atenuante da pobreza. Constatou-se que as tentativas de acessar a estes recursos dependiam de um impulso restringido as unidades específicas do governo, e que isto poderia se reverter fomentando a coesão interna e um maior nível de institucionalização desta prática; assim, se propôs a criação de um organismo especializado na

1 Segundo a informação do Painel COFIEX, o governo de RS realizou projetos com a cooperação financeira internacional do Japan Bank for International Cooperation y da GTZ, agência vinculada ao Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit, em 1997 e 1990, respectivamente.

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arrecadação dos fundos internacionais (Crusius, 2007:58). A lei 12.697, de 4 de maio de 2007, foi um instrumento legal que proporcionou a estrutura administrativa do governo do estado no período de 2007-2010. A antiga SEAI sofreu mudanças estruturais profundas; o órgão reestruturado foi denominado como Secretaria do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais (SEDAI), deslocou-se do Gabinete do Governador para incorporar-se ao aparelho administrativo do poder executivo ao mesmo nível que as demais secretarias estaduais. A única função herdada da SEAI foi a de ter “relacionamento econômico, de integração comunitária com outros países e organismos internacionais” [relacionamento econômico, de integração comunitária com outros países e organismos internacionais] (Rio Grande do Sul, 2007a, p. 12), enquanto que o resto das suas tarefas se acercava à prática da paradiplomacia inversa, como refere Bessa Maia (2012).

A institucionalização da paradiplomacia financeira...

A Mensagem à Assembleia Legislativa em 2009 registrou a realização da maior operação de concessão de crédito entre uma instituição financeira multinacional e o estado do RS. O empréstimo de 1,1 bilhão de dólares, concedido pelo BIRD, proporcionou condições para reestruturar 55% da dívida que não era segurada pelo Governo Federal, reduzindo os juros e encargos, associados ao pagamento da dívida, a um patamar no qual seria economizado, até 2038, um valor próximo aos 600 milhões de reais (SPG, 2009: 47).

Pela sua parte, foi assinada à Secretaria de Planejamento e Gestão (SPG) a tarefa de prospectar fontes e alternativas de financiamento das políticas públicas (Rio Grande do Sul, 2007a:8); mas não pode ficar despercebido que não houve distinção entre as fontes nacionais e internacionais. A organização interna da secretaria foi detalhada no Decreto nº 45.668 de 23 de maio de 2008, que oficializou a criação do Departamento de Captação de Recursos e Preparação de Projetos (DECAP). Esta seção tem as seguintes funções: prospectar fontes de fundos nacionais e internacionais; realizar a intermediação entre os organismos bilaterais e multilaterais, para promover e assessorar aos organismos estaduais durante a preparação de programas/ projetos de captação de recursos técnicos e financeiros (Rio Grande do Sul, 2008). Assim, as atribuições propostas anteriormente a SEAI e ao DCP ficaram totalmente absorvidas pela DECAP, o que em teoria, confirmou a centralização da paradiplomacia financeira.

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

Quadro 2 - Operações financeiras internacionais entre 1987 e 1990 PROJETO

FONTE

ANO

VALOR TOTAL (US$)

Sustentabilidade Fiscal para o Crescimento - RS

BIRF

2008

1.100.000.000

Fonte: elaboração própria, a partir dos dados fornecidos pelo Painel COFIEX. Valores não corrigidos.

Dado o impacto da debilidade fiscal na capacidade de endividamento do estado, as negociações pelo empréstimo que financiou o projeto Sustentabilidade Fiscal para o Crescimento-RS contaram com a decisiva interferência da articulação política. Os trâmites para obter o aval e a aprovação do governo federal parecem ter sido facilitados pela influência direta de Guido Mantega, Ministro da Fazenda na época. Guido participou no processo de preparação da operação, tendo em conta as limitações da capacidade de implicação do Rio Grande do Sul, desempenhou um papel crucial para viabilizar a operação. Nas atividades que implicam unicamente a participação direta de representantes do governo e da instituição credora, registram-se 11 missões do BIRF para o estado. Posteriormente, organizou-se uma missão do governo de RS à sede do Banco em março de 2008, durante a qual o governador do estado realizou a última ronda de negociação (Ferreira, 2015). Após 10 anos sem operações de empréstimo internacional, a ruptura se produziu com a formalização de um projeto de recuperação fiscal. Iniciou-se uma nova oleada de captação de fundos estrangeiros, a maioria dos quais começaram a financiar intervenções dentro do programa fiscal do estado. O propósito das obras públicas, os programas de intervenção urbana e os projetos de desenvolvimento social e ambiental sucumbiram ante a necessidade de mitigar a situação de endividamento e asfixia da economia provedora dos serviços

públicos, cenário que se destaca desde a gestão 1987-1990. Perguntado pela única operação financeira internacional realizada durante o período, Márcio Biolchi – secretário geral da SEAI de 2008 à 2010 – revelou que a condução do projeto para arrecadar fundos, uma vez estabelecida a possibilidade da operação, recaiu na SEFAZ. Assim, se bem oficialmente não tinha a tarefa de contatar e negociar diretamente com os organismos internacionais, a unidade encarregada de executar o projeto com finalidade fiscal fez funcionar, também, a paradiplomacia financeira com o BIRF. Esta informação se sustenta no informe de Carmen Nunes (2020), que explicou que a transferência do antigo diretor do órgão especializado em arrecadação de fundos internacionais à SEFAZ pode ter sido possível pela operação da paradiplomacia financeira realizada por outro órgão.

PERÍODO DE 2011-2014 Uma vez mais, o cenário de piora das finanças públicas, que implicava a limitação do papel da administração pública estatal na indução do desenvolvimento econômico, destacou-se pelo plano governamental. A retração da capacidade de investimento, fortemente afetada por sucessivos anos de queda da receita corrente líquida gerou preocupação1. Pretendia-se executar um novo modelo de gestão fiscal, capaz de atingir novas e crescentes fontes

1 A receita corrente líquida é calculada com base no valor das receitas tributárias estaduais subtraídas das transferências monetárias do governo federal e dos municípios.

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de recursos para qualificação e expansão dos serviços, resgatando assim o papel do Estado na promoção do desenvolvimento econômico (SEPLAG, 2011). A intenção de aumentar a capacidade de investimento público foi expressa, tendo em vista não só a diminuição da participação econômica do estado em relação aos demais entes federativos, mas também a importância da gestão pública anticíclica em um cenário de recuperação econômica global especialmente sobre os efeitos da crise de 2008. Falou-se em repercussões especialmente negativas para o setor exportador do estado, por exemplo. Além disso, pretendeu-se identificar oportunidades e liderar a execução de projetos de desenvolvimento que estivessem ligados às mudanças a nível nacional e global que impactaram a economia contemporânea. Como compromisso, abordou-se a busca por fontes de financiamento internacional e estabeleceu-se um novo padrão de relações internacionais, aproveitando melhor os diferentes organismos de financiamento de políticas públicas globais (Genro, 2011). A Lei 13.601 de 1 de janeiro de 2011, que definiu a estrutura administrativa para o período 2011-2014, trouxe um câmbio estrutural importante: a extinção da SEAI. Os escritórios e atribuições internas do antigo organismo se distribuíram oficialmente em três órgãos. A saber: a Assessoria de Cooperação e Relações Internacionais (ACRI), a Secretaria de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (SDPI), e a Secretaria da Economia Solidária e Apoio a Micro e Pequena Empresa (SESAMPE). A ACRI, atribuída ao Gabinete do Governador, assumiu uma posição bastante semelhante à anteriormente ocupada pela SEAI. O órgão tinha a função de apoiar o governador nas questões técnicas e políticas relativas à re-

A institucionalização da paradiplomacia financeira...

lação de cooperação e integração comunitária com outros países e organismos internacionais, em particular com os países do Mercosul, e outras tarefas afins (SEPLAG, 2011). Segundo Tarsón Núñez, coordenador da ACRI, a assessoria deveria cumprir “um papel de coordenação e orientação política, partindo da ideia de que a execução das ações no âmbito internacional deve ser da responsabilidade de cada uma das secretarias na sua área de atuação”. (Núñez, 2013, p. 49 citado por Ferreira, 2015, p. 106)1. Por sua vez, foi atribuído à Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Especial (SEPLAG), de acordo com a Lei 13.912, de janeiro de 2012, a função de arrecadar fundos para o financiamento de políticas públicas (Rio Grande do Sul, 2012a:1). Em setembro desse ano, a Lei 49.624 divulgou a organização interna deste órgão e, entre as funções do Departamento de Captação de Recursos (DECAP), subordinado à SEPLAG, instituíram-se as atribuições de identificar recursos técnicos e financeiros nacionais e internacionais para financiar políticas públicas; e coordenar os procedimentos de arrecadação de fundos para as agências de desenvolvimento nacionais, bilaterais e multilaterais (Rio Grande do Sul, 2012b). Dá para ver aqui a continuidade do que foi atribuído ao SGP e ao DECAP entre 2007-2010; de novo, a gestão do Estado não diferenciou as fontes de recursos internas e externas, nem mesmo as agências bilaterais das instituições multilaterais. A Mensagem à Assembleia Legislativa em 2012 aprofundou o modus operandi dos órgãos implicados nas atividades de captação de fundos internacionais. Segundo o documento, a ACRI já havia avançado na articulação de relações de trabalho com a Cooperação Andina de Fomento (CAF), além do BID e o BIRF, sócios históricos de RS. O governo esboçou os propósitos priori-

1 [um papel de coordenação e de orientação política, partindo do pressuposto de que a implementação das ações na esfera internacional deve competir a cada uma das secretarias no seu âmbito de atuação].

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

tários dos projetos que seriam financiados pelo crédito internacional1. Além disso, revelou que a SEPLAG intermediou os contatos entre a Secretaria do Desenvolvimento e Promoção do Investimento (SDPI) e o Banco Mundial acerca das perspectivas com o BID para financiamento da política industrial do estado; e com a Agence Française de Développement (AFD) sobre o financiamento de programas de desenvolvimento local. Observa-se que a procura de capital internacional tinha como objetivo ser utilizado para fomentar as atividades do setor privado, um propósito não observado anteriormente.

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No mesmo âmbito, tal como foi assinalado na Mensagem à Assembleia Legislativa de 2013 (SEPLAG, 2013), a intenção de qualificar e fazer da área internacional um espaço transversal e articulado entre os servidores de todas as secretarias foi conciliado com os esforços para a crescente institucionalização da paradiplomacia como instrumento de gestão pública.

A continuação à Mensagem referiu-se ao movimento da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) para arrecadar 150 milhões de dólares do BID, volume que se destinaria ao Programa de Oportunidades e Direitos (POD). O POD começou a ser planejado no início do governo, já que o documento informava do avanço dos procedimentos de financiamento desde a apresentação do projeto aos órgãos federais em novembro de 2011. Ainda, estavam em andamento outros projetos destinados à optimização estrutural da gestão pública e de caráter fiscal, guiados pela ação direta da SEFAZ. Isto demonstra que, uma vez mais, que a operabilidade da paradiplomacia financeira esteve mais além dos órgãos que tinham a funcionalidade legal formalmente prevista; o que se aprofundou com a materialização do POD, projeto que aconteceu por uma operação financeira negociada diretamente pelo SJDH (Nunes, 2020). De fato, o funcionamento racionalizado da paradiplomacia financeira formava parte do planejamento institucional proposto durante o período de 2011-2014. As mudanças impostas à estrutura administrativa direta, a participação não oficial da SEFAZ e a SJDH nos contatos e negociações diretas com as instituições financeiras internacionais o tornaram evidente. 1 Eram elas: inovação tecnológica, educação, meio ambiente, modernização da gestão pública, infraestrutura de transporte, modernização do sistema produtivo rural, produção de moradias para os grupos de baixa renda, qualificação da segurança pública e expansão do crédito aos municípios e empresas (SEPLAG, 2012).

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A institucionalização da paradiplomacia financeira...

Ano 10. No. 1. Julho 2021

Quadro 3 - Operações financeiras internacionais realizadas entre 2011 e 2014 PROJETO

FONTE

ANO

VALOR TOTAL (US$)

Projeto de Fortalecimento da Gestão Fiscal do Estado do RS (PROFISCO)

BID

2011

66.666.667

Programa de Apoio à Retomada do Desenvolvimento Econômico e Social do RS (PROREDES)

BIRF

2012

751.390.157

Programa de Apoio à Retomada do Desenvolvimento Econômico e Social do RS (PROREDES)

BID

2012

200.000.000

Programa de Consolidação do Equilíbrio Fiscal para o Desenvolvimento do Estado do RS – II (PROCONFIS II)

BID

2014

200.000.000

Programa de Consolidação do Equilíbrio Fiscal para o Desenvolvimento do Estado do RS – II (PROCONFIS II)

BIRF

2014

280.000.000

Programa de Oportunidades e Direitos – RS (POD)

BID

2014

56.000.000

Fonte: elaboração própria, a partir dos dados fornecidos pelo Painel COFIEX. Valores não corrigidos.

Quanto ao destino do crédito arrecadado, cinco das seis operações contemplaram iniciativas da esfera fiscal do setor público estadual. No entanto, os programas não se limitaram a este domínio. O BIRD e o BID as divulgaram como propostas que tinham uma abordagem inovadora, incorporando objetivos múltiplos em um único projeto de financiamento. Em relação às duas operações com o BIRD, o PROREDES contemplou as áreas de modernização administrativa, infraestruturas e desenvolvimentos aplicados ao setor privado, enquanto o PROCONFIS II direcionou recursos para a gestão fiscal e hídrica. O BID utilizou uma estratégia semelhante ao propor linhas de financiamento para atender às necessidades dos governos subnacionais no que diz respeito à gestão fiscal, bem como viabilizou operações de crédito que também incluíam diversos propósitos. O fato de que as instituições financeiras internacionais propuseram linhas de financiamento especialmente orientadas às necessidades dos governos subnacionais brasileiros complementa-se com alguns pontos assinalados por

Carmen Nunes (2020). Como se debateu na entrevista, a repetição das associações – especialmente com o BID e o BIRF – levou aos bancos a oferecer créditos ao governo estadual, invertendo a dinâmica de execução dos projetos, já que a oferta antecipa-se à demanda. Além de limitar os resultados da paradiplomacia financeira de RS com outras organizações internacionais fora do eixo do BID e do BIRF, isso tendeu a gerar um maior número de operações financeiras. As operações financeiras internacionais realizadas no período 2011-2014 apresentam duas peculiaridades. Uma delas é a possibilidade de que um projeto seja financiado por mais de uma instituição financeira, como ocorreu no PROCONFIS II - financiado pelo BID e BIRD - e, anteriormente, em outros programas do governo estadual. Além disso, é comum que as operações de crédito sejam divididas em etapas, como foi o caso do PROCONFIS, que foi disponibilizado ao BID por meio de aporte de capital realizado em dois anos diferentes: 2012 e 2014. Isso está relacionado à posição

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

da contrapartida (organizações financeiras), mas também está relacionado à capacidade de endividamento, determinada ciclicamente de acordo com a situação fiscal do estado.

PERÍODO DE 2011-2014 A SEAI não teve uma trajetória institucional estável. As transições políticas provocaram mudanças na estrutura encarregada de dirigir as operações internacionais do governo do RS. Assim, a operação da paradiplomacia financeira poderia ter estado envolvida na continuidade, planejamento e operada estrategicamente com base em objetivos de médio e longo prazo em virtude da estabilidade institucional do DCP, órgão que deu origem a DECAP (Nunes, 2020). O facto de ter melhores condições no âmbito da institucionalização parece ter sido determinante para que o DCP e os seus órgãos sucessores assumissem as atribuições de paradiplomacia financeira, as quais foram interrompidas no âmbito da SEAI. Inclusive institucionalizada, a prática da paradiplomacia financeira viu-se diretamente afetada por aspectos personalistas. No primeiro período, quando a ação do DCP se volveu decisiva para os contatos e negociações junto às instituições financeiras internacionais, a procura de recursos no âmbito internacional teve como componente crucial a experiência de João Carlos Brum Torres, um dos formuladores do plano de governo, que tinha um historial de trabalho com as instituições do Banco Mundial (Seitenfus, 2020). A experiência de Brum Torres se traduziu em uma exitosa estrutura de captação de fundos para investimentos nas periferias urbanas (Salomón e Nunes, 2007). Dos dois últimos períodos de análise, destaca-se a importância da ação direta do governador no processo de negociação das operações financeiras internacionais. Para abrir a perspectiva de captação de crédito no entorno internacional, é habitual que os governadores negociem diretamente com os

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Matheus da Silva Junges

financiadores, tanto a nível federal como internacional, inclusive antes das iniciativas de formalização de qualquer projeto a ser financiado. É mais, não é raro que as negociações precedam à titularidade governamental (Biolchi, 2020; Nunes, 2020; Seitenfus, 2020). Portanto, as operações que visam reestruturar a dívida e melhorar a gestão fiscal costumam ser aprovadas e ganham espaço, em relação a outras finalidades, justamente por enfrentarem fragilidade fiscal, causa da incapacidade de pagamento e do endividamento. A importância da interferência dos governantes cresceu a partir da década de 2000, visto que o RS tem enfrentado dificuldades para contrair empréstimos internacionais, devido à relativa inadequação dos parâmetros fiscais estabelecidos pelo governo federal. Isso interfere inclusive na estrutura administrativa e funcional da gestão, dado o potencial – ou a falta – de crédito internacional para financiar as políticas públicas. No entanto, a paradiplomacia financeira, uma ferramenta fundamental de gestão para um ente federativo com recursos limitados, vem sendo aceita, gradativamente, como parte do planejamento das ações estaduais. Voltando ao papel desempenhado por João Carlos Brum Torres, cabe destacar que também foi o artífice do Gabinete Extraordinário para a Captação de Recursos, em 1993, uma unidade do Município de Porto Alegre quando Tarso Genro era prefeito do município. Durante o seu mandato, as atividades internacionais do município se dividiram entre a mencionada secretaria e outra, centrada nas atividades de cooperação internacional, parte da qual foi mudada ao escritório do Prefeito Tarso Genro (Salomón e Nunes, 2007). Ante isto, e dada a similitude do modelo institucional proposto pelo governo estadual entre 2011-2014, é possível inferir que a experiência previa do governador foi decisiva para a estrutura institucional focada nos assuntos internacionais. Além disso, em geral, é notória a influência da


Ano 10. No. 1. Julho 2021

percepção e do interesse pessoal dos governantes no funcionamento dos instrumentos paradiplomáticos. Novamente, parte das propostas do governo de Tarso Genro são exemplos disso. Conforme observado anteriormente, a intenção de estabelecer um novo padrão de relações internacionais com o uso da paradiplomacia financeira como possibilidade de financiamento de políticas públicas se manifestou no plano de governo. De fato, durante sua gestão a busca por recursos financeiros internacionais foi ampliada e a prática articulada entre diferentes órgãos da estrutura administrativa. Na mesma linha, além da repetição de associações, a restrição do número de instituições financeiras internacionais que concedem empréstimos ao governo do RS fez com que o governo unificasse, ao longo dos anos, as atividades de captação de recursos em um único órgão. Em outras palavras, os contatos e negociações de empréstimos concedidos por fontes internacionais não são mais diferentes daqueles exigidos por fontes nacionais. Isso também está relacionado ao grande volume de capital necessário para a execução dos programas de políticas públicas propostos pela administração estadual, cuja capacidade econômica de suprimento está concentrada em instituições financeiras multinacionais.

CONCLUSÕES Observa-se que o processo de institucionalização da paradiplomacia financeira no estado do Rio Grande do Sul se produz de forma concomitante com o aumento do volume de fundos captados mediante a realização de operações financeiras internacionais. Os seis empréstimos internacionais que se realizaram durante o período 2011-2014 resultaram na captação de 1.55 mil milhões de dólares, um volume superior – cerca de 40% - do total de 1,1 mil milhões de dólares captados por um único empréstimo confirmado no quadriênio 20072010. Além disso, os valores das operações financeiras são significativamente superiores ao

A institucionalização da paradiplomacia financeira...

volume de capital captado pela ação paradiplomática financeira operada entre 1987-1990. Dada a existência de fatores de influência como as dinâmicas do sistema financeiro internacional, as diferenças nas finalidades dos projetos financiados, as capacidades de financiamento das instituições internacionais e a trajetória do endividamento do Estado em diferentes anos e contextos, não é possível determinar uma relação causal só entre o panorama internacional e o fundo arrecadado. No entanto, é possível concluir que o amadurecimento institucional sobre a ação paradiplomática financeira tende a dar espaço à absorção de um maior volume de capital por meio das operações financeiras internacionais. Os efeitos positivos da institucionalização não se limitam a aumentar o fluxo financeiro. É evidente que, a partir do mapeamento do período 1987-1990, a prática da paradiplomacia financeira só chegou a ter resultados concretos no último ano do governo, quando a primeira operação financeira internacional – relativa ao PIMES – foi confirmada pelos órgãos federais. O amplo processo de solicitação de empréstimos internacionais acelerou-se nos outros dois períodos analisados. No quadriênio 2007-2010, a operação de financiamento do projeto Sustentabilidade Fiscal para o Crescimento-RS concretou-se em pouco mais de um ano de gestão, enquanto que na gestão 2011-2014, o PROFISO, financiado com crédito internacional, já se implantou no primeiro ano de governo. Por fim, conclui-se que a longa história da prática da paradiplomacia financeira tem permitido sua institucionalização em instâncias não limitadas ao campo das relações internacionais. Os órgãos responsáveis pelo planejamento governamental, setores fundamentais para o exercício da administração pública, acabaram absorvendo a função de arrecadar recursos no ambiente internacional junto às secretarias que, embora sem poderes oficiais, também tinham a capacidade de buscar capitais estrangeiros para financiar os seus próprios projetos.

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

Matheus da Silva Junges

Matheus da Silva Junges Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). É membro do Grupo de Estudos em Instituições e Processos Decisórios nas Relações Internacionais (GEIPRI). Mail: matheusjungles@hotmail.com

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A institucionalização da paradiplomacia financeira...

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

Matheus da Silva Junges

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Ano 10. No. 1. Julho 2021

A institucionalização da paradiplomacia financeira...

SCP (1988). Mensagem à Assembléia Legislativa – Governador Pedro Simon. Porto Alegre: Secretaria de Coordenação e Planejamento. SCP (1989). Mensagem à Assembléia Legislativa – Governador Pedro Simon. Porto Alegre: Secretaria de Coordenação e Planejamento. SCP (1990. Mensagem à Assembléia Legislativa – Governador Pedro Simon. Porto Alegre: Secretaria de Coordenação e Planejamento. SCP (1991). Mensagem à Assembléia Legislativa – Governador Sinval Guazelli. Porto Alegre: Secretaria de Coordenação e Planejamento. SEPLAG (2011). Mensagem à Assembleia Legislativa – Governador Tarso Genro. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Especial. SEPLAG (2012). Mensagem à Assembleia Legislativa – Governador Tarso Genro. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Especial. SEPLAG (2013). Mensagem à Assembleia Legislativa – Governador Tarso Genro. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Especial. SEPLAG (2014). Mensagem à Assembleia Legislativa – Governador Tarso Genro. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Especial. SIMON, P. (1987). Diretrizes de Ação. Porto Alegre, RS. <https://planejamento.rs.gov.br/upload/arquivos/201512/29092416-plano-de-governogoverno-de-pedr o-simon-periodo-de-1987-a-1990.pdf> [Consulta: 27/12/2020]. SPG (2007). Mensagem à Assembléia Legislativa – Governadora Yeda Crusius. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento e Gestão. SPG (2008). Mensagem à Assembléia Legislativa – Governadora Yeda Crusius. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento e Gestão. SPG (2009). Mensagem à Assembléia Legislativa – Governadora Yeda Crusius. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento e Gestão. SPG (2010). Mensagem à Assembléia Legislativa – Governadora Yeda Crusius. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento e Gestão. VIGEVANI, T. (2006). Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais - Estados e municípios brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21(62).

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

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Alice Helena Heil Borba


Ano 10. No. 1. Julho 2021

As relações internacionais do estado de Santa Catarina

AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO ESTADO DE SANTA CATARINA Alice Helena Heil de Borba

Abstract The object of this article is the international relations of the state of Santa Catarina coordinated by the Executive Secretariat for International Affairs (SAI). This article is the result of the author’s master’s thesis, as Missions Manager. It was investigated in what ways the SAI has been able to articulate with other instances (inside and outside the SC government), over time, the international performance of the state. Mainly, the paradiplomacy developed by the state of Santa Catarina (2003 to 2017) was analyzed. And, as a result, the Santa Catarina paradiplomatic agenda resulted in the new concept called Inside Out Strategies, standing out from the traditional theoretical approach of paradiplomacy. Key words: Paradiplomacy; Governments; Santa Catarina.

@chaarlotteborges

Resumen El objeto de este artículo son las relaciones internacionales del Estado de Santa Catarina coordinadas por la Secretaría Ejecutiva de Asuntos Internacionales (SAI). Este artículo es el resultado de la tesis de maestría de la autora, como Gerente de Misiones. Se investigó de qué manera la SAI ha podido articular con otras instancias (dentro y fuera del gobierno de SC), a lo largo del tiempo, el desempeño internacional del estado. Principalmente se analizó la paradiplomacia desarrollada por el estado de Santa Catarina (2003 a 2017). Como resultado, la agenda paradiplomática de Santa Catarina dio como resultado el nuevo concepto denominado Estrategias Inside Out, que se destaca del enfoque teórico tradicional de la paradiplomacia. Palabras clave: Paradiplomacia; Gobiernos Locales; Santa Catarina.

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Alice Helena Heil Borba

Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO ESTADO DE SANTA CATARINA Alice Helena Heil de Borba

Resumo O objeto deste artigo são as relações internacionais do estado de Santa Catarina coordenadas pela Secretaria Executiva de Assuntos Internacionais (SAI). Este artigo é resultado da dissertação de mestrado da autora, enquanto Gerente de Missões. Foi pesquisado de que maneiras a SAI tem conseguido articular com outras instâncias (dentro e fora do governo de SC), ao longo do tempo, a atuação internacional do estado. Principalmente, foi analisada a paradiplomacia desenvolvida pelo estado de Santa Catarina (2003 a 2017). Como resultado, a agenda paradiplomática catarinense resultou no novo conceito chamado Estratégias Inside Out, se destacando do tradicional aporte teórico da paradiplomacia. Palavras chave: Paradiplomacia; Governos Federados; Santa Catarina.

INTRODUÇÃO

A

atuação internacional de entidades subnacionais, também conhecida como fenômeno da paradiplomacia, é um fato mundial e em constante crescimento no Brasil. Esta pesquisa está centrada nos estudos de Política Internacional e na análise das Relações Internacionais da paradiplomacia. O surgimento de entidades subnacionais no sistema internacional é uma questão desafiadora no Brasil. Mas esse assunto não tem recebido a devida atenção dos acadêmicos brasileiros, nem quanto ao conceito teórico, nem quanto à prática, nem sobre a paradiplomacia e o sistema federalista brasileiro. Alguns trabalhos podem ser encontrados sobre entes subnacionais brasileiros, porém sobre o estado de Santa Catarina esta pesquisa é pioneira. Assim sendo, o objeto desta pesquisa são as relações internacionais do Estado de Santa Catarina (SC) coordenadas pela sua Secretaria de Estado de Relações Internacionais

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(SAI). Portanto, ‘Como a Secretaria de Relações Internacionais do Estado de Santa Catarina tem conseguido articular com outros órgãos (dentro e fora do governo subnacional) ao longo do tempo, a agenda internacional do estado?’. Os primeiros movimentos da ação paradiplomática do estado de Santa Catarina datam da década de 1980, com a geminação estadual entre a Província de Aomori, no Japão, e o estado de Santa Catarina. Essa cooperação trata de intercâmbio cultural e técnico para o cultivo de uma espécie de maçã chamada ‘Fuji’, que proporcionou a Santa Catarina o maior produtor de maçãs do Brasil. Para a realização desta pesquisa, o método científico escolhido é de estudo de caso único por procedimento de análise documental. Esse método é indicado para aumentar a compreensão de um fenômeno e das questões que levam à análise desse objeto ao longo do tempo (Yin, 2001). A fim de formular a análise das relações internacionais do estado de Santa Catarina, esta


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pesquisa está dividida em seis seções, que explanam substancialmente o tema da paradiplomacia, a paradiplomacia no mundo e a brasileira com o caso único de estudo das relações internacionais do estado de Santa Catarina.

As relações internacionais do estado de Santa Catarina

PARADIPLOMACIA Esta seção apresentará uma revisão teórica do conceito de paradiplomacia1, bem como algumas experiências paradiplomáticas no mundo e na América Latina para melhor compreender o assunto. Portanto, esta parte será dividido em três subseções: i) um panorama teórico do conceito de paradiplomacia; e ii) uma apresentação do desenvolvimento da paradiplomacia ao redor do mundo e na América Latina Alguns autores afirmam que a atuação internacional dessas entidades não é algo novo (Sarquís, 2016, Cornago, 2016, Matsumoto, 2011, Tavares, 2016). Por outro lado, outros apontam que somente após a Guerra Fria, na década de 1980, esse contexto proporcionou a possibilidade de entidades subnacionais se engajarem como novos atores na arena internacional (Sassen, 2004) e buscarem o desenvolvimento paradiplomático de agendas e departamentos dos governos subnacionais. As Relações Internacionais durante a Guerra Fria e após seu fim mudaram para uma nova ordem mundial. Essa nova ordem resultou no rearranjo da esfera doméstica e na dinâmica do Sistema Internacional que deu origem à uma nova geografia do poder, concebida com novos atores no Sistema Internacional (Sassen, 2004). Diante dessas mudanças, alguns autores buscaram formular teorias que explicassem o surgimento de novos atores nas relações internacionais contemporâneas (Keohane & Nye, 1977; Soldatos, 2001; Butler, 1961; Milner, 2009). É fato que os novos atores têm conquistado cada vez mais espaço e participação de poder em muitas partes do mundo (Sarquís, 2016).

1 O termo “paradiplomacia” será adotado para se referir ao conjunto de estratégias da agenda internacional coordenada pelos entes subnacionais (Keating, 2004), estados federais e os municípios. O termo também se refere à diplomacia descentralizada (Zabala, 2001; (1994), diplomacia multicamadas (HOCKING, 1991; 2013), diplomacia constitucional (Kincaid, 2001), diplomacia subestadual (Criekemans, 2010) e até diplomacia federativa (Schiavon, 2010).

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Como resultado da necessidade de alternativas e respostas rápidas às demandas do mundo em desenvolvimento e às mudanças no Sistema Internacional. O termo mais adotado para essas mudanças é o do professor Panayotis Soldatos (2001) que cunhou o termo ‘paradiplomacia’ para definir a atuação internacional de entidades subnacionais. Nesse contexto, o conceito de paradiplomacia foi desenvolvido com base nas experiências dos Estados do Norte, mas logo a prática paradiplomática se espalhou pelo mundo. Ao passo que as modificações aconteciam, os autores buscavam teorias que explicassem as relações internacionais contemporâneas. Uma delas – a Teoria da Interdependência Complexa, elaborada por Keohane e Nye (1977), que de acordo com os novos atores ou acontecimentos em diferentes partes de um sistema afetam-se mutuamente. Outra teoria foi a neoliberal, e também a liberal nos anos 1990, que traz fatores como a livre circulação de capitais e pouca intervenção do Estado no mercado para o centro da explicação. Seja qual for a explicação teórica utilizada, é fato que os novos atores ganharam mais espaço e uma espécie de parcela de poder em várias partes do mundo (Sarquís, 2016). Direto ao tema, o conceito de paradiplomacia surgiu enquanto denominação para a atuação internacional dos entes subnacionais. Conforme foi visto anteriormente, o cenário do final do século XXI favoreceu o surgimento de novos atores como os entes subnacionais1. Soldatos (2001) aderiu o prefixo “para” à palavra “diplomacia”, para designar uma atuação paralela e subsidiária, que era desempenhada pelos governos subnacionais, à atuação diplomática exercida pelos Estados soberanos.

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Independente da teoria, o termo “paradiplomacia” será adotado nesta pesquisa para se referir ao conjunto de estratégias da agenda internacional coordenada pelos entes subnacionais (Keating, 2004). Por muito tempo, os estudiosos do tema referenciaram o trabalho de Soldatos (2011) como o precursor da conceituação da paradiplomacia (Duchacek, 2001; Soldatos; 2001; Cornago, 2004; Kincaid, 2001; Hocking, 1993; 2013; Criekemans, 2010), mas é de Cornago (2004) a conceituação mais adequada e atual para a atuação internacional dos entes subnacionais: A paradiplomacia pode ser definida como o envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios (ad hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional (Cornago, 2004, p. 251). De modo a contribuir para o tema, de acordo com Keating (2013), os entes subnacionais são impulsionados por três razões principais: i) econômicas, ii) políticas e iii) culturais. O autor ainda destaca que na prática os efeitos mais importantes ocorrem nas áreas econômicas e culturais. Duchacek (2001) elencou formas de desenvolver a paradiplomacia e destacou seis formas básicas de articulação da paradiplomacia. Primeiro, (i) a criação de escritórios permanentes de representação em outros países. Mantendo missões permanentes no exterior, os governos afirmam suas competências e funções internacionais, com objetivo de incentivar o investimento e o comércio por meio de atividades promocionais apropriadas e negociações diretas (paradiplomáticas) com instituições privadas

1 Respeitando a distinção entre Estado e Nação, propriamente, seria correto utilizar a expressão “subestatal” e não “subnacional”. Entretanto, o termo subnacional é utilizado de forma indiscriminada para qualquer tipo de entidade governamental não central como províncias, municípios, estados federados, regiões, governos médios, governos locais, entre outros. Portanto, já que a bibliografia especializada consagrou o termo subnacional, este será o termo utilizado no presente estudo.

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e públicas; e, também de atender as demandas de funcionários em lidar com governos estrangeiros, bem como numa influência efetiva (lobbying) na conduta de políticas nacionais de comércio e investimento (Duchacek, 2001). Em seguida, o (ii) envio de missões empresariais e diplomáticas envolvendo líderes destes setores; a (iii) promoção de missões de curta duração com intuito de se aprofundar em certo tema; a (iv) realização de feiras de investimentos comerciais para a atração de investimentos estrangeiros e turistas, através de ferramentas publicitárias; (v) estabelecer zonas de cooperação internacional. E, por fim, (vi) a participação de governantes dos entes subnacionais em conferências e organizações internacionais, e representações diplomáticas do seu estado no exterior (Duchacek, 2001). Portanto, além das formas de atuação é fundamental apresentar as características das agendas paradiplomáticas, assunto que será abordado na próxima subseção. Apesar dos entes subnacionais terem as mesmas motivações econômicas, políticas e culturais (Keating, 2001) e formas de atuação similares, eles atuam com focos distintos. Os governos estaduais e os municipais têm facilidade de trabalhar em redes, organizações internacionais, ONGs, entre outras associações e organizações da sociedade e a cooperação técnica é a agenda de ambos. Mas os governos estaduais focam a atuação paradiplomática na dimensão econômica, para o fomento das exportações, atração de investimentos privados e auxílio a empresas (SALOMÓN, 2013). Na agenda dos municípios, destaca-se a busca por recursos internacionais, a cooperação estratégica aos interesses dos entes, e os irmanamentos.

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A Paradiplomacia ao redor do mundo Considerando que já verificamos a abordagem da paradiplomacia, esta subseção se ocupará de explanar brevemente exemplos da paradiplomacia pelo mundo. À vista de que a prática da paradiplomacia não é algo novo (Cornago, 2010; SALOMÓN, 2011a) e foi intensamente impulsionada no hemisfério Norte, na década de 1980, é importante saber que a atuação paradiplomática logo se espalhou pelos cinco continentes. No hemisfério Norte, a prática paradiplomática mais antiga é a da província de Quebec, no Canadá. As ações paradiplomáticas com cunho nacionalista da província de Quebec são motivadas por questões culturais e políticas (ODDONE, 2013). Já no século XIX, a província possuía um Ministério de Relações Internacionais independente do governo canadense e estabeleceu escritórios de representação fora do país (ODDONE, 2013). Outra prática mais recente ocorre na Alemanha, em que a constituição define que as relações internacionais com outros estados estrangeiros devem ser conduzidas pela Federação. Todavia, as divisões administrativas tem autonomia para atuar internacionalmente (LECOURS, 2008). Já na Ásia, durante o contexto de transição da Guerra Fria, o governo central chinês incentivou a internacionalização de suas províncias, procurando superar o isolamento internacional. A paradiplomacia foi bem-vinda em Pequim e atualmente as províncias chinesas são muito ativas internacionalmente (Cornago, 2013). Já a Índia, tem como objetivos nas suas interações diplomáticas subnacionais a promoção da boa governança e atrair investimentos a nível regional. O primeiro-ministro indiano Nerendra Modi, quando governou Gujarat, já atuava internacionalmente dentro das restrições da política externa indiana, que era altamente centralizada. Quando se tornou primeiro-ministro em 2014, aderiu ao conceito

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de ‘diplomacia constituinte’ cunhado por John Kincaid (2001) (Tewari, 2016). Na África, o contexto de ascensão de governos subnacionais coincidiu com o fim da bipolaridade e a globalização. Além disso, a incidência nas interações domésticas dos Estados africanos, como o fim do apartheid, o processo de descolonização portuguesa e a descentralização política foram fundamentais para o fenômeno da paradiplomacia (Andrade, 2015). Na América Latina, foi após os regimes ditatoriais e as guerras sobre as fronteiras, que o contexto advindo do pós-Guerra Fria contribuiu para processos de redemocratização na América Latina que resultaram em novos casos de paradiplomacia. A existência de governos democráticos e, de preferência, sistemas federativos, favorece a atuação paradiplomática, apesar disto não ser uma variável independente, visto que as províncias chinesas atuam internacionalmente também. Além desses fatores, os fluxos migratórios que se intensificaram ao final da década e o aumento do multilateralismo com a abertura de conferências internacionais como as Conferências Habitat da Organização das Nações Unidas (ONU) (SALOMÓN, 2013).

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A prática da paradiplomacia no Brasil é uma realidade como em todo o mundo e isto ficou muito mais evidente com os períodos de reconhecimento e impulso do fenômeno. O fato de o Brasil possuir onze estados federados que dividem a fronteira com dez países da América Latina, diversificou as relações paradiplomáticas brasileiras. Os entes subnacionais brasileiros interagem com uma diversidade de outros atores não estatais como empresas e corporações, ONGs, meios de comunicação e mídia, movimentos sociais, igrejas, entre outros, que estiverem envolvidos no cenário internacional. Alguns desses atores não estatais, agem à revelia do próprio Estado, buscando interesses privados ou a defesa de causas políticas diversas. Já os organismos públicos municipais ou estaduais, por exemplo, atuam internacionalmente de maneira mais orgânica e articulada (Milani, Pinheiro, 2013). Na década de 90, com Fernando Henrique Cardoso, houve um reconhecimento da paradiplomacia e com isso, uma resposta imediata do Governo Federal na criação da política estatal da Diplomacia Federativa. Com o tempo percebeu-se que isto não passava de uma maneira de corresponder aos novos movimentos paradiplomáticos com a intenção de coordená-los de maneira a saber tudo que estariam desenvolvendo. Já na década de 2000, com Luiz Inácio Lula da Silva, houve maior impulso da paradiplomacia principalmente de maneira multilateral, primeiramente, entre as cidades, depois entre os estados federados. As cidades geralmente têm mais facilidade em se articular multilateralmente, e foram pioneiras na criação de uma associação multilateral chamada FONARI (Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais), em 2005. Apesar de já existirem organizações municipais1, essa associação foi a primeira focada para as ações internacio-

1 Por exemplo: a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a Confederação Nacional de Municípios (CNM), e a Associação Brasileira de Municípios (ABM). (Kleiman, 2011).

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nais (FONARI, 2017). O FONARI é composto por secretários, coordenadores e assessores de relações internacionais dos municípios brasileiros. O objetivo é a promoção do desenvolvimento local, da solidariedade internacional, da integração latino-americana, do fortalecimento da cooperação entre países em desenvolvimento, e a consolidação das estruturas locais de relações internacionais por meio da capacitação e conscientização política (FONARI, 2017). Já no âmbito dos governos estaduais, somente em 2015 foi criado o Fórum Nacional de Gestores Estaduais de Relações Internacionais (FórumRI27), tendo como referência a experiência do FONARI. A iniciativa surgiu do Estado de Santa Catarina, com o objetivo de congregar os seus pares na área de gestão pública estadual, que é, por vezes, diferente da atuação internacional municipal, e colocar em voga a discussão da paradiplomacia estadual brasileira e suas agendas (ForumRI27, 2016). A criação do FONARI e do FórumRI27 tem o objetivo de ganhar espaço de articulação e pressão política (advocacy) com o governo federal e outras associações de governos locais sobre a agenda paradiplomática brasileira (Kleiman, 2011). A atuação paradiplomática brasileira é moldada pela interação com o governo central e, por isto, é importante mencionar que existem algumas preocupações por parte da União quanto à atuação internacional dos entes subnacionais. No Brasil, a preocupação do governo central também está relacionada à uma percepção de intromissão na soberania estatal (Duchacek, 1986, 2001). O principal argumento dessa preocupação da atuação paradiplomática é a fragmentação da coesão da política externa brasileira; mas existem outros fatores que geram conflitos na interação entre os entes subnacionais e o governo central, que será o assunto abordado neste subitem final.

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De maneira geral, o desafio no Brasil é conjugar o potencial interesse pelas relações externas dos governos estaduais e municipais com os líderes do Estado brasileiro, evitando situações dúbias que possam questionar a legalidade da ação externa desses governos. O problema, segundo Kincaid (2001) é que o Estado nacional tem dificuldade em repensar a sua ação externa levando em consideração os novos atores. Isto é uma tarefa complexa em Estados unitários com tradição centralista e de regime político presidencialista Na próxima seção será abordado o objeto central dessa pesquisa, as relações internacionais do estado de Santa Catarina.

A CRIAÇÃO E EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DA SECRETARIA DE ESTADO DO GOVERNO DE ESTADO DE SANTA CATARINA O estado de Santa Catarina possui incentivos de influências externas que levam ao desenvolvimento de sua paradiplomacia. Essa influência está relacionada ao perfil sociodemográfico da colonização do estado por imigrantes europeus. A história da imigração européia no estado é o principal fator motivacional para a internacionalização de Santa Catarina. O objetivo aqui é analisar a institucionalização e evolução da Secretaria de Assuntos Internacionais – SAI, de forma que este órgão tem conseguido coordenar a agenda paradiplomática do estado com outras entidades dentro e fora do Governo de Santa Catarina. Nesta seção será apresentado o departamento responsável por organizar as relações internacionais do Governo do Estado de Santa Catarina antes da criação da SAI. Este departamento já foi a Secretaria de Es-

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tado de Desenvolvimento Econômico e Integração do Mercado do Sul (MERCOSUL) (SDEIM). A criação da SDEIM foi uma resposta ao contexto internacional dos processos brasileiros de integração regional. Naquela época, o foco era o desenvolvimento apenas por meio da promoção do turismo internacional. Logo, a SDEIM foi extinta e em 2003 foi criada a SAI. Durante o governo do Governador Luiz Henrique da Silveira (2003-2010), foi criada a Secretaria e a coordenação foi baseada no conceito de diplomacia federativa cunhado pelo Itamaraty1 (Colin, 2017). Portanto, o período analisado de 2003 a 2017 diz respeito aos dois mandatos de dois governadores distintos e de dois Secretários. Para estudar este período, também foram analisados os perfis desses dois governadores. Em relação ao perfil dos governadores, foi possível observar que o ex-governador, Luiz Henrique da Silveira, mostrou-se mais entusiasmado em desenvolver as relações internacionais do estado e o ex-governador João Raimundo Colombo, foi menos interessado no assunto. No entanto, ambos desenvolveram ações importantes em sua agenda paradiplomática. Quanto ao perfil dos secretários de estado, todos tinham experiência internacional - exceto por um, e apenas um era diplomata de carreira. Para dar conta da evolução institucional da SAI, quatro leis foram analisadas cronologicamente. Essas leis descrevem este órgão público e suas mudanças na gestão pública do estado de Santa Catarina de 2003 a 2017. Em suma, a análise dessas leis foi importante para identificar os objetivos e as diretrizes políticas para a coordenação da agenda paradiplomática em cada mandato. Além disso, coube verificar que a agenda paradiplomática é executada com diversos atores (dentro e fora do estado). Primeiramente, com os atores dentro do território do estado, orga-

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nizados pelos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e organizações da sociedade civil. Logo, a coordenação com atores do Poder Executivo é por meio do setor de Cerimonial da Secretaria Executiva da Casa Militar (que é responsável pelas cerimônias do Governador), a Secretaria de Estado do Planejamento (SPG) e a Agência de Investimentos Estrangeiros - INVESTE SC. Em coordenação com o Poder Legislativo, ou seja, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) houveram mais interações nos dois mandatos do Governador Luiz Henrique da Silveira, pois diversos deputados costumavam o acompanhar em missões. Por fim, nunca houve coordenação da agenda paradiplomática com o Poder Judiciário até 2016. O Ministério Público de Santa Catarina fez parte da delegação durante a Missão Oficial à Alemanha, durante a Reunião Econômica Anual do Brasil e da Alemanha. É importante mencionar que também há outros atores como universidades, associações comerciais, câmaras de comércio, associações cooperativas, grupos artísticos e culturais, ONGs e organizações estudantis na agenda paradiplomática. Paralelamente, no âmbito do Governo Federal a agenda paradiplomática se deu a partir de uma parceria recíproca. Em primeiro lugar, com a Subsecretaria de Assuntos Federativos (SAF) da Presidência da República, motivada principalmente por questões do Fórum Nacional de Gestores de Relações Internacionais (FórumRI27), no qual Santa Catarina foi o pioneiro, congregando nove entes subnacionais e fundou o fórum permanente. Pode-se dizer que o FONARI foi uma inspiração para tal. No âmbito dos estados federados, as relações foram todas por meio do FórumRI27. Mas, com o Ministério das Relações Exteriores (MRE-Itamaraty), o estado se coordenava pela representação em Santa Catarina (ERESC) para assuntos internos, e com a Assessoria de Assuntos Federativos e Parlamentares por conta do FórumRI27 também.

1 Em 1995, o Itamaraty também cunhou sua própria definição de diplomacia federativa (Colin, 2017).

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Portanto, a última coordenação analisada foi aquela desenvolvida com o corpo diplomático no Brasil. A coordenação baseia-se na necessidade de um apoio específico ao Governador em missões no exterior, recepção de autoridades, arranjos de empreendedorismo ou atividades culturais. É possível destacar a estreita comunicação e cooperação com membros do Corpo Consular Honorário de Santa Catarina.

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para descrever a forma como o estado de Santa Catarina desenvolveu sua agenda paradiplomática (Heil De Borda, 2018).

A AGENDA PARADIPLOMÁTICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA A paradiplomacia é motivada por três áreas: econômica, política e social (Keating, 2004). No âmbito dessas motivações, os entes subnacionais perseguem a agenda paradiplomática por meio de um conjunto de formas básicas para a atividade paradiplomática (Duchacek, 2001). Nesta seção1 será analisada a agenda paradiplomática do estado de Santa Catarina de 2003 a 2017. A agenda paradiplomática será dividida em dois períodos. O primeiro período refere-se ao mandato do Governador Luiz Henrique da Silveira (2003-2010) e o segundo período ao mandato do Governador João Raimundo Colombo (2011-2017) (Heil De Borda, 2018). Foram estabelecidas cinco categorias básicas para organizar a análise da agenda paradiplomática do estado de Santa Catarina. As categorias são: i) investimentos estrangeiros e promoção econômica, ii) promoção do turismo, iii) cooperação internacional, iv) integração transfronteiriça e v) Strategies Inside Out. A contribuição desta seção é com relação ao conceito de Strategies Inside Out, criado 1 Para isto, muitos ex-secretários de estado, ex-funcionários da SAI e funcionários de outros estados federais brasileiros foram entrevistados. Essa análise também se baseou em relatórios gerenciais, Planos Plurianuais (PPA), Leis Orçamentárias Anuais (LOA), Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e um banco de dados denominado Sistema Integrado de Planejamento e Gestão Fiscal do Estado de Santa Catarina (SIGEF) do Secretário do Tesouro.

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GOVERNADOR LUIZ HENRIQUE DA SILVEIRA 2003 – 2010 A agenda paradiplomática do estado de Santa Catarina no período de 2003 a 2010 corresponde aos dois mandatos do Governador Luiz Henrique da Silveira (LHS). Durante a primeira gestão de 2003 a 2006, a agenda paradiplomática do estado tinha um objetivo principal que era “colocar Santa Catarina no mapa”, segundo Colin (2017) (Secretaria De Estado Da Articulação Internacional, 2004). Já a segunda gestão no período de 2007 a 2010, apesar do objetivo de colocar Santa Catarina no mapa ser mantido, a agenda paradiplomática foi modificada devido ao contexto do Governo Federal e as diretrizes da cooperação técnica descentralizada (SECRETARIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, 2010). De maneira muito resumida, seguem os principais feitos da agenda paradiplomática do estado. Nesta pesquisa foram estabelecidas quatro categorias: i) promoção comercial e atração de investimentos, ii) promoção do turismo, iii) a cooperação internacional, e, por fim, iv) integração de fronteira. i) Promoção comercial e atração de investimentos: colocou o setor produtivo como uma das prioridades para ampliar as exportações, realizou muitas missões oficiais para aberturas de mercados, como a da crise da carne suína com a Rússia em 2004. Participou de muitas feiras e atraiu muitas empresas para o estado como Carls Zeiss e MWZander (SECRETARIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, 2010). ii) Promoção do turismo: em 2009 foi realizado o Summit do 9º Fórum Mundial de Turismo do World Travel and Tourism Council (WTTC) em Florianópolis. A organização do WTTC promoveu o Brasil e Santa Catarina em mídias conhecidas internacionalmente como:

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NewsWeek, Financial Times, USA Today e BBC World (SECRETARIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, 2010). iii) A cooperação internacional: as primeiras agendas na cooperação internacional do estado foram a continuidade do mandato do governador Luiz Henrique da Silveira, enquanto prefeito de Joinville (Colin, 2017), como a instalação da Escola Teatro Ballet Bolshoi Brasil, a única filial fora da Rússia, que é um dos melhores exemplos da agenda de cooperação internacional (SECRETARIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, 2010). iv) Integração de fronteira: desde a década de 1990, o estado catarinense desenvolve a agenda paradiplomática com o MERCOSUL, principalmente, porque faz fronteira com a Província de Misiones, na Argentina. Em 2003 foi estabelecido um Convênio de Cooperação voltado apenas para estratégias de integração fronteiriça, com o objetivo de aprofundar o turismo e as exportações com as províncias argentinas (Secretaria Exectutiva Da Articulação Internacional, 2005).


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GOVERNADOR JOÃO RAIMUNDO COLOMBO 2011 – 2017 Esta subseção analisa a agenda paradiplomática do estado de Santa Catarina no período de 2011 a 2017, que corresponde aos dois mandatos do atual Governador João Raimundo Colombo. De antemão, é preciso informar que, diferentemente dos anos anteriores, este período não foi marcado por uma estratégia de coordenação das relações internacionais. O objetivo foi atrair investimentos e fomentar as exportações do estado. i) Promoção comercial e atração de investimentos: a agenda focou na atração de investimentos estrangeiros. Em 2011, a SAI iniciou contato com a BMW do Brasil, quando a empresa Bayerische Motoren Werke AG (BMW) buscava um local para se instalar na América Latina. Após negociações, a BMW assinou o contrato de instalação da montadora na cidade de Araquari (Secretaria Executiva de Assuntos Internacionais, 2013; Fernandes, 2017). O estado criou um órgão específico para fomentar essas atrações de investimentos, a INVESTESC.

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acordo de cooperação ou no estreitamento de relacionamento. A tarefa pode parecer fácil por ser considerada uma agenda reativa e também social de uma demanda externa, mas a coordenação com autoridades diplomáticas requer muito esmero da equipe para que nenhuma ação cause desconforto com os representantes dos entes estrangeiros. iv) Integração de fronteira: desde 2012, a agenda paradiplomática relacionada à fronteira tem sido coordenada pela Secretaria do Estado do Planejamento com o Plano de Desenvolvimento e Integração Fronteiriço do Estado de Santa Catarina. Neste sentido, o Núcleo Estadual da Faixa de Fronteira (NFSC) vinha exercendo papel central no relacionamento com os países do MERCOSUL e na fronteira catarinense. A SAI atuava na integração de fronteira por meio da Câmara Temática de Assuntos Internacionais (CTAI) do NFSC (Secretaria Executiva de Assuntos Internacionais, 2017). Para explicar a agenda paradiplomática de 2015-2018, foi necessário criar uma nova categoria chamada de Estratégias Inside Out, que devido à sua extensão, a próxima seção é dedicada a esse tema.

ii) Promoção do turismo: nesse período foi criada a empresa pública SANTUR, e a promoção internacional do turismo do estado tem sido exercida pela Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte, mas com apoio pontual da SAI. Em 2017, a SAI representou a SANTUR no seminário sobre os potenciais turísticos promovidos pelo escritório do Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR) no Reino Unido (Secretaria Executiva de Assuntos Internacionais, 2019). iii) Cooperação internacional: a SAI recebe constantemente convites para eventos culturais dos embaixadores ou dos cônsules honorários, que costumam resultar em algum

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ESTRATÉGIAS INSIDE OUT A paradiplomacia tem três motivações: econômicas, políticas e sociais (Keating, 2004). No âmbito de percorrer essas motivações, os entes subnacionais se utilizam de um conjunto de ações tradicionais da atuação paradiplomática (Duchacek, 2001). Na análise da agenda paradiplomática dos dois governadores foi possível agrupar as ações nas quatro categorias já verificadas. Todavia, para categorizar algumas atividades da agenda paradiplomática do estado realizadas em 2015, foi estabelecida uma quinta categoria: Estratégias Inside out. Esta categoria se ocupa de analisar três estratégias internas e voltadas para o âmbito doméstico brasileiro que impulsionaram a paradiplomacia do estado mas que não se encaixam nas tradicionais formas de atuação dos entes subnacionais estabelecidos por Duchacek (2001). Portanto, a primeira estratégia foi a criação do Fórum Nacional de Gestores Estaduais de Relações Internacionais (FórumRI27). Em muitos momentos, os entes federados são concorrentes quando se trata de cooperação internacional ou atração de investimentos (Fernandes, 2017). Apesar disso, a SAI congregou gestores de diversos estados brasileiros para a criação de um Fórum permanente em 2015, que resultou na cooperação entre os estados federados, no sentido de partilhar oportunidades uns com os outros e as experiências de boas práticas. É bom destacar que o FórumRI27 foi inspirado no FONARI, criado em 2005, mas não teve coordenação como o FONARI. Os dois grupos se comunicaram depois da criação do FórumRI27. Em paralelo ao Fórum, foi realizada a I Conferência Nacional de Relações Internacionais: os novos rumos da paradiplomacia, que discutiu a paradiplomacia com representantes acadêmicos como Michael Keating e Noe Cornago, e gestores brasileiros na área interna-

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cional dos governos estaduais. Esta iniciativa doméstica fortaleceu as ações internacionais dos estados federados como uma via de mão dupla da cooperação doméstica para a projeção nacional e internacional, principalmente frente ao Ministério das Relações Exteriores. A segunda estratégia foi a criação da Medalha Mérito Governador Luiz Henrique, por meio do Decreto nº 423 de 29 de outubro de 2015. Esta honraria é uma forma de homenagear o ex-Governador do estado, considerado um ‘político à frente de seu tempo’ que marcou as relações internacionais do estado por ser um visionário ousado (Vitório, 2017). O Ten. Cel. Luiz Carlos Vitório (2017), ajudante de ordens de governadores desde 2003 ressaltou a importância da medalha da seguinte maneira: Luiz Henrique da Silveira não era um diplomata, mas diplomacia não lhe faltava, sabia projetar o estado como ninguém. Seu entusiasmo ao falar do potencial de Santa Catarina, das belezas naturais, do estado empreendedor, do povo trabalhador e inovador, fascinava e encantava quem o escutava (Vitório, 2017). O estado de Santa Catarina é o único dentre os 26 entes federados e o Distrito Federal que criou uma honraria estadual específica para as relações internacionais com o objetivo de reconhecer domesticamente as autoridades e outros atores que contribuíram paras as relações internacionais de Santa Catarina e incentivar a promoção da internacionalização do estado. E, por fim, a terceira estratégia foi estabelecer um canal de comunicação participativo com o Corpo Consular Honorário do estado. Em 2015, a SAI realizou o 1º Seminário de Integração Consular Catarinense em parceria com o Escritório de Representação Regional do Itamaraty - ERESC. O seminário proporcionou que os representantes honorários apresentassem as suas demandas ao estado. Em decorrência do diálogo aberto com algumas embaixadas, o Estado de Santa Catarina foi escolhido pela


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Divisão da União Europeia, em Brasília, para sediar a reunião anual dos Embaixadores da União Europeia 2016. Essas foram as três principais agendas estratégicas intencionais da paradiplomacia catarinense categorizadas como Estratégia Inside out, uma vez que a coordenação das relações internacionais foi executada estritamente no âmbito doméstico como meio de desenvolver as relações internacionais do estado. Mais conceitualmente, uma estratégia Inside out define-se quando uma ação promovida por uma unidade subnacional, estritamente dentro dos domínios do governo local ou intermediário, envolvendo também outros atores não centrais, para influenciar esses outros atores para promover a unidade subnacional internacionalmente. Desta maneira, procurou-se contribuir com o estudo de caso sobre as relações do estado de Santa Catarina de maneira pioneira com um raio x sobre a atuação da paradiplomacia de maneira conceitual, ao redor do mundo e na América Latina. Também resultou teoricamente no conceito de atuação internacional estratégico de estratégias inside out.

CONCLUSÃO Em conclusão, foi visto nesta pesquisa o contexto do surgimento da paradiplomacia, o seu conceito, a paradiplomacia pelo mundo e na América Latina, e em seguida em Santa Catarina como um exemplo brasileiro e como uma pesquisa que aborda todas as ações de paradiplomacia do estado de Santa Catarina. Foi explanado brevemente sobre a sua articulação com os atores dentro e fora do estado de Santa Catarina e também a agenda paradiplomática dividida em dois períodos dos mandatos dos ex-governadores Luiz Henrique da Silveira (2003-2010) e João Raimundo Colombo (2011-2017).

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Dentre os órgãos de governo do ente subnacional, a estrutura paradiplomática é mais vulnerável quando ocorre a alternância de governos, pois as relações internacionais não costumam ser tratadas como prioridade no plano de governo. Assim, a agenda paradiplomática torna-se pouco coesa e a estrutura institucional suscetível às alterações negativas, pois não há consciência da importância da área internacional (Ramalho Fróio, 2015). Foi possível identificar que a agenda era mais sólida durante a gestão do primeiro governador apresentado, mas do segundo mandato de Raimundo Colombo em diante, a agenda se mostrou empenhada na divulgação do estado dentro e fora do território catarinense. Por mais que tenham ocorrido percalços na coordenação das relações internacionais por certo período após 2015, a agenda se mostrou consistente e inovadora, visto na categoria de Estratégias Inside Out. No entanto, um resumo dessas quatro categorias afirma que em relação a investimentos estrangeiros e promoção econômica1, que Santa Catarina costuma enviar missões ao exterior e receber delegações estrangeiras para fins políticos e empresariais. O estado tem um órgão específico para fomentar essas atrações de investimentos, a INVESTESC. Por fim, ao analisar a agenda paradiplomática de Santa Catarina com a literatura já conhecida, foi possível inferir que essa agenda possui algumas semelhanças com as demais, mas também uma característica distinta de ação que deu origem ao conceito de Strategies Inside Out. Com a análise da agenda paradiplomática de Santa Catarina, ela se assemelha a de outros governos estaduais. Mas a motivação da agenda paradiplomática do estado de Santa Catarina é única, pois carrega um vínculo internacio-

1 Uma abordagem mais aprofundada sobre a atração de investimentos e a promoção econômica vão além do objetivo deste artigo, mas podem ser encontradas com facilidade na dissertação de mestrado da UFSC: As relações internacionais do estado de Santa Catarina.

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nal desde as suas colônias empreendedoras. No entanto, a coordenação da prática é semelhante a outros estados, o que significa que os entes subnacionais brasileiros utilizam estratégias semelhantes para desenvolver suas relações internacionais, em sua maioria correspondendo às formas teóricas estabelecidas da paradiplomacia. Com o conhecimento já possuído de outros estudos de caso, averigua-se também que o estado se diferenciou com as ações da categoria Estratégias Inside Out, em relação aos demais entes subnacionais. Por fim, é importante ressaltar que os governadores e prefeitos são os atores principais na paradiplomacia brasileira, pois quando vislumbram a atuação internacional como vetor de desenvolvimento se engajam na paradiplomacia. Além disso, a decisão pessoal do governador e prefeito, inclusive político-partidária; as demandas de outros órgãos do governo; a pressão de grupos da sociedade civil e do setor privado também influenciam nas decisões do governante (Ramalho Fróio, 2015). Esta análise das fontes primárias sobre a coordenação das relações internacionais do estado de Santa Catarina conclui como contribuição para o campo com o conceito de ação estratégica adotado pelo estado de Santa Catarina, a Estratégia Inside Out, que oferece uma análise que o distingue de outros entes federativos brasileiros. Esta pesquisa associou a teoria e a prática da paradiplomacia, trazendo o estudo de caso com a experiência do estado de Santa Catarina e suas principais ações, o que contribui com o assunto no Brasil.

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Alice Helena Heil de Borba Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. É mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Atuou na área de Relações Internacionais da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, alocada no setor da Assessoria Internacional na internacionalização daquela instituição e do ensino superior. Foi SecretáriaGeral do Fórum Nacional de Gestores Estaduais de Relações Internacionais - FÓRUM RI 27. Foi Coordenadora da Câmara Temática de Assuntos Internacionais no Núcleo da Faixa de Fronteira do Estado de Santa Catarina. Até 2019, atuou na Secretaria de Assuntos Internacionais do Governo do Estado de Santa Catarina. Mail: alice.hb@hotmail.com

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A EVOLUÇÃO DA PARADIPLOMACIA NO ESTADO DA BAHIA E A SUA RELEVÂNCIA NO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19 Sílvia Barros de Santana Corrêa

Abstract Paradiplomacy is, today more than ever, part of Brazilian foreign policy. Although it is not something new in the country’s history, in the middle of one of the greatest health, economic and social crises in the world, caused by the Covid-19 pandemic, subnational units have been protagonists in the fight against the coronavirus. Given the limitations that the Brazilian Constitution of 1988 establishes regarding the exercise of paradiplomacy, this paper seeks to answer to what extent the normative centralization of the Federal Government hinders the confrontation of a pandemic? With this objective in mind, the case of the state of Bahia and its performance during the coronavirus crisis will be analyzed. Key words: Paradiplomacy, Ciudades, Belo Horizonte, Local-Internacional Interest (ILI).

@chaarlotteborges

Resumen La paradiplomacia forma parte, hoy más que nunca, de la política exterior brasileña. Aunque no se trate de algo nuevo en la historia del país, en medio a una de las mayores crisis sanitarias, económicas y sociales que vive el mundo, provocada por la pandemia del Covid-19, las unidades subnacionales han sido protagonistas en la lucha contra el coronavirus. Dadas las limitaciones que la Constitución brasileña de 1988 establece con relación al ejercicio de la paradiplomacia, este trabajo busca responder ¿en qué medida la centralización normativa del Gobierno Federal dificulta el enfrentamiento de una pandemia? Con este objetivo será analizado el caso del estado de Bahía y su actuación durante la crisis del coronavirus. Palabras clave: Paradiplomacia; Cooperación Internacional; Covid-19; Bahía.

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A EVOLUÇÃO DA PARADIPLOMACIA NO ESTADO DA BAHIA E A SUA RELEVÂNCIA NO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19 Sílvia Barros de Santana Corrêa

Resumo A paradiplomacia é, hoje mais do que nunca, parte da política externa brasileira. Embora não seja algo novo na história do país, no meio de uma das maiores crises sanitárias, econômicas e sociais do mundo, causada pela pandemia da Covid-19, as unidades subnacionais têm sido protagonistas na luta contra o coronavírus. Dadas as limitações que a Constituição Brasileira de 1988 estabelece em relação ao exercício da paradiplomacia, este trabalho procura responder até que ponto a centralização normativa do Governo Federal dificulta o confronto de uma pandemia? Com este objetivo em mente, será analisado o caso do estado da Bahia e o seu desempenho durante a crise do coronavírus. Palavras-chave: Paradiplomacia, Cidades, Belo Horizonte, Interesse Local-Internacional (ILI).

INTRODUÇÃO

O

novo cenário da arena internacional, a partir da segunda metade do século XX, especialmente após a Guerra Fria, trouxe consigo novas formas de se praticar política externa. Conceitos clássicos como “balança de poder” começaram a ser revistos, pelas lacunas que deixavam em um mundo cada vez mais complexo e necessitado de análises mais sofisticadas e precisas (Aprigio, 2015). As primeiras formas de regulamentação de tratados, onde apenas os Estados soberanos nacionais eram tratados como pessoas jurídicas do direito público externo, não cabiam mais. O próprio ordenamento jurídico percebeu o nascimento de uma nova performance de sujeito, dotado de direitos e obrigações internacionais: as organizações internacionais (Branco, 2007). Tratando-se de Brasil, esse aparecimento de novos atores que, embora novos para a arena internacional, já eram parte da composição interna dos Estados, inaugura uma nova etapa da política externa brasileira.

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Diversos atores como sindicatos, mídia, opinião pública, universidades, câmaras de comércio, grupos religiosos, dentre outros, passaram a participar ativamente do cenário internacional, porém, os que receberam o título de “subnacionais” foram todos aqueles que adquiriram proeminência internacional. Cidades, municípios, estados federados províncias, departamentos, regiões, condados, comunidades autônomas, conselhos distritais e quaisquer outros atores políticos que sejam parte constituintes dos Estados e que atuem na arena internacional, ou interajam com temas da dimensão de política externa, são modelos de atores subnacionais. Paralelamente ao questionamento de princípios clássicos, tornou-se ainda mais evidente a incapacidade dos Estados Soberanos de assistir às necessidades de suas unidades subnacionais. Essa lacuna empurrou esses atores (cidades, estados/províncias) em direção ao protagonismo e papel de chefia para trabalhar em prol da internacionalização de seus interesses e necessidades, com o intuito de alcançar o desenvolvimento local (Aprigio, 2015). Caracteriza-se aqui o fenômeno da “nova geografia do poder” (Sassen 1999,1)


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que não representa a perda ou declínio do poder do Estado, mas implica em um processo mais amplo de mudanças por parte do Estado, mais complexo do que uma simples perda de poder. Representa um reposicionamento do Estado em uma arena mais ampla de poder, uma ressignificação do trabalho dos Estados (Sassen 1999, 1-2). Desse modo, por conta das particularidades e diversidades dos entes envolvidos e interconectados no interior do sistema internacional, que demonstra a ausência das tradicionais fronteiras ou limites, a paradiplomacia se desenha mais firme e estável dentro do processo de imersão internacionais dos atores subnacionais (Aprigio, 2015). Em situações críticas, a intervenção e a essencialidade das ações tomadas por parte das unidades subnacionais se sobressai ainda mais. A crise sanitária, econômica e social promovida pela pandemia da covid-19, colocou em evidência a relevância dos atores subnacionais no enfrentamento de crises. A inteligência das unidades subnacionais em parceria com a gestão racional dos governantes, foi crucial para amenizar os efeitos negativos do atraso de aplicação de medidas por parte do Governo Federal brasileiro. Os entes subnacionais tomaram a frente e começaram por contra própria o processo de captação de recursos, medidas restritivas e até a busca por acordos de cooperação em prol de uma vacina. Embora os governos subnacionais demonstrem suas habilidades no tocante à boa execução e celebração de acordo e parcerias internacionais, a paradiplomacia brasileira enfrenta alguns entraves normativos. No âmbito constitucional, temas ligados às relações internacionais nunca foram especificados de modo preciso ou colocados de modo constante nas Constituições Federais brasileiras. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) trouxe o tema de modo disperso ao longo de alguns artigos e incisos.

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Ela não institucionalizou muito menos reconheceu a paradiplomacia, colocando quaisquer práticas ligadas a política externa sob a direção exclusiva da União, sendo esta a única forma possível de representação internacional oficial do Brasil (Henrique Sartori de A. Prado, 2014). Buscando apresentar o processo de consolidação normativa das relações internacionais no Brasil, este artigo propõe a analisar a institucionalização das atividades internacionais a partir da Constituição Federal brasileira de 1988, e os impactos de seu caráter centralizador nas tentativas de limitação da imersão das unidades subnacionais na política externa. Este objetivo será alcançado através do estudo de caso do Estado da Bahia, que vem utilizando espaços intergovernamentais para transcender os limites normativos estabelecidos pela Constituição. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa bibliográfica que, para além da revisão de literatura especializada, analisa também fontes documentais como a Constituição Brasileira e relatórios específicos de unidades subnacionais e organizações internacionais. O artigo apresenta as ações que levaram o estado baiano a se tornar a única unidade subnacional do Norte e Nordeste do país referência na Cities For Global Health1, primeira iniciativa internacional para compartilhar práticas de cidades modelo em políticas públicas no combate ao coronavírus. E por último, será apresentado o processo de acordo efetuado entre o Fundo Soberano da Rússia (RDIF) e o Estado Baiano, para adquirir doses da vacina russa SPUTNIK V e as informações científicas para produção da mesma, processo este que encontra-se travado constitucionalmente pela necessidade de aprovação do Governo Federal.

1 Cities For Global Health, “Experiências em primeira mão para repensar as nossas cidades após a pandemia” [online], Espanha, 2020, <https://www.citiesforglobalhealth.org/> [Acesso: 29 de fevereiro de 2021].

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A PARADIPLOMACIA NO BRASIL Desde os primeiros anos da redemocratização do país, que antecedeu a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil já experimentava uma nova fase da sua história federalista, também marcada pelo processo da globalização. Assim como em outros países, uma das grandes consequências da globalização no Brasil, foi alimentar a aparição de novos atores na agenda política internacional, atores estes que, institucionalizados ou não, passaram a construir novas vias de imersão no sistema internacional (Gomes Filho, 2011). Na busca por seu desenvolvimento econômico e social - o que criou um movimento de pressão sob o Poder Central -, as unidades subnacionais passaram a exercer uma certa autonomia internacional, representada pelos seus progressos em firmar parcerias internacionais e participação em eventos e agendas globais. Simultaneamente à entrada de novos atores no campo das relações internacionais, o Brasil enfrentava uma crise de estabilidade interna, que foi o ambiente propício para a ampliação da autonomia dos Estados, que caminhou em sentido paralelo à criação e consolidação da nova Constituição Federal. A Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF/88), também conhecida por Carta Maior ou Constituição Cidadã possui um grande significado para as relações internacionais do Brasil. Por trazer em si a garantia dos direitos que outrora foram confiscados dos cidadãos brasileiros até o processo de redemocratização, a CF/88 representa um grande passo em direção a melhor qualidade de vida e desenvolvimento do Brasil. Para além de questões internas, a Constituição Cidadã marcou uma nova fase da política externa brasileira. Pela primeira, o Brasil atribui caráter normativo à celebração de acordos internacionais, assim como estabelecimento de vínculos de cooperação para o desenvolvimento (Aprigio, 2015).

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Como novidade, além de restabelecer o Estado Democrático de Direito, a CF/88 trouxe artigos e incisos que abordaram a atuação internacional, onde a partir da interpretação dos mesmos, é possível delimitar as capacidades constitucionais atribuídas a Estados e Municípios dentro da política externa. Apesar de seu caráter disperso e centralizado, alguns artigos da atual Constituição merecem ser destacados pela sua relevância à abertura de oportunidades internacionais. O artigo 4º é o primeiro a apresentar os pilares que instituem a República Federativa do Brasil nas relações internacionais. O artigo 21, inciso I, afirma que quaisquer relações com Estados estrangeiros assim como a participação em organizações internacionais é de responsabilidade da União. Em concordância a esses artigos, o artigo 84, incisos VII e VIII, atribui especificamente ao presidente da república estabelecer relações com outros países e estabelecer representantes diplomáticos, assim como celebrar tratados sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Apesar das menções específicas ao Governo Federal, alguns artigos abriram margem para que as unidades subnacionais pudessem se inserir em atividades paradiplomáticas. O artigo 52, inciso V, da Constituição é um bom exemplo. Nele está expresso que os Estados-membros do Distrito Federal e os Municípios possam celebrar tratados de financiamento com entes internacionais, desde que obtenham o consentimento do Senado Federal. Outro exemplo encontra-se no entendimento do artigo 25, parágrafo 1º, que atribui aos Estados-membros atribuições que não sejam impedidas pela constituição. Por essas atribuições nos âmbitos administrativos, legislativos e tributários, compreende-se onde reside a autonomia dos Estados-membros brasileiros. A partir disso, o princípio que descreve essa repartição de competências, o da predominância do interesse, se torna importante para a compreensão das atividades paradiplomáticas no Brasil (Prado, 2014).


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Por muitos anos era executada uma interpretação bastante literal e restrita dos artigos e incisos citados por parte do Ministério de Relações Exteriores do Brasil (MRE ou Itamaraty), que não aceitava nenhuma espécie de participação internacional de estados brasileiros com outras nações ou órgãos internacionais. Esse tipo de análise incongruente da Constituição Federal era bastante descolada da realidade vivida pelos Estados e Municípios. O Brasil como sendo um país de proporções continentais, terminaria por atrofiar a maior parte das suas vias de imersão no cenário internacional, pela impossibilidade da União ser o único agente de atividades internacionais. Seja pelas peculiaridades do federalismo brasileiro, seja pela geopolítica atual, o conteúdo literal dos artigos constitucionais não é o bastante para suprir os espaços sobre a atividade internacional das unidades subnacionais (Amorim, 2019). De acordo com Tullo Vigevani (2006), os autores que se debruçam sobre a análise das unidades subnacionais, afirmam que existem experiências consolidadas especialmente nos países que fazem parte da Organisation for Economic Co-operation and Development (OCDE) que comprovam o ganho de importância e a ascensão dos governos subnacionais na política externa dos Estados. Os aportes à política externa brasileira oferecidos pelas unidades subnacionais desde que foram reconhecidos como entes federados a partir da CF/88, são a porta para o alargamento das discussões sobre as chances da descentralização da participação do Brasil no sistema internacional. De um modo geral, as constituições das unidades federadas não discutem de forma objetiva a paradiplomacia, porém, é possível perceber que há um esforço tanto por parte do governo nacional quanto pelos próprios agentes subnacionais a partir da Constituição de 1988, para adaptar e estimular a imersão dos estados e municípios no universo da paradiplomacia.

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que os estados paradiplomáticos avançam. Outro ponto que facilitou a imersão dos estados federados na paradiplomacia foram as chamadas ‘fronteiras porosas entre países’, especialmente o movimento transfronteiriço chamado perforated sovereignties ou percolated sovereign boundaries. De forma prática, trata-se de quando uma fronteira entre Estados termina por se transformar em integração econômica, social e cultural, incentivando relações recíprocas, o que implica em novas precisões normativas. Além da busca por atender suas demandas e internacionalizar suas culturas, os estados e municípios passaram a se preocupar com o espaço global pela própria visão que este tinha sobre eles, que os apontavam como agentes de desenvolvimento econômico. As unidades subnacionais possuem maior habilidade de adaptar suas sociedades, seus mercados e tecnologia de maneira mais precisa que o Poder Central, visto que conseguem visualizar de forma isolada seus pontos fortes e deficientes, e conseguem trabalhar de modo mais específico e isolado em suas questões. Isso as leva (unidades subnacionais) a galgar espaços mais diretos na arena internacional, assim como aproveitar os benefícios da globalização que lhe serve melhor a suas especificidades para no mínimo, evitar perdas e amenizar danos.

Barreto (2001) afirma que é justamente ao confrontar as limitações da questão regional,

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No Brasil, assim como em todo o mundo, o aumento da importância da interdependência das nações termina por empurrar os Estados a levar em conta suas unidades subnacionais na concretização de acordos de política externa, assim como em suas políticas públicas gerais. Juntamente com a preocupação com o estado de bem-estar, ocorreu um tipo de ampliação na percepção sobre o quanto o ambiente internacional interfere em questões locais, atingindo populações e viabilizando o apoio político e social para as tomadas de decisão governamentais (Duchacek, 1990). Há um ponto relevante a respeito da discussão normativa que se relaciona com o impasse sobre o Pacto Federativo no Senado Federal, que rege a discussão sobre até onde há espaço para as unidades subnacionais se posicionarem na política externa. Em outubro de 2012 foi criada a Comissão Especial Externa do Senado Federal com o intuito de estudar e propor mecanismos para solucionar problemas ligados ao Sistema Federativo. Os temas que mais compuseram a pauta de prioridades foram de cunho tributário e fiscal, exploração mineral, regras de amortização das dívidas e atribuições orçamentárias. Questões associadas à repartição de responsabilidades e ações, especialmente no âmbito internacional das unidades subnacionais do país, ainda não receberam nenhuma proposta de medidas pela Comissão Especial Externa do Senado (Prado, 2014). A legislação e a doutrina nacional vivem em constante oposição. Se por um lado persiste as normas constitucionais e as direções a serem seguidas sobre as restrições à ação internacionais dos estados e municípios, por outro, tem-se a realidade e prática diária de várias unidades subnacionais brasileiras, onde a participação na política externa compõe a rotina desses locais até de modo formal como a efetivação de acordos de cooperação diretos. Porém, a falta de aparatos normativos limitam a construção desses acordos internacionais dos governos subnacionais do país, o que reduz

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a credibilidade e a força jurídica das práticas paradiplomáticas que são celebradas pelos estados e municípios. Ao analisar a Constituição Federal especialmente os ordenamentos do Direito Internacional Público fica a percepção sobre a falta de validade das responsabilidades jurídicas assumidas pelos governos subnacionais, ou seja, que não podem ser reivindicados em outro momento pela falta de representação jurídica internacional (Amorim, 2019). Apesar dessas informações, os acordos executados pelos governos subnacionais brasileiros seguem sendo feitos e crescendo ao longo dos anos, alcançando novos âmbitos e desenvolvendo mecanismos próprios. Isso prova o esforço que vem sendo feito pela paradiplomacia brasileira para transcender as fronteiras constitucionais e seus impactos (especialmente em momentos de crise, como a atual proporcionada pela pandemia do coronavírus) até que alguma medida normativa venha de fato ser tomada.


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VENCENDO OS ENTRAVES CONSTITUCIONAIS: OS AMBIENTES DE ARTICULAÇÃO INTERGOVERNAMENTAIS De um modo geral, é possível se perceber duas soluções para as limitações constitucionais impostas aos Estados e Municípios no que tange a celebração de acordos internacionais. A primeira e possivelmente a ambição mais antiga das unidades subnacionais, trata-se de ir em direção a uma modificação constitucional. Infelizmente esta medida é um caminho difícil principalmente pela inexistência de um meio político que julgue o debate em torno dessa reforma como necessária, e que fomente a alteração constitucional ou um marco legal que fundamente a paradiplomacia. A outra solução não é bem vista pelas unidades nacionais, pois em parte, representa um certo retrocesso do que já foi realizado por parte dos governos subnacionais, visto que às condicionaria a não-mediação de acordos internacionais com valor jurídico, restringindo-as a agentes figurativos em acordos do setor privado. Ao analisar os documentos oficiais dos pareceres jurídicos que o Ministério das Relações Exteriores apresentou sobre as negociações entre estados nacionais e governos estrangeiros, como o realizado em 22 de julho de 1905, em uma negociação do Governo do Estado da Bahia com um cônsul italiano, o caráter direto e com poucas margens à negociação, sobre as ações autônomas dos governos subnacionais do Itamaraty fica em evidência: [...] A obrigação de indenizar não existe. Não creio, porém, que no estado atual da reclamação se possa atacar esse ponto doutrinal. O Estado da Bahia fez a oferta, não podia mais retirá-la com fundamento na recusa por parte da Itália. O Governo Federal também não

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pode mais notar a incorreção da negociação entre um Cônsul e um Governador de Estado. A União é pessoa internacional e o Ministério das Relações Exteriores o seu representante no exterior. Os agentes diplomáticos ou consulares só com ele podem tratar de assuntos dessa natureza. [...] (Medeiros, 2000:15) Esse comportamento é fruto do modelo federativo centralizado que reforça o poder do Governo Federal em determinados contextos sobre a temática da soberania nacional. Entretanto, os anos 1990 trouxeram como novidade uma concretização da preocupação do Ministérios de Relações Exteriores com os governos subnacionais com a fundação da diplomacia federativa em 1995. Isto representou uma política de Estado em prol da aproximação do diálogo entre as unidades subnacionais e o governo federal, em uma tentativa de coordenar suas ações internacionais (Amorim, 2014). Essa iniciativa por parte Itamaraty buscava além de aproximar o Poder Central dos governos locais, adicionar a dimensão subnacional à pauta do MRE, tentando levar em conta suas opiniões e interesses na política externa brasileira. Porém, na prática, a diplomacia federativa pretendia ser usada como mecanismo de controle dos interesses dos governos subnacionais, antes que eles viesse a ser uma ameaça à formulação da política externa em nível federal. A diplomacia federativa foi a porta para que os primeiros escritórios de representação regional do MRE fossem estabelecidos nas principais capitais brasileiras. Esse processo de criação de estruturas por parte do Poder Executivo e pelo Itamaraty a partir dos anos 1990 passa a afirmar a legitimidade dos acordos internacionais realizados por vias paradiplomáticas. Uma das principais estratégias para promoção de uma agenda internacional por parte dos estados e municípios se dá pela construção de secretarias, assessorias ou escritórios internacionais. O estado do Rio de Janeiro, em 1983, foi o primeiro a estabelecer a Assessoria de Relações Internacionais do estado, durante o governo de

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Leonel Brizola. Ao internacionalizar uma unidade federativa, os gestores das unidades subnacionais demonstram sua decisão sobre a necessidade de transcender os limites impostos pelo Governo Federal e, de certa forma, pela própria Constituição Federal. Não se trata de caminhar rumo à desobediência ou dissociação do Estado Nacional, mas se refere a um novo instrumento para solucionar problemas antigos que fazem parte das unidades subnacionais que ainda não encontraram respostas efetivas por parte do Poder Executivo. De acordo com Soraya Pessino, gerente de Relações Internacionais da Prefeitura Municipal de Salvador, capital do estado da Bahia, trata-se de um rompimento com o tradicional por meio de novas abordagens profissionalizadas que reduzam custos, garantam a sustentabilidade e fortaleçam o desenvolvimento socioeconômico e ambiental nas cidades. Outra razão que leva governos subnacionais a buscarem fazer parte da política internacional, é a necessidade de encontrar financiadores para o comércio internacional e para acordos de cooperação. Quando os dirigentes dos governos subnacionais realizam viagens internacionais ou recebem estrangeiros em seu território, estabelecem contatos que ampliam suas habilidades de articulação internacional. A partir desses contatos, a paradiplomacia vai se firmando e afirmando seu espaço na arena internacional.

A PARADIPLOMACIA NO ESTADO DA BAHIA O ano de 2012 foi um ano importante para a Bahia e chamou muita atenção da imprensa a respeito da agenda internacional proposta pelo ex-governador do estado da Bahia, Jacques Wagner. O governador realizou mais viagens internacionais que seus antecessores, o que veio por trazer a discussão a internacionalização da Bahia como um assunto prioritário na agenda governamental. Durante o mesmo período, o município de Salvador tam-

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bém possui dados significativos de práticas internacionais, como a articulação para implementar a primeira Casa da ONU do Brasil em Salvador (Amorim, 2019). Sabe-se que, em teoria, as atividades internacionais dos estados e municípios devem se alinhar com as linhas de política externa da nação. Na prática, o alinhamento nem sempre se faz de forma automática. Os governos subnacionais possuem autonomia para organizar suas máquinas públicas de acordo com seus planos de governo. A partir de 2007, o Governo do Estado da Bahia adotou em seu plano desenvolvimento, a temática internacional a partir da construção de alianças com o intuito de catalisar o seu desenvolvimento econômico, a geração de empregos e renda, e a permuta de tecnologias para utilização inteligente dos recursos naturais e de padrões sustentáveis de produção e consumo. O estado da Bahia passou a alinhar seu planejamento estratégico com as relações internacionais de forma prioritária na composição de sua agenda de governo, o que funcionou como uma internacionalização ativa, onde o Estado caminha adiante das fronteiras de ser demandada, e passa a construir conscientemente suas estratégias de política externa, por meio da internacionalização de sua cultura, suas características sociais e atividades econômicas locais (BAHIA, 2016). Dessa forma, os primeiros passos da paradiplomacia baiana caracterizou-se pela reunião de esforços para consolidação de uma Agenda Internacional própria, que priorizasse projetos e ações de inclusão social, desenvolvimento sustentável e socialmente inclusivo. Percebe-se portanto, que a paradiplomacia na Bahia tinha uma forte intenção de proporcionar mudanças estruturais de forma paralela aos benefícios econômicos, tecnológicos e de compartilhamento de informações via acordos de cooperação internacional, o que termina por caracterizar a cultura solidária do estado.


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A Bahia possui em seu histórico atividades constantes de integração com o continente americano. Mais de um terço de suas atividades foram em parceria com os EUA durante a primeira década dos anos 2000. Houve também destaque para a interação entre a Bahia e o Mercosul. Para além da essencialidade do bloco de integração como opção coletiva regional para os países membros, algo importante a ser levando em consideração é a participação do estado baiano no Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul (FCCR), que foi um ambiente muito importante de articulação sub-regional do continente. Em 2012, a Bahia alcançou o status de primeiro Estado brasileiro com intenções de investimentos anunciados pela China. É válido ressaltar que, o acordo firmado entre o governo baiano e o chinês foi efetivado com orçamento próprio, sem envolvimento de capital financeiro por parte do Governo Federal, o que também é uma prerrogativa das atividades paradiplomáticas, visto que uma vez que exista a necessidade de financiamento por parte do Estado-nação, as atividades de cooperação se tornam responsabilidade da Agência Brasileira de Cooperação Técnica (ABC). Houveram também acordos realizados com o continente europeu, especialmente com a Alemanha, com que a Bahia realizou três grandes missões oficiais até 2014. O investimento realizado pela BASF 1Em 2015, fomentou a implementação do primeiro complexo produtivo de ácido acrílico da América do Sul. Aqui é notório a participação direta da paradiplomacia para adquirir investimentos para os Governos subnacionais (Amorim, 2019). Para além da economia, o setor cultural também merece destaque. O papel da Assessoria de Relações Internacionais do Estado da Bahia

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para a promoção da cultura foi de extrema importância para o país. A internacionalização da cultura tem um papel muito relevante no estabelecimento de diálogos interculturais que são cruciais para o desenvolvimento da cultura e do nível local. Em novembro de 2010 a capital da Bahia, Salvador, recebeu a primeira Casa da ONU que tinha como principais objetivos fortalecer a integração entre as agências, programas e fundos da organização, assim como diminuir os custos de operação. Junto com a Casa da ONU, a Bahia recebeu também cinco órgãos internacionais: o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Fundo da Nações Unidas para a Infância (Unicef), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA). A iniciativa partiu da própria ONU, que procurou a Prefeitura de Salvador após uma decisão da organização de tornar o escritório do PNUD na Bahia um escritório integrado com outras agências e fundos que atuavam no Estado. Em alinhamento com outros governos subnacionais brasileiros, a Bahia questiona o quanto se faz aplicável as normas federais no nível Estadual e Municipal, visto que algumas normas limitam a liberdade e influenciam nas negociações com agências que realizam cooperação técnica, como o PNUD. Essa busca por mais liberdade é fruto da vontade que essas unidades subnacionais possuem de agir mais construtivamente no tocante a uma agenda internacional, na procura por internacionalizar suas regiões, que significa colocar de fato a esfera local na arena internacional. Um bom exemplo sobre as vantagens da articulação dos Estados e Municípios brasileiros, é a própria inserção do país nos objetivos da Agenda 2030 da ONU. Esses objetivos necessariamente precisam passar pelo nível local para

1 Badische Anilin-und Soda-Fabrik é uma empresa química alemã, líder mundial no seu setor. Foi fundada em 6 de abril de 1865 em Mannheim pelo ourives e empresário Friedrich Engelhorn para produzir corantes sintéticos para tecidos.

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que possam se adequar às especificidades de cada unidade subnacional, uma vez que, em um país com proporções continentais, diversidade de atividades econômicas, diferentes níveis de participação dos cidadãos na produção de renda e diferentes gastos com políticas políticas, uma análise mais generalista feita pelo âmbito nacional ou regional é ineficiente para solucionar questões também de caráter específico de cada unidade subnacional.

A PARCERIA COM A RÚSSIA PARA ADQUIRIR A VACINA SPUTNIK V A pandemia da Covid-19 já ultrapassou a marca de 110 milhões de pessoas contaminadas e, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 2,5 milhões de mortes já foram registradas em todo o mundo até 1 de março de 2021. Sem dúvidas, é um dos episódios mais devastadores que o mundo já foi obrigado a participar, e deixará suas marcas sanitárias, políticas e sociais para sempre. A covid-19 tem ensinado em âmbitos domésticos e internacionais o quanto a humanidade é vulnerável e desigual. Demonstrou que nem mesmo toda a tecnologia que chegou no século XX e início do século XXI, que trouxe consigo a promessa de aproveitar os espaços científicos, tecnológicos, matemáticos e sociais, pôde livrar a humanidade de todos os males, visto que ela não é capaz de combater o invisível. Apesar do negacionismo inicial de alguns presidentes pelo mundo, como Boris Johnson, Donald Trump, Shinzo Abe e Jair Bolsonaro, o avanço dos danos causados pelo vírus, assim como as pressões sociais e políticas, é possível perceber como a sociedade e suas construções fruto de diversos modelos de pactos sociais e sistemas culturais são frágeis, da mesma forma que o sistema logístico e econômico internacional.

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A mão invisível do mercado não possui forças diante do cenário proposto pela pandemia, e precisou do pulso firme do Estado. Considerando a realidade atual onde mais de 80% da população mundial se concentra nas cidades, o papel da gestão local se tornou essencial de diversas formas como a aplicação de medidas de confinamento e controle da epidemia, campanhas em prol da atividade econômica e o fator social e moral diante das perdas humanas (Guerra, 2020). A partir disso, a inteligência das cidades e a racionalização de seus processos foram cruciais para amenizar os danos ligados ao avanço da pandemia. Em contrapartida, o fracasso em tentar centralizar as ações de gestão da crise por parte do Governo Federal, deixou explícito a essencialidade do estabelecimento de processos inteligentes descentralizados na chefia dos espaços urbanos (Guerra, 2020). No caso do Brasil, a inicial desorganização e atraso por parte do governo federal, desde o processo de organização do sistema de saúde, a aquisição de equipamentos de proteção individual (EPIs), levou aos entes subnacionais a compreenderam que não haveria outra alternativa senão confiar em um processo de articulação individual para adquirir ajuda e estabelecer parcerias para futuras vacinas no ambiente internacional. Assim como outros atores subnacionais, a Bahia passou implementar medidas heterogêneas, tais como o decreto de distanciamento físico, a redução dos meios de transporte, o fechamento de centros comerciais, e a construção de hospitais de campanha. Estas medidas foram na direção oposta às do Governo Federal, que defende principalmente o fluxo contínuo da economia. Apesar da urgência e apreensão do momento, a Bahia, em especial sua capital Salvador, recebeu uma atenção positiva relacionada ao enfrentamento local da covid-19. As práticas de combate à pandemia exercidas pela capital baiana foram destacadas na plataforma internacional Cities For Global Health, primeira iniciativa internacional criada para reunir e compartilhar


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práticas de enfrentamento específicos para a covid-19, co-liderada pela Associação Mundial das Grandes Metrópoles (Metrópoles), Cidades Unidas e Governos Locais e a Aliança Euro-Latino-Americana para Cooperação entre Cidades (AL-ALs) como modelo internacional de práticas e políticas públicas a serem seguidas no enfrentamento da pandemia. Criada em março de 2020 com o objetivo de compartilhar de forma rápida e direta à nível internacional os esforços iniciais de respostas das cidades, a Cities For Global Health tenta auxiliar ao máximo governos locais e regionais, assim como seus líderes, em estratégias e ferramentas que estão sendo utilizadas e possuíram resultado positivo no combate à pandemia. A iniciativa também visa ampliar o diálogo sobre métodos de cooperação entre cidades em suas diversidades administrativas e diferentes graus de emergência. À medida em que se avança no enfrentamento da pandemia, a Cities for Global Health também se coloca como ambiente de compartilhamento de planos para recuperação e transformação das cidades em curto e longo prazo. Salvador é a única cidade do Norte e Nordeste do país considerada referência mundial. O trabalho realizado pela cidade destacou ações como criação de novos centros de saúde e assistência aos cidadãos em situações vulneráveis, o uso de métodos modernos de higienização das ruas, além dos decretos que explicitam práticas de controle e prevenção do coronavírus, como o fechamento de centros de ensino, shoppings centers, bares e restaurantes. Também chamou atenção a criação de um call center, específico para que a população local pudesse tirar suas dúvidas e buscar informações sobre o covid-19. A fiscalização das medidas e decisões tomadas são chefiadas pela Secretária Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur).

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No dia 08 de setembro de 2020, o governo baiano comunicou que havia concluído um processo de acordo confidencial de cooperação com o Fundo Soberano da Rússia (RDIF) que durou cerca de duas semanas. Neste processo foi acordado o fornecimento de até 50 milhões de doses da vacina Sputnik V (a primeira a ser registrada no mundo), juntamente com todas as informações científicas sobre a vacina para a Fundação Baiana de Pesquisa Científica e Desenvolvimento Tecnológico (Bahiafarma). Esse acordo representou um progresso na relação entre a Rússia e o estado baiano, que passará a ter acesso à tecnologia utilizada na produção da vacina. O acordo também possibilitará à Bahia, por meio da Bahiafarma, a legalidade para comercializar a vacina russa em território nacional, desde que seja aprovada pelos órgãos reguladores do país. Em resposta a iniciativa dos atores subnacionais, o Governo Federal demonstrou uma certa desconfiança por parte da vacina russa, afirmando que faltava transparência por parte da comunidade científica do país. O governador do estado da Bahia, Rui Costa1 garantiu cautela e que todas as medidas de segurança serão tomadas antes de quaisquer posicionamentos definitivos, porém, seguiu afirmando que fará o melhor para o estado, para que a população viva sem sobressaltos. Considerando os aparatos constitucionais, mesmo com as menções específicas ao Governo Federal no que diz respeito à celebração de acordos internacionais, é possível perceber que o mecanismo utilizado pelo governo subnacional baiano se apoiou na margem para interpretação da lei. Como já citado anteriormente, artigos como o 52 e o 25, que expressam a possibilidade dos Estados-membros do Distrito Federal e os municípios brasileiros celebrarem tratados com entes internacio-

1 Declaração do governador do estado da Bahia, Rui Costa, sobre a negociação da vacina russa, Sputnik V. Disponível em: <https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/09/09/governo-da-bahia-assina-acordo-com-a- russia-and-want-to-test-effects-of-vaccine-sputnik-v.ghtml/>

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nais, desde que obtenham consentimento do Senado Federal e que não sejam impedidos pela Constituição. Porém, por estes mesmos artifícios, o governo do Estado da Bahia não conseguiu materializar o acordo e adquirir as doses da vacina, assim como a tecnologia para sua produção, visto que ela ainda não obteve a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e por consequência, do Poder Executivo.

CONCLUSÕES Este artigo buscou descrever o processo normativo que tem consolidado as relações internacionais no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, que terminou por concretizar a redemocratização do país. A este respeito, é possível destacar que, em termos gerais, os acordos internacionais nunca foram uma preocupação em termos constitucionais para o Brasil até 1988. A partir da CF/88, alguns artigos passam a respaldar o direito exclusivo do Governo Federal de realizar quaisquer práticas ligadas à política externa. Esses artigos não institucionalizam muito menos reconhecem a paradiplomacia como estrutura capaz de celebrar acordos ou representar o país oficialmente na arena internacional. Entretanto, com o passar dos anos e com o avanço da globalização e da interdependência dos países, somadas a incapacidade do Poder Federal de atender a todas as demandas e suprir as especificidades locais, as unidades subnacionais passam a construir seus próprios caminhos para emergir no cenário global e internacionalizar suas expectativas de crescimento econômico e aprimoramento tecnológico. A priori, tais práticas foram rechaçadas por parte do Governo Federal e do Ministério da Relações Exteriores, mas estes por suas vez, entendendo a impossibilidade de se negar os espaços já adquiridos pelas unidades subnacionais, passam a tentar criar assessorias que controlassem ou

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regulassem o que viria ser chamado de Diplomacia Federativa. Outro ponto importante diz respeito a interpretação constitucional dos artigos e incisos que descrevem a regulação das relações internacionais no Brasil. A priori, o que parece uma tentativa de ultrapassagem e descumprimento da lei, na verdade é uma forma de interpretação. Os artigos que garantem a celebração de acordos internacionais ao Poder Federal, são os mesmos que afirmam aos Estados-membros do Distrito Federal e aos municípios brasileiros a possibilidade de execução de práticas internacionais desde que recebam consentimento do Senado Federal e que não haja impedimento constitucional. O artigo também apresentou o caso do estado da Bahia, uma unidade subnacional brasileira que recentemente entrou para o cenário de boas práticas de políticas públicas de combate ao coronavírus por meio da plataforma internacional Cities For Global Health. A Bahia possui um acordo celebrado com a Rússia que garante ao estado doses da vacina russa e sua tecnologia de produção, porém, o acordo não pode ser executado visto que a vacina russa ainda não foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e pelo Poder Executivo. É importante destacar que, os governos subnacionais não pretendem substituir as práticas clássicas de execução de política internacional entre os Estados ou regiões. A paradiplomacia busca ajudar e fortalecer a capacidade dos Estados de se engajar em políticas internacionais em diversos setores, sofisticando suas práticas e expandindo sua rede de negociação. Avançar para a institucionalização da paradiplomacia é imprescindível para reafirmar essa realidade e proporcionar segurança jurídica que irá melhorar ainda mais as práticas internacionais no Brasil.


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Sílvia Barros de Santana Corrêa Graduanda em Ciência Política pelo Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), pesquisadora do Grupo de Relações Internacionais e Sul Global (GRISUL), Secretária-Geral do Modelo Universitário Diplomático da Unirio (MUDUNI). Mail: silviabarros@edu.unirio.br / sil.correa12@gmail.com

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Internacionalização descentralizada como...

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Abstract This paper analyzes the development perspectives articulated by the Interstate Consortium for the Sustainable Development of the Northeast and how those were integrated into decentralized internationalization actions. Therefore, in the light of the studies of Celso Furtado, will be presented: the institutional projects for the mitigation of the underdevelopment at the Brazilian Northeast region which precedes the creation of the Consortium; the international practices observed in its first year of operation and the implications of the COVID-19 pandemic over the engagement of international actions. Key words: Development; Brazilian Northeast; Decentralized internationalization.

@chaarlotteborges

Resumen El presente artículo objetiva comprender las perspectivas de desarrollo articuladas por el Consorcio Interestatal para el Desarrollo Sostenible del Nordeste y como estas se han integradas en acciones de internacionalización descentralizada. De este modo, han sido presentados, con base de los estudios de Celso Furtado, los proyectos institucionales orientados a la mitigación del subdesarrollo del Nordeste brasileño que anteceden a la creación del Consorcio; las prácticas internacionales observadas en su primer año de actuación y las implicaciones de la pandemia de COVID – 19 frente al empeño de acciones internacionales. Palabras clave: Desarrollo; Nordeste brasileño; Internacionalización descentralizada.

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INTERNACIONALIZAÇÃO DESCENTRALIZADA COMO CAMINHO PARA O DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS E AÇÕES DO CONSÓRCIO NORDESTE Guilherme de Lima Souza

Resumo O presente artigo analisa as perspectivas de desenvolvimento articuladas por meio do Consórcio Interestadual para o Desenvolvimento Sustentável do Nordeste e como estas foram integradas em ações de internacionalização descentralizada. Deste modo, são apresentados à luz dos estudos de Celso Furtado: os projetos institucionais voltados à mitigação do subdesenvolvimento do Nordeste brasileiro que antecedem a criação do Consórcio; as práticas internacionais observadas em seu primeiro ano de atuação e as implicações da pandemia de COVID-19 frente ao empenho de ações internacionais. Palavras-chave: Desenvolvimento; Nordeste brasileiro; Internacionalização descentralizada.

INTRODUCCIÓN

O

Nordeste brasileiro é marcado por um cenário histórico de subdesenvolvimento e de disparidades regionais no tocante às políticas de desenvolvimento nacional. Historicamente foram consolidadas na região deficiências estruturais e diferenciadas, reproduzindo por décadas uma lógica periférica em relação aos centros de desenvolvimento do Brasil. Neste contexto, o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (Consórcio Nordeste) foi criado em 2019 como uma plataforma de cooperação regional movida por perspectivas políticas e posicionamentos próprios. Por meio deste, apresenta-se um novo polo de gestão para o desenvolvimento do Nordeste brasileiro em alternativa às políticas pensadas em âmbito federal. Não somente, o Consórcio vem consolidando um espaço favorável ao engajamento em ações internacionais integradas à prática administrativa dos estados que o compõem. O presente artigo tem o objetivo de compreender as perspectivas de desenvolvimen-

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to operacionalizadas por meio do Consórcio Nordeste e como estas foram integradas em ações de internacionalização descentralizada. Deste modo é realizada uma análise em três partes contemplando: os projetos institucionais voltados à mitigação do subdesenvolvimento na região que antecedem o Consórcio; as práticas internacionais observadas em seu primeiro ano de atuação; as implicações nesses processos frente ao contexto da pandemia de COVID-19. Assim, é realizado um estudo dos múltiplos fatores que determinam os interesses do Consórcio Nordeste em práticas internacionais descentralizadas como um caminho para o desenvolvimento da região. Em um primeiro momento, partindo de uma revisão conceitual, é traçado um breve histórico das iniciativas responsáveis por pensar o desenvolvimento da região frente às disparidades com o Centro-Sul do país, ressaltando instituições atuantes do século XX até a criação recente do Consórcio Nordeste. Com base nos estudos do subdesenvolvimento nordestino — consolidados pelo economista Celso Furtado — e das práticas institucionais articuladas na região, são retomados os dilemas que orientam o escopo de operação e as ações iniciais do Consórcio.


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Internacionalização descentralizada como...

Em sequência, por meio de análise documental, são abordadas as principais ações e políticas de internacionalização atreladas aos projetos de desenvolvimento regional do Consórcio Nordeste. Dentre estes são ressaltados: os movimentos de guerra comercial nas relações empreendidas com a China e com os Estados Unidos e os esforços para cooperação internacional observados na viagem de trabalho da entidade à Europa para a captação de oportunidades na Alemanha, França e Itália. Por fim, frente aos obstáculos de gestão advindos da crise pandêmica da COVID-19, são analisadas as diretrizes e movimentações para articulação internacional encaminhadas com a implementação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste (C4NE). Assim, são apresentadas as políticas e recomendações para os estados da região, previstas em boletins mensais, cartas abertas e ofícios divulgados pelo Consórcio.

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HISTÓRICO INSTITUCIONAL DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE A análise do desenvolvimento na região Nordeste e das disparidades regionais em perspectiva comparada com o Centro-Sul do Brasil não são objetos recentes de estudo ou de operacionalização institucional. Se por um lado os paradigmas cepalinos de desenvolvimento1 trazem análises críticas às facetas da industrialização tardia, da difusão desigual do progresso técnico e da manutenção da condição periférica latino-americana, estes dilemas estiveram latentes na estrutura socioeconômica do Nordeste durante as cinco primeiras décadas de articulação do capitalismo brasileiro industrial (Pellegrino, 2003). Com o objetivo de superação de um cenário de industrialização incipiente, branda mobilidade social frente aos processos de acumulação capitalista e índices de pobreza relativa, a implementação de políticas específicas para o desenvolvimento do Nordeste obteve diferentes eixos e resultados para a região ao longo das décadas. A criação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) em 1945 estabeleceu novas estratégias para impulsionar os rumos do potencial produtivo na região do “polígono das secas”, localizada majoritariamente no Nordeste brasileiro. A partir da lógica de que o problema do subdesenvolvimento da região residia nos obstáculos hídricos e climáticos, o departamento encaminhou grandes projetos de infraestrutura voltados à para a construção de açudes, hidrelétricas e sistemas de irrigação (DNOCS, 2013) Por sua vez, as ações do DNOCS não produzi-

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ram resultados satisfatórios a nível de desenvolvimento socioeconômico para a prosperidade da região. Na realidade, “muitos dos benefícios proporcionados pelo órgão favoreceram em suma as oligarquias agrárias-pecuaristas do Nordeste associadas à burguesia industrial do Centro-Sul, determinando intensa centralização de capital à escala nacional” (Oliveira, p.70, 1981). No início da década de 1950 durante a primeira grande seca em 20 anos vivenciada no Nordeste dois panoramas ficaram evidentes: 1) As políticas institucionais não demonstraram eficiência exponencial para o crescimento econômico e, segundo Tavares (1991 citado por Farias, 2019), 2) o problema do subdesenvolvimento possuía bases estruturais muito mais elaboradas que somente as intempéries do clima. Neste contexto, as contribuições do economista do estado da Paraíba e diretor da divisão de desenvolvimento da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), Celso Furtado, alcançam êxito para pensar o desenvolvimento do Nordeste e a articulação de políticas institucionais. Seus trabalhos reconheceram que o subdesenvolvimento nordestino não era um problema regional simples em que políticas de crescimento econômico, ascensão social e acumulação de capital poderiam ser postergadas no mesmo sentido em que o desenvolvimento do Centro Sul brasileiro era posto em evidência como projeto nacional. (Furtado, 1981) A partir da publicação do relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) em 1959, coordenado por Furtado, é identificada uma lógica de centro e periferia no desenvolvimento brasileiro e destacada a concentração industrial no Sudeste do país, apresentando novos sentidos à temática regional (Pellegrino, 2003). Essas noções se tornam significativas por denotarem a necessidade de se estabelecer uma visão ampla

1 Ideias construídas no escopo da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), principalmente, atreladas às noções de desenvolvimento e dependência construídas pelos economistas Raúl Prebisch e Celso Furtado na década de 1950.

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para o desenvolvimento do Nordeste, compreendendo dimensões como pobreza, acesso a terras, urbanização das cidades, segurança alimentar e políticas educacionais. No mesmo ano, a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) é instituída pelo Governo Federal para a condução centralizada de políticas de desenvolvimento na região, promoção de reformas administrativas e planejamento integrado de diretrizes comuns entre os novos planos de ação no pacto federativo (Pellegrino, 2003). Inicialmente a Sudene surge com capacidades administrativas de autarquia, equivalente à de atuação ministerial, possuindo em sua composição para além de corpo técnico, um conselho deliberativo integrado por ministros e governadores do Nordeste (Gumieiro, 2014). Sob a direção de Celso Furtado, a Sudene assume também um caráter político dentro da sua esfera de atuação, articulando desde os setores da esfera econômica até os gestores públicos e visando um projeto amplo de ascensão da estrutura social e produtiva. A partir de 1961 a superintendência também desempenha um papel ímpar para a inserção da região Nordeste como agente ativo da política internacional, estabelecendo relações de aproximação com os Estados Unidos em busca de traduzir a região como um centro de decisão e cooperação (Moura, 2011). Todavia, o projeto de desenvolvimento regional aos moldes de Furtado obteve vida útil relativamente curta com a deflagração do regime militar (19641985). Com o início da ditadura no Brasil, Celso Furtado foi deslocado de seu cargo na Sudene e também exilado do país. Por sua vez, as políticas e ambientes de decisão também foram fortemente restringidas e centralizadas pelo poder autoritário da União. Neste mesmo cenário, a atuação da Sudene conduziu novos rumos para a industrialização e crescimento no Nordeste para as próximas décadas até o fim do regime ditato-

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rial no país. Por outra perspectiva, os interesses da população nordestina constantemente foram sublimados na formulação das políticas regionais diante das ausências e tendências do favorecimento e subsídios às grandes corporações e empreiteiras em detrimento dos pequenos empreendimentos e necessidades locais (Furtado, 1981). Mesmo com o processo de redemocratização no país, o enfraquecimento da atuação e autonomia da Sudene desencadeou um processo de fragilização e desmonte institucional, na medida em que os governadores abandonaram seus preceitos de engajamento político no órgão. O então esvaziamento da superintendência provocaria o fomento de formas alternativas para impulsionar a economia de seus estados partindo para perspectivas de atuação mais descentralizada e individual para o desenvolvimento. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em contexto influenciado pelas mobilizações para a ampliação de competências para as entidades subnacionais, frente à grande concentração das finanças públicas no governo federal imposta pela ditadura militar, o poder local passa a ganhar maior autonomia e responsabilidade pela operacionalização de políticas públicas, um passo importante para a autodeterminação de diretrizes estaduais e municipais (Pochmann, 2009). Em grande medida, o afastamento de lideranças estaduais das ações estabelecidas pela Sudene vai de encontro com o movimento de individualização e autonomia dos projetos de desenvolvimento, partindo-se de articulações próprias e com maior descentralização. A crise econômica brasileira da década de 90 também exerce forte influência no desmantelamento da instituição e na desconstrução de um projeto institucional de desenvolvimento para o Nordeste, sobretudo, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) frente aos dilemas da contenção do endivida-

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mento público. Neste sentido, mesmo diante de um cenário de integração competitiva das economias da região aos mercados internacionais e de propostas de melhoria de infraestruturas apresentadas pelo presidente, as metas de desenvolvimento no Nordeste não foram articuladas de modo diferente das demais regiões do país (Colombo, 2012). A descredibilização da Sudene dentro do próprio ordenamento federal, também apontada como expoente de escândalos de corrupção, consolida a sua extinção em 2001. Alguns dos efeitos sentidos com o fim da Sudene potencializaram cenários de desigualdades regionais e acirramento de guerras fiscais entre os entes federados em um momento de inserção global da economia brasileira (Cavalvante & Feitosa, 2019). Posteriormente, seria criada em 2002 a Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene), com capacidades de atuação limitadas em relação à sua antecessora. Este contexto à nível federal marca o fim da gestão de Fernando Henrique Cardoso e uma “tônica desanimadora para o desenvolvimento do Nordeste’’ (Colombo, 2010). Por outro lado, com a ascensão ao poder de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) à presidência do país, as discussões das disparidades regionais são retomadas na construção de seu governo. Em seu primeiro ano de gestão é estabelecida a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), levando como suas bases a delimitação de um projeto de desenvolvimento articulado à aspectos como redistribuição de renda, inclusão social e mitigação das assimetrias (Gumieiro, 2014). Neste mesmo ano, também é encaminhado um projeto de lei ao Congresso Nacional pelo Presidente Lula para a recriação da Sudene, restabelecida quatro anos depois por meio da Lei Complementar n°125/2007. Com a reestruturação da Superintendência e extinção da Adene em 2007, as questões do subdesenvolvimento e das disparidades regionais são trabalhadas de modo mais enfá-

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tico aliadas à PNDR. A “Nova Sudene” também passa a integrar em seu escopo a noção de desenvolvimento sustentável, a ênfase em questões ambientais, as heterogeneidades da região, a integração do Nordeste na economia nacional e internacional e a restituição do Conselho Deliberativo entre ministros de Estado, Governadores e órgãos vinculados (Torres, Gomes, Beatrice & Calderari, 2018). O fortalecimento das práticas subnacionais no Brasil e suas novas funções na Superintendência no mesmo período, no entanto, não excluiu a possibilidade de formação de outros arranjos regionais integrados. Por exemplo: o Fórum de Governadores do Nordeste, realizado anualmente entre os nove estados da região desde o ano 2000, tornou-se uma importante plataforma de cooperação, diálogo, alinhamento de posicionamentos e estratégias dos gestores nordestinos. Deste modo, o cenário autônomo dos entes federados fortaleceu um crescimento econômico em um ambiente de integração regional, formação de alianças, fundos de desenvolvimento e operação de Consórcios em uma terra diversa com desafios socioeconômicos semelhantes (Filho, 2010). A aproximação dos Governadores do Nordeste por meio do Fórum também desempenhou um papel fundamental para a coordenação de programas, colaborações institucionais e interlocução unificada com o Governo Federal, sobretudo, com a restituição do Conselho Deliberativo na Nova Sudene e de suas possibilidades de articulação política (Rossi & Silva, 2020). Este cenário de integração regional e descentralização é observado no discurso do governador de Sergipe na VIII edição do Fórum em 2008, que destacou a necessidade de equalizar o desenvolvimento dos estados, gerar oportunidades de maneira mais equilibrada e “não reproduzir os erros que levaram o Brasil a suportar diferenças tão profundas” entre as regiões do país (Governo de Sergipe, 2008).


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Também é importante destacar a perspectiva política levantada desde Fórum de Governadores, posicionamentos expressos em cartas e pronunciamentos acerca das principais crises e discussões de conjuntura no cenário nacional, objetos de relevância para compreender os seus desdobramentos mais recentes. Por exemplo, no ano de 2015, um dos primeiros posicionamentos políticos unificados por parte do Fórum se deu com a publicação de uma carta de repúdio à abertura do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff (2011-2016) deposta de seu cargo no ano seguinte (Rossi & Silva, 2020). Já durante 2018, os governadores do Nordeste também se demonstraram bastante homogêneos nas críticas e advertências direcionadas ao candidato, e atualmente, Presidente da República Jair Bolsonaro (2019-atual). O papel das diferenças político-ideológicas entre os governadores da região Nordeste, ligados a partidos de esquerda e centro-esquerda, contribuiu para a projeção de uma frente ampla de oposição ao atual projeto político de recorte conservador e de direita em no país. Não obstante, esta frente é construída diante de um momento político conturbado desde a deposição de Dilma Rousseff e da prisão do ex-presidente Lula, que mantinham boas relações com os governos da região. Somando-se à ascensão ao poder da figura política de Jair Bolsonaro, e seus comentários de caráter pejorativo1 com o Nordeste e seus governantes, e que ocasionou a não participação dos governadores na cerimônia de posse presidencial de Bolsonaro em 2019. (Rossi & Silva, 2020). Deste modo, o Fórum passa a delinear um projeto de articulação institucional descentralizada e de reafirmação de seus interesses perante a nova conjuntura do Governo Federal. Em março de 2019, sob o lema do “Brasil que cresce unido” é assinado pelo Fórum o protocolo de criação do Consórcio Interes-

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tadual para o Desenvolvimento do Nordeste (Consórcio Nordeste), iniciativa amparada pela Lei dos Consórcios (Lei n° 11.107/2005), consolidando um novo aparelho institucional para promoção de projetos e perspectivas regionais de desenvolvimento. Ainda que as articulações do Fórum de Governadores do Nordeste pudessem atuar para a promoção de diretrizes aos projetos de desenvolvimento, a criação do Consórcio permitiu amparar os anseios de cooperação para o desenvolvimento e inclusão social enquanto instrumento jurídico e político para coordenar as relações intergovernamentais e enquanto autarquia da administração pública indireta. Por meio de uma coordenação estratégica de ações e posicionamentos políticos claros, o Consórcio proporciona uma nova etapa aos movimentos de descentralização superando anos de guerra fiscal e disputas internas por investimentos, agora operacionalizados por meio de compras e negociações conjuntas e também como um novo bloco regional para a construção de políticas públicas em alternativa à esfera federal (Guimarães Neto & Araújo, 2020). Portanto, como destaca M. Clementino (2019), o Consórcio Nordeste é construído principalmente sob bases auto afirmativas dos desafios atuais dos entes federados da região em moldes inéditos na operação dos Consórcios públicos no Brasil. Neste sentido, a construção do projeto de desenvolvimento regional do Consórcio Nordeste vem de uma trajetória histórica de articulações institucionais e é impulsionada, sobretudo pelos novos paradigmas da política brasileira, objetivando uma atuação para a proteção e promoção dos direitos do povo nordestino, justiça e inclusão social (Clementino, 2019).

1 Andrada, A. & Nayara F., “Bolsonaro despreza os nordestinos. E ele não está só”, The Intercept Brasil, Vozes, Brasil, 13 de Agosto de 2019.

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3. O CONSÓRCIO NORDESTE EM PERSPECTIVA DE INTERNACIONALIZAÇÃO DESCENTRALIZADA Na região Nordeste do Brasil são observadas algumas disparidades nos graus de aperfeiçoamento e institucionalização das esferas subnacionais de atuação internacional quando comparadas com regiões historicamente de desenvolvimento acelerado como no Centro Sul. Com exceção de alguns casos específicos1 o Nordeste possui um nível muito baixo para a internacionalização descentralizada, organização, funcionamento e existência destas atividades em comparação com outras regiões do Brasil, por exemplo, o Sudeste brasileiro que apresenta índices significativamente maiores, ocupando o topo nos indicadores da atuação paradiplomática (Fróio, 2015). Apesar do histórico, como em toda região com baixo nível de desenvolvimento que possui um alto nível de dependência do setor externo para importações e exportações, característica ressaltada pelo relatório do GTDN (1959), o setor internacional na região ainda se demonstra incipiente em relação às demais regiões. Dentro de uma conjuntura globalizada, em conjunto das perspectivas iniciais pensadas para o Nordeste, a política nacional deveria propor a integração dos espaços regionais, por meio da articulação regional e de crescimento econômico para a sua inserção no mercado mundial, experiência que obteve resultados e arranjos diferentes ao longo do país (Araújo, 2000 citado por Gumieiro, 2014). Furtado (1984) analisa que os elementos de celebração de relações externas cada vez mais autônomas ressaltam a necessidade dos gestores na implementação de técnicas de vanguarda para

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inserir-se internacionalmente de maneira a superar os imperativos tradicionais de passividade na Divisão Internacional do Trabalho. Com estas concepções em mente, o Consórcio Nordeste em sua ampla seara de objetivos e estratégias para o crescimento econômico e desenvolvimento na região reconhece em seu Protocolo de Intenções (2019a) por meio da instituição elementos de aproximação das relações internacionais. De acordo com os artigos I, II, III e IV da cláusula 9° estão destacados respectivamente os objetivos de: I) Expandir e consolidar um mercado competitivo, eficiente, ambientalmente responsável e internacionalmente conectado; II) Na infraestrutura, o desenvolvimento de projetos de integração para a região e inserções nacionais e globais, inclusive mediante a constituição de fundos para a estruturação, o financiamento e a garantia de projetos; III) Articulação e ações conjuntas junto às Cortes Internacionais de Direitos Humanos. IV) Elaboração de políticas que proporcionem o desenvolvimento científico e tecnológico da Região Nordeste, em especial na articulação e desenvolvimento de seus polos e parques tecnológicos, incubadoras, aceleradoras, startups e inserção em redes globais. (Consórcio Nordeste, pp. 6-8, 2019a). De modo geral, os interesses na atuação internacional pelos gestores da região Nordeste se concentram em áreas temáticas da inclusão social, turismo, desenvolvimento econômico e social, contudo, o Consórcio Nordeste consegue prever interesses ainda mais amplos dentro de seu aparato burocrático (Fróio, 2015). Contemplando também seu escopo, o Consórcio atua enquanto ferramenta descentralizada da gestão pública na captação de recursos e a articulação de compras coletivas pelos governadores, objetivos que podem ser alcança-

1 Os estados da Bahia, Maranhão e Pernambuco têm apresentado esforços significativamente mais articulados à nível de institucionalização da paradiplomacia do que os outros estados da região Nordeste.

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dos via relações externas e pela Cooperação Internacional (Junqueira; Araújo; Silva, 2020). Ademais, ainda acrescem as relações de interlocução e apaziguamento de controvérsias perante parceiros internacionais de difícil diálogo com a esfera federal, sobretudo, frente às práticas internacionais do governo do presidente Jair Bolsonaro, marcado por suas críticas ao multilateralismo e que vem promovendo “efetivamente a demolição radical da política externa” construída historicamente no Brasil, como é destacado pelo ex chanceler brasileiro Rubens Ricupero (2019). Um dos primeiros objetos de análise nas perspectivas internacionais práticas estabelecidas por intermédio do Consórcio Nordeste se deu em virtude do projeto coletivo de parcerias para aquisição de aparatos tecnológicos com empresas da China, ainda em agosto de 2019. O projeto em questão reflete os anseios por parcerias públicas e privadas para realização do programa “Nordeste Conectado”, baseado na ideia de integrar conectividade, internet banda larga, construção de redes de fibra ótica, serviços tecnológicos mais sofisticados e compartilhamento de dados para a região (Governo da Bahia, 2019). Foram delineados acordos em parceria com as empresas Huawei, Dahua, ZTE e Hikvision que operam no setor chinês de telecomunicações e tecnologias de reconhecimento facial, demarcando um processo resultante da aproximação das relações entre os governadores do Nordeste com a China, inclusive na captação de oportunidades na Nova Rota da Seda.

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Os acordos em questão, por outro lado, levantaram especulações e críticas de parceiros importantes do Brasil por acusações de monitoramento de dados brasileiros pelo governo da China como consequência da iniciativa. Além disso, as relações sino-nordestinas foram questionadas acerca de uma possível priorização das parcerias chinesas em detrimento da negociação com outros parceiros nos Estados Unidos da América e aliados ocidentais, um dos maiores enfoques atuais da aproximação política nas relações exteriores brasileiras. Em um cenário latente de guerras comerciais empenhadas à nível global entre os Estados Unidos e a China, o Secretário de Comércio estadunidense Willbur Ross (2019), destacou a possibilidade de desarticular acordos de livre-comércio e parcerias estabelecidas com o Brasil caso as propostas tivessem continuidade1. Do ponto de vista da política externa brasileira, são notórios os esforços de aproximação das relações de Jair Bolsonaro com o presidente estadunidense Donald Trump, em que à primeira vista as relações de internacionalização no âmbito do Consórcio Nordeste poderiam transparecer uma atuação paralela e desconexa às desempenhadas no Ministério das Relações Exteriores. Uma perspectiva acerca da internacionalização descentralizada é que apesar de seu caráter mais autônomo em relação à esfera federal, é crucial que as ações estratégicas no plano internacional tenham orientação compatíveis com a própria política externa nacional, do contrário múltiplas políticas externas difusas poderiam ser evidenciadas (Barreto, 2005). Em contrapartida, a China representa um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, no que as relações desempenhadas são decisivas para a estratégia de desenvolvimento tanto nacional, quanto regional (Planalto, 2019). Apesar do forte alinhamento político brasileiro com os EUA, o Consórcio Nordeste atua em função

1 Rittner, Daniel,. “EUA alertam Brasil para risco do 5G”, Valor Econômico, Brasil, 2 de setembro de 2019.

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dos interesses mais amplos de fortalecimento das relações comerciais para a região, seguindo perspectivas de negócios que já são desempenhadas inclusive na própria gestão federal atual (Drummond, 2019). O argumento da priorização e alinhamento estrito do Consórcio com a potência chinesa também se demonstra frágil em adesão, no sentido de que outros panoramas de atuação à mesma época foram articulados ainda com mais ênfase e esforços que a compra coletiva em questão. O engajamento do Consórcio Nordeste assim como de outras unidades subnacionais que procuram novas estratégias de inserção internacional, repercute em modelos de desenvolvimento menos dependentes das condições de distribuição orçamentária entre o governo central e as unidades federativas. A internacionalização enquanto prática alternativa nos programas de gestão pública é cada vez mais necessária e, no caso do Consórcio, não deve ser encarada como confrontante direto com o Governo Federal, mas sim, como um meio de superar os obstáculos da restrição de investimentos pelas linhas tradicionais de crédito e aproveitamento de oportunidades (Bokany, 2019). Dentro do projeto de desenvolvimento regional elaborado pelo Consórcio Nordeste, são constituídos amplos interesses para a superação das desigualdades regionais. A atuação internacional efetivada ainda em seu primeiro ano de operação confere oportunidades de cooperação em áreas tangentes aos presentes desafios socioeconômicos como: captação de investimentos, educação, meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Neste sentido, foi estabelecida a “Missão Europa”, articulando um ciclo de visitas a parceiros estratégicos em suas diversas áreas objetivadas na cooperação internacional para o desenvolvimento. A Carta de Teresina (2019b), assinada em agosto durante reunião do Consórcio Nordeste, destacou as principais discussões e ratificou a agenda de trabalho à Europa, promovendo

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a primeira missão internacional da instituição em busca de potenciais investidores e agências de cooperação, destacando relevância às áreas de maior competitividade da região e valorizando os projetos integradores entre todos os Estados. Por meio da “Missão Europa” realizada em novembro de 2019, os governadores do Nordeste se engajaram em reuniões com empresários, lideranças locais e organizações internacionais na França, Alemanha e Itália para a apresentação das potencialidades da região e de cenários favoráveis ao investimento e estreitamento de relações. A comitiva teve como integrantes, além das lideranças dos nove estados da região Nordeste, representações do Ministério das Relações Exteriores, de modo a demonstrar que a construção de uma agenda internacional não pretende ultrapassar as perspectivas delineadas pelo Itamaraty. A Missão Europa e as estratégias regionais fundamentalmente devem ser compreendidas também como objetivos de Estado, buscando soluções para reparar as desigualdades históricas de uma região que sofre com baixos indicadores de desenvolvimento social e humano, questões que por si só são intrínsecas para o desenvolvimento nacional (Bokany, 2019). Tendo Paris como ponto de partida da Missão Europa, as discussões na capital francesa tiveram foco principal em projetos de inovações tecnológicas e de desenvolvimento sustentável, além de visitas à Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e à sede da UNESCO. Não somente, a incursão internacional do Consórcio apresentou sentidos mais pragmáticos para a negociação de acordos de cooperação, inclusive, de modo conciliador à imagem internacional do Brasil frente aos desmontes nas políticas ambientais da gestão do presidente Bolsonaro que levaram a relações conflitantes entre o governante brasileiro e o presidente francês Emmanuel Macron (Junqueira; Silva; Araújo, 2019). Como frutos colhidos, foi assinado entre o Consórcio, a AFD e o Ministério de Tran-


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sição Ecológica e Solidária da França uma carta de cooperação prevendo acordos bilaterais nas áreas de cidades sustentáveis e políticas de gestão ambiental, assim como, foram prestados compromissos com a UNESCO em torno dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e do comprometimento dos governadores com a Agenda 2030 (Governo do Ceará, 2019). Com seguimento em Roma, o Consórcio Nordeste também prestou visitas a agências especializadas e grupos de empresários da Itália, demonstrando as áreas chaves e potencialidades regionais para o redirecionamento de investimentos. Em evento organizado pela Confederação Geral da Indústria Italiana, áreas como sustentabilidade, infraestrutura, turismo, saúde, segurança pública, saneamento e energias limpas tiveram um maior enfoque nas discussões (Governo da Paraíba, 2019). Ademais, outro ponto relevante da passagem dos governadores pela Itália foi a visita ao Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), onde muitos dos interesses para o setor agrícola, principalmente da agricultura familiar e sistemas de abastecimento de água, reforçando perspectivas de financiamento com a instituição que demonstra parceria com o Nordeste desde a década de oitenta.

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do Consórcio em reuniões com os Ministérios alemães da Economia, Educação, Cooperação e Desenvolvimento e na Associação das Câmaras Alemãs de Comércio e Indústria (Governo da Paraíba, 2019). Um dos pontos mais relevantes da passagem do Consórcio Nordeste por Berlim foi o estabelecimento de reuniões acerca da possibilidade de projetos de incentivo à educação e pesquisa na região por meio de acordos de cooperação internacional com foco na educação profissionalizante e na possibilidade de programas de intercâmbios de estudantes do ensino médio do Nordeste para a Alemanha.

Por fim, a missão dos governadores nordestinos na Europa é finalizada em Berlim trazendo novos objetivos além da perspectiva ambiental como a inserção dos cidadãos nordestinos em condições de pleno emprego, renda e acesso a sistemas de educação. Foram apresentados mapas de oportunidades no Nordeste para possíveis parcerias comerciais e fluxos de investimentos relacionados aos planos de desenvolvimento

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A Missão Europa configurou os primeiros passos exitosos na consolidação de uma estratégia regional de internacionalização descentralizada, levantando expectativas para as próximas articulações do Consórcio na inserção regional de políticas globais. A atuação internacional do Consórcio Nordeste neste sentido tem efetuado um significativo contrapeso às novas diretrizes da política externa brasileira, cada vez mais críticas ao multilateralismo e à agenda ambiental (Junqueira; Silva; Araújo, 2020). Neste sentido, as pautas de desenvolvimento que contemplam os sentidos de atuação do Consórcio compreendem medidas ocasionalmente negligenciadas pelas práticas internacionais do chanceler Ernesto Araújo e do presidente Jair Bolsonaro. No panorama atual de questionamentos à credibilidade política do Brasil no exterior, a atuação internacional do Consórcio se estabelece em um momento em que se faz necessário reafirmar os compromissos do país com o meio ambiente e com o desenvolvimento social e humano (Bokany, 2019). A região Nordeste e os esforços colaborativos dos governadores gradualmente ocupam um espaço conciliatório na articulação de parcerias internacionais dentro de uma conjuntura controversa para a política externa brasileira. O relativo êxito da missão de 2019 levou a novos anseios igualmente ambiciosos para a atuação internacional do Consórcio Nordeste em seu segundo ano de operações, sinalizando aspectos positivos para a atração de investimentos e parcerias públicas e privadas. Na reunião anual de planejamento realizada no dia 11 de fevereiro de 2020, foi apresentado um roteiro internacional com agendas institucionais, políticas e de negócios com empresários na Bélgica e na Espanha, e solicitada a articulação com as áreas de Assessoramento Internacional para fins de ajustes logísticos (Consórcio Nordeste, 2020a)

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LAS ACCIONES INTERNACIONALES DEL CONSORCIO NORDESTE PARA EL ENFRENTAMIENTO DE COVID-19 Frente a disseminação da pandemia global de COVID-19, romperam-se algumas das perspectivas traçadas para a construção de políticas e parcerias internacionais estratégicas por intermédio do Consórcio Nordeste. Os impasses da crise pandêmica demonstram em diversos aspectos a necessidade de se manter os imperativos de cooperação regional e articulação coletiva. Assim, o Consórcio se apresenta como uma ferramenta de gerenciamento coletivo das políticas públicas de saúde para os estados, voltada ao enfrentamento da doença, mitigação de seus efeitos em diferentes setores e criação de redes de cooperação. Neste cenário, os empreendimentos do Consórcio para internacionalização ganham um novo direcionamento em virtude das demandas de saúde pública e obstáculos ao desenvolvimento, relativos às implicações da pandemia na região Nordeste. A agenda internacional de parcerias institucionais e financiamentos com outros países vem se demonstrando essencial para o enfrentamento da COVID-19, sobretudo, pela importação de insumos hospitalares (Rossi; Silva, 2020). Para além da atuação tradicional de gestão coletiva, o Consórcio Nordeste vem demonstrando seu engajamento crítico, expresso em cartas e ofícios, às políticas nacionais de enfrentamento da pandemia, marcadas por instabilidade administrativa no comando do Ministério da Saúde, negacionismo científico e descredibilização da imagem internacional do país. O posicionamento político do Consórcio é articulado em um momento globalmente delicado que aflora os anseios por cooperação e


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de fragilização das relações externas do Brasil com países que estão avançados na gestão e controle da pandemia. Este movimento é representado no diálogo estabelecido entre os governadores do Nordeste com a China frente aos desconfortos diplomáticos ocasionados por declarações do deputado federal e filho do presidente da República, Eduardo Bolsonaro, e do ex ministro da educação, Abraham Weintraub, atribuindo a nação chinesa como culpada pela pandemia1. Em ofício enviado no dia 18 de março de 2020 à Embaixada da China, o Consórcio Nordeste se pôs à disposição para disseminação de esclarecimentos, encaminhou votos de admiração e respeito ao povo chinês e pediu por apoio e colaboração para a obtenção de insumos e equipamentos hospitalares (Consórcio Nordeste, 2020b). Além da carta enviada à República Popular da China, foi publicada uma nova carta aberta intitulada “A Favor da Vida”, na qual os governadores destacam um cenário de indignação com os posicionamentos institucionais do Governo Federal contrariando orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), omissos em medidas para prevenção de óbitos e céticas ao multilateralismo, empenhadas pelo governo do presidente Bolsonaro. Ainda são ressaltados os ataques aos governadores do Nordeste em pronunciamentos oficiais do presidente e a falta de rigor administrativo, político e jurídico pelo líder nacional na gestão da pandemia (Consórcio Nordeste, 2020c). De modo contrário, as perspectivas do Consórcio Nordeste assumem um viés favorável à integração política da região, à cooperação internacional e aos entendimentos de organismos multilaterais e redes científicas para amenizar os efeitos da crise sanitária. O sistema de compras coletivas que integra o seu escopo operacional retoma novos

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sentidos frente às dificuldades de acesso a produtos hospitalares em uma conjuntura de intensa concorrência no mercado internacional. O Convênio de Cooperação Técnica e Financeira, celebrado em 27 de abril entre o Consórcio Nordeste e o Governo da Bahia (2020), denota as implicações à compra de equipamentos. São destacadas algumas diretrizes para a articulação de compras internacionais conjuntas como: I) A parceria com organismos internacionais que permitam o acesso ao mercado externo e a rede de fornecedores pré-qualificados pelas agências ligadas à Organização das Nações Unidas - ONU; II) Realizar, quando necessário, aquisições internacionais em nome dos partícipes e/ou dos Estados Consorciados, por meio dos sistemas eletrônicos disponibilizados pela Receita Federal (SISCOMEX ou Sistema Radar) em respeito às exigências legais (Governo da Bahia & Consórcio Nordeste, pp. 1-10, 2020). Com o crescente movimento de “pirataria internacional”2 pela interceptação de cargas hospitalares, aplicação de ofertas de maior valor sob insumos encaminhados por outros países, ou até mesmo roubo de mercadorias, também são articuladas rotas alternativas para tentar assegurar o recebimento dos bens adquiridos nos mecanismos de compra (Governo da Bahia & Consórcio Nordeste, 2020). Além das compras coletivas, são observados esforços para a cooperação científica, para assegurar o rigor e eficácia comprovada das medidas empenhadas pelos governadores e promover o mapeamento estatístico do panorama regional. Outra estratégia de gestão regional da pandemia foi a criação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste (C4NE), coordenado pelo cientista Miguel Nicolelis e atrelado à plata-

1 Mota, C. V., “A complicada relação entre o governo de Bolsonaro e a China”, BBC News, Brasil, 25 de janeiro de 2021. 2 Esta prática tem sido bem articulada pelo Governo do Maranhão que importou respiradores e máscaras da China em uma rede alternativa passando pela Etiópia, e conseguindo articular a chegada dos itens ao estado (Andrade, 2020)

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forma de contribuição voluntária “Projeto Mandacaru”, contando com a colaboração de representantes regionais, cientistas, médicos e academia do país e do exterior para o encaminhamento de soluções e análises do avanço do vírus. Por meio do C4NE, são estabelecidas medidas e estudos embasados por critérios científicos para auxiliar os processos de tomada de decisão e articulação estratégica para os gestores dos estados e municípios da região e sociedade civil. Ainda que para a efetivação das políticas de combate à COVID-19 prevaleça a autonomia das entidades da administração pública da região Nordeste, o comitê científico evidencia um ambiente de recomendações com o objetivo de monitorar e produzir conhecimento qualificado para embasar tais políticas. As decisões e análises do comitê científico do consórcio têm chegado ao público nos últimos meses por meio da publicação de boletins contendo análises estatísticas, informações e recomendações. Por meio destes, são referenciadas experiências internacionais e pesquisas de instituições científicas de renome, além de recomendações para o estabelecimento de políticas de cooperação técnica, financeira e científica. No escopo fundacional publicado em seu primeiro boletim, o C4NE define sua capacidade para a articulação multissetorial, mobilização de representantes de todos estados do Nordeste e de assessoramento por cientistas e médicos de outras regiões do País e do exterior (C4NE, 2020a). A estrutura de trabalho do Comitê Científico é subdividida em nove subcomitês temáticos para o aprofundamento na pesquisa e articulação de diferentes eixos de atuação para análise da COVID-19 no Nordeste. O Subcomitê 6 de “Contatos Nacionais e Internacionais” é voltado para a colaboração de cientistas, estudantes brasileiros e estrangeiros para a formação de uma rede mundial de apoio ao combate à COVID-19 na região Nordeste

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(C4NE, 2020b). Este é articulado em conjunto com alinhamentos à diretrizes de organismos internacionais como a OMS e outras redes internacionais de pesquisa como o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (CDC) e a Universidade de Paris, favorecendo um cenário de aprendizado e cooperação com as esferas internacionais de enfrentamento aos impactos da COVID-19. Ademais, outras resoluções e entendimentos do C4NE demonstram os esforços do Consórcio Nordeste para uma aproximação da atuação internacional descentralizada como estratégia alternativa às medidas do Governo Federal e das lacunas de gestão no Ministério da Saúde. A projeção internacional e científica torna-se uma estratégia importante levando em conta as desvantagens relativas do Nordeste brasileiro - com sistemas de saúde frágeis e a dimensão da pobreza ainda associada à grande desigualdade social – fatores que contribuem em consequências da pandemia ainda mais gravosas à região (Guimarães Neto; Araújo, 2020). No âmbito da cooperação técnica, o Comitê Científico ratificou a necessidade de contratação de profissionais intensivistas por meio da revalidação de diplomas de médicos brasileiros com formação no exterior e por iniciativas de cooperação internacional para suprir as demandas atuais. Além disso, apesar de não ter sido concretizado, o C4NE recomendou a criação de um Fundo do Nordeste para Fomento à Ciência e Desenvolvimento Tecnológico (FNCD) para transferências de agências multilaterais internacionais e governos estrangeiros (C4NE, 2020c). A proposta de criação do fundo caminha com os interesses previamente consolidados pelo Consórcio Nordeste na ampliação das fontes de investimentos para a região por meio de iniciativas internacionais, objetivando também oportunidades de financiamento por intermédio das organizações internacionais.


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O C4NE também vem publicando perspectivas comparadas acerca do enfrentamento da pandemia em outros países, promovendo panoramas para pensar as estratégias locais que vêm sendo tomadas. O Comitê já destacou abordagens acerca da conjuntura da Suécia e do comparativo das políticas de isolamento social, com outros exemplos da região da Escandinávia como Noruega e Dinamarca, de estudos acerca da testagem em massa realizada na Coréia do Sul e em Singapura e da testagem limitada feita nos Estados Unidos e na França. Dentre algumas análises, ainda é destacado que dos países integrantes do Group of Twenty (G20), o Brasil é um dos países que menos tem realizado testagem de sua população (C4NE, 2020d). Outro ponto de atuação que se diferencia das medidas empenhadas pelo Ministério da Saúde se deu por meio de estudos acerca da eficácia na utilização da Hidroxicloroquina para tratamento da COVID-19. Amparado por pesquisas do National Institute of Health (EUA), da European Medical Agency (Comunidade Européia), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e por entendimentos da OMS, o Comitê Científico descartou a ampla utilização do medicamento baseado nos estudos destacados (C4NE, 2020d). De modo contraditório, é válido ressaltar que a medicação de eficiência não comprovada ainda é amplamente divulgada pelo Presidente do Brasil como uma solução viável para a profilaxia e tratamento dos infectados pelo vírus, disseminando uma agenda política de desinformação frente à presente crise sanitária (Fontolan, Gitahy, Machado & Tessler, 2020). Os últimos boletins do C4NE destacaram a preocupação com o relaxamento do isolamento social no país e com a segunda onda da pandemia evidenciada na Europa. Ao abordar a situação de afrouxamento do isolamento no estado do Rio Grande do Norte, o “boletim 09” demonstrou um paralelo com o panorama do estado do Texas, em que as políticas de flexibilização impulsionadas por parâ-

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metros econômicos, analisadas também nas cidades de Natal e Mossoró, levaram a consequências graves de evolução da pandemia na região (C4NE, 2020e). Já no “boletim 12”, são exemplificados os casos da Itália, França, Espanha e Reino Unido que tiveram aumentos substanciais de casos confirmados da doença, levantando um alerta aos gestores da região Nordeste, que tradicionalmente atrai turistas europeus durante o verão, para o risco de que se estabeleçam novos fluxos de contaminação nos estados (C4NE, 2020f). Ainda em 2020, o governador da Bahia e ex-presidente do Consórcio Nordeste participou de negociações com a embaixada da Rússia e da China para demonstrar o interesse dos estados nordestinos para a testagem de vacinas desenvolvidas para o combate do vírus. Em movimentos mais recentes, o presidente do Consórcio Nordeste e Governador do Piauí, Wellington Dias, confirmou um acordo de cooperação para a aquisição de 50 milhões de doses da vacina russa “Sputnik V”, a serem administradas nos nove estados da região (PT, 2021). Neste sentido, espera-se que os esforços para a ação internacional do Consórcio Nordeste sejam aplicados para o favorecimento da cooperação técnica por meio da contratação de profissionais, do financiamento estrangeiro e multilateral para a viabilização da compra de recursos hospitalares e de testagem, além da intensificação das relações com as redes globais de pesquisa científica para o combate da pandemia. A análise dos boletins permite reconhecer que a experiência internacional tem sido considerada nos estudos do comitê para auxiliar as práticas e políticas dos estados e municípios do Nordeste. Também é válido ressaltar que para uma aplicação prática dos planos de ação previstos pelo C4NE e para replicar as políticas encabeçadas internacionalmente, devem ser evidenciados os contrastes entre as condições materiais da região em disparidade a de outras unidades internacionais, nacionais e subnacionais

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Como fruto de algumas ações e posicionamentos traçados pelo Comitê Científico, ainda que sem vinculação direta com o Consórcio Nordeste, também foi divulgada a formação da Rede Nordeste de profissionais, gestores e cientistas, divulgada por meio do “Manifesto da Ciência pela Vida Plena” (2020). Neste, é defendida a intensificação dos pactos políticos e institucionais para a cooperação com outros governos subnacionais e internacionais em conformidade com o Consórcio para o progresso econômico e social da região (Rede Nordeste, 2020). Por fim, o manifesto da Rede (2020) ainda destaca que o Consórcio Nordeste e seu Comitê Científico compõem atualmente um instrumento de governança para a execução de políticas de desenvolvimento regional influenciado pela trajetória institucional da região em compatibilidade com o pensamento de Celso Furtado.

CONCLUSÃO Os processos de gestão coletiva do desenvolvimento regional e da internacionalização descentralizada desempenhados pelo Consórcio Nordeste são originados de uma conjuntura histórica em que diversas lacunas ao crescimento econômico e social da região foram estruturadas. Ademais, os sentidos atuais que orientam o escopo do Consórcio Nordeste compreendem desafios estruturais complexos e estratégias amplas de mitigação das disparidades regionais. Deste modo, a instituição articula temáticas trabalhadas por Celso Furtado ainda na metade do século passado, aliadas a um processo de maturidade operacional e aprendizado com as experiências práticas das instituições voltadas a pensar um crescimento social, político e econômico no Nordeste. Com a redemocratização do país e o fim de décadas de centralismo autoritário da ditadura militar, as tendências descentralizadoras para a gestão subnacional começam a ser consolidadas em conjunto à ascensão da ati-

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vidade paradiplomática no Brasil. De modo análogo, o histórico de desmontes em experiências institucionais também reforça o panorama de maior protagonismo dos governos estaduais do Nordeste frente aos dilemas do subdesenvolvimento da região. Por sua vez, as práticas de internacionalização são difundidas como um caminho alternativo para a implementação de políticas públicas e para o amparo financeiro às necessidades dos entes federados do Nordeste. Desde sua fundação, o Consórcio esteve comprometido em práticas internacionais em áreas transversais aos seus propósitos de promoção regional do desenvolvimento como: meio ambiente, educação e ampliação da sua rede externa de negócios, temáticas também trabalhadas pelas virtudes originárias consolidadas pelo GTDN de Furtado, retomadas com a reconstrução da Sudene e articuladas no Fórum de Governadores. Não somente, a internacionalização do Consórcio Nordeste está sendo fundamental para a articulação de um contraponto à imagem internacional do país, marcada pelo afastamento das perspectivas construídas em fóruns multilaterais de discussão, posicionamentos inflamados perante lideranças mundiais e negacionismo científico. Ademais, a implementação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste como uma ferramenta de gestão regional da pandemia de COVID-19 refletiu novos anseios para a cooperação internacional em tempos de crise. Assim, o C4NE está demonstrando um trabalho aproximado com redes externas de pesquisa e de recomendações de organismos multilaterais além da busca por cooperação técnica e financeira, compras coletivas de insumos hospitalares e negociações para a aquisição de vacinas. Não obstante, a relevância do Consórcio se faz presente em um contexto nacional instável no âmbito do Ministério da Saúde e marcado pelo apoio do Governo Federal a estratégias flexíveis, paliativas e de pouca cautela e responsabilidade para o enfrentamento da pandemia.


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Deste modo, em um cenário de ampliação do protagonismo dos entes federados, implementações nas noções de desenvolvimento pensadas para a região Nordeste e de posicionamentos coletivos frente aos rumos da política brasileira, o Consórcio Nordeste representa um ator fundamental para a governança articulada e local. Também consolidando um polo alternativo às políticas do atual Governo Federal, o Consórcio legitima uma plataforma administrativa para a implementação de um projeto de desenvolvimento regional unificado, promovendo estratégias coletivas de crescimento socioeconômico, buscando a projeção internacional das potencialidades do Nordeste e a recuperação da pandemia. Portanto, o Consórcio Nordeste constitui atualmente um importante mecanismo de proteção e estímulo ao desenvolvimento regional que caminha de uma trajetória histórica de articulações institucionais e que é impulsionado frente aos paradigmas controversos da política brasileira. Enquanto uma ferramenta de gestão coletiva e descentralizada, o Consórcio confere projeção dos interesses do Nordeste nas arenas globais e nacionais, constrói novas possibilidades ao crescimento socioeconômico e promove alternativas internacionais aos dilemas locais em um presente contexto de crise sanitária. Por sua vez, utilizando da internacionalização descentralizada como um forte aliado para a projeção do Nordeste brasileiro, as políticas articuladas refletem em diversos aspectos dos anseios históricos do pensamento de Furtado para a consolidação de uma estrutura autônoma de afirmação política frente a construção dos seus ideais próprios de desenvolvimento regional.

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Guilherme de Lima Souza Universidade Federal da Paraíba (UFPB) - Departamento de Relações Internacionais Cidade Universitária, João Pessoa, Paraíba, Brasil; 58051-900 Mail: guilherme.lima@academico.ufpb.br

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A dimensão intramunicipal da paradiplomacia brasileira...

LA DIMENSIÓN INTRAMUNICIPAL DE LA PARADIPLOMACIA BRASILEÑA: ANÁLISIS DEL FORO NACIONAL DE SECRETARIOS Y GERENTES MUNICIPALES DE RELACIONES INTERNACIONALES Karina Pietro Biasi Ruiz / Luciana Leite Lima

Abstract The international action of the Brazilian municipalities is affected by normative gaps and trajectories of instability and, at the same time, its development indicates the paradiplomacy as a field under construction. This article takes the National Forum of Municipal Secretaries and Managers of International Relations (FONARI) as an empirical context and analyzes its impact on the legitimation of the paradiplomacy. The qualitative analysis of documents and interviews of managers who participated in the Forum between 2005 and 2020 indicates that FONARI did act to strengthen existing policies, as well as to build state capacities at the municipal level. Key words: Paradiplomacy. Local governments. FONARI. Public Policies. Brazil.

@chaarlotteborges

Resumen Aunque en la actuación internacional de los municipios brasileños haya lagunas normativas y trayectorias inestables, su desarrollo indica que la paradiplomacia es un campo en construcción. Siendo así, este artículo adopta como contexto empírico el Foro Nacional de Secretarios y Gestores Municipales de Relaciones Internacionales (FONARI) y analiza su impacto en la legitimación de la paradiplomacia. Por medio del análisis cualitativo de documentos y relatos de gestores que participaron del Foro entre el 2005 y el 2020, el estudio muestra que el FONARI, de hecho, sirvió al fortalecimiento de las políticas existentes y a la construcción de capacidades estatales en la esfera municipal. Palabras clave: Paradiplomacia. Gobiernos locales. FONARI. Políticas Públicas. Brasil.

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Karina Pietro Biasi Ruiz / Luciana Leite Lima

A DIMENSÃO INTRAMUNICIPAL DA PARADIPLOMACIA BRASILEIRA: ANÁLISE A PARTIR DO FÓRUM NACIONAL DE SECRETÁRIOS E GESTORES MUNICIPAIS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Karina Pietro Biasi Ruiz / Luciana Leite Lima

Resumo Embora a atuação internacional dos municípios brasileiros seja atravessada por lacunas normativas e trajetórias de instabilidade, o desenvolvimento da mesma indica que a paradiplomacia é um campo em construção. Assim, este artigo adota como contexto empírico o Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais (FONARI) e analisa seu impacto na legitimação da paradiplomacia. Através de análise qualitativa de documentos e relatos de gestores que participaram do Fórum entre 2005 e 2020, o estudo mostra que o FONARI de fato agiu para o fortalecimento das políticas existentes, bem como para a construção de capacidades estatais a nível municipal. Palavras chave: Paradiplomacia. Governos locais. FONARI. Políticas Públicas. Brasil.

INTRODUÇÃO

N

as últimas décadas a expansão da atuação internacional de governos subnacionais veio acompanhada de seu reconhecimento por parte de Estados, organizações internacionais e outros atores. Apesar dos entes subnacionais não serem considerados sujeitos de Direito Internacional, seu papel como promotores do desenvolvimento têm sido incorporado às agendas internacionais, em especial através do Sistema das Nações Unidas e de mecanismos de integração e cooperação regional. A projeção internacional destes entes, contudo, ainda deve seguir as normativas dos Estados de que fazem parte (Bensegues, 2016). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (CF) não distribui competências de política externa aos entes subnacionais. Os temas usualmente regulamentados pelas constituições brasileiras - manter relações com outros Estados, participar de organizações internacionais, celebrar tratados, declarar guerra e celebrar paz - envolvem competências distribuídas entre os três

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poderes, mas sempre a nível federal (Sanchez et al., 2006). Apesar disso, a paradiplomacia brasileira precede inclusive a CF: as primeiras estruturas burocráticas voltadas às relações internacionais foram criadas em 1983 pelo estado do Rio de Janeiro e em 1987 por sua capital e pelo estado do Rio Grande do Sul. Desde então observa-se um crescimento destas estruturas. Se até os anos 2000 oito estados – Distrito Federal incluído – mantinham setores responsáveis pelas relações internacionais, entre 2012 e 2013 todos os 27 estados possuíam setores equivalentes. Entre os municipios, o número deste mesmo período saltou de sete para 47 municípios com Secretarias, Coordenadorias ou Assessorias específicas para a área e outros 66 com atuação internacional sem estas estruturas, totalizando 113 municípios com atuação paradiplomática – o equivalente a 2% dos municípios então existentes (Brigagão, 2005; Confederação Nacional dos Municípios [CNM], 2011; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2013; Froio, 2015). Do ponto de vista destes governos, a paradi-


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plomacia é a externalização das competências domésticas definidas pela CF (CNM, 2016). De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM, 2016), uma das principais associações municipalistas do país, uma vez que a CF confere “aos Estados e aos Municípios amplas competências nas áreas de saúde; patrimônio histórico, cultural e paisagístico; cultura, educação e ciência; meio ambiente; habitação; e combate à pobreza” e sendo possível “inferir do art. 52 da CF que os Estados e os Municípios têm capacidade de iniciar operações externas de natureza financeira, que deverão ser, contudo, autorizadas pelo Senado Federal”, a atuação externa subnacional deve ser aceita desde que relacionada às competências constitucionais (CNM, 2016:20). Diante deste crescimento, o governo federal reagiu. Primeiro, criando órgãos responsáveis pelo relacionamento com os governos subnacionais: em 1997 foi criada a Assessoria de Relações Federativas, vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) e responsável pela política de Diplomacia Federativa durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira, 1995 - 2003); durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT, 2003 - 2011) e de Dilma Rousseff (PT, 2011 - 2016), a ênfase esteve na política de Cooperação Internacional Descentralizada promovida pela Subchefia de Assuntos Federativos (SAF), estrutura criada em 2003 e inicialmente ligada à Casa Civil (Miklos, 2010). Segundo, no campo jurídico, o governo federal atuou na revisão dos acordos de cooperação bilateral entre o Brasil, Itália e França (respectivamente, em 2007 e 2008), nos quais a adição de protocolos para a cooperação internacional descentralizada criou uma base legal para a atuação subnacional vinculada ao tema (Salomón, 2012). Ainda, a SAF promoveu uma série de debates visando a criação de um marco jurídico para a Cooperação Internacional Descentralizada, descontinuados após 2014 (Ruiz, 2020). Até o momento, o governo de

Jair Bolsonaro (sem partido, 2019 - atual) não propôs iniciativas para a área, ainda que tenha mantido na Secretaria de Governo, a SAF, e no MRE, a Assessoria de Relações Federativas e com o Congresso Nacional (Decreto Nº 9.683; Decreto Nº 10.591). Assim, apesar dos avanços, a paradiplomacia brasileira tem como marca o que Vigevani (2006) denominou de lógica de stop and go. Nela, há uma “alternância de períodos nos quais um determinado governo subnacional desenvolve estratégias discerníveis de política externa, normalmente com o apoio de uma estrutura internacional, e períodos em que essas estratégias e estruturas desaparecem” (Salomón, 2012:280). Este movimento pode ser visto nos números antes apresentados. Por um lado, eles mostram um crescimento na criação de estruturas - até 2000, em sete municípios; entre 2001 e 2004, em outros oito; entre 2005 e 2008, 16; e entre 2009 e 2012, em outras 38 cidades. Por outro lado, indicam que dos 30 municípios que possuíam uma área internacional em 2008, apenas 11 as mantiveram na gestão seguinte, quatro passaram a ter alguém responsável pelo tema, e outros 13 indicaram não ter mais nem estrutura nem responsável pelo tema (CNM, 2011; IBGE, 2013). Perante esse quadro, este artigo argumenta que a lógica stop and go está associada a dois fatores: por um lado, às lacunas normativas no que tange às competências de política externa para os entes subnacionais; por outro lado, à ausência de tradição de promoção de políticas públicas de paradiplomacia nestas esferas. Os dois fenômenos estão relacionados, se reforçam e impactam a agenda governamental dos estados e municípios, que nem sempre percebem a temática das relações internacionais como um problema público a ser enfrentado por eles. Dessa forma, quando um governo subnacional inclui o tema na agenda governamental e cria uma estrutura ou indica um responsável pela definição dos interesses e estratégias de atuação internacional, pre-

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cisa enfrentar desafios ligados à capacidade de formular e executar este tipo de política, ao histórico de centralização do planejamento estatal (Lima et al., 2020) e às indefinições legais para o financiamento das ações paradiplomáticas (Subchefia de Assuntos Federativos - SAF, 2013a). O cenário, portanto, é de construção de uma agenda paradiplomática e de capacidades estatais correspondentes1. Considerando a maior proximidade dos estados ao Estado nacional em termos de obrigações e capacidades (Salomón, 2012), é esperado que as dificuldades deste processo sejam mais aparentes a nível local. Isto posto, este estudo adota como contexto empírico o Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais (FONARI). Criado em 2005 por iniciativa de gestores municipais da área, o FONARI atuou junto a representantes de outros níveis federativos nos principais debates nacionais sobre a regulamentação da paradiplomacia, funcionando como um fórum de articulação para demandas de seus membros, de colaboração e capacitação dos gestores participantes e de disseminação de informações relevantes à atuação internacional subnacional. O FONARI atua, assim, como parte de uma rede de políticas públicas. Na definição de Börzel (1998), estas redes são um conjunto de relações formadas pela troca de recursos entre atores com interesses comuns em políticas públicas e que entendem a cooperação como forma de alcançar seus objetivos comuns. Rhodes (2003), a partir da análise de redes intergovernamentais, identificou a existência de cinco tipos de recursos trocados: autoridade; dinheiro; legitimidade; informação; e organização. Uma vez que a definição de problemas públicos é uma ação essencialmente política (Capella, 2018), este artigo busca identificar o

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impacto da participação no FONARI sobre a legitimidade da paradiplomacia municipal. Na análise foram reunidos dados secundários disponibilizados pelo FONARI: Carta de Princípios, Proposta de Estatuto, balanços de gestão da organização, ofícios, atas e listas de presença de eventos realizados pela organização entre 2005 e 2020 e notícias publicadas no site da organização. A partir da análise documental, foram coletados e analisados dados primários obtidos: i) através de 16 respostas a questionário on-line, de adesão voluntária e anônima, realizado em 2019; e ii) por meio de oito entrevistas semi-estruturadas realizadas entre 2019 e 2020 junto a gestores e ex-gestores de municípios presentes em cinco ou mais eventos analisados2, os quais serão referenciados como Gestor 1, Gestor 2, [...], Gestor 8. Na próxima seção, apresentamos o FONARI e, na sequência, analisamos seu papel no fomento e na construção da agenda paradiplomática dos municípios associados.

FONARI: CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E ATUAÇÃO. A década de 2000 foi de efervescência para as cidades brasileiras com atuação internacional. Além da profusão de estruturas voltadas à coordenação da atividade, foi um período de criação e fortalecimento de instâncias próprias para a paradiplomacia tanto no nível internacional quanto no nacional, com destaque às assessorias internacionais criadas nas associações municipalistas e na própria SAF. Como informou o Gestor 8, este “caldo político” levou à aproximação “dos secretários que se encontravam pelo mundo […]. E naturalmente esas relações pessoais começaram também a se re-

1 Capacidades estatais são aquelas necessárias para que o Estado possa formular e executar seus objetivos de forma autônoma em relação aos interesses de classes ou grupos sociais (Skocpol, 1985; Lima et al., 2020). 2 Este recorte permitiu incluir municípios que não foram coordenadores do FONARI, de diferentes regiões, porte populacional, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal e Produto Interno Bruto.

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fletir em debates mais técnicos mesmo, de ‘e agora, para onde a gente vai?’” (Gestor 8, comunicação pessoal, novembro 8, 2018). Em meio a este cenário, a recém criada Secretaria de Relações Internacionais da Salvador organizou em 2005 o I Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais. Com a participação de representantes de Belo Horizonte, Recife, Guarulhos, Porto Alegre, Fortaleza e São Paulo, o Fórum tinha como objetivo discutir a interface da política externa brasileira com as cidades e suas demandas. A partir do IV Fórum, ocorrido em 2009 e sediado em Porto Alegre, a iniciativa tomou corpo. Nele, os gestores presentes decidiram pela institucionalização do FONARI como pessoa jurídica privada de caráter associativo, dando início a elaboração dos instrumentos - estatutos, regulamentos, alvarás e registros - necessários à formalização. Os documentos a que tivemos acesso mostram que este processo, contudo, não se efetivou: [...] na época [a institucionalização] não foi para frente porque ia ficar enrijecendo muito a estrutura para os municípios, e eles não iam conseguir porque [...] tinha que fazer conselho fiscal, tinha que estar discutindo taxas de admissão, contribuições ordinárias, extraordinárias, doações, tinha que ter um local específico jurídico para responder juridicamente, tinha que ter uma sede. Isso a gente sabe que quando a gente leva para o âmbito de várias cidades se torna impossível você gerir ou fechar um acordo desses, porque […] os coordenadores eles são passageiros, eles têm cinco ou quatro anos e depois muda a equipe, e poderia mesmo o próprio estatuto caducar ou a cidade sair e descumprirem as regras (Gestor 6, comunicação pessoal, novembro 8, 2019).

rém não com instrumentalidade jurídico-legal” (Gestor 7, comunicação pessoal, outubro 23, 2019). Isto posto, o FONARI não só atua como também se organiza como uma rede de políticas públicas: através de relações relativamente estáveis, não hierárquicas e interdependentes (Börzel, 1998) cujo objetivo é fortalecer a paradiplomacia na agenda governamental e promover políticas públicas relacionadas. A organicidade das redes dificulta definir com clareza quem constitui o FONARI. Segundo seu Estatuto podem ser Membros Associados “todas as Secretarias, Assessorias, Coordenadorias - ou afins - de Relações Internacionais dos Municípios brasileiros, assim como aquelas prefeituras interessadas em instituir a sua área internacional [...], sendo representadas ante o Fórum pela autoridade máxima do órgão” (FONARI, 2011:5), enquanto representantes estaduais seriam aceitos como membros observadores. Nesse sentido, os documentos analisados permitem identificar que, entre 2009 e 2020, pelo menos 42 municípios constam como membros do FONARI (Quadro 1), além dos estados de Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro (FONARI, 2013a; FONARI, 2014a; Ruiz, 2020).

Desta feita, apesar da aprovação e adoção de um Estatuto próprio e de alguns outros instrumentos, o FONARI não se consolidou como pessoa jurídica, permanecendo como um movimento ou como um “grande acordo reconhecido, po-

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QUADRO I. Municípios Associados ao FONARI ANO DO DOCUMENTO

MUNICÍPIOS MEMBROS (FUNDADORES E MUNICÍPIOS ADICIONADOS)¹

2009

Bagé, Fortaleza, Goiânia, Guarulhos, Osasco, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Carlos2, Vitória, Várzea Paulista

12

2013

Bagé, Fortaleza , Goiânia, Guarulhos, Osasco , Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Carlos², Vitória, Várzea Paulista

15

2014

Jaboatão dos Guararapes, Macapá², Sorocaba

3

2017

Uberlândia

1

2019

Barueri, Belém, Betim, Duque de Caxias, Feira de Santana, Florianópolis, Manaus, Palmas, Pelotas, Santo André, Volta Redonda

11

Total

42

Fuente: adaptado de Ruiz, 2020: 80. Son municipios fundadores aquellos presentes en el IV Foro, llevado a cabo en 2009. Los demás municipios asociados son presentados según el año de entrada o identificación del municipio como asociado en los documentos del FONARI. 2 Municipios que dejaron de constar como asociados en el documento de 2019.

1

De forma geral, o FONARI é composto por municípios com mais de 100 mil habitantes e de Índice de Desenvolvimento Humano médio a muito alto1. Seu perfil difere, portanto, do brasileiro: no país, 70% das cidades têm menos de 100 mil habitantes e apenas 34,7% das cidades possuem um IDHM alto ou muito alto (IBGE, 2011). Os municípios membros estão dispersos em 18 dos 27 estados brasileiros, sendo que todas as capitais destes estados fazem parte do FONARI (Figura 2). Dos 42 municípios, 21 estão na região Sudeste; oito, na Sul; seis, na Nordeste; cinco, na Norte; e dois na região Centro-Oeste. Em comparação com a distribuição nacional de municípios por região há, portanto, sobrerrepresentação do Sudeste e uma sub-representação da região Nordeste (Ruiz, 2020).

1 A exceção é o município de Aceguá que, em 2010, possuía 4.394 habitantes e IDHM médio (Ruiz, 2020).

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Figura I. Distribuição espacial dos Municípios e estados associados ao FONARI (2009 - 2019). Ruiz, 2020.

A estrutura de coordenação, por sua vez, foi se tornando mais descentralizada e complexa à medida que a organização foi se desenvolvendo, ganhando níveis e áreas ao longo destes 15 anos de funcionamento. Na primeira gestão (2009 - 2010), a estrutura organizacional contava apenas com uma coordenação; nas seguintes, além da criação de uma subcoordenação, foram criados órgãos de apoio (Comitê Executivo e Assembleia Geral) durante a gestão de Belo Horizonte (2011 - 2013) e, a partir da gestão de São Paulo (2014 – 2015), estruturas regionais às quais se somaram estruturas temáticas durante as gestões de Porto Alegre (2017 – 2019) e Salvador (2019 – 2020), como mostra o Quadro 2.

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QUADRO 2. Estruturas de coordenação do Fonari (2009 – 2020) PERIODO

ESTRUTURA Coordenação

2009 a 2010

Salvador Coordenação

2011 a 2013

Belo Horizonte

Subcoordenação Fortaleza e, depois, São Paulo

Comitê Executivo

Rio de Janeiro

Guarulhos

Rio Branco

Porto Alegre

Assembleia Geral

Coordenação 2016 Guarulhos Vice-presidências Regionais Presidência 2017 a 2019 Porto Alegre

Sul

Sudeste

Porto Alegre

Uberlândia

Centro-Oeste

Nordeste

Norte

Brasília

São Luís do Maranhão

n.d.¹

Comitês Temáticos

Vice-presidências Regionais Presidência 2019 a 2020 Salvador

Sul

Sudeste

Centro-Oeste

Nordeste

Norte

Porto Alegre

São Paulo

Brasília

São Luís do Maranhão

n.d.¹

Comitês Temáticos

Fonte: Ruiz, 2020:87. ¹Não definido (n.d.).

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Mais do que uma quebra ou exceção, a gestão de Guarulhos (2016) sugere uma adaptação do FONARI às dinâmicas locais. Guarulhos assumiu a coordenação durante um ano de eleições municipais e, portanto, de incertezas sobre quais estruturas internacionais seriam mantidas nas novas gestões. Não seria este o único impacto dos processos eleitorais sobre a estruturação da coordenadoria: após as eleições de 2012, a dissolução de estruturas internacionais em Fortaleza e Salvador exigiu mudanças na Subcoordenação e no Conselho Executivo do FONARI (FONARI, 2013b); e, após 2016, a própria escolha da coordenação seguinte foi relacionada pelos gestores à busca por garantir a existência do FONARI. Como relatado, havia uma perspectiva geral de desarticulação: “a gente ia percebendo que tudo ia acabar e [que] Porto Alegre ia continuar, então foi passar o bastão aos 45 do segundo tempo para garantir um pouco a sobrevivência do FONARI, de uma memória, de um debate mínimo” (Gestor 8, comunicação pessoal, novembro 8, 2018). Percebe-se que a complexificação da estrutura de gestão do FONARI responde às mudanças nos municípios visando garantir o funcionamento da organização. Além disso, busca “tentar entender maneiras de engajamento” (Gestor 7, comunicação pessoal, outubro 23, 2019). Nesse sentido, a expansão da coordenadoria permitiria tanto distribuir responsabilidades quanto capilarizar o FONARI. Em 2014, por exemplo, o FONARI realizou um esforço para atualizar os dados sobre os municípios com atuação internacional no qual cada cidade subcoordenadora deveria apresentar “mapeamento das prefeituras em sua região que contenham alguma estrutura de relações internacionais” (FONARI, 2014b:3). Naquele mesmo ano, Recife, então subcoordenadora regional, realizou em parceria com o FONARI e a FNP a I Reunião de

Municípios da Região Nordeste com Interesses em Relações Internacionais com o objetivo de divulgar a cooperação internacional descentralizada (FONARI, 2014:c) Ainda, as cidades coordenadoras são as responsáveis pela manutenção das atividades e dos gastos relacionados ao FONARI, enquanto a participação presencial nos eventos é custeada por cada município participante. Sem auxílios capazes de facilitar a justificativa de gastos com a ida aos eventos do FONARI, uma das formas de minimizar estes custos parece ter sido a promoção dos eventos em paralelo a eventos municipalistas e/ou internacionais – das 18 atividades mapeadas aqui, 12 ocorreram durante estes eventos (Ruiz, 2020)1. Esta era uma ação pensada pelos gestores, conforme relato: “a gente tinha reunião da Frente Nacional de Prefeitos, todo mundo ia estar? Então vamos fazer uma reunião do FONARI.” (Gestor 8, comunicação pessoal, novembro 8, 2018). Assim, a definição de quem participa do Fórum é mais complexa. Primeiramente, porque a instabilidade das áreas, com trocas de pessoal e mudanças no organograma e nos canais de comunicação dos municípios faz com que por vezes se perca a informação de que o município faz parte do FONARI. Em segundo lugar, porque os documentos analisados mostram que muitas das decisões da organização foram tomadas em votações presenciais realizadas nas reuniões e assembleias do FONARI. Nesse sentido, entendendo-se a participação plena como a participação nas votações e processos de tomada de decisão do FONARI, a análise mostra que a participação plena não responde proporcionalmente ao crescimento no número de municípios asociados. É o que mostra o Gráfico 1: elaborado com base em atas e listas de presença de eventos ocorridos em 2009, 2010, 2011,

1 A saber: cinco das reuniões, assembleias e fóruns ocorreram em meio às reuniões gerais da Frente Nacional de Prefeitos; quatro, aos Encontros dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável; e as outras três, ao II Encontro de Cooperação Internacional Descentralizada, ao 10º Congresso da Rede Metrópoles e ao III Fórum Mundial de Autoridades Locais da Periferia (Ruiz, 2020).

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2013, 2015 e 2017, o gráfico contrasta o crescimento no número de associados com uma

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certa constância – ainda que mais baixa - na participação de municípios.

Gráfico 1. Médias anuais de participação nos eventos do FONARI e crescimento no número de municípios associados (Ruiz, 2020:96). Observação: não há listas de presença dos eventos realizados em 2012, tampouco dados exatos da quantidade de municípios associados em 2010, 2011 e 2015.

Ainda, destaca-se a participação de outros atores nos eventos do FONARI, visível no Gráfico 1. Nos eventos analisados, participaram representantes de organizações e redes internacionais de cidades; representantes estrangeiros, em especial de governos locais da França, Itália e Argentina; de associações municipalistas; do governo federal, sobretudo de representantes da SAF e o MRE; de estados e da comunidade acadêmica. O aumento na participação destes durante os anos de 2013 a 2015 - considerando que não tivemos acesso a dados de 2012 - coincide com as discussões sobre a criação de um marco legal para a Cooperação Internacional Descentralizada (CID) no país realizadas nas Reuniões e Encontros da Cooperação Internacional Descentralizada, promovidas entre 2012 e 20141 pela SAF. Nelas, representantes da SAF, do MRE, de associações muni-

cipalistas e gestores subnacionais decidiram pela regulamentação da cooperação descentralizada através de um decreto cuja minuta seria construída em conjunto pelos partícipes (SAF, 2013a). As discussões, contudo, chegaram a um impasse devido a cobrança de anuência prévia do MRE para a atuação internacional subnacional, vista pelos gestores subnacionais como um possível entrave à paradiplomacia (SAF, 2014). Apesar disso, cabe ressaltar que o FONARI foi um interlocutor importante no processo, participando ativamente dos debates e da construção do texto2, e que a participação dos municípios no FONARI foi estimulada. Em registro da VI Reunião, por exemplo, consta a importância da “sensibilização dos prefeitos para a adesão ao FONARI” devido às “ações

1 O último relatório encontrado, da VI Reunião da Cooperação Internacional Descentralizada no Brasil realizada em agosto de 2014, previa a realização de uma outra reunião ainda em 2014. Constam como seus encaminhamentos a intenção dos estados do Amazonas, Bahia e Rondônia de aderir ao FONARI, bem como a definição de que o FONARI enviaria, através da SAF, convites de adesão aos 27 estados (SAF, 2014). 2 Além de estar representado pelos gestores responsáveis por sua coordenação, 22 dos 25 municípios que participaram dos eventos eram ou se tornaram membros do FONARI a partir das Reuniões e Encontros da CID.

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com resultados positivos para a gestão municipal, mobilização do público interno e demonstração da importância da participação dos municípios nas reuniões promovidas pela SAF, pelo FONARI, e outras.” (SAF, 2014: 6), além de menção à possível abertura do FONARI à adesão de estados, vinculada às propostas de criação de espaços permanentes de discussão e consulta que envolvessem os governos subnacionais. Como veremos na sequência, esta leitura sobre a importância do FONARI converge com a percepção dos gestores entrevistados acerca dos motivos e dos benefícios advindos da sua participação na organização.

A PARTICIPAÇÃO NO FONARI: AGENDA E FOMENTO DA POLÍTICA EXTERNA MUNICIPAL As relações internacionais podem cumprir um papel importante para o desenvolvimento local quando vinculadas aos objetivos das políticas públicas municipais. O fazem ao pautar uma internacionalização ativa – responsiva aos interesses locais – e ao desempenhar o papel de atividade-meio dos governos locais, auxiliando o cumprimento das competências constitucionalmente definidas. Assim, é significativo que a principal motivação para a criação das áreas internacionais dentre os 30 municípios mapeados pela CNM (2011) tenha sido, principalmente, a cooperação técnica, seguida pela promoção econômica, captação de recursos, turismo e projeção internacional. Apesar de sua colaboração potencial para o encaminhamento de questões que preocupam os municípios, a política externa neste nível de governo tem sua legitimidade frequentemente contestada, uma vez que que tal campo de intervenção não é percebido como re-

levante relativamente. Conforme relatos, os gestores internacionais atuam sob constantes questionamentos tanto por parte do governo local quanto da sociedade: “Às vezes [...] não tem o esgoto tratado na frente da minha casa, mas tem o cara lá que atua na cooperação internacional” (Gestor 5, comunicação pessoal, outubro 23, 2019). Outro gestor avalia que “[se você] não apresentar resultados práticos colados com as agendas prioritárias do governo, sobrevive um ano, não tem margem para ficar “Itamaratyzando”, tem gente na rua, você trabalha em prefeitura, toda vez que você entra tem uma manifestação na frente, é outro esquema” (Gestor 8, comunicação pessoal, novembro 8, 2018). Nesse cenário e diante da não-obrigatoriedade constitucional da paradiplomacia, os gestores precisam atuar constantemente na construção e na defesa de uma agenda paradiplomática local, ou seja, na criação de sua legitimidade. Tal esforço se dá tanto no nível governamental, convencendo políticos e burocratas da relevância deste tipo de ação, quanto no social, persuadindo os grupos da sociedade de que as relações internacionais também são de competência dos governos locais. E, ao mesmo tempo em que os relatos obtidos frequentemente apontavam para dificuldades características destes processos, também apresentavam a participação no FONARI como meio de empoderamento dos gestores da área e de construção de capacidades de resposta às dificuldades práticas enfrentadas por eles. Em suas falas, os gestores identificaram o FONARI centralmente como espaço de acesso e geração de conhecimento e como espaço de articulação política. Como o primeiro, o FONARI: a) permitia trocas de conhecimentos e experiências; b) promovia capacitações para os gestores da área e de outras pastas – “todo o encontro do FONARI abrangia também uma capacitação de atores locais”, segundo o Gestor 3 (comunicação pessoal, outubro 21, 2019); c) criava e divulgava materiais de

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apoio sobre a paradiplomacia; e d) divulgava informações relevantes à atuação subnacional através de informes nos eventos e de forma contínua através dos canais de comunicação mantidos pela organização. Como espaço de articulação, o FONARI: a) promovia o diálogo com o governo federal; b) permitia a articulação dos gestores junto a organizações internacionais, associações municipalistas, fóruns temáticos e outros atores; c) dava acesso a redes de cidades e organismos internacionais; e d) abria espaço para a construção de contatos para parcerias e projetos de cooperação a nível internacional e, a nível nacional e/ou regional, para a mobilização das cidades em torno da paradiplomacia e pautas vinculadas, como a questão metropolitana e ambiental. Como recurso mobilizado pelos atores em rede, a legitimidade é vinculada por Rhodes (2003) à obtenção de apoio público através dos processos democráticos e do acesso a estruturas de formulação política. Nesse sentido, o conhecimento é associado pelos gestores ao intuito de construir e institucionalizar as áreas internacionais nos governos municipais. O FONARI é visto como um espaço de “discussão de boas práticas”, no qual “[se] algum município tem alguma barreira que ele queira achar alguma solução [...] ele pode levar para o fórum e discutir isso abertamente” (Gestor 6, comunicação pessoal, novembro 8, 2019). Este aspecto era essencialmente importante para os gestores de municípios que estavam iniciando sua atuação internacional e/ou construindo suas áreas internacionais. Para eles, a participação serviu para embasar a atuação internacional de seus municípios. Diante da “sensação de ‘como eu vou tirar esse negócio do zero?’” (Gestor 4, comunicação pessoal, novembro 3, 2019), participar na organização permitia ver os passos dados pelos municípios com áreas consolidadas; conhecer os mecanismos utilizados pelas demais cidades, como irmanamentos; acessar outras oportunidades, como a participação em redes e editais

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além de quebrar a sensação de que o trabalho realizado em seus municípios era algo “quixotesco” (Gestor 8, comunicação pessoal, novembro 8, 2018). Deste modo, a participação no FONARI permite aos seus membros acessar informações, ampliar suas redes e recursos e encontrar apoio num grupo que compartilha preocupações e uma agenda de política pública. A atuação em rede pôde, portanto, fortalecer as capacidades estatais locais, fornecendo aos municípios conhecimento e recursos para a ação externa. Ainda que mencionada por todos os gestores, a percepção do FONARI como espaço de articulação política e fomento de iniciativas conjuntas ganhou destaque nos relatos dos gestores de cidades com a paradiplomacia melhor consolidada. Esta diferenciação aparece inclusive ao longo da consolidação das estruturas. Como relatado pelo Gestor 8, enquanto em um momento inicial o FONARI servia como um espaço de “saber as possibilidades” existentes para a área internacional em construção seu município, a partir do momento em que a área foi começando a se fortalecer, que começou a ter possibilidade de fazer projetos comuns, primeiro com a União Europeia e depois com a ABC, [o objetivo] era ser um espaço de articulação política também, que a gente chamasse pessoas estratégicas para abrir caminho parar as relações internacionais das cidades [...]. Então era um espaço de articulação política, de lobby, no bom sentido (GESTOR 8, comunicação pessoal, novembro 8, 2018) Estas duas dimensões se colocam de forma complementar, como exemplificado pela questão do financiamento das atividades internacionais. No país, a maioria das áreas internacionais não possui orçamento próprio dentre os 30 municípios mapeados pela CNM (2011), apenas 12 o possuíam. Sem orçamento próprio – ou na busca por complementá-lo – o financiamento se dá através de projetos


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internacionais, de parcerias com entidades nacionais, do apoio de secretarias beneficiadas pelas ações internacionais (que assumem, por exemplo, os custos da captação de recursos para a área) e de pedidos ao legislativo. A relação com o legislativo é, desta forma, necessária a todos os municípios – e, conforme relato, um problema comum: Todos os membros do FONARI tinham um problema - que era um problema institucional, assim como a mudança de governo -, que era o debate com as câmaras municipais. [...] A gente trocava muito experiências sobre as legislações, que umas eram mais abertas e garantiam um funcionamento melhor, por exemplo: diária de viagem, tinha uma que cada viagem que você fazia você tinha que ir na Câmara apresentar a viagem ou o orçamento do ano. Você tinha que justificar para os vereadores, aí a oposição vinha a pauladas: “Por que você está viajando? Turismo, né? Turismo político.’. Então você tinha que estar muito bem afiado com os números: ‘Não, então, eu fui, a gente gastou não sei tanto de viagem, mas a gente está fazendo não sei quanto de projeto, a gente trouxe com os projetos cinco vezes o que a gente gastou com salário e o orçamento inteiro da secretaria’. [...] Então eu acho que o FONARI pode ser um local de troca de experiências políticas também, sabe: como você fortalece isso na sua cidade? Como você justifica isso?”. (Gestor 8, comunicação pessoal, novembro 8, 2018) Com efeito, participar do FONARI auxiliava no enfrentamento das dificuldades de financiamento por meio do provimento de um espaço e de apoio para articulação política. Dentre as iniciativas tomadas, destaca-se a busca pela criação de um marco normativo para a atuação subnacional, que tinha dentre suas principais razões a dificuldade em justificar os gastos com a atuação internacional pelos governos subnacionais. Conforme Gustavo Cezário, representante da CNM, sem este marco algumas prefeituras “sofrem dificuldades

para, por exemplo, justificar o gasto público com cooperação internacional, receber recursos externos e abrir contas para projetos de cooperação, ou mesmo conseguir vistos para os profissionais estrangeiros atuantes em iniciativas nos Municípios brasileiros” (SAF, 2013a:8). Logo, para os entes subnacionais a normatização seria um elemento facilitador, que implicaria o fim da “clandestinidade na execução de suas atividades internacionais” (SAF, 2012:5) e que daría “capacidade de convencimento internamente; segurança jurídica frente aos procuradores municipais” (SAF, 2013a: 5). Como indicado na seção anterior, o FONARI foi mobilizado como espaço de articulação para a normatização da área. Mais: o FONARI já teria nascido “com a característica de, junto à SAF, [...] ser um espaço para se dialogar na confirmação de uma legislação específica para a área de relações internacionais dos municípios”, pauta de seu interesse porque daria maior liberdade de ação aos municípios “principalmente em justificativa com os seus Tribunais de Contas e com suas procuradorias para a participação em redes internacionais [e] atividades na área internacional” (Gestor 7, comunicação pessoal, outubro 23, 2019). Em paralelo a esta frente de disputa, os gestores atuam localmente para ampliar a legitimidade das áreas: com divulgação das propostas nas mídias locais e nas iniciativas de orçamento participativo; com a criação de iniciativas que engajaram atores políticos locais e/ou o legislativo – a exemplo da criação de Conselhos Legislativos, Fóruns e Conselhos Municipais de relações internacionais; e com os esforços em aumentar a integração da área ao resto do Executivo local. Com relação a este último, foi apontada a necessidade de conexão às demais pastas, e a proximidade ao Gabinete do Prefeito foi associada a uma maior capilaridade da área: na avaliação do Gestor 3 (comunicação pessoal, outubro 21, 2019), fazer parte do Gabinete permitia maior transversa-

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lidade pelas agendas da prefeitura, enquanto estar dentro de uma secretaria específica circunscreve a área à agenda relacionada. Ainda, os gestores destacaram a importância da proximidade ao Gabinete tanto para “blindar” a área de algumas discussões políticas internas ao governo quanto para manter a associação com os objetivos estratégicos de cada cidade – e, acrescentaríamos, de cada gestão. Participar no FONARI também parece ter contribuído para isso. Na visão do Gestor 6, a principal contribuição do FONARI teria sido “mostrar para diversos prefeitos, para as capitais e outras cidades brasileiras, que a atuação internacional existe, que ela é valorosa, [que] ela tem resultados” (Gestor 6, comunicação pessoal, novembro 8, 2019). Haveria ainda um efeito de empoderamento das áreas internacionais - como avaliado pelo Gestor 1: Eu acho que o principal resultado que o FONARI trouxe foi, exatamente, permitir, por um lado, uma troca de experiências em relação à gestão de relações internacionais - desafios institucionais, orçamentários e também técnicos, que muitas vezes tinha que enfrentar sozinho, e com a visão de outros secretários, a visão coletiva, aquele problema em si ou aquele desafio, melhorava a nossa forma de resposta, e criava, às vezes, entendimentos coletivos em relação a determinados assuntos ou determinados. desafios. E, por outro lado, o FONARI permitiu, em alguma medida, o fortalecimento também das áreas internacionais frente às suas prefeituras. Na medida em que haja um órgão que fomenta o diálogo com o governo federal, com outros parceiros, que ganha reconhecimento, que tem algum tipo de incidência, isso também afeta, separada e individualmente, cada uma das áreas internacionais nos seus próprios municípios (Gestor 1, comunicação pessoal, outubro 25, 2019). Contudo, considerando a instabilidade da paradiplomacia municipal, seu reconhecimento precisa vir acompanhado da criação das condições para fomentar e desenvolver a atuação

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internacional futura. Nesse sentido, o Gestor 7 destaca que não se trata apenas de uma perspectiva financeira de curto prazo: a atuação internacional subnacional envolve uma agenda com retornos de médio e longo prazo, decorrentes da criação de “um espaço onde as pautas do município possam ser colocadas em um espaço privilegiado quando isso se transforma em uma concretude de fundos, em uma concretude de eventos para promover as pautas dos municípios brasileiros” (GESTOR 7, comunicação pessoal, outubro 23, 2019) possível através da inserção da cidade nos debates internacionais. Uma vez mais, o FONARI aparece como espaço de inserção dos municípios nestes debates. Em suas reuniões e assembleias, o FONARI divulgava informações sobre eventos internacionais, redes e programas existentes, não só fomentando a participação dos municípios associados como também capacitando os gestores. Em adição, seus eventos contavam com a presença de representantes dos demais níveis federativos, da academia, de associações municipalistas, de organizações internacionais e de redes de cidade, abrindo espaço para que os gestores apresentassem seus projetos e criassem pontos de contato junto aos demais. Assim, para a construção da agenda diplomática é preciso de força política e, uma vez mais, de articulação.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da atuação internacional de entes subnacionais preceder a Constituição Federal de 1988, a compreensão das relações internacionais como um problema público a ser enfrentado pelos governos subnacionais não é unânime entre os governantes e tampouco na sociedade. Lacunas normativas coexistem com avanços nas bases legais; a instabilidade das trajetórias de atuação internacional estruturada nos estados e municípios, com a ampliação de estruturas paradiplomáticas e espaços de reconhecimento das mesmas; e o senso de urgência das políticas locais coexiste com o entendimento das relações internacionais como instrumento de desenvolvimento. A paradiplomacia, portanto, é um campo de políticas públicas em construção.

Desta feita, do ponto de vista da política pública as ações do FONARI buscaram contribuir para a inserção das relações internacionais nas agendas governamentais. Ou seja: para seu reconhecimento enquanto um campo legítimo de atuação municipal; para o fortalecimento das políticas existentes; e para a construção de capacidades estatais necessárias à formulação e implementação de tais medidas.

Tendo completado 15 anos de existência em 2020, o FONARI aparece como um ator-chave neste campo. Ainda que tenha características de uma rede de políticas públicas – relações motivadas pelo compartilhamento de interesses, relativamente estáveis, não-hierárquicas e de interdependentes (BÖRZEL, 1998) -, o FONARI tem se mostrado responsivo às dinâmicas municipais, e sua estrutura de coordenação tem se complexificado, indicando o desenvolvimento da organização. A análise de sua atuação mostra que o FONARI tem como base atores municipais engajados no desenvolvimento e fortalecimento da política pública de paradiplomacia, e que buscam na interação conhecimentos, aprendizado e a potencialização de seus recursos por meio de iniciativas conjuntas, sejam elas as de capacitação ou de articulação dos gestores e atores interessados em torno de pautas específicas. Mostra, ainda, que o FONARI de fato agiu na divulgação da temática, na congregação de atores dispersos, na promoção de ações conjuntas, na catalisação do poder político de seus membros, na solução dos problemas comuns e como ator coletivo em espaços diversos.

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Karina Pietro Biasi Ruiz

Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bacharel em Relações Internacionais pela mesma universidade. Mail: kpbruiz@gmail.com

Luciana Leite Lima\ Professora do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Mail: lucianaleitelima@gmail.com

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DERECHOS HUMANOS EN LAS CIUDADES Y LA COOPERACIÓN INTERNACIONAL POR REDES: EL CASO DE LA RED DE CIUDADES Y GOBIERNOS LOCALES UNIDOS (CGLU) Y LA CIUDAD DE SÃO PAULO (2013-2016) Kelly Komatsu Agopyan

Abstract This article examines whether decentralized international cooperation via city networks impacts local human rights public policies. A case study was carried out on the relationship between the United Cities and Local Governments (UCLG) network and São Paulo City Hall (PMSP) during the 2013-2016 term. It was found that the UCLG does not focus on decentralized cooperation itself, but on advocacy for the international incidence of local governments and the promotion of the right to the city, which was reflected in its relationship with the PMSP, which, in turn, did not confirm expectations about its prominence in the network on that period. Key words: Networks; human rights; cooperation; UCLG; São Paulo

@chaarlotteborges

Resumen Este artículo examina si la cooperación internacional descentralizada a través de redes de ciudades impacta las políticas públicas locales de derechos humanos. Se realizó un estudio de caso sobre la relación entre la red Ciudades y Gobiernos Locales Unidos (CGLU) y el municipio de São Paulo (PMSP) durante el período 2013-2016. Se constató que CGLU no se enfoca en la cooperación descentralizada, sino en el advocacy por la incidencia internacional de los gobiernos locales y la promoción del derecho a la ciudad, lo que se reflejó en su relación con la PMSP, que, a su vez, no confirmó las expectativas sobre su protagonismo en la red en aquel período. Palabras clave: Redes; derechos humanos; cooperación; CGLU; São Paulo

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DERECHOS HUMANOS EN LAS CIUDADES Y LA COOPERACIÓN INTERNACIONAL POR REDES: EL CASO DE LA RED DE CIUDADES Y GOBIERNOS LOCALES UNIDOS (CGLU) Y LA CIUDAD DE SÃO PAULO (2013-2016) Kelly Komatsu Agopyan

Resumo Este artigo analisa se a cooperação internacional descentralizada via redes de cidades traz impactos nas políticas públicas locais de direitos humanos. Foi realizado estudo de caso sobre a relação entre a rede Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) e a Prefeitura de São Paulo (PMSP) durante a gestão 2013-2016. Verificou-se que a CGLU não tem como foco a cooperação descentralizada em si, mas o advocacy pela incidência internacional dos governos locais e a promoção do direito à cidade, o que foi refletido em sua relação com a PMSP, que, por sua vez, não confirmou as expectativas sobre seu protagonismo na rede naquele período. Palavras-chave: Redes; direitos humanos; cooperação; CGLU; São Paulo.

INTRODUCCIÓN

O

presente artigo1 tem por objetivo analisar se e como a cooperação internacional via redes de articulação institucional de cidades produz impactos nas políticas públicas locais de direitos humanos. Para isso, conduziu-se um estudo de caso sobre a relação da rede Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) e a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) no período de 2013 a 2016. A base conceitual desse trabalho é o pressuposto da atuação internacional levada a cabo pelos governos locais2, uma discussão que, ainda que relativamente recente, já é amplamente reali-

zada pela literatura de Relações Internacionais sobretudo nos últimos vinte anos, capitaneada pelos trabalhos sobre paradiplomacia. Contudo, a análise centrada na atuação e impactos específicos das redes de cidades – sobretudo aquelas de escopo global como a CGLU, e não apenas regional - ainda carece de maior atenção do campo. O enfoque nessa atuação em rede combinada com a promoção de políticas públicas de direitos humanos complementa o caráter inédito desse trabalho. A escolha da CGLU se justifica tanto pelo fato de ser uma das maiores e mais representativas redes internacionais de cidades do mundo – reconhecida como a “ONU das cidades” - como por possuir uma área temática ativa específica de direitos humanos em sua estrutura, a

1 Essa é uma versão sintética, inédita e atualizada da dissertação de mestrado da autora, a quem agradece os seguintes professores por seus ricos comentários durante as bancas de qualificação (2017) e defesa (2018): Pedro Dallari (orientador), Gilberto Rodrigues (UFABC), Janina Onuki (IRI-USP) e Marta Arretche (DCP-USP). 2 O conceito de “governo local” será utilizado nesse trabalho em consonância com a definição trazida pela ONU: “a camada mais baixa da administração pública de um Estado” (UN, 2015:03, tradução nossa), que no caso do Brasil, refere-se às administrações dos municípios. Disponível em: UN (2015). “Role of local government in the promotion and protection of human rights – Final report of the Human Rights Council Advisory Committee” [online], Human Rights Council. General Assembly Resolutions. 13th (2015). A/HRC/30/49. 07 ago. 2015. <http://undocs.org/en/A/HRC/30/49>. [Consulta: 22 de janeiro de 2021].

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Comissão de Inclusão Social, Democracia Participativa e Direitos Humanos (CISDPDH). Já a definição pela cidade de São Paulo se deu primeiramente por conta da retomada de sua participação na referida rede – e expectativas geradas em torno disso - no início daquela gestão, em 2013, mas também pela criação, no mesmo período, de uma secretaria municipal específica para direitos humanos - Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) - que passou a ter atuação e reconhecimento internacional, articulando-se com a CGLU. Para esse trabalho, além de extensa revisão de literatura, foi realizada análise documental de relatórios da rede CGLU e documentos oficiais da PMSP, bem como entrevistas semi-estruturadas, ao longo do ano de 2018, com duas representantes da prefeitura (Secretaria de Relações Internacionais e Federativas – SMRIF), duas da CGLU (CISDPDH) e um de organização da sociedade civil relevante e atuante no tema (Instituto Polis – Brasil). A partir desses insumos foi possível traçar uma detalhada trajetória histórica e descritiva dessa relação ao longo do período estudado.

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TRÍADE: RI, CIDADES, DIREITOS HUMANOS Esse trabalho encontra-se no centro de uma “tríade” que articula as relações internacionais, as cidades1 (e seus governos locais) e os direitos humanos. Nesse sentido, as cidades seriam tanto atores internacionais promotores de direitos humanos, como objeto da política internacional de direitos humanos, tendo em vista que mais de 50% da população mundial já vive em centros urbanos, concentrando assim grande parte das violações de direitos. A urbanização acelerada, tendo como pano de fundo a precificação do uso da terra urbana, resultou em cidades marcadas por profundas desigualdades sociais e territoriais, com claros recortes de raça e classe. Nesse sentido, os governos locais também vêm ganhando mais reconhecimento no que diz respeito ao seu papel central e estratégico na resolução dos problemas sociais e na garantia dos direitos humanos de seus cidadãos urbanos, sendo cada vez mais demandados (e pressionados) por atores sociais, locais e internacionais. Alguns pesquisadores – como Barbara Oomen (2016) -, inclusive, fazem referência às “cidades de direitos humanos” (human rights cities), que seriam aqueles governos locais com capacidade de localizar direitos humanos concebidos internacionalmente (em tratados internacionais, por exemplo) alinhando-os às especificidades locais. Seria então a “tradução” de normas internacionais, em geral mais abstratas, dando-lhes a concretude local.

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mais centralidade no sistema da Organização das Nações Unidas (ONU). Além da criação de uma agência específica da ONU para tratar de urbanização sustentável e assentamentos humanos (ONU-Habitat) e da realização das conferências sobre habitação e desenvolvimento urbano sustentável (Habitats I, II e III), verificou-se o esforço da organização em localizar os chamados Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) - pactuados para os primeiros quinze anos do século XXI - reconhecendo a importância de envolver governos locais e os contextos urbanos nos compromissos firmados internacionalmente por estados-nacionais. Já em 2015, a assembleia-geral da ONU aprovou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), atualizando os ODM. A partir de um processo de advocacy2 dos próprios governos locais e organizações da sociedade civil, os ODS estabeleceram um objetivo urbano específico, o ODS11, “Cidades e comunidades sustentáveis”, o que demonstra que a pauta urbana não é mais considerada apenas como um assunto de ordem doméstica de cada estado-nacional.

A partir de todo esse contexto, verifica-se que atualmente a questão urbana – e consequentemente a qualidade de vida de sua população - é uma temática que tem ganhado cada vez 1 Não há um consenso sobre a definição de “cidade”. Para a geógrafa Sandra Lencioni é necessário levar em consideração o espaço e o tempo em que se analisa e não apenas o tamanho do aglomerado populacional (2008) que pode ser relativo de país para país, por exemplo.

2 Segundo Gabriela De Bráz advocacy seria “[...] o ato de identificar, adotar e promover uma causa. É um esforço para moldar a percepção pública ou conseguir alguma mudança seja através de mudanças na lei, mas não necessariamente.” (2007:02).

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AS REDES DE CIDADES Um dos caminhos pelos quais os governos locais se organizam internacionalmente é por meio da cooperação descentralizada1 via redes. A emergência dessa forma de organização no mundo globalizado ganhou destaque sobretudo a partir da obra do sociólogo Manuel Castells, que aponta que, a partir dessa nova lógica, o mundo urbano parece estar dominado por um duplo movimento: “inclusão em redes trans-territoriais e exclusão pela separação espacial dos lugares” (Castells, 2002:551). Castells ainda afirma que esse novo “estado em rede” que é criado não elimina a figura do estado-nação, mas integra instituições formadas pelos próprios estados-nação, instituições internacionais, ONGs e governos locais. A sociedade em rede seria então uma alternativa à lógica tradicional westfaliana de estados-nacionais como atores centrais e únicos nas Relações Internacionais (PRADO, 2007:08). Em uma configuração global constituída por redes, os governos locais ocupariam espaço relevante, sendo considerados atores privilegiados justamente por estarem em posição muito próxima aos seus cidadãos. Apesar da cooperação via rede ter tido um “boom” nas últimas duas décadas, já que o contexto globalizado facilitou a comunicação internacional, ela não é necessariamente uma novidade, já que a primeira rede de cidades do mundo data do início do século passado.

Direitos humanos nas cidades e a cooperação...

UNIÃO INTERNACIONAL DE AUTORIDADES LOCAIS (IULA) Em 1913, foi criada na Europa a primeira rede de cidades de mundo, a União Internacional de Autoridades Locais (IULA, da sigla em inglês), institucionalizando o movimento municipalista internacional. A IULA foi criada durante a Exposição Universal de Gante, na Bélgica, que contou com um congresso e uma exposição de comparação entre experiências de cidades. A criação dessa organização não se deu por acaso, já que ocorreu em um contexto de mobilizações “municipalistas”2 que vinham se fortalecendo desde o fim do século anterior, lideradas sobretudo por representantes da França, Holanda e Bélgica. Essas mobilizações ocorreram em uma conjuntura de recessão econômica na Europa, culminando na pressão dos partidos políticos, sobretudo de orientação socialista, por melhorias sociais nas cidades. Segundo a pesquisadora italiana Patrizia Dogliani: “Muitas vezes, a resistência a quaisquer mudanças no equilíbrio de poder a nível nacional forçou os partidos populares a recorrem aos municípios” (DOGLIANI, 2002:574, tradução nossa). Movimentos socialistas começaram então a se articular em federações nacionais para fortalecer sua atuação urbana. A partir daí, a autora enfatiza que a questão municipal acabou se espalhando para outros segmentos da sociedade europeia.

1 Cabe aqui um esclarecimento sobre o conceito de “cooperação descentralizada”. Alguns o utilizam como sinônimo de Paradiplomacia, apesar de haver uma disputa entre os diversos conceitos que fazem referência à ação internacional de governos locais, como “ações externas subnacionais” (VITAL, 2016) ou até mesmo “política externa federativa” (RODRIGUES, 2004, citado por PRADO, 2009). Graziela Cristina Vital (2016) aponta que “cooperação descentralizada” é amplamente utilizada por organizações internacionais, redes de cidades e por formuladores de políticas públicas locais, pois é coerente com a ideia de descentralizar as relações internacionais da figura do estado-nacional, com o aprofundamento da ação internacional dos governos subnacionais. Contudo, a pesquisadora aponta que o conceito não engloba todas as formas de atuação internacional desses governos – que podem ir além da cooperação. Mas como esse trabalho tem como foco a cooperação concreta em si, o conceito parece apropriado. 2 Patrizia Dogliani utiliza o termo “municipalismo” (do inglês “municipalism”), mas afirma que a palavra assumiu diferentes conotações políticas e culturais ao longo do tempo, reflexo da experiência nacional de cada país.

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Além da realização de grandes congressos que reuniam um número significativo de representantes locais, a IULA também elaborava publicações sobre seu trabalho e sobre questões urbanas de forma geral. Em 1926, a rede já reunia 52 mil cidades, de 30 países (UCLG, 2013)1. Ao longo das décadas, a rede se mobilizou para tentar se aproximar da Liga das Nações, e de sua sucessora, a ONU, e ganhar escopo global, incorporando cidades de outros continentes, de forma a descentralizar sua atuação que ainda era essencialmente europeia. Os trabalhos da IULA se encerraram oficialmente em 2004, quando foi unificada à Federação Mundial de Cidades Unidas (FMCU)2 , criando-se a CGLU.

TIPOS DE REDE As redes de cidades tornaram-se um “fenômeno” nas relações internacionais de governos locais nas últimas décadas e isso se vê refletido nas diferentes formas e tipificações que elas podem ter. Em publicação do Observatório de Cooperação Descentralizada UE-AL3, Cardarello e Rodriguez (2006) agrupam as redes conforme três critérios: i. territorial e/ou geográfico; ii. com perfil específico comum e iii. temáticas. Assim, no primeiro grupo pode-se destacar, a título de exemplificação, a rede Mercocidades (de cidades do Mercosul) – e uma das mais abordadas pela literatura -, a Eurocidades (de cidades europeias), a FLACMA (Federação Latinoamericana de Cidades, Municípios e Associações Municipalistas) ou ainda a AL-LAS (Aliança Euro-Latinoamericana de Cooperação entre cidades). Já o segundo grupo pode ser

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exemplificado pela rede Metropolis (Associação Mundial das Grandes Metrópoles4 – seção para metrópoles da CGLU), UCCI (União de Cidades Capitais Iberoamericanas), a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) ou ainda o FALP (Fórum Mundial de Autoridades Locais da Periferia – cidades na periferia de grandes metrópoles). O último grupo, das redes temáticas, poderia englobar o ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade), o C40 (Grandes cidades para a Liderança do Clima), a Rainbow Cities Network (pelos direitos LGBT) ou ainda a AICE (Associação Internacional de Cidades Educadoras). Há também a possibilidade de redes serem regionalizadas e temáticas ao mesmo tempo, como é o caso do CIDEU (Centro Iberoamericano de Desenvolvimento Estratégico Urbano) e da Coalizão Latino-americana e Caribenha de Cidades contra o Racismo, a Discriminação e a Xenofobia.

FORTALEZAS E FRAGILIDADES DESSA COOPERAÇÃO Especialistas em redes de cidades – como Beatriz Sanz Corella (2008) e Eugene Zapata Garesché (2007) - trazem, de maneira comum, alguns aspectos que fazem das redes mecanismos mais eficientes e eficazes de promoção de cooperação descentralizada internacional. Seriam as redes modalidades mais flexíveis e dinâmicas de cooperação, já que permitem certo nível de autonomia das cidades associadas e baixo nível relativo de compromisso financeiro. Assim, as redes possibilitariam uma inserção internacional

1 UCLG. (2013). “Centenary of the International Municipal Movement”. [online] <https://www.rabat2013.uclg.org/es/conocenos/movimiento-municipal-internacional#uclg2 >. [Consulta: 02 de março de 2021]. 2 Herdeira da Federação Mundial de Cidades Irmanadas, que por sua vez, provém do movimento de organizações promotoras de irmanamento de cidades, sobretudo do pós segunda-guerra mundial. 3 Centro de pesquisa e difusão sobre a cooperação descentralizada integrado pelas Prefeituras de Barcelona (Espanha) e Montevideo (Uruguai). 4 Cidades-capital e áreas urbanas com uma população de pelo menos um milhão de habitantes podem associar-se a esta rede.

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inclusive de cidades pequenas ou com poucos recursos. As redes também proporcionariam espaços de diálogo e comunicação, de forma facilitar a cooperação entre cidades, a partir de uma perspectiva mais equitativa e horizontal. Ainda, essa forma de cooperação poderia contribuir com processos de integração regional. De maneira geral, é necessário apontar que a participação das cidades em redes é um passo pragmático e motivado por interesses específicos das cidades, que veem nesse instrumento uma forma acessível de alcançar seus objetivos internacionais, os quais claramente teriam ressonância também no nível local. Contudo, a eficiência da cooperação via rede não é unânime e obviamente possui fragilidades e limitações conforme também destacam os autores acima. Por ser uma cooperação multilateral, a harmonização das ações e objetivos entre tantos atores heterogêneos (cidades de diferentes regiões geográficas, de distintos portes demográficos e com ações prioritárias de internacionalização divergentes) é por si só um desafio para que a atuação da rede não seja travada ou concentrada nas mãos de poucas cidades consideradas mais poderosas – perdendo, neste caso, toda sua característica de horizontalidade. Outro problema comumente apontado da atuação em rede é que ela fica pendente da aceitação, interesse político e ideológico de cada nova ou novo líder no poder da cidade. Assim, a alternância de mandato dos prefeitos geraria uma instabilidade na participação da cidade na rede. Outra questão levantada diz respeito às dificuldades de autofinanciamento. Existe, por vezes, um alto nível de inadimplência das cidades no pagamento de suas associações (que geralmente são cotas anuais), o que dificulta o bom funcionamento da rede como um todo.

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Ainda em relação a aspectos de cunho mais operacional, há também obstáculos causados pela falta de marcos institucionais e jurídicos de regulação desse tipo de cooperação – reflexo da ausência de marcos legais da própria ação internacional de governos locais. Assim, por vezes, isso se reflete na ausência de regras claras de funcionamento da rede, o que dificulta a coesão de seus membros. Sobre isso, Jávier Sánchez Cano (CANO, 2015:117) destaca que uma das consequências dessa falta de regulação internacional seria justamente a multiplicação da quantidade de redes e até a “competição” gerada entre elas para a atração de cidades associadas, já que algumas tratam dos mesmos temas, nas mesmas regiões geográficas. Segundo Octavi de la Varga1, secretário-geral da rede Metropolis, em um contexto de grande quantidade de redes, o diferencial entre elas se dá no valor agregado que a participação em determinada rede traz à cidade associada. Ou seja, a rede que não acrescenta esse valor, pode desaparecer. Contudo, participar de uma grande quantidade de redes de cidades não significa necessariamente a obtenção automática dos seus valores agregados. Sobre isso, destaca-se as contribuições feitas pela pesquisadora Roberta Capello (2000). Sua pesquisa analisa cidades que participam da Rede de Cidades para Saúde da Organização Mundial da Saúde e conclui dizendo que as vantagens obtidas pela participação na rede dependem de fatores como a seriedade de participação da cidade e da postura aberta ao comportamento em rede, ou seja, um comportamento co-operativo. Aqui é então possível notar um ponto muito interessante da participação em rede: o sucesso dessa participação não é inerente apenas ao fato de ser associado a ela. É necessário haver uma pré-disposição tanto política como opera-

1 Videoconferência realizada em 24 de maio de 2017, no âmbito do Diplomado “Ação Internacional dos governos locais” organizado pelo Programa Universitário de Estudos sobre a Cidade (PUEC) da Universidade Autônoma do México (UNAM).

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cional das cidades – orçamento dedicado à participação nessa associação, funcionários que de fato se ocupem da pauta internamente etc. - para que a participação em uma rede efetivamente traga resultados positivos e concretos. Cidades diferentes e associadas exatamente à mesma rede podem ter participações completamente distintas e consequentemente apreender resultados variados dessa participação.

A CGLU Conforme já mencionado, a CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos) é resultado da união entre a FMCU e a IULA, formalizada em 05 de maio de 2004, em Paris (França). É interessante mencionar que o primeiro conselho mundial da CGLU foi realizado em São Paulo, e contou com a presença do então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o documento de constituição da rede, ela é considerada uma organização sem fins lucrativos, apartidária, com sede em Barcelona (Espanha), estando então subordinada ao direito espanhol. A CGLU representa mais de 240 mil cidades, regiões e metrópoles e mais de 175 associações de governos locais e regionais, de 140 países, cobrindo uma população de aproximadamente cinco bilhões de pessoas (UCLG, 2018)1. Importante aqui destacar que a rede não é composta apenas por governos locais, mas também por associações de governos locais, organizações internacionais de governos locais (outras redes, por exemplo) além de membros associados (organizações não específicas sobre, mas ligadas a temáticas de governos locais).

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A rede possui sete seções regionais dispersas pelo mundo2 sendo a seção Europa a que reúne maior número de cidades e regiões da rede (130 mil), o que fortalece, de alguma forma, a crítica que algumas vezes é feita à CGLU de ser uma rede “eurocêntrica”. Um resultado dessa intensa relação da rede com o continente europeu pôde ser observado por meio da assinatura de um acordo de parceria estabelecido entre a CGLU e a Comissão Europeia, em 2015. Além disso, destaca-se que a referida comissão é também uma das mais importantes financiadoras da CGLU – o ano de 2015 particularmente teve destaque neste quesito, quando 45% do orçamento da rede foi proveniente da parceria com a comissão. Esse dado leva ao questionamento se isso poderia de alguma forma influenciar nas atividades levadas a cabo pela rede. Ainda sobre essa dimensão, a CGLU tem orçamento anual que variou, durante o período estudado, entre três e quatro milhões de euros, um valor considerado baixo, mas que quando comparado com o de outras redes de cidades ganha destaque. A rede é financiada, sobretudo, de três formas (segundo dados de 2016): i. pelo pagamento de anuidades de seus membros (34%), calculada segundo o número de habitantes da cidade-membro e a situação econômica de seu país proveniente; ii. por patrocinadores3 de programas específicos (19%) e iii. pela referida parceria com a Comissão Europeia (29%). Grande parte do orçamento é, por sua parte, implementada com recursos humanos (1,4 milhões de euros) – um staff de aproximadamente 30 pessoas - e com os próprios programas (710 mil euros).

1 UCLG. (2018). “Who are we?” [online] <https://www.uclg.org/sites/default/files/uclg_who_we_ are_0.pdf>. [Consulta: 22 de janeiro de 2021]. 2 África, Ásia-Pacífico, Europa (representada pelo Conselho de Municípios e Regiões Europeias - CEMR), Eurásia, América Latina (representada pela Coordenação de Autoridades Locais da América Latina pela Unidade na Diversidade – CORDIAL – composta pelo secretariado da FLACMA e de Mercocidades), Oriente Médio e Oeste Asiático e América do Norte (representada pela Federação de Municípios Canadenses – FCM), uma seção metropolitana (Metropolis) e uma seção de regiões. 3 Notadamente a cidade de Barcelona (que também cede o espaço físico para o escritório da secretaria-geral da rede), o Conselho Provincial de Barcelona, a Fundação Europeia de Clima, o Ministério francês para Europa e Relações Exteriores, a Agência de Desenvolvimento Francesa, a ONU-Habitat, a Organização Internacional do Trabalho, entre outros.

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A RELAÇÃO DA CGLU COM A ONU Conforme explicitado anteriormente, apesar de algumas ressalvas, a CGLU se mostra como uma rede representativa em termos de abrangência de sua atuação, que tem um caráter fortemente político. A própria rede é por vezes reconhecida como a “ONU das cidades”, ou como a “Rede das redes”, conforme defende Josep Roig, ex-secretário geral da CGLU (2011-2017): “CGLU tem o poder de networking, somos uma rede de redes: CGLU é uma rede de políticas, uma rede de advocacy e uma rede de conhecimento. Mas, acima de tudo, somos uma rede de ação” (UCLG, 2017: 07, tradução nossa)1. Não é surpreendente então que a CGLU seja uma das principais articuladoras da relação entre governos locais e a ONU. A CGLU tem participação preponderante no Comitê Consultivo de Autoridades Locais da ONU (UNACLA). O Comitê foi criado em 1999, como uma resposta à Declaração de Istambul, firmada na Habitat II, em 1996, que passa a reconhecer os governos locais como os “parceiros mais próximos” na implementação da agenda urbana. O objetivo principal do comitê seria o de aproximar os governos locais do sistema ONU, dando voz a esses atores e reconhecendo sua importância na implementação da agenda urbana. Destaca-se aqui que, dos 20 membros do comitê, 10 são ligados à CGLU (sua secretaria-geral, suas sete seções regionais, sua seção para metrópoles e sua seção para regiões). Além disso, a própria presidência da UNACLA é su-

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gerida pela secretaria-geral da CGLU. Ou seja, o principal órgão consultivo de governos locais da ONU é amplamente influenciado pela CGLU, o que demonstra sua incidência destacada no sistema ONU – sobretudo em comparação a outras redes. Contudo, uma das reivindicações feitas pela própria rede é a de que os governos locais sejam considerados, no âmbito da ONU, como de fato atores governamentais que o são. Apesar de conseguir ter assento como observadora em muitas discussões, a CGLU ainda tem status de organização não-governamental2.

A COMISSÃO DE INCLUSÃO SOCIAL, DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DIREITOS HUMANOS (CISDPDH) Em 2005, na ocasião de um encontro da CGLU em Pequim, por sugestão do Fórum de Autoridades Locais para Inclusão Social (FAL)3, foi criada a Comissão de Inclusão Social e Democracia Participativa da rede, que apenas cinco anos mais tarde agregaria “direitos humanos” ao seu nome. De acordo com seu banco de dados público (2018), a CISDPDH tem como membros oficiais 115 associações de cidades, regiões e cidades, 28 parceiros (principalmente ONGs) e 10 redes internacionais. Entre as cidades e associações, a grande maioria provém da Europa e da América Latina4. Isso de alguma forma poderia impactar, por exemplo, na

1 UCLG. (2017). “Annual Report 2017 – Supporting Local and Regional Governments to drive the implementation of the global agendas” [online] <https://issuu.com/uclgcglu/docs/annual_report_ uclg_2017>. [Consulta: 22 de janeiro de 2021]. 2 De fato, conforme indicado, a CGLU é qualificada juridicamente como uma organização não-governamental. Contudo, a reivindicação aqui é a de que, como representante de governos locais eleitos, ela tenha, no âmbito da ONU, assento e atuação equivalente à de um governo. 3 Em 2001, no âmbito do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, um grupo de cidades e organizações internacionais não-governamentais constituiu o Fórum de Autoridades Locais para Inclusão Social (FAL). 4 Como seus membros brasileiros formais lista-se: Associação Brasileira de Municípios (ABM); Belo Horizonte; Botucatu; Contagem; Fortaleza; Frente Nacional de Prefeitos (FNP); Guarulhos; Osasco; Porto

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própria visão que a comissão tem de sua atuação com direitos humanos (ou ainda, da própria visão do que é direitos humanos em si e como eles devem ser promovidos). A análise desses dados poderia sugerir que, tendo em vista a grande representatividade da CGLU o número de membros da comissão seria proporcionalmente baixo. No entanto, esta “baixa” participação parece não interferir significativamente no papel ativo internacional da comissão, uma vez que esta possui um staff permanente (2018), de três pessoas somente, mas que permite a continuidade e constância dos seus trabalhos. Apesar de não exigir custo de participação, a comissão se financia por contribuições voluntárias oriundas de seus membros. Segundo o relatório financeiro referente ao ano de 2015, o orçamento da CISDPDH foi de aproximadamente 117 mil euros, em sua grande maioria proveniente de contribuições da Comunidade de Aglomeração Plaine Commune1 (França); do Conselho-geral de Seine Saint-Denis (França); da Prefeitura de Gwangju (Coréia do Sul); da Cidade do México e da Prefeitura de Bogotá (Colômbia) (UCLG, 2015)2. Chama a atenção que as contribuições provenham das regiões e cidades que também ocupavam a co-presidência da comissão, com exceção de Bogotá. Assim, seria possível argumentar que o engajamento financeiro estaria relacionado com o engajamento político das cidades e regiões-membro da comissão. Grande parte desse orçamento é empregado com pagamento de seu staff e viagens de representação. A partir da análise dos relatórios anuais da CISDPDH referentes ao período estudado

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(2013 a 2016), é possível notar com clareza que ela se propôs a atuar, sobretudo, por meio de incidência política e a produção de conhecimento, o que incluiria projetos de aprendizagem “city-to-city”, em uma perspectiva de troca de experiências. Verifica-se que a questão da cooperação descentralizada, por meio, por exemplo, de projetos concretos de cooperação técnica com orçamento e planos de execução, não é algo que aparece de forma central. Indiretamente, seria talvez possível relacionar o viés da cooperação com as referidas atividades de produção de conhecimento, que poderiam contribuir para a colaboração entre as cidades por meio do compartilhamento de informações, mas que não consistiria em uma forma muito aprofundada e estruturada de cooperação. Fica evidente que nos anos de 2014, 2015 e 2016 o grande foco da CISDPDH se concentrou no advocacy internacional pelo direito à cidade e pelos direitos humanos locais, principalmente tendo em vista a proximidade das discussões sobre a agenda pós-2015 e a Habitat III. O direito à cidade não é um conceito novo, sendo cunhado no fim dos anos 60 pelo francês Henri Lefebvre, em obra homônima, fazendo uma crítica ao que o autor chamou de “aburguesamento” de Paris, perda dos espaços de encontro, e expulsão do proletariado às periferias. Contudo, de forma mais recente, o direito à cidade tem sido retomado e reinterpretado, sobretudo pelos movimentos urbanos sociais, como uma forma de unificar e potencializar suas demandas, reivindicando cidades mais justas, igualitárias e democráticas. Uma das entrevistadas explicou que o conceito seria uma “bandeira política” e foi apenas

Alegre; Recife; Rio de Janeiro; Estado de São Paulo; Santa Maria e Várzea Paulista. Ressalta-se então a ausência da indicação do município de São Paulo como membro reconhecido da Comissão, o que não impediu o relacionamento próximo da referida cidade com a mesma. Parece que a associação à CGLU de forma ampla é suficiente para que se possa participar das atividades de suas áreas temáticas. 1 Estrutura intercomunal que reúne nove “comunas” francesas do arrondissement de Saint-Denis (grande Paris). 2 UCLG. (2015). Committee on Social Inclusion, Participatory Democracy and Human Rights. “Financial Report 2015” [online]<https://www.uclg-cisdp.org/sites/default/files/Final%20Financial%20 Report%20CISDP%202015%20%281%29.pdf>. [Consulta: 22 de janeiro de 2021].

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progressivamente que a CGLU, de forma coesa como rede, foi demonstrando interesse em se vincular à pauta. Para ela, o contexto do período pré Habitat III demandou que a rede se ressignificasse com uma estratégia diferente, e o direito à cidade parecia então possuir esse “valor agregado”. Assim, a comissão se ocupou do advocacy e sensibilização pelo tema tanto externo como internamente à própria CGLU. Essa característica de atuação a partir da mobilização política da comissão é um reflexo do próprio modus operandi da CGLU, muito centrado no advocacy. Destaca-se que, em 2015, a comissão participou do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que realizou uma sessão especial para discutir o relatório produzido por seu comitê consultivo intitulado “Papel do governo local na promoção e proteção dos direitos humanos”. Além disso, a comissão é protagonista tanto na divulgação dos princípios da Carta-Agenda Mundial de Direitos Humanos na Cidade1 (adotada pelo conselho mundial da CGLU em 2011) que reconhece o direito à cidade em seu primeiro artigo, como também na criação da Plataforma Global pelo Direito à Cidade, em 2014, rede com mais de 100 organizações da sociedade civil e governos locais que visa a promoção do direito à cidade em nível local e global.

1 UCLG, Comisión de Inclusión Social, Democracia Participativa y Derechos Humanos. “Carta-Agenda Mundial de Derechos Humanos en la Ciudad” [online] <https://www.uclg-cisdp.org/es/el-derecho-la-ciudad/carta-mundial> [Consulta: 22 de janeiro de 2021].

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O CASO DA CIDADE DE SÃO PAULO NA CGLU (2013-2016)

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(SMRIF) - e incorporando em sua estrutura organizacional uma “Coordenação de cooperação internacional e redes de cidades”, já demonstrando a centralidade que a temática de redes viria a ter durante a gestão.

A Lei Orgânica do Município (LOM) de São Paulo, aprovada em 1990, prevê em seu artigo 4º a capacidade de relações internacionais do município1: “O Município, respeitados os princípios fixados no art. 4º da Constituição da República, manterá relações internacionais, através de convênios e outras formas de cooperação” (SÃO PAULO (MUNICÍPIO) 1990:05)2. A Secretaria Municipal de Relações Internacionais (SMRI) foi oficialmente criada em 2001, tendo como objetivo “coordenar convênios e projetos de cooperação internacional que envolvam a cidade de São Paulo, inserindo-a de forma ativa no cenário mundial [...] (SÃO PAULO (Município), 2001)3. A lei 13.165/01, de criação da secretaria, especifica em seu artigo segundo que o órgão tem entre suas atribuições: “[...] estabelecer e manter relações e parcerias com organismos internacionais multilaterais, cidades-irmãs do município de São Paulo, entidades voltadas à organização de cidades, [...]” (SÃO PAULO (Município), 2001, grifo nosso). Assim, a SMRI é a secretaria que concentra a articulação da Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) com as redes de cidades. Na gestão municipal realizada entre 2013 e 2016, período enfocado neste estudo, a lei nº 15.764/13 reorganizou a secretaria, adquirindo também a atribuição de relações federativas – atualizando o seu nome para Secretaria Municipal de Relações Internacionais e Federativas 1 Destaca-se aqui um paradoxo legal já que a Constituição Federal de 1988 restringe ao Governo Federal a capacidade de “celebrar tratados, convenções e atos internacionais”. 2 São Paulo (Município). (1990). “Lei Orgânica do Município de São Paulo de 04 de abril de 1990” [online] <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/educacao/cme/LOM.pdf> [Consulta: 22 de janeiro de 2021]. 3 São Paulo (Município). (2001). “Lei Municipal nº 13.165 de 05 de julho de 2001. Cria a Secretaria Municipal de Relações Internacionais – SMRI e dá outras providências”. [online] <https://cm-sao-paulo. jusbrasil.com.br/legislacao/814736/lei-13165-01>. [Consulta: 22 de janeiro de 2021]

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A RETOMADA DA ASSOCIAÇÃO NA REDE É importante destacar que a relação da PMSP com a CGLU não teve início na gestão do Prefeito Fernando Haddad. A PMSP teve papel central na fundação da rede, durante o Congresso de Paris, em maio de 2004. A então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, e os prefeitos de Paris (Bertrand Delanoë), Tshwane-Pretoria (Smangaliso Mkhatshwa) e South Bay (Clarence Anthony) assumiram a co-presidência da CGLU para o período 2004-2007. Desde então, a PMSP nunca mais ocupou esse papel político tão central na gestão da rede1, tendo inclusive, se afastado da CGLU nas gestões seguintes, dando prioridade a outras redes internacionais, como aquelas de atuação com a pauta do meio ambiente, como a C40. Já em 2013, a PMSP avaliou estrategicamente a sua participação na CGLU por meio de um ranqueamento de redes internacionais de cidades, realizado com base em critérios objetivos. Segundo entrevistada da SMRIF, a CGLU estava no topo da lista de redes prioritárias para a gestão de Haddad, já que ela demonstrava ter grande incidência política, o que possibilitaria que a cidade pudesse ter voz em espaços de relevância internacional. Sobre isso, em entrevista do então secretário da SMRIF, Leonardo Barchini, ao portal “paradiplomacia.org”, em 2014, quando perguntado sobre a participação de São Paulo em redes de cidades, ele dá destaque à CGLU: Participamos de diversas redes como Metropolis, CGLU, Mercocidades, C40, Cidades Edu-

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cadoras, etc. Neste momento, damos uma importância especial à CGLU, porque estamos acompanhando os preparativos do Habitat III em 2016 e toda a discussão dos novos objetivos do desenvolvimento sustentável, que substituirão os ODM. As redes têm um papel importante de aproximar e difundir boas práticas. Elas são mais uma fonte importante de consulta e intercâmbio. (PARADIPLOMACIA. ORG, 2014, grifos nossos)2. Isso pôde também ser confirmado no ofício nº 70/20133, de abril de 2013, assinado pelo então prefeito e destinado ao então secretário-geral da CGLU, Josep Roig, e ao então secretário-geral da rede Metropolis, Alain Le Saux. O documento é incisivo em dizer que a PMSP está disposta a retomar sua posição como membro ativo em ambas as redes. O ofício ainda indica que a PMSP se candidataria a sediar a V Cúpula Mundial da CGLU – um dos principais eventos da rede - que ocorreria três anos mais tarde: [...] É com prazer que informo que a cidade de São Paulo apresentará uma proposta para sediar o 5º Congresso Mundial da CGLU em 2016. [...] A edição de 2016 será uma plataforma extremamente importante para preparar as cidades para a Agenda da ONU da Habitat III. A cidade de São Paulo pode contribuir mostrando a importância do papel dos governos locais nas questões dos Assentamentos Humanos, uma vez que possui muitas experiências bem-sucedidas em políticas habitacionais e urbanização de favelas até os dias de hoje. (PMSP, 2013, tradução nossa)4. Essa retomada do interesse também pode ser justificada pelo novo perfil de atuação da ges-

1 Destaca-se aqui apenas a eleição do prefeito Gilberto Kassab para uma das cadeiras do conselho mundial da CGLU no período de 2010-2013. Informação disponível em: <https://www.uclg.org/sites/default/files/WC_2010-2013_Web.pdf>. [Consulta: 22 de janeiro de 2021]. 2 Paradiplomacia.org, “Entrevista com Leonardo Barchini - Secretário de Relações Internacionais e Federativas da Prefeitura de São Paulo”, 2014. O link de acesso à entrevista já não está mais funcionando. Último acesso realizado pela autora foi em 2018. 3 Acesso público online via Sistema Público de Informações (SEI). 4 O caso de urbanização de favelas - requalificação de assentamentos informais - trazido pelo documento é uma referência ao programa intitulado “Mentoring on upgrading informal settlements”, realizado no âmbito da rede Metropolis, no qual a PMSP foi protagonista, entre os anos de 2011 e 2014.

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tão e do próprio prefeito Fernando Haddad, compatível com as temáticas abordadas na CGLU, enfocando em questões de planejamento urbano participativo, mobilidade urbana e direitos humanos. A implementação de ciclovias, a atualização do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade e a própria criação da Secretaria Municipal de Direitos Humanos foram ações-chave da gestão, que contribuíram com a imagem que a PMSP teria internacionalmente diante da CGLU, bem como com seus novos interesses de atuação internacional. A Prefeitura de São Paulo formalizou a adesão da cidade à CGLU via rede Metropolis1 em julho de 2013, na ocasião do encontro anual dessa rede, que ocorreu em Johanesburgo com a participação de coordenadora da SMRIF. Por conta disso, a então vice-prefeita de São Paulo, Nádia Campeão, participou do 4º Cúpula Mundial da CGLU, que ocorreu em Rabat (Marrocos), em outubro do referido ano . Na ocasião, São Paulo foi eleita para ser membro do conselho mundial e do bureau executivo da rede, por meio das cadeiras designadas a cidades-membro da rede Metropolis, para o período de 2013-2016.

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SECRETARIA MUNICIPAL DE DERECHOS HUMANOS Y CIUDADANÍA (SMDHC) (2013-2016) Em 2013, foi criada a SMDHC pelo decreto nº 53.685 que unificou as atribuições da então Secretaria Municipal de Participação e Parceria (SMPP), da Comissão Municipal de Direitos Humanos (CMDH) e do Secretário Especial de Direitos Humanos (que não detém a mesma estrutura e robustez institucional de uma secretaria). Em maio do mesmo ano, a lei municipal nº 15.764 oficializou a criação da SMDHC, definindo suas atribuições e áreas (SÃO PAULO (Município), 2013)2. Ressalta-se que a criação de uma secretaria específica de direitos humanos tem importância simbólica, tanto para fortalecer a agenda, como para institucionalizar políticas públicas, destinando um staff e orçamentos próprios para a pauta. A SMDHC era constituída por 14 coordenações e assessorias especiais3, responsáveis por diferentes temas: (i) políticas para crianças e adolescentes; (iii) políticas para idosos; (iv) educação em direitos humanos; (v) políticas para LGBT; (vi) políticas para migrantes; (vii) políticas para pessoas em situação de rua; (viii) direito à memória e à verdade; (ix) par-

O programa é considerado um modelo de sucesso de cooperação internacional via redes, e tem a proposta de “tutoria” de uma cidade com expertise em algum tema, mas onde ambas as cidades envolvidas conseguiriam apreender resultados positivos dessa cooperação. Esse foi o caso da cooperação de São Paulo com a municipalidade de eThekwin (Durban e arredores). O programa, que contava com orçamento próprio, buscava responder a questionamentos técnicos objetivos e específicos sobre a temática, a partir das atividades de cooperação (como as visitas técnicas). 1 PMSP. (2013). Secretaria municipal de relações internacionais e federativas. “Vice-prefeita participa do 4º Congresso Mundial da CGLU” [online] <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ relacoes_internacionais/noticias/?p=158947>. [Consulta: 2 São Paulo (Município) (2013). “Lei Municipal nº 15.764 de 27 de maio de 2013. Dispõe sobre a criação e alteração da estrutura organizacional das Secretarias Municipais que especifica, cria a Subprefeitura de Sapopemba e institui a Gratificação pela Prestação de Serviços de Controladoria” [online] <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-15764-de-27-de-maio-de-2013/detalhe>. [Consulta: 22 de janeiro de 2021]. 3 Esse organograma operativo aqui listado não é inteiramente igual ao organograma indicado na lei de criação da SMDHC. Isso porque algumas áreas sofreram alteração de nomenclatura e composição ao longo da gestão.

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ticipação social; (x) direito à cidade1; (xi) políticas sobre álcool e drogas; (xii) políticas de promoção do trabalho decente; (xiii) Centro Público de Direitos Humanos e Economia Solidária e (xiv) Balcão de Atendimento (ouvidoria de direitos humanos). A atuação com pautas até então não abarcadas pela administração pública municipal – como direito à cidade2, direito à memória e à verdade, educação em direitos humanos etc. - e a execução de projetos considerados inovadores foram o motor para que a política de direitos humanos implementada pela SMDHC começasse a ganhar a atenção internacional, inclusive da CGLU e de outras redes de cidades. A partir disso foi constituída uma Assessoria para Assuntos Internacionais3 na SMDHC, que apesar de existir apenas informalmente no organograma da secretaria, era reconhecida internamente tanto pelas coordenações da SMDHC como pela própria SMRIF.

A ATUAÇÃO DA PMSP NA CISDPDH (2013-2016) A PMSP consolidou sua articulação com a comissão de direitos humanos da CGLU (CISDPDH), sobretudo por meio da SMDHC4. O primeiro contato da CISDPDH especificamente com a SMDHC se deu no Fórum de Autoridades Locais Periféricas (FALP), realizado em Canoas (Brasil), em junho de 2013. Em novembro

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do mesmo ano, a representante da CISDPDH visitou a SMDHC e apresentou o trabalho da comissão para o então secretário municipal Rogério Sottili. A partir de então, estabeleceu-se uma relação direta entre a CISDPDH e a SMDHC. Foi sugerido pela comissão que a cidade de São Paulo sediasse o segundo Seminário Internacional sobre o Direito à Cidade (dando sequência à primeira edição realizada em 2012, em Saint Denis). Segundo entrevistada da CGLU, São Paulo, por meio da SMDHC, foi cotada como uma boa candidata a sediar o evento, pois já fazia uso explícito da narrativa do direito à cidade (tendo inclusive a coordenação com esse nome), algo que ainda não era tão comum entre governos locais ao redor do mundo. Esses seminários seriam relevantes, sobretudo para engajar atores sociais nas cidades em que eram organizados bem como para fortalecer o próprio advocacy pelo tema em um espaço de troca de experiências. O contato com a CISDPDH foi se estreitando ao longo de 2014, concomitante à consolidação do papel da assessoria internacional da SMDHC. 2015 foi então o ano da gestão com maior número de atividades de parceria entre a CGLU e a SMDHC, como a participação na mesa “Direito à cidade: construir e reconstruir o espaço público” no Seminário Internacional sobre Direito à Cidade na Cidade do México, co-organizado pela CGLU. Em junho de 2015, foi realizada uma reunião de trabalho da CISDPDH, durante o bureau executivo da CGLU em Porto Alegre, em que a comissão sugeriu a

1 A Coordenação de Promoção do Direito à Cidade não constava no organograma de criação da SMDHC por ter sido criada a partir de demandas de participação da sociedade civil nas chamadas “Jornadas de junho de 2013”, estabelecendo assim uma interface com coletivos urbanos da cidade (LEBLANC, 2017). 2 Mais informações de como a pauta do direito à cidade de São Paulo se insere na discussão mais internacionalizada sobre o tema em: Agopyan, K.K. (2019). “O fortalecimento da democracia pelo local: o direito à cidade em São Paulo”, em Chinchilla, L.; Pereira, W. P.; Lugo, C. (2019). “Democracia, liderança e cidadania na América Latina”, Edusp, São Paulo, pp.449-470. 3 Tinha o objetivo de assessorar o gabinete do secretário municipal e demais áreas da SMDHC em toda atuação internacional: relação com organizações internacionais, representações diplomáticas, cidades e delegações estrangeiras e redes de cidades. 4 Esclarece-se que as secretarias municipais tinham autonomia para criar assessorias internacionais próprias para apoiarem sua agenda internacional específica, em articulação e diálogo sempre direto com a SMRIF, que era oficialmente o órgão responsável pela cooperação da PMSP com as redes de cidades.

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divisão de suas atividades em grupos de trabalho temáticos. Nessa ocasião, a comissão sugeriu que a SMDHC coordenasse o grupo de trabalho referente a “Direitos humanos na cidade”, tendo como incumbência principal compilar “fichas de políticas públicas” de cidades-membro da comissão. Essa proposta foi inicialmente aceita pela SMDHC, mas a estruturação da comissão em grupos de trabalho não teve continuidade por parte da comissão. Essa mobilização para uma atuação mais incisiva da SMDHC na comissão é complementada com a continuação das tratativas que a própria CISDPDH já vinha fazendo com a secretaria para que São Paulo organizasse um seminário internacional sobre direito à cidade, mencionado anteriormente. Nesse período, sugeriu-se que a organização desse evento poderia ser realizada com o apoio da contratação de um consultor da própria CGLU. Contudo, segundo ofício nº 393 de agosto de 2015, enviado pela SMDHC à CISDPDH, a SMDHC declinou a sugestão de organização do evento em São Paulo, alegando dificuldades de ordem orçamentária e burocrática – sobretudo para viabilizar a contratação de um consultor. A partir de então, a relação com a CISDPDH se perpetuou de forma majoritariamente pontual, por meio da participação da SMDHC em eventos apoiados ou organizados pela própria comissão. Destaca-se também que a CISDPDH usava a política de direito à cidade de São Paulo como um exemplo de boa prática. Magali Fricaudet, então coordenadora da CISDPDH, cita por diversas vezes a experiência da cidade durante evento que ocorreu no âmbito da 30ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (2015). Em apresentação intitulada “O papel da CGLU na promoção internacional de direitos humanos na cidade” (tradução nossa), Fricaudet menciona São Paulo como um exemplo de “popularização de direitos humanos” (tra-

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dução nossa), enfatizando que políticas públicas transversais estavam sendo adotadas na cidade para descontruir a cultura de violência e violação de direitos humanos. (UCLG, 20151). Já o ano de 2016 foi centrado, sobretudo, na preparação para a Habitat III. A Coordenação de Promoção do Direito à Cidade da SMDHC, incentivada pela CISDPDH, participou do Encontro Temático sobre Espaços Públicos, evento preparatório oficial da ONU-Habitat, realizado em Barcelona (Espanha). Na ocasião, a SMDHC também realizou reunião com a CISDPDH. A relação entre a CISDPDH e a SMDHC foi menos ativa nesse ano se comparado com o ano anterior. Isso porque, a despeito do encontro em Barcelona, a SMDHC não participou ativamente dos eventos internacionais preparatórios à Habitat III que ocorreram ao longo de 2016, função que foi centralizada pela SMRIF dentro da Prefeitura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: RESULTADO CONTRAINTUITIVO Primeiramente, é necessário destacar que, contrariamente ao que se esperava quando se estabeleceu o objeto de pesquisa, a CGLU, rede escolhida para este estudo devido ao seu tamanho e representatividade, não se mostrou atuar de forma tão central na cooperação concreta e direta em si. Foi possível observar pela análise dos materiais e entrevistas, referentes ao período estudado, que o grande foco da rede é a incidência política das cidades na arena internacional, o que é realizado, sobretudo, por meio de atividades de advocacy. Isso seria inclusive compatível com sua constituição como herdeira da IULA, um movimento municipalista político e histórico. Assim, o grande valor agregado diferencial da CGLU em relação a outras redes, seria o de justamente

1 UCLG. (2015). Committee on Social Inclusion, Participatory Democracy and Human Rights. “The role of UCLG in the international promotion of human rights in the city.” [online] <https://slideplayer. com/slide/7433232/>. [Consulta: 22 de janeiro de 2021].

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ser “a rede das redes” título que ela mesma se atribui. Ainda em relação a isso, a proximidade da CGLU com a ONU também é algo a ser destacado e que reforça justamente esse caráter de atuação da rede. A CGLU vê como primordial a participação dos governos locais nas mesas de negociação da ONU e por isso concentra seus esforços em garantir sua incidência em processos e espaços “legítimos” de discussão dessa organização. Assim, apesar de certa autonomia que as áreas temáticas da CGLU possuem estas acabam, majoritariamente, seguindo essa tendência de focar sua atuação na incidência internacional dos governos locais. Isso é percebido na CISDPDH, que, a despeito de ter algumas iniciativas que estimulem ainda que indiretamente a cooperação descentralizada, ela concentra suas atividades essencialmente nas ações de advocacy, sobretudo na pauta do direito à cidade, não dando enfoque ao desenho e execução de projetos concretos de cooperação direta entre as cidades, por exemplo.

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presidência no período) e em uma participação mais tímida na CGLU, tanto em suas instâncias políticas como temáticas. O próprio prefeito participou pouco dos encontros políticos de autoridades da CGLU. Finalmente, em síntese, foi possível observar que os resultados da pesquisa foram contra intuitivos, não comprovando a hipótese inicialmente levantada de que a participação na referida rede traria impactos na política pública de direitos humanos da cidade de São Paulo por meio da cooperação descentralizada. O que se comprovou é que a participação na rede trouxe visibilidade internacional à prefeitura na temática do direito à cidade, ainda que as consequências concretas disso (ou seus impactos) na política pública não sejam claras, ou ainda, quantificáveis.

Quando se analisa o estudo de caso da cidade de São Paulo, enfatiza-se que participação da PMSP na rede foi estrategicamente retomada durante a gestão do prefeito Fernando Haddad por conta justamente dessa característica diferencial da CGLU. Contudo, conforme verificado ao longo da pesquisa, os resultados apreendidos na atuação em rede estão diretamente conectados ao modo como a cidade optou por participar da mesma. No caso de São Paulo, gerou-se expectativa de uma atuação política mais destacada na CGLU, devido, sobretudo, ao perfil da gestão de promover novas políticas públicas de desenvolvimento urbano e direitos humanos compatíveis com os próprios focos temáticos da rede. Contudo, essas expectativas não foram alcançadas. A estratégia internacional da PMSP ao longo do mandato acabou centrando-se na escolha por um protagonismo político mais regionalizado (por meio de outras redes internacionais, como a Mercocidades, por exemplo, na qual chegou até a assumir a

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REFLEXÕES CENTRAIS SOBRE A PESQUISA EM QUATRO PONTOS Uma das dificuldades trazidas pelo trabalho foi de se conseguir mensurar o impacto que as ações de advocacy internacional podem gerar nas políticas públicas em si. Cabe então uma reflexão no que diz respeito ao próprio entendimento sobre impacto. O que se constituiria como um impacto na política pública, e como ele poderia ser medido? Em outras políticas públicas de direitos humanos da SMDHC, notadamente aquelas que abordavam temáticas sensíveis à opinião pública, relacionados à população LGBT e política de drogas, por exemplo – respectivamente programas como o Transcidadania1 e o De Braços Abertos2, a incidência internacional chegou a contribuir para a melhoria da opinião pública sobre elas, conferindo-as mais legitimidade no âmbito local. Isso poderia ser considerado um impacto positivo, mas que não ocorreu nessa relação com a CGLU, muito centrada no direito à cidade, e que, apesar de São Paulo ser considerada um modelo internacional no tema, isso não necessariamente pôde trazer mudanças visíveis na opinião pública ou no fortalecimento da política em si (ou pelo menos isso não pôde ser mensurado com clareza). Uma segunda reflexão relaciona-se também ao impacto, mas com ênfase nas expectativas e motivações de participação em uma rede. Talvez a própria visibilidade ou voz internacional já seja suficiente para os objetivos visados pela maioria das cidades-membro ao se filiarem a uma rede, e, nesse caso, a CGLU

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poderia ser um certeiro caminho para o sucesso desse objetivo. Além disso, cabe também jogar luz ao fato de que a motivação de uma cidade em querer participar de uma rede já vem acoplada à sua compatibilidade política e ideológica em relação à mesma, ou seja, ela já concorda ou promove parte dos valores compartilhados por essa rede. No caso de São Paulo, o próprio direito à cidade é exemplo disso, já que a cidade possuía pasta específica sobre o tema. Assim, ficou também menos evidente, ou o impacto deveria ter sido mais direto, para que se percebesse alterações em uma política que já estava sendo levada a cabo pela cidade. Como aprofundamento dessa pesquisa no futuro, poderia ser interessante analisar uma cidade que não fosse referência em políticas de direito à cidade, para compreender se sua participação na comissão da CGLU influenciaria, de alguma forma, seus incentivos e direcionamentos da tomada de decisão em prol do direito à cidade. A terceira reflexão parte da forma de participação em redes de cidades. Em primeiro lugar, ela deve ser estratégica, planejada, com objetivos claros. A PMSP fez no início da gestão Haddad uma avaliação estratégica e um planejamento para que essa adesão às redes fosse compatível com as metas da cidade, com o perfil de seu gestor, com as capacidades estruturais e orçamentárias da administração local e com as principais políticas públicas locais. Contudo, conforme verificado, a associação à uma rede não gera benefícios automáticos às cidades se estas não se engajarem e de fato participarem ativamente (CAPELLO, 2000). No caso da CGLU isso ficou ainda mais evidente, já que, por ser uma rede essencialmente política, ela também deman-

1 Programa de iniciativa intersecretarial, criado pela SMDHC, voltado para travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade social da cidade de São Paulo, e que consistia em uma bolsa concedida às/aos beneficiárias/os, bem como em frentes de formação profissional e de conclusão da educação básica. 2 Programa intersecretarial da PMSP para atuar com usuários problemáticos de substâncias psicoativas na região da Luz e que consistia em uma tenda de atendimento aos beneficiários/as, uma frente de trabalho e uma frente de moradia, por meio da parceria com hotéis sociais da região. A atuação da SMDHC buscava garantir uma abordagem pautada pelos direitos humanos e atividades de direito à cidade envolvendo e aproximando beneficiários/as e moradores da região a partir da ocupação do espaço público.

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da que seus membros estejam mais engajados politicamente. Por fim, a última reflexão concentra-se na especificidade do escopo dessa pesquisa. Este trabalho não pretende esgotar todo o tema da cooperação descentralizada em direitos humanos via rede, já que este é ainda um objeto de pesquisa muito específico, com poucos autores especialistas no tema e material bibliográfico restrito, especialmente em relação à CGLU em si. Destaca-se aqui que esses apontamentos foram resultados obtidos a partir da análise de uma relação entre uma rede e uma cidade específica e em uma temática e período também específicos. Fica claro que o estudo abre então caminho para possíveis futuras agendas de pesquisa complementares e comparativas.

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Kelly Komatsu Agopyan Kelly Komatsu Agopyan é doutoranda e mestra pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP / Brasil). É graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi assessora para assuntos internacionais da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. Mail: kelly.agopyan@usp.br

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REFERÊNCIAS Bráz, G. D. (2007). “Advocacy das Organizações da Sociedade Civil: Principais Descobertas de um Estudo Comparativo entre Brasil e Estados Unidos”. XXXI Encontro da ANPAD. Cano, J. S. (2015). “Redes de gobiernos locales y una nueva agenda mundial: una perspectiva multinivel”. Cahiers de la coopération décentralisée, n.5. Capello, R. (2000). “The City Network Paradigm: Measuring Urban Network Externalities”. Urban Studies, v. 37, n.11, pp. 1925-1945. Cardarello, A., Rodriguez, J. (2006). “Las Redes de Ciudad como herramienta privilegiada para la gestión de cooperación descentralizada”, em Observatorio de Cooperación Descentralizada, Anuario 2. Castells, M. (2002). “Local and Global: Cities in the Network Society”. Tijdschriftvoor Economische en Sociale Geografie, v. 93, n. 5, pp. 548–558. Corella, B. S. (2008). “Guía para la Acción Exterior de los Gobiernos Locales y la Cooperación Descentralizada Unión Europea – América Latina: Elementos para la Construcción de una política pública local de cooperación descentralizada”. Diputación de Barcelona. Dogliani, P. (2002). “European Municipalism in the First Half of the Twentieth Century: The Socialist Network”, em Contemporary European History, v. 11, n. 04, pp. 573-596. Garesché, E. D. Z. (2007). “Manual Práctico para Internacionalizar la Ciudad: Guía para la Acción Exterior de los Gobiernos Locales y la Cooperación Descentralizada Unión Europea – América Latina”. Diputación de Barcelona, v. 1. Leblanc, E. M. (2017). “A Prefeitura Municipal de São Paulo e os Coletivos Urbanos: a construção de interfaces socioestatais”, Dissertação de Mestrado em Administração Pública e Governo, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, março. Lencioni, S. (2008). “Observações sobre o conceito de cidade e urbano”. Espaço e Tempo, São Paulo, n.24, pp.109-123. Oomen, B., Davis, M. F, Grigolo, M. (2016). Global Urban Justice: The rise of Human Rights Cities. Cambridge: Cambridge University Press, 1ª ed. PMSP. Gabinete do Prefeito. (2013) “Ofício 70/2013”. 22 de abril. Prado, D. F. B. D. (2009). “A atuação internacional dos governos locais via rede: o caso da Mercocidades e do Programa URB-AL Rede 10”. Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, março. ______. (2007). “As cidades como atores nas Relações Internacionais: A atuação via Rede” em I Simpósio em Relações Internacionais do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas. Vital, G. C. (2016). “A institucionalização das relações externas subnacionais: um estudo comparado das cidades de São Paulo e Toronto”. Tese de Doutorado em Relações Internacionais, Instituto de Relações Internacionais, Universidade de São Paulo, agosto.

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A CONGRUÊNCIA NOS PROCESSOS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DE BELO HORIZONTE (2005-2020) A TRAVÉS DEL INTERÉS LOCAL-INTERNACIONAL (ILI) Ramon Cristiano Bonifacio / Daniel Villarruel Reynoso

Abstract The internationalization phenomenon that has occurred in cities in the last decades, has new dimensions (hyperconnectivity, mobility, wide participation of territorialized actors) in the current phase of globalization in which we are inserted, which affects the forms of social relationship in different latitudes. In this article, we will try to identify the internal processes, in the territory and in the government, that have allowed Belo Horizonte to be identified as a successful case regarding its internationalization. In order to achieve this objective, we propose the application of Local-International Interest (ILI), understood as the definition of priority themes to lead an international policy with autonomy from the central government (Villarruel, 2016). Key words: Paradiplomacy, Ciudades, Belo Horizonte, Local-Internacional Interest (ILI).

@chaarlotteborges

Resumen El fenómeno de la internacionalización que se ha dado en las ciudades en las últimas décadas tiene nuevas dimensiones (hiperconectividad, movilidad, amplia participación de actores territorializados) en la actual fase de globalización en la que estamos insertos, lo que incide en las formas de relación social en diferentes latitudes. En este artículo se identificarán los procesos internos, en el territorio y en el gobierno, que han permitido identificar a Belo Horizonte como un caso exitoso en cuanto a su internacionalización. Para lograr este objetivo, se propone la aplicación del Interés Local-Internacional (ILI), entendido como la definición de temas prioritarios para liderar una política internacional con autonomía del gobierno central (Villarruel, 2016). Palabras clave: Paradiplomacia, Cities, Belo Horizonte, Interés Local Internacional (ILI).

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LA CONGRUENCIA EN LOS PROCESOS PARA LA INTERNACIONALIZACIÓN DE BELO HORIZONTE (2005-2020) A TRAVÉS DEL INTERÉS LOCAL-INTERNACIONAL (ILI) Ramon Cristiano Bonifacio / Daniel Villarruel Reynoso

Resumo O fenômeno da internacionalização que tem ocorrido nas cidades nas últimas décadas, tem novas dimensões (hiperconectividade, mobilidade, ampla participação de atores territorializados) na atual fase da globalização na qual estamos inseridos, que afeta as formas de relacionamento social em distintas latitudes. Neste artigo trataremos de identificar os processos internos, no território e no governo, que têm permitido que Belo Horizonte seja identificada como um caso exitoso quanto a sua internacionalização. Para alcançar este objetivo, propomos a aplicação do Interesse Local-Internacional (ILI), entendido como a definição de temas prioritários para levar uma política internacional com autonomia do governo central (Villarruel, 2016). Palavras-chave: Paradiplomacia, Cidades, Belo Horizonte, Interesse Local-Internacional (ILI).

INTRODUCCIÓN Segundo o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Hábitat), em 2017, 54.5% da população humana vivia em cidades, e se prevê que para o ano de 2050 esta cifra subirá a 70%. Além de concentrar uma grande população, as cidades tem sido, ao longo dos anos, centros catalizadores do poder político e econômico do Estado-Nación no qual elas estão inseridas. Ainda mais, no mundo do século XXI estas cidades convergem em eventos que têm lugar em distintas latitudes do mundo. É justo no interior das cidades onde mais encontramos exemplos de distintos processos de inserção internacional que dão conta da interação dialética do global com o local, e que demonstra que as cidades são espaços da globalização (Santos, 1996). “As cidades constituem os nós das redes pelas quais transitam as influencias múltiplas devidas à internacionalização dos intercâmbios, por ser o lugar onde se reúnem as forças vivas da inovação e do desenvolvimento econômico” (Pumain, 2003), de tal maneira que nas 1

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grandes cidades interagem diversos agentes, de natureza econômica, social, sejam nacionais ou internacionais, todos esses agentes habitam y compartilham do mesmo lugar. O caso de Belo Horizonte sintetiza esta conjuntura da relação indissociável do global interagindo dialeticamente com o local. É a capital do terceiro estado em capacidade econômica no Brasil, Minas Gerais. Belo Horizonte se caracteriza por ter uma ampla contribuição ao PIB do país, é o quarto município mais rico. Sua população é de 2,501,576 habitantes e em sua região metropolitana, composta por 34 municípios no centro urbano e outros 16 no colar metropolitano, vivem aproximadamente 6 milhões de pessoas, configurando-se como a terceira maior concentração populacional deste país, atrás apenas das regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Esta cidade é considerada um caso de sucesso em sua inserção internacional por algumas razões, como por exemplo, sua participação ativa em redes de governos locais (IVLEI, CGLU, AICE, Projeto AL-LAS, Mercocidades)1; por ter 16 acordos de irmanamentos com ci-

ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade), CGLU (Cidades y Governos Locais Unidos), AICE


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dades de quatro continentes1; por ter vínculos com organismos internacionais como a OIT2, e a ONU-Hábitat; por ser cidade sede de eventos de importância mundial como foi na Copa do Mundo de Futebol em 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016. Além disso, Belo Horizonte ganhou prêmios internacionais como o outorgado pela CGLU na categoria cidade e governo local, e também o prêmio Desafio das Cidades outorgado pelo ICLEI. A participação ativa de Belo Horizonte no projeto AL-LAS que tem como lema “Um lugar na mesa global: os governos locais como tomadores de decisões na agenda mundial”, tem contribuído para os processos de internacionalização da cidade. Por exemplo, dentro do âmbito deste projeto, as experiências de internacionalização da cidade têm servido de base para a formulação da terceira oficina de aprendizagem AL-LAS, que foi compilado na publicação: “ação internacional para uma cidade sustentável”. Os cadernos AL-LAS são uma fonte bibliográfica de estudos paradiplomáticos que procuram evidenciar a importância da ação dos governos locais, expondo alguns estudos de caso. O caderno quatro, que evidencia algumas experiências de internacionalização de Belo Horizonte é o único exemplar que podemos encontrar tanto em português como em espanhol. No ano de 2012, Belo Horizonte foi sede do Congresso Mundial do ICLEI. O ICLEI é uma organização internacional de governos locais, organismos estatais e regionais que comprometem sua agenda com o desenvolvimento sustentável. O evento ocorreu entre os dias 14 e 17 de março e no que se reivindicou a importância dos governos locais em assuntos que se relacionam com o desenvolvimento sustentá-

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vel. “Nós, ICLEI, convocados em Belo Horizonte, Brasil, por ocasião do Congresso Mundial ICLEI 2012, por meio desta carta gostaríamos de pedir que as Partes da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20): • Reconheçam que os governos locais são condutores particularmente eficazes para o desenvolvimento sustentável, como incubadoras de inovação e implementação em escala, agentes de mudança, e a esfera do governo mais próxima das pessoas, podendo enfrentar os problemas globais com soluções sistêmicas localizadas, que produzem diretamente e fazem cumprir os instrumentos legislativos e normativos que podem promover práticas sustentáveis que contribuam para tornar nossas economias mais verdes, • Reconheçam que este é o século das cidades, que nos próximos 40 anos a expansão da capacidade urbana será equivalente ao que ocorreu nos últimos 4000 anos, apresentando desafios sem precedentes e oportunidades para redesenhar e transformar nossa futura vida urbana. ” ICLEI (2012) – Documento final para a Rio+20. Rio de Janeiro: Governos Locais pela Sustentabilidade. Com base neste cenário e segundo o método proposto pelo Interesse Local-Internacional, propomos identificar os processos internos, no território e no governo, que têm lugar em Belo Horizonte referente a sua internacionalização, que permita conhecer e descrever motivações, capacidades institucionais, estratégias de internacionalização e ações de responsabilidades compartilhadas nesta matéria. O ILI

(Associação Internacional de Cidades Educadoras), Projeto AL-LAS (Aliança Eurolatinoamericana de Cooperação entre Cidades). 1 Irmanamentos com Belo Horizonte: Austin, Estados Unidos; Luanda, Angola; Zahlé, Líbano; Granada, Espanha; Porto, Portugal; Minsk, Bielorrússia; Havana, Cuba; Nanquim, China; Belém, Palestina; Homs, Síria; Masaya, Nicarágua; Trípoli, Líbia, Fort Lauderdale, Estados Unidos; Tegucigalpa, Honduras; Cuenca, Equador; Newark, Estados Unidos. 2 OIT (Organização Internacional do Trabalho).

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propõe a identificação das capacidades institucionais e as particularidades territoriais como elementos de diagnóstico, que permitem compreender a realidade territorial de Belo Horizonte em tanto suas possibilidades para a ação internacional e estabelecer conclusões ou premissas para empreender ações consensuais e duradouras com os atores territorializados, e definir se estas se encontram emolduradas em uma política com sentido estratégico (para que), justificadas (por que), pertinentes (até onde) e com sentido social (avaliáveis). (Villarruel, et al. 2020. Documento de Trabajo).

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O INTERESSE LOCAL-INTERNACIONAL (ILI) “O ILI é uma ferramenta de política pública necessária para estabelecer relações internacionais estratégicas de longo prazo, viáveis, integradas a planos de desenvolvimento e consensuais com os distintos setores da sociedade a fim de potenciar o exercício paradiplomático como elemento de desenvolvimento e não somente como um instrumento funcionalista do aparato político, ad hoc, às circunstâncias do momento” (Villarruel, 2013). A internacionalização da cidade instrumentalizada através do ILI é, por tanto, vista como uma janela de oportunidades para a geração de espaços de governança, podendo constituir-se como espaços democráticos para a participação cidadã, em todas suas formas. “O ILI se compõe de dois conjuntos de elementos: Elementos estruturais: são os quadros estratégicos que permitem o funcionamento da política de inserção internacional, o jurídico, o institucional e o político. Constituem a estrutura onde os elementos funcionais interagem. Elementos funcionais: em uma primeira instância, constituem chaves do exercício paradiplomático através da identificação de singularidades, a mobilidade e infraestrutura; direitos humanos, e tantos temas como sejam de interesse da cidade. Cada um deles pode se considerar um elemento relevante (diferenciador), que ajude, a priorizá-los, a definir a vocação das ações internacionais. Em um segundo momento, se reconhecem como elementos funcionais – aos objetivos da política de inserção internacional – aos atores territorializados mais dinâmicos a nível internacional, classificando as ações que levam a cabo, e partindo dos documentos constituintes de planejamento do GNC, analisando a congruência entre ambas dimensões. ” (Villarruel, D. Lara, R., Rúa, B., sf)

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1.) Elementos funcionales: en una primera instancia, constituyen claves del ejercicio paradiplomático a través de la identificación de singularidades en la geografía, la riqueza, la población y la cultura del territorio; el deterioro medioambiental, la seguridad, la movilidad e infraestructura; derechos humanos, y tantos temas como sean de interés de la ciudad. Cada uno de ellos puede considerarse un elemento relevante (diferenciador), que ayude, al priorizarlos, a definir la vocación del quehacer internacional. En un segundo momento, se reconocen como elementos funcionales —a los objetivos de la política de inserción internacional— a los actores territorializados más dinámicos a nivel internacional, clasificando las acciones que llevan a cabo, y partiendo de los documentos rectores de planeación del GNC, analizando la congruencia entre ambas dimensiones.” (Villarruel, D. Lara, R., Rúa, B, (2021)) Em suma, o ILI reconhece que existem diversos atores envolvidos com distintos níveis de interesse nos processos de internacionalização pelo que a criação de quadros que permitam sua articulação é relevante desde a perspectiva política, além da permissividade jurídica e as capacidades orgânicas e institucionais. Através de seus indicadores é possível construir um diagnóstico que permita ao governo contar com uma bússola de planejamento estratégico nesta matéria.

O INTERESSE LOCAL-INTERNACIONAL (ILI) DE BELO HORIZONTE

A congruência nos processos para a...

Belo Horizonte é considerado um caso de sucesso enquanto a sua projeção internacional. O que se propõe agora é compreender o processo de internacionalização da cidade nas dimensões que o ILI propõe1. 1. Elementos Estruturais a) Jurídico Na Constituição da República Federativa do Brasil, é função exclusiva do presidente e do Ministério das Relações Exteriores (MRE), conhecido como o Itamaraty, fazer a política exterior do país segundo o artigo 842. No entanto, o artigo 52, inciso V da Constituição3 permite aos estados, Distrito Federal e municípios, no âmbito de suas respectivas capacidades, promover e celebrar acordos ou convênios com entes subnacionais estrangeiros, mediante previa autorização da União. Isso atendendo as limitantes que se enunciam no artigo 49, que diz é de responsabilidade exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que impliquem cargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Esta permissividade normativa motivou uma discussão no Congresso entre o ex-deputado federal André Costa (Partido Democrata Brasileiro) que propôs a emenda à Constituição (PEC) 475/20054, conhecida como a PEC da Paradiplomacia. A proposta se baseava em que houvesse respaldo constitucional nos atos, acordos e convênios internacionais assinados por estados, Distrito Federal e municípios brasileiros com outras entidades estrangeiras (Ribeiro, 2009), mesma que foi rechaçada pelo relator, deputado Ney Lopes (Partido da Frente

1 Para conhecer mais sobre o método ILI recomendamos consultar o artigo titulado “El Interés Local Internacional: Diagnóstico de una Política Pública en Construcción” em processo de publicação sob o selo editorial da Universidade de Guadalajara. 2 Artigo 84, Inciso VIII – É responsabilidade exclusiva do Presidente da República: celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. 3 O Senado Federal é responsável exclusivo de: V – autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. 4 52º Os Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, poderão promover e celebrar acordos ou convênios com entes subnacionais estrangeiros, mediante previa autorização da União, observado o artigo 49, e na forma da lei.

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Liberal), sob a argumentação de que na Carta Magna não há texto constitucional que impeça que os estados e os municípios possam celebrar atos internacionais. De tal maneira, que o Pacto Federativo, já prevê condições institucionais propicias para que os municípios e os estados possam exercer atividades paradiplomáticas, com previa aprovação do Senado Federal (Castelo Branco, 2009). Para o caso de Belo Horizonte, a primeira legislação com atribuições e responsabilidades que se relacionavam à atividade e projeção internacional da cidade foi promulgada no primeiro de agosto de 1995. A lei 6.918 criou uma Secretaria Municipal de Assuntos Extraordinários (SMAE); Segundo Perpetuo (2010), ainda que houvesse uma referência direta ao termo “relações internacionais”, términos como intercambio, operações de crédito externo e cooperação com outros municípios lhe possibilitam ver a intenção de um agir internacionalmente. Dez anos depois, no dia 1º de janeiro de 2005, por meio da lei 9.001, com a intenção de aplicar uma reforma institucional e se cria a Secretaria Municipal Adjunta de Relaciones Internacionais (SMARI). Neste momento, a SMARI se vinculava à Secretaria Municipal do Governo. Na sua vez, no ano de 2011, o prefeito Marcio Lacerda (Partido Socialista Brasileiro) modifica a lei 9.001, com a intenção de aplicar uma reforma institucional e cria a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE), “com a finalidade de articular a definição e a implementação da política da política de desenvolvimento econômico do município, de forma integrada e intersetorial” (Lima, 2015). Alinhar a SMARI com a SMDE aponta a uma articulação que procura promover que a atividade internacional se vincule com o desenvolvimento econômico local no âmbito interior do município.

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TABLA I. Jurídico PONTUAÇÃO

0

1

2

3

4

NÃO EXISTE

PROÍBE

REGULADO

COORDENADO

AUTÔNOMO

Permite, regulaConcede podedo em áreas es- Permite, desde res autónomos pecificas como que seja coorpara o exercía economia, o denado com o cio internaciocomercio, etc. governo central. nal das cidades X

Tratados internacionais e Constituição (Estado-Nação)

Ausência da Proibição esdimensão inter- trita à cidade nacional como de realizar atividade da ações internacidade cionais

Leyes secundarias de observancia general (estatal)

Ausência da Proibição es- Permite, regulaConcede podePermite, desde dimensão inter- trita à cidade do em áreas esres autónomos que seja coornacional como de realizar pecificas como para o exercídenado com o atividade da ações interna- a economia, o cio internaciogoverno central. cidade X cionais comercio, etc. nal das cidades

Ausência da Proibição esOrdenamientos dimensão inter- trita à cidade de aplicación y nacional como de realizar competencia de atividade da ações internala Ciudad cidade cionais

Concede podePermite, regulares autónomos do em áreas es- Permite, desde para o exercípecificas como que seja coorcio internacioa economia, o denado com o nal das cidades comercio, etc. governo central. X

Fonte: Elaboração própria com base em Villarruel, et al. (2021).

Segundo o indicador ILI, o valor máximo que expressa o controle regulado das ações internacionais nesta variável se expressa em 6, que para o caso de Belo Horizonte é 4, pois as ações que em matéria de projeção internacional são realizadas no quadro de um andaime normativo que regula sua agenda nesta matéria tal e como se explica nas linhas acima. b) Institucional A fim também de discutir sobre o elemento institucional, se categoriza a existência de alguma instituição que se envolva na promoção da internacionalização da cidade em três segmentos; Escritório do mais alto nível

(secretaria ou ministério), Escritório de segundo ou terceiro nível, Escritório não dependente da estrutura central do governo. Neste quadro se identifica se existe ou não um escritório encarregado dos assuntos internacionais e o tipo de competências que desenvolve, desde as básicas de protocolo, controle de agenda e relações públicas; competências em matérias específicas como turismo ou economia, o as mais amplas competências de coordenação para a projeção internacional da cidade. A instituição que orquestra e que direciona os assuntos internacionais de Belo Horizonte é a

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

SMDE, cujas funções se centram, entre outras coisas, em: V – a prospecção, identificação y criação de oportunidades locais, nacionais e internacionais de negócios, promovendo a atração de investimentos para o Município; XIII – a assessoria ao Prefeito no cumprimento da agenda internacional, assim como na realização da recepção de missões, autoridades e instituições financeiras. (Lei nº 10.101, Diário Oficial de Belo Horizonte, Brasil, 14 de janeiro de 2011). Dependente desta secretaria, se encontra a SMARI, que tem entre suas funções: I- estabelecer e manter relações e parcerias com organismos internacionais multilaterais, cidades-irmãs do Município de Belo Horizonte, entidades voltadas à organização de cidades, organizações não-governamentais internacionais, representantes diplomáticos de Governos, representantes de trabalhadores e empresários internacionais, empresas internacionais estabelecidas ou não neste Município, e outras entidades afins; II- formular diretrizes, planejar e coordenar, em articulação com as demais Secretarias Municipais e demais órgãos e entidades da Administração Pública, as políticas e ações voltadas para a negociação e captação de recursos junto a órgãos e instituições internacionais; III- fornecer suporte técnico aos órgãos da Administração Direta e Indireta do Município de Belo Horizonte em contatos internacionais, bem como no desenvolvimento e elaboração de convênios e projetos de cooperação internacional. IV – Desenvolver outras atividades encaminhadas a conquistar seus objetivos (Lei nº 9011, Diário Oficial de Belo Horizonte, Brasil, 1º de janeiro de 2005) Podemos verificar, portanto, que ambas secretarias têm amplas capacidades com relação à coordenação das atividades de projeção inter-

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nacional da cidade. Assim que a pontuação assignada para cada uma delas é 3, totalizando um valor de 6 pontos,


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TABLA II. Institucional-Orgánico PUNTAJE

Escritório de nível mais alto (secretaria ou ministério) SMDE

Oficina de segundo o tercer nivel SMARI

Oficina no dependiente de la estructura central del gobierno

0

1

2

3

NÃO EXISTE ESCRITÓRIO

CAPACIDADES RESTRITAS A TEMAS DE PROTOCOLO

CAPACIDADES CLARAS EM MATÉRIAS ESPECIFICAS

AMPLAS CAPACIDADES

Ausência de um Encarregada das escritório enca- funções de prorregado dos tocolo, controle assuntos de agenda e internacionais relações públida Cidade cas.

Ausencia de una Encarregada das oficina encarga- funções de proda del tocolo, controle quehacer de agenda e internacional de relações públila Ciudad cas. Ausência de um Encarregada das escritório enca- funções de prorregado dos tocolo, controle assuntos de agenda e internacionais relações públida Cidade cas. X

Suas funções são claras em temas específicos: economia, turismo, educação, mobilidade, etc.

Suas funções são claras e de amplo alcance para coordenar a ação internacional da Cidade de maneira transversal.

X

Suas funções são claras em temas específicos: economia, turismo, educação, mobilidade, etc.

Suas funções são claras e de amplo alcance para coordenar a ação internacional da Cidade de maneira transversal.

X

Suas funções são claras em temas específicos: economia, turismo, educação, mobilidade, etc.

Suas funções são claras e de amplo alcance para coordenar a ação internacional da Cidade de maneira transversal.

Fonte: Elaboração própria com base em Villarruel, et al. (2021).

O valor dado nesta variável para esta cidade é de 4. Isso se traduz na existência de dois escritórios, que, ainda que um deles é subordinado, contribuem para projetar Belo Horizonte a nível internacional. Sua presença na estrutura organizacional do governo deixa clara a importância dessa dimensão no cotidiano político. b.1) Institucional-Orçamento Para este item, trataremos de avaliar a verba 1

que o governo do município destina aos dois escritórios que se envolvem com a atividade internacional de Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE) e a Secretaria Municipal Adjunta de Relações Internacionais (SMARI). Segundo o programa orçamentário da prefeitura de belo Horizonte para 2011 , a verba total que o município de Belo Horizonte tem para

O dólar a preços médios em 2017 foi de USD 1=BRL 3.19 e USD 1=MXN 17.46.

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

o seu exercício governamental é da ordem de USD 1.644.298.667. O PIB de Belo Horizonte é de USD 2.664.133.442. A SMDE dispõe de uma verba de USD 558.956. Enquanto que a SMARI operou uma verba de USD 154.225.

Assim que a quantidade destinada à SMDE se enquadra no intervalo que está entre 0,02% e 0,03%, enquanto que para a SMARI é menos de 0,02% do PIB da cidade.

TABLA III. Institucional-Presupuesto PONTUAÇÃO

0

1

2

3

NÃO DESTINA RECURSOS

DESTINA MENOS DE 0.02% DO PIB DA CIDADE

DESTINA 0.02% A 0.03% DO PIB DA CIDADE

DESTINA 0.03% A 0.05% DO PIB DA CIDADE

Escritório do nível mais alto (secretaria ou ministerio)

Escritório de segundo ou terceiro nível

X (SMDE)

X (SMARI)

Escritório não dependente da estrutura do governo

Fonte: Elaboração própria com base em Villarruel, et al. (2021).

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As porcentagens que guiam este quadro são arbitrárias. A lógica em sua leitura radica em que “quanto maiores são as competências, maiores são os recursos para o seu exercício; enquanto, quanto mais baixas as competências, menores são os recursos”1. Segundo Perpétuo (2014), o orçamento da SMARI ainda que seja pequeno, é suficiente para cobrir os gastos com recursos humanos e com os programas nos quais a Secretaria atua. De acordo com Lima (2015) trabalhavam na SMARI, quatorze pessoas de diversas profissões (Economia, Relações Internacionais, Direito, Sociologia, Jornalismo e Relações Públicas e uma professora de Inglês)2. Belo Horizonte é uma das cidades brasileiras que administra um dos orçamentos mais altos da União, a verba destinada exclusivamente às atividades de internacionalização poderia ser maior, visto que a captação de recursos, junto a agências e organismos internacionais, também é uma das funções exercidas pela Secretaria. Fazendo com que a funcionalização da SMARI não seja exclusivamente de gastos. c) Político Esta variável permite identificar que tipo de ações são levadas a cabo pela cidade segundo a seguinte categorização. Sem presença, Presença Intermitente, Ações de Gestão Internacional, Interesse Local-Internacional. Estas não se excluem entre si, mas sim, pelo número de ações que a cidade realiza, permite identificar a frequência e o interesse em certo tipo de ações como se podemos ver a seguir: c.1) Político - Por categoria de ações Neste momento, o governo de Belo Horizonte mostra uma fortaleza em ações de gestão in-

A congruência nos processos para a...

ternacional já consolidadas. A cidade assinou acordos e convênios de cooperação com outras cidades do mundo como: Chicago, Estados Unidos; San Salvador, El Salvador; Soyapango, El Salvador; Turim, Itália. Forma parte de algumas redes mundiais como como a AICE (Associação Internacional das Cidades Educadoras), Rede URB-AL, CIDEU, METRÓPOLIS, Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI), Cities for Mobility, Aliança Latino-americana de Cooperação entre Cidades (AL-LAS) e de organismos internacionais governamentais, como é o caso da participação da cidade na ONU-Hábitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos). Chama a atenção sua participação na rede Mercocidades com mecanismo de integração supraestatal, pois seu funcionamento que se caracteriza pela “aparição de novos atores, e a horizontalização mediante a Rede Mercocidades, dá lugar a um traçado de desenvolvimento que supera a quase exclusiva, conformação espacial e cujo principal valor está dado por um conjunto de relações multifacéticas e multinível” (Lucuix, M. 2019), de tal maneira que a lógica estadocêntrica é questionada por esta rede que opera em mais de 359 cidades em 10 países da América do Sul. Seus funcionários contam também com uma ampla experiência em ações de representação da cidade em viagens, visitas e atividades promocionais. Belo Horizonte participou, por exemplo, no evento C40 Awards em 2016, na Cidade do México, onde concorreu a este prêmio em conjunto com Paris e Nova York, a cidade conta com acordos de irmanamento com 16 cidades de 4 continentes diferentes. Portanto, tal cenário revela a ampla atuação internacional da cidade e seus diversos interesses.

1 Não há literatura disponível que estabeleça um horizonte ideal de recursos orçamentários para a operação de um escritório encarregado de assuntos internacionais. Não obstante, para a ajuda oficial ao desenvolvimento —de acordo com as Nações Unidas— o padrão de recursos destinados é de 0.7% do Produto Nacional Bruto (PNB)” Lara, R., Rúa, B. Villarruel, D. (2021). El Interés Local Internacional: Diagnóstico de una Política Pública en Construcción. Guadalajara, México. Editorial Universidad de Guadalajara. pp. 14). 2 Dados referentes a 2014 da equipe deste mesmo ano.

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TABELA IV – Político. Por categoría de ações PUNTAJE

CATEGORIA

AÇÕES

0

SEM PRESENÇA

Sem ações

1

PRESENÇA INTERMITENTE

- Viagens, visitas e atividades promocionais - Irmanamentos

2

3

AÇÕES DE GESTÃO INTERNACIONAL

- Delegações no exterior - Atenção às comunidades no exterior - Cooperação internacional e conjuntural - Assinaturas de acordos e convênios - Cooperação transfronteiriça

INTERESSE LOCALINTERNACIONAL

- Cooperação inter-regional e associacionismo setorial político - Presença em redes mundiais - Presença em organismos internacionais governamentais - Participação em processos de integração supraestatal - Cooperação transfronteiriça permanente - Delegações no exterior operantes

Fonte: Elaboração própria com base em Villarruel, et al. (2021).

c.2) Político – Por Associações com Outros Atores Para estimular a atividade internacional da cidade, o poder público de Belo Horizonte tem feito esforços em empreender ações em conjunto com outros setores da sociedade mineira1. Entidades da sociedade civil, como algu-

mas entidades do Sistema S: SEBRAE, SESC e SENAI2, já colaboraram com as secretarias de desenvolvimento econômico e de relações internacionais em projetos3 que têm a internacionalização como pauta estratégica. Com o setor empresarial em conjunto com o

1 Gentílico de quem é ou do que provém de Minas Gerais. 2 SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro y Pequenas Empresas), SESC (Serviço Comercial do Comercio), SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). 3 Exemplo: Fórum BH Global: Cidades Globais do Futuro, organizado pela Prefeitura de Belo Horizonte e SEBRAE com apoio do Projeto AL-LAs, ICLEI, ONU-HABITAT, SDSN-Brasil e Prefeitura da Cidade do México.

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setor acadêmico, é possível destacar o fato de que Belo Horizonte tenha se tornado uma das cidades latino-americanas que mais recebe eventos internacionais (FGV, 2014), o turismo de negócios tem sido coordenado com a organização da Belotur1 e participação de algumas associações empresariais como a Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), Fede-

ração da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (FAEMG), Belo Horizonte Convention e algumas universidades como a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e a Fundação Dom Cabral. Isso demonstra que as ações que são levadas pelo governo não são solitárias, estão também presentes os atores do território que tem interesses na internacionalização.

TABLA V – Por associações com outros atores (exemplo selecionado de ações) PUNTAJE

0

1

2

3

SEM PRESENÇA

PRESENÇA INTERNACIONAL

AÇÕES DE GESTÃO INTERNACIONAL

INTERESSE LOCAL- INTERNACIONAL

Empreende ações com a sociedade civil

SEBRAE-Fórum BH Global: Cidades Globais do Futuro

INTERACT-Bio

Projeto Territórios Sustentáveis

Empreende ações com o setor empresarial

INDI - Agência de Promoção de Investimento y Comércio Exterior de Minas Gerais

FIEMG-Centro Internacional de Negócios de Minas Gerais - CIN-MG

Internacionaliza BH

UFMG-Capes Print

Numies (Núcleo Mineiro de Internacionalização do Ensino Superior)

Rede Uniminas-15 universidades mineiras que buscam a internacionalização da Educação Superior de Minas Gerais

Empreende ações com as universidades

Fonte: Elaboração própria com base em Villarruel, et al. (2021)

1

Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte vinculada à SMDE.

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ELEMENTOS FUNCIONAIS Os elementos funcionais são singularidades que estão presentes nos territórios e que lhes conferem vantagens comparativas. Para o caso que nos interessa, podemos apontar que, com uma população de aproximadamente 6 milhões de habitantes em sua zona conurbada1, a região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é o centro político, financeiro, comercial, educacional e cultural de Minas Gerais. Representa 40 por cento da economia estatal e concentra 25 por cento da população mineira. Em 2020, Belo Horizonte apresentou uma taxa de desemprego da ordem de 13.6 por cento (2017, era de 11,2 por cento) abaixo da média nacional que é de 14,4 por cento (IPEA, 2020). A população economicamente ativa é de 60,4 por cento, o que a converte na região metropolitana com melhor índice neste patamar (IBGE, 2018). E o fato é que os dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Residência do IBGE, indicam que no ano de 2017 a taxa de analfabetismo em Belo Horizonte era de 2,2 por cento. Enquanto que a taxa de escolarização, entendida como a quantidade de pessoas que se encontram em instituições educacionais, era de 42,2 por cento na população de 0 a 3 anos, de 98,9 por cento na população de 4 a 5 anos, de 99,3 por cento na população de 6 a 14 anos, de 92,4 por cento na população de 15 a 17 anos, de 39,9 por cento na população de 18 a 24 anos. De alguma maneira, isso contribui para que esta cidade forme parte de uma das regiões mais industrializadas do Brasil. Por sua aportação ao PIB, trata-se do quarto munícipio mais rico desse país2. Segundo o anuário estatístico da Agencia Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), a rede rodoviária do estado de Minas Gerais, em 2008. Tem aproximadamente 274 mil quilô-

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metros, o que representa 17% do total do país. Belo Horizonte se situa na união de grandes rodovias, o que permite a integração de Minas Gerais com os maiores centros urbanos do país. Por exemplo, as distâncias de Belo Horizonte com os maiores centros urbanos do país. Por exemplo, as distâncias de belo Horizonte a algumas outras grandes capitais são: Brasília (716 km), São Paulo (586 km), Rio de Janeiro (434 km), Vitória (524 km). Com um destaque para as Rodovias Fernão Dias (BR 381), que conecta Belo Horizonte a São Paulo e a Rio de Janeiro – Belo Horizonte – Brasília (BR 040), que saindo de Belo Horizonte, por um sentido a conecta com a capital do país e pelo outro sentido a conecta com o Rio de Janeiro. A localização geográfica do estado ao interior do território brasileiro, na região Sudeste que está composta por outros três estados, São Paulo, Rio de Janeiro e Espirito Santo, excluem a Belo Horizonte de fronteiras internacionais. A distância da cidade às fronteiras mais próximas, Paraguai e Bolívia é de 1688 km e de 1530 km, respectivamente. Não obstante, a cidade conta com excelentes vias de acesso com os principais centros urbanos do Brasil3 pois a infraestrutura rodoviárias de Minas Gerais representa 17% do total do país (274 mil quilômetros em 2008 segundo a Agência Nacional de Transporte Terrestre -ANTT-). Além disso, a cidade conta com dois aeroportos em sua área metropolitana. O maior aeroporto do estado, o Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins), que se localiza no munícipio de Confins, localizado a 40 quilômetros do centro de Belo Horizonte, tem capacidade de 22.000.000 passageiros por ano. Também conta com um dos aeroportos mais tradicionais do país, o Aeroporto de Belo Horizonte/Pampulha-Carlos Drummond de Andrade, localizado a 8,3 quilômetros do centro da cidade que realiza somente voos

1 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), censo demográfico, 2010. 2 Belo Horizonte representa aproximadamente 1,46% do PIB do Brasil, na ordem de USD 16,717,688, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 2017). 3 Por exemplo, as distâncias de Belo Horizonte a algumas outras grandes capitais são: Brasília (716 km), São Paulo (586 km), Rio de Janeiro (434 km), Vitória (524 km).

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domésticos e tem capacidade para 2.000.000 de passageiros por ano1. Estas características colocam a Belo Horizonte em um cenário que lhe permite contar com elementos atrativos para sua projeção internacional. O seguimento das variáveis ILI impõe a necessidade, também, de identificar as ações relevantes realizadas por cada um dos atores setorizados (governo, empresa, sociedade civil e universidades) e agrupá-las por temáticas, assim como por destino geográfico. Isso permite contar com um mapa geral dos interesses e destino com a finalidade de correlaciona-los entre os atores e demonstrar consistência entre suas ações. Para o presente exercício do artigo, não se identifica o que citamos anteriormente por duas razões: pelas limitações no tamanho do artigo e pela disponibilidade da informação neste momento mas poderemos verificar o exercício completo no capítulo 3 da dissertação “Análise das atividades paradiplomáticas de Belo Horizonte (2005-2020) de acordo ao Índice de Interesse Local-Internacional” que está se desenvolvendo para obter o grau de mestre em Relações Internacionais dos Governos e Atores Locais na Universidade de Guadalajara (UdeG), sob autoria do autor do presente artigo. Por outro lado, os documentos que guiam a tomada de decisões do governo da cidade permitem identificar temas prioritários e atores relevantes em relação com a dimensão internacional. Para o caso de Belo Horizonte, o Plano de Governo do Município 2020, as palavras “internacional/internacionais” aparecem 16 vezes. Há uma seção que se intitula “Projeção Internacional do Munícipio de Belo Horizonte”, e somente nesta parte que as palavras “internacional/internacionais” aparecem 5 vezes em uma página que é o que se destina a esta seção. Algumas menções são referentes a 1 2

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prêmios internacionais que a cidade ganhou, como, por exemplo, o selo internacional de “Liderança em Saúde e Sustentabilidade” outorgado pelo programa Mercy for Animals. Há também menção sobre os atrativos que a cidade tem e que são reconhecidos internacionalmente, como é o caso do Conjunto Arquitetônico da Pampulha e na gastronomia, que tem na cachaça2 mineira sua maior representante. As temáticas propostas pelo plano de governo que envolvem a internacionalização estão em distintas áreas: assistência social, segurança alimentaria e cidadania; cultura; desenvolvimento econômico e turismo e se contempla o envolver distintos setores da sociedade para promover a internacionalização da cidade. Por exemplo, na área da Cultura, o desafio de pôr a cultura de Belo Horizonte no mundo se sustenta no articular tanto manifestações artísticas eruditas como populares, desde sua formação e criação até sua internacionalização, integrando projetos e ações da Prefeitura com a sociedade civil. Por sua parte na área de desenvolvimento econômico e turismo que se encontra a seção projeção internacional da cidade, pretende-se “projetar e promover Belo Horizonte Internacionalmente para seu Desenvolvimento Econômico”. Para isso se identificam quatro propostas destacadas para alcançar este objetivo, que em resume são: 1- Prospecção com consulados, câmaras de comércio, organizações internacionais, empresas e entidades que tenham interesse em investir em Belo Horizonte; 2 – Execução de acordos de cooperação técnica e financeira bilaterais e multilaterais com governos e organismos internacionais para a troca de experiências, conhecimento, tecnologias e boas práticas; participação em redes e associações internacionais de governos subnacionais. 3Promoção de Belo de Belo Horizonte como Cidade da Gastronomia, sob o selo da UNESCO, que já intitulado a Belo Horizonte como cidade-membro da rede de Cidades Criativas

Portal da INFRAERO (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), aceso em 01/12/2020. Bebida alcoólica típica de Brasil feita através da fermentação e destilação da cana de açúcar.

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neste ramo. 4- Incentivo a cadeias produtivas relacionadas à Economia Circular e Criativa1. Assim que podemos observar que a dimensão internacional é contemplada pela Prefeitura de Belo Horizonte em temáticas distintas e que também há a intenção de envolver a outros atores do território urbano, como a so-

ciedade civil, as empresas e as universidades, nos assuntos internacionais. E que o papel da SMDE e da SMARI, como podemos constatar, nesta conjuntura é de fundamental importância para que a internacionalização da cidade siga em sua trajetória de sucesso e por consequência siga conquistando novos espaços dentro e fora do território belo-horizontino.

TABLA VI – Documentos de Planeación

PLANO DIRETOR DE PLANEJAMENTO

Plano de Governo do Munícipio de Belo Horizonte de 2020

TEMÁTICA

DIMENSÃO INTERNACIONAL

Assistência social, segurança alimentar e cidadania

A cidade recebeu o selo internacional de Liderança em Saúde e Sustentabilidade – eixo particular.

Cultura

Cultura de Belo Horizonte do mundo e para o mundo. Articulando manifestações artísticas, desde sua formação e criação até sua internacionalização - eixo particular.

Desenvolvimento econômico e turismo

A internacionalização como estratégia de projeção internacional da cidade eixo transversal ao Plano.

Oficina de segundo o tercer nivel Fonte: Elaboração própria com base em Villarruel, et al. (2021) e no Plano de Governo do Município de Belo Horizonte de 2020

1

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Belo Horizonte. Plano de Governo, 2020.


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CONCLUSÕES PRELIMINARES O surgimento das cidades como atores das relações internacionais ainda é um fenômeno pouco estudado na disciplina das relações internacionais, onde ainda há uma predominância da lógica estatocéntrica, que evidencia o comportamento do Estado-Nação nas análises da conjuntura geral desde campo de estudo das ciências sociais. Acuto (2013) afirma que as cidades e as aglomerações humanas revelam a evolução do comportamento social. Em outras palavras, o autor apresenta às cidades como atores políticos de importância no cenário global e sua relevância para a disciplina das Relações Internacionais. Isso porque, segundo esse autor, é evidente que as cidades têm influenciado a maneira como os Estados tem se comportado no cenário global. O exercício proposto neste artigo, consonante com os estudos paradiplomáticos, tenta fazer uma aproximação da aplicação do modelo do Interesse Local-Internacional (ILI), com a intenção de observar os processos de internacionalização que Belo horizonte tem executado ao longo dos últimos anos. A utilização do modelo a profundidade se verá no capítulo 3 da dissertação intitulada “Analise das atividades paradiplomáticas de Belo Horizonte (2005-2020) de acordo ao Índice de Interesse Local-Internacional (ILI) ” que está desenvolvendo o primeiro autor deste artigo para obter o grau de Mestre em Relações Internacionais dos Governos e Atores Locais na Universidade de Guadalajara (UdeG). Através deste artigo, pudemos utilizar uma metodologia que permitiu dar um panorama que reflete a conjuntura das ações internacionais da mencionada cidade. Ao verificar os elementos estruturais podemos constatar que a internacionalização de Belo Horizonte tem sido um exercício que tem base jurídica, institucional e política consistentes, que tem possibilitaram o agir internacional de Belo Horizonte de maneira sólida

A congruência nos processos para a...

nos últimos anos. E que os elementos funcionais, por sua parte, também conformam um cenário favorável que possibilita que as atividades paradiplomáticas da cidade possam prosseguir ao longo do tempo. A internacionalização das cidades é um processo que se tem levado a cabo, principalmente nas últimas duas décadas e que se tem consolidado cada vez mais como uma política pública de interesse dos tomadores de decisão, de tal maneira que pudemos averiguar que, no plano do Governo da Cidade, a dimensão internacional além de abarcar distintas temáticas, também foi comtemplada em um tópico exclusivo sobre a projeção internacional do munícipio de Belo Horizonte. É importante também ressaltar o papel que tem exercido a Secretaria Municipal Adjunta de Relações Internacionais (SMARI) que tem conseguido catalisar o agir internacional de outras instituições, empreendendo ações com entidades da sociedade civil, com o setor empresarial e com universidades. De tal forma que inclusive a própria vinculação da SMARI com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE), tem possibilidado que a estratégia de internacionalização por parte do poder público de Belo Horizonte esteja agindo em consonância com a proposta de desenvolvimento da cidade. Cabe ressaltar que a internacionalização das cidades é um fenômeno que está crescendo, a projeção internacional através de distintas formas, desde os incipientes irmanamentos até a influência em tópicos da agenda global ao participar de redes de cidades como é o caso da C40, por exemplo, é uma realidade inerente à atual fase da globalização que estamos vivendo. A contribuição deste artigo foi a de aproximar um diagnóstico nos processos de internacionalização de Belo Horizonte utilizando um método que ainda não havia sido utilizado, o ILI. A internacionalização das cidades é, sob este cenário, um processo em constante movimento, onde buscar as parti-

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cularidades do contexto em que a cidade está inserida em seu âmbito nacional em conjunto com o papel que ela exerce (ou pode exercer) a nível global, é uma das propostas do ILI, que busca assim, identificar essa conjuntura local observando o agir internacional. Portanto, se, por um lado, para o caso de Belo Horizonte, através da aplicação do ILI, podemos verificar, que há esforços que visam coordenar a internacionalização da cidade, com participação de distintos setores da sociedade, por outro lado, é importante ressaltar que faltam outros estudos de caso referenciando a mesma metodologia. Desta forma, poderíamos alcançar a ter elementos de comparação entre diferentes cidades, de diferentes países, sob diferentes circunstâncias, para que consigamos efetuar uma pesquisa mais ampla sobre a congruência nos processos de internacionalização de atores locais, contribuindo assim para que haja mais estudos referentes ao fenômeno da paradiplomacia.

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Ramon Cristiano Bonifacio Bolsista CONACYT no Mestrado em Relações Internacionais dos Governos e Atores Locais da Universidade de Guadalajara. Bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Responsável pelo estande do Brasil na FIL (Feira Internacional de Livros de Guadalajara), edições 2017, 2018 e 2019. Mail: ramon.bonifacio9560@alumnos.udg.mx

Daniel Villarruel Reynoso Doutor em Estudos Internacionais pela Universidade do País Vasco. Membro da Conselho Acadêmico do Mestrado em R Relações Internacionais dos Governos e Atores Locais e responsável da Comissão de Pesquisa e Publicações do Conselho do Departamento de Estudos Internacionais da Universidade de Guadalajara. É membro fundador da Rede de especialistas em Paradiplomacia e Internacionalização Territorial (REPIT). Suas áreas de pesquisa são paradiplomacia, atores e interesses locais nas relações internacionais, interesse local internacional, governança. Mail: daniel.vreynoso@academicos.udg.mx

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

Ramon Cristiano Bonifacio / Daniel Villarruel Reynoso

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PARADIPLOMACIA – EM TEMPOS DE COMBATE À PANDEMIA DA COVID-19 - ALTERNATIVA OU FRAGILIDADE DO FEDERALISMO BRASILEIRO Chyara Sales Pereira / Luiza Farnese Lana Sarayed-Din

Abstract The redefinition of the role of the State, as a consequence of the changes underway in the international system since the end of the Cold War, gave the city a new role both internally and externally. If before, in the context of the Cold War and Fordist production, international relations were the exclusive competence of the national government, today cities use their own resources to launch themselves internationally. However, their insertion strategies cannot go beyond the attributions and limits of foreign policy, which are exclusive to the sovereignty of the National State. Thus, this article seeks to understand how the role played by subnational units in the implementation of contingency policies for the Covid-19 pandemic signals weaknesses in Brazilian federalism. KEY-WORDS: Covid-19 pandemic, federalism, paradiplomacy.

@chaarlotteborges

Resumen La redefinición del papel del Estado, como consecuencia de los cambios en el sistema internacional desde el fin de la Guerra Fría, otorgó a la ciudad un nuevo papel tanto a nivel interno como externo. Si antes, en el contexto de la Guerra Fría y la producción fordista, las relaciones internacionales eran competencia exclusiva del gobierno nacional, hoy las ciudades utilizan sus propios recursos para lanzarse al escenario internacional. Sin embargo, sus estrategias de inserción no pueden ir más allá de las atribuciones y límites de la política exterior, que son exclusivos de la soberanía del Estado Nacional. Así, este artículo busca comprender cómo el papel de las unidades subnacionales en la implementación de políticas de contingencia para la pandemia Covid-19 señala las debilidades del federalismo brasileño. Palabras clave: Pandemia Covid-19, federalismo, paradiplomacia.

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PARADIPLOMACIA – EM TEMPOS DE COMBATE À PANDEMIA DA COVID-19 - ALTERNATIVA OU FRAGILIDADE DO FEDERALISMO BRASILEIRO Chyara Sales Pereira / Luiza Farnese Lana Sarayed-Din

Resumo A redefinição do papel do Estado, como consequência das alterações no sistema internacional desde o fim da Guerra Fria, conferiu à cidade um novo papel tanto no plano interno quanto no externo. Se antes, no contexto de Guerra Fria e produção fordista, as relações internacionais eram de competência exclusiva do governo nacional, hoje as cidades utilizam recursos próprios para lançar-se no cenário internacional. Contudo, suas estratégias de inserção não podem ultrapassar atribuições e limites da política externa, privativos do Estado-Nacional. Assim, este artigo busca entender como o protagonismo desempenhado pelas unidades subnacionais na implementação de políticas de contingenciamento à pandemia da Covid-19 sinaliza fragilidades do federalismo brasileiro. Palavras-chave: Pandemia da Covid-19, federalismo, paradiplomacia.

INTRODUCCIÓN

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iversas estratégias de articulação, implementadas a partir de unidades subnacionais em direção a atores internacionais, podem ser observadas nos dias de hoje. Esse fenômeno não é recente, mas no Brasil, especificamente, em função de um conjunto de elementos, tornou-se objeto constante de discussões que vão além do campo de conhecimento das Relações Internacionais. Assim, o presente artigo tem como objetivo geral entender de que modo o papel desempenhado pelas unidades subnacionais na implementação de políticas de contingenciamento à pandemia da Covid-19 ao longo do ano de 2020 pode evidenciar fragilidades do presidente Jair Messias Bolsonaro em assegurar o pacto federativo. A hipótese que guia o trabalho é a de que o crescimento do diálogo internacional das unidades subnacionais, aproximando-se do conceito de protodiplomacia, pode sugerir limitações da capacidade do Governo Federal na manutenção do pacto federativo e na capacidade de garantir gover-

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nabilidade das relações intergovernamentais e suas respectivas agendas. Para tanto, pretendemos, a partir de uma revisão da literatura clássica, analisar a atividade internacional implementada por algumas unidades subnacionais no Brasil em 2020, no período marcado por ações de intervenção devido à pandemia de Covid-19. Nesse raciocínio, três experiências distintas são analisadas: a primeira diz respeito ao consórcio de nove estados do nordeste, a segunda refere-se ao estado do Maranhão e a terceira ao estado de São Paulo. A escolha desse recorte foi guiada por revelar aspectos limitadores na utilização dos conceitos de paradiplomacia e protodiplomacia, conforme discorreremos a seguir, além de ter nos possibilitado entender quais são os principais elementos que marcam a governabilidade do Presidente Jair Messias Bolsonaro das relações intergovernamentais. Reconhecemos que o universo de análise é limitado e não nos permite universalizar generalizações para toda e qualquer atividade internacional brasileira no período recortado. Portanto, produziremos um argumento


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ensaístico para lançar luz a um conjunto de ações em curso que deve ser refletido em função do contexto do qual faz parte. Considerando o objetivo destacado, este estudo visa discutir como vem se desenhando a atuação internacional das unidades subnacionais. O intuito é identificar o dilema de ação que isso tem provocado no âmbito estrutural das unidades envolvidas. Para tanto, primeiramente faremos uma análise das transformações que acometeram o sistema internacional e que, em função disso, viabilizaram a atuação internacional das unidades subnacionais. Após essa discussão, seguiremos para uma breve reflexão de como a cidade mobiliza instrumentos para atuação internacional. No item final, debateremos esses dois níveis de análise à luz de conceitos do campo das Relações Internacionais e da Ciência Política, com o objetivo de entender, a partir de suas circunstâncias, os caminhos que levaram São Paulo, Maranhão e o Consórcio Nordeste a adotar diálogos internacionais na contenção da pandemia da Covid-19.

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O SISTEMA INTERNACIONAL E AS BRECHAS ABERTAS PARA AS UNIDADES SUBNACIONAIS Podemos dizer que, a partir dos anos 1970, o ambiente internacional é marcado por uma simbiose crescente entre as esferas doméstica e externa e que ações empreendidas na segunda são refletidas na primeira e vice-versa. As transformações econômicas, políticas e sociais que o mundo enfrentou levaram à emergência de novos atores internacionais – organismos multilaterais, ONGs (Organizações Não Governamentais), corporações transnacionais, grupos terroristas e de traficantes de drogas, religiões universais, usuários de telecomunicações etc. –, constituindo um rol de relações diferentes daquelas até então empreendidas pelo Estado. Os efeitos desse processo sobre as relações internacionais podem ser resumidos no seguinte: [...] (1) mudanças de atitudes, (2) pluralismo internacional, (3) aumento nos constrangimentos nos Estados através da dependência e da interdependência, (4) aumento na habilidade de certos governos em influenciar outros, e (5) a emergência de atores autônomos com política externa privada que podem deliberadamente opor ou infringir nas políticas estatais. Nossa categorização não pretende ser exaustiva ou definitiva, mas é melhor designada sistematicamente para sugerir alguns efeitos das relações transnacionais em políticas interestatais (Keohane e Nye, 1971: 553-554)1. Nessa linha de raciocínio, as relações internacionais estariam transitando de uma ordem hierarquizada a partir dos interesses de au-

1 No original: “(1) attitude changes, (2) international pluralism, (3) increases in constraints on states through dependence and interdependence, (4) increases in the ability of certain governments to influence others, and (5) the emergence of autonomous actors with private foreign policies that may deliberately oppose or impinge on state policies. Our categorization does not pretend to be exhaustive or definitive but is rather designed systematically to suggest some effects of transnational relations on interstate politics”.

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topreservação dos Estados, como defendia o realismo político, para a constituição de um ambiente interativo mais amplo. Ou seja, um espaço de interação entre atores estatais e/ ou não estatais, em que o conflito, inerente à anarquia sistêmica, passa a ser constrangido por normas e valores que criam padrões de ação disciplinadores do comportamento dos agentes. Nessa nova configuração da ordem internacional, emergem outros parâmetros orientadores para a ação daqueles que nela se projetam. Esses derivam-se da importância de fatores jurídicos, ambientais, econômicos, comerciais etc. De certa maneira, o ambiente torna-se passível de transformações gradativas, já que os temas que se expressam do ponto de vista global constrangem a guerra de todos contra todos, característica marcante dos Estados na preservação de seus interesses. As interações internacionais adquirem a capacidade de construir formas efetivas de cooperação originadas, por exemplo, da intensificação do comércio exterior, das trocas econômicas e simbólicas entre nações, bem como de intercâmbios da mais variada ordem entre os atores (Galvão, 1993; Vigevani et al., 1994). No novo quadro, duas novas modalidades de relação acrescem àquelas de caráter interestatal – advindas do intercâmbio entre Estados: a transgovernamental – efetuada por organismos de Estado, mas sem a prerrogativa tradicional de política externa – e a transnacional – oriunda de atores não estatais, como corporações econômicas, bancos, investidores privados, organizações sindicais, intragovernamentais e não governamentais etc (Keohane e Nye, 2000). Assim, as transformações geradas com o processo de adensamento das redes de interdependência social terminam por im-

por uma nova dinâmica às Relações Internacionais, marcada pela emergência de novos atores que suplementam a ação dos Estados Nacionais e, em larga medida, condicionam seu comportamento. O certo é que o adensamento de tais redes – que terminou por oferecer feições globais a um mercado de bens e serviços até então marcado pela mediação do Estado Nacional1 – assinalou a emergência de um conjunto de oportunidades para a projeção internacional de atores não-estatais ou de unidades subnacionais. A multiplicidade de relações que passam a operar no cenário internacional favorece a criação de estratégias de cooperação baseadas na interdependência econômica, política, social e cultural crescente entre os agentes. Os atores, estatais ou não-estatais, tendem a formar regimes estáveis de interação derivados de interesses que se interpenetram e exigem respostas comuns, não mais individualizadas a partir da supremacia de um ou mais agentes. No caso específico das unidades subnacionais, a articulação internacional acontece por meio de uma série de instrumentos: representações em países estrangeiros; missões comerciais, científicas ou culturais; acordos de cooperação bilateral; operações de crédito; e projetos de cooperação técnica (Balthazar, 1993; Philippart, 1998; Lecours, 1992). Embora a ocorrência tenha se multiplicado no contexto descrito anteriormente, não se trata de fenômeno recente, já que desde a década de 1950 estados da federação estadunidense realizam atividades no exterior com vistas à promoção comercial e à atração de investimentos (Lecours, 1992). Em uma perspectiva geral, pode-se dizer que dois conceitos foram desenvolvidos para nomear a ação externa das unidades subnacionais no âmbito das discussões das Relações

1 Conforme a percepção de Brühl e Rittberger, desde a década de 1980 três processos concorreram para a transformação das Relações Internacionais: 1) revolução tecnológica, 2) globalização econômico-social e 3) fim da Guerra Fria. Conjugados, os três processos terminaram por deslocar a centralidade do Estado Nacional no que concerne ao controle dos fluxos econômicos e sociais que atravessam seu território, dando azo à emergência de novos atores que passaram a desempenhar papéis relevantes na economia e na política internacionais (Brühl e Rittberger, 2001).

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Internacionais. O primeiro é paradiplomacia1. Conforme indica Prado (2018), existem controvérsias a respeito do termo paradiplomacia ter sido cunhado pela primeira vez por Duchacek e Soldatos (1990), pois, segundo ela, o autor Rohan Butler, em 1961, já o teria utilizado para se referir à atividades extra-oficiais ou secretas. Contudo, Duchacek e Soldatos teriam sido os primeiros autores a empregar o conceito com fins de discutir a atuação internacional de unidades subnacionais. Em trabalhos subsequentes, Duchacek (1990) replicou esse uso, reconhecendo sua aplicação às atividades desenvolvidas pelos governos subnacionais de forma paralela à diplomacia central – ou seja, “atividades paralelas, complementares ou conflitivas em relação à diplomacia central” (Duchacek, 1990: 32)2. O segundo conceito é protodiplomacia, utilizado para designar aquelas atividades internacionais que contrariam os interesses nacionais. Keating (2004) qualifica a protodiplomacia como atividade desestabilizadora que pode até ser ilegítima e perigosa para a unidade do governo federal. Paquin e Lachapelle (2005) vão além e dizem que a protodiplomacia é um tipo primitivo de diplomacia com finalidade separatista. Segundo eles, isso significa que a unidade subnacional faz uso dessa estratégia com a finalidade de conquista de independência, sendo o Quebec, província do Estado do Canadá, um dos casos exemplares de tal situação. No entanto, mesmo que a ação paradiplomática tenha sido nominada por Soldatos e Duchacek nos idos da década de 1990, o conceito ainda desperta discussões no campo das Relações Internacionais. Além de ser domínio clássico dos Estados Nacionais ou dos governos centrais das federações, há uma enorme variação dos tipos de atividades internacionais desenvolvidas, bem como a relação com

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o executivo, detentor da prerrogativa em sua origem. Esse fato oferece dificuldades à aplicação pura do termo no entendimento de realidades recortadas. Nessa lógica, em artigo publicado, Prado (2018) argumenta de forma assertiva uma questão metodológica atribuída à ampla utilização tanto do conceito de paradiplomacia quanto protodiplomacia. Segundo a autora, existem realidades, principalmente no cenário brasileiro, que não correspondem à plenitude do conceito de paradiplomacia. Contudo, também não podem ser denominadas de forma alguma como uma espécie de protodiplomacia. No presente estudo, compartilhamos do entendimento das limitações de ambos os conceitos, quando aplicados à cena que temos à frente, cujos atores são as subunidades brasileiras. Nesses termos, podemos levantar uma primeira discussão de que, na prática, a realidade contemporânea está alterando amplamente os referenciais teóricos e os ordenamentos constitucionais, moldando novas relações entre Estado Federal e suas unidades constituintes. “O Estado-Nação tradicional vê, desta forma, sua soberania esmaecida por agentes externos e também internos” (Kugelmas e Branco, 2005: 168). Existem evidências de Estados-Nação que, diante desse novo fenômeno, estão desenvolvendo alternativas. Por exemplo, “com sua reforma constitucional de 1994, a Argentina permitiu uma inédita amplitude de ação externa de sua províncias” (Kugelmas e Branco, 2005: 178). Para alguns autores, a Argentina teria adquirido uma dinâmica de “desfederalização” por causa dessa transformação constitucional. No caso brasileiro, diferentemente, notamos uma centralização maior decorrente do próprio perfil de seu federalismo. No entan-

1 No entanto, conforme indica Prado (2018) em seu texto, existem controvérsias a respeito do termo paradiplomacia ter sido cunhado pela primeira vez por Duchacek e Soldatos (1990), pois, segundo ela, o autor Rohan Butler, em 1961, já o teria utilizado para se referir a atividades extraoficiais ou secretas. Duchacek e Soldatos teriam sido os primeiros autores a empregar o conceito com fins de discutir a atuação internacional de unidades subnacionais. 2 A esse respeito, veja-se também Michelmann e Soldatos (1990) e Aldecoa e Keating (1999).

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to, a inserção independente de suas unidades subnacionais motivou o Estado Federal a criar uma agência para conhecer e controlar as ações autônomas externas de seus entes federados, a Subchefia de Assuntos Federativos (SAF). Esse é um “órgão que se destina a fazer a interface entre um dado ministério, os governos estaduais e municípios com o objetivo de melhor captar os interesses e as ações das unidades federadas na formulação da política externa” (Kugelmas e Branco, 2005: 181). Segundo Prazeres (2004), considerando a realidade brasileira, em função do crescente interesse das unidades subnacionais em estabelecer vínculos econômicos internacionais, tornou-se necessária a busca de alternativas conciliadoras para viabilizar tais projetos sem que sejam usurpados os limites constitucionais existentes. De forma geral, por mais que houvesse casos de projeção e cooperação internacional, como verificado entre as unidades federadas dos Estados Unidos, o modelo ainda se concentrava no Estado. A arquitetura internacional construída após a Segunda Grande Guerra valorizava as unidades políticas centrais como atores preponderantes no cenário internacional. A bipolaridade ideológica da Guerra Fria e a luta por ampliação e manutenção de zonas de influência entre as principais potências reforçavam o papel dos Estados, já que as relações entre eles eram sempre permeadas pela manutenção da segurança, algo que é prerrogativa estatal exclusiva. Projetos como a cooperação para o desenvolvimento das Nações Unidas eram orientados diretamente aos Estados e sempre na perspectiva de diminuir as desigualdades e promover a modernização. O intuito subjacente era o de reduzir conflitos, mantendo-se, dessa forma, a estabilidade sistêmica e favorecendo o provimento de segurança estatal. Contudo, a interdependência interestatal e intersocial, combinada à extrema importância que as trocas de bens de variada ordem

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adquiriram no cenário internacional após a Guerra Fria, favoreceu a negociação entre os agentes, inibindo a ameaça de uso da força para a realização de interesses e objetivos. Ao mesmo tempo, novos temas da agenda internacional – questões culturais, sociais e técnico-científicas, bem como o desenvolvimento e o subdesenvolvimento, fome, explosão demográfica, exploração de recursos naturais, direitos humanos e, recentemente, crises de saúde global – passaram a exigir, cada vez mais, a formação de consensos entre diferentes agentes, e não mais apenas entre Estados, na solução desses problemas comuns. Isso, de forma crescente, deslocou a centralidade do Governo Federal na condução de processos internacionais, abrindo espaço para que as unidades subnacionais, envolvidas com os problemas acima identificados, também se projetassem no ambiente externo. Em comum, esses novos atores das Relações Internacionais guardam o fato de habitarem um ambiente multicêntrico que convive em paralelo com o mundo centrado nos Estados Nacionais (Rosenau, 1990). Tal arena de articulação é circunscrita pelo caráter não soberano de agentes não-estatais que, embora articulados com outros estrangeiros e mesmo com organismos e agências internacionais, não se constituem tout court em sujeitos do direito internacional. Com efeito, as Relações Internacionais são o domínio clássico dos Estados Nacionais ou dos governos centrais das federações, e a projeção externa dos atores subnacionais é dependente do modelo de organização dos primeiros. Nesse sentido, modelos federativos largamente descentralizados, a exemplo do estadunidense, outorgam às unidades federadas grande autonomia para a condução de suas operações no ambiente internacional. No caso brasileiro, a União tem competência exclusiva na manutenção de relações com países estrangeiros (Brasil, 2003), pois o modelo federativo opera a transferência da soberania externa de suas unidades ao poder central que representa a federação no


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ambiente internacional. Ainda que esse sistema dificulte a projeção direta das unidades subnacionais do país, isso não as tem impedido de atuar cada vez mais no cenário externo, uma vez que existem fatores sistêmicos que acabam forçando a internacionalização. Paradoxalmente, na medida em que os Governos Centrais se deparavam com problemas de financiamento e de implantação de políticas centralizadas de crescimento econômico, as unidades subnacionais, que sofriam diretamente os efeitos negativos da interdependência, eram também obrigadas a resolver os problemas locais com os quais se defrontavam. A extrema articulação do local e do global obrigava os governos subnacionais a dar respostas eficazes às crises que se viam obrigados a administrar e equacionar diante da inoperância da esfera federal. O resultado foi a crescente transformação de cidades e estados em agentes de desenvolvimento impelidos a captar recursos externos para financiar suas políticas e solucionar seus problemas. Houve um crescimento de sua projeção internacional devido a essa nova percepção de papéis. As unidades subnacionais passaram a criar um aparato institucional, na forma de assessorias, superintendências ou secretarias, destinado a induzir a cooperação internacional, captar recursos externos ou canalizar investimentos para o espaço regional ou local1, conforme observado na citação a seguir:

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sua intensificação e a vontade de agir mais organizadamente do que até então. De modo semelhante ao que ocorre em nível central, nessa era de fluidez de contatos o corrente é que os distintos órgãos dos governos subnacionais (secretarias, departamentos etc.) mantenham contatos com órgãos equivalentes ou com outros interlocutores no exterior; mesmo assim – e cada vez mais –, a existência de uma instância não monopolizadora, porém coordenadora da ação exterior do governo, é uma das principais ferramentas paradiplomáticas com que se conta. Todos os governos centrais e regionais com atividade internacional significativa dispõem de uma estrutura institucional que coordena ou trata de coordenar as relações exteriores (Salomón e Nunes, 2007: 105).

Tal como se costuma assinalar, a criação de uma estrutura institucional específica de relações internacionais no aparato administrativo de um governo subnacional denota não o começo de uma atuação internacional, mas 1 “Tal como se costuma assinalar, a criação de uma estrutura institucional específica de relações internacionais no aparato administrativo de um governo subnacional denota não o começo de uma atuação internacional, mas sua intensificação e a vontade de agir mais organizadamente do que até então. De modo semelhante ao que ocorre em nível central, nessa era de fluidez de contatos o corrente é que os distintos órgãos dos governos subnacionais (secretarias, departamentos etc.) mantenham contatos com órgãos equivalentes ou com outros interlocutores no exterior; mesmo assim – e cada vez mais –, a existência de uma instância não monopolizadora, porém coordenadora da ação exterior do governo, é uma das principais ferramentas paradiplomáticas com que se conta. Todos os governos centrais e regionais com atividade internacional significativa dispõem de uma estrutura institucional que coordena ou trata de coordenar as relações exteriores.” (Salomón e Nunes, 2007: 105)

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS, UNIDADES SUBNACIONAIS E FEDERALISMO Ao conhecermos as molduras constitucionais, as experiências e práticas dos países federados, deparamo-nos com uma inesperada diversidade. Considerando a estrutura do Estado – um dos componentes essenciais de toda a Constituição –, existem Estados federais com alta, média e baixa descentralização. O grau de descentralização depende de vários fatores – de natureza histórica, cultural, linguística ou étnica –, ligados ou não à maneira como se constituiu o federalismo (por agregação ou segregação). O princípio maior para definição de um Estado federado é a existência de partes com poder de decisão (Rocha, 2012). Uma característica central do federalismo é garantir simultaneamente a unidade e a diversidade. Ao mesmo tempo em que envolve uma unidade de partes que pactuam uma ação comum, estabelece um espaço para a afirmação dos valores e interesses de cada uma delas. Nesse sentido, o federalismo é fundado em uma ambiguidade, já que a dimensão da unidade se estabelece no contexto da diversidade (Rocha, 2012: 9). No Brasil, os municípios exercem papel fundamental nas relações intergovernamentais. Existem várias discussões em torno dos mecanismos institucionais que garantem autonomia para os governos intermediários e locais ou, em outras palavras, que têm a função de center-constraining (Anderson, 2009; Stepan, 1999; Baldi, 1999; Rocha, 2012)1. Tais recursos são: uma Constituição definidora do pacto federativo e um poder Judiciário com capacidade de dirimir conflitos intergovernamentais; distribuição na autonomia de legislar e de funções, tomando como exemplos as políticas de saúde, educação e meio-am-

biente, e distribuição da autonomia fiscal e administrativa entre as esferas de governo. Tudo isso se reflete na maneira como se dá a formulação de políticas públicas da saúde e da educação, colocando em foco a capacidade de coordenação do governo central e o indicador da distribuição federativa das prerrogativas com relação ao processo decisório de políticas públicas, incluindo suas bases fiscais e administrativas. O Brasil tem importante experiência de relações intergovernamentais em três áreas: federalismo fiscal, saúde e educação. Em todas essas vivências práticas acumuladas, diferentes entre si, as características comuns são: 1) a União exerce algum papel de coordenação, mas os estados e municípios guardam seu espaço de autonomia e de poder decisório sobre suas opções de políticas públicas, e 2) a existência de um alto grau de relacionamento técnico entre as partes envolvidas (Rocha, 2012). Podemos observar que as bases para as relações intergovenamentais nessas agendas são claras. No que se refere à agenda internacional, há um entendimento – e uma prática política – de que os governos subnacionais podem atuar internacionalmente no âmbito de sua autonomia federativa. Isso significa que eles podem operar no campo balizado de suas competências constitucionais expressas, sendo elas exclusivas ou comuns, desde que não contrariem o interesse nacional ou invadam a seara da alta política (high politics), isto é, o núcleo duro das Relações Internacionais do Estado. Pode-se tomar como parâmetro as relações diplomáticas e consulares, o reconhecimento de Estado e de governo, e o campo da defesa, como sustenta parte da literatura especializada no Brasil (Vigevani et al., 2004; Rodrigues, 2004). No entanto, acerca da formulação da agenda internacional, não há mecanismos intergovernamentais. O Senado Federal – que representa

1 Isso diz respeito a mecanismos de restrição do centro de poder, conforme será detalhado posteriormente.

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os estados federados de maneira homogênea e simétrica, cada qual com três cadeiras – não funciona como espaço de relações intergovernamentais, à maneira, por exemplo, do Bundesrat alemão. Ou seja, não atua como uma Casa em que os estados e os municípios dialogam e decidem sobre ações coordenadas e cooperativas em temas comuns. O Senado, no Brasil, é mais fiscalizador e autorizador de políticas públicas. No campo das relações exteriores, a agenda da Câmara Alta se concentra em aprovar tratados internacionais, autorizar operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) e avalizar as indicações de chefes de missão diplomática permanente. Registre-se que tudo isso é feito sem nenhuma tradição de debate público sobre o impacto da agenda internacional no cotidiano dos estados federados e dos municípios ou mesmo na vida do país (Rodrigues, 2004). Ainda assim, desde a posse do Presidente Jair Messias Bolsonaro (2019), certos elementos relativos à composição das relações intergovernamentais no federalismo brasileiro no que diz respeito, prioritariamente, à saúde e à educação, como discutido acima, sinalizam algumas transformações. O entendimento disso e de suas implicações para atuação local e internacional das unidades subnacionais brasileiras no contexto de contingenciamento da pandemia de Covid-19 é objeto do próximo item.

FEDERALISMO BOLSONARISTA, PARADIPLOMACIA E A PANDEMIA DE COVID-19 As relações internas e internacionais do Executivo federal brasileiro passaram por acentuadas redefinições desde a posse do Presidente Jair Bolsonaro em 2019. No entanto, esse processo foi realçado com o anúncio da pande-

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mia em março de 2020, intensificando-se ainda mais ao longo do ano, particularmente no que se refere à agenda da Saúde. Se o primeiro ano de governo do referido presidente já revelava a implementação do que Abrucio et al. (2020) denominam como Federalismo Bolsonarista, ou seja, uma “menor participação da União na redução de desigualdades territoriais e no apoio a governos subnacionais, além da postura centralizadora e hierárquica nas questões de impacto nacional” (Abrucio et al., 2020: 663). Tradicionalmente, na distribuição de funções, cabe à União o financiamento e a formulação da política nacional de saúde, bem como coordenação das ações intergovernamentais. Isto significa que o governo federal – isto é, o Ministério da Saúde – tem autoridade para tomar as decisões mais importantes nesta política setorial. Neste caso, as políticas implementadas pelos governos locais são fortemente dependentes das transferências federais e das regras definidas pelo Ministério da Saúde. Em outras palavras, o governo federal dispõe de recursos institucionais para influenciar as escolhas dos governos locais, afetando sua agenda de governo (Arretche, 2000: 22). Posto isso, o que aconteceu no Brasil a partir de março de 2020, após a declaração da Organização Mundial de Saúde da situação de pandemia vivenciada por todo o mundo, foi um movimento contrário e relativamente sui generis na relação Executivo/Ministério da Saúde/governos locais. A posição negacionista do Presidente da República a todas as recomendações prescritas pela OMS1 para adoção de estratégias de contenção da pandemia – como a adoção da política de detecção, teste, tratamento, isolamento e rastreamento – gerou uma esquizofrenia institucional. Havia de um lado o discurso do Presidente da República e,

1 OMS, “WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 – 11 March 2020” [on-line], 11 de março de 2020, <https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020> [Consulta: 27 de fevereiro de 2021].

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do outro, contrariando-o, o discurso do Ministério da Saúde, o que deixou os governos locais indecisos quanto a qual prescrição seguir. Essa divergência discursiva foi o primeiro ponto de polarização política no âmbito da pandemia de Covid-19 e talvez o mais grave, sendo também a primeira nuance de que a doença ganhava um contorno político nas mãos do executivo. Isso chamou atenção do mundo inteiro e despertou preocupação de todos os poderes, mas principalmente do próprio Ministério da Saúde, que, pelo pacto federativo, é o grande responsável pela coordenação das relações intergovernamentais que envolvem qualquer agenda relativa à saúde. A pasta se viu diante de uma situação dilemática: seguir o discurso do executivo ou as recomendações científicas que embasavam o discurso da OMS? Optou-se pelo segundo curso de ação e, para respaldar as unidades subnacionais em seus processos dissidentes no plano local, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a competência concorrente dos estados, Distrito Federal e União no combate à Covid-191. Nesse cenário, a paradiplomacia brasileira – se considerarmos a dimensão da ação como uma diplomacia paralela àquela implementada pelo governo federal –, ou protodiplomacia – se consideramos a ação na dimensão que “fere” ou contraria os interesses do governo federal –, tornou-se um frequente recurso no enfrentamento das questões sanitárias, econômicas e sociais locais. Diferentes entes subnacionais ampliaram o diálogo internacional na busca independente e muitas vezes concorrente de recursos para minimização dos impactos da pandemia em seus respectivos espaços locais. O Consórcio Nordeste, por exemplo, em março de 2019, além de criar um comitê científico para auxiliar os gestores dos nove estados da região na tomada de decisão

qualificada e alinhada com organismos internacionais (Rossi e Silva, 2020), escreveu uma carta para o embaixador chinês no Brasil. Nela o grupo reconheceu a vitória do país asiático no combate à pandemia e solicitou todo auxílio possível (Consórcio Nordeste, 2020). Tal movimento, cabe ressaltar, ocorreu no mesmo momento que o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, afirmou em rede social2 que a pandemia era responsabilidade da China em tom pejorativo e antidiplomático. Outro exemplo marcante da região Nordeste é o caso do Maranhão que, para além do fato de ter promovido todo o diálogo independente com a China na aquisição de 107 respiradores e 200.000 máscaras, teve que enfrentar pirataria internacional e conflitos internos com a alfândega brasileira para finalizar um processo que demandou três tentativas – e rotas – distintas para que o material emergencial chegasse ao estado. Como nas duas primeiras rotas aéreas o material comprado foi confiscado respectivamente pelos EUA e Alemanha, o estado do Maranhão organizou a logística de entrega a partir da Etiópia, fazendo a aduana necessária apenas com os respiradores já em solo maranhense e evitando, assim, o confisco dos mesmos pelo Governo Federal – conforme havia sido anteriormente anunciado pelo presidente Bolsonaro (Alvarenga et al., 2021). Finalmente, há o caso do estado de São Paulo, trazido aqui para enfatizar não só o papel de destaque das ações paradiplomáticas no enfrentamento da Covid-19, mas também a utilização política da pandemia a partir dos conflitos entre a União e seus entes federados. Das diversas ações de diálogo do estado com o governo chinês, destaca-se a cooperação entre a farmacêutica Sinovac Life Science e o Instituto Butantan, o que culminou na produção da primeira vacina CornonaVac em solo bra-

1 Supremo Tribunal Federal, “STF reconhece competência concorrente de estados, DF, municípios e União no combate à Covid-19” [on-line], Brasília, DF, 15 de abril de 2020, <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441447&ori=1> [Consulta: 08 de fevereiro de 2021]. 2 Bolsonaro, E. Twitter [on-line], São Paulo, 2020, <https://cutt.ly/Of6onqN> [Consulta: 27 de fevereiro de 2021].

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sileiro em janeiro de 2021. Especificamente por causa da utilização de insumos chineses na produção da vacina, o cenário de conflitos entre o governador de São Paulo João Dória e o presidente Bolsonaro materializou-se em frequentes trocas de mensagens públicas, além de críticas institucionais à “vacina chinesa”1. Em meio a tais conflitos, cabe sublinhar a presença do Secretário de Relações Internacionais em grande parte das coletivas semanais de imprensa do estado de São Paulo, servindo como forma de responder às questões ligadas ao papel diplomático do escritório InvestSP em Xangai nas diversas negociações da vacina CoronaVac no Brasil2. É importante dizer que toda essa investida internacional pela unidade paulista deu-se em um contexto de alta contrariedade aos interesses do executivo, que alegou desde o início a temeridade pela compra de vacinas chinesas e anunciou publicamente que “não compraremos vacinas chinesas”3. Partindo da breve apresentação dos estudos de caso do Consórcio Nordeste, do estado do Maranhão e de São Paulo, é possível observar como tal participação subnacional em contexto internacional ocorreu ao longo do ano de 2020, tendo como cenário a maior crise sanitária do século e conflitos políticos internos. Tais exemplos ilustram a dificuldade de se aplicar de forma pura os conceitos de paradiplomacia ou protodiplomacia na denominação dos processos analisados. Permitindo-nos dizer que tais denominações criadas para qualificar as atividades internacionais das unidades subnacionais não existem de forma pura na realidade e, portanto, o uso metodológico de tipo ideal weberiano talvez seja muito prudente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, notamos que a descentralização das políticas em um sistema tão heterogêneo como o brasileiro – caracterizado por profundas desigualdades de capacidades administrativa, técnica e financeira dos estados e municípios na produção de políticas públicas – demanda a implementação de mecanismos de coordenação do sistema. Quanto à saúde, tradicionalmente o poder central busca recomendar aos governos subnacionais os marcos gerais da política, induzindo à cooperação intergovernamental. Dessa forma, é o Ministério da Saúde a principal arena de formulação da política nacional, com capacidade de condicionar os estados e municípios aos objetivos da política federal (Rezende e Cunha, 2003; Rocha, 2012). No entanto, o que se percebeu no Brasil desde o início da pandemia foi justamente um movimento inverso. Houve uma concessão às unidades subnacionais de autonomia decisória para formulação e implementação de políticas públicas de contenção do vírus, fragmentando um processo que deveria ter um tom nacional para garantir unidade nos índices, nas performances de curvas estatísticas e no próprio plano de vacinação (esta última considerada principal estratégIa de erradicação do vírus). As contingências derivadas da ausência do executivo federal fizeram com que a aparente autonomia subnacional tivesse reflexo nos diálogos internacionais que passaram a ser estabelecidos por tais unidades. Se o Governo Federal tivesse cumprido o tradicional papel de coordenar as políticas intergovernamentais da agenda de saúde, as investidas autônomas

1 Benites, A. “Três meses após vetar Coronavac de Doria, Governo Bolsonaro anuncia compra do imunizantes e acelera corrida de vacinação” [on-line], El País, Brasil, 7 de janeiro de 2021, <https:// brasil.elpais.com/brasil/2021-01-08/tres-meses-apos-vetar-coronavac-de-doria-governo-bolsonaro-anuncia-compra-do-imunizante-e-acelera-corrida-da-vacinacao.html> [Consulta: 27 de fevereiro de 2021]. 2 Governo de São Paulo, Agenda [on-line], São Paulo, 2021, <https://www.saopaulo.sp.gov.br/ agenda-governador/2021-02-19/> [Consulta: 27 de fevereiro de 2021]. 3 UOL, “Bolsonaro desautoriza acordo de Pazuello e diz que não comprará CoronaVac” [on-line], UOL, São Paulo, 21 de outubro de 2020, <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/10/21/bolsonaro-responde-a-criticas-sobre-vacina-chinesa-nao-sera-comprada.htm> [Consulta: 28 de fevereiro de 2021].

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– em nível local e internacional – não teriam sido necessárias, e não estaríamos diante de um nível tão alto de dissidência política em âmbito federativo no momento em que mais se precisava da unidade federativa. E por que isso aconteceu? Acredita-se, como primeira conclusão deste estudo, no papel fundamental das escolhas políticas do Governo Federal por meio da figura do Presidente como desencadeador de conflitos. Tais posicionamentos não foram norteados pelas prescrições do principal órgão de saúde global, a OMS. Como desdobramento desse raciocínio, a segunda conclusão a que chegamos, mesmo que inicialmente, diz respeito à busca por diálogos internacionais por parte das unidades subnacionais. Dissidentes na maioria das vezes das diretrizes adotadas pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Ministério da Saúde,o que ilustra a nuance política conferida pelo Presidente à pandemia. Isto é, a atual polarização política existente no Brasil e a ingovernabilidade do executivo na manutenção das relações federativas. Apesar de ser possível traduzir o crescimento desse diálogo internacional a partir de entes subnacionais como um fortalecimento da paradiplomacia como prática política do poder local, no âmbito da pandemia de Covid-19, e que tal posição pode ter uma consequência benéfica a longo prazo, este estudo argumenta que isso provém de um processo sintomático da falta de legitimidade política do Governo Federal. Atualmente, para explicar o cenário atual brasileiro, acredita-se mais na ausência federal na governabilidade das relações intergovernamentais, e no papel bastante inferior ao que se era esperado do Ministério da Saúde, no âmbito de suas competências e suas respectivas agendas. Em tese, seria inconcebível que, numa situação de pandemia, os poderes locais tivessem que se ver diante da contingência de buscar unilateralmente alternativas próprias para condução de políticas sanitárias no combate e contenção da pandemia da Covid-19. Quando dimensões

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ideológicas e divergências políticas extrapolam o campo do diálogo, torna-se essencial revisar e fortalecer tais estruturas. Isso se faz ainda mais urgente quando há um impacto na coordenação de ações que, se não executadas, descumprem o primeiro elemento do contrato social, que é a manutenção da vida de seus cidadãos. O fato de a União não ter cumprido tal contrato social demonstra uma fragilidade da federação brasileira a ser endereçada em estudos e ações futuras. Como elemento final, registramos também a importância de se explorar cada vez mais as circunstâncias de aplicabilidade ou inaplicabilidade de conceitos como paradiplomacia ou protodiplomacia na realidade brasileira, de forma a contribuir para o crescimento e a consolidação do tema no campo das Relações Internacionais.


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Chyara Sales Pereira Doutora; Professora do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Rua Dom José Gaspar, 500. Coração Eucarístico. Belo Horizonte – MG, 30535-901. Mail: chyara@pucminas.br

Luiza Farnese Lana Sarayed-Din Doutora; Pós-Doutoranda no Programa de Engenharia de Produção da COPPE/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Horácio Macedo, 149 - Bloco F, sala F123 Cidade Universitária, Rio de Janeiro – RJ, 21941-598 Mail: luiza.sarayed@gmail.com

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GESTÃO PÚBLICA DA PARADIPLOMACIA MUNICIPAL NA NOVA REPÚBLICA BRASILEIRA Víctor Ferreira de Almeida

Abstract This research provides an analysis of the qualification of the public management efforts of paradiplomatic relations on the part of Brazilian municipalities in the New Republic period. We work with the hypothesis that the phenomenon of paradiplomacy has grown and qualified more and more over the period. From the results, we considered the possibility that the management of international insertion of Brazilian municipalities is characterized by the exercise of public activities without the structure or the necessary planning, despite some good examples in capital cities and the increasing number of Brazilian internationalists. KEY-WORDS: Paradiplomacy; Public Management; Brazilian Federalism.

@chaarlotteborges

Resumen Esta investigación proporciona un análisis de la calificación de los esfuerzos de la gestión pública de las relaciones paradiplomáticas por parte de los municipios brasileños, en el período de la Nueva República. Trabajamos con la hipótesis de que el fenómeno de la paradiplomacia creció y se cualificó cada vez más durante este período. A partir de los resultados, sugerimos la posibilidad de que la gestión de la inserción internacional de los municipios brasileños se caracteriza por el ejercicio de actividades públicas sin la estructura o planificación necesaria, aunque ya existen algunos buenos ejemplos de gestión en las capitales provinciales y un creciente número de internacionalistas brasileños. Palabras clave: Paradiplomacia; Gestión pública; Federalismo Brasileño.

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GESTÃO PÚBLICA DA PARADIPLOMACIA MUNICIPAL NA NOVA REPÚBLICA BRASILEIRA Víctor Ferreira de Almeida

Resumo Essa pesquisa oferece uma análise sobre a qualificação dos esforços de gestão pública das relações paradiplomáticas por parte das municipalidades brasileiras no período da Nova República. Trabalhamos com a hipótese de que cresceu e se qualificou cada vez mais o fenômeno da paradiplomacia ao longo do período. A partir dos resultados, aventamos a possibilidade de que a gestão da inserção internacional das municipalidades brasileiras se caracteriza pelo exercício de atividades públicas sem a estrutura ou o planejamento necessário, apesar de alguns bons exemplos de gestão já existirem nas capitais e do número cada vez maior de internacionalistas brasileiros. Palavras-chave: Paradiplomacia; Gestão Pública; Federalismo Brasileiro.

INTRODUÇÃO

A

partir das mudanças no processo das relações internacionais em um mundo cada vez mais interconectado e no qual os principais desafios se apresentam ao conjunto da humanidade e não mais se limitam às fronteiras dos Estados nacionais, somadas às mudanças na distribuição de poder no sistema internacional do pós-Guerra Fria, o campo das Relações Internacionais previu o incremento na atuação internacional estratégica de atores públicos subnacionais, à qual foi atribuída o conceito de paradiplomacia (Duchacek, 1984; Milani y Ribeiro, 2011; Soldatos, 1990; Vigevani, 2006). Em suma, devido à natureza cada vez mais complexa e interconectada das relações internacionais à partir da aceleração da globalização com o advento da revolução científico- tecnológica, os teóricos internacionalistas identificaram estratégias de cooperação descentralizada por parte dos Estados que gradualmente perderiam o controle sobre a atuação internacional de or-

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ganizações com naturezas diversas, tais como as intergovernamentais ou não-governamentais; as empresas públicas e privadas; assim como atores públicos subnacionais (Keohane y Nye, 1989; Milani y Ribeiro, 2011; Rosenau, 2000; Walker, 2013). Assim, essa pesquisa oferece um diagnóstico sobre a qualificação dos esforços de gestão pública das relações paradiplomáticas por parte das municipalidades brasileiras no período da Nova República (de 1985 até os dias atuais). Trabalhamos com a hipótese de que por meio de processos associados ao crescimento da interdependência complexa, à aceleração do processo de globalização e à tendência normativa de democratização das instituições políticas regionais, cresceu e se qualificou cada vez mais o fenômeno da paradiplomacia enquanto uma resposta dos governos municipais brasileiros às demandas cidadãs. Realizamos o estudo por meio da pesquisa bibliográfica e documental. A análise do material histórico foi realizada por meio da triangulação entre fontes primarias e secundarias (Trachtenberg, 2006). Justificamos a escolha


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do método devido ao seu potencial analítico para o teste de causalidade nas diferenças residuais entre os mapeamentos e estudos de casos sobre a paradiplomacia municipal brasileira que tivemos acesso, além de contribuir para a identificação de novas variáveis ou hipóteses com base na observação indutiva das fontes analisadas comparativamente (George y Bennett, 2005; Trachtenberg, 2006). Dentre as razões que justificam uma pesquisa sobre o perfil médio da gestão pública da inserção internacional dos municípios brasileiros, destacamos que dos quase 5600 municípios, mais de 95% desses possuem menos de 100 mil habitantes. “Um dos fatores que chama atenção na realidade brasileira é a grande concentração de municípios com população abaixo de 15 mil habitantes (3391)” (Cezário, 2011:205). Os pequenos municípios possuem mercados de pequena escala e baixa capacidade de arrecadação, resultando na dependência para com os recursos federais e na baixa qualidade dos bens e serviços públicos oferecidos às suas populações.

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leira, e as perspectiva técnicas da Ciência da Administração que compreendem a paradiplomacia como uma política pública, ou seja uma estratégia de ações de órgãos públicos para que atendam aos interesses da população (Mercher y Pereira, 2018). Infelizmente, um diálogo ausente. Para testar a aplicabilidade da hipótese de pesquisa, em um primeiro momento analisamos a emergência do conceito e do fenômeno da paradiplomacia na disciplina das Relações Internacionais, com foco em sua relevância para a gestão pública municipal. Também exploramos a interação do fenômeno com o pacto federativo brasileiro tendo em vista o caráter multidimensional do fenômeno e as atuais incertezas jurídicas em torno do mesmo. Por fim, identificamos as características gerais da gestão pública das relações paradiplomáticas nas municipalidades brasileiras na Nova República por meio da triangulação de fontes sobre o fenômeno no período.

Portanto, a inserção internacional dos pequenos municípios brasileiros se torna cada vez mais estratégica por prover acesso aos fundos internacionais de investimento, aos mercados com maior escala, às redes de cidades, às redes de cooperação técnica, maior peso político para o diálogo político e institucional com os níveis estadual e federal da Federação, e outros benefícios que veremos. Nesse sentido consideramos que analises sobre como a inserção internacional dos municípios brasileiros está sendo gerida possuem, além da relevância acadêmica, utilidade pública. Sob uma perspectiva acadêmica, é importante mencionar que o artigo propõe uma abordagem de estudo que é o encontro possível entre as perspectivas normativas das Relações Internacionais que fomentam as relações paradiplomáticas associadas à perspectiva da democratização da política exterior brasi-

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A PARADIPLOMACIA E O PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO Conforme mencionamos, a criação do conceito paradiplomacia e o início do seu estudo sistematizado coincide com as aceleradas transformações na ordem mundial a partir da década de 1980. Dentre os fatores estruturais mais relevantes para a emergência do fenômeno no Brasil, detacamos o processo de desintegração da União das República Socialistas Soviéticas e o processo de democratização e abertura econômica realizado nos países latino-americanos, africanos e do Leste europeu que marcaram o fim da ordem internacional bipolar vivida durante a Guerra Fria (Cezário, 2011; Milani y Ribeiro, 2011; Vigevani, 2006). A aceleração do processo de globalização com a revolução científico-tecnológica é o terceiro fenômeno que associa o pós-Guerra Fria com o crescimento da prática paradiplomática (Duchacek, 1984; Milani y Ribeiro, 2011; Soldatos, 1990). Em um sentido político-filosófico, “[...] uma preocupação crescente com a velocidade, a temporalidade e a contingência debilitam categorias de análise em um locus do pensamento político e social moderno que, de modo convencional, é mais espacialmente orientado” (Walker, 2013:31). Embora geralmente conhecida por seus efeitos econômicos, a nova fase de aceleração do processo globalização possui importantes efeitos políticos e sociais. Segundo Held (2000:273 apud Prado, 2007:2), [...] a globalização é melhor entendida como um fenômeno espacial, desmentindo uma continuidade onde o âmbito global começa onde termina o local. Isto denota uma mudança na forma espacial da organização e atividade humana e nos padrões de atividades transcontinentais e interregionais, na interação e no exercício do poder.

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Nesse sentido, o ex-chanceler brasileiro Celso Lafer (2004:17) salientou que “A diluição da diferença entre o ‘interno e o externo’ vem levando ao questionamento de uma das clássicas hipóteses de trabalho da teoria das relações internacionais: a que conferia à política externa uma esfera de autonomia em relação à política interna”. De forma mais simples, é possível afirmar que em mundo interconectado no qual as problemáticas superam os limites de fronteiras e no qual os avanços nas telecomunicações reduziram os custos da inserção internacional, o nível federal da República do Brasil possui menores capacidades para controlar o impacto de processos internacionais no sistema doméstico e não consegue prover os bens e serviços públicos essenciais às suas populações (Milani y Ribeiro, 2011). Esses são alguns fatores de oferta e demanda que afetam a inserção internacional subnacional, segundo a bibliografia especializada. O conceito paradiplomacia foi criado na década de 1980 pelos professores Ivo Duchacek (1984) e Panayotis Soldatos (1990) à partir de um neologismo no qual se abreviou a expressão “diplomacia paralela”. Evitando definições normativas, trabalhamos com a perspectiva de que a paradiplomacia constitui a categoria de política pública responsável pela gestão das relações externas de um ator subnacional (CNM, 2016; Junqueira, 2017; Milani y Ribeiro, 2011; Onuki y Oliveira, 2013). Porém, é importante salientar que devido à emergência recente do fenômeno da paradiplomacia dentre os objetos de estudo das Relações Internacionais, a sua terminologia ainda é objeto de intensa disputa que tende a refletir as posições dos diversos grupos políticos envolvidos com o tema (Junqueira, 2017; Prado, 2018). Apesar desse conceito, é necessário esclarecer que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil prefere trabalhar com o conceito de diplomacia federativa, introduzido em 1994, que designa uma política de estado que aproxima o Itamaraty dos governos estaduais e munici-


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pais, permitindo a coordenação e o controle da atuação internacional de atores subnacionais brasileiros (Bogéa, 2001; Junqueira, 2017; Miklos, 2011). Segundo Miklos (2011:90-91), [...] ainda que a diplomacia federativa [...] tenha formalmente o objetivo de promover um diálogo mais próximo entre o Ministério das Relações Exteriores e as unidades subnacionais brasileiras, há evidências de que a intenção subjacente que permeou a concepção de tal política tenha sido a de proteger seu status de porta-voz únicos dos interesses de sua população no exterior. Entenderemos por atores subnacionais “cidades, municípios, estados federados, províncias, departamentos, regiões, cantões, condados, conselhos distritais, comunidades autônomas, länder, oblasts e quaisquer outros entes políticos circunscritos ao crivo jurídico dos Estados” (Junqueira, 2014:230). Possuem em comum o fato de serem instituições públicas que fazem parte de um ente político maior, o Estado nacional. No que tange aos objetivos da paradiplomacia, Duchacek (1984) identificou serem predominantemente técnicos, econômicos e políticos. Ademais, a CNM (2016) listou diversos objetivos tangíveis para a gestão pública das relações exteriores municipais que se enquadram na definição proposta: De maneira geral, os Municípios podem, por meio da atuação internacional, beneficiar-se de vantagens como: 1) aprimoramento das políticas públicas a partir de perspectivas, culturas distintas e iniciativas de sucesso; 2) inserção em redes globais, direcionadas à cooperação internacional que estão voltadas para o compartilhamento das experiências entre os Municípios; 3) mobilização de recursos internacionais (financeiros, humanos e de informação), voltados a projetos para o desenvolvimento local; 4) análise de tendências e aprendizagem com as inovações da gestão municipal difundidas em eventos internacionais; 5) promoção

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da visibilidade mundial da cidade, a fim de atrair investimentos para setores estratégicos; e 6) participação política em organizações e missões internacionais, ampliando a influência do poder local na conjuntura internacional (CNM, 2016:17). Diante dos casos de maior desafio à diplomacia central, a bibliografia trabalha com o conceito de protodiplomacia. É possível afirmar que a protodiplomacia caracteriza uma política exterior de um governo não-central que visa estabelecer um Estado-nação próprio por meio de acesso a recursos simbólicos e materiais para além do Estado ao qual integra (Aguirre, 1999; Junqueira, 2017; Prado, 2018). Estudos de caso que trabalham tais conceitos envolveriam, por exemplo, a Catalunha na Espanha, o Quebec no Canadá e o Tibete na China. Para compreender a tensão conceitual entre a paradiplomacia e a diplomacia federativa, consideramos necessária a compreensão da tradição diplomática brasileira que trabalha com a percepção de que: A autonomia é função das condições estruturais que Jaguaribe (1979, p. 96-7) descreve como viabilidade nacional e permissividade internacional. [...] Para Puig, assim como para Jaguaribe, a autonomia requer graus adequados de viabilidade nacional, um volume considerável de recursos domésticos e um compromisso explícito das elites com um projeto nacional (Vigevani & Cepaluni, 2011:31). Mesmo quando não há desafio à diplomacia central, o fenômeno da paradiplomacia representa um desafio teórico às tradicionais estruturas centralizadas de formulação da política exterior, típicas em federações presidencialistas (Castro, 2012; Lafer, 2020; Malamud, 2015; Milani & Ribeiro, 2011), que dependem de um compromisso das elites com um projeto. Não há estudos específicos que analisem o impacto dos esforços subnacionais de internacionalização sobre o grau de autonomia da

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República Federativa do Brasil, mas, ao refletir sobre essa dinâmica, Onuki e Oliveira (2013:7) propõem que a paradiplomacia é: [...] um fenômeno dinâmico em que a cooperação tende a ocorrer quando o governo central procura racionalizar o ingresso das unidades subnacionais no plano da política internacional (esforço de coordenação) e em que o conflito ocorre quando o governo central rejeita este ingresso e as relações se dão de forma predatória. Contudo, em colaboração na discussão sobre paradiplomacia promovida em 2013 pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, o embaixador Rubens Barbosa esclareceu: [...] que a descentralização política e a criação do Mercosul nos anos 1980 e 1990 correspondem a um reconhecimento das práticas de cooperação direta entre Estados federativos e países amigos, cabendo ao governo federal a indelegável função de controle, decisão e acompanhamento (Marcovitch; Dallari, 2014:5). Lembrando que “Algumas iniciativas isoladas de Estados que assinaram diretamente acordos internacionais claramente se chocaram com a competência exclusiva do Ministério das Relações Exteriores” (Barbosa, 2014:10). Ou seja, reforçou o conceito da diplomacia federativa, no qual a atuação externa subnacional é caracterizada pelo controle decisório pelo Ministério das Relações Exteriores, posição adotada pelo Itamaraty desde 1995, quando o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia oficializou o conceito. Apresenta a criação de uma organização intergovernamental como um ajuste institucional realizado pelo governo federal que reconhece a prática da paradiplomacia, e cita a insubordinação de alguns estados que se tornou a justificativa oficial da diplomacia federativa.

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Apesar desses exemplos conceituais, é importante destacar que “[...] na atual ordem internacional, atividades paradiplomáticas são inevitáveis, talvez indispensáveis, para atrair investimentos estrangeiros, promover o desenvolvimento econômico ou, para uma região europeia, por exemplo, ter os recursos dos fundos europeus [...]” (Paquin, 2004:207 apud Junqueira, 2017:50). Ou seja, a bibliografia aponta que inclusive nos casos em que há contestação normativa ao poder central, a paradiplomacia não deve ser considerada uma ameaça à integridade nacional, mas, acima de tudo, fomentada por meio de colaboração ativa do poder central com claros papeis associados às partes subnacionais (Milani y Ribeiro, 2011; Onuki y Oliveira, 2013). O grau de centralização da formulação da política exterior na esfera federal é central em nossa discussão, pois “No caso brasileiro, há uma tradição federalista centralizadora, historicamente explicável, que remonta ao caráter unitário do período imperial, de 1822 a 1889” (Vigevani, 2006:133, grifo nosso) e que foi reforçado ao longo do século XX por meio dos longos períodos ditatoriais. Ao interpretar a Constituição Federal de 1988, o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1999:151, grifo nosso) conclui que, “No plano internacional, o Estado federal aparece como um só Estado. Apenas seu caráter unitário é visível. Assim, o Estado federal é quem goza de personalidade jurídica, em termos de direito internacional”. Apesar do presidencialismo concentrado ser uma característica dos Estados nacionais da América Latina e o Caribe (Malamud, 2015), argumentamos que o nível de concentração de poder no processo de formulação e execução da


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política exterior na República Federativa do Brasil resulta que seguimos no período imperial no que tange a base ontológica de nossas instituições sobre o processo de formulação da política exterior, em que a representação político-jurídica da soberania de uma nação é o seu líder, enquanto que as transformações globais nos forçam a lidar com os desafios multidimensionais do século XXI. Assim, é possível afirmar que a Constituição Federal de 1988 não possui um marco jurídico expresso que normatize os critérios para que atores subnacionais brasileiros façam proveito da sua capacidade de celebrar atos internacional e desenvolvam uma política exterior no sentido técnico (Cezário, 2011; Ribeiro, 2009; Vigevani, 2006). Em contraste, destacamos que: a Argentina foi o único em que uma ampla reforma constitucional, realizada em 1994, inaugurou a cláusula constitucional da paradiplomacia. Com efeito, é reconhecido às províncias argentinas, a partir de então, o treaty-making power, com alguns limites, de acordo com o art. 124 da Constituição da Nação Argentina (Rodrigues, 2008:1018). Porém, segundo princípio da subsidiariedade, também é possível afirmar que há previsão constitucional para a atuação internacional dos municípios brasileiros, desde que se limitem às suas competências constitucionais nas áreas de saúde; patrimônio histórico, cultural e paisagístico; cultura, educação e ciência; meio ambiente; e combate à pobreza (CNM, 2016; Lafer, 2020; Marcovitch,

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2014). Oferecemos destaque à interpretação constitucional de Laisner e Simini (2017a:69) sob a perspectiva da Constituição Dirigente1, que consideram que: [...] discutir a constitucionalidade da atuação internacional de municípios brasileiros exige de seu intérprete que este verifique, no plano concreto, se os projetos desenvolvidos internacionalmente guardam compatibilidade com os objetivos elencados no artigo 3º da Constituição brasileira de 1988. Além disso, “é possível inferir do art. 52 da Constituição que os Estados e os Municípios têm capacidade de iniciar operações externas de natureza financeiras, que deverão ser, contudo, autorizadas pelo Senado Federal” (CNM, 2016:20). Ou seja, a despeito da incerteza jurídica, munidos da autonomia enquanto Entes Federados, pressionados pelas demandas locais por bens e serviços públicos e com menores custos de inserção graças aos avanços tecnológicos, Estados e Municípios brasileiros buscam oportunidades disponíveis no sistema internacional. Portanto, identificamos que falta à paradiplomacia municipal brasileira um claro sistema constitucional para essa nova categoria de política pública empregada por atores que até então não possuíam experiência burocrática na gestão das suas relações exteriores. Conforme veremos na análise dos dados históricos a seguir, a falta de previsão constitucional impacta negativamente a gestão pública da paradiplomacia municipal brasileira, assim sujeita ao projeto político do grupo que ocupa a prefeitura. Apesar do consenso na bibliografia especializada no que tange a urgência de um marco re-

1 “De acordo com Gilberto Bercovici, o constitucionalismo do século XX […] foi palco de um grande debate tendo, de um lado, aqueles que consideravam o texto constitucional um simples instrumento de governo, definidor de competências e regulador de procedimentos e, de outro, aqueles que consideravam a Constituição um documento que estabelece programas e define objetivos para o Estado e para a sociedade. O primeiro pensamento consubstancia a ideia de Constituição Garantia, já o segundo entendimento guarda relação com a denominada Constituição Dirigente” (Laisner; Simini, 2017a:62).

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gulatório nacional para as práticas paradiplomáticas dos Entes Federados de menor nível, salientamos o alerta de Cezário (2011:200) que, após realizar um mapeamento das atuação internacional dos municípios brasileiros, acredita ser “[...] necessário amadurecer algumas percepções antes que leis inconsistentes possam vir a restringir essa atuação”. Nesse sentido, temos o precedente de inconstitucionalidade para Propostas de Emenda à Constituição que limitem a autonomia externa dos Entes federativos, como a do então deputado federal André Costa (do PDT-RJ), um diplomata de carreira, relator da PEC 475/2005. A “PEC da Paradiplomacia” propôs acrescentar o § 2o ao art. 23 da CF, com o seguinte teor: “Os Estados, Distrito Federal e municípios, no âmbito de suas competências, poderão promover atos e celebrar acordos ou convênios com entes subnacionais estrangeiros, mediante prévia autorização da União, observado o art. 49, I, e na forma da lei” (Rodrigues, 2008:1020, grifo nosso).

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A GESTÃO PÚBLICA DA PARADIPLOMACIA MUNICIPAL BRASILEIRA A seguir, por meio da triangulação dos dados sistematizados por diversos pesquisadores brasileiros, analisaremos o perfil da gestão pública das relações paradiplomáticas nas municipalidades brasileiras na Nova República. Analisaremos os dados sob três perspectivas: o conteúdo das ações paradiplomáticas, por meio do qual identificaremos sua adequação ou não às responsabilidades municipais; o nível de institucionalização das relações intergovernamentais federativas, por meio do qual testaremos o impactos desses ajustes institucionais na qualidade e intensidade da gestão pública da paradiplomacia municipal; e, a qualidade da gestão pública sob a perspectiva do planejamento estratégico1 (Guerra, 2016; Pereira, 2016). Ao analisarmos o conteúdo das ações paradiplomáticas no período da Nova República com o intuito de testar a possibilidade de conflito com a diplomacia central, é importante citar que houveram eventos de conflitos com as atividades paradiplomáticas estaduais geralmente ligados a benefícios fiscais para atrair multinacionais, e a diplomacia central conseguiu reafirmar sua autoridade e desenvolver mecanismos de diálogo com os governos estaduais para prevenir conflitos futuros (Barbosa, 2014; Cezário, 2011; Lafer, 2020; Ribeiro, 2009). No caso brasileiro esses eventos são chave para compreender a proposta da diplomacia federativa pelo Itamaraty. Segundo Vigevani (2006), por volta do ano 2006 era possível afirmar que:

1 “Planejamento estratégico é um processo que consiste na análise sistemática dos pontos fortes (competências) e fracos (incompetências ou possibilidades de melhorias) da organização, e das oportunidades e ameaças do ambiente externo, com o objetivo de formular (formar) estratégias e ações estratégicas com o intuito de aumentar a competitividade e seu grau de resolutividade” (Pereira, 2016:38).

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o tema da ação externa dos governos subnacionais, mesmo não sendo inédito, ganha novo status, embora se constatem ainda grandes oscilações na forma como ele é tratado: por exemplo, o governo do Estado de São Paulo não dispõe de uma agência específica de política internacional, mas no Brasil inúmeros outros governos estaduais e mesmo municipais têm procurado se adaptar, criando secretarias ou segmentos administrativos específicos para a área (Vigevani, 2006:129). A ausência de uma agência especializada para gerir as relações paradiplomáticas do Estado de São Paulo chama a atenção devido ao grande peso internacional e federal que possui, enquanto que no mesmo período a cidade de São Paulo já havia criado a sua Secretaria Municipal de Relações Internacionais (SMRI). Assim, é possível inferir que por volta de 2006 o sentido estratégico da paradiplomacia ainda não estava claro sequer no nível estadual, porém, o fenômeno apresentava tendência crescente. Ao ponderar a possibilidade de conflito da agenda externa municipal com as atribuições constitucionais dos municípios até 2006, Vigevani (2006) afirmou que: No caso brasileiro, parece confirmar-se a tendência observada na maioria dos países à concentração de ações ligadas apenas à low politics, especificamente movimentos que não interferem na estratégia internacional do país, não se relacionando nem remotamente a temas da high politics, como estratégicos ou de segurança, e nem mesmo a opções econômicas de caráter geral (Vigevani, 2006:130). Ao analisar as ações paradiplomáticas da primeira gestão da SMRI da cidade de São Paulo (2001-2004), Onuki e Oliveira (2013) oferecem suporte à análise de Vigevani (2006), concluindo que “A tese do conflito com o Governo Central não se efetivou uma vez que as atividades do município restringiram-se, prevalentemente, em acordos de cooperações técnica ou atividades de divul-

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gação de política públicas” (Onuki y Oliveira, 2013:3). Apesar da baixa representatividade dos estudos de casos (geralmente capitais de estados federados ou cidades com mais de 500 mil habitantes) frente a realidade da grande maioria dos municípios brasileiros que é o nosso objeto mais propriamente, análises por fontes diferentes indicam que não houve conflito com as responsabilidades constitucionais em Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Uberlândia (Aguiar Neto, 2014; Cezário, 2011; CNM, 2016; Junqueira, 2015; Laisner y Simini, 2017b; Milani y Ribeiro, 2011; Onuki y Oliveira, 2013; Perpétuo, 2014; Prado, 2007; Rodrigues, 2008; Vigevani, 2006; Vieira de Jesus, 2017; Yahn Filho, 2019). Além dos estudos de casos, o mapeamento da paradiplomacia municipal brasileira (Fig. 1) realizado em duas etapas por Cezário (2011:220) por comissão da CNM oferece um retrato das prioridades regionais na inserção internacional local: “Enquanto os municípios do Sul e do Sudeste voltam-se mais à promoção econômica, as Regiões Norte e Nordeste aproveitam prioridades estabelecidas pelas agências internacionais para projetos de cooperação internacional”. Portanto, ao chegarmos no nível municipal, é possível afirmar que há consenso sobre o perfil predominante de ações ligadas às competências constitucionais municipais, caracterizada pelas Relações Internacionais como low politics, o conjunto de agendas que não interfere na estratégia internacional de um Estado nacional. No que tange nosso segundo critério de análise triangulada, o nível de institucionalização das relações intergovernamentais federativas, buscamos identificar ajustes institucionais realizados no nível federal para acomodar e viabilizar a realização das novas oportunidades que o sistema internacional oferece aos

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municípios brasileiros. Enquanto ponto de partida para o desenvolvimento da cooperação intergovernamental federativa, em 1995 foi oficializado o conceito da diplomacia federativa que visava reconhecer a autonomia dos Entes federados enquanto subordina suas ações ao controle do Itamaraty (Bogéa, 2001; Miklos, 2011). Em 1997, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (do PSDB-SP), foi criada a Assessoria de Relações Federativas (ARF) ligada ao gabinete do ministro de Relações Exteriores (Cezário, 2011; Miklos, 2011; Ribeiro, 2009). A ARF “[...] era responsável pela realização da interface do Itamaraty com os estados e municípios brasileiros e coordenar

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a inserção internacional das unidades subnacionais brasileiras” (Miklos, 2011:95).Quando da sua criação, o Itamaraty contava com escritórios de representação nos estados do Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e em Pernambuco (que atendia toda a região Nordeste), expandindo para Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Bahia e para o Amazonas (que atende toda a região Norte) (Barbosa, 2014). Apesar do avanço institucional, a cooperação intergovernamental federativa não ocorreu de fato (Cezário, 2011; Vigevani, 2006; Onuki y Oliveira, 2013; Ribeiro, 2009).


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Figura 1 — Localização dos municípios brasileiros com atuação paradiplomática em 2011

Fonte: Gustavo de Lima Cezário, Atuação Global Municipal, 2011.

Recentemente, “[...] entrevistas realizadas no âmbito da pesquisa conduzida pelo Centro de Estudos das Negociações Internacionais [do Instituto de Relações Internacionais da USP] atentaram para uma certa desconfiança de ambas as partes no início do processo” (Onuki y Oliveira, 2013, p. 10). As razões ainda merecem estudo detalhado, porém aventamos a possibilidade de que o conflito teórico e prático que a descentralização da formulação e execução da política exterior representa à estrutura federal brasileira está no centro da questão. Em 2003, no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT-SP), foi criada a Subchefia de Assustos Federativos (SAF), que integrava a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência (órgão com status de ministério), por

meio da qual a presidência da República passou a contribuir à coordenação das ações internacionais subnacionais (Cezário, 2011; Miklos, 2011; Rodrigues, 2008). No mesmo ano o Itamaraty ajusta sua estrutura institucional, realizando a fusão entre a ARF e a Assessoria de Relações Parlamentares, com a criação da Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA) e a abertura de novos escritórios de representação (Cezário, 2011; Miklos, 2011; Rodrigues, 2008). Em 2004, com protagonismo da SAF, foi assinado o Protocolo de Rio Preto, no qual é sinalizada a criação do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUR (FCCR) (Sadeck, Froio y Medeiros, 2017). Apesar de só

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entrar em funcionamento em 2007 e de não ter autonomia no processo decisório do bloco, o FCCR é um avanço institucional e inseriu legalmente os entes subnacionais no processo de integração regional (Sadeck, Froio y Medeiros, 2017). Sob a coordenação da SAF, outra inovação institucional do período foi a criação em 2005 do Comitê de Articulação Federativa entre a União e os municípios, para tratar dos assuntos de competência comum (Cezário, 2011; Miklos, 2011; Rodrigues, 2008). Cabe mencionar a atuação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) na cooperação descentralizada a partir de 2003, órgão vinculado ao MRE criado em 1987 para implementar e coordenar a cooperação técnica internacional do Brasil (Miklos, 2011; Lima, 2017; Rodrigues, 2008). Houve também a adoção do conceito de cooperação descentralizada enquanto uma política de estado com a assinatura de dois protocolos adicionais a tratados de cooperação com a França e a Itália. No Protocolo Adicional ao Acordo Básico de Cooperação Técnica entre o Brasil e a Itália sobre a Cooperação Descentralizada (2007), o Artigo 1 define a cooperação descentralizada como: Entende-se por Cooperação Descentralizada as formas de cooperação e ação internacional estabelecidas entre entidades territoriais italianas e entes federativos brasileiros, bem como os respectivos atores da sociedade civil, no intuito de reforçar os laços dos dois países, e em consonância com as Políticas Externas conduzidas pelos Governos Nacionais. Além disso, merece destaque o I Encontro Negociações Internacionais — Estados e Municípios, realizado em 2006 pela Fundação Alexandre de Gusmão (fundação pública de pesquisa vinculada ao Itamaraty) em colaboração com a AFEPA. “Pela primeira vez na história do Itamaraty, foram expostas as grandes linhas da política externa brasileira para um público de prefeitos, secretários municipais e estaduais, técnicos e acadêmicos especialistas nessa área

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de todo o Brasil” (Rodrigues, 2008:1023). Infelizmente não houve continuidade a essas ações de nível federal. Por fim, citamos a elaboração em 2012, durante o governo do governador Geraldo Alckmin (do PSDB-SP) e da presidenta Dilma Rousseff (do PT-MG), do São Paulo no Mundo: Plano de Relações Internacionais 2011-2014, o primeiro deste tipo no Brasil e um dos primeiros no âmbito mundial, estimula todas as secretarias estaduais a operarem também no exterior. Segundo o embaixador Rubens Barbosa (2014:11), “Discutido desde o início com o Itamaraty, o plano paulista é o primeiro dessa natureza no Brasil - e um dos primeiros em nível global - e se justifica pela importância do mais importante Estado da Federação no cenário internacional”. Apesar desses diversos avanços institucionais nas relações federativas com vistas a qualificar a inserção internacional subnacional, “Os mecanismos de relacionamento são informais, posto não haver uma conferência ou reunião intergovernamental permanente nem um conselho, à maneira do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz, no federalismo fiscal” (Rodrigues, 2008:1024). Oferecendo suporte empírico a esse diagnóstico, em 2009 Maria Clotilde Meirelles Ribeiro publica em Salvador o primeiro grande esforço de Mapeamento da realidade paradiplomática dos municípios brasileiros. Ao perguntar aos municípios com estrutura paradiplomática sobre a sua relação com o Ministério de Relações Exteriores, [...] 24% dos órgãos apontando inexistência de relação com o MRE-Itamaraty e quase 60% destes indicando a presença de relações apenas pontuais, em situações tais como organização de missões (20,7%), celebração de convênios (7%), ou mera participação em eventos (10%) (Ribeiro, 2009:111).


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Apesar da avaliação negativa do perfil geral da relação, é fundamental reconhecer que “[...] foram os anos de 2004 a 2007 que mais presenciaram a criação destas estruturas orgânicas, com especial destaque para o ano de 2005 (quase 40% do total [...])” (Ribeiro, 2009:94). Assim, constatamos grandes ganhos de engajamento subnacional por meio de ajustes institucionais por parte do nível federal brasileiro que fomentem os municípios a desenvolverem a paradiplomacia. Além disso, enquanto vigorar a situação político-jurídica de incerteza sobre a atuação paradiplomática brasileira (Rodrigues, 2011), a presença ou não desses ajustes e incentivos seria um bom indicador para a intensidade da atuação externa municipal brasileira. E a qualidade da gestão pública das iniciativas paradiplomáticas municipais durante o período da Nova República? É possível afirmar que atenderam aos critérios do planejamento estratégico ou da gestão por resultados (Guerra, 2016; Mercher y Pereira, 2018; Pereira, 2016)? Contaremos com os mapeamentos da atividade paradiplomática municipal realizados por Milani e Ribeiro (2011) e Cezário (2011) que oferecem os melhores dados empíricos sobre o fenômeno, e com outros estudos para checar as tendências verificadas. Por volta de 2007 e 2008, Milani e Ribeiro (2011:25) estabeleceram 7 critérios1 para selecionar municípios brasileiros para o primeiro grande mapeamento das atividades paradiplomáticas já feito no país. Com base nesses critérios, 72 municípios (de um total de 5563) foram selecionados, 20 nas regiões Norte e Nordeste (com menores níveis de desenvolvimento socioeconômico) e 52 nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste (mais desenvolvidas). Do total, 51 municípios (76% desses nas regiões Sul

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e Sudeste) desempenhavam alguma forma de atividade paradiplomática, porém apenas 29 desses já possuía uma estrutura institucional responsável pela gestão pública da paradiplomacia municipal (Milani y Ribeiro, 2011). Agravando a percepção sobre os dados expostos, a autora destaca a baixa vinculação dos órgãos municipais responsáveis pela gestão paradiplomática para com os outros órgãos municipais e processos de planejamento, conforme aponta Ribeiro (2009:109): verifica-se um baixo envolvimento com outros órgãos da instância municipal nas decisões (índice de 2,07 frente ao máximo possível de 5,00 na escala), o que é um fator fortemente preocupante frente ao caráter essencialmente intersetorial dos órgãos de RI. Trata-se, em última instância, de um órgão “meio”, não executor de política de desenvolvimento – papel este que cabe às Secretarias e demais órgãos municipais de caráter executivo. Em 2011 Cezário conclui um estudo comissionado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) no qual publica dados do observatório da atuação internacional municipal realizado em 2008 e 2010, possibilitando a observação do impacto das mudanças eleitorais no fenômeno. Por meio da estrutura da central de atendimento da CNM, Cezário obteve uma abrangência de 95% dos municípios brasileiros na primeira etapa de coleta de dados realizada em 2008 dentre as 5563 prefeituras. Importante destacar que, segundo o pesquisador, ao pedir contatos à AFEPA, obteve apenas pouco mais de 60 contatos de indivíduos ligados a municípios interessados ou atuantes (Cezário, 2011:201). “Naquele momento [2008], os resultados revelaram que apenas 30 cidades possuíam uma área

1 Os critérios correspondem a hipóteses que explicariam porque municipalidades brasileiras iriam se inserir internacionalmente: 1) Ser capital de um estado federado; 2) ter uma população igual ou superior a 500 mil habitantes; 3) ter relevância política, econômica ou cultural em uma área metropolitana; 4) ser o centro de uma universidade ou centro de pesquisa de relevância; 5) ter patrimônio histórico ou paisagístico; 6) ser uma cidade de fronteira estratégica; 7) ter participação em eventos de redes paradiplomáticas.

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internacional estruturada, alcançando ao todo 146 municípios com pelo menos um responsável pelo tema internacional” (Cezário, 2011:202). Além disso, oferece uma fotografia do potencial de engajamento internacional em 2008 caso as condições estruturais fossem outras: “[...] 3500 municípios demonstraram interesse pelo tema internacional. [...] Embora apresentassem interesse, muitos deles não detinham maiores conhecimentos sobre o assunto ou alegaram dificuldades financeiras e de técnicos capacitados na área” (Cezário, 2011:203). A segunda etapa do observatório foi realizada em 2010, observou o aumento no número de municípios que afirmavam possuir atuação paradiplomática, 386 dos 5563, porém com chances de estarem supervalorizados (Cezário, 2011:206). Apesar do aumento aparente, “O Observatório II demonstrou que a maior parte dos municípios que atuam internacionalmente não possui uma área internacional estruturada ou responsável por essa atuação” (Cezário, 2011:220). Assim, confirmando a hipótese de deficiência institucional crônica levantada por Vigevani (2006) e Milani e Ribeiro (2011), o relatório de 2011 da CNM concluiu que “[...] as estruturas das áreas internacionais se moldam de acordo com as prioridades momentâneas da autoridade local, muitas vezes acompanhando as especificidades dos gestores responsáveis” (Cezário, 2011:211). E ainda pior, “[...] o que se percebe é que esse conceito [paradiplomacia] ainda não é claro para os gestores municipais” (Cezário, 2011:223). Ao avaliar a qualidade da gestão pública da paradiplomacia municipal brasileira paradiplomática, Junqueira (2015:80) contribui a essa discussão ao elaborar uma lista de fatores que representam entraves contemporâneos à inserção internacional municipal na Nova República: i) falta de apoio político e constitucional pe-

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rante o governo central; ii) carência de recursos financeiros para sua efetiva implementação; iii) prevalência da dinâmica de stop and go; iv) insuficiência de especialização técnica dos gestores e líderes; e v) enfatiza-se, ausência de alto nível de institucionalização. Esses dados indicam que “O que prevalece é aquilo que denominamos stop and go [...], ainda que [...] nem sempre tenha resultado consequências administrativas consistentes” (Vigevani, 2006:130). Portanto, ao triangular o diagnóstico de diversos estudos sobre a gestão pública da paradiplomacia municipal brasileira, é possível afirmar que a maioria dos municípios brasileiros não possui capacidades institucionais para desenvolver paradiplomacia e que a maioria dos municípios que desenvolvem atividades paradiplomáticas o faz sem o necessário planejamento estratégico e os recursos necessários. Apesar dos prejuízos teorizados de um federalismo centralizado combinado com o presidencialismo concentrado e do longo histórico ditatorial do Brasil, defesas normativas da paradiplomacia encontram dificuldades frente à opinião pública e política brasileira no atual período de austeridade fiscal. Enquanto uma política subnacional de vertente pública, recomendamos que a paradiplomacia seja formulada, executada e avaliada com o mesmo rigor que se espera de política públicas para a área da saúde, educação e outros temas de grande interesse municipal. Além das boas relações com comunidades internacionais serem um fim em si mesmo, a paradiplomacia é melhor compreendida como um meio para atingir objetivos mais tangíveis e, portanto, deve atender aos critérios do planejamento estratégico (CNM, 2016; Mercher y Pereira, 2018). Os resultados concretos de uma inserção internacional estratégica serão a melhor justificativa para as demandas dos municípios por maior espaço no processo de formulação da política exterior brasileira.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS As Relações Internacionais contribuem para a interpretação dos fenômenos internacionais, com vistas ao controle de seus impactos e para a compreensão de suas tendências em nosso proveito. A Administração, por sua vez, desenvolve modelos cada vez mais sofisticados de planejamento estratégico e práticas de gestão mais eficientes. O diálogo entre essas áreas da Ciência é central no caso da paradiplomacia municipal e permanece ausente. Somente reconhecendo esse desencontro entenderemos porque o município de Sant’Ana do Livramento (RS), a cidade símbolo do MERCOSUL conurbada com sua cidade-gêmea Rivera (Uruguai) e com um campus da Universidade Federal do Pampa com cursos superiores e de pós-graduação nas áreas de Relações Internacionais e das Ciências da Administração, não possui capacidades institucionais para gerir suas relações exteriores. Ou o caso do município de Osasco (SP), cidade de porte na região metropolitana de São Paulo (aproximadamente 700 mil habitantes e o sexto produto interno bruto do Brasil) com um campus da Universidade Federal de São Paulo com cursos superiores nas áreas de Relações Internacionais e das Ciências da Administração, no qual foi realizado um processo coletivo de planejamento estratégico da administração pública com colaboração de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas em que a área internacional foi criada de forma precária e sem o necessário caráter estratégico (Guerra, 2016; PMO, 2012). Conforme vimos, no que tange a pauta das iniciativas paradiplomáticas municipais brasileiras no período da Nova República, é possível afirmar que não houve conflito com as responsabilidades constitucionais municipais, apesar do fenômeno representar um desafio a uma formulação unitária da política exterior da Federação. No âmbito das relações intergovernamentais federativas, identificamos que

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a sua institucionalização possui impacto significativo sobre a gestão pública das relações paradiplomáticas brasileiras, porém seguem insuficientes e orientadas de forma a reificar as assimetrias na inserção internacional de municipalidades brasileiras. Por fim, quanto à qualidade da gestão pública dessas iniciativas de internacionalização municipal, é possível afirmar que são caracterizadas pela falta de recursos (políticos, institucionais, financeiros e humanos) e de estratégia, apesar de bons exemplos já existirem nas capitais. Só foi possível identificar o hipotético processo de qualificação técnica na paradiplomacia municipal quando houveram ajustes na estrutura federativa da Nova República, assim negamos nossa hipótese inicial do estudo. Em seu lugar, teorizamos que a paradiplomacia municipal brasileira sofre impedimentos estruturais em três níveis (Cox, 1981): no nível ideacional, devido à baixa intensidade do debate público sobre temas internacionais e a dissociação da matéria com o planejamento estratégico municipal; no nível institucional, determinado pela posição da municipalidade no pacto federativo brasileiro (no qual cidades pequenas e ou de fronteira possuem pouca relevância no diálogo federativo); e, no nível material, determinado pela inserção ou não do município nas cadeias de valor da economia global. Nesse sentido, há consenso quando embaixador Rubens Barbosa (2010:11) diz que “A inexistência de um marco jurídico de cooperação internacional descentralizada, contudo, tende a dificultar a coordenação das ações internacionais dos Estados com o governo central”, porém nos preocupa que é justamente a falta dos fatores de entrave que Junqueira levantou que justificam publicamente a elaboração do São Paulo no Mundo: Plano de Relações Internacionais 2011- 2014. O desafio que os dados analisados levantam é o de “[...] desenvolvermos critérios mais rigorosos e inclusivos para a replicação das práticas em espaços institucionais que garantam a

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maior participação dos pequenos municípios e a maior efetividade dessas ações” (Cezário, 2011:199). Não fazemos oposição às iniciativas pautadas no conceito da diplomacia federativa que priorizam a colaboração institucional com os membros mais poderosos da Federação, apenas questionamos os ganhos relativos em iniciativas que tendem a reificar assimetrias. Ainda mais se considerarmos a mobilização dos municípios que por meio de diversos fóruns (tais como o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUR; a Rede Mercocidades; a Confederação Nacional de Municípios; a Frente Nacional de Prefeitos; e, o Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais) demandam reconhecimento institucional do Itamaraty para desenvolver a paradiplomacia dentro das responsabilidades constitucionais municipais da Nova República. A despeito do indelegável papel do Estado na promoção do desenvolvimento socioeconômico e no combate à desigualdade social, com a intersecção das desigualdades raciais e de gênero (Fagnani, 2020; Haggard, 2015). A tendência observada na política internacional é a pulverização do poder por meio da agência de novos atores internacionais. O nível federal do Estado brasileiro não mais atua de forma inconteste e, na realidade, não dá conta da infinidade de temáticas e interesses que compõem a realidade global e doméstica. Em parte, consequência das transformações no sistema internacional e da descentralização do poder soberano popular na Nova República, o crescimento da paradiplomacia municipal nos termos da sua responsabilidade constitucional é expressão das aspirações políticas do povo brasileiro. A partir do diagnóstico oferecido, salientamos que quaisquer iniciativas que tenham por objetivo divulgar a importância dos fenômenos internacionais para a realidade local terão im-

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pacto estrutural no principal bloqueio à paradiplomacia municipal brasileira que é de natureza educacional e sociológica. A construção coletiva de norma constitucional que crie um mecanismo similar ao congênere do federalismo fiscal brasileiro para coordenar a formulação e execução da política exterior de todos os membros da Federação, e a construção de normas municipais para estabeleçam condições institucionais adequadas contribuirão no nível institucional. Por fim, a construção da integração regional latino-americana e caribenha contribuirá para uma melhor inserção internacional para a maioria dos municípios brasileiros nas cadeias globais de valores.


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Víctor Ferreira de Almeida Mestrando no programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Especialista em Gestão Pública Municipal e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Pampa. Mail: kelly.agopyan@usp.br

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AS CAPITAIS BRASILEIRAS PELO CLIMA: O CASO DO FORO CB27 Ana Carolina Medeiros Simões de Abreu

Resumo O axioma “pensar global, agir local” nunca esteve tão em evidência para as cidades brasileiras como atualmente. Num contexto em que se intensifica a emergência global para uma governança climática e ambiental, observa-se uma falta de atuação assertiva por parte governo federal brasileiro. Dessa forma, os entes subnacionais brasileiros desfrutam de uma oportunidade inédita para liderar a concretização das agendas internacionais para a sustentabilidade e, concomitantemente, alavancar seu desenvolvimento. Diante cenário, a partir da literatura sobre o fenômeno da paradiplomacia no Brasil e sobre a governança climática multinível, o presente artigo tem como objetivo analisar mais profundamente o caso do Fórum de Secretários de Meio Ambiente das Capitais Brasileiras - CB27 como um catalisador da implementação da principal agenda sobre clima atualmente, o Acordo de Paris. Palavras-chave: Gestão ambiental; ação climática municipal; cooperação.

@chaarlotteborges

Resumen O axioma “pensar global, agir local” nunca esteve tão em evidência para as cidades brasileiras como atualmente. Num contexto em que se intensifica a emergência global para uma governança climática e ambiental, observa-se uma falta de atuação assertiva por parte governo federal brasileiro. Dessa forma, os entes subnacionais brasileiros desfrutam de uma oportunidade inédita para liderar a concretização das agendas internacionais para a sustentabilidade e, concomitantemente, alavancar seu desenvolvimento. Diante cenário, a partir da literatura sobre o fenômeno da paradiplomacia no Brasil e sobre a governança climática multinível, o presente artigo tem como objetivo analisar mais profundamente o caso do Fórum de Secretários de Meio Ambiente das Capitais Brasileiras - CB27 como um catalisador da implementação da principal agenda sobre clima atualmente, o Acordo de Paris. Palabras clave: PGestión ambiental; acción climática municipal; cooperación.

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Ana Carolina Medeiros Simões de Abreu

AS CAPITAIS BRASILEIRAS PELO CLIMA: O CASO DO FORO CB27 Ana Carolina Medeiros Simões de Abreu

Abstract The axiom “think global, act local” has never been so in evidence for the Brazilian cities such as today. In a context that the global emergency intensifies for environmental and climate governance, it is observed a lack of blunt action from the Brazilian federal government. Therefore, the Brazilian subnational entities enjoy an unprecedented opportunity to be leading figures on international agendas consolidation. Moreover, it is an opportunity to leverage their development. Given this scenario, from the literature about the paradiplomacy phenomenon in Brazil and the multilevel climate governance, the present article has the goal to analyze more deeply the case of the Forum of the Secretaries of the Environment of Brazilian Capital Cities - CB27 as an implementation catalyst of the current main agenda about climate, the Paris Agreement. Key words: Environmental management; municipal climate action; cooperation.

INTRODUCTION

A

lthough the symptoms of global environmental degradation, such as climate change, can be felt at any part of the globe, the real restauration of the environment-humanity relation will happen only in the local level. Specifically, in terms of combating climate change, cities are of particular interest and relevance to the success of the Paris Agreement, the current main agenda about climate. They are where most of the activities that emit greenhouse gases occur, as well as where the impacts resulting from climate change will be more severe. For this same reason, the subnational governments are actors who have enormous power to change strategic policies and practices (MACEDO, 2017). Therefore, despite the evident important role that national governments play in the governance of climate change, subnational entities must be recognized as vectors of disruptive changes. Global problems demand local solutions.

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The Brazilian cities through the decentralized international cooperation, especially participating in transnational city networks, have been following a global trend of articulation to address the environmental and climate challenges (BARBI & MACEDO, 2019). At the same time, in a context that the global emergency intensifies for environmental and climate governance, it is observed a lack of blunt action from the Brazilian federal government. Thus, the Brazilian subnational governments enjoy an unprecedented opportunity to be leading figures on international agendas consolidation. Moreover, it is an opportunity to leverage their development. Given this scenario, from the literature about the multilevel climate governance and the paradiplomacy phenomenon in Brazil, the present article has the objective to analyze more deeply the case of the Forum of the Secretaries of the Environment of Brazilian Capitals Cities - CB27 as an actor of the global climate governance. The Forum CB27 brings together government officials responsible for the environment management from the ad-


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ministration of 26 Brazilian capital cities and Brasília, the country’s capital. Its goal is “to strengthen and coordinate the actions of the heads of the departments of the environment, exchange experiences regarding sustainability, and push forward environmental agendas” (Fórum de Secretários de Meio Ambiente das Capitais Brasileiras [CB27], s.f). Consequently, the questions that emerges are: to what extent do the forum influence the design and execution of local climate actions? In this way, does the forum effectively participate into global climate governance and contribute to the implementation of the Paris Agreement? To answer those questions, it will be analyzed the institutional framework and the forum activities through documentary research with official documents produced by the Forum CB27, such as meeting minutes, positioning letters and publications. Within these documents, the forum’s impact on local government will be verified under five factors that, according to Bulkeley and Betsill (2003), determine the opportunities and constraints on the implementation in group of climate protection policies: 1) the presence of an individual committed to the topic that has institutional support; 2) availability and access to investment funds in sustainable/climate initiatives; 3) autonomy and power to influence sectors critical to climate change (such as energy, transport, and land use); 4) the way the problem is posed to the actors (how it is defined and understood); and 5) political will to act.

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MULTILEVEL GOVERNANCE OF CLIMATE CHANGE v First, it is necessary to define what climate change is and how the issue is being addressed. According to Bulkeley and Betsill (2003): Climate change (also known as ‘global warming’) refers to an increase in mean annual surface temperature of the earth’s atmosphere, due to increases in atmospheric concentrations of greenhouse gases, such as carbon dioxide (CO2), methane (CH4), CFCs and nitrous oxide (N2O). […] The IPCC reports that the average global surface temperature increased 0.6ºC during the twentieth century (Houghton et al. 2002). This temperature increase has been linked to a number of observed changes in the global climate […]. (p. 1) In 1988, the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) was created by the World Meteorological Organization (WMO) and the United Nations Environment Programme (UNEP) “to assess the thousands of scientific papers published each year to provide a comprehensive summary of what is known about the drivers of climate change, its impacts and future risks, and how adaptation and mitigation can reduce those risks” (Intergovernmental Panel on Climate Change [IPCC], n.d., on-line). The main questions posed to the world since then had been what the causes of this process are and how to circumvent them. Over time, the IPCC reports have become the most important assessment to understand this matter. In face of the growing concern about climate change, and IPCC warnings that there was strong evidence that this process was being intensified by human action, within the United Nations Conference on Environment and Development (UNCED), the Earth Summit, a major part of countries worldwide signed in Rio de Janeiro in 1992 the United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC). The

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parties, that is, the 197 countries that have ratified the Convention in 1994, agreed on “preventing ‘dangerous’ human interference with the climate system” (United Nations Framework Convention on Climate Change [UNFCCC], n.d., on-line). Since then, every year it is held the Conference of Parties (COP) to promote more engagement from nations to tackle climate change. Until COP-20 it was verified not much effort from the parties. However, the remarkable IPCC Fifth Assessment Report (AR5) provided more certainty about global warming and human influence on the climate system. It also framed the alarming situation in which we found (and still find) ourselves: “continue emission of greenhouse gases will cause further warming and long-lasting changes in all components of the climate system, increasing the likelihood of severe, pervasive and irreversible impact for people and ecosystems” (IPCC, n.d., on-line). Thus, it was in 2015, at COP-21 in Paris, that the sense of urgency emerged on the parties (with a contribution from the pressure of the global civil society) and the unprecedented agreement was signed between them to affirm their commitment to the mitigation and adaptation of climate change: the Paris Agreement. The Paris Agreement is a legally binding international treaty on climate change. […] Its goal is to limit global warming to well below 2, preferably to 1.5 degrees Celsius, compared to pre-industrial levels. To achieve this longterm temperature goal, countries aim to reach global peaking of greenhouse gas emissions as soon as possible to achieve a climate neutral world by mid-century. (UNFCCC, n.d., on-line) The agreement takes into consideration that not all countries have followed the same development path, which means that the most developed countries have historically emitted more greenhouse gases and still emit, considering the consumption pattern of their po-


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pulations. For this reason, each party declared its Intended Nationally Determined Contributions (iNDCs): actions they intended to take to reduce their greenhouse gas emissions. Under the national ratification of each country, the iNDCs turned into Nationally Determined Contributions (NDCs). During the present period of rapid and extensive global change, however, the constitutions of national governments and their treaties have been undermined by the demands and greater coherence of ethnic and other subgroups, the globalization of economies, the advent of broad social movements, the shrinking of political distances by microelectronic technologies, and the mushrooming of global interdependencies fostered by currency crises, environmental pollution, terrorism, the drug trade, AIDS, and a host of other transnational issues that are crowding the global agenda. These centralizing and decentralizing dynamics have undermined constitutions and treaties in the sense that they have contributed to the shifts in the loci of authority. Governments still operate and they are still sovereign in several ways; but, as noted above, some of their authority has been relocated toward subnational collectivities. Some of the functions of governance, in other words, are now being performed by activities that do not originate with governments. (Rosenau, 1992, p. 3)

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ecosystemic limits. (MACEDO, 2017, p. 57, author translation) In other words, the effects of climate change such as desertification, rise of sea levels, and other extreme climate events, will (and already are being conducted) result into huge and real changes on the ground, intensifying conflicts over land and resources use. Hence, the municipality, being the federative entity closest to citizens and the territory, has a better capacity to respond faster and more effectively to those events. It has the potential to meet needs and provide well-being by understanding the local variables to consolidate and conduct public policies. Nevertheless, it is important to not consider the local scale as a mere frame of reference, “a socio-spatial container in which the sum of institutional, social and physical relations necessary to achieve a more sustainable future can be found” (Marvin & Guy, 1997, p. 312, apud. Bulkeley & Betsill, 2010, p. 47), but the multiple and interconnected processes and spheres of authority that rely upon the local capacity and political will for urban sustainable development and coping with climate changes. That is:

Likewise, the global nature of climate change does not mean that only national states are responsible to address it. On the contrary, the local governments must be considered as an important stakeholder on the climate global governance (Bulkeley & Betsill, 2003; 2010; Hoffmann, 2011; Giddens, 2011; Ostrom, 2009). In fact:

Underpinned by the traditional divisions of political science (Shaw, 2004) and spatial and scalar imaginations which separate the global, national, and local, traditional accounts of environmental politics can offer only partial insight into the changing geographies of environmental governance characterised by increasingly complex vertical linkages between state institutions and the emergence of new political spaces (Leitner & Sheppard, 2002; Shaw, 2004). (Bulkeley & Betsill, 2010, p. 59)

The negotiations and policies of nation-states in global governance are admittedly insufficient to solve the problem of climate change, the impacts of which affect countries, regions, and cities, regardless of their geopolitical or

In this context, despite the Paris Agreement negotiations fortunately involved the participation of several non-state actors from the global civil society (subnational governments, national and international organizations, the

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

private sector, and so forth), it is necessary to identify these new political spaces and strengthen them to the agreement’s implementation. It is in these spaces that occurs a polycentric political power. That is, small- to medium-scale governance units linked together through information and monitoring networks to share the responsibility and costs undertaken in reducing individual emissions, then building a strong commitment in finding ways to do it. (Ostrom, 2009). Therefore, according to Macedo (2017): Climate governance can be understood as the processes in progress at different levels of government - international, national, sectoral, and local - and, from different sectors of society, to deal with the causes and effects of climate change; it includes international treaties, rules and regulations applicable by international institutions, inspection mechanisms and financing agents. It is also considered that voluntary commitments and actions from non-state actors have been increasingly inserted, obtaining recognition of their role in the implementation of commitments for the reduction of greenhouse gases, the heart of the global climate issue. (p. 56, author translation)

BRAZILIAN PARADIPLOMACY: A MEAN FOR THE CLIMATE LEADERSHIP Operating on a 5-year cycle, the Paris Agreement predicts that, by 2020, countries should increase their ambitious over their NDCs. Unfortunately, Brazil presented a new NDC much less ambitious than the last one presented in 2015. The proposal reaffirms the target indicated in 2015, which provides for a 43% reduction in emissions by 2030 compared to 2005 levels, but it is in sharp contrast to the Brazilian civil society proposal, which advocates an 81% cut in emissions by 2030 in relation

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Ana Carolina Medeiros Simões de Abreu

to 2005 levels (Observatório do Clima [OC], 2020). If all countries had the same ambition, a reduction of 43% would take us to a world about 3ºC warmer. In this sense, the federal government of Brazil is currently missing out on the opportunity to be a prominent player in global climate governance, wasting a historic role that the country has assumed in recent years at the forefront in the fight for the protection of the environment and the climate. In 2009, the Brazilian federal government had adopted a prominent position toward risen the climate ambition internationally, presenting a voluntary target of reducing its greenhouse gas emissions by 36.8% to 38.9% by 2020. As a result of five years of falling deforestation rates, emissions in 2009 were declining. Therefore, the reduction proposed in that scenario seemed more than doable: it was a practically fail-safe target (Talanoa, 2020). At the end of that year, the voluntary target would turn into the National Policy on Climate Change (Law No. 12.18746). Despite the optimistic outlook, the Greenhouse Gas Emissions Estimation System (SEEG) found that Brazil would not meet the target even in your least ambitious threshold, according to Talanoa (2020). Gross national emissions of greenhouse gases have grown 28% since 2010 - that is, since the regulation of the climate law, the country has increased its emissions by more than a quarter instead of reducing them. The strongest acceleration was precisely in the sector that had more ambitious goals, that of land use: since the PNMC [National Policy on Climate Chage] decree, the country has seen its emissions from deforestation rise 64% (Talanoa, 2020, p.73, author translation). Even with a weak performance from the Brazilian federal government, an increase in international attention to measures to combat climate change around the world put a spotlight on the country. Its wealth of fauna and flora,


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especially in the Amazon Forest, is essential for the climate maintenance. Also, Brazil has been a prominent renewable energy producer, with an untapped potential yet. In this context, the Brazilian subnational governments can be leading figures on international agendas consolidation. Moreover, it is an opportunity to leverage their development. With this global concern on climate change, a greater flow of investment and effort is being allocated to sustainable initiatives. Consequently, the cities that present programs and projects that view efficient use of natural resources adopting traditional knowledge, transport electrification combined with renewable energy usage or stimulating the circular economy with decreased waste policies, for example, can gather more investments and/or partnership with non-governmental organizations, development banks, and other countries or cities.

As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27

lation). Within this action scope, also as stated by Rodrigues (2008), the subnational governments have been increasing their international insertion. Milani and Ribeiro (2011) verify more specifically that Brazilian cities have an improved participation in transnational cooperation networks and international organizations. They identify that “these formal and informal institutional schemes develop out of a common interest in providing public goods more efficiently, and implementing regional and cross-border economic, cultural and social projects” (Milani & Ribeiro, 2011, p. 32). Analyzing more deeply those institutional schemes, the transnational municipal networks stand out as an important player in climate governance mainly by stimulating local governments to develop and implement climate policy initiatives through information, capacity building, best practices, concrete projects, and access to funding (Barbi & Macedo, 2019).

In Brazil, in addition to being viable, it is practically only independently that they can act for sustainability in their territories. In the light of the Federal Constitution of 1988, is verified the ability of municipalities to make the kind of decision on what to prioritize for the maintenance of natural resources and better use of spaces. The German Basic Law of 1949 offered a model for dealing with governance challenges: the guarantee of the inviolability of human dignity and the principle of subsidiarity (Frey, 2018). Inspired by that, the Brazilian constitution presupposes cooperative federalism and municipal autonomy that orient municipalities’ decisions by local needs and specificities. Also, from this model, decentralization, and important rights, such as the right to the environment, were established. The decentralization provides the understanding “[…] that subnational government can act internationally within the scope of their federative autonomy, that is, within the framework of their expressed constitutional competences, whether exclusive or common […]” (Rodrigues, 2008, p. 1017, author trans-

229


Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

Some of the transnational municipal networks that Brazilian cities participate are C40, Global Covenant of Mayors for Climate and Energy, and ICLEI – Local Governments for Sustainability. ICLEI could be selected currently as one of the most structured, active, and influent transnational municipal networks acting in Brazil. So far, according to its website, ICLEI is present in more than 100 countries and brings together more than 1,750 local and regional governments. Constitutes a global network of cities that, together with the team of specialists hired in each country or region, enables the access to knowledge, tools, and partnerships with local governments to guide them on the path of sustainability (ICLEI, n.d.). One of its most relevant actions was the Cities for Climate Protection (CCP) programme, which aimed to introduce and support the planning of climate action in cities across the globe. Launched in 1993, the programme was “the first international initiative aimed at enabling local governments to reduce emissions” (Barbi & Macedo, 2019, p. 125). With the participation of nearly 1,000 cities around the world acting in network, many of its initiatives and projects with cities are now considered to be successful climate protection activities. Betsill and Bulkeley (2006:141) argue that the CCP Campaign exemplifies a new form of governance in global efforts to mitigate climate change, being ‘simultaneously global and local, state and non-state’ and taking place ‘through processes and institutions operating at and between a variety of scales and involving a range of actors with different levels and forms of authority’. (Barbi & Macedo, 2019, p.126) National networks could also be considered change vectors towards the implementation of international agendas such as the Paris Agreement. Since they act closer to the local government, the understanding of the local reality, the potentialities, and important players could give a better look upon what and how these factors can leverage or be an obstacle to

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the implementation of the agendas. Moreover, the polycentric approach has been more pursued currently since the federal government is not substantially contributing with the climate agenda, making the local actors cooperate more between them and turn themselves more to the international scene.

FORUM CB27 Under the logic of federative cooperation and municipal autonomy, the National Environment Policy (Federal Law nº 6.938 / 81 and Decree nº 99.274 / 90) was instituted to ensure the right to the environment for all. It envisages “[...] that the performance of the bodies and entities takes place in a coordinated and articulated manner, and with the promotion of public access to information on environmental degradation and environmental protection actions” (IPAM & FGV, 2015, p. 8, author translation). So, in order to regulate the performance of each government sphere, the National Environment System (SISNAMA) was instituted by the National Environment Policy (PNMA), which, in turn, instituted the Municipal Environment System (SISMUMA), defining the “set of bodies and entities of the Municipality that are responsible for the preservation, conservation, protection, defense, improvement, recovery, and control of the environment and adequate use of the Municipal environmental resources” (Ávila & Malheiros, 2012, p. 3, author translation). They are the municipal environment agencies (secretariats) and units (IPAM & FGV, 2015), which have many responsibilities such as planning and management actions for the sustainable use of natural resources, tax policies to encourage sustainable forms of production, command, and control actions such as environmental licensing and inspection, promotion of environmental education, among others (Brazil, 2006). The Secretariats of the Environment represent the administra-


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tive political structure for municipal environmental management. It oversees consolidating the policies and instruments to integrate environmental issues and the various urban public policies. That is, “to advance in the introduction of the environmental variable in the local planning systems and in the execution of development policies of the Municipality, building mechanisms that lead to sustainability” (Ávila & Malheiros, 2012, p. 36, author translation). In this context, the Forum of the Secretaries of the Environment of Brazilian Capital Cities CB27 present a prominent role in improving the capacities of Brazilian cities on environmental management, especially Brazilian capital cities. The forum brings together government officials responsible for the environment management (secretaries) from the administration of the 26 Brazilian capital cities and Brasília, the country’s capital. It also represents about a quarter of the Brazilian population and approximately 29% of the national GDP (CB27, 2016b), which provides an extremely significant performance of possible sustainable urban transformations in the Brazilian context.

As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27

novation since the subject was still being treated in an incipient way among Brazilian cities. The institutional and financial support of the Konrad Adenauer Foundation in Brazil (KAS Brazil), german political foundation that acts in Brazil and in the world by strengthening democracies, since the beginning of the forum was fundamental for the consistency of its activities, and for further leveraging the potential of the forum. Besides promoting the meetings, the support made possible technical visits and international missions to exchange more current and effective experiences abroad (CB27, 2019). In addition, the partnership with ICLEI, initiated in 2017, promoted greater access to knowledge, tools, partnerships, programs, and projects that have been contributing substantially to institutional strengthening (CB27, 2019).

The forum was born with an innovative approach, within the most cutting-edge discussions of sustainability at the time, which is the Rio +20 of 2012, the conference that resulted in the formulation of the sustainable development agenda, the 2030 Agenda. Proposed by the Municipal Environment Secretary of Rio de Janeiro at the time, Carlos Alberto Muniz, the idea of the forum was to be like the network of megacities C40, with recurring meetings between the municipal secretaries of environment “so that they could cooperate through their successful secretariats management cases, in particular to find solutions to environmental problems in Brazilian capitals” (Pereira, 2016, p.27, author translation). In addition, as Pereira (2016) points out, the theme of climate change was chosen to be the focus of discussions, which also represented an in-

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

CB27 promotes the dialogue among the secretaries through meetings that also involve the participation of representatives from other levels of government, other networks of cities (national and international), civil society organizations and the private sector. In this way, the meetings are spaces of wide and intense exchange of experiences not only between secretaries, but between multiple actors. Since 2012, the forum has held 20 national and 16 regional meetings, addressing topics of interest to the secretaries and of significant relevance and topicality for the protection and conservation of the environment, such as climate change. Through seminars and technical visits, the secretaries can access methodologies and tools experienced by the other secretariats and different sectors of society that can be incorporated to increase the efficiency of environmental management and new projects and policies to face climate change. As well as CCP programme, promoted by ICLEI, was part of a shift towards the multilevel governance of climate change, it is argued that CB27 can also be considered as a prominent actor in climate governance. And to assess such relevance, the impact assessment framework of the CCP program developed by Bulkeley and Betsill (2003) will be used to analyze official documents produced by the Forum CB27, such as meeting minutes, positioning letters and publications. The framework posed by Bulkeley and Betsill (2003) identifies: […] five key factors that shape the impact of the CCP programme on local governments and the implementation of climate protection policies: 1) the presence of a committed individual with institutional support for promoting climate protection. 2) the availability of funding for climate protection measures. 3) the level of local power over transport,

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energy, and planning. 4) the way climate protection is framed, particularly in relation to economic objectives. 5) the political will to act. (pp. 4-5) The documentary research was the chosen methodology due to restrictions of time to access primary data and to be considered the most appropriate in face of the restrictions, since “[…] the richness of information that we can extract and retrieve from them [the documents] justifies its use [...] because it makes possible to broaden the understanding of objects whose understanding needs historical and socio-cultural contextualization.” (Sá-Silva, et al., 2009, p.2). In fact, considering that the documentary research can provide the “[…] observation of the maturation process or evolution of individuals, groups, concepts, knowledge, behaviors, mentalities, practices, among others (CELLARD, 2008)” (Sá-Silva, et al., 2009, p.2), this methodology will help precisely to map and have a broader picture of the CB27 impact. The pre-analysis phase (Julio et al., 2017) or the data reduction (Ahmed, 2010) consists in get in touch with the documents; selection of some documents for further analysis (the corpus), obeying the rule of completeness, representativeness, homogeneity, and pertinence; objectives and hypothesis formulation, referencing of the indices (subjects dealt with in a document) and the development of indicators (measure that indicates a trend); and edit/organize the documents, compiling them (Julio et al., 2017). “Data reduction is the translation of information from one form to another form to simplify problems of analysis, storage, and dissemination to others (Selltiz, Wrightsman and Cook, 1981).” (Ahmed, 2010, p. 7). The second phase is the process of presenting and analysing the data (Ahmed, 2010). In other words, is the material exploration, with “actions of coding, categorization, discount (deduct, reduce something compared to the whole, discard) and enumeration, where the


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analysis itself is based on guidelines previously formulated by the researcher” (Julio et al., 2017, p. 23). The last and third phase is the obtained results treatment and interpretation. […] this stage is where the results obtained through the second phase are worked on in order to become meaningful and valid, converging the results obtained to the theoretical scope which allows the researcher to approach conclusions, inferences and interpretations that lead to the progress of the search. (Julio et al., 2017, p. 24) To the present research, the documents were selected from the consultation of all documents (rule of completeness) of the section “meetings” of the Forum CB27 website (rules of homogeneity and pertinence), considering that this would better represent the universe to be analyzed by presenting the forum’s members, activities, and results (rule of representativeness). Since the forum has a dynamic composition throughout the years, due to the political changes of secretaries’ names, the meetings content query allows to observe the maturation process or evolution of the forum, and its impact. Nevertheless, there were some publications (books, booklets, and reports) produced by the forum that were also considered important for the analysis, but they only served as support for data analysis, as they present a macro view of the forum. To guide the analysis, the objective (to analyze the role of the CB27 Forum in the global climate governance) and the hypothesis (the CB27 Forum contributes to the global climate governance and implementation of the Paris Agreement) were formulated. Then, through an exhaustive reading of the material, the most discussed topics in the documents (quantifiable indices) and trends (indicators) were identified. The indices should reflect the research purpose and can arose from the theoretical framework of the research (Sá-Silva et al., 2009, p.12). It is emphasized that content analysis is one of the different ways of interpreting the content

As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27

of a text, adopting systematic rules to extract thematic meanings [...]. It consists of relating the frequency of the citation of some themes, words or ideas in a text to measure the relative weight attributed to a given subject by its author. [...] The message can be apprehended, decomposing the content of the document into simpler fragments, which reveal subtleties contained in a text. The fragments can be significant words, terms or phrases in a message (Chizzotti, 2006). (Sá-Silva, et al., 2009, p.11) In this sense, the selected documents were compiled in an Excel table where fragments of them (the corpus) were classified by its type (meeting minute or positioning letter) and encoded by quantifiable indices and indicators. After the enumeration of 71 documents fragments, it was possible to identify some constant themes, that is,reference the quantifiable indices: institutional framework; exchange of experiences or policies; economic issues; multilevel interaction or cooperation; local climate tools or projects. The institutional framework theme appeared when what was discussed or spoken in a meeting revealed that the institutional organization of the forum influenced a member’s action toward the implementation of a climate policy or project, or it refers to the institutional organization itself. Exchange of experiences or policies was identified in the many presentations of the secretaries’ initiatives, discussion of common problems or challenges and possible solutions, or when the exchange itself was carried out (a secretariat implementing an initiative from another secretariat). The theme of economic issues arose from discussions of common secretaries’ difficulties

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

with budget, and presentation and/or discussion of solutions within the forum or funding opportunities. Multilevel interactions or cooperation were identified in the participation of numerous sectors of society in the meetings, establishment of partnerships with them and interaction and/or advocacy with other levels of government. Finally, many local climate tools or projects were presented for the forum’s members, advocated in the context of the forum, and used by most of them, so it is also a category of analysis to be considered. The indicators were the five key factors identified by Bulkeley and Betsill (2003) in a way to analyze if these trends occur within the Forum CB27. Then, the fragments that exposed a

particular trend were allocated among these indicators. Each fragment could be classified by one or more indicator. In the final analysis, there was the attempt to explore the links between the various items, trying to establish relationships and associations and then start to combine, separate, or reorganize them. The table below indicates the frequency of indices by indicator (and the number of fragments allocated for each indicator in parenthesis). The occurrence of some indices much more times than others could suggest the explanatory variable of the trend indicated. These variables are highlighted in the tables in different colors, respectively to the indicator that might be explaining.

Table 1: Frequency of indices by indicator. Indice / Indicador

1 (16)

2( 12)

3 (24)

4 (7)

5 (14)

Institucional framework

5

1

8

0

7

Exchange of experiences / policies

12

1

10

1

7

Economic issues

0

11

4

7

2

Multilevel interaction / cooperation

2

11

4

4

9

Local climate tools / projects

5

0

17

4

2

Source: Self elaboration.

234


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To a more accurate analysis, below there are some fragments of each indicator that were revisited in the search for integration of them with the predominant variables (indices) to explain each trend (indicator). Presence of a committed individual with institutional support for promoting climate protection. Bulkeley and Betsill highlight that the interest of individuals can leverage the implementation of climate policies within the municipality. These “individuals have seen the CCP programme as providing personal benefits, including opportunities to voice concerns, learn from others in a supportive environment, gain international experience and promote their interests within the local government” (Bulkeley & Betsill, 2003, pp. 174-175). Despite the discontinuity that this personal interest can result, in case of political changes, it has the potential to institutionalize their concerns and interests in initiatives and/or projects proposed or created in the context of their engagement (Bulkeley & Betsill, 2003). In the case of CB27, it is observed that its institutional structure engages the personal expression of the secretaries in conducting the activities of the forum. In all meetings they can share their initiatives as well as collecting experience from others. Especially when the forum had promoted regional meetings, when was verified that the secretaries identified themselves better to express their concerns and exchange experiences, since they face similar problems and challenges. Moreover, the Secretary host of the meeting presented more engagement as it presented to be an opportunity to promote their interests within the local government. For example, the city host invited their mayors or key actors to get more involved in the topics that were in discuss, or even making more feasible the implementation of climate policies. That was the case of the municipality of Teresina when hosted the XIV National Meeting of the Forum CB27, as stated

As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27

in the meeting minute. In the occasion, the mayor of the time, Firmino Filho, signed the accession to the Global Covenant of Mayors for Climate and Energy (CB27, 2018b). Furthermore, when they perform the function of national coordinator, usually, they leverage the participation of the other Secretaries, once when taking this position, they feel more comfortable to voice concerns and create a supportive environment for others to also express their concerns and opinions, and, thus, learn from each other. The choice is democratically made by a consensus and any officer can candidate. They also see the position as an opportunity to promote their cities’ initiatives for the group and end up engaging their cities more in the group’s initiatives. For example, the national coordinator of the forum in 2020, and Rio de Janeiro’s Environment Secretary then, Bernardo Egas, created and launched the Bandeira Verde (“Green Flag”) - Capitals for Biodiversity project. The project proposes the creation of a seed exchange network for endangered species, guaranteeing the conservation of Brazilian flora at risk of extinction and proposing its sustainable use. By the end of 2020, 7,400 seeds were exchanged between three capitals - Rio de Janeiro, Recife, and João Pessoa, and 13 capitals cities joined the project (CB27,2020c). Availability of funding for climate protection measures. The availability of funding for climate protection measures has always been an important factor outlined in the national meetings of Forum CB27, such as observed in the many meetings that its subject was climate change or financing itself. The CCP programme, accordingly to Bulkeley and Betsill (2003), unlocked opportunities to local authorities to access external funding and establish internal funding arrangements. Likewise, CB27 also created those kinds of opportunities to the secretaries.

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

From seminars and technical visits, the Secretaries were able to access methodologies and tools experienced by different secretaries and sectors of society that can be incorporated to increase the efficiency of environmental and climate management and funding. A funding opportunity presented by the forum is the access by municipalities to resources from national public funds, such as the Climate Fund and the Amazon Fund. The forum promoted several discussions to enable the capitals to formalize project proposals with these funds (CB27, 2014a; 2014b; 2017a).

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they articulated with the National Association of Municipal Environmental Bodies (ANAMMA) to enable the transfer of the Environmental Control and Inspection Tax (TCFA), an important instrument for improving environmental licensing (CB27, 2017b). The level of local power over sectors critical to climate change.

Other external funding and funding arrangements identified, now with sectors of the civil society, were: celebration of terms of cooperation, in 2018, between the secretariat of Curitiba with the organization Plant-for-the-Planet (CB27, 2018a), which uses its own social technology to sensitize children and young people about the climate crisis and the importance of trees in its confrontation, and access to national and international funding institutions through their participation in the meetings, such as the CAF - Development Bank of Latin America, the World Bank, and the German agency for international cooperation, GIZ (Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit). In 2019, a study produced by SITAWI, KAS Brazil, and ICLEI, was presented to the Secretaries, mapping national and international funding sources.

Autonomy and power to influence sectors critical to climate change (such as energy, transport, and land use) is an important factor in the success of the network’s initiatives. As mentioned before, the secretaries are key to the implementation of the National Environment Policy, with direct influence on how energy, transport, sanitation, land use, and other basic public services, are being conduct. This happens especially trough the environmental licensing, but they also can implement innovative projects on these fields that aim to promote the responsible use of the natural resources. And, despite the political changes that the forum’s membership suffers, due to the electoral periods, just as happened in the case of the CCP programme according to Bulkeley and Betsill (2003), the importance of climate change has always been extensively discussed within the forum and commitments for climate protection have been made in such a way that, regardless the political changes, its accountability to the forum continues.

Also, worth noting that the Secretaries already have a powerful instrument that regulates polluting activities and charge for the potential environmental damage it may generate: the environmental licensing. Nevertheless, besides “climate protection measures are not something undertaking using mainstream local government finances” (Bulkeley & Betsill, 2003, p.184), there are problems with transfers and/ or with the licensing process itself (sometimes bureaucratic and time-consuming). Within the forum’s activities, they shared experiences for more efficiency of this process. And in 2017,

That means that a conceptual shared approach has been a factor which have shaped the forum longevity and influence in those sectors. It is verified, mainly, in the numerous cases of positioning letters to civil society, governments and international institutions, with commitments and advocacy for climate protection measures, and in the practical exchange of experiences. For example, some of them are the implementation of the Curitiba program in waste management, with its accessible collection points, by Maceió (CB27, 2016a) and the project to reduce João Pessoa’s energy

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consumption by introducing more environmentally friendly LED lamps in street lighting that arose from the meetings with the other Secretaries (CB27, 2014a). Here is also applicable what Bulkeley and Betsill (2003) highlight about the CCP programme: “The process of evaluating and monitoring local emissions of greenhouse gases is not only a technical exercise but provides a continual source of contact between the local authority and the network, and a sense of mutual dependency, which keeps the network together” (Bulkeley & Betsill, 2003, p. 175). Over time, as can be seen through the themes addressed at the meetings, broad awareness of the importance of mitigating and adapting to climate change and training to stimulate climate planning and action were carried out within the forum. In 2019, with the support of the forum, 17 capitals reported climate actions on the CDP-ICLEI platform, a global platform for voluntary action reporting on climate change (CB27, 2020a). In addition, all capitals are committed to the Global Covenant of Mayors for Climate and Energy (CB27, 2018a), the largest coalition of mayors and local authorities who are committed to planning and acting to tackle climate change. The data collected show more evidence of mutual dependence: 16 capitals have formulated their greenhouse gas emission inventories (CB27, 2020a), an extremely important tool for planning climate actions in which seven of them received direct support from ICLEI in their preparation. In turn, 12 capitals have already prepared their respective Climate Action Plans (CB27,2020a). The way climate protection is framed, particularly in relation to economic objectives. Another factor the authors judge to be critical in the local politics of climate change “is how the issue is defined and understood” (Bulkeley & Betsill, 2003, p. 184). They argue that CCP programme, as other initiatives which CB27 can be considered, as verified before, clarify

As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27

the understanding of synergies between reducing emissions of greenhouse gases and tackling other environmental, social, and economic issues. Nevertheless, there are also conflicts, especially with “economic regeneration or the interests of particular local industries” (Bulkeley & Betsill, 2003, p. 185). It is known that, in Brazil, the Amazon Rainforest represent an environmental and economic challenge and opportunity, at the same time. In the scope of the Forum CB27, there were regional meetings in regions that shelter this biome, and others that are threatened, in which possibilities for the capitals were identified to stimulate economic growth with the preservation and recovery of nature. One example is the REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation), “a mechanism that allows the remuneration of those who keep their forests upright, without deforestation, and with that, avoid the emissions of greenhouse gases associated with deforestation and forest degradation” (CB27, 2015, on-line, author translation) and the REDD+, that also includes “conservation activities, sustainable management of forests and increase of their stocks in developing countries” (CB27, 2015, on-line, author translation). The regulation of activities in those biomes is also extremely important to prevent their degradation, but also in more urban cities to prevent more degradation and carbon-intensive productive activities. And, as already pointed out previously, because the municipalities are closer to the territories, they are more able to carry out this inspection. That is why, in 2017, CB27 together with ANAMMA took a stand against a bill that “modifies the competence of municipal bodies in the licensing process for ‘implantation, expansion and operation of an undertaking potentially causing environmental degradation’, and environmental licensing review projects”(CB27, 2017, on-line, author translation). Another topic that revealed that environmental and economic issues are not necessarily oppo-

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Trabalho de Pesquisa em Paradiplomacia

site, was the covid-19 pandemic. The pandemic exposed the necessity to rethink the way the world eats, moves, and work, since the urban systems have been disturbing natural ecosystems. Therefore, visioning the necessary dependency exchange on some productive activities that do not produce in a sustainable manner or sustainable products, the CB27 discussed throughout the year 2020 possibilities of economic regeneration and environmental and climate protection (CB27, 2020d). The political will to act.

Ana Carolina Medeiros Simões de Abreu

Also, more than capacity building and support on technical issues, the forum highly stimulates the political will for local implementation of policies related to the tackle of climate changes. The report for civil society mentioned above is an example of advocacy to pressure the cities for more climate policies. Furthermore, as can be observed in an assessment that the 7-year activities report of the forum (CB27, 2019) carried out, but also with the previously mentioned activities and initiatives, 77% of the respondent capital cities have already implemented at least one public policy inspired by another city in the group.

Finally: Rather than being a technical issue regarding the need for more information or better practice, or an issue of changing behaviour within existing institutional structures, the interpretation and implementation of climate protection locally is a political issue, where different actors and groups seek to have their understanding of the problem, and its solutions, acted upon. (Bulkeley & Betsill, 2003, p. 185) Once the Forum CB27 is a selected group of political actors, the political will is fundamental to ensure the longevity and its own purpose of existence. And, such as stated before, its institutional objective and framework enable the accommodation of the different interpretations of the problem and its solution. In fact, it is the core of the forum: the exchange of solutions on environment management. The ultimate embodiment of this understanding is in the observed intention of the forum to launch a legislations hub (CB27,2020b), where the secretaries will find the text of the most innovative legislations from all capital cities about many issues of their concern to get inspired from.

Lastly, as Bulkeley and Betsill (2003) point out, it is very important to consider the political puzzle between the national and the subnational spheres to leverage the climate politics. “[…] the local politics of climate change is not taking place only within a discrete sphere of local governance, but through vertical relations of power and governance between the subnational and national state, and through transnational networks of local government” (Bulkeley and Betsill, 2003, p. 185). So, what could be verified was a continuous attempt to articulate a fluid cooperation and communication channel from the forum with others government levels, as can be stated by its meetings in 2016 (CB27, 2016c) and 2019 (CB27, 2019) with Ministers of the Environment, its participation in the tripartite commission1 (CB27, 2017c), and its articulation with ANAMMA, as presented before. Moreover, in accordance with the multilevel approach, there was participation of CB27 delegation in COP-20, COP-21, and COP-23, what ensure the advocacy at all levels (CB27, 2020a).

1 An institutional articulation promoted by the Ministry of the Environment to guarantee the shared action of environmental agencies of the three levels of government - Federal, States and Municipalities.

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THE CB27’S IMPACT Analyzing the forum’s structure and activities, through the document analysis of its meeting minutes, it was possible to identify the key factors that, according to Bulkeley and Betsill (2003), guarantee the implementation of climate policies by its members. The explanatory variables were also confirmed after further analysis since it was observed that the variables highlighted before had weight in the CB27’s impact on local governments, as summarized below per indicator. 1. The Forum CB27 is composed of individuals with decisive administrative and political roles within the local governments, the Municipal Secretaries of the Environment. Their personal interest has the potential to leverage the implementation of climate protection measures. Thus, it was verified that in fact, the forum’s institutional framework has been stimulating the secretaries’ commitment to climate protection, by offering a safe and supportive space to express common concerns and find possible solutions for the problems they face as secretaries. Additionally, the exchange of experience presented to be a powerful way of engagement, while promoting the initiative of some and is an opportunity to improve the work of others. They can also benefit from the forum’s support for local climate and environmental projects, and with the usage of local climate tools (such as the greenhouse gas inventory) to improve and promote their work. 2. The forum has provided multiple contacts for and opportunities of funding through the connection with financial organizations, development banks, or presenting options of other cooperation arrangements, as access to national funds, or partnerships that do not necessarily mobilize funds, but makes it more feasible to carry out climate protection measures.

As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27

3. The Secretaries have local power over key sectors for climate change, in accordance with the National Environment Policy. As discussions on climate change intensified and its importance was understood within the forum, a consensus was formed on the need for commitment and joint action to protect the climate. So, this has happened through the implementation of local climate projects or measures, positioning letters for climate protection, and exchange of experiences on the critical sectors for climate change. 4. Facing climate change also means profound reforms in economically productive structures, such as in the energy and transport sectors. Thus, large carbon-intensive companies in key sectors for climate policy lobby for resistance to change. In this way, the forum has sought multiple alternatives to boost carbon neutral activities, both inside and outside the forum through cooperation with other entities and institutions. 5. The political will of the forum’ members is reflected in all the points highlighted before, such as exchange of experience or policies about climate protection and implementation of local climate measures encountered within the forum. However, the institutional support that the forum promotes in articulation with other levels of the political sphere (state, national and international) arouses a special political interest of its members for the implementation of climate policies, since it promotes greater visibility and enables greater advocacy and more aligned with your interests. Therefore, it is possible to conclude that the CB27 Forum can be recognized as a player in global climate governance. The forum presents to be the glue that ties important actors such as the secretaries to the new spaces and political movements that are emerging vertically in climate governance, as noted by Bulkeley and Betsill (2010). The secretaries, as important actors that they are for the con-

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duct of Brazilian environmental and climate policy at the subnational level, observed in the forum the opportunity to provide and manage public goods more efficiently and implement cross-border social-economic-environmental projects, such as highlighted by Milani and Ribeiro (2011), and strengthened this space as a polycentric political power for pushing forward sustainable development and climate agendas. In other words, it keeps them updated and connected with programs, projects and stakeholders from different levels of government (state and national) and locality (national and international) for the protection of the climate. It also contributes to the improvement of its local work, serving as a network for the exchange of knowledge, experiences and opportunities in the most diverse topics addressed to them, such as land use, sanitation, energy, among others. Therefore, by cooperating with other non-governmental actors and administrative-political competence, the secretaries as a group can influence on some aspects of the key sectors that should promote the necessary turn to tackle climate change.

CONCLUSION Climate change is an urgent issue and demands fast and effective responses from all sectors of society. Nevertheless, what the multilevel climate governance approach claims is the overlapping of responsibilities and activities to cooperation on less costly initiatives for all. In this sense, a model of cooperation that emerge are the transnational municipal networks, to the share of capacity, information, best practices, and projects on climate change. In addition, there are national networks that could also promote a model of cooperation but including more attention to the local realities. In Brazil, it is verified the involvement of local governments on national and transnational networks, because of its evident win-win to the socio-economic-environmental develo-

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pment agenda, but also due to the little engagement from the federal government on these agendas. Therefore, the Forum CB27 presents to be this horizontal cooperation platform for the Brazilian capital cities to comprehend their challenges and work together on environmental and climate solutions through the tools, projects, and partnerships proposed by them and by ICLEI and KAS Brazil. The CB27 differs then from other networks by the strong shared conceptual approach that arises from the identification among its members. Thus, promoting more in-depth cooperation, greater sharing of experiences and strong positions and actions. Based on this assessment, it is possible to affirm that the CB27 is a network that effectively supports the implementation of local climate policies, fostering capacity building in the preparation of greenhouse gas inventories and climate action plans, and promotes the political environment for the exchange and implementation of policies for climate mitigation and adaptation, generating gains not only in combating climate change but also for urban environmental management and society.


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As capitais brasileiras pelo clima: o caso do Foro CB27

Ana Carolina Medeiros Simões de Abreu Ana Carolina Abreu es internacionalista de la Pontificia Universidad Católica de Río de Janeiro (PUC-Río) y está cursando una maestría en Prácticas de Desarrollo Sostenible en la Universidad Federal Rural de Río de Janeiro (UFRRJ). Fue Coordinadora del Grupo de Trabajo Ciudades Sostenibles en Engajamundo, entre 2016 y 2018. Desde entonces, ha apoyado la implementación de proyectos en varias áreas en la Fundación Konrad Adenauer en Brasil (KAS Brasil) y, actualmente, es la Coordinadora de Proyectos de Descentralización y Desarrollo Sostenible. Mail: ana.abreu@kas.de

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PARADIPLOMACY AND SMART CITIES, TWO SIDES OF THE SAME COIN: PLANNING, DEVELOPMENT, AND INTERNATIONALIZATION OF CITIES Sara Moreno Cyrino Carvalho / Aline Ananda Marques Dantas

Abstract This report intent to present the relationship between paradiplomacy and smart cities. Bearing in mind that smart cities seek to establish the optimization of municipal dynamics and potential to bring greater quality of life to their citizens and the paradiplomacy, in general, it is a parallel diplomacy (carried out by federative entities) of that engendered by the Federal Government and aims to meet local demands, often overlooked by central governments, using the means provided by globalization. In the specific objectives, we seek to understand how the historical process of origin of smart cities occurs and its transformations along this process; point out the difference between smart cities and digital cities; present the debates around the concept of paradiplomacy; demonstrate examples of how international relations and paradiplomacy are involved in the implementation of smart cities. For the materiality of this research, it researches bibliot graphic review as a methodological tool. It concludes that smart cities and paradiplomacy can complement each other to meet local development and well-being goals.

@chaarlotteborges

Key words: Paradiplomacy; smart cities; development; internationalization of cities.

Resumen Este artículo tiene como objetivo general, presentar la relación entre la paradiplomácia y las ciudades inteligentes. Considerando que las ciudades inteligentes buscan establecer la optimización de las dinámicas y potencialidades municipales de forma que consigan traer mayor calidad de vida a sus munícipes y para la paradiplomácia, de forma general, se trata de una diplomacia paralela (ejecutada por entes Federales) de aquella que fue engendrada por el Gobierno Federal y con el propósito de atender las demandas locales, muchas veces olvidadas por los gobiernos centrales, utilizando los medios propiciados por la globalización. En los objetivos específicos buscamos entender como se da el proceso histórico del origen de las ciudades inteligentes e sus transformaciones al largo de este proceso; Apuntar la diferencia entre las ciudades inteligentes y ciudades digitales; presentar los debates en torno al concepto de la paradiplomácia; demostrar ejemplos de como las relaciones internacionales y la paradiplomácia se ven envueltas en la implementación de las ciudades inteligentes. Para la materialidad desde investigación buscamos como instrumento metodológico la revisión bibliográfica. Concluimos que las ciudades inteligentes y la paradiplomácia se pueden complementar para atender los objetivos locales de desarrollo y bienestar. Palabras clave: Paradiplomacia; Cooperação Internacional; Covid-19; Bahia

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PARADIPLOMACY AND SMART CITIES, TWO SIDES OF THE SAME COIN: PLANNING, DEVELOPMENT, AND INTERNATIONALIZATION OF CITIES Sara Moreno Cyrino Carvalho / Aline Ananda Marques Dantas

Resumo Este artigo tem como objetivo geral, apresentar a relação entre a paradiplomacia e as cidades inteligentes. Tendo em vista que as cidades inteligentes buscam estabelecer a otimização das dinâmicas e potencialidades municipais de forma a trazer maior qualidade de vida aos seus munícipes e a paradiplomacia, de forma geral, trata-se de uma diplomacia paralela (executada por entes federativos) daquela engendrada pelo Governo Federal e tem como propósito atender as demandas locais, muitas vezes esquecidas pelos governos centrais, utilizando os meios propiciados pela globalização. Nos objetivos específicos buscamos entender como se dá o processo histórico de origem das cidades inteligentes e as suas transformações ao longo deste processo; apontar a diferença entre as cidades inteligentes e cidades digitais; apresentar os debates em torno do conceito de paradiplomacia; demonstrar exemplos de como as relações internacionais e a paradiplomacia se envolvem na implementação das cidades inteligentes. Para a materialidade dessa pesquisa buscamos como instrumento metodológico a revisão bibliográfica. Concluímos que as cidades inteligentes e a paradiplomacia podem se complementar para atender os objetivos locais de desenvolvimento e bem-estar. Palavras-chave: Paradiplomacia; Cooperação Internacional; Covid-19; Bahia

INTRODUCTION

O

conceito de cidades, per si, apresenta diversas abordagens que variam de país a país, tornando difíceis as comparações diretas. De forma geral, os parâmetros utilizados para classificar uma área como urbana estão baseados na população, na densidade populacional, nos tipos de emprego, na infraestrutura e na presença de serviços de educação e/ou saúde. Além disso, as cidades se originam e se transformam a partir das conjunturas históricas e do contexto mundial. Este trabalho tem como objetivo principal apresentar a relação entre a paradiplomacia e as cidades inteligentes. Dessa forma, os objetivos específicos focam em entender como se dá o processo histórico de origem das cidades inteligentes e as suas transformações ao

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longo deste processo. Diferenciar o conceito de cidades inteligentes e o de cidades digitais; discutir os conceitos acerca da paradiplomacia; demonstrar exemplos de como as relações internacionais e a paradiplomacia se envolvem na implementação das cidades inteligentes. Dessa forma, o primeiro capítulo trata da história das cidades, demonstrando que o ambiente urbano não se inicia com o capitalismo, tampouco que a história das cidades seguem um trajeto histórico retilíneo, ao contrário, as cidades passam por momentos de crescimento e de atenuação conforme os eventos históricos. Além disso, buscamos relacionar os conceitos em torno das cidades inteligentes com o processo histórico das cidades. No segundo capítulo deste artigo buscamos alguns conceitos sobre a paradiplomacia e como que as relações internacionais locais e regionais complementam o conjunto de ações do Estado-nação. No terceiro capítulo há alguns


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casos de cidades que conectam a experiência de cidades inteligentes com as ações de internacionalização municipal e regional. Além disso, observamos brevemente como que o Estado-nação incentiva e se conecta as ações de cidade inteligente e paradiplomacia engendradas pelos entes federados. Este trabalho se justifica por três motivos. Primeiro, os temas acerca das cidades inteligentes e da paradiplomacia são emergentes e atuais. Dessa forma, há ainda muitos questionamentos a serem respondidos para responder e inúmeros acontecimentos empíricos para se analisar e sistematizar. Segundo, o incremento bibliográfico nestes temas pode contribuir para futuras pesquisas, bem como servir de aporte teórico para auxiliar os gestores públicos locais nas suas ações voltadas para as relações exteriores e no incremento das inovações inteligentes nas cidades. Terceiro, justifica-se pelas aspirações pessoais dos autores deste artigo em entender melhor os fenômenos urbanos no contexto da modernidade e da globalização.

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O QUE SÃO SMART CITIES?

himento de tributos e o desenvolvimento do aparato burocrático-administrativo.

Na história, a origem das cidades urbanizadas se deu através do processo de divisão do trabalho, da organização social em estrutura de classe e da institucionalização do poder e dos tributos. As cidades mais antigas tinham uma organização interna dominante, estruturada sob a égide do poder teocrático (o rei era também o líder espiritual) e a elite se organizava geograficamente no centro da pólis, como forma de facilitar a troca de ideias, de dominação de outras classes e de se manter segura em relação aos possíveis ataques externos. Conforme Sposito:

O período feudal teve como característica o esvaziamento definitivo do papel econômico e político no meio urbano, a cidade tinha uma função pouco expressiva, pois o modo de produção feudal era baseado, estruturalmente, na agricultura e na economia intrafeudo. Além disso, “a nível do ideológico, a Igreja garantiu a sustentação do modo de produção [feudal], ao defender os ideais de pobreza e da terra como dádiva de Deus para o trabalho, e ao proibir a usura (cobrança de juros sobre empréstimos em dinheiro)” (Sposito, 1997:28).

O que podemos destacar é que ao contrário do que se poderia supor numa primeira análise, que pressupõe que a cidade surgiu em volta do mercado, é que sua origem não está explicada essencialmente pelo econômico, mas sim pelo social e pelo político. Ou seja, a cidade na sua origem não é por excelência o lugar de produção, mas o da dominação (Sposito, 1997:14). As primeiras cidades se arquitetaram conforme as condições naturais de suas localidades geográficas, em um período histórico em que o homem não tinha capacidade técnica para superar os obstáculos do terreno acidentado. Além disso, as cidades se estabeleciam em torno dos vales de grandes rios para garantir o abastecimento de água e a irrigação para a agricultura. Posteriormente, nos impérios antigos, as cidades “tiveram um papel fundamental [...] na medida em que era com base nelas que [se] mantinham a supremacia militar sobre as regiões conquistadas” (Sposito, 1997:19), as cidades serviam como territórios “tampões”. Foi desse processo que a urbanização se expandiu pela Europa. Além disso, a rede de cidades conquistadas, sobretudo pelo Império Romano, neste período histórico serviu de suporte para a manutenção do poder político central, recol-

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O processo de renascimento das cidades se deu com a reativação do comércio no período mercantilista. As cidades deste período abrigavam as atividades mercantis ao mesmo passo que tornavam possíveis as condições para a estruturação do modo de produção capitalista e a destruição da economia feudal. Deste processo, a burguesia comercial constituiu-se como classe social, se uniu dentro das cidades contra as demais classes e constituíram uma rede de cidades para o desenvolvimento mais amplo da divisão do trabalho. Em virtude do fortalecimento da burguesia e do acúmulo de riqueza, as cidades passaram a ter mais autonomia. Paulatinamente, a produção artesanal foi cedendo espaço para a produção industrial. A partir da Revolução Industrial, a urbanização em alguns países na Europa se intensificou. O maior exemplo desse processo foi a Inglaterra. As cidades do período pós-Revolução Industrial eram um verdadeiro aglomerado de pessoas assalariadas. As localidades urbanas tiveram consequências diretas do acelerado crescimento populacional em que desafiava o espaço geográfico físico, o planejamento e a estruturação das cidades. Assim, conforme Sposito: Contribuiu para este crescimento das cidades, que denotava uma desordem muito grande


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na paisagem e na malha urbana, o fato de que houve um abandono das formas de controle público sobre o espaço construído. O Estado não elaborava mais planos, nem regulamentos, e nem fiscalizava as formas pelas quais a cidade vinha sendo produzida. Ele próprio passou a ser um especulador, vendendo muitos terrenos públicos para pagar suas dívidas. A classe dominante aproveitou para realizar seus investimentos imobiliários. (Sposito, 1997:65). No século XX, as cidades ainda tinham um planejamento tradicional voltado para as indústrias, mas com o crescimento populacional, a globalização e o desenvolvimento de novas tecnologias, o século XXI se inclina para um planejamento envolto de estratégias territoriais e de inserção das localidades no mercado internacional. Além disso, o predomínio de regimes políticos democráticos no mundo ocidental acirra as relações sociais entre cidadãos e governantes, pois possibilita as reinvidicações por melhorias e oportuniza a trocas de ideias e opiniões. Dessa forma, é interessante observar que as cidades se inserem e acompanham as conjunturas históricas mundiais, no século XX, o evento em destaque era a Revolução Industrial, atualmente é a globalização e a revolução tecnológica. Dessa forma, Fernandes elucida que: O processo de desenvolvimento das cidades é também influenciado pelas alterações estruturais provocadas pela globalização. A gestão das cidades – assim como a construção do cotidiano de seus habitantes –, capaz de responder às novas formas produtivas torna-se um grande desafio para as administrações públicas locais. Além disso, é indispensável à redefinição da gestão urbana, levando em conta os novos processos tecnológicos, culturais e institucionais. O cenário no qual esta gestão se insere atualmente passa a ser, portanto, cada vez mais complexo. (Fernandes, 2015:50). É neste contexto que as cidades atuais demandam uma maior preocupação com o planeja-

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mento e com a gestão, pois houve um aumento significativo das influências globais nas localidades (mesmo as mais remotas e periféricas), das diferenças sociais, das relações com consumo, da divisão do trabalho e dos serviços e das complexidades referentes ao contingente (gigantesco) de humanos concentrados no ambiente urbano. Dessa forma, as Smart Cities tornaram-se um potencial no que diz respeito às possibilidades conceituais e de experimentos, aliando as tecnologias, com o objetivo de engendrar a transição do modelo tradicional de planejamento e gestão das localidades para um modelo que contemple a dinâmica territorial, social, econômica, política e tecnológica que ocorrem nas cidades do século XXI. Inicialmente, o termo é utilizado pela primeira vez em um estudo de caso para transformar Cingapura em uma Cidade Inteligente (ABDALA, 2014). As cidades inteligentes são aquelas que buscam promover a melhoria da qualidade de vida dos munícipes através da inclusão, da participação social e da sustentabilidade. Assim, as cidades inteligentes se fundamentam por meio da combinação da Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs), da gestão urbana e dos novos modelos de relações entre pessoas. O setor público é o principal gestor da Smart City pelo interesse em proporcionar alternativas futuras na melhoria da gestão dos recursos financeiros (Gaudêncio, 2015). Portanto, o objetivo norteador do conceito de Smart Cities está centrado nos anseios e satisfação do Bem Estar das pessoas. Destaca-se que as cidades inteligentes não se confundem com as cidades digitais, em que essas últimas se evidenciam pelo seu potencial de implantar tecnologias de comunicação para promover um amplo acesso a conteúdos, ferramentas e sistemas que atendem às diversas necessidades dos munícipes. As cidades inteligentes utilizam dos recursos das cidades digitais, porém de forma inovadora, colaborativa e inclusiva. Assim, “a cidade digital não é necessariamente inteligente, mas a cidade in-

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teligente obrigatoriamente terá componentes digitais” (Rampazzo et all, 2019:30). Outrossim, o projeto, atual, de planejamento das cidades requer um processo de gestão horizontalizado com a estimulação da participação do público, representando os diversos interesses das comunidades e empresas para o desenvolvimento de políticas públicas. Nesse contexto, em 2010, durante a conferência mundial da ONU World Expo (em Shangai, China) se estabeleceu parâmetros para a definição de urbanismo no século XXI, com a finalidade de garantir a participação do cidadão e instituições locais estimulando, assim, o desenvolvimento econômico sustentável, coesão social, preservação da cultura e garantia do acesso à educação (Guimarães, 2016).

A PARADIPLOMACIA E A ATUAÇÃO DOS MUNICÍPIOS COMO ATORES NO CENÁRIO INTERNACIONAL A intensificação da globalização estimulou um fluxo ainda mais profundo e acelerado de interdependência comercial, dos movimentos financeiros, do desenvolvimento tecnológico dos transportes e dos meios de comunicação, facilitando a mobilidade de pessoas e o intercâmbio de informações. É inegável que “a globalização é, de certa forma, ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” (Santos, 2001:23). A partir dos anos 1980, o processo de globalização impulsiona uma nova dinâmica às relações internacionais, levando entidades subnacionais a buscarem inserção internacional e promoverem uma agenda dissociada da atuação diplomática tradicionalmente desenvolvida pelos Estados. As fronteiras físicas se tornam permeáveis e ficam em segundo pla-

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no, de tal modo que surge a paradiplomacia como política de internacionalização local e regional, complementar àquela desempenhada pelos governos centrais. Atualmente, os governos das unidades federadas são porta vozes das demandas locais e devem ser protagonistas na ação que leva ao incremento do desenvolvimento através da captação de recursos no ambiente internacional. Segundo Zabala (2000), o entendimento de paradiplomacia surge cientificamente no campo da política comparada de estados federados e da teoria renovada do federalismo, conferindo, assim, uma “nova geografia de poder”. O reconhecimento do fenômeno da paradiplomacia instigou um amplo debate entre autores de todo mundo, resultando o ponto de vista e a criação de uma diversidade de termos. Dentre os precursores a tratar do tema, citam-se Ivo D. Duchacek, da City University of New York e Panayotis Soldatos, da Universidade de Montréal. Para estes pesquisadores, a concepção de paradiplomacia é o conjunto das atividades internacionais dos atores subnacionais. Conforme Silva (2010:24) “o termo, ao ser a abreviatura de diplomacia paralela, sugere que necessariamente haja conflito entre os níveis político, nacional e subnacionais e presume implicitamente a ocorrência de interesses incompatíveis”. É importante ressaltar que a globalização não diminui a importância do Estado. Ao contrário, a inserção das cidades e regiões no cenário internacional confere aos governos locais maior relevância dentro do Estado nacional, atribuindo possibilidade estratégica ao desenvolvimento do próprio Estado. Para Held & Mcgrew, o Estado nacional contemporâneo, por ser ambiente fragmentado de decisões políticas, torna-se influenciado por redes transnacionais que alteram a sua dinâmica tradicional; essa nova lógica demonstra a insustentabilidade do Estado como único ator de atuação internacional (Gomes Filho, 2011:35).


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Além do mais, à medida que há o movimento de alternância na organização do espaço global, a dinâmica e os efeitos da globalização recaem também sobre governos e sociedades locais e regionais. Dessa forma, o processo de globalização impulsiona que esses entes subnacionais que apresentem maior atenção e urgências aos governos centrais para satisfação dessas demandas. Entretanto, se o Estado apresenta certo grau de debilidades em dirigir os anseios e particularidades internas de sua sociedade para a promoção do desenvolvimento regional ou nacional, estimula que grupos sociais institucionalizados se estabeleçam com o objetivo de se projetarem no cenário internacional. A internacionalização dos municípios ou estados, portanto, se destina ao preenchimento de lacunas não sanadas pelo ente federal, configurando, assim, em uma transferência relativa das competências e responsabilidades aos atores subnacionais. É nesse contexto, que a globalização viabiliza uma íntima interação entre o cenário internacional e os mais básicos “assentamentos humanos” (Giddens, 2012:157), as cidades. As cidades, por sua vez, estão profundamente vinculadas ao cotidiano das pessoas. Dessa forma, conforme Giddens: O envolvimento maior das cidades tem o potencial de democratizar as relações internacionais; e também torná-las mais eficientes. À medida que a população urbana do mundo continua a crescer, serão necessárias cada vez mais políticas públicas e reformas voltadas para as populações que 26 vivem em áreas urbanas. Os governos municipais serão parceiros necessários e vitais nesses processos (Giddens, 2012:183) A análise feita por Hocking, definiu o fenômeno de internacionalização dos entes federal como “Diplomacia de Múltiplas Camadas” ou de “Diplomacia Catalítica”. Para o autor, o termo paradiplomacia reforça a errada ideia de conflito entre os níveis de governo, é preci-

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so que haja cooperação entre esses níveis para que ocorram ações internacionais efetivas e bem-sucedidas. Desse modo, a diplomacia não pode ser vista como um processo segmentado do Estado, porque a atuação internacional estatal é o resultado do esforço de toda a sua estrutura, incluindo os entes federados. A paradiplomacia instrumentaliza a inserção internacional dos entes subnacionais, em nível municipal e regional. Levando em consideração que a interdependência do sistema internacional acaba por extrapolar as fronteiras dos Estados-nação em problemas de ordem social, econômica, política e ambiental, surge a necessidade de impulsionar novas formas de participação direta envolvendo a sociedade. Dessa forma, a paradiplomacia aproxima não apenas os atores subnacionais em um contexto internacional, como também motiva maior envolvimento dos cidadãos em tópicos de política externa. Pois, a internacionalização dos entes subnacionais promove o fortalecimento da democracia e do sistema federal ampliando a participação das forças sociais e econômicas no plano local. A paradiplomacia não deve ser tratada em torno das relações econômicas ou comerciais, tão pouco se deve colocar em uma condição passiva aos fluxos internacionais. Os bons resultados da paradiplomacia acontecem quando o planejamento e a gestão local articulam a diversidade de temas de natureza científica, tecnológica, educacional e ambiental, nas suas ações internacionais, de forma participativa intercâmbio de conhecimento e experiências e em complemento entre os diferentes níveis federativos. Como já mencionado, a década de 80 foi precursora na busca do desenvolvimento do conceito, terminologia e aplicabilidade da paradiplomacia. Em um primeiro momento, em meados dos anos 1980, a discussão se concentrava no âmbito do Direito e a principal preocupação dos juristas era analisar a capa-

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cidade jurídica dos governos não centrais (ou subnacionais) em celebrarem tratados com validade internacional, ou seja, se sobretudo, estados e município seriam sujeitos de Direito Internacional Público. Posteriormente, no segundo momento os operadores do Direito se propuseram a questionar sobre a influência do sistema jurídico de natureza federativa em relação a “sua capacidade de preservar o sistema jurídico internacional ou de provocar sua transformação” (Gomes Filho, 2011:46). Somente ao final dos anos 80 a paradiplomacia torna-se pauta das Relações Internacionais. Questões a respeito do federalismo e das relações internacionais, globalização e interdependência global, a transnacionalidade e o engajamento internacional desses novos atores capazes de enfraquecer ou fortalecer a soberania nacional passam a nortear as discussões. A paradiplomacia se manifesta, portanto, em um mecanismo político centrado na internacionalização de estados, municípios ou regiões de forma a complementar à política externa desenvolvida em âmbito nacional. Torna-se um instrumento importante na busca por dirimir os espectros da desigualdade em suas mais variadas esferas (econômica, social, tecnológica, cultural). A paradiplomacia, apropria-se do processo de globalização proporcionando um instrumento eficiente e oportuno para que atores subnacionais promovam o desenvolvimento local na obtenção de recursos internacionais, ao passo que também colabora com o fortalecimento das estruturas democráticas nacionais e, também, a consolidação do governo central no cenário internacional.

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INTERNACIONALIZAÇÃO DAS CIDADES INTELIGENTES Consideramos que as cidades, que possuem uma concentração populacional em uma determinada localidade, e, que mantém de alguma forma uma intensa interação social por meio de trocas materiais e imateriais, podem planejar os seus processos de tal forma que resulte ao ambiente urbano e aos cidadãos uma alta produtividade, competitividade e inovação. De forma geral, observamos que tanto as cidades inteligentes como a paradiplomacia são o resultado de uma trajetória histórica e do contexto atual as quais estão inseridas, o fenômeno da globalização e o incremento tecnológico. Neste sentido a paradiplomacia emerge da necessidade de resposta ao escamoteamento que algumas localidades sofrem tanto por parte dos entes federativos internos como por parte dos atores internacionais e às desigualdades que se afloram com a globalização entre as mais diversas regiões. Ao mesmo tempo, as localidades se aproveitam das facilidades promovidas pela globalização e pelas tecnologias. As cidades inteligentes, por sua vez, são o desfecho frente aos problemas encontrados nos ambientes urbanos no pós-Revolução Industrial. Outrossim, ambos os paradigmas envoltos nas questões da urbanidade e das localidades, as cidades inteligentes e a paradiplomacia, buscam a articulação entre os mais diversos setores da sociedade em um processo participativo e inclusivo, além de fazer uso das facilidades à disposição no contexto do século XXI, a saber, as tecnologias e os fluxos internacionais. A parceria entre os entes federados e o público-privado também faz parte da estratégia de desenvolvimento das localidades que buscam superar os seus desafios utilizando os modelos de cidades inteligentes e paradiplomacia. Posto que a paradiplomacia e as cidades in-


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teligentes são modelos resultantes dos mesmos processos, buscam soluções a partir de movimentos similares e tem os mesmos objetivos (o desenvolvimento local e o bem-estar geral) é que consideramos a paradiplomacia e as cidades inteligentes duas faces da mesma moeda. Mais do que isso, consideramos que se estes dois modelos estiverem combinados como estratégias para pensar as localidades, os ganhos serão efetivos e sustentáveis. Um exemplo de como as parcerias internacionais podem contribuir positivamente na implementação de recursos inteligentes nas cidades é o caso de Santander. A cidade de Santander, localizada no norte da Espanha e que possui uma população de aproximadamente 180 mil habitantes, implementou um projeto experimental que tinha como objetivo desenvolver uma plataforma de cidade inteligente, cujo nome é SmartSantander. Este projeto construiu uma rede de mais de 20 mil sensores e atuadores na cidade em que reúne uma enorme quantidade de dados (temperatura, vagas de estacionamento, identificadores de pontos de interesse e luminosidade, dados de ônibus, caminhões de lixo e táxis) de várias regiões da cidade. O Projeto foi possível em virtude do financiamento da European Commission, órgão executivo da União Europeia. Outro exemplo interessante é o esforço de trabalho em conjunto entre os entes federativos e os atores internacionais para encontrar soluções inteligentes para as cidades. Isso está (de forma bastante incipiente ainda) acontecendo no Brasil. Em 2015, a Alemanha e o Brasil assinaram uma declaração que tem como intenção estabelecer um plano de cooperação para superar desafios comuns em relação à urbanização integrada e sustentável. Nessa parceria, o Brasil se compromete no debate em torno do futuro das cidades, tendo a possibilidade de usar toda a sua capacidade criativa para o desenvolvimento de soluções eficientes na esfera global. Além disso, o Governo Federal lançou, em julho de 2020, o Programa Nacional de Ci-

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dades Inteligentes Sustentáveis, que é responsável por estabelecer indicadores e metas, bem como estimular soluções para transformar as cidades brasileiras em cidades inteligentes. Estes dois movimentos por parte do Governo Federal no Brasil mostram o esforço em estabelecer uma parceria nas diferentes camadas federativas com a colaboração de players internacionais. O evento cujo nome foi Cúpula Internacional Sobre Cidades e Soluções Urbanas Inteligentes, Smart City Live 2020, que aconteceu em novembro de 2020, promovido pela Rede Mercocidades é um exemplo de como as redes internacionais de cidades também estão se envolvendo nas discussões em torno das cidades inteligentes. A Rede Mercocidades, que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nas cidades associadas e estimular o intercâmbio de experiências e ideias em níveis globais, é um player internacional importante no incentivo da implementação de cidades inteligentes na América Latina. Em suma, conforme aponta Kon e Santana (2016), um dos desafios que a implementação de cidades inteligentes enfrenta relaciona-se ao altíssimo custo de instalação e manutenção dos equipamentos tecnológicos nas cidades. Dessa forma, torna-se inviável as localidades

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sozinhas assumirem este desafio, dado inclusive ao poder de arrecadação limitado. É preciso que as cidades sejam capazes de construir uma teia em que envolva a comunidade local, os entes federativos, as redes de cidades, os players internacionais e os parceiros privados. Neste sentido, a paradiplomacia pode ser encarada como um instrumento para a realização de parcerias e para a atração de recursos financeiros a fim de viabilizar a construção das cidades inteligentes.

CONCLUSÃO Como visto até aqui, o processo de urbanização e a cidade, na condição de materialização desse processo, é tão recorrente e significativo na sociedade contemporânea que parece difícil imaginar que as cidades se arquitetaram em uma trajetória histórica lenta e disruptiva (em alguns momentos). Dessa forma, a cidade da atualidade é o resultado de um processo acumulativo das cidades que existiram outrora: transformadas, destruídas, reedificadas, arquitetadas pelas transformações sociais e seus contextos históricos através dos tempos, concebidas através das relações que promoveram essas transformações. Dessa forma, as cidades inteligentes são o resultado da demanda social atual que se construiu por meio da história e que reflete o contexto da modernidade, da pós-revolução industrial, da globalidade e revolução tecnológica do século XXI. O conceito de Smart City denota uma dinâmica racionalizada dos espaços urbanos de forma a promover, sobretudo, o bom funcionamento da cidade e a melhoria na qualidade de vida dos munícipes. Tudo isto está diretamente relacionado à aplicação eficiente de recursos públicos em inovações tecnológicas e promoção de um ambiente sustentável. É importante notar que cidades inteligentes não se confundem com cidades digitais, em que as primeiras utilizam as tecnologias de forma articulada com a sociedade local, inclusiva e sustentável; a se-

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gunda, por sua vez, tem a intenção apenas de tornar digital alguns serviços públicos. A paradiplomacia, conceito que surge a partir de 1980, se apresenta como uma estratégia por parte das localidades e regiões como resposta à indiligência dos Governos Centrais aos demais entes federativos e ao aprofundamento da desigualdade no contexto da globalização. Ao mesmo passo que a paradiplomacia se vale das oportunidades que surgem das inovações tecnológicas e facilidades de comunicação (próprias da globalização) para desenvolver suas regiões. Por fim, concluímos que as cidades inteligentes e a paradiplomacia surgem do mesmo processo histórico e social (de Pós-Revolução Industrial, de Globalização e de Revolução Tecnológica). Além disso, os dois modelos têm como objetivo articular a sociedade nas soluções dos problemas de suas localidades e se utilizam das facilidades postas no século XXI para atingir os seus objetivos de desenvolvimento e bem-estar comum. Neste ponto é imperioso notar o papel complementar entre as cidades inteligentes e a paradiplomacia na materialização dos objetivos locais e para a complementaridade do desenvolvimento do Estado-nação como um todo.


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Sara Moreno Cyrino Carvalho Sara Moreno Cyrino Carvalho. Graduada em RI pela Unipampa, mestre em Ciências Sociais pela UFSM e doutoranda em Ciências Sociais pela UFSM

Mail: saramccarvalho_unipampa@hotmail.com

Aline Ananda Marques Dantas Aline Ananda Marques Dantas. Graduanda de Relações Internacionais pela Universidade Federal do Pampa. Mail: daniel.vreynoso@academicos.udg.mx

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

Subchefia de Assuntos Federativos-SAF (Gov Federal 2002-2010) Por que é um ator chave? Porque promove e apoia as iniciativas dos municípios e estados na área internacional. O objetivo, a partir disso, é auxiliar os entes na articulação e implementação de ações internacionais, bem como na promoção do diálogo federativo e na divulgação de experiências no âmbito da cooperação internacional descentralizada, estimulando a prática de cooperação e contribuindo para o seu aperfeiçoamento. A SAF procura responder a uma série de desafios, dentre os quais destacam-se: a necessidade de se construir as novas ferramentas necessárias para uma nova fase e para um modelo positivo de cooperação territorial; buscar recursos e oportunidades de cooperação alinhadas à política externa brasileira; desenvolver nos entes subnacionais capacidade técnica e financeira para ações internacionais; prover Informação, Capacitação (profissionalização), Orientação (saber o que quer) das assessorias internacionais. Trajetória: O caminho para o surgimento da SAF remonta o período de redemocratização dos anos 80, com a Constituição 1988 e o consequente fortalecimento de municípios e estados brasileiros. Tal alteração, juntamente com a globalização e interação em redes, fez com que a ação internacional dos territórios fosse elevada a um patamar chave para uma globalização mais equilibrada e uma internacionalização mais profunda e produtiva para o desenvolvimento de sistemas produtivos locais. Nesse cenário, os entes subnacionais passaram a ser cada vez mais promotores de políticas e resoluções frente aos crescentes problemas urbanos, sociais e ambientais, como as questões das mudanças climáticas, energia, soberania alimentar, gestão urbana, entre outros, que são desafios do desenvolvimento local e global. Principais projetos: • Apoio à participação de Estados e Municípios nas consultas e negociações da Agenda 2030 da ONU, bem como participação na delegação nacional destes eventos (Financiamento ao desenvolvimento; COP 21; Habitat III, Assembleia Geral da ONU que definiu os ODS) • Lançamento do Banco de Projetos de Cooperação Internacional Descentralizada no Portal Federativo. O trabalho não está completo e poderá ser enriquecido com a contribuição dos estados e municípios. • Fortalecimento do marco jurídico para a cooperação técnica internacional descentralizada – proposta de decreto, que dê mais segurança jurídica a esse tipo de iniciativa.

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

• Fórum das Federações (FoF): participação ativa nas atividades do FoF, como Seminários e Conferências, bem como nas suas reuniões ordinárias. • Repactuar as atividades na Comissão de Desenvolvimento e Integração de Faixa de Fronteira –CDIF • Execução do Projeto de Capacitação de Gestores Municipais na faixa de fronteira (MI/IICA) Maiores informações: Website: https://www.gov.br/secretariadegoverno/pt-br/composicao/orgaos-especificos-singulares/secretaria-especial-de-assuntos-federativos

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ABC - AGÊNCIA BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO Por que é um ator chave? Criada em 1987 para planejar, coordenar, negociar, aprovar, executar, acompanhar e avaliar no âmbito nacional, programas, projetos e atividades de cooperação humanitária e técnica para o desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento do Brasil para o exterior e vice-versa, sob os formatos bilateral, trilateral ou multilateral. Trajetória: A ABC acumula a realização de mais de 7 mil projetos em 108 países da América Latina, Ásia, África, Europa e Oceania com participação de mais de 124 instituições brasileiras. Os principais projetos de cooperação no Brasil desenvolvem-se em áreas como administração pública, agricultura, urbanismo, ciência e tecnologia, cultura, defesa, desenvolvimento social, educação, indústria e comércio, justiça, meio ambiente, energia, pecuária, pesca, saúde, segurança pública, trabalho e emprego. Projetos destacados: • Na América do Sul: Apoio ao Programa Multissetorial Desnutrição Zero (Bolívia), Apoio técnico para a implementação da Televisão Digital no Chile, Implementação de um Programa de Aproveitamento do Material Reciclável para a Região de Letícia-Tabatinga (Colômbia), Desenvolvimento de Capacidades em Gestão de Áreas Protegidas (Argentina). • Ásia: Programa de Treinamento em Cooperação Técnica Internacional (ProCTI), Projeto Governo Eletrônico. Mais informações: Website: http://www.abc.gov.br/SobreABC/Introducao Facebook: https://www.facebook.com/ABCgovBr/ Instagram: https://www.instagram.com/abcgovbr/ Email: diretoria@abc.gov.br

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

FÓRUM NACIONAL DE SECRETÁRIOS E GESTORES MUNICIPAIS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS - FONARI Por que é um ator chave? O FONARI proporcionou espaço para o diálogo, intercâmbio de informações e capacitações conjuntas entre profissionais que atuam na área internacional das cidades no Brasil. Com o passar do tempo, mais participantes aderiram a proposta e tornaram o FONARI no ente subnacional que congrega representações municipais vinculadas às relações internacionais no Brasil. Trajetória: O FONARI nasceu da necessidade de gestores municipais de departamentos de assuntos internacionais criarem um espaço de convergência, diálogo, aprendizagem e troca de experiências no tocante às suas atividades e projetos. Assim, em 2005, representantes de seis municípios emitiram publicamente um documento no qual estabeleciam os principais temas enfrentados pela área de relações internacionais em governos locais, destacando especialmente a necessidade de um amparo jurídico para o desenvolvimento da diplomacia federativa no país. Este documento, conhecido como Carta de Salvador, foi desenvolvido dentro do I Fórum de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais. A partir disso, fóruns anuais passaram a ser realizados agregando a cada edição mais participantes. Em 2009, o FONARI foi institucionalizado, de modo a representar os interesses dos municípios brasileiros no que se refere às suas articulações internacionais. A partir de então, o FONARI passou a ter presidências bienais, que, com o trabalho colaborativo, construíram um importante espaço político para visibilizar as relações internacionais subnacionais. No entanto, com a rotatividade das equipes diretivas e as mudanças no ambiente político nacional, não foi possível manter o ritmo de trabalho, o qual passou a ser desenvolvido de forma mais pontual e esporádica. O FONARI esteve desativado para que os seus respectivos membros pudessem se dedicar às suas demandas locais. No entanto, em 2020, foi convocada uma reunião para reestruturar a atuação do Fórum e utilizá-lo como ferramenta para o enfrentamento da crise sanitária nacional da Covid-19. Atualmente, o FONARI representa os interesses internacionais dos seus membros nos fóruns brasileiros sobre paradiplomacia; realiza encontros para fortalecer e consolidar as estruturas locais de Relações internacionais através de instâncias de capacitação técnica; auxilia às áreas internacionais de associações municipalistas como a Frente Nacional de Prefeitos, e trabalha constantemente para fomentar a troca de informações entre seus membros, estabelecer parcerias estratégias públicas e privadas de caráter nacional e internacional a fim de promover o intercâmbio técnico e cultural. Principais projetos: • Capacitação de cidades e intercâmbio técnico para fortalecer e consolidar estruturas locais de Relações Internacionais.

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

• Auxiliar a área internacional da FNP em atividades internacionais referentes à criação do consórcio nacional de Prefeituras para compra de vacinas e equipamentos de enfrentamento à pandemia; • Fomentar a pauta de trabalho com os Governos Federal, Estaduais e Municipais, na adoção de medidas voltadas para o aperfeiçoamento e fortalecimento das políticas internacionais dos municípios de acordo com interesses regionais também. Mais informações: Website: https://blogfonari.wordpress.com/ Twitter: @Fonaribrasil Facebook: https://pt-br.facebook.com/fonaribrasil E-mail: sorayapessino@gmail.com

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS (CNM) Por que é um ator chave? A Confederação Nacional de Municípios (CNM) foi criada com o objetivo de consolidar o movimento municipal e fortalecer a autonomia dos municípios, buscando ser uma referência mundial na representação municipal. Neste contexto, a CNM tem se preocupado em realizar atividades como seminários, cursos, capacitações e guias para promover a projeção internacional dos municípios brasileiros. A CNM também representa municípios brasileiros em organizações internacionais e redes de cidades como a FLACMA (Federación Latinoamericana de Ciudades) ou a UCLG (United Cities and Local Governments). Trajetória Foi fundada em 8 de fevereiro de 1980 e se preocupa em realizar diversas ações destinadas a fortalecer os municípios brasileiros e sua projeção internacional.

Principais projetos • Participante da elaboração da Carta Brasileira das Cidades Inteligentes. • Gerente de conteúdo no curso online “Integrando a Agenda 2020 para Metas de Desenvolvimento Sustentável”. • Biblioteca com materiais sobre a importância da internacionalização dos municípios brasileiros e da cooperação internacional para a inovação municipal. Mais informações: Website: www.cnm.org.br Facebook: @portalcnm Twitter: @portalcnm

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUNICÍPIOS (ABM) Por que é um ator chave? É constituída como uma das principais entidades representativas dos municípios no Brasil, desde sua criação tem operado sob um regime de estreita cooperação com municípios e entidades, tanto nacionais quanto internacionais, contribuindo na internacionalização de seus municípios através de vários estímulos no desenvolvimento de competências. Trajetória: A Associação Brasileira de Municípios foi fundada em 15 de março de 1946, estabelecendo-se como a entidade mais antiga representando os municípios do Brasil. Principais Projetos • Organizador de eventos e seminários sobre cooperação internacional e desenvolvimento urbano de municípios brasileiros. • Cooperação com a Rede Interamericana de Alto Nível sobre Descentralização, Governo Local e Participação do Cidadão (RIAD).

Mais informações: Website: https://abm.org.br/ Facebook: ABM.Municipios Instagram: https://www.instagram.com/abmunicipios/ Twitter: @ABM_Municipios

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS (FNP) Por que é um ator chave? A Frente Nacional de Prefeitos é a única entidade municipal no Brasil liderada exclusivamente por prefeitos. Desde sua criação tem se preocupado em gerar instâncias de participação em políticas públicas para o desenvolvimento de seus municípios, através de vínculos com parceiros nacionais e internacionais. Trajetória Foi fundada em 1989 como resultado de uma articulação política de um grupo de prefeitos de cidades capitais, institucionalizando-se em 1999. Principais Projetos • Desenvolvimento de projetos com parceiros internacionais, incluindo a União Européia. • Coordenação da Frente Nacional de Prefeitos, responsável pelo acompanhamento dos assuntos relacionados à promoção e divulgação de oportunidades de cooperação internacional descentralizada entre os municípios brasileiros.

Mais informações: Website: https://www.fnp.org.br Facebook: @FrenteNacionaldePrefeitos Instagram: https://www.instagram.com/fnprefeitos/ Twitter: @FNPrefeitos

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ESTADO DE SÃO PAULO Por que é um ator chave? O estado de São Paulo é um dos estados mais cosmopolitas em nível mundial, com cerca de 150 nacionalidades representadas e sua internacionalização é estimulada também pelos seus atributos geográficos, demográficos e econômicos. O Estado é o coração econômico da América Latina. A atuação internacional do Estado de São Paulo é feita em harmonia com o modelo constitucional e federativo brasileiro e se pauta, como estado da federação, pela observância dos princípios que regem a política externa brasileira e as relações diplomáticas do Brasil. O espírito federalista da Constituição de 1988 criou oportunidades para que São Paulo desenvolvesse uma atuação internacional centrada na projeção dos seus interesses específicos. Essa inserção internacional é um instrumento indispensável ao crescimento econômico e ao desenvolvimento humano do estado e do país. Trajetória O Governo do Estado de São Paulo conta com um órgão responsável por sua atuação internacional desde março de 1991, quando foi criada a Secretaria de Relações Internacionais. O órgão tinha como finalidade “assessorar o governador em seus contatos externos em matéria financeira, comercial, cultural, científica, técnica e tecnológica com entidades privadas estrangeiras, com organismos internacionais e com agências especializadas de governos estrangeiros”. Em novembro do mesmo ano, foi instituído o Sistema Paulista de Promoção Internacional, objetivando a promoção de um maior grau de inserção da economia paulista no cenário internacional. Em 1995, a Secretaria de Relações Internacionais foi extinta e só em 2005, as relações internacionais foram novamente integradas na estrutura do governo por meio da criação da Unidade de Assessoramento em Assuntos Internacionais, na estrutura da Casa Civil. Entre os seus objetivos estão incluídos: “coordenar, com as respectivas áreas substantivas, programas de atividades internacionais do estado de São Paulo”; “iniciar interlocução com organismos multilaterais para negociar programas de cooperação” e “promover a interlocução entre os órgãos do Governo do Estado de São Paulo e os seus homólogos estrangeiros.” Mais informações: Website: http://www.relacoesinternacionais.sp.gov.br/ Twitter: @htgovernosp Facebook: https://www.facebook.com/governosp/ Youtube: https://www.youtube.com/governosp/

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Por que é um ator chave? A Coordenadoria Geral de Relações Internacionais e Cooperação da Cidade do Rio de Janeiro é o órgão municipal responsável por assessorar o prefeito na elaboração e execução de políticas públicas municipais relativas à cooperação internacional. Age como facilitadora de projetos de cunho internacional entre a Prefeitura do Rio e as secretarias municipais, órgãos estaduais e federais, identificando oportunidades e acompanhando projetos internacionais de cooperação nas mais diversas áreas, como desenvolvimento urbano sustentável, resiliência, conhecimento e inovação, inclusão social e acessibilidade. É a principal interlocutora da Prefeitura com repartições consulares e missões diplomáticas, entre outras entidades internacionais de cunho regional e multilateral, bem como com as redes internacionais de cidades. A Coordenadoria é ainda responsável por organizar ou apoiar a vinda de missões de autoridades internacionais em visitas ao Rio de Janeiro. Para a paradiplomacia brasileira, é considerada um ator chave pelo seu pioneirismo, histórico e influência. Trajetória: A Assessoria Internacional da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro foi criada através do Decreto nº 5.752 de 8 de abril de 1986, passando a incorporar as competências e as atribuições do Cerimonial da Prefeitura. Em 1987, foi extinta a Assessoria Internacional com a criação, pelo Decreto nº 6.917 de 2 de setembro de 1987, da Coordenadoria das Relações Internacionais e do Cerimonial, ligada diretamente ao Gabinete do Prefeito. O Rio de Janeiro tornou-se, então, o primeiro município do Brasil a ter uma estrutura exclusivamente dedicada ao tema. Principais projetos: • Formulação de conteúdo e acompanhamento da agenda política do Rio de Janeiro nas redes de articulação de governos locais, como C40 Cities Climate Leadership Group (C40), Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI), União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), Metropolis e União das Cidades Capitais Iberoamericanas (UCCI). • Relacionamento com as representações consulares e diplomáticas; interlocução com as cidades e regiões com as quais o Rio de Janeiro possui relações diretas e desenvolve projetos de cooperação; administração de acordos de geminação e cooperação com outras cidades. • Apoio a grandes eventos na cidade, como os Jogos Olímpicos de 2016 e a Copa do Mundo de 2014. • Intercâmbio de experiências, boas práticas e iniciativas compatíveis com as prioridades

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

da Prefeitura. • Captação de recursos internacionais não reembolsáveis para a execução de projetos municipais. Mais informações: Website: https://www.rio.rj.gov.br/web/relacoesinternacionais/a-coordenadoria

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PREFEITURA DE BELO HORIZONTE Por que é um ator chave? Atua internacionalmente por meio da cooperação, projeção e marketinginternacional , atração de investimentos e promoção comercial. Participa ativamente de redes internacionais de cidades como: Mercociudades, Red URB-AL, Metropolos, CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos), ALLAS. Ela busca apoio para projetos e ações de redes, associações e organizações internacionais orientadas a agendas de desenvolvimento, tanto bilaterais como multilaterais. A fim de trocar experiências e boas práticas, bem como oportunidades de cooperação técnica e financeira internacional, que muitas vezes são as únicas alternativas para a viabilidade de ações, programas e projetos para a cidade. Trajetória: Os seguintes reconhecimentos se destacam: está entre as dez melhores cidades para fazer negócios na América Latina (América Economía 2009); foi considerada a metrópole com melhor qualidade de vida na América Latina pelo Comitê de Crise Populacional das Nações Unidas e a 45ª entre as 100 melhores do mundo; 4º Prêmio Metropolis da Associação Mundial das Principais Cidades - Menção Honrosa para o Programa de Recuperação Ambiental DRENURBS (2010). Principais projetos: Observatório do Milênio de Belo Horizonte: um espaço de produção, análise e disponibilização de informações de natureza urbana, social e econômica, organizado a partir da constituição de uma rede composta por instituições de ensino e pesquisa, órgãos públicos e entidades do terceiro setor e da sociedade civil.A rede de parceiros produziu em dezembro de 2018 o primeiro Relatório de Acompanhamento dos ODS de Belo Horizonte, que apresenta o Sistema Local de Monitoramento dos Indicadores ODS. Em 2019, foi publicado o painel de indicadores ODS de Belo Horizonte com um conjunto de 159 indicadores validados pelos parceiros que serão monitorados até 2030. Em 2020 foi publicado Relatório de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de Belo Horizonte 2020, com a análise completa e atualizada dos indicadores de monitoramento local. Mais informações: Website: https://prefeitura.pbh.gov.br/ Facebook: https://www.facebook.com/prefeiturabh Twitter: https://twitter.com/prefeiturabh

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ICLEI - GOVERNOS LOCAIS PELA SUSTENTABILIDADE Por que é um ator chave? O ICLEI é uma rede global formada por mais de 1.750 governos locais e regionais comprometida com o desenvolvimento urbano sustentável. Presente em mais de 100 países, é importante porque influencia políticas nacionais de sustentabilidade e possibilita o intercâmbio de melhores práticas e experiências entre seus membros. Trajetória: O ICLEI foi fundado em 1990 por 200 governos locais de 43 países. Os primeiros programas globais foram a “Agenda 21 Local” e “Cidades pela Proteção do Clima”. O ICLEI tem atuado na América do Sul desde 1994. O atual secretariado para América do Sul, estabeleceu-se em São Paulo, em 2011. O seu principal objetivo é auxiliar os governos locais no desenvolvimento de políticas de sustentabilidade. Os especialistas do ICLEI trabalham no nível subnacional, junto aos governos locais para antecipar e responder aos desafios impostos pela urbanização das cidades, mudanças climáticas, degradação ambiental e desigualdade do ecossistema. O ICLEI trabalha por um desenvolvimento de baixas emissões; circular e com novos modelos de produção; e que seja resiliente, equitativo e centrado nas pessoas. Principais projetos: • Ajudar os governos locais nas políticas de sustentabilidade. No nível subnacional os especialistas do ICLEI trabalham com os governos para antecipar e responder aos desafios da urbanização e mudanças climáticas. Entre os principais projetos em andamento no Brasil: • Áreas Protegidas Locais: visa melhorar as condições dos governos locais para conservar a biodiversidade por meio da gestão de áreas protegidas e outros mecanismos de conservação; • SUGI -NEXUS: visa melhorar o conhecimento sobre governança urbana em seus diferentes níveis, relacionado com o nexo entre comida-água-energia; • CitiesWithNature: é uma iniciativa que reconhece a natureza dentro e ao redor das cidades, no Brasil, as cidades participantes da iniciativa são Campinas, Belo Horizonte e Londrina. Estratégias de Desenvolvimento Urbano de Baixo Carbono - Urban LEDS. O Projeto busca apoiar a transição ao desenvolvimento urbano de baixo carbono em cidades em países de economia emergente.

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

Mais informações: Website: http://sams.iclei.org Facebook: @icleiamericadosul Twitter: @ICLEI_SAMS

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

MERCOCIDADES Por que é um ator-chave? Rede de cidades inspiradas na integração regional, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida nas cidades, focar nas agendas nacionais, regionais e globais, gerar políticas conjuntas entre as cidades e estimular a troca de experiências, articulando cidades integradas, inclusivas e participativas. Trajetória: A Rede Mercocidades foi fundada em 1995 como resultado do consenso político de prefeitos da época. Mercociudades surge da necessidade de debater questões subnacionais no Mercosul. Por ser um espaço pioneiro e que com o tempo vem conquistando mais integrantes e legitimidade dentro da área. Não podemos esquecer que a rede não faz parte do Mercosul. Conforme estipulado em seu ato de fundação, tem destacado a importância das cidades como espaços de interação e impacto na identidade e integração regional, garantindo o desenvolvimento das cidades na América do Sul. Atualmente, a Rede Mercociudades é formada por 359 cidades membros em 10 países do continente (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Bolívia, Equador, Peru e Colômbia), onde vivem mais de 120 milhões de pessoas. É importante mencionar que com base nesses esforços conjuntos, a Mercocidades trabalha com um grande número de parceiros estratégicos, como redes de governos locais, organizações regionais e órgãos governamentais. Projetos principais: A Rede organiza-se através de grupos de trabalho temáticos em diversas áreas, tais como: meio ambiente e desenvolvimento sustentável; autonomia, gestão e participação; ciência, tecnologia e treinamento; comunicação; cooperação internacional; cultura; esporte; desenvolvimento econômico local; economia social e solidária; promoção de negócios; desenvolvimento social e urbano;; direitos humanos; deficiência e inclusão; educação; gênero; integração fronteiriça; juventude; planejamento estratégico e áreas metropolitanas; segurança cidadã; turismo. Entre seus principais projetos estão: MERCOCIUDADES – Cooperación Sur Sur; Observatorio de Cooperación Ciudad – Universidad; Buenas Prácticas para alcanzar los ODS; Laboratorio de Políticas Locales; IN: Innovación y Cohesión Social; Estado+Derechos. Além disso, a Assembleia das Cidades Membros, órgão máximo de decisão da Vermelha, acontecerá uma vez na Cúpula Mercociudades, uma vez que são feitas declarações sobre os principais avanços e direitos inerentes.

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

Mais informações: Site: https://mercociudades.org/ Facebook: https://www.facebook.com/mercociudades Twitter: https://twitter.com/mercociudades

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS ASSENTAMENTOS HUMANOS (ONU-HABITAT) Por que é um ator chave? O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) participa ativamente das agendas globais, como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, estruturada em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sendo responsável principalmente pelo ODS 11, que busca “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. É também central para o trabalho da agência a Nova Agenda Urbana, adotada em 2016, durante a 3a Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), documento que define padrões globais para o alcance do desenvolvimento urbano sustentável, repensando a forma como construímos, gerenciamos e vivemos nas cidades. Como agência de cooperação técnica do Sistema ONU, trabalha com todos os temas relacionados à vida nas cidades e com diversos atores, como governos (federal, estadual e municipal), universidades, ONGs e demais instituições do terceiro setor e setor privado. É a agência da ONU mais próxima das cidades e temas urbanos, possibilitando a territorialização de agendas internacionais de desenvolvimento, boas práticas, intercâmbios de projetos e, além disso, estabelece parcerias com redes de cidades e demais stakeholders internacionais, muitas vezes atuando como ponte entre governos locais e o cenário internacional. Trajetória: O ONU-Habitat estabeleceu-se em 1978, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat I). Com sede em Nairóbi, é a agência das Nações Unidas que atua em prol do desenvolvimento urbano, social, econômico e ambientalmente sustentável e busca promover a moradia adequada para todas e todos. A agência está presente no Brasil há mais de 20 anos, atuando em projetos relacionados a diversos temas urbanos em cidades de todo o país. Sua sede no Brasil está localizada no Rio de Janeiro, onde também funciona seu Escritório Regional para a América Latina e o Caribe. Atualmente, possui escritórios locais no Rio de Janeiro, Maceió, Maricá e Recife. Principais projetos: • Cooperações técnicas com governos locais no Brasil: atualmente com Rio de Janeiro, Maricá, Alagoas, Pernambuco e Teresina. • Circuito Urbano: iniciativa criada em 2018 para promover o debate sobre os temas do Outubro Urbano no Brasil.

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

Mais informações: Website: https://unhabitat.org/brazil Facebook: https://www.facebook.com/ONUHABITATBR/ Twitter: https://twitter.com/onuhabitatbr Instagram: https://www.instagram.com/onuhabitatbrasil/

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PROGRAMA URB-AL Por que é um ator chave? O Programa de Cooperação Descentralizada Horizontal da Comissão Europeia é destinado às cidades e regiões da União Européia e América Latina, através da troca de experiências de políticas urbanas. O programa é importante porque as suas atividades foram propostas, implementadas e geridas pelos próprios participantes brasileiros. Trajetória: O Programa URB-AL foi criado em 1995 e desenvolvido em três etapas. Durante as duas primeiras fases (1996-2000 e 2001-2006), seu objetivo foi desenvolver vínculos diretos entre as comunidades locais europeias e latino-americanas por meio da divulgação, aquisição e aplicação de boas práticas no campo das políticas urbanas e locais. Na terceira fase (2009-2013), os processos e políticas de geração de coesão social nas cidades e entes territoriais de nível intermediário receberam apoio. A terceira fase contou com a participação de cerca de 160 atores não-estatais euro-latino-americanos e 20 projetos de cooperação. Principais projetos: • No caso do Brasil, entre os principais projetos realizados estão: Políticas locais de prevenção da violência nas periferias urbanas, coordenado por Pernambuco e “Linha Internacional. União de Dois Povos ”, coordenado por Ponta Porã, que consistiu na requalificação do espaço comum limítrofe. • Criação da Oficina de Cooperação e Orientação (OCO), dirigida por Barcelona, com a missão de apoiar a execução do programa, prestando assistência técnica e apoio aos diversos projetos que contribuam para a sua concretização.

Mais informações: Relatório final: https://www.observ-ocd.org/sites/observ-ocd.org/files/2018-04/informe-final-alcances-y-aprendizajes-del-programa-urb-al-iii.pdf Website da OCD: https://www.observ-ocd.org/es

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

PROGRAMA INTERNACIONAL DE COOPERAÇÃO URBANA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE (LAC) Por que é um ator chave? IUC-LAC é um ator-chave da paradiplomacia no Brasil. É um programa de cooperação internacional baseado em Brasília. Trabalha com um escritório gerencial através do qual são conectadas cidades e regiões da ALC e Europa, através das diferentes ferramentas ofertadas pelo programa. Trajetória: IUC têm o objetivo de habilitar cidades em diferentes regiões do mundo com o fim de conectá-las e incentivá-las a compartilhar soluções para problemas comuns de desenvolvimento sustentável. O programa é financiado pela União Europeia, e visa ofertar suporte às cidades participantes para atingir objetivos políticos locais e vinculados a acordos internacionais sobre desenvolvimento urbano e mudanças climáticas, como a Agenda Urbana, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris.Já o IUC-LAC é a vertente mais ampla do programa em nível mundial, desenvolvido na região América Latina e Caribe. IUC-LAC desenvolve atividades de capacitação, visitas técnicas, oficinas e eventos sobre desenvolvimento urbano sustentável, adaptação e mitigação às mudanças climáticas e inovação para o desenvolvimento local e regional Principais projetos: Cooperação entre cidades em desenvolvimento urbano sustentável. Ação subnacional sob a iniciativa do Pacto Global de Prefeitos. Cooperação inter-regional em inovação pelo desenvolvimento local e regional. Mais informações: Webisite::http://iuc-la.eu/pt-br/sobre/ Facebook: https://www.facebook.com/iuclac/ Twitter: https://twitter.com/iuc_lac Linkedin: https://www.linkedin.com/company/pacto-de-alcaldes/ Instagram: https://www.instagram.com/iuclac/

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Nota ICLEI

PHARE E ICLEI SE UNEM PARA FORTALECER A SUSTENTABILIDADE E A GOVERNANÇA INTERNACIONAL

Luz Amparo Medina Director Distrital de RRII da Relações Internacionais Prefeitura de Bogotá, Colombia.

Rodrigo Perpetuo Secretário Executivo do ICLEI América do Sul

O

planeta precisa de ações concretas e, com elas, de grandes esforços coletivos que o coloquem no caminho de um futuro mais sustentável. É por esta razão que nós, do ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade, estabelecemos uma aliança forte e duradoura com a PHARE - Territorios Globales, com o intuito de potencializar diferentes estratégias de governos locais e contribuir para que eles percorram seus caminhos rumo à internacionalização. A finalidade é aumentar a ambição nas políticas de sustentabilidade dos governos e, assim, desencadear um melhor relacionamento com o meio ambiente, em harmonia com o progresso das cidades. Para isso, nos encontramos em uma fase de concretização de planos de ação enquadrados em relações que transcendem as fronteiras locais, regionais e nacionais e que têm

Felipe Llamas Presidente da PHARE Territorios Globales

um alcance muito maior do que pode ter uma ação circunscrita a nível local. Sabemos que a PHARE faz um trabalho intenso que envolve um aconselhamento constante e rigoroso com seus parceiros e que, combinado com o trabalho que fazemos no ICLEI, tem potencial para impulsionar os governos locais em termos de governança e sustentabilidade. As cidades e regiões desempenham um papel fundamental na implementação de medidas de mitigação da mudança do clima e na promoção do desenvolvimento sustentável. Globalmente, elas são responsáveis por cerca de 75% das emissões de carbono, além de serem autoras por cerca de dois terços do consumo global de recursos e energia. É aqui que o ICLEI desempenha um papel estratégico de grande importância para integrar o trabalho dos diferentes setores menciona-

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Nota ICLEI

dos, com a finalidade de centrá-lo em objetivos comuns que afetam positivamente o desenvolvimento urbano sustentável. Neste sentido, o trabalho com a PHARE apresenta-se extremamente valioso. O ICLEI, enquanto rede global de governos locais que potencializa a sua atuação nas questões da preservação e recuperação do meio ambiente, juntamente com a PHARE, cuja razão de ser está baseada na internacionalização dos governos locais, têm grande potencial para transcender também as fronteiras físicas, tais como de leis e jurisdições. Atualmente, o ICLEI está presente em mais de 125 países para contribuir com as políticas ambientais dos governos locais e buscar um desenvolvimento muito mais sustentável que nos auxilie a ter uma relação mais harmoniosa com o planeta. A PHARE, por outro lado, existe desde 2019 em razão da necessidade crescente de muitos representantes de governos locais de trabalhar em uma agenda que tenha influência a nível internacional. Essa aliança já começou a dar os primeiros frutos: é o caso da cidade de Bogotá, na Colômbia, onde iniciamos uma primeira etapa de trabalho, voltada principalmente para a governança. Em parceria com a PHARE, e com o acompanhamento e liderança da diretora distrital de Relações Internacionais de Bogotá, realizamos um workshop no qual sensibilizamos representantes de diferentes partes da cidade sobre a importância da internacionalização, além de identificar as melhores oportunidades para realizar esse processo. Entre as lições aprendidas está a clareza de que esforços de governança colaborativa (que incluem atores públicos e privados) levam a uma maior coerência e coordenação, contribuindo para a realização de objetivos comuns. As relações internacionais da cidade podem se tornar mais preponderantes e influenciar de maneira positiva a vida de seus cidadãos e cidadãs.

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Outro importante ponto a ser destacado é o fato de que a cooperação internacional tem o potencial de incentivar o uso de tecnologias sustentáveis nas cidades. Além disso, o envolvimento de atores internacionais implica a partilha de boas práticas e experiências, a procura de oportunidades de aumento da eficiência na gestão urbana e territorial e a busca por soluções para o cuidado e preservação do meio ambiente. Embora pareça um paradoxo, a realidade é que a internacionalização de uma cidade produz oportunidades que talvez nunca surgiriam se não fosse a possibilidade do envolvimento de atores de fora do país. A presença desses atores favorece novas concepções de cidades com exemplos e casos práticos que podem ser focalizados e levados aos setores que mais precisam deles, para aplicações muito mais diretas e concretas, eliminando parte da burocracia envolvida nestes processos. É verdade que o planeta passa por momentos de alta complexidade, mas isso não significa que os atores locais devam ficar calados: pelo contrário, é um momento oportuno para agir em prol do planeta, e essa ação irá sempre se multiplicar caso seja desenvolvida em conjunto. Do lado do ICLEI e da PHARE, vamos apostar para que assim seja. Compreender esse panorama a partir de diferentes perspectivas locais nos permite endossar a necessidade de assumir essas questões como prioritárias. Por isso, reunimos as vozes de três especialistas em sustentabilidade, relações internacionais e governança: Luz Amparo Medina, diretora distrital de Relações Internacionais da Prefeitura de Bogotá; Rodrigo Perpétuo, Secretário Executivo do ICLEI América do Sul; e Felipe Llamas, Presidente da PHARE - Territorios Globales:


Nota ICLEI

ICLEI: POR QUE A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS CIDADES É IMPORTANTE NAS AGENDAS DE SUSTENTABILIDADE HOJE? Luz Amparo Medina: A internacionalização das cidades na agenda da sustentabilidade é importante porque o meio ambiente e a mudança do clima são problemas que compartilhamos em nosso planeta, enquanto humanidade. Ainda que se trate de um problema global, a unidade de ação mais concreta em termos de recursos técnicos, políticos e financeiros é a cidade. Isso significa que não apenas os desafios da sustentabilidade se refletem nas cidades, mas que elas também possuem as ferramentas para superá-los. Para avançar e superar esses desafios globais, precisamos de veículos que nos permitam articular a ação coletiva a partir dos diferentes ângulos de incidência nessas agendas. Por isso, os grandes desafios que temos como humanidade são lidar com as grandes agendas globais, como os ODS, o Acordo de Paris e a Nova Agenda Urbana, entre outras. Nesse sentido, a ação coletiva das cidades é de extrema importância. Gerar uma ação ordenada e coerente a partir das estratégias de internacionalização das cidades potencializará os impactos em um momento em que os desafios da sustentabilidade e da ação ambiental são imperativos para a humanidade. Rodrigo Perpétuo: Existem duas inflexões importantes no sistema internacional contemporâneo. A primeira é a centralidade sem precedentes que a sustentabilidade ocupa na agenda internacional. Acordos como o de Paris, focados na questão climática; como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS; as Metas de Biodiversidade de Aichi; e a Nova

Agenda Urbana, entre outras, todas firmadas na última década, materializam esse processo. A segunda é o reconhecimento das autoridades locais como protagonistas do sucesso da implementação desses acordos. Portanto, vivemos um momento em que cada vez mais as cidades precisam entender a dinâmica internacional e fazer uso da diplomacia para aproveitar as oportunidades e adaptar suas estratégias, políticas de desenvolvimento e padrões de regulação urbana. Felipe Llamas: Em um mundo marcado pela emergência climática - para além do contexto da pandemia produzida pela Covid-19 - podemos considerar as autoridades locais e as cidades como os novos atores emergentes do sistema internacional. A chamada diplomacia municipal, ou ação internacional das cidades, tem mostrado grande dinamismo, tornando-se protagonista de uma solidariedade - expressa na forma de transferência de soluções e conhecimentos - dos desafios das agendas de sustentabilidade globais e locais. Esse ativismo está sendo, ao mesmo tempo, fundamental para o surgimento de novas lideranças, que serão a chave para decifrar a saída do complexo cenário em que nos encontramos. As autoridades que governam algumas das principais cidades do mundo optaram pelas relações internacionais como eixo articulador de seus esforços para definir soluções eficazes para os desafios globais. O networking no quadro internacional e a partilha de soluções têm sido fundamentais para abordar questões relevantes como a mobilidade, a luta pelas alterações climáticas e a qualidade do ar, a gestão do espaço público, a atração de talentos e a melhoria da educação. Ou, ainda, a atenção aos mais desfavorecidos e vulneráveis da sociedade. Em suma, a cidade e o território tornam-se hoje a matéria-prima do novo tecido com que se reconstruirá o futuro e, cada vez mais, será im-

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Nota ICLEI

possível conceber um território isolado ou impermeável ao que sucede no resto do mundo.

I: O QUE AS CIDADES GANHAM AO CONSTRUIR E FORTALECER SUAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS? LAM: Ter estratégias de internacionalização ordenadas e coerentes aumentam a possibilidade de que as cidades mobilizem recursos técnicos, políticos e financeiros que fortaleçam suas próprias políticas públicas, prioridades e instrumentos para que possam materializá-las e executá-las com sucesso. Também permite ter um roteiro mais claro para articular esforços não só da administração pública, mas também de outros atores, como o setor privado, a sociedade civil e a academia, em torno do que o contexto global oferece como oportunidades para as cidades. Da mesma forma, permite uma inserção mais efetiva da cidade, alcançando um posicionamento estratégico no contexto internacional. Precisamente, uma internacionalização estratégica permite-nos avançar de forma mais eficaz nas contribuições que as cidades devem dar ao abordarem os problemas globais. RP: Ter uma política de relações internacionais e uma equipe dedicada ao tema significa desenvolver uma capacidade de resposta e interação com diferentes atores que costumam ser muito estratégicos para a cidade. Oferecer um olhar estratégico com uma perspectiva de médio e longo prazo, aliás, permite otimizar ainda mais esse potencial. Esse deve ser um processo incremental e contínuo. Cidades como Bogotá, Medellín, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Cuenca, são exemplos de gestão de espaços internacionais fortes, com capacidade de cruzar as políticas do município e de se articular efetivamente em prol do desenvolvimento local.

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Ainda, a participação em redes de cidades, como o ICLEI, e em projetos de cooperação internacional faz com que ganhem em qualidade e constância, aumentando suas possibilidades de troca de experiências, conhecimentos, captação de recursos e atração de eventos e investimentos para seu território. FL: Todas as cidades aspiram melhorar as condições de vida de suas populações, enfrentando as desigualdades, os déficits de desenvolvimento de longo prazo e tentando salvaguardar a coesão social e a coexistência de seus territórios. A cidade e seu território, em sua evolução contínua, devem se reinventar, transbordando sua criatividade e superando suas fragilidades sociais e urbanas. É aqui que a ação internacional das cidades (profissionalizada e participativa) é essencial para qualquer cidade e território no momento. O encontro, a solidariedade e a cooperação continuam a ser a principal via para reconstruir o futuro da sociedade. Hoje, a necessidade de interagir internacionalmente, de estar conectado com o mundo, trabalhando e cooperando em rede é evidente. Desenvolvimento local não é “localismo”. Um dos instrumentos mais poderosos para fazer essa transformação acontecer de forma positiva é a cooperação. Há décadas, a cooperação entre cidades e territórios têm mostrado que, juntas, as sociedades são realmente capazes de enfrentar as ameaças e encontrar respostas para os problemas a partir da troca de experiências e conhecimentos. A cooperação tem sido, sem dúvida, um dos elementos mais valiosos de nossa humanidade para progredir junto com o espírito de colaboração, sabedoria, criatividade e generosidade, potencializando sinergias entre centenas de milhões de pessoas. Portanto, uma cidade, por mais importante e poderosa que seja, não pode renunciar a atingir os níveis de igualdade e justiça que garantem uma cidade equilibrada e prazerosa, sem interagir e colaborar com outros territórios do mundo.


Nota ICLEI

Vivemos momentos de transição em nível planetário e temos a oportunidade de redefinir modelos de vida que vão além do produtivo. Repensar a cidade colocando a emergência social e a transição ecológica forçada no centro é um desafio e uma oportunidade para as cidades, e sua ação internacional é a chave para alcançar esses objetivos.

I: COMO ESSAS ATIVIDADES ACABAM BENEFICIANDO OS CIDADÃOS E CIDADÃS? LAM: O impacto das estratégias de internacionalização das cidades para cidadãos é extremamente importante. A internacionalização das cidades deve defender, antes de tudo, o fortalecimento de políticas públicas que, por sua concepção, precisam atender aos interesses coletivos dos cidadãos. Com uma forte atuação internacional, no marco das grandes agendas globais, as cidades reafirmam seu compromisso com os direitos humanos, a inclusão e a equidade e quem se beneficia diretamente disso são justamente as pessoas. Por outro lado, na situação atual é fundamental avançar na consolidação de uma cidadania global em todas as cidades do mundo. Os indivíduos devem compreender que suas ações têm um impacto global. Por exemplo, cada pessoa tem um papel de liderança a desempenhar no combate à mudança do clima, transformando os seus hábitos de consumo e produção e a forma como nos relacionamos para promover sistemas muito mais sustentáveis. Essa cidadania global deve entender que fazemos parte de algo muito maior do que a humanidade. Se algo reflete essa interdependência de forma clara e concreta, é o trabalho que se realiza em torno da sustentabilidade e da mudança do clima.

Por isso, nas estratégias de internacionalização das cidades, os cidadãos devem ter uma dimensão de cidadania global, com seus direitos e obrigações. Seu papel na conquista das grandes agendas de desenvolvimento global é gigantesco, enquanto cidadãos com consciência ambiental e sustentável. RP: Para dar legitimidade e perenidade a uma política pública, a sociedade local deve estar envolvida tanto na etapa de formulação, quanto na de implementação e monitoramento. Portanto, ter um corpo de governança com organizações sociais, universidades e entidades do setor privado é essencial para impulsionar o processo qualificado de internacionalização das cidades. Por outro lado, cada vez que uma cidade consegue participar de um projeto de cooperação internacional, ou na captação de recursos financeiros, ou no estabelecimento de intercâmbios de conhecimentos, suas políticas públicas tendem a melhorar, beneficiando a todos os cidadãos e cidadãs de maneira geral. FL: Já foi dito que o objetivo da ação internacional das cidades não é outro senão a melhoria das condições de vida de suas populações. E, neste momento, é fundamental não perder o caminho da transição ecológica iniciada pelas cidades. No entanto, abordar a complexidade desses desafios isoladamente não é uma opção viável. Incorporar a dimensão internacional à gestão local através da coerência das políticas é uma forma de amenizar os efeitos da crise nos territórios e, portanto, em benefício de seus cidadãos. Isso porque esta ação internacional permite às autoridades locais acelerar e legitimar a tomada de decisões, incorporar o conhecimento de terceiros e favorecer a inteligência coletiva, além de aumentar a eficiência e ajustar as políticas públicas e serviços públicos às diretrizes globais e agendas internacionais.

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Nota ICLEI

Plataformas como o ICLEI, a Rede de Cidades Resilientes ou a rede de cidades para as mudanças climáticas C40, que aproximam cidades de organizações internacionais, fundações filantrópicas, empresas, organizações da sociedade civil ou universidades e centros de pesquisa, estão mostrando eficácia relevante ao colocar soluções e inovações ao alcance das autoridades locais. A proposta trata, portanto, do combate às desigualdades sociais e aborda questões como a digitalização e o uso de tecnologias nas cidades, a melhora da convivência urbana, a aposta na resiliência e na transição ecológica, entre muitas outras possibilidades de atuação internacional. Quando cooperamos, somos capazes de dar o melhor de nossa humanidade compartilhada. Assim, constituir alianças entre cidades e territórios e avançar numa lógica colaborativa e cooperativa com outros atores transnacionais, governo e sociedade civil, é a chave. Ainda mais, a partir de uma ação internacional que envolva todos os atores da cidade e o serviço de melhoria das condições de vida na região e entre suas populações.

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Atores-chave para desenvolvimiento da Paradiplomacia no Brasil

NOTA METODOLOGICA

O

número sete da TIP foi dedicada à compreensão dos antecedentes, das práticas, experiências, e perspectivas teórico-metodológicas da paradiplomacia no Brasil. Com o tema: “Paradiplomacia brasileira: Teoria e Prática” foi lançada a convocatória no dia 26 de setembro de 2020 permanecendo aberta até o dia 07 de dezembro. As 25 propostas de trabalho recebidas para a presente edição passaram por uma rigorosa e criteriosa análise, em um processo que culminou com a seleção dos doze artigos que aqui publicamos. Para chegar a este resultado, o processo de avaliação se apresentou em diferentes instâncias: 1. Na primeira, o comitê executivo da revista se reuniu para analisar e classificar as propostas recebidas, enquanto que a Equipe de Trabalho da TIP participou deste processo analisando e selecionando as melhores propostas. Deste trabalho coletivo resultaram doze propostas classificadas para a segunda etapa de revisão. 2. Na segunda instância de avaliação, os autores das propostas selecionadas deveram enviar seus artigos completos, em conformidade com as normas editorias da revista. Para sua análise se acudiu a análise de pares a cegas, compostos por um membro do conselho assessor –a saber, um especialista no assunto – e um membro da Equipe de Trabalho da TIP. 3. A última etapa da avaliação refere-se ao recebimento dos trabalhos completos que

incorporaram a retroalimentação da etapa anterior. Assim, por meio da presente nota, apresentamos a complexidade e a rigorosidade acudidas para selecionar aos artigos publicados na presente edição. As avaliações levaram em consideração: a) critérios editorias da Revista TIP; b) considerações gramaticais; c) comentários e/ou sugestões de conteúdo. Os membros do conselho assessor enviaram suas avaliações e os membros da Equipe de Trabalho da TIP deveram elaborar com base a isso, e as suas considerações, retroalimentações para cada artigo, expondo critérios y sugestões aos autores. Ainda nesta fase, o editor da TIP avaliou cada artigo e cada retroalimentação para chegar à aceitação de onze trabalhos, dentre os quais um esteve condicionado para sua publicação. Foi um trabalho colaborativo, muito interessante tanto para a Equipe da TIP como para o Conselho Assessor desde o ponto de vista metodológico. E é neste momento que quero agradecer ao Conselho Assessor e aos especialistas brasileiros1 por sua avaliação, seleção e leitura dos documentos, às jovens e aos jovens voluntários2 da TIP que sem a ajuda deles este número não teria chegado a um bom porto, assim como as tradutoras e aos tradutores dos artigos, fichas, notas de diretor e editor. Ray Freddy Lara Pacheco3 Editor da Revista TIP Número Siete

1 Liliana Froio; Rayne Ferretti; Cairo Junqueira; Regina Laisner; Suellen Péres de Oliveira; Soraya Pessino; Gilberto Rodrigues. 2 Geovana Gabriela Bardesio Viera; Daphne Costa Besen; Fermín Gallegos de León; Adriana Huerta Núñez; Pablo Daniel Navarro Rosas; José Martín Sánchez Vicente; Henry Josué Servellón Santos; Ramon Cristiano Bonifácio. 3 Agradeço a tradução desta apresentação a Ramon Cristiano Bonifacio do Mestrado em Relações Internacionais dos Governos e Atores Locais (UdeG, MX).

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TIP: “Trabajos de Investigación en Paradiplomacia”. ISSN: 1853-9939. Año 10. Número 1, Julho 2021. “A Paradiplomacia no Brasil” www.paradiplomacia.org

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