A Brasilidade na Pintura de César Romero

Page 1

A Brasilidade na Pintura de César Romero The Brazilianity in César Romero’s Painting

Mirian de Carvalho



Este Livro é fruto de cinco anos de pesquisa de Mirian de Carvalho sobre o universo contemporâneo brasileiro presente na pintura e na arte de César Romero. Um registro feito por uma pesquisadora membro da ABCA/AICA, finalizado em um momento oportuno, quando César Romero comemora 50 anos de vida artística, de forma participativa e atuante. Premiado com o Vianna Moog (UBE/RJ, 2007), é um trabalho profundo que imerge nas influências populares que o artista teve ao longo de seu percurso, desde sua infância em Feira de Santana/BA, até emergir de forma erudita no enfoque das pinturas de César. Acompanho o trabalho de César há mais de 15 anos, tanto de artista como de curador. É um profissional detalhista, organizado, minucioso, extremamente culto e criativo, e, ao mesmo tempo, generoso e simples. Neste livro, ao acompanhar suas pinturas, é possível perceber todas estas nuances, e ainda se surpreender com a variedade técnica e criativa com que o artista transcorre sobre um tema único: o Nordeste brasileiro. Leonardo Bokor. Produtor

This book is the result of five years of research by Mirian de Carvalho on the contemporary Brazilian universe present in the paintings and art of César Romero. A member of the ABCA/AICA, Mirian registers César Romero´s active participation in the arts at a very opportune moment, as he celebrates 50 years of artistic life. Having received the Vianna Moog Award (UBE/RJ) in 2007, it is a profound work. The book immerses in the influences of popular culture that the artist lived, from his childhood in Feira de Santana/BA until emerging to the erudite forms in the focus of Cesar´s paintings. I have accompanied César´s work for more than 15 years, as artist and curator. He is a highly detailed professional, organized, thorough, extremely cult and creative. At the same time, he is generous and simple. In this book, one can accompany his paintings and perceive all these nuances while still being surprised by the variety of techniques and creativity with which the artist elapses one only theme: the Brazilian Northeast. Leonardo Bokor. Producer



Mirian de Carvalho

A Brasilidade na Pintura de César Romero The Brazilianity in César Romero’s Painting

1ª edição Salvador. Editora Expoart 2016

PAT R O C Í N I O



À minha mãe, que ainda se lembra do teatrinho de sombras, da Maria-Preta de São João, e que vem acompanhando com entusiasmo a feitura deste texto. In memoriam a meu pai, que bem cedo me apresentou o mundo das artes e um dia selecionou um tema de redação que me tem acompanhado profissional e afetivamente vida afora. Ao Professor Ivan Cavalcanti Proença, mestre incansável na luta pela vida da arte popular e cujas ideias embasaram meus escritos sobre a carnavalização e o endobarroco.




“Tu que conviveste o Sertão quando no sim esquece o não e sabes seu viver ambíguo, vestido de sola e mitos, (...).” João Cabral de Melo Neto

“Na mobília austríaca, no cristal da Baviera, nos bibelôs da França, na porcelana da China, um sertão de iluminuras viaja por alto-mar (...).” Cyro de Mattos


9 Introdução 21

O Transrealismo Desconstrutivista

21 32

Amplitude da Contemporaneidade na Arte Identidade e Globalização

39

A Sobrevivência das Identidades Particulares

39 46

Identidade Cultural e Globalização Identidade e Idealização na Cultura Popular

53

A Autonomia Plástico-ideativa na Arte de César Romero

53 61

A “Geometria” e a Fábula O Popular e o Erudito

67

Abrangência da Carnavalização

67 Áreas de Emergência da Carnavalização 74 O Riso na Cultura Popular do Nordeste 74 Ritos e cultos religiosos 76 Espetáculos, festas e folguedos 76 Obras cômicas verbais 80 Arquitetura popular 81 Artes plásticas e objetos de uso 81 Carnaval 83 Música e outras manifestações rítmicas

85

A Carnavalização e o Barroco

85 92

Carnavalização e Endobarroco A Carnavalização no Barroco Brasileiro

97

A Noção de Endobarroco

97 106

Fundamentos do Endobarroco Extensão e Limites do Endobarroco

119 O Roteiro Pictórico de César Romero 119 Temas Emblemáticos 136 Cromutações 138 Bramante 142 Urdiduras

149 A Carnavalização do Sagrado e do Profano 149 156

Candomblé e Festas de Largo Carnavalização e Carnaval

165 A Colcha de Retalhos e os Sinais do Povo 165 172

Da Cultura Popular à Arte de César Romero A Colcha de Retalhos e a Linguagem da Carnavalização

177 O Riso e a Cor 177 183

A Festa e o Riso Cromático A Carnavalização e as Imagens-migrantes

191 O Endobarroco e o Espaço na Arte de César Romero 191 195

Os Espaços Pictóricos e a Dobra Os Desdobramentos da Colcha de Retalhos

205 A Carnavalização e o Tempo na Pintura 205 211

O Tempo na Arte de César Romero A Dobra no Tempo

221 English Version 297 Referências Bibliográficas 303 Sobre a Autora 303 Sobre o Artista



Introdução

Médico, empresário, artista de formação erudita, como expositor César Romero conduziu sua pintura ao plano do reconhecimento internacional, tendo realizado exposições em vários países da Europa e da América Latina. Mas, ao definir projeto estético intrínseco à sua produção artística, ele optou pela valorização da cultura popular do Nordeste, inserindo-a em sua pintura por meio de temática e cores afeitas à ambiência regional. Em seus motivos ressoa a terra natal. Em seus temas pulsa o solo baiano. Nascido em Feira de Santana e residindo em Salvador, César Romero assimila e festeja em sua arte os sinais do povo1: expressão cunhada pelo artista para designar a cultura sertaneja e interiorana de sua região. Ao reverenciar a temática popular, César Romero o faz através de intenso colorido, movendo universos de natureza pictórica. No universo das cores moventes, César Romero inscreve a vida e a memória do povo visitando manifestações do sagrado e do profano em terras da Bahia. Na apreensão da fé popular, além das referências ao Candomblé, o pintor festeja os santos e outras imagens do Catolicismo. Comemorando a paisagem interiorana, ele destaca os casarios e a igreja do povoado. Contempla as arraias empinadas pelos meninos a céu aberto. Comemora as bandeiras, os banquinhos e as barracas das Festas de Largo e do mercado. Exalta o Carnaval. As festas juninas. Os folguedos. O circo. Colore as fachadas das casas do interior. Em seu trabalho, ganham espaço altar e santo. Em sua arte, matizam-se costumes e fazeres. Coisas do homem. Coisas da divindade. Sinais do povo dando voz à cultura regional como uma das nossas identidades hoje. Porém, dizer-se que em virtude da temática a arte de César Romero exalta a identidade brasileira ou a regional torna-se uma afirmação genérica e vaga, visto que hoje a questão da identidade se reenvia a problemas de várias naturezas. Assim, para compreender sob os aspectos filosófico-cultural e poético o trabalho de César Romero, recorremos a estudos de vários autores. No rastro do intenso cromatismo desvelado em sua arte, visitamos o texto de Jacob Klintowitz, autor que realizou em livro a primeira sistematização da obra de César Romero. De posse de tal sistematização que abrange sob os ângulos temático, estético e cronológico sua produção artística – o que nos possibilitou a definição do

1  ROMERO, César. Mostra Cromutações – Pinturas. Rio de Janeiro: Centro Cultural Correios, 2001. p. 1.

9


roteiro pictórico do artista a partir dos anos 1960 –, iniciamos este ensaio por algumas reflexões sobre a questão da identidade, através de um diálogo com as ideias de Stuart Hall. Na instância do colorido vibrante nas telas de César Romero, perscrutamos a influência das mesclas culturais que em sua pintura aderem à formação da cultura brasileira, bem como enfatizamos a convergência de identidades diversas que na obra do artista agregam conteúdos do popular e do erudito. Mas ao longo do texto demos ênfase à dimensão estética da pintura, destacando na obra do artista uma poética da cor, vinculando-a a uma poética do espaço e do tempo, de acordo com alguns princípios do pensamento de Gaston Bachelard2. Porém, junto à dimensão poética do tempo, neste ensaio foi ele também abordado no âmbito da carnavalização, enquanto temporalidade desconstrutora do tempo cronológico, intrínseca ao colorido que, na arte de César Romero, comemora a cultura popular. E em sendo a carnavalização um ponto nodal neste ensaio no que tange às cores traduzindo a cultura popular do Nordeste na arte de César Romero, sob esse prisma buscamos subsídios, como não poderia deixar de ser, nos escritos de Mikhail Bakhtin3, que estudou a cultura popular na Idade Média e no Renascimento como festa da diferença ante a cultura oficial representada pelo Estado e pela Igreja. Sob o ângulo da cultura popular vista como inversão da ordem, Bakhtin rastreou aspectos do Carnaval e de outros festejos, falas e comportamentos de igual conteúdo, e a partir deles focalizou sua importância nas artes e na literatura, enfatizando no texto de Rabelais as figurações colhidas na cultura popular do Medievo e do Renascimento. Nessa perspectiva, focalizamos o trabalho de César Romero na sua relação com a cultura popular através da temática, mas com relevância no colorido, com base numa abordagem da carnavalização que, abrangendo diferentes manifestações populares, se revela rica em diferenças frente à cultura “oficial”, sobretudo no que tange aos ditames da cultura de massa, dentre outros padrões que se relacionam à sociedade globalizada. Compreendendo a carnavalização como instância da cor na arte de César Romero, encontramos em sua pintura similitudes e diferenças relativas aos espaços no “barroco”, tal como este foi concebido por Eugenio d’Ors e Helmut Hatzfeld, dentre outros autores que se debruçaram sobre o tema de modo não restrito ao Seiscentismo. Nesse cotejo, vislumbramos na arte de César Romero traços de cunho “endobarroco”, categoria ou princípio plástico-ideativo que foi proposto inicialmente em publicação de nossa autoria

2  Consultar obras sugeridas em referências bibliográficas. 3  Consultar obras sugeridas em referências bibliográficas.

10

I ntrodu ç ã o


sobre a poesia de Péricles Prade4. Observe-se que o referido estudo teve por base o pensamento de Ivan Cavalcanti Proença, que identificou e metodizou no campo da literatura traços de uma escrita pan-barroca posterior ao Seiscentismo, mormente nos dias de hoje. Porém, ao escolhermos tais caminhos, não se coloca em pauta uma visão ingênua e passadista do mundo globalizado, nem da cultura, nem da arte. Menos ainda uma ideologia nacionalista e xenófoba. E sim uma visão da representatividade da cultura regional no mundo hodierno através de um diálogo entre conteúdos da cultura popular e da cultura erudita em convergência no trabalho de César Romero. Seguindo os labirintos da cor na arte de César Romero, aderimos à sua alegre comemoração da vida repercutindo em espaços e tempos marcantes da relação entre o popular e o erudito. Na sequência dessa relação, localizamos no trabalho do artista certas instâncias que perpassam e assinalam um diálogo entre aspectos do sertão e da urbe no mundo atual, repercutindo numa carnavalização que surge como inversão da ordem afeta às hierarquias sociais e políticas, através da temática e, sobretudo, do colorido, repetimos. Mas ao localizarmos tal inversão, percebemos que ela conflui em desconstruções ideativas e plásticas de cunho endobarroco, sinalizando-se por meio de oposições e/ou diferenças afetas a um desvio do princípio de identidade lógica e do absoluto, trazendo à pintura tensões espaciais expressas por curvas, diagonais e pelo rompimento com os esquemas da figura-fundo. Por sua vez, essas tensões espaciais aderem aos contrastes cromáticos e luminosos, sinalizando uma poética da cor. Realizando-se como “matéria” e dinâmica da pintura, a cor instaura espaços e tempos singulares. E inaugura uma ontologia. E uma ontogênese. À realização da pintura emergem seres cromáticos. Ao fluxo do colorido e considerando diferenças culturais que afluem no trabalho de César Romero, destacamos a simbologia afro-brasileira, porque em terras da Bahia bem o sabe o povo que cunhou o ditado, e o pesquisador que com o povo aprendeu: “Nada se faz sem Exu.” Na mitologia dos orixás, antes das oferendas aos outros santos do abassá, Exu é a divindade que recebe as primeiras homenagens. Ele abre os caminhos. Abre as portas. E o coração. Nessa visitação ao trabalho de César Romero, o Candomblé revelase como motivo marcante sob vários aspectos. E surge aqui como referência temática e cromática porque assim seja dito: na pintura de Romero, Exu abriu os caminhos para o altar de Oxumaré, o Filho do Senhor do Xale Brilhante. Divindade do arco-íris. Corpo de serpente. Corpo cromático, o dorso de Oxumaré ondula-se nas telas do pintor, colorindo os sinais do povo. Reunindo traços culturais característicos de “identidades” diversas, a pintura de César Romero universaliza-se. Carnavalizando o mundo, a cor dá lugar e voz ao povo nessa comemoração da ambiência regional, assinalando-se na sociedade

4  CARVALHO, Mirian de. Metamorfoses na poesia de Péricles Prade. São Paulo: Quaisquer, 2006.

11


Feira de Santana / Feira do Gado (Campo Gal. Câmara)



globalizada. Carnavalizando o mundo, a cor reúne o homem e a terra, numa dobra à maneira deleuziana. Na pintura do artista, o Nordeste pulsa carnavalizando as telas e o mundo a partir da imagística da colcha de retalhos. Em suas telas, as cores desdobram-se do colorido e das misturas intrínsecas à colcha de retalhos, que é objeto de uso, objeto artístico e foco de destaque neste ensaio, compreendida como metáfora das mesclas étnicas na cultura brasileira. Cobrindo o corpo ou adornando a casa, a colcha ressurge na arte de Romero como “bandeira” da convivência de diferenças. Nesse convívio, misturamse cores e tecidos diversos. Nesse encontro de diferenças, assim como a colcha de retalhos, a tela de linho desdobra-se e alteia-se como bandeira de cercania. Nesse convívio de diferenças, o Nordeste mostra ao mundo o lugar da Bahia nas telas de César Romero. Ao realizar a festa dos matizes, o pintor comemora a vida. A cor se faz riso comemorativo. Riso cromático. Riso da carnavalização. A cor se faz metáfora do riso. Tempo de ressurreição. Tempo do olhar. Percorrendo as telas do pintor, o colorido destaca o Nordeste como fulcro de identidades diversas. Entre variações da cor, o artista envereda pelos meandros de um transrealismo desconstrutivista, expressão que cunhamos para caracterizar na produção artística hodierna uma diretriz estética de cunho erudito em esquiva da homogeneização difundida no mundo globalizado5. Mas não se trata de estilo, nem de movimento, nem de escola. O transrealismo desconstrutivista revela-se um fenômeno de resistência cultural que transcorre de modo difuso na América Latina, com grande representatividade no Brasil. Mas, ainda que subsumindo em grande escala traços da carnavalização e/ou do endobarroco, trata-se de categorias distintas, observando-se que o transrealismo desconstrutivista é um veio estético próprio das artes plásticas na contemporaneidade. Mas nessa confluência de aspectos que interligam categorias diversas, junto às noções de endobarroco e transrealismo desconstrutivista, inauguradas por nós no curso das nossas pesquisas, bem como no tocante à carnavalização, categoria consagrada no campo da filosofia da cultura, encontramos traços ou características que abrangem o termo “oposição” e seu plural. Quanto a essa referência, enfatize-se que, no curso deste ensaio, o termo “oposição” não carrega necessariamente carga antitética. E sim um tangenciamento quanto ao encontro de diferenças e à convivência de contrários, sem alusão ao binarismo. Nesse sentido, as oposições circunscrevem-se a um estar no mundo. Mas esse estar no mundo implica surgimento. Transformação. Dinamismo. Participação. Esse estar no mundo, ainda que não se expresse como conflito, revela-se como tensão. A vida mostra-se como tensão

5  Consulte-se o capítulo 1.

14

I ntrodu ç ã o


15


em sua sequência ou interrupção ante o desconhecido. Nada se revela conhecimento pleno. Claridade absoluta. Cor definitiva. Desse modo, na pintura de César Romero, as oposições ganham aura poética. E toda poética comporta tensões. E na perspectiva bachelardiana toda poética pede uma linguagem que dela se aproxime através de um desvio dos parâmetros conceituais. Por isso, nessa interpretação do trabalho de César Romero, visitamos imagens que conduzem estranhamento. Visualidade “tátil” é uma dessas imagens, dentre muitas outras. Por fim, registre-se, em que pese neste ensaio, do ponto vista metodológico, observação direta das obras do artista, bem como pesquisa bibliográfica no tocante aos conceitos e categorias, temos por meta a explicitação de questões. Na sequência da escrita, conforme mencionado, em alguns momentos tangenciamos “licenças poéticas” quanto à linguagem. Desse modo, entre questões e conceitos, nosso escopo maior é instigar o surgimento de novas questões pertinentes à temática em pauta, além daquelas que foram aqui expostas. Nesse sentido, tangenciamos “licenças do pensar” e, através de digressões, ainda que pertinentes à temática em foco, tangenciamos o campo da literatura. E em virtude da extensão do texto, em nossa escrita incluímos intencionalmente repetições que situam o leitor ante as referidas questões. E para maior clareza quanto ao curso da leitura, nos seis primeiros capítulos definimos aspectos teóricos que, em sua relação com o trabalho de César Romero, fundamentam este ensaio e conduzem problemática relativa aos vários temas abordados neste texto. Nos demais capítulos, centralizamos a pintura de César Romero numa relação com as ideias e argumentos então expostos.

César Romero na Lavagem do Bonfim, Salvador / Bahia, 1975

16

I ntrodu ç ã o


Jogo de Búzios, Andaraí / Bahia, 2006

17


18

I ntrodu รง รฃ o


19



O Transrealismo Desconstrutivista “Busco uma pintura, como quem busca um Hino Nacional. Sou baiano, nordestino, brasileiro e universal.”6

Amplitude da Contemporaneidade na Arte Cores de festa. Festejos da Bahia. Cores brasileiras. Inserção universal. Luminosidade cósmica. As telas de César Romero transitam pelo mundo despertando os sentidos. Conduzindo exuberante cromatismo, sua pintura tem sido foco do olhar do público em diversas mostras no Brasil e no exterior. E conduzindo complexas questões, seu trabalho tem sido enfocado por muitos especialistas que o definem estilística e esteticamente de modos diversos. Construtivista? Surrealista? Neobarroco7? Tais abordagens foram objeto de estudo e de reflexão ao longo deste texto em que centralizamos no roteiro pictórico do artista a dinâmica das cores e a luminosidade de um mundo movente que se origina na cultura popular. Ao fluxo desse mundo movente, buscamos as raízes e os percursos de suas cores e luzes de festa. Aderindo a esse universo movente, encontramos imagens que transitam na cultura popular através de instâncias da carnavalização. E, na passagem das matrizes populares a uma realização de cunho erudito, localizamos na arte de César Romero características espaciais de caráter endobarroco. Na pintura de César Romero, assim como na cultura popular, a vida pulsa e põe-se em ato através da carnavalização, isto é, por meio de uma inversão da ordem do mundo, sobretudo pelas cores. E apresentando veios endobarrocos, no trabalho do pintor revelam-se instâncias plásticas que desconstroem a neutralidade dos espaços geométricos. No trabalho de César Romero, os traços endobarrocos aderem ao colorido como instância primordial da pintura, referendando uma brasilidade que se integra de modo singular ao transrealismo desconstrutivista, tal como ocorre no trabalho de vários artistas que buscam uma estética não submissa a ditames ou normas extrínsecas à sua produção artística. Essa tendência pode ser denominada transrealismo porque, em que

6  ROMERO, César. Mostra Cromutações – Pinturas. Op. cit., 2001. p. 2. 7  Tais menções podem ser localizadas em César Romero, nas referências bibliográficas.

21


pesem os vínculos históricos com uma cultura particular, ou seja, com aspectos de uma cultura não hegemônica frente à globalização, esses elos não se determinam no sentido mimético ou representativo, mas se traduzem como realização plástica que transcende o plano objetivo. E em não representando um registro da objetividade, essa tendência pode ser chamada de desconstrutivista por posicionar-se em esquiva de padrões da cultura de massa e por desconstruí-los através de trabalhos singulares inscritos na contemporaneidade. Nessa perspectiva, antes de uma análise da carnavalização e dos traços endobarrocos na arte de César Romero, torna-se importante uma reflexão sobre as manifestações artísticas atuais, visto que estas se caracterizam por expressões as mais diversas. E considerando-se diferenças que transitam entre múltiplas técnicas e procedimentos estéticos, nessa diversidade localizam-se em todas as regiões do Brasil artistas que, pertencendo às camadas eruditas, delineiam projeto artístico pertinente ao que denominamos transrealismo desconstrutivista. Trata-se, repetimos, de uma produção artística que referenda culturas particulares, isto é, aspectos de uma dada cultura não hegemônica na sociedade globalizada. Os artistas que optam por esse percurso estético centralizam em seus trabalhos particularidades culturais de várias origens, observandose que algumas dessas particularidades eclodem nas metrópoles. Tais motivos têm como pano de fundo elos imagísticos contidos nas lendas e mitos, nas artes, nas festas, nas “paisagens”, nas estórias, tangenciando o fantástico e/ou o histórico em clima encantatório. Ao visitar essas fontes, nota-se certa recorrência ao onirismo, deflagrando temática e memória que envolvem, na maioria das vezes, impressões primordiais das experiências relacionadas ao povoamento da terra e à infância da humanidade, uma vez que essa mitopoética abrange todas as culturas, ainda que através de manifestações heteróclitas. Em esquiva dos padrões da cultura de massa, os artistas que tangenciam o transrealismo desconstrutivista conduzem aos seus trabalhos veios imaginativos que abrangem utopias e quimeras. De modo explícito ou implícito, eles imprimem à sua arte questionamentos relativos a modelos. Enfocando particularidades culturais, ou seja, aspectos não pertencentes à cultura hegemônica na sociedade globalizada, tais artistas conduzem seus motivos ao plano universal. O transrealismo desconstrutivista expande-se na América Latina, com grande representatividade no Brasil, foco de nossos estudos, e revela-se diretriz estéticofilosófica que, por suas singularidades, pode abranger traços endobarrocos, bem como traços da carnavalização, tal como ocorre na arte de César Romero. Porém, no todo, tal convergência não se faz necessária. Numa variável comum às desconstruções do transrealismo, através de olhar aguçado, alguns artistas visitam a urbe atingida pelos feitos da padronização comum ao mundo hodierno. Nesse caso, isto é, ao enfocar particularidades urbanas e ao revelar consciência crítica quanto à padronização que atinge

22

O T ransrealismo esconstrutivista


a cidade, certos artistas optam por “técnicas tradicionais”, como, por exemplo, a pintura ou a gravura, enquanto outros optam pelas chamadas “linguagens contemporâneas”, que englobam expressões virtuais e objetuais, dentre outras possibilidades. E a par dessas duas vertentes expressivas há ainda certos artistas que transitam com maestria por ambas as possibilidades, reunindo-as e criando novas linguagens. Recorrendo a tal interação expressiva quanto a particularidades da urbe, destaca-se grande parte do trabalho de Rubens Gerchman e de Emmanuel Nassar, situando aspectos populares de um “jornal” urbano concebido plasticamente; bem como se destaca o trabalho de Rubem Grilo, reunindo aspectos da cidade e do imaginário mítico. Visitando o particular afeto à cidade, ressalte-se o trabalho de João Câmara, que recorre ao cotidiano e ao fantástico e lança-se a um transrealismo8 imagístico ao rever cenas da política brasileira, ao erotizar casos amorosos e ao reconstruir Recife e Olinda: suas cidades de afeto. Note-se que, transitando por técnicas diversas, a mostra de João Câmara, intitulada Duas Cidades9, constitui “instalação pictórica”, criando espaços relacionais, e não uma simples reunião de obras. Enraizando-se no encantatório, deve ser mencionada a pintura de J. Bezerra, que, a partir da infância vivida no Nordeste, cromatiza imagens da errância do homem enquanto caminhante da terra e dos céus, com suas figuras humanas e paisagens oníricas que nasceram na ambiência maranhense.

8  Cf. CARVALHO, Mirian de. O transrealismo de João Câmara em Duas Cidades. Jornal da ABCA. São Paulo: ABCA, out. 2003. p. 7. 9  Mostra realizada em 2001 no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.

23


Abrangendo o sagrado através do encantatório, mencione-se também Ronaldo Rego, que comemora o coração da cultura afro-brasileira por meio da gravura e de outras técnicas afetas à tridimensionalidade, englobando o objeto e a instalação, tratando-se assim da instauração de espaços e de ambiência que inauguram linguagem inusitada na perspectiva contemporânea. Nesses caminhos, de maneiras diversas, muitos artistas realizam incursões pelo mundo mitopoético. Nesse sentido, atualizando o mito nos meandros da metrópole, merece destaque a escultura de Valdir Rocha, que, através da simbologia das cabeças, humaniza e mitifica seres nascidos de uma poética da matéria10. E ainda Antonio Maia que, pictoricamente, simboliza e atualiza a religiosidade do povo revivendo a imagística dos ex-votos nas práticas da cristandade urbana e interiorana. E Raul Córdula, artista e cidadão do Nordeste e do mundo, valorizando em sua pintura imagens e símbolos da cidade do homem. Numa outra vertente relacionada à cultura do povo, que quase sempre se relaciona ao encantatório, destacam-se outros artistas. Nessa plêiade artística incluem-se Siron Franco e Humberto Espíndola, cada um a seu modo, universalizando a geografia e a imagística das terras do Brasil central ao articular imagens urbanas e regionais. E recorrendo ao regionalismo, devem ser ressaltados os trabalhos de Gilvan Samico, fazendo da madeira a fábula que expande a mitologia do Nordeste nas imagens de um onirismo cósmico; de Adir Botelho, que registrou no desenho a carvão sua Agonia e morte de Antonio Conselheiro11; de Isa Aderne, gravando em madeira as lendas do Brasil; e de Francisco Brennand, moldando mitos da origem em terras do Nordeste. Sob óticas diversas, enfocando particularidades da urbe ou da região, muitos artistas reúnem espécie de memória e prospecção quanto à realidade vigente. A atuação desses artistas encarna mudanças no plano estético e questionamentos no plano sociocultural. Seus trabalhos definem-se como expressões memorialistas do homem, por atingirem eles as raízes culturais. Mas em esquiva do registro histórico, tais expressões remetemse ao imemorialismo, compreendendo um devir da arte e da cultura como instância da diferença, instigando também uma reflexão sobre o fazer artístico hoje. Expressandose por meio de técnicas e materiais diversos, o trabalho de cada um dos artistas aqui referidos, assim como o de tantos outros de igual relevância que não foram mencionados neste ensaio, mereceria uma análise específica, diferenciando-os entre si. No quadro das artes relacionadas ao transrealismo desconstrutivista, característico de diferenças e não de similitudes, devem ser destacados também os campos da ficção,

10  Consulte-se CARVALHO, Mirian de. A escultura de Valdir Rocha. São Paulo: Escrituras, 2004. 11  BOTELHO, Adir (Org.). Canudos: Agonia e morte de Antonio Conselheiro – Adir Botelho desenhos a carvão. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2005. Na obra, consulte-se também o texto de nossa autoria: Os passos da paixão de Antonio Conselheiro e a dobra no desenho a carvão de Adir Botelho.

24

O T ransrealismo esconstrutivista


da música, da poesia e do cinema; artes que se fazem significativas em visitação ao regionalismo, bem como às particularidades da urbe, ou a outra qualquer particularidade cultural. No Brasil, o transrealismo desconstrutivista tornou-se veio estético significativo, dimensionando-se pelo diálogo com as culturas particulares ou com outras singularidades culturais, sobretudo pelo questionamento relativo a modelos. Esse “projeto” artístico constitui uma estética do arquetípico, ou melhor, mobilizadora de arquétipos, visto que a arte não se reduz à reprodução do arcaísmo12. Na produção artística, o passado atualiza-se e renova-se. Transcendendo a memória, a própria técnica torna-se passível de renovação. Hoje, a arte se imiscui em diferentes matérias e procedimentos técnicos. Eclodem os multimeios. Infrutífera seria a redução dos objetos de arte a movimentos, tendências ou escolas. Instigante e pródigo revela-se este nosso tempo de múltiplas e paralelas manifestações, em que o termo arte amplia seus significados e sentidos, galgando outros espaços. As obras sobem nos muros e nas paredes dos prédios. Estendem-se pela ambiência da cidade. Compõem paisagens. Passeiam pelas ruas. Sentam-se nas praças. Andam de metrô. Brotam da sucata. Constituem-se no vídeo. Certos artistas realizam trabalhos através da apropriação de objetos, e até de outras obras. Produto e expressão, o universo da arte transita pelo virtual, pelo corpóreo, pelo objetual e pelo conceitual. O corpo se insurge como objeto artístico. Instalando-se nos espaços públicos ou “desinstalando-se”, as manifestações estético-artísticas podem abstrair, materializar e “conceituar” o mundo. Mas note-se que a chamada arte contemporânea conduz questões de suma complexidade. Sua abrangência merece estudo que a amplie sem reduzi-la ao campo do objeto, da instalação ou a inúmeras outras possibilidades que possam aderir a essa gama de expressões e de linguagens que se afastam do suporte. Realizando-se em esquiva do suporte ou utilizando-o, o que dá o tom de contemporaneidade à produção artística revela-se como processo do ponto de vista do espaço que, dentre outras possibilidades, se mostra lugar em transformação. O que então qualifica o trabalho artístico como contemporâneo concentra-se nas qualidades do espaço que se torna relacional, integrando diversas obras que dialogam numa relação entre o todo e o fragmento. Tratase de uma relação de pertencimento, como ocorre na pintura de César Romero, dentre outros exemplos. Ressalte-se que em Cromutações e Bramante13, mostras realizadas, respectivamente, em 2001 e em 2006 no Rio de Janeiro, o artista apresentou instalação pictórica, criando espaços relacionais. E criando ambiência intrínseca à mostra. Não se trata de simples agrupamento de quadros, tal como constatamos em outras mostras

12  Tema abordado por Bachelard ao longo da introdução à obra intitulada A poética do espaço. Trad. Antonio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. Rio de Janeiro: Eldorado [s.d.]. 13  Ambas no Centro Cultural Correios.

25


26

O T ransrealismo esconstrutivista


deste e de outros artistas. Note-se que, antecipando de certo modo concepções espaciais hodiernas, a instauração de espaços relacionais verificou-se em alguns momentos do Modernismo, como ocorre com a Bíblia de Chagall e em algumas obras de Picasso. Mas nesses casos, como em outros, não se tratava ainda de criação de ambiência. Não se tratava ainda de uma espacialidade receptiva ao corpo, tal como hoje ocorre em sua atuação e errância intrínsecas a um conjunto de “obras”, que podem ser quadros, gravuras, esculturas, desenhos, objetos ou expressões de outra monta, criando possibilidades interativas, como acontece com outros meios pertinentes às chamadas “linguagens contemporâneas”. Assim sendo, ao utilizarmos o termo “contemporaneidade” atribuirlhe-emos sentido plural e sem hierarquias. Analisando por esse prisma a reunião do popular e do erudito no trabalho de César Romero e de outros artistas, percebemos que da parte da produção artística nas camadas eruditas torna-se frequente a valorização das culturas particulares, preenchendo lacunas abertas pela cultura de massa e pelo conhecimento, inclusive no campo literário. Realizando na atualidade proposta semelhante às apresentadas pelos artistas plásticos que em seu projeto estético contemplam particularidades culturais, o campo literário mostra-se significativo, sobretudo pela articulação entre práxis e pensamento. Sob esse aspecto destaca-se o Testemunho, teoria praticada na América Latina por vários escritores e objeto de estudo de alguns teóricos, dentre eles o cubano Victor Casaus. No Brasil, o Testemunho foi adaptado por Ivan Cavalcanti Proença com o objetivo de sedimentar e estimular a produção literária com base em pesquisa de campo, valorizando depoimentos de pessoas residentes em áreas que se caracterizam por alguma particularidade, que pode ser inclusive histórica. Nessa perspectiva, valorizamse não só os registros orais, bem como também outros que constituem particularidades socioculturais. Segundo Proença, tais particularidades, sobretudo aquelas pertinentes à linguagem, devem abranger dados e fazeres afetos à ambiência estudada com o objetivo de gerar obra literária14. Produzindo trabalhos que preenchem lacunas existentes do ponto de vista do conhecimento, o Testemunho inclui prosa e poesia15, bem como opera como preservação de dados referentes a culturas particulares e/ou em extinção. Essa teoria almeja realização literária de alcance político, no sentido de ressaltar problemática comum à coletividade. Ainda que chamada de Testemunho e metodizada, tal proposta não se pauta por regras que dirigem a produção literária, ficando o autor

14  Notas de aulas. 15  Como produção poética, consulte-se o texto de nossa autoria: Auto do Mambembe. Testemunho IV & verso e prosa. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2003. Consulte-se também de nossa autoria: O vazado da renda de ferro. Testemunho V. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2007.

27


plenamente livre para desenvolver seu trabalho temática e estilisticamente. Guardadas as diferenças técnico-expressivas, torna-se possível encontrar correspondências entre o Testemunho e o trabalho desses artistas plásticos atentos a particularidades culturais. Em seu trabalho, César Romero valoriza na cultura popular até mesmo os registros orais próprios da ambiência, traduzindo-os plasticamente, até porque a transmissão de alguns aspectos da cultura popular muito se deve à fala, tal como ocorre no repente ou em outras expressões poéticas. A prática do Testemunho é um projeto atual no campo da literatura, assim como nas artes plásticas se lança ao contemporâneo o trabalho de muitos artistas que se valem da pintura ou da escultura, dentre outras possibilidades voltadas para o transrealismo desconstrutivista. Note-se que, aderindo a esse veio estético, os artistas criam uma relação de pertinência espacial, que pode transcender a visualidade e atingir outros sentidos. Sob tais circunstâncias, o corpo habita esses lugares através de seu deslocamento e/ ou através de sinestesias. Nessa linha, alguns artistas realizam incursões pelo objetual e pela instalação, como é caso de César Romero na mostra Sinais do povo, realizada em 1983, reproduzindo a dinâmica das Festas de Largo16, num evento abrangente da música e de outros meios de expressão artística, circunscrevendo partes da cidade. E constituindo “instalação pictórica” mencionem-se as mostras denominadas Cromutações e Bramante, que criam ambiência por meio de pinturas que acolhem o visitante em seus espaços cromáticos17, repetimos. Abrangendo aspectos variacionais, as manifestações artísticas afetas ao transrealismo desconstrutivista inauguram sentidos e espaços numa abordagem contemporânea que abarca particularidades e diferenças culturais. Ambíguos que se mostrem os mecanismos da globalização, de modo paradoxal eles assimilam e não assimilam diferenças. Nesse paradoxo revelam-se possibilidades de atuação das diferenças assumindo novas identidades. E instigando uma revisão quanto à abordagem dos problemas relacionados à identidade hoje, no que se refere às culturas particulares, ou seja, às culturas não hegemônicas no mundo atual. Considerando-se a importância de tal problemática para a compreensão da arte de César Romero e conforme mencionado na introdução, conduzimos a abordagem desse tema através de um diálogo com o texto de Stuart Hall, autor que traz grandes contribuições ao estudo da identidade no mundo atual.

16  Cf. KLINTOWITZ, Jacob. César Romero – A escritura do Brasil. São Paulo: Edição do Autor, 2001. p. 25. 17  Consulte-se o capítulo 7.

28

O T ransrealismo esconstrutivista


29




Identidade e Globalização Se no mundo globalizado o espaço e o tempo tendem a minimizar-se ao máximo em virtude da eficácia dos recursos tecnológicos, sob esse prisma alguns teóricos aludem à descaracterização das culturas nacionais, afirmando que elas tendem ao desaparecimento porque as identidades nacionais formam-se e transformam-se através de processos de representação. Seguindo essa linha de pensamento, a identidade nacional seria hoje um registro desvinculado da realidade objetiva, ou seja, fruto de um resíduo fictício alusivo a raízes quiméricas, uma vez que “as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”18. Desse argumento pode ser deduzido que as identidades regionais seriam igualmente meras representações. Quanto à extinção das identidades nacional, regional ou de outra natureza em face das informações transferidas velozmente de um lugar a outro do planeta, vários autores trazem contribuições relevantes sobre esse tema, enfocando, por exemplo, a desigualdade como fator impeditivo da resistência cultural, em virtude de uma “‘geometria’ do poder”19. Em conformidade com esse enfoque, devem ser consideradas as grandes dificuldades quanto à preservação cultural nos países em desenvolvimento, o que não ocorre na mesma proporção nos países desenvolvidos. Ainda que em virtude dos benefícios da riqueza e da tecnologia deflagrando processos de mudança de modelos mentais, ou seja, mudanças ideativas afetas ao comportamento20 eclipsando vestígios do passado cultural, nota-se que nos países desenvolvidos paradoxalmente se revela forte o instrumental de preservação das identidades “antigas”, não se apagando nem as identidades nacionais nem as particulares, do ponto de vista de uma tradição que abrange inclusive a própria culinária e o folclore. Em sendo os países desenvolvidos bem-dotados do ponto de vista financeiro, a memória de suas raízes culturais revela-se preservada, haja vista quantitativa e qualitativamente o investimento em museus, eventos, pesquisas e publicações, sem contar o alcance da cinematografia artística e dos documentários que contemplam a temática das raízes culturais. A arte produzida pelas camadas eruditas, sobretudo o cinema com seu potencial imagístico, torna-se em larga escala fonte de preservação de identidades originárias ao gerar o encontro do particular e do universal, sem recorrer a retrocessos e a arroubos dos nacionalismos extremados. Fellini colheu na aldeia da infância as

18  HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 5. ed. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 48. 19  Cf. Doreen Massey, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 48. 20  Cf. LINDSAY, Stace. Promoção da mudança cultural progressista. A cultura importa – Os valores que definem o comportamento humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 387.

32

O T ransrealismo esconstrutivista


imagens de Amarcord. Bergman de modo amoroso registrou o passado das lendas da sua terra. E, dentre muitos outros exemplos, os clássicos do faroeste são memoriais do povoamento da terra. E lembremos que no Primeiro Mundo o passado remoto é realmente “representação”21, produzindo idealizações identitárias. E memória. Entretanto, nos países em desenvolvimento, muitas vezes essa memória se faz viva do ponto de vista material. Portanto, o passado tem existência no plano sensível. No Nordeste, esse passado abrange grande parte da cultura regional, porque a memória não se refere a um tempo remoto. Trata-se de uma “memória”, ou seja, de uma cultura atual no espaço e no tempo, sujeita aos efeitos da homogeneização, fator esse que atua sobre a cultura popular em sua tendência à dispersão e ao desaparecimento, visto que seus produtos, em sua maioria, são objetos utilitários. Nas culturas regionais, utensílio e “objeto” artístico ocupam muitas vezes o mesmo lugar. E trazendo em seu bojo a produção artística, o campo cultural é apenas um dos segmentos atingidos pelos efeitos normatizadores da globalização, que tem como pano de fundo as finanças alcançando as várias áreas da produção, com implicações planetárias22. Em decorrência do fenômeno financeiro, sobretudo em face do desnivelamento na distribuição de renda, nos países em desenvolvimento em grande escala as culturas particulares fragilizam-se até mesmo como memória. Mas relembremos que no Nordeste a cultura popular existe como patrimônio material. E, através de um movimento de resistência, continua se produzindo. Estendendo-se ao regional, bem como ao urbano, os efeitos da homogeneização cultural vinculam-se à problemática muito ampla, porque refletem causas relacionadas ao desemprego, ao subemprego e a outros fatores de exclusão social, visto que na sociedade globalizada não se adotam políticas uniformes23. Em face da inexistência ou da precariedade de políticas uniformes, tal quadro se desdobra em ampla problemática envolvendo o plano da identidade, quase sempre vista ou sob a ótica da uniformidade no plano da globalização, ou sob o enfoque da ideologia nacionalista da identidade única, ou ainda dimensionada sob a perspectiva de um símbolo, tal como ocorreu, de modo simpático, porém ingênuo, com a figuração da “broa de milho”, assim enfocada por um ilustre político brasileiro24 nos idos de 1980. Numa abordagem das interações entre identidade cultural e mundo globalizado, questão

21  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 48. 22  Cf. FURTADO, Celso. O capitalismo global. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 75-76. 23  Ibidem, p. 74. 24  A par da questão do símbolo, que foi amplamente divulgada pelos jornais da época, observemse no texto ora indicado argumentos relevantes quanto ao problema da alimentação em face do subdesenvolvimento. Cf. PIMENTA, Aluísio. Fome, cultura e broa de milho. Disponível em: <www.presidencia.gov.br/mesa/nt/a_15.htm>. Acesso em: dez. 2010.

33


relacionada à arte de César Romero, devem ser considerados os elos entre o presente e o passado, rastreando-se os rumos prospectivos das identidades em transformação. Assim sendo, antes de se constatar a ideia de “preservação” da identidade regional na pintura de César Romero, torna-se importante considerar as múltiplas identidades que transitam entre o sertão e a cidade, o que nos leva à seguinte pergunta: como preservar uma identidade particular ante o mundo globalizando-se? Em face de tal problemática, ao se considerarem as peculiaridades regionais em paralelo aos benefícios tecnológicos e ao desenvolvimento sustentável, a preservação da identidade pode então surgir acompanhada da construção de novas identidades congregando identidades diversas e abrangendo o hibridismo25 no sentido de pluralismo identitário, circunstância que nos permite pensar a identidade como um “processo” de pertencimento cultural em permanente construção e transformação. Trata-se, assim, de uma questão em aberto. Nessa questão em aberto configura-se uma dialética entre enraizamento e desenraizamento das origens ao encontro do diverso, numa convivência de diferenças no plano da cultura popular e das outras formas culturais. Assim sendo, em virtude das diversidades incontestes entre o Brasil-cidade e o Brasil-sertão, devemos ficar atentos aos hiatos que separam o passado e o presente, atuando como forças de ruptura e esquecimento das “raízes”, visto que as metas direcionadas ao futuro muitas vezes refletem a supremacia de uma “lógica da acumulação sobre a coerência do sistema de cultura”26. No plano cultural, essa lógica da acumulação mostra-se quase sempre acompanhada de mecanismos ratificadores dos modelos da indústria cultural, produzindo e reproduzindo comportamentos e valores que, por sua vez, não rompem com antigos modelos mentais e ratificam a repetição de paradigmas culturais27 relacionados ao subdesenvolvimento. Nesse processo, a cultura regional tem poucas chances de resistência, visto que na sociedade globalizada não são consideradas de modo prioritário as diferenças culturais afetas aos diferentes países28 e às diversas camadas sociais dentro de um mesmo país. Quando muito se sinaliza uma diafaneidade relativa a tais diferenças29. Sem nos atermos exclusivamente às premissas da teoria da dependência, ou seja, aos pressupostos aceitos pelos teóricos que defendem a ideia de que a América Latina “é

25  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 91. 26  FURTADO, Celso. O capitalismo global. Op. cit., p. 71. 27  HARRISON, Lawrence E. Promoção da mudança cultural progressiva. A cultura importa – Os valores que definem o comportamento humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 411. 28  SODRÉ, Nelson Werneck. A farsa do neoliberalismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Graphia, 1998. p. 25. 29  Idem.

34

O T ransrealismo esconstrutivista


Exposição Bramante, Palacete das Artes, Salvador / Bahia, 2010


vítima do imperialismo”30, não podemos entretanto descartar a evidência de que, nos países em desenvolvimento, a referida diafaneidade relativa às diferenças não só aponta para uma importação de padrões, bem como sinaliza uma homogeneização cultural sem os benefícios do desenvolvimento. Mas tal questão merece ser considerada sob outro enfoque que a esclarece e problematiza sob certos aspectos. Assim sendo, em contraponto à teoria da dependência, devem ser considerados alguns aspectos pertinentes ao paradigma cultural, isto é, aspectos de um enfoque teórico que aceita como causas do subdesenvolvimento certos fatores intrínsecos à própria cultura atuando no comportamento dos chamados grupos de elite31, impedindo mudanças de várias ordens. Nesse sentido, as condições de subdesenvolvimento são alimentadas por meio de mecanismos políticos. Em contrapartida, a par da repetição, novos paradigmas culturais assumidos por diferentes segmentos sociais podem gerar mudanças integrando facetas renovadoras, inclusive da própria tradição. Esse mecanismo pode afirmar identidades particulares frente à globalização, sobretudo no que se refere à atividade artística. O trabalho artístico pode produzir novos paradigmas culturais que abrangem de modo crítico a tradição e a sociedade globalizada, através da instância estética. Nesse rumo, sem abdicar da identidade regional, afirma César Romero em seu ideário estético: “Busco uma pintura, como quem busca um Hino Nacional. Sou baiano, nordestino, brasileiro e universal.”32 Assim como alguns escritores se lançam hoje ao diálogo com as raízes culturais, em visitação às raízes César Romero recorre ao diálogo cromático e temático com a cultura regional. Ressalve-se que a visitação às raízes culturais não significa nem retrocesso estético, nem estagnação. Indo às raízes, o artista avalia e revitaliza processos de mudança. Indo às raízes, o artista se enraíza no mundo e se desenraíza da repetição para criar outras possibilidades do fazer e do pensar a arte e a cultura, tecendo elos entre o passado, o presente e o futuro. No trabalho de César Romero, ir às raízes significa visitar o presente da cultura e revitalizá-la na seiva das tintas. Mas também revitalizá-la em direção ao futuro histórico-cultural, integrando-a ao tempo atual vigente na sociedade globalizada. Mas quanto a essa relação com o mundo globalizado, assim como a preservação da unidade política, a preservação da identidade cultural em um mundo atrelado ao capital financeiro torna-se um desafio33. O campo da arte encontra-se diante desse desafio. Desafio que se lança à perspectiva da atuação artística como proposta de alcance filosófico-cultural.

30  HARRISON, Lawrence E. Promoção da mudança cultural progressiva. Op. cit., p. 405. 31  Idem. 32  ROMERO, César. Mostra Cromutações – Pinturas. Op. cit., p. 2. 33  Cf. FURTADO, Celso. O capitalismo global. Op. cit., p. 39.

36

O T ransrealismo esconstrutivista


Ao valorizar uma emblemática da terra, César Romero atua na perspectiva desse desafio ao tangenciar o anterior e o hodierno, expressando visão de mundo pautada na valorização das diferenças. Sua pintura conduz o “olhar” a uma reflexão sobre a importância da cultura popular como identidade a ser preservada dentro do quadro de mudanças afetas ao ideário do mundo hodierno. Em sua pintura pode ser “lido” um ideário cultural a ser decodificado. Em sendo escolha de o pintor carnavalizar nas telas uma heráldica da terra natal ante o mundo globalizado, cabe ao “leitor” de suas telas carnavalizar os meandros das entrelinhas cromáticas que tingem uma filosofia das diferenças que se faz lema da pintura do artista.

37


38

A S obreviv ĂŞ ncia das I dentidades P articulares


A Sobrevivência das Identidades Particulares “O popular é sempre matriz e, no exercício de observação, busco uma ruptura com o banal, assim crio meu destino de brasileiro e de artista plástico.”34

Identidade Cultural e Globalização Na perspectiva do transrealismo desconstrutivista, que foi definido no capítulo anterior, cada artista escolhe sua diretriz estética relativa a particularidades culturais. Assim sendo, na pintura de César Romero, tal como ele verbaliza em seus depoimentos e tal como se percebe no plano estético, ou seja, no plano sensorial, a cultura popular nordestina localiza-se temática e cromaticamente. E tal entrelace do popular e do erudito é mencionado pelos vários comentaristas da obra do pintor. Do ponto de vista plástico, essa relação, ainda que explicitada através da temática, se faz sentir, sobretudo, por meio do colorido e conduz desdobramentos afetos ao campo da identidade cultural, situando sua arte como fonte de resistência da cultura regional. Mas qual o campo de abrangência da identidade hoje? Em sendo essa indagação um ponto crucial na apreensão dos sentidos da obra do artista, optamos por um enfoque filosófico-cultural que tangencia tal temática por meio de problematização, porque o campo da identidade em tempos atuais, mais que em qualquer outra época, relaciona-se a questões em aberto no campo da cultura. Quanto às culturas nacionais, segundo alguns teóricos, elas “são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações”35. Nesse sentido, a cultura nacional constitui-se por meio de um discurso36 no qual os símbolos e representações congregam valores referentes à permanência de uma tradição ratificadora de uma identidade fictícia e refratária a mudanças. Concebida através de estórias, imagens e rituais, as nacionalidades tangenciam a natureza das coisas consideradas

34  ROMERO, César. Mostra Enigmas e permutações. Rio de Janeiro: Galeria Bonino [s.d.]. p. 1-2. 35  HALL, Stuart. Op. cit., p. 50. 36  HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). A invenção das tradições. 3. ed. Trad. Celina Cardim Cavalcante. São Paulo: Paz e Terra, 1997. p. 9.

39


Foto Premiada pela Fundação Romulo Maiorana, Arte Pará, Belém / Pará, 1984

imutáveis. Segundo essa linha de pensamento, a recorrência ao passado pode reproduzir “invenções da tradição, inculcando normas de comportamento e valores”37. Tal processo resulta em normas que organizam nossas ações e produzem identidades arraigadas ao passado. Sob esse ângulo, considerando-se o aspecto repetitivo da tradição arcaica ou inventada em tempos recentes, assumir uma identidade nacional significaria inscreverse numa “comunidade imaginada”38. Nessa linha de raciocínio e considerando-se a extensão geográfica das nossas regiões, do mesmo modo as identidades regionais poderiam ser vistas como representações de comunidades concebidas por meio de uma idealização. E seguindo tal pensamento, poderia ser dito que os indivíduos se filiam a uma certa identidade utópica e/ou fictícia. Dando curso a essa problemática da identidade, se considerarmos as singularidades intrínsecas ao Nordeste do ponto de vista das diferenças pertinentes ao desenvolvimento e às diversidades culturais, então de imediato surgiriam as perguntas: há uma única identidade nordestina? Em face da difusão cultural no mundo de hoje, como atua a homogeneização sobre a cultura regional? Sabemos que as identidades tornam-se, em certo sentido, diáfanas ao serem compartilhadas através dos meios tecnológicos, conduzindo a tradição regional a uma “paisagem” fictícia, tal como ocorre com as

37  HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). Op. cit., p. 9. 38  Cf. Benedict Anderson, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 51.

40

A S obreviv ê ncia das I dentidades P articulares


identidades nacionais que podem constituir comunidades imaginadas39 nos países desenvolvidos. Porém, se tal constatação ganha um perfil mais nítido no Primeiro Mundo, ela envolve problemas diversos e critérios próprios de abordagem ao ser transposta à “cultura brasileira”, sobretudo se transposta à cultura regional nordestina. E a análise de tais questões deve passar por um crivo, visto que no tocante ao Nordeste a tradição cultural está viva. Não se trata de um passado remoto. Não se trata de um passado imaginado. Nesse sentido, devem ser consideradas suas diferenças geográficas e sociais, assim como outras diferenças que se refletem nas expressões culturais no âmbito das camadas eruditas e populares, sob a influência da homogeneização cultural. Quanto a essa influência, se ricos e variados esses padrões, eles podem gerar transformações incentivadoras das culturas particulares. Mas em que pese o progresso advindo dos fluxos culturais entre povos diversos, devemos estar atentos à “fragmentação de códigos culturais”40 implicando descaracterização e até desaparecimento das culturas locais. Devemos também estar atentos aos paradigmas que atuam por meio do “preconceito” e da normatização, representando ideologias que demarcam por excludência o território da produção artística regional, visto que tais manifestações podem se explicitar através de objetos utilitários, lembremos. Quanto a essa circunstância, deve ser observado que pelo fato de estarem agregadas em certos casos ao utilitarismo, do ponto de vista estético tais manifestações artísticas se veem submetidas a valores extrínsecos à sua ambiência. Trata-se de valores “marcados por uma deficiência em relação ao paradigma representado pelo conceito de arte”41, ou seja, ao conceito implícito ao mercado. Essa deficiência pode minimizar produtos da cultura popular e até mesmo da cultura erudita, acrescentamos, numa escala de valores relacionada a critérios e classificações que marcam os produtos das culturas através de um modelo que determina o que é e o que não é arte42. Sob esse enfoque, na maioria das vezes, esse olhar normatizador exclui da categoria “arte” produções como a cerâmica, o bordado, a cestaria, as colchas de retalhos. E tantos outros objetos úteis e belos, “belos porque são úteis”, como diria Octavio Paz43. Úteis e belos, esses objetos de uso podem encarnar uma classe específica no universo da manifestação artística. Quanto a isso, lembremo-nos dos primeiros trabalhos do Mestre Vitalino, que cedo começou fazendo sua “‘loiça de brincadeira’, miniaturas que

39  Cf. Benedict Anderson, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 51. 40  Ibidem, p. 73. 41  LAUER, Mirko. Crítica do artesanato. Trad. Heloísa Vilhena de Araújo. São Paulo: Nobel, 1983. p. 9. 42  Idem. 43  Cf. inscrição que, sem referência bibliográfica, se encontrava em 1995 numa placa situada no acervo referente à cultura popular, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Também: O uso e a contemplação. Revista Raiz, 2009. Disponível em: <http://revistaraiz.uol.com.br/portal/ index.php?option=com_content&task=view&id=102&Itemid=116>. Acesso em: 10 jan. 2011.

41


vendia para crianças na feira”44, ou seja, brinquedos que alcançaram grau de excelência, conduzindo imagística e linguagem próprias. Observemos assim o quão se revelam ideológicas e preconceituosas as diretrizes que determinam aquilo que é ou não é arte. E, no bojo desse escalonamento, lembremo-nos de que foi nos subterrâneos da arte bruta – outro “gênero” de arte quase sempre representado por indivíduos pertencentes às camadas populares – que floresceu a obra de Bispo do Rosário, de Fernando Diniz e de tantos outros artistas. Homens do povo, cada um a seu modo se inseriu no acervo universal da arte, ainda que sua inserção social não tenha ocorrido na mesma ordem, relacionando-os sempre por força da biografia à ambiência do hospital psiquiátrico, a demarcar-se e enraizar-se na pele através de preconceitos vinculados ao pertencimento espacial. Nas hierarquias relativas às várias localizações que ao curso da vida circundam os indivíduos, criam-se identidades que os marcam através de critérios que os inscrevem em certos espaços geográficos e institucionais. Estudos atinentes à pintura corporal e à pintura facial mostram que, nas práticas tribais, elas se integram ao indivíduo conferindo-lhe um papel45 aceito por ele e por aqueles que, de algum modo, o inserem nessa espacialidade ao atribuir-

44  FROTA, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005. p. 410. 45  Cf. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Trad. Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973. p. 293-304.

42

A S obreviv ê ncia das I dentidades P articulares


lhe uma identidade imutável intrínseca ao rito. Uma identidade que de modo inexorável adere ao indivíduo. E ao lugar ao qual ele pertence. Lugar esse que pode ser geográfico, tal como ocorre na divisão entre sertão e cidade. Mas que é, sobretudo, indicativo de uma identidade considerada por vezes imutável. E indicativo de comportamentos e valores igualmente considerados imutáveis. No caso das culturas regionais, em certo sentido, a identidade se vê nomeada por fatores determinantes de pertencimento a hierarquias espaciais de várias origens. Porém, desmascaradas as ideologias referentes a tal secção, as identidades particulares podem revelar singularidades em meio a transformações. E podem se assinalar como memória e/ou atuação e presentificação do diverso. No trabalho de César Romero, a cultura popular se faz presença e memória, tangenciando questões afeitas à identidade, articulando passado e presente. Problemática que se caracteriza por perfis diversos nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, conforme o mencionado, uma vez que na cultura regional a memória pulsa nas coisas vivas no tempo presente. Não se trata de passado remoto como no Primeiro Mundo, lembremos uma vez mais. Festa da Boa Viagem, Salvador / Bahia, 1976

43


Em alguns países desenvolvidos, erradicados o analfabetismo e a miséria, encontramse grandes acervos museológicos e documentais que permitem uma abordagem da identidade através de articulações entre passado e presente, criando uma epopeia das tradições, isto é, uma epopeia de “representações” atuantes na cultura. Isto porque o passado das origens e dos antigos costumes constitui então em grande escala memória e/ou folclore e/ou outros meios de convívio com a tradição. De modo diverso, no sertão, o passado se faz atual no plano objetivo, repetimos. Seja no sertão interiorano, seja na periferia de certas metrópoles pela presença do imigrante que atua como mão de obra. Em ambos os casos, o sertão se insere no tempo presente. Existe no tempo presente. E pode constituir força motriz de novos paradigmas culturais, através de políticas de inclusão social por meio de projetos pedagógicos e artísticos. Enquanto nos países desenvolvidos em maior escala as origens culturais e as culturas particulares ficam de certa forma afetas ao tempo remoto, no Brasil o tempo da cultura popular não se faz passado. E esse tempo se espacializa. No caso do Nordeste esse tempo mantém vivo o passado mítico atuando nos limites de uma linha ambiguamente tênue e forte que separa sertão e cidade. Esse tempo se inscreve no cotidiano popular, sob vários aspectos: nas benzeções, nas rezas, nas incelências, nas crenças, nas festas religiosas, no Carnaval e nas demais expressões do povo. Ao deixar o centro de certas cidades grandes, cerca de uma ou duas horas de percurso rodoviário, o viajante chega ao “sertão”. Portanto, em terras daqui, a tradição pertence ao presente, repetimos. No sertão, o tempo passado se faz constitutivo do tempo de hoje. E a esse tempo correspondem um espaço geográfico e um lugar simbólico. Mas ambos, o tempo e o espaço, se veem expostos aos efeitos da homogeneização cultural, deflagrando normatização afeta à identidade. Encurtado ou anulado o tempo e aproximando os espaços através dos meios de comunicação, algumas pesquisas indicam que a identidade tende a desarraigar-se das localidades e até mesmo das nacionalidades no mundo hodierno, lembremos. Quanto aos efeitos desse processo, torna-se necessário considerar os diversos lugares geográficos e simbólicos que se “inscrevem” nos indivíduos e que os circunscrevem espacialmente. No plano das artes e das demais manifestações da cultura popular, esses lugares englobam objetos, comportamentos e valores atuantes desde os primórdios da formação das nossas “identidades”. Como exemplo, podemos observar que, dentre os fiéis que assistem à Missa do Galo, grande parte joga flores no mar para festejar Iemanjá. Culto que no Rio de Janeiro e na Bahia congrega multidões de indivíduos de diversas camadas sociais, subsumindo símbolos abrangentes do diverso no plano das práticas e credos religiosos, e conduzindo um questionamento relativo aos elos entre o real e a idealização no plano da cultura popular em pauta.

44

A S obreviv ê ncia das I dentidades P articulares


45


Identidade e Idealização na Cultura Popular Junto à ideia de identidade nacional como “‘comunidade imaginada’, alguns teóricos se referem à cultura nacional como um discurso que constrói sentidos com os quais os indivíduos podem identificar-se”46. Em conformidade com esse argumento, as culturas regionais poderiam igualmente ser pensadas como discurso. Se uma nação pode ser imaginada e representada como discurso, do mesmo modo por suas características típicas as regiões poderiam ser imaginadas e representadas como discurso com vistas a um ideal tido como meta e valor. Ante as transformações e as instâncias da tradição atuando em simultaneidade na cultura regional, sabemos que a força da representação não pode ser descartada. E sabemos também que, além de idealizado, muitas vezes o regionalismo é concebido através de discurso ratificador do status quo, ou seja, ratificador de padrões rígidos de comportamento e de ideologias avessas a mudanças e ao progresso. Quanto a esse aspecto, nos países desenvolvidos, o discurso idealizador da cultura atua de forma diversa, uma vez que tal discurso se acompanha simultaneamente de mecanismos de desconstrução e reconstrução das origens culturais. Não se trata de paradoxo. Esses dois mecanismos atuam inclusive no plano da representação política. Situemos como exemplo as monarquias europeias, visto que, reconstruindo certas práticas e comportamentos antigos, elas se inserem em processos

46  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 50-51.

46

A S obreviv ê ncia das I dentidades P articulares


de invenção da tradição47 e ao mesmo tempo convivem com todos os benefícios da ciência e da tecnologia contemporâneas, desconstruindo práticas tradicionais. Porém, em contradição com o avanço científico e tecnológico, acentue-se que em alguns países desenvolvidos surgem ideologias como o neonazismo e outras similares, tal como nas muitas versões do apartheid em várias localidades do planeta48, reafirmando identidades assumidas em maior ou menor escala por certos segmentos sociais. Entre ideias e comportamentos que perpassam tais questões, do ponto de vista da afiliação a uma identidade hoje, a relação com o passado pode ser considerada sob dois enfoques básicos: como repetição e como inventividade. Quanto à repetição, trata-se do arraigamento ao imutável, não permitindo mudanças e postulando identidades fixas. No segundo caso, afeto ao passado vivido como inventividade, a tradição integra-se à consciência do status quo e aos processos de mudança, o que pode ocorrer inclusive nas manifestações da cultura popular enfocando o mundo e posicionando-se frente à sociedade globalizada. Sob esse aspecto, a cultura popular revela por vezes uma visão satírica refletindo sobre o mundo, tal como ocorre no cordel, que, mesmo arraigado à tradição, tematiza a seu modo o universo urbano e mostra-se consciente das diversidades do sertão e da cidade. “Ele também, de certo modo, reinterpreta em termos mágicos ou religiosos os acontecimentos exteriores à esfera estritamente sertaneja, e que vão desde a chegada do homem à lua até à descida de Roberto Carlos no inferno.”49 Assim como as artes plásticas, tal como a xilogravura e a cerâmica, dentre outras manifestações artísticas, o cordel pode se mostrar como “leitura” e interpretação da cultura erudita. O alcance temático do cordel pode tangenciar as próprias raízes, quando o poeta conta ao povo a história e a importância desse gênero literário, como na obra O que é literatura de cordel50, de autoria de Azulão, poeta que reúne em seus versos referências ao mundo do sertão e ao da urbe, enfocando costumes e comportamentos. E o encantatório. Alçando-se ao maravilhoso, devem ser lembradas as origens ibéricas do cordel, incluindo temas medievais relidos pelo povo, nas sagas regionais51, bem como as cantigas trovadorescas de maldizer e de escárnio que revelam afinidades com o cordel em sua faceta de inversão da ordem do mundo oficial através da sátira. Tal como acontece no cordel, essa atitude irreverente compreendia também as sagas da Idade Média através da carnavalização, quando, por exemplo, o cavaleiro e o ritual da sagração eram objeto

47  Cf. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). Op. cit., p. 9-10. 48  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 50. 49  48 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 337. 50  Rio de Janeiro: Editora do Autor [s.d.]. 51  Manuel Cavalcanti Proença, apud PROENÇA, Ivan Cavalcanti. A ideologia do cordel. 3. ed. Rio de Janeiro: Plurarte, 1982. p. 2.

47


de escárnio52, dentre inúmeros outros focos da comicidade. Seguindo a caracterização carnavalizada que enfoca o cavaleiro medieval como anti-herói, resguardadas as diferenças histórico-culturais, deve ser observada na cultura nordestina a imagística de inúmeros anti-heróis, na literatura ou na fábula. São eles quase sempre personagens “oprimidos”, mas esperançosos, que, em certo sentido, se assemelham ao anti-herói do romance e do conto regionalista ou alusivo ao regionalismo, ressaltando tensões relativas ao mundo urbano e às culturas particulares. De modo geral, no cordel, a mundivisão do poeta pode integrar ao real o satírico e o encantatório, instâncias que, sob outros aspectos estético-estilísticos, surgem igualmente no conto e no romance produzidos pelas camadas eruditas. Quanto a esse “diálogo” entre o sertão e a cidade, justifica-se aqui uma digressão pertinente à literatura, ainda que não afeta diretamente ao sertão nordestino, visto se relacionar ela a temáticas abordadas neste ensaio. Passemos a essa digressão que se refere à figura do anti-herói. No Modernismo de Mário de Andrade, o interior e a cidade se articulam entre passado e presente, antecipando questões que foram desdobradas nos textos de Manuel Cavalcanti Proença e Guimarães Rosa, através de uma reflexão sobre as tensões socioculturais “escritas” nas entrelinhas da narrativa, na perspectiva do anti-herói no regionalismo do Brasil central e do leste. Desse modo, sempre seguindo as andanças de um anti-herói, lembremos que, nas sagas regionais do cordel e da tradição oral, esse personagem aparece sob vários aspectos: humano, animal, sobrenatural, metamorfoseado ou picaresco53, quase sempre errante. No romance e no conto modernistas, do mesmo modo encontra-se o anti-herói “mítico”, revelando-se como alguém que vive, age e desaparece. Mas retorna a terra, ou alcança, ou pretende alcançar os céus. Tal como na estória do cordel que cria o personagem esperançoso, que sempre vence54, do mesmo modo o romance e o conto se veem percorridos por esses anti-heróis que tentam driblar o destino. Eis uma aproximação possível no tocante à construção da personagem. Nesse percurso, destaca-se Augusto Matraga, esperançoso em busca da salvação: “P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!”55 E também Macunaíma, que se tornou habitante da “Ursa Maior”56. E Mitavaí, que, após peripécias entre sertão e cidade, desapareceu atrás de uma colina. “Mas volta.”57 Nesses exemplos do campo ficcional, enquanto andam pelo mundo, os anti-heróis se integram à universalidade literária. Como

52  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi. São Paulo/Brasília: Hucitec/Edunb, 1999. p. 4. 53  Manuel Cavalcanti Proença, apud PROENÇA, Ivan Cavalcanti. A ideologia do cordel. Op. cit., p. 46. 54  Cf. notas de aulas de Ivan Cavalcanti Proença e segundo obra do autor datada de 1982. 55  ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. p. 337. 56  ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. p. 176. 57  PROENÇA, Manuel Cavalcanti. Manuscrito holandês. Rio de Janeiro: Antunes, 1959. p. 263.

48

A S obreviv ê ncia das I dentidades P articulares


no cordel, as referidas obras conduzem tensões58 socioculturais. Apresentando relação semelhante entre o passado e o presente, bem como instaurando um devir que então se inicia, nos textos mencionados deflagram-se tensões entre a preservação da identidade e a transformação da identidade. No texto de Mário de Andrade, emerge uma dialética da identidade através de espécie de saga da brasilidade em busca de si mesma. Na ficção de Guimarães Rosa, revelam-se tensões relativas à identidade, atualizando elos entre o sertão e a cidade no plano da fala. E nos escritos de Manoel Cavalcanti Proença deflagra-se na fábula do índio Mitavaí o conflito entre as identidades urbana e sertaneja engolfadas pelo “imperialismo”. Observe-se que, mesmo em pertencendo ao universo do erudito com suas características e ideologias próprias, assim como no cordel, nos três autores então mencionados há uma leitura da figura do anti-herói que se enraíza no sertão à espera de mudanças calcadas no devir. Porém, a figura do anti-herói se faz igualmente comum à ficção abrangente do Pós-Modernismo na figura do anti-herói de perfil citadino, imiscuído em camadas sociais diversas e tangenciando aspectos variados das culturas particulares, com destino relacionado ou à finitude, ou à incerteza, ou à impossibilidade de mudança, ou à memória. Mas note-se nesse clima a presença do conflito sociocultural assinalandose na trama, tal como se observa hoje nos textos de Hélio Brasil59, nos de William Agel de Mello60 e Nagib Jorge Neto61, bem como no romance, no conto e na dramaturgia de Cláudio Aguiar62, com fortes incursões pela ambiência urbana e pela vida dimensionada como perplexidade e tensão entre universos compostos por comportamentos e valores atinentes a camadas sociais diversas, abrangendo culturas particulares no âmbito urbano e/ou sertanejo. Porém, não constitui objetivo nosso estabelecer as diferenças entre a ficção modernista e a pós-modernista63. E sim assinalar a relação entre o popular e o erudito na figuração do anti-herói, encarnando aspectos de uma identidade particular, deflagrando questões em aberto. Assim, a figura do anti-herói surge como metáfora das imagens-migrantes na pintura de César Romero e das tensões intrínsecas à sua arte. Com suas diferenças, seja no cordel, seja na ficção modernista ou pós-modernista, o anti-herói assinala expectativas de um devir que deflagra tensões afetas à identidade e à cultura em transformação numa dialética que pode abranger o popular e o erudito,

58  Notas de aulas de Ivan Cavalcanti Proença. 59  A segunda adolescência. Rio de Janeiro: Uapê, 2002; O anjo de bronze. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1999. 60  Obras completas. Brasília: Ars, 2002. v. I – Ficção. 61  A fantasia da redenção. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2002. 62  Caldeirão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982; Suplício de Frei Caneca. 3. ed. Rio de Janeiro: Calibán, 2001; A emparedada. Rio de Janeiro: Calibán, 2002. 63  Quanto a isso se mencione apenas que tais diferenças podem ser abordadas a partir da ênfase em desconstruções pertinentes à narrativa hodierna.

49


bem como pode abranger o regional e o urbano. Do mesmo modo, na pintura de César Romero, o encontro do popular e do erudito deflagra tensões afetas à identidade e à cultura. Em sendo ele pintor, essas tensões são expressas pelo colorido, tingindo temas que perpassam sua arte numa comemoração ao homem do povo como um personagem em busca de si mesmo. Como um personagem em busca de uma identidade que tangencia a terra natal, César Romero revê o regionalismo, não como arraigamento ao passado, nem como utopia alienante. Mas atualiza o “passado” que flui pela terra. O pintor atualiza o passado que eclode no tempo presente e dá novos sentidos a ambos – ao tempo pretérito e ao tempo atual – através dos matizes que conduzem sua temática à cumplicidade das identidades diversas. Sob esse aspecto, César Romero revela-se consciente de sua própria identidade híbrida, da qual não abre mão. Em sua arte, assim como ele, o povo é baiano, nordestino, brasileiro e universal. No trabalho do artista, as cores e a temática abarcam o tempo mítico e o tempo hodierno. Ainda que as referências míticas relacionem-se ao encantatório, sua pintura inscreve o onirismo no universo sensível da cultura popular como fenômeno “real” do dia a dia inserido numa comunidade real, integrando o passado e o presente. No trabalho de César Romero não são as representações, nem os lugares, nem as singularidades que se inscrevem nas diferentes identidades que cercam a cidade e o sertão. Em sua pintura, a idealização torna-se realização. Tingindo a tela, César Romero instiga o conhecer, visto que, possibilitando renovação de paradigmas culturais, a expressão artística não se exclui dos caminhos do conhecimento. Quanto à sociedade globalizada, sabe-se que ela se apresenta como um fenômeno a ser estudado, como um fenômeno novo e difuso, desafiando o pensamento e a imaginação de cientistas sociais, filósofos e artistas64. Aceitando esse desafio e instigando a reflexão e a imaginação, a arte de César Romero traduz os sinais do povo como identidades plurais. E sua pintura afirma-se como potencialidade crítica de uma leitura do mundo atual. Quanto à sobrevivência das identidades particulares frente à globalização, há divergências entre os estudiosos. Para alguns, junto à homogeneização há um fascínio pela diferença, havendo um crescente interesse pela cultura local65. Para outros, a desigualdade das forças entre as culturas locais e as globais determina uma “geometria do poder”66 desfavorável às culturas particulares e/ou locais, conforme o mencionado. E há ainda os teóricos que leem na globalização um processo de ocidentalização, em que o outro é percebido como alienígena ou exótico67. Dentre essas possibilidades, podem

64  Cf. IANNI, Octavio. Teorias da globalização. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 240. 65  Kevin Robins, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 77. 66  Doreen Massey, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 78-79. 67  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 77.

50

A S obreviv ê ncia das I dentidades P articulares


então ser observadas várias consequências e perspectivas, tais como: o surgimento de identidades híbridas, a tradução cultural, o fortalecimento das identidades locais, o surgimento de novas identidades e o enfraquecimento das identidades particulares68. Não é objeto deste ensaio a análise dessas possibilidades. Mas no tocante à valorização do popular na arte de César Romero, afirma-se a identidade híbrida do artista abrangendo a identidade regional como uma assinatura sobreposta à realidade da sociedade globalizada. Na arte de César Romero, as colchas de retalhos, os tamboretes, os búzios e outros objetos e instâncias da cultura popular não podem ser vistos como elementos isolados. Eles compõem um universo cultural afeto ao Nordeste. Em especial à sua Bahia. Tais objetos implicam mesclas culturais que remontam à formação e às transformações da “cultura brasileira”. E torna-se importante considerar que, em meio a estímulos vários, seja exatamente essa diretriz e não outra a escolhida pelo artista, o que evidencia a força da cultura popular abrangendo a imaginação e atuando através do colorido que matiza seus objetos e festas. Mas devemos observar que na arte do povo a cor não tem função decorativa. Assim, ela se integra ao objeto. Ou assume a própria feição da matéria, como ocorre com o barro. A cor remete o olhar à comemoração da vida. Do mesmo modo, o colorido eclode na pintura de Romero, desdobrando-se numa carnavalização que festeja o mundo. Nos festejos regidos pela carnavalização, todos dançam. Nos cultos de Iemanjá, todos molham os pés na água do mar, ainda que os sapatos não se misturem em certos espaços da urbe. Porém, nas festas e na arte do povo o colorido não impõe limites, seja no encontro dos matizes, seja no chamamento das cores atraindo os olhos, ainda que após a celebração os olhares se diferenciem em ângulos circunscritos às diversas camadas sociais a que pertencem os participantes da festa, sobretudo no Carnaval. Mas o fenômeno cromático mostra-se à espera de olhos que encontrem a potencialidade do luminoso e das sombras. Das mesclas e reflexos transientes. Eis o alcance estético e metafórico do trabalho de César Romero, situando-se através da carnavalização. Sua arte mobiliza um cromatismo vibrante que se revela elemento fundamental da carnavalização na cultura regional e em sua pintura.

68  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 79.

51


52

A A utonomia P lástico‑ideativa na A rte de C é sar R omero


A Autonomia Plástico-ideativa na Arte de César Romero “Registrar para não deixar morrer as marcas, a carga inventiva e os sinais da nossa gente [...]. Meu trabalho pretende ser estética e memória de meu povo, que é meu mestre e condutor.”69

A “Geometria” e a Fábula Ao relacionarmos a inserção da obra de César Romero no campo do transrealismo desconstrutivista, definimos de modo genérico um projeto estético amplo e diversificado dentro da contemporaneidade. Não se trata de estilo, nem de escola, nem de tipologia. Mas de uma tendência, um veio estético, que circunscreve o trabalho de vários artistas na perspectiva de uma produção singular frente à homogeneização própria do mundo globalizado. No caso de César Romero, as singularidades aderem a traços da carnavalização e do endobarroco. E em meio a questões tão complexas que envolvem as instâncias da cultura popular e da identidade, uma apreensão do trabalho de César Romero induz o visitante a refletir sobre as metas ideativas e plásticas que cingem sua pintura. Analisando sua produção artística, alguns autores referem-se a estilos e movimentos vários, aludindo, por exemplo, a vínculos construtivistas, surrealistas e neobarrocos70. Tangenciando o geométrico, tal como se deduz ao primeiro olhar, ou realizando incursões pelo encantatório, observamos que tais recursos não conferem, essencialmente, ao trabalho de Romero características nem construtivistas, nem surrealistas. Do mesmo modo, sugerindo as ambiguidades da curva seiscentista, na arte de César Romero as referências ao Barroco devem passar por um crivo, visto que não se trata de uma aproximação estilística filiada ao Neobarroco, termo que se faz notar em fins do século XIX71 para caracterizar afinidades formais com o Barroco em períodos

69  ROMERO, César. Mostra Enigmas e permutações (da série Faixas emblemáticas). Op. cit. 70  Cf. Catálogos de exposições do artista. Consultem-se as referências bibliográficas. 71  Cf. PERLONGHER, Nestor (Org.). Caribe transplatino – Poesia cubana e rioplatense. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Iluminuras, 1991. p. 13. Com referência ao tema consulte-se igualmente Severo Sarduy.

53


posteriores ao Seiscentismo, e que tem sido utilizado de modo amplo com extensão a várias manifestações artísticas, sendo hoje retomado por alguns comentaristas72 da obra de Romero. Ainda que visitando analogias afins ao Barroco numa aproximação com o princípio plástico-ideativo ao qual denominamos endobarroco, este não se define na obra do pintor do ponto de vista estilístico, visto não se tratar de um neoestilo. Para clarificar na arte do pintor uma autonomia plástico-ideativa, buscamos em sua pintura uma convergência dos traços da carnavalização e do endobarroco com vistas a uma poética da cor. Quanto às referências ao Construtivismo na arte de César Romero, foram elas aqui refutadas, visto que as expressões construtivistas remontam à proposta de uma arte racional e não objetiva, cujos processos abrangem espaços concebidos de modo racional em detrimento de expressões espaciais de caráter afetivo e/ou háptico. Por outro lado, no Brasil, o termo “construtivismo” adquiriu sentidos vários, mas quase sempre se relaciona a uma pintura com incursões pelo Concretismo73 e pelo Abstracionismo geométrico. E a gênese dessas incursões encontra ressonância no projeto desenvolvimentista dos idos de 1950, projeto esse que integrou às artes plásticas propostas estéticas e técnicas inseridas na arquitetura74 e no desenho industrial. Tais desdobramentos “construtivistas” direcionam-se à consecução do desenvolvimento industrial com vistas ao desenvolvimento social ancorado na racionalidade. Pautados nesses pressupostos, muitos artistas optaram pelas soluções geométricas, alcançando êxito quanto ao objetivo plástico. Na linha da construção do espaço, rastreando princípios da Psicologia da forma, alguns artistas definiram oposições em seu ideário estético: “a intuição x a inteligência; o espiritual x o real material; a tradição x o espírito novo”75. Como foi mencionado, refletindo as bases racionais do projeto desenvolvimentista, tais antíteses compunham escala de valores minimizando o tradicional e o intuitivo, o que em primeira instância se diferencia das propostas de César Romero. Eclodindo através do colorido, a pintura de Romero volta-se para a valorização da cultura popular, e nela as oposições entre o antigo e o atual não demarcam hegemonia do tecnológico em detrimento da tradição implícita ao regionalismo. Note-se ainda que na arte de Romero a inserção de recursos “geométricos” nada tem a ver com a neutralidade construtivista.

72  Cf. Catálogos de exposições do artista. Ver as referências bibliográficas. 73  Cf. LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura brasileira. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. p. 132. 74  PIGNATARI, Décio. Forma, função e projeto. Projeto construtivo brasileiro na arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977. p. 76. 75  Cf. TORRES-GARCIA, Joaquim. Querer construir. Projeto construtivo brasileiro na arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977. p. 58.

54

A A utonomia P lástico‑ideativa na A rte de C é sar R omero


55


Através do emprego de cores chapadas e sem nuanças, os “construtivistas” se voltavam para uma definição marcadamente quantitativa quanto ao colorido, inclusive no que tange ao brilho, à vibração e à saturação, para caracterizar padrões formais definidores de superfícies76. Nessa linha, muitos artistas se lançaram à precisão serial77, demarcando limites que recortam as cores. E ao imbricar a cor, o desenho e o movimento, a busca da precisão visava a eliminar tudo o que pudesse ser acessório. Analisando trabalhos “construtivistas”, percebe-se um compromisso com a ordenação projetual dos espaços e das cores, rompendo qualquer compromisso com o eixo fenomenológico pretérito78. De modo diverso, César Romero recorre à experiência sensorial do colorido. Ao matizar as telas, afetivamente ele valoriza meios-tons ao visitar seus motivos, lavrando as cores da terra para traduzir de modo “tátil” sua Bahia do povo. Realizando texturas, o pintor desneutraliza a espacialidade “geométrica”. Com pincéis e tintas, César Romero tece o Nordeste. Tece e rendilha espaços. Conquanto, dentre outros trabalhos, as Pinturas de tamboretes, bem como os conjuntos de telas que compõem as Cromutações e Bramante possam induzir o olhar incauto à identificação com o geométrico, ao olhar poético o pintor justapõe as cores de modo lírico. Sem demarcações rígidas, nos referidos conjuntos de obras, Romero conduz o visitante às mesclas intrínsecas à plasticidade pictórica. Na arte de Romero os espaços deflagram sinestesias. Desse modo, as obras com sugestão de “padrões geométricos” não definem nem o pensamento nem a estética construtivista, no sentido de consecução de uma síntese espacial e cromática direcionada à forma fechada. Em sentido diverso, seus pincéis desestruturam a linha e a racionalidade da forma para captar os sinais do povo, ultrapassando o limite da tela e atingindo percursos que se situam entre chão e céu. Entre terra e ar. Entre o homem e o berço. Nesses lugares rompem-se os limites do “suporte”. A cor germina. Assim como na arte popular, na arte de César Romero não há projeto geométrico afeito à racionalidade construtiva. Na arte do povo e na pintura do artista, as “geometrias” são lugares coloridos realizados no plano sensível, “onde” a cor expõe sua fábula. Uma fábula que atua nos sentidos e se expande na vida dos matizes. Aderindo à dinamogênese das cores, lembremos nas telas do pintor a relevância das imagens-migrantes79, isto é, as imagens de formato pequeno que se deslocam ao fluxo das Faixas e de outras rotas

76  PEDROSA, Mário. Paulistas e cariocas. Projeto construtivo brasileiro na arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977. p. 137. 77  PEDROSA, Mário. Poeta & pintor concretista. Projeto construtivo brasileiro na arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977. p. 146. 78  PEDROSA, Mário. Poeta & pintor concretista. Op. cit., p. 146. 79  Consulte-se o capítulo 10.

56

A A utonomia P lástico‑ideativa na A rte de C é sar R omero


sinuosas e realizam espaços semoventes desconstruindo a geometria. Nessa dinâmica, os espaços não “fecham” a forma como quase sempre ocorre nas composições “construtivistas”, em que até mesmo o movimento advindo de arranjos óticos é restrito a campos delimitados linearmente, lembrando esquemas gráficos que, em se afastando da plasticidade pictórica, dão a certas obras valor de desenhos pintados. De modo diverso, na pintura de Romero não há incursões pelo campo da racionalidade gráficolinear. A bem dizer, não há linearidade. Tudo é pictórico. Desviando-se dos recursos gráficos, o percurso das tintas expande-se lateralmente por efeito aditivo, gerando campos coloridos. Esse dinamismo determina-se através de qualidades espaciais, qualidades criadas pelos contrastes, pelas texturas e transparências ocasionadas pela diluição da acrílica fixada pelo pincel espalmado bordando a tela. Nas referências da cultura popular comemorada nas telas de César Romero, as oposições congregam movimento originário, mesclando tintas e águas. As oposições reúnem pinceladas, pontos de bordar, tecelagem, revivendo a dinâmica dos ofícios populares. Em virtude do formato, os quadros do pintor podem ser vistos de longe. Mas também a meia distância. E de perto. Trata-se de apreensões que se completam. Diversos modos de ver. E de sentir. Ao olhar, as cores pedem uma participação do corpo ao encontro das tintas, expandindo-se entre os pelos do pincel e as fiadas de cores que criam ambiência para acolher o visitante. Quanto ao Surrealismo, apontado por alguns autores como faceta do trabalho de César Romero, igualmente questionamos tal aproximação. Ela não se revela pertinente porque em sua pintura os elementos da fábula são viscerais. Não advêm de um movimento da razão que valoriza e constrói o sonho, instrumentalizando conhecimentos advindos da Psicanálise, como fizeram os surrealistas na Europa e no Brasil, em momento histórico e estético diverso do atual. No trabalho de César Romero, o onirismo não se vê teorizado. Ocorre em carne, osso e nervos. Da visualidade ao “tato”, as cores se expandem, criando imagística não afeita ao automatismo psíquico. O artista colhe a lenda e o mito na ambiência. E no entremeio do cotidiano vivido pelo povo, a separação entre fábula e realidade não se dá na mesma ordem da cultura erudita que gerou o Surrealismo. No Nordeste do povo, o encantatório aflui no dia a dia. A fábula realiza-se no cotidiano, chegando à cultura erudita em suas expressões várias. Emergindo de uma experiência visceral, lendas, mitos, crenças, rituais religiosos, todos conduzem a imaginação aos vários domínios artísticos, como ocorre, por exemplo, na música e na poesia de Elomar sonorizando a terra natal. E destaque-se o cinema de Vladimir Carvalho que, junto aos registros históricos e à clara definição política, rememora o encantatório da terra, inclusive através de metalinguagem dando feição poética ao documentário. Mencione-se também nessa comemoração da terra a dramaturgia de Ariano Suassuna, bem como as várias áreas de abrangência e desdobramentos do movimento armorial. Nesses, dentre outros

57


58

A A utonomia P lástico‑ideativa na A rte de C é sar R omero


59


muitos exemplos de suma importância no âmbito das camadas eruditas, há recorrência ao encantatório popular como fonte originária da arte e de uma reflexão sobre a cultura no mundo hodierno. Na cultura popular nordestina, o fantástico está inserido no dia a dia das festas, das benzeções, da casa, isto é, no dia a dia do sertão convergindo nos espaços da urbe, observando-se que a herança das raízes culturais não se constrói de modo racional. Erudito o cidadão ou o artista, neles pode sobreviver estética e/ou religiosamente a simbologia nascida na ambiência da terra da infância, porque o símbolo se enraíza culturalmente no cotidiano. Nossa referência ao símbolo tem aqui conotação filosóficocultural. Trata-se de referenciais transitando entre o mundo sensível e o pensamento80, sendo então o pensar concebido de modo amplo e abrangente do mito. Nesse sentido, há um pensamento mítico81 abrangendo a lenda e outras vertentes similares na cultura. A par das realizações e objetos da cultura no plano dos sentidos, esses referenciais se imiscuem numa aura ideativa e/ou imagística que pode alcançar registros oníricos. Assim, de modo diverso daquele que se verifica no campo da ciência, nas práticas culturais os símbolos não são concepções da racionalidade. Pertencem ao campo mitopoético. Na perspectiva simbólica, o fantástico torna-se “tátil”. Cria lugares. Dentro de casa. Na rua. Na esquina. E ao alcance das mãos. O encantatório expande-se nas Festas de Largo. O fantástico vive no cordel. Colore-se no Bumba meu boi, assim como em todas as comemorações e folguedos. Na cultura do povo, há um lado mítico que em certo aspecto dá feição à festa, a casa, à praça e, dentre outros lugares, à “ambiência” das águas, como é caso da legendária carranca que geme ante o perigo e assim protege o canoeiro. Segundo alguns pesquisadores, essa peça escultórica, que se carnavaliza pelo grotesco, integrava-se de modo espacial e simbólico à embarcação como se fosse esta o corpo de um animal vivo, cuja cabeça seria a carranca. Do ponto de vista plástico, a canoa no cotidiano vincula-se hoje a uma série de lendas regionais. Dentre os motivos que percorrem o dia a dia devem ser rememoradas as manifestações religiosas que abrangeram as primeiras imagens sacras aqui trazidas pelos europeus, bem como suas interpretações populares e ainda os primeiros ex-votos, que na arte popular encarnam manifestações movidas pela fé. Na cultura popular, a inserção do encantatório não ocorre como negação intencional da razão, como se verificou no Surrealismo por manifestos pautados em propostas filosóficas do pensamento europeu repensando-se a si mesmo, através da literatura e

80  Cf. CASSIRER, Ernst. Philosophie des formes symboliques. Trad. Jean Lacoste. Paris: Minuit, 1972. v. II. La Pensée Mythique. Na referida obra que trata da temática do símbolo consulte-se em especial o primeiro capítulo. 81  Idem.

60

A A utonomia P lástico‑ideativa na A rte de C é sar R omero


da arte. Diversa de uma “irracionalidade racionalista” que perpassou o Surrealismo, na cultura popular da Bahia de César Romero, as manifestações religiosas remontam ao encantatório no plano sensorial, repetimos. Acentue-se então do ponto de vista do Candomblé a animização da natureza. Exu abrindo os caminhos da rua e do terreiro. Iemanjá morando nas águas do mar. Olhando-se nos espelhos. E movendo seus leques e adornos. Na festa do mundo, Oxumaré tingindo as cores do arco-íris. Nesse universo, o legendário flui à escuta da terra para dar vida ao onirismo e à própria vida. Nessa cultura viva, o encantatório está vivo. E na arte de César Romero esse encantatório carnavalizase nas cores da pintura, porque sua formação erudita não o afastou das legendárias origens culturais.

O Popular e o Erudito Na pintura de César Romero, o encantatório e o legendário surgem como focos da carnavalização através do colorido. Sob esse prisma, eles ganham laivos de inversão da ordem através do festejo. A cor se faz metáfora do riso que aderia à comicidade nos festejos cômicos medievais e renascentistas. Assimilando traços de ritos cômicos da Antiguidade82, sobretudo os que se referem aos aspectos laicos das saturnais83, a carnavalização passa a ter perfil próprio na Idade Média, quando ganhou cunho inteiramente laico, visto que sob alguns aspectos ela se relacionou antes ao sagrado84, lembremos. Por se fazer avessa à ordem oficial, a carnavalização posiciona-se ante as hierarquias de natureza política e social. Por isso, ao reconhecer na cultura popular do Nordeste inúmeras instâncias integradas à carnavalização, torna-se do mesmo modo possível uma “leitura” do trabalho de César Romero a partir dessa categoria. Mas não se trata de moldar a obra do pintor dentro de cânones teóricos. E sim perceber suas dimensões originárias a partir da fábula da cor tingindo o mundo. Reunindo particularidades do sertão e da cidade, César Romero articula espaços do afeto. Na pintura, tais espaços são lugares que metaforicamente habitamos, fazendo encolher ou agigantar nosso corpo85, ou são lugares que nos acolhem em nossa medida, lançando-nos aos meandros inaugurados pela cor. Lugares do Nordeste. Lugares da Bahia em solo nordestino. Casas. Paisagens. Altares. Igrejas. Estes e outros motivos transformam-se em lugares coloridos. Lugares do habitar. Lugares dos sentidos. Lugares no mundo. Pátio da festa. Assentamento do santo. “O popular e o erudito não são forças

82  Cf. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 9. 83  Idem. 84  Ibidem, p. 3. 85  BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Op. cit., p. 19.

61


antagônicas e contraditórias para César Romero. Não estão em oposição e nem uma anula a outra.”86 Em seu trabalho de cunho erudito, os marcos da ambiência regional tornam-se “terras” carnavalizadas na tela de linho que se faz solo receptivo às imagens nascidas na cultura popular. Revisitando a arte de César Romero, percebemos a constância dessas forças amistosas convergindo nas tintas, posto que o pintor rememora a identidade do povo, retirando-lhe o rótulo de exotismo, ao inserir os produtos da cultura popular na categoria de “arte”. Retomando tal questão, quanto à ampla problemática que advém da separação entre o popular e o erudito no plano da produção artística, já em 1975 Mário Pedrosa refletira sobre ela, vendo-a como decorrência de uma avaliação do posicionamento do artista na estratificação social sob a égide do capital, visto que as diferenças que rotulam o popular e o erudito atrelam-se à expansão do capitalismo, gerando hierarquias afetas à “divisão da sociedade em classes”87. O argumento desse autor dirige-se à análise da produção artística no Brasil, abrangendo com o termo “arte” manifestações que vão do popular ao erudito e mostrando que a diversidade entre ambas se faz pertinente a aspectos ideológicos relacionados ao mercado: “O mercado não permite que nenhuma outra atividade sobreviva fora dele”88, ou seja, a instância do mercado não lida com valores estéticos no sentido filosófico. E a arte vista como mercadoria pode se atrelar ao gosto das camadas dominantes financeiramente. Em que pese o argumento de alguns teóricos quanto à tendência ao desaparecimento das classes sociais no mundo globalizado, observe-se, entretanto, que nada indica até o momento presente o desaparecimento da estratificação social, o que torna válido ainda hoje o argumento de Pedrosa. Sob esse aspecto, estabelecem-se padrões relacionados à produção artística enquanto mercadoria que circula na instância da economia formal, implicando seletividade e excludência quanto à valoração estética de objetos não pertencentes ao parâmetro “oficial”, conforme o mencionado89. Leia-se essa observação como problemática atual, relacionando-se a padrões que, por vezes, conduzem julgamentos minimizadores de certas manifestações artísticas, bem como preconceitos quanto às manifestações populares. Quanto ao reconhecimento dos valores da cultura do povo, o trabalho de César Romero ganha conotação política, lançando bandeiras de preservação da identidade nordestina com representatividade na sociedade globalizada. Ressalte-se que não estamos defendendo a preservação de uma identidade única

86  KLINTOWITZ, Jacob. Op. cit., p. 9. 87  PEDROSA, Mário. Paulistas e cariocas. Op. cit., p. 321. 88  Ibidem, p. 332. 89  Consultem-se os capítulos 1 e 2.

62

A A utonomia P lástico‑ideativa na A rte de C é sar R omero


como fundamento da identidade nacional, tampouco o regionalismo como padrão identitário fixo e imutável, o que constituiria argumento desvinculado da dinâmica cultural. E ideologia refratária a mudanças e à convivência com outras identidades. Considere-se ainda que, com referência ao regionalismo, a defesa da identidade fixa serviria de realimentação à continuidade da pobreza de certas regiões brasileiras, visto que na cultura a concepção de modelos mentais imutáveis90 pode servir de empecilho ao desenvolvimento. Sabemos que os produtos da cultura popular relacionam-se em grande escala à economia informal. Segundo Proença, ainda que rica e bela, nossa literatura oral relaciona-se à falta de escolaridade91. Mas o caminho das mudanças e do desenvolvimento não implica esquecimento das raízes culturais. Nesse sentido desejase que, sem abdicar da memória e da originalidade, e através do desenvolvimento, a cultura regional se lance à globalização. Dentro dessa meta, um dos caminhos se vê afeto à arte erudita, valorizando padrões da cultura do povo. Mas não é este o único caminho. Eis aqui mais uma questão em aberto. No caso da arte das camadas eruditas atuando como fonte de preservação da memória da cultura do povo, situe-se no trabalho de César Romero o exemplo dos tamboretes, que são banquinhos que caracterizam as diferentes barracas nas Festas de Largo na Bahia. Originalmente pintados pelos barraqueiros com cores e formas que distinguem uma barraca da outra, no conjunto esses banquinhos formam “painéis” que atuam como arte e “bandeira” representativa da festa. Porém, esses banquinhos estão sendo substituídos por cadeiras de plástico de cor uniforme, com anúncios de marcas de cerveja. Em contraponto, na pintura e na fotografia de Romero, esses tamboretes sobrevivem numa versão artística, bem como são referidos nos depoimentos orais e escritos do artista, e arquivados em registros iconográficos, tornando-se referência e memória em seu roteiro pictórico que abrange numerosos motivos populares: O desenho, a pintura dos tamboretes, bancos, mesas e barracas das Festas de Largo, do Carnaval, as festas de São João e suas bandeirinhas, o Natal e o presépio. As festas de outros povos que o nordestino abrasileirou. O povo e sua arte comunitária, a vida. Aí está minha alma nativa, em minha interpretação plástico-visual [...].92

Presente no trabalho de César Romero, a memória da cultura popular constitui-se a partir de várias identidades culturais convergentes no Nordeste. E visitando a arte popular aprendemos que as colchas de retalhos, as peças elaboradas por santeiros ou as xilogravuras do cordel constituem expressões artísticas e podem negar os esquemas da

90  Cf. HARRISON, Lawrence E. Promoção da mudança cultural progressiva. Op. cit., p. 412-416. 91  Ivan Cavalcanti Proença, em suas notas de aulas. 92  ROMERO, César. Mostra Sinais do povo. Salvador, 1983. p. 1-2.

63


repetição. A arte popular pode ser rica e variada dentro dos padrões originários. Essa arte simplesmente nasce de modo espontâneo, doando-se ao olhar que reconheça seus valores intrínsecos. Nessa linha de argumentação, torna-se relevante da parte do artista pertencente às camadas eruditas uma visitação à arte popular. Assim, não representam produtos de menor relevância estética os painéis bordados por Heloísa Pires Ferreira, gravadora e “bordadeira”, que em 2004 realizou em Estocolmo mostra de gravuras e “panos”, notando-se que no Brasil as instituições culturais usualmente não classificam o bordado como arte. Advindo das camadas populares ou das camadas eruditas, assim como outras peças classificadas como artesanato, o bordado pode ser artístico. Não nos parece estético o critério que o exclui de alguns acervos e de alguns espaços culturais. Voltando ao trabalho de César Romero, de modo intenso e em desdobramentos originais, os motivos populares se expandem em suas telas como prismas de cores comemorativas das Festas de Largo. Mas, dentre outras, as festas juninas e natalinas vivem na memória do pintor igualmente como fontes de colorido. E na arte de César Romero se fazem também presentes o mito, a lenda, o folguedo, a literatura oral e a de cordel, com seus personagens colorindo, dançando. Festejando o “sertão”. E assinalando uma concepção de mundo pulsante na alma nativa do pintor a reunir memória, tempo atual e prospecção. No projeto estético do artista sustentam-se vários eixos temporais, fazendo convergir a tradição, a atualidade e o futuro da cultura. Nessa convergência temporal insere-se a dinâmica da identidade sertaneja revitalizando a Bahia nos motivos intrínsecos ao fazer pictórico. Através do colorido, César Romero olha e vê “por dentro” e “de dentro” a cidade e o sertão. E esse olhar mundializa-se. Torna-se “tátil”. Move-se além do mundo visível, porque o artista não realiza pintura histórica. Interpretando a ambiência, ele trilha caminhos da paisagem. Participa do corpo a corpo das vestes. Habita lugares sagrados e profanos. Ouve os cantadores. Referenda a esperança nas rezas e benzeções. Mobilizando uma carnavalização intrínseca ao colorido, ele transmuta a ordem hierárquica dos espaços divididos sob vários aspectos. Em sendo César Romero habitante e filho da Bahia e do mundo, já se evidencia um hibridismo no tocante à sua própria identidade. Mas no rastro das raízes culturais afetas à sua arte, não buscamos uma fonte inspiradora que “explique” sua pintura como consequência de um elo linear a partir da observação da ambiência. No trabalho do pintor, procuramos veios das mesmas fontes que levam o povo às realizações culturais. Buscamos um motivo onírico. Um motivo quimérico. Forças moventes no plano do fazer. E procuramos na convergência da carnavalização e do endobarroco as forças propulsoras da inversão da ordem do mundo através da autonomia plástico-ideativa na arte de César Romero.

64

A A utonomia P lástico‑ideativa na A rte de C é sar R omero


65


66

A brang ê ncia da C arnavali z a ç ã o


Abrangência da Carnavalização “Nem a alegria estava ali, fora de nós. A alegria estava em nós. Era dentro de nós que estava a alegria, - A profunda, a silenciosa alegria...”93

Áreas de Emergência da Carnavalização Relacionando-se às práticas mítico-religiosas, as festividades do Carnaval e outras similares são conhecidas desde a Antiguidade. Porém, do ponto de vista laico94, a carnavalização ganha perfil próprio nos festejos populares medievais e renascentistas, repetimos. Nesses períodos, a carnavalização realiza-se através de diferentes práticas que afirmam um olhar do povo desconstruindo a ordem estabelecida. Mas não um olhar qualquer. Trata-se de uma visão direcionada à cultura oficial e às hierarquias, por meio do humor em situações em que o povo se ria do mundo de modo livre e espontâneo em clima de liberdade e igualdade95. Caracterizando-se por aspectos cômicos, no Medievo criou-se uma cultura popular que se definia como oposição aos ditames da Igreja e do Estado feudal96. Nas festas de então, o povo expressava sua visão de mundo, colocando entre parênteses as prescrições oficiais. Com grande expressividade e calendário extenso, no Medievo, tais práticas abarcavam “festas públicas carnavalescas, os ritos e cultos cômicos especiais, os bufões e tolos, gigantes, anões e monstros, palhaços de diversos estilos e categorias”97. Em oposição ao estabelecido, a carnavalização caracterizava-se por comportamentos bizarros e por cortejos que ocupavam as praças e vias de circulação, abrangendo, além do

93  BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. p. 70. 94  Cf. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p 3. 95  Ibidem, p. 6. 96  Ibidem, p. 3. 97  Ibidem, p. 3-4.

67


68

A brang ê ncia da C arnavali z a ç ã o


Carnaval, inúmeros outros festejos como “a festa do asno”, “o riso pascal”98. A mesma tonalidade cômica de caráter popular e público se imiscuía nas festas agrícolas, nas festas religiosas, bem como nos ritos civis comuns à época99. Mas a carnavalização não se reduzia aos festejos, incluía outras ramificações de cunho verbal, cenográfico e ritualístico que desempenhavam grande papel na vida do homem do Medievo e do Renascimento100. Encarnando motivos diversos, observa-se no Nordeste uma visão de mundo afeita à carnavalização no campo das manifestações da cultura popular que, sob vários aspectos, envolve o picaresco, o grotesco e o fantástico, além da sátira, embora hodiernamente a carnavalização não se restrinja à comicidade tal como esta foi observada no Medievo e na Renascença. Nos dias atuais, nos folguedos e nas festas, bem como em outras vertentes da cultura popular nordestina, nem sempre se insere o elemento comicidade. Mas, de modo metafórico, o riso se expressa pela comemoração e pelo colorido, encarnando o arquétipo da vida. Nesse sentido, ocorre uma resistência à cultura de massa e a outros aspectos das culturas hegemônicas, bem como se exalta um movimento em esquiva da morte e/ou das coisas caracterizadas por inexorável duração e acabamento. Mas se nem todos os traços da cultura popular nordestina se pautam na comicidade, ao abranger objetos, costumes, valores e eventos festivos, nela se insere uma inversão da ordem da “cultura oficial”. Se no Medievo a carnavalização construía “um segundo mundo e uma segunda vida”101 frente à igreja e ao Feudalismo, na cultura popular nordestina temos a eclosão de um mundo e de uma vida em paralelo às circunscrições da sociedade globalizada. Em sendo diversa por ser local, a cultura popular do Nordeste afirma-se como identidade, ou seja, como uma das nossas identidades. E, como na carnavalização medieval, apresenta caráter comemorativo. Comemora a terra. E o povo da terra. E tem igualmente caráter público, tal como se verifica nos festejos religiosos e laicos, ou no encontro de ambos, como ocorre nas Festas de Largo na Bahia, por exemplo. Notese assim que à festividade integra-se uma cultura material sob forma de objetos ou utensílios. Pelo trabalho transformador da matéria ultrapassando aspectos utilitários, muitos desses objetos ganham qualidades estéticas. Nessa ordem, destacam-se várias artes que compõem uma classe especial de objetos, os quais em geral circulam nas feiras, nos mercados e no pequeno comércio, restritos na maioria das vezes ao plano da

98  Idem. 99  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 4. 100  Idem. 101  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 5.

69


economia informal. A tais objetos quase sempre se integra o colorido. Sob esse ângulo da comemoração festiva, ou no dia a dia, nesses objetos a cor pulsa e se expressa ante o olhar. E mesmo nos eventos que não inclui perfil cômico, a cor revela-se como metáfora do riso e simbologia da festa. Na arte de César Romero, o colorido vibrante dialoga com a ambiência. Subsumindo um transrealismo desconstrutivista, o pintor destaca o papel relevante do povo na produção cultural como fonte da carnavalização em tempos hodiernos. Quanto a esse destaque, observe-se que assim como no Carnaval, “mais que a presença do povo, o que importa é o papel que ele desempenha no evento”102. Na arte de César Romero, de modo metafórico, o papel do povo adere à carnavalização deflagradora do riso. Por analogia, na pintura de César Romero, localizamos na cor a correspondência ao riso, que na carnavalização se faz expressão do povo que se ri da ordem oficial da urbe. Na pintura do artista, a ordem oficial se vê afetada pelo riso, uma vez que este se mostra ato participativo através e ao longo da comemoração. E solidário, o riso se imiscui em outras áreas que não as do festejo, e torna-as visíveis através da festa, desmascarando ideologias intrínsecas à homogeneização cultural. Na pintura de César Romero, mais do que a temática propriamente dita, visto que sua identificação se circunscreve mais especificamente ao conhecedor da cultura nordestina, as cores traduzem os motivos do povo. Nascendo das cores, o espaço pictórico se expande da ambiência local às telas, acolhendo o visitante numa comemoração da terra nordestina. E nessa aproximação da arte de César Romero com a cultura popular do Nordeste, há instâncias que, em alguns aspectos, se aproximam da carnavalização originária da Idade Média. Sem recorrer a influências históricas, posto não ser esse o objetivo deste ensaio, e sim aderir à poética da cor na pintura do artista, tal aproximação torna-se possível através de uma “leitura” dos sentidos da carnavalização na cultura popular nordestina, por suas analogias com as três ramificações básicas da carnavalização medieval e renascentista, que se caracterizava estritamente pela comicidade: 1. As formas dos ritos e espetáculos (festejos carnavalescos, obras cômicas representadas nas praças públicas, etc.); 2. Obras cômicas verbais (inclusive as paródias) de diversa natureza: orais e escritas, em latim ou em língua vulgar; 3. Diversas formas e gêneros de vocabulário familiar e grosseiro (insultos, juramentos, blasões populares, etc.).103

102  FRIGOUT, Arlette. La fête populaire. Histoire des spectacles. In: DUMUR, Guy (Org.) et al. Paris: Encyclopédie de la Pléiade/Gallimard, 1965. p. 265. 103  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 4.

70

A brang ê ncia da C arnavali z a ç ã o


Esses itens referem-se aos tempos medievais com extensões ao Renascimento, lembremos. Mas torna-se importante observar que alguns dos conteúdos dessas três áreas de emergência da carnavalização se adéquam a outros conteúdos da carnavalização na cultura popular nordestina, guardando-se obviamente as diferenças quanto aos referenciais histórico-culturais. Caracterizando-se pelo caráter público, pela inversão da ordem do mundo oficial, pelo ideário de liberdade e igualdade, bem como pelo perfil cômico de inúmeros festejos, ritos, trabalhos artísticos e comportamentos opostos ao estabelecido, a carnavalização subsume hoje uma ou algumas dessas circunscrições. Trata-se assim de revisitar a categoria “carnavalização”, reconhecendo seu perfil próprio em tempos atuais, e tal como ela pode ser apreendida na arte de César Romero. Quanto à cultura popular nordestina, numa analogia com os registros referentes ao primeiro item, aos ritos e espetáculos agregam-se festejos típicos realizados em lugares públicos, quase todos incluindo expressões cômicas que englobam o teatro, as danças, os folguedos, as festas religiosas e muitas outras manifestações artísticas populares. No segundo item dessa classificação, obras cômicas verbais, incluem-se expressões significativas da literatura oral, através do repente e também por meio da literatura de cordel, tangenciando muitas vezes o cômico, não raro com expressões fesceninas. Quanto ao terceiro item, que abrange diversas formas e gêneros de vocabulário familiar e grosseiro, ele se explicita na cultura popular nordestina sob forma de expressão oral, que inclui rico adagiário. Relacionadas tais expressões ao riso, seja de modo metafórico, seja de modo explícito, nessa cultura popular convivem inúmeros traços da carnavalização. Assim, se comparada a carnavalização na cultura popular nordestina àquela que se verificou na Idade Média com suas extensões ao Renascimento, percebem-se correspondências com ampliações e modificações concernentes ao contexto histórico e às diferenças geográficas, lembremos. Tais mudanças geraram na cultura popular do Nordeste expressões próprias dos pontos de vista técnico, temático e estético. Assim sendo, do ponto de vista artístico, destacam-se como singularidades na cultura popular do Nordeste a pintura, a xilogravura e, em certo sentido, a arquitetura, dentre outras expressões. A elas se somam várias outras ramificações da arte, como a imaginária dos santeiros, a cerâmica, a tecelagem, os bordados, a cestaria, bem como a produção de outros objetos artísticos de “uso”, revelando rica plasticidade.

71


72

A brang ê ncia da C arnavali z a ç ã o


73


O Riso na Cultura Popular do Nordeste Posto que não estritamente vinculado à comicidade no todo das manifestações populares, quase sempre o colorido mostra-se intenso e vibrante. Por incluírem traços da carnavalização, ora mencionamos de modo genérico áreas de emergência da cultura popular nordestina, destacando-se como resistência cultural em face dos padrões do mundo globalizado. Em suas transformações e considerando-se conteúdos relativos à categoria “carnavalização” hoje, podemos situar na cultura popular do Nordeste o seguinte quadro: 1. ritos e cultos religiosos; 2. espetáculos, festas e folguedos; 3. obras cômicas verbais; 4. arquitetura popular; 5. artes plásticas e objetos de uso; 6. Carnaval; 7. música e outras manifestações rítmicas. Passemos a alguns exemplos que situam tais áreas de emergência da carnavalização na cultura em pauta. Assim como nas atividades características do Medievo com extensões ao Renascimento, nesse quadro referente à cultura popular nordestina a carnavalização destaca-se, inaugurando espaços de convívio e um tempo anunciador e esperançoso.

RITOS E CULTOS RELIGIOSOS Nesse espaço de convívio e nesse tempo anunciador incluem-se fundamentalmente os ritos da cristandade, bem como os ritos afro-brasileiros e outros, aos quais se mesclam diversas influências advindas da cultura ibérica e indígena, insurgindo-se em inúmeros eventos. Mas deflagrando crenças e rituais diversos do Catolicismo que aqui se inseriu através da catequese, os cultos afro-brasileiros conduziam práticas, imagens e valores pertinentes a uma identidade que, ao inscrever diferenças na formação da “cultura brasileira”, desde então se antepunha à cultura do colonizador. Nessa herança, a animização da natureza integrando-se à mitologia dos Orixás ressalta-se no colorido simbólico dos santos, bem como nas sonoridades que em ritmo comemorativo surgem como traços da carnavalização. Nessas comemorações, das águas salgadas emerge o ritmo de Iemanjá nas cores do azul e no cintilar das velas e embarcações brilhando na praia. Nas encruzilhadas, o vermelho de Exu abre os caminhos e dinamiza os tons negros que igualmente simbolizam essa divindade. Como festa da vida e dos olhos, surgem as tintas de Oxumaré tingindo o mundo com as cores do arco-íris. E observe-se que a cada santo correspondem imagens e cores que se integram a seus altares e cultos. E, com grande representatividade na Bahia, destaca-se a ambiência das Festas de Largo, trazendo a ambiguidade das comemorações ao mesmo tempo sacras e laicas. Do ponto de vista da religiosidade, tais Festas congregam crenças e cultos diversos. Com extenso calendário que se expande no tempo e realizando-se em diversas localidades, nas Festas

74

A brang ê ncia da C arnavali z a ç ã o


Lavadeiras no Abaeté, Salvador / Bahia, década de 70

de Largo104 imbricam-se a memória e as origens da cultura do povo, demarcando seus espaços através do colorido das barracas e de outros elementos da festa. No amplo rol dessas festividades destaca-se a do Senhor do Bonfim, com a lavagem da escadaria da igreja. Esses eventos explicitam mesclas quanto aos cultos e identidades, afirmando-se como fator de carnavalização no plano da cultura popular. Por força dos sinais do povo, esses festejos determinam-se como visão de mundo que, em certo sentido, inverte a ordem dos eventos oficiais do Catolicismo. Relacionando-se ao Catolicismo e conjugando colorido e exultante movimento, as festas juninas apresentam traços da carnavalização. Esses traços ressaltam-se na caracterização da ambiência enfeitada de bandeirinhas e luzes, bem como no estampido, no brilho e no colorido dos fogos, na luminosidade das fogueiras e ainda nas roupas, nas danças e brincadeiras típicas. Nos festejos juninos inclui-se certo ar de alegria e comicidade, sobretudo na encenação picaresca do casamento na roça, indicando através do riso várias possibilidades de “leitura” dessa instituição do ponto de vista da tradição interiorana. E marcante pelo clima de festejo cíclico em ambiência festiva, destaque-se igualmente o Ano-Novo, festa que se associa ao grito de Carnaval. E aglutina aspectos cíclicos de um tempo que se inicia esperançoso e fértil. E propício a mudanças.

104  Consulte-se o capítulo 8.

75


ESPETÁCULOS, FESTAS E FOLGUEDOS Neste item merecem destaques o colorido e a legendária apresentação cíclica dos folguedos. Muitos deles mostram traços culturais de origem ibérica, africana e alguns deles trazem referências à cultura indígena. Com uma herança rica e diversa, os folguedos podem incluir aspectos laicos, encantatórios e religiosos. Com uma parte religiosa e outra cômica, sobressai-se assim o Pastoril, folguedo em que se destaca o personagem encenado pelo Velho Faceta: figura satírica em cuja fala se registra o vocabulário irreverente da carnavalização, através de impropérios que margeiam a linguagem fescenina. No rol dos folguedos deve aqui ser lembrado o Bumba meu boi, pela reunião do cômico e do encantatório. No decorrer desse evento, uma vez morto o boi, que é o personagem central, procede-se a leitura de jocoso testamento com perfil satírico. Depois, por meio de artifícios encantatórios, segue-se a tradicional cena da ressurreição do boi que, voltando à vida através de ritos mágicos, se põe a dançar com os demais personagens e participantes do evento. No Bumba reúnem-se traços de culturas e artes diversas, fazendo desse folguedo um dos mais abrangentes nas ramificações da carnavalização em várias regiões do Brasil, com variações no sul do País. Os folguedos caracterizam-se pela carnavalização, por sua faceta comemorativa e cíclica, e pelo colorido, bem como pela mescla de gêneros artísticos populares, como a dramaturgia, o canto, a música, a dança, a poesia, a indumentária, o adagiário etc. Alguns conduzem simbolismos relativos ao sagrado. E, sobretudo, por um perfil de tradição frente à sociedade globalizada, os folguedos representam uma inversão da ordem que pode ser vista como resistência cultural. Por seu perfil festivo, neste item poderiam ser igualmente mencionadas as Festas de Largo. E ainda por circunscreverem música, dança, sortes, brincadeiras, bandeirinhas, fogos, comidas e bebidas, dentre as práticas e atividades concernentes ao povo. Mas por seu forte cunho religioso congregando cultos diversos a par do festejo, situam-se elas de modo mais adequado no item anterior.

OBRAS CÔMICAS VERBAIS Sob a égide da carnavalização e explicitamente cômicas, as obras verbais abrangem as paródias, os ditados, o quebra-língua, bem como outras variantes afetas ao gênero, incluindo vocabulário cômico. Esse elenco de expressões verbais relaciona-se em certo sentido a várias formas de teatro popular, como o de fantoches ou mamulengos, dentre outras manifestações cênicas com incursões pelo campo da linguagem jocosa. Condiz com este item o rico adagiário popular, pródigo de sátira e ironia, integrando-se ao campo dramatúrgico, bem como ao plano de outras vertentes da fala em outros eventos, como, por exemplo, em alguns folguedos e no próprio Carnaval. As obras cômicas verbais

76

A brang ê ncia da C arnavali z a ç ã o


2 º Campeonato de Arraia e Pipa, Largo de Santo Antônio, Salvador / Bahia, 2006

alcançam temática variada, mas enfocam com grande agudez e malícia as figurações da mulher, do cavalo e da sexualidade105. No bojo de tais obras e também através de temática variada, destacam-se no campo literário o repente e o cordel, veiculando linguagem comum a esses gêneros e revelando vocabulário específico e tratamento jocoso, e até ofensivo, conduzido pela carnavalização. Na literatura oral e no cordel, bem como nas demais expressões verbais aqui mencionadas, note-se o alcance conteudístico da fala que muitas vezes se refere a acontecimentos da cidade. Porém, mais do que registro dos acontecimentos, esse linguajar assinala peculiaridades regionais que poeticamente e/ou de modo crítico colocam o mundo de cabeça para baixo, demarcando forte alcance da carnavalização. Note-se que referendando tais conteúdos em diálogos e falas não explicitamente dramatúrgicas ou literárias, ou seja, no dia a dia, a linguagem popular igualmente abrange instâncias da carnavalização. Sob esse aspecto se reconhece um vocabulário representativo de certas atividades, como jogos e competições, bem como um vocabulário típico de

105  Sobre o tema consulte-se a obra de MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1987.

77




certos ambientes, como, por exemplo, bares e bordéis, dentre outros lugares propícios a expressões fesceninas. Sob a égide da carnavalização afeta a uma certa atividade ou a um dado lugar, expandem-se formas e gêneros de vocabulário grosseiro, incluindo insultos, juramentos, xingamentos, observando-se que esse linguajar é também utilizado de modo amplo nas sátiras carnavalescas, pondo o mundo de cabeça para baixo. Destaque-se neste item o poder carnavalizante da palavra atuando como “olhar” sobre a ordem do mundo oficial. Sob esse aspecto a linguagem realiza papel ambíguo, nomeando as coisas e desconstruindo o signo verbal e as convenções do discurso oficial sob os ângulos ideológicos e gramaticais.

ARQUITETURA POPULAR A arquitetura não tangencia a comicidade, mas vivifica alegre visão de mundo, demarcando os espaços que protegem e abrigam o corpo. Concebida pelo homem do povo que a realiza concentrando espaços do afeto, de modo marcante, a casa inverte a ordem das formas e do gosto das camadas eruditas, ainda que possa reproduzi-las por meio da apropriação. Por ser território livre à imaginação, fundando os lugares da família, a casa envolve-se numa aura onírica que a torna pessoal dentro das diferenças possíveis numa dada ambiência. Não raro, a arquitetura popular revela concepções próprias de um lugar que transita pelo plano sensível, podendo assim materializar espaços imaginários ou se realizar como apropriação dos modelos urbanos eruditos, ou dos modelos das casas pertencentes a indivíduos de maior poder aquisitivo no mundo interiorano, através da

carnavalização.

Nessa

arquitetura

destaca-se sua divisão interna, bem como se destacam os ornatos das fachadas e muitas vezes as cores intensas, em sendo o colorido o elemento predominante no gosto popular.

80

A brang ê ncia da C arnavali z a ç ã o


ARTES PLÁSTICAS E OBJETOS DE USO Reunindo aspectos estético-artísticos, incluímos neste item um número considerável de objetos e fazeres próprios da cultura regional, abrangendo as instâncias que vão do utilitarismo e do lúdico ao sagrado, destacando dentre outros: as vasilhas, as pipas, as bandeiras, os tamboretes, os bordados, a cestaria, a tecelagem, a renda, os santos e a colcha de retalhos, que é objeto de uso e objeto artístico na cultura popular. Nas expressões plásticas do povo não há linha divisória entre objeto artístico e objeto utilitário, repetimos, distinção de caráter ideológico que se relaciona ao mercado, conforme o mencionado106. Na cultura popular, “ornatos” e cores podem integrar o utilitário de forma estético-artística, demolindo a divisão entre arte e artesanato. Quanto à relação desses objetos com a carnavalização, note-se que a comicidade pode se inserir, sobretudo, nas figurações da xilogravura, através de imagística jocosa e com frequência atingindo o fescenino. No caso da xilogravura, raramente realizada a cores, a carnavalização se atém, sobretudo, à temática. Mas outras expressões artísticas afeitas ao colorido podem se inserir na carnavalização também pela temática, como é o caso da cerâmica. Na técnica da cerâmica merecem destaques as versões zoomórficas e antropomórficas. Em ambas as circunstâncias encontram-se com frequência figurações do corpo animal ou humano em posições e situações jocosas ou grotescas. Em sendo comum nessa arte a existência de peças coloridas, não se trata, entretanto, de uso da cor enquanto elemento decorativo. A cor integra-se ao motivo como traço intrínseco ao seu universo imagístico, da mesma forma que se integra ao vestuário, aos “adornos” do corpo e da casa, ou a outras instâncias da ambiência. Em alguns casos, a cerâmica revela-se colorida pela própria matéria que lhe serve de estofo. Aderindo à carnavalização, mencionem-se igualmente esculturas de argila, bem como as talhas e esculturas de madeira em tom natural, que assumem a carnavalização através de aspectos imagístico-temáticos que podem encarnar facetas cômicas de várias naturezas e até mesmo o grotesco.

CARNAVAL Na atualidade, o Carnaval em muitos aspectos vincula-se a prescrições oficiais e diversificou-se em múltiplas nuanças, congregando várias identidades estéticas e culturais. Por suas transformações ao longo do século XX, o Carnaval merece ser avaliado quanto ao que nesse festejo permanece popular, ou seja, quanto ao que permanece carnavalizado. Em meio a mudanças, do ponto de vista do enredo afeito às escolas de samba e de outros aspectos similares, o Carnaval hodiernamente se mostra como

106  Consulte-se o capítulo 2.

81


interpretação recíproca do popular e do erudito. Em grande escala, nos festejos “oficiais” o povo apropria-se de traços e maneiras referentes a culturas integradas à globalização, bem como a traços da cultura erudita, e vice-versa, ou seja, nos casos em que a cultura erudita ou certas expressões da cultura oficial se valem da cultura popular nos festejos do Carnaval. Ainda que transformado, o Carnaval desempenha papel relevante no rol das mesclas culturais, numa dialética do popular e do erudito. Mas algo permanece carnavalizado107.

107  Consulte-se o capítulo 8.

82

A brang ê ncia da C arnavali z a ç ã o


MÚSICA E OUTRAS MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS Do ponto de vista da carnavalização, a música situa-se como grande expressão rítmica, integrando-se a comemorações as mais variadas na cultura popular, sejam elas religiosas ou laicas. A música e outras manifestações rítmicas abrangem grande espectro significativo na ambiência regional, relacionando-se ao teatro, ao repente, aos folguedos, às danças, às cantigas de roda, aos festejos, tendo grande destaque no Carnaval. Em certos festejos, por seu caráter de comemoração cíclica, anuncia-se um novo tempo que se relaciona a uma ressurreição, e nesse tempo essa eclosão da vida vincula-se a manifestações musicais ou rítmicas. Na cultura popular, as manifestações rítmicas estendem-se ao trabalho, tal como pode ser observado nas tiranas. E, dentro de um espectro de questões que merecem ser estudadas em suas origens, em algumas localidades os ritos fúnebres guardam traços da carnavalização, ainda que em sentido restrito e específico, com destaque, sobretudo, em certas comemorações referentes ao velório, com suas incelências e outros tipos de manifestação rítmica, em virtude da passagem do morto a outro tempo que dá continuidade à vida. No rol das manifestações rítmicas afetas à carnavalização, em certos aspectos incluem-se as sonoridades que integram os cultos do Candomblé, associando-se ao seu aparato visual numa convergência sinestésica. Do ponto de vista rítmico, o Candomblé e outros cultos de origem afro integram “cantos” e sonoridades advindas de instrumentos apropriados aos rituais de cada santo, realizandose ainda hoje como manifestação oposta às “harmonias” e à “musicalidade” da “cultura oficial”, numa prática que pode ser lida como comemoração de uma resistência a essa cultura. Remarque-se a importância desse estrato sonoro em terras da Bahia, sobretudo em tempos do Barroco, deixando forte herança absorvida pelas culturas erudita e popular. Afirmando-se àquela época como resistência ante a cultura europeia e pouco a pouco se integrando à ambiência, a cultura africana representou-se como movimento de carnavalização. Movimento esse que se verifica hoje ante as imposições das culturas hegemônicas. Trata-se assim de ler nas práticas comemorativas de origem afro um dos veios da carnavalização no âmbito de uma cultura particular, diferenciando-se àquela época ante a cultura do colonizador. E ao buscarmos na arte de César Romero o diálogo entre o popular e o erudito, encontramos desconstruções que tangenciam aspectos ideativos e plásticos, integrando traços endobarrocos e da carnavalização.

83



A Carnavalização e o Barroco “Indícios de canibais, sinais de céu e sargaços, aqui um mundo escondido geme num búzio perdido.”108

Carnavalização e Endobarroco Ao cunharmos o termo “endobarroco”, valemo-nos de uma metáfora, visto que, em sendo o Barroco um dos veios do endobarroco, no Seiscentismo verificou-se nas artes uma exacerbação de facetas, tais como: a desconstrução, o estranhamento, as irregularidades, em esquiva das representações calcadas na perspectiva de ponto único, bem como calcadas no mundo objetivo. Implicando instâncias no campo do colorido, na pintura o endobarroco conflui em desconstruções e/ou estranhamentos relativos à carnavalização. Entretanto, uma vez mais ressaltamos que endobarroco e carnavalização são categorias diversas, em que pesem traços que, em certo sentido, se irmanam no Barroco brasileiro. Quanto ao endobarroco, trata-se de perspectiva filosófico-cultural que se estende às artes. Trata-se de um princípio ideativo e plástico que se apresenta como desvio das normas imputadas pela razão monológica, ou seja, pela razão que se posiciona como fulcro de uma verdade lógica transposta ao plano da existência. Do ponto de vista de uma esquiva dos padrões culturais, o endobarroco aproxima-se da carnavalização. Mas em que pese esse desvio de certos aspectos da cultura, há diferenças entre ambos, visto que, em esquiva do princípio lógico de identidade, bem como em esquiva do absoluto, o endobarroco abrange expressões eruditas e populares no plano das artes plásticas e relaciona-se de modo fundamental ao espaço. De modo diverso, a carnavalização circunscreve-se aos festejos e a outras manifestações populares frente à cultura oficial por meio da comicidade. Nas artes e nas demais instâncias não restritas à festa, mas receptiva aos princípios da festa, a carnavalização circunscreve-se de modo primordial ao colorido e à temática. Na Idade Média e no Renascimento, lembremos, tratava-se de festas que se caracterizavam pelo riso e pela sátira ante os ditames da cultura oficial. Englobando outros festejos populares além do

108  LIMA, Jorge. Invenção de Orfeu. São Paulo: Aguilar/Círculo do Livro [s.d.]. p. 23.

85


Carnaval, lembremos também que a carnavalização se definiu com traços próprios na Idade Média109. Não restrito à cultura popular, conforme o mencionado, e em sendo amplamente difundido no âmbito das expressões da cultura erudita, o endobarroco despontou nos alvores da cultura moderna, de acordo com ideias desenvolvidas neste texto. Em que pesem diferenças entre carnavalização e endobarroco, ressalte-se que ambos sinalizam no plano artístico um movimento de desconstrução voltado para alguma instância da cultura, tal como ocorreu de modo intenso no Seiscentismo. Quanto à carnavalização, note-se que, após significativa influência na literatura e nas artes do Medievo e do Renascimento, ela ganha sentido diverso no Barroco. No século XVII, tendo havido estatização da vida festiva110, algo mudara no tocante à festa popular. Porém, a carnavalização não desapareceu completamente. E em certo sentido ela se imiscui nas artes como metáfora da festa. Com a afirmação da burguesia mercantil propiciando contatos com outros povos, a carnavalização acompanhava assim os impulsos vitais da cultura do povo, porque “o princípio da festa popular do Carnaval é indestrutível”111. Em sendo indestrutível o princípio da carnavalização, nos séculos XVII e XVIII, ela se dirigiu então às artes. Vendo “o mundo numa ordem totalmente diferente da ordem oficial”112, nos séculos XVII e XVIII, a carnavalização imprimiu às artes aspectos transgressores do ponto de vista da temática e também do colorido, lembremos. Sob esse prisma, ressalte-se, no Barroco não deve ser minimizada a faceta concernente ao veio popular, portanto afeto à carnavalização, que se diferencia das expressões de cunho “clássico palaciano ou eclesiástico”113, porque no Seiscentismo os elementos populares subsumem irregularidades plásticas no que tange, dentre outros aspectos, à elaboração dos planos114 na pintura. Mas ainda que dizendo respeito ao espaço, os planos se ressaltam, sobretudo, por meio da luz e sombra implícitas ao colorido. Note-se que no Barroco as cores inauguram espaços, bem como qualidades do espaço, tornando difusa qualquer linha divisória entre os traços da carnavalização e os traços endobarrocos, quanto a qualidades espaciais.

109  Cf. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 3. 110  Ibidem, p. 30. 111  Idem. 112  Idem. 113  HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. Tomo I. 2. ed. Trad. Walter H. Geenen. São Paulo: Mestre Jou, 1972. p. 555. 114  HAUSER, Arnold. Op. cit., p. 558.

86

A C arnavali z a ç ã o e o B arroco


Do ponto de vista pictórico, tal aproximação sinaliza mobilidade intrínseca ao espaço como negação do estático115, indicando lugares e horizontes que ultrapassam o ponto de fuga estabelecido pela perspectiva geométrica. Na pintura, emergem lugares concebidos pela imaginação. Lugares cromáticos. Lugares em esquiva dos espaços construídos pela razão girando em torno de um ponto único. Com a linha insinuando percurso entre terra e céu, no Barroco a pintura suscita enfoques relativos a dobras, desdobramentos e redobras no tecido, nos movimentos da matéria, bem como no pensar e na imaginação, conduzindo de modo ambíguo o observador ao interior e ao exterior do espaço. Conduzindo os sentidos ao plano da experiência do espaço. Diante da pintura, o visitante vive a espacialidade. O espaço “lhe pertence”116, com suas ambiguidades, ambivalências e sentidos múltiplos. Essa mobilidade não se restringe a características estéticas. Tal dinâmica sinaliza novo olhar no campo das concepções

115  HAUSER, Arnold. Op. cit., p. 558. 116  Idem.

87


científico-filosóficas quanto à abordagem dos espaços matemáticos e cosmológicos refletindo-se nas expressões artísticas. Na arte do Seiscentismo, as incursões de cunho naturalista e clássico são sobrepujadas pelo sentido háptico do espaço, revelando diversos modos de conceber o lugar do homem no Universo. E permitindo ao homem transitar conceitualmente entre o mundo fechado e o universo infinito117. Com implicações filosóficas, no Seiscentismo esboçou-se uma crise da razão que, para sobreviver dentro dos parâmetros da unidade, mais tarde no Iluminismo qualifica-se como pura, com seus espaços que tangenciaram uma existência a priori da sensibilidade. Mas a referida crise, que encontra vasto campo no domínio das artes, se esboçara muitos antes com o surgimento de vertentes filosóficas que incluíam a experiência e as aproximações entre a razão e os sentidos. Do ponto de vista plástico, no Seiscentismo essa aproximação se reflete na virtualidade da linha barroca, reunindo finitude e infinitude. Em sendo sensorial o percurso dessa linha, na pintura ela se lança a

117  Quanto ao tema, consulte-se obra de KOYRÉ, A. Du monde clos à l’univers infini. Paris: Gallimard, 1973.

88

A C arnavali z a ç ã o e o B arroco


direções e lugares ambivalentes e ambíguos. Em tais percursos, a linha ganha volume, movimentos e se contorce numa visualidade que adere ao “tato”. Distende-se. Expandese. Ganha corpo. Concentra-se e se dispersa em dobras, redobras e desdobramentos. E sempre em transformação do ponto de vista dos sentidos, ela se coloca ideativamente em desvio do conceito e dos esquemas da razão. Do ponto de vista plástico, essa espacialidade barroca atua por meio das diagonais, dos escorços, das curvas e das oposições e equivalências entre luzes e sombras. Essa dinâmica encontra uma possível relação com os espaços inaugurados antes pelas Grandes Navegações que, juntamente com outros acontecimentos, ampliaram o horizonte geográfico e ideativo do homem, considerando-se ainda aspectos políticos, econômicos, religiosos, científicos, dentre outros, refletindo-se na concepção dos espaços nas artes. No domínio da pintura, os espaços inauguram-se de modo fundamental como desconstrução do mundo objetivo e/ou de alguma instância metafísica. Assim, no endobarroco, localizam-se estranhamentos e desconstruções espaciais porque, em sentido amplo, ele se mostra através dos tempos como visão de mundo em desvio da razão monológica, ou seja, da razão fechada girando em torno de si mesma, tal como

89




ocorre na consecução da perspectiva de ponto único. Em certos aspectos confluindo no endobarroco, a carnavalização imiscui-se no Barroco brasileiro, porque nele a prática da festa se exacerbara por força das mesclas étnicas, sobretudo ante o impacto da formação de uma cultura afro-brasileira deixando fortes traços na cultura popular do Nordeste, com grande recorrência à carnavalização.

A Carnavalização no Barroco Brasileiro Conduzindo paradoxos e contradições, vários traços do Seiscentismo se transportam ao Barroco brasileiro, congregando diversidades e relacionando-se à resistência cultural. Relembrando que, ao se afirmar em várias instâncias da cultura popular, a resistência cultural pode ser compreendida como área da carnavalização ante uma cultura hegemônica. Desse modo, nos desdobramentos da cultura afro, deve ser enfatizada sua contribuição significativa no fusionismo afeto ao nosso Barroco, ou seja, na reunião de oposições e diferenças implícitas àquele momento cultural. Questão essa que se revela através das tensões implícitas ao Barroco, absorvendo as diferenças e as oposições de cunho endobarroco enquanto visão de mundo que subsume a comemoração, seja como festa, seja como metáfora do festejo. Integrando diversidades, “a festa colonial brasileira ultrapassou um espaço tradicional de discurso de poder, buscando concatenar em seu lugar um espaço de discurso de identidade cultural”118. Nessa busca, a cultura se enriquece com o encontro de diversas identidades advindas de culturas particulares gravando-se em terras brasileiras. Sob os ângulos da reunião de diferenças, nosso Barroco congregou multiplicidade de expressões e maneiras diversas de ver e habitar os trópicos: “Aqui o Barroco não foi um estilo artístico passageiro, mas a substância básica de toda uma nova síntese cultural [...], sendo mais apropriado tentar entender essa dimensão barroca profunda que assinala toda a história do Brasil.”119 Receptivo a mesclas e conduzindo uma plasticidade que permitia o detalhe no plano estético, em tempos do Barroco a influência africana foi decisiva na formação da cultura popular na Bahia. A par da influência europeia, nosso Barroco se determinou como veio propulsor da carnavalização receptiva às diversidades dos povos africanos, que já traziam entre si marcantes e sutis diferenças culturais. Comportando singularidades de várias ordens, o povo africano apresentava diversidades inclusive linguísticas, “segundo um cronista, as saudações nas ruas se davam segundo

118  ÁVILA, Affonso. O lúdico e as projeções do barroco. São Paulo: Perspectiva, 1994. p. 179. v. I e II. 119  SEVCENKO, Nicolau. Entre a ordem e o caos. Brasil barroco: Entre céu e terra. Estudos Ana Maria de Moraes Beluzzo e Nicolau Sevcenko et al. Dir. edit. De Elisabeth de Balanda e Armando Uribe Echeverria. Paris: União Latina, 1999. p. 61.

92

A C arnavali z a ç ã o e o B arroco


três fórmulas, ou seja, em árabe, em português e em ioruba”120. Muitas singularidades podem ser igualmente notadas nas sutilezas estéticas que permeavam as artes produzidas em terras da África, diferenciando-se quanto aos materiais e quanto à rica imagística que se refletiria na nossa arte popular, bem como em muitos aspectos das artes produzidas pelas camadas eruditas. Tais diferenças chegaram aos ofícios do povo por meio das técnicas de transformação da matéria, dando cunho estético aos objetos do dia a dia e fazendo-se marcantes do ponto de vista imagístico. Em tais atividades, por sua vez se presentificava complexa mitologia relacionada ao cotidiano, indicando busca do equilíbrio do mundo121, ou seja, busca de correspondência e equilíbrio entre os planos sensível e sagrado referindo-se à vida, e trazendo legados ao imaginário do povo, bem como ao das camadas eruditas da população. Surgem assim objetos e hábitos que, marcando-se através de estranhamento, se assinalaram a seu jeito na arte popular da Bahia. E na festa popular. Por outro lado, tendo trazido os portugueses para cá homens do povo, eram estes mais permeáveis a essa influência. Com a vinda dos povos africanos, passa a conviver nessa ambiência santo de igreja. E santo de terreiro. Altar católico. E abassá. Quartinha de água benzendo a terra. Água de cheiro perfumando o corpo. E água-benta benzendo o mundo. E desde então se torna possível pensar numa cultura afro-brasileira assimilando também certos traços culturais da população indígena, tal como ocorre em certos cultos religiosos que assimilam as entidades dos caboclos122. Por sua singularidade ante os legados europeus, deve assim ser enfatizada igualmente a contribuição do índio à língua portuguesa através do vocabulário e através de outros legados, como as lendas, os mitos e os ritos que se integram às manifestações religiosas de origem africana. Deflagrando processos imaginativos de várias ordens, no Barroco brasileiro as hibridações culturais contribuíram para a emergência da carnavalização. Ressalte-se, entretanto, que o fenômeno da carnavalização não ocupa todo o campo dos efeitos da hibridação cultual, mas se atém aos aspectos que abarcam traços da cultura popular. À festa popular. E à resistência cultural. Opondo-se à cultura hegemônica, bem como a suas hierarquias, a carnavalização hoje continua viva na cultura popular frente à sociedade globalizada. E apesar dela. Essa oposição tem certa representatividade no Carnaval, bem como em outras áreas abrangentes dos valores e comportamentos afetos a outras festas populares. Do mesmo modo, representando-se como resistência cultural, a carnavalização que se desenvolveu

120  Ibidem, p. 65. 121  Cf. JUNGE, Peter (Org.). Arte da África. Arte da África. Rio de Janeiro: CCBB, 2004. p. 35. 122  Cf. LODY, Raul Giovanni. Cadernos do folclore 17: Samba de caboclo. Rio de Janeiro: MEC, 1977. p. 2.

93


no Barroco brasileiro apresentou elos com a carnavalização afeta à Idade Média e ao Renascimento, visto que em suas práticas elas comportam mundivisão festiva de caráter público. Trata-se de uma comemoração pertinente a um princípio de diferença. E note-se que, em certo sentido, esse princípio de diferença influiu nos costumes e valores do colonizador. Este, ainda que imputando normas, convivera com oposições afetas principalmente aos costumes da terra e aos costumes europeus, determinando mudanças comportamentais. Em terras do Brasil, os mistérios do solo tornaram-se palpáveis, despertando a imaginação, sobretudo nas artes, pelo seu aspecto visual e/ou “tátil”. No caso da pintura, mais que a temática, o cromatismo intenso e as oposições entre luminosidade e sombras conduziam concepções do diverso, inaugurando uma desconstrução da racionalidade geométrica. Assim como o Seiscentismo que reuniu expressões heteróclitas, nosso Barroco tem configuração endobarroca. Fenômeno esse que surge através dos tempos e chega modificado à contemporaneidade sempre através de irregularidades espaciais. Mas ressalte-se mais uma vez que na pintura a espacialidade nasce da cor. Em nosso Barroco, o princípio endobarroco em muitos aspectos integra-se aos traços da carnavalização. Abrangendo as artes e outras circunscrições culturais além da festa, na cultura popular nordestina o riso da carnavalização se faz sentir por meio da temática e do colorido123. Ante esse quadro de influências mútuas, ao analisarmos a brasilidade que caracteriza a produção artística de César Romero, ressaltamos no colorido a festa do Bahia. Nesse festejo, o Nordeste do povo é o convidado de honra. Nessa comemoração deflagra-se um ânimo esperançoso, articulando coisas do solo e do kósmos. Opondo-se à visão de acabamento e imutabilidade, César Romero cromatiza espaços que no plano dos sentidos reúnem finitude e infinitude. Em especial na arte de César Romero, insurge-se o riso do povo. Em sua pintura realiza-se a festa da cor.

123  Consulte-se em especial o capítulo 4.

94

A C arnavali z a ç ã o e o B arroco


95


96

A N o ç ã o de E ndobarroco


A Noção de Endobarroco “Maduro pelos dias, vi-me em ilha, porquanto, como conhecer as coisas senão sendo-as?”124

Fundamentos do Endobarroco Para definir os princípios do endobarroco, visitamos o pensamento de vários autores, dentre eles Eugenio d’Ors e Helmut Hatzfeld, que apresentam contribuições à abordagem de um “barroco” não restrito ao Seiscentismo. Porém, nossos estudos tiveram início a partir das ideias de Ivan Cavalcanti Proença, que identificou e metodizou aspectos de uma escrita pan-barroca, revelando-se através dos tempos125. Por suas características, essa escrita em alguns aspectos aproxima-se de certos traços concebidos por Eugenio d’Ors que, esquivando-se de critérios estilísticos, concebeu um “barroco” de abrangência universal. Quanto a esse “barroco”, trata-se de visão de mundo que, dando primazia à imaginação e à vida, se desvia dos ditames restritos à razão. Tal desvio, segundo Ors, compreende o dinamismo do pensar e dos acontecimentos através de uma constante metafísica abrangendo a cultura e as artes126. Em busca de outros referenciais que não implicassem universalidade, visitamos as ideias de Helmut Hatzfeld que estudou o Barroco na literatura sob os ângulos ideativo e estilístico, tangenciando manifestações que englobam textos de períodos que vão do Renascimento ao Rococó. E em alguns casos se antecipam à Renascença. Na fundamentação do endobarroco, a escolha desses autores se deve à circunstância de caminharem eles numa direção diversa daquela do pensamento de Heinrich Wölfflin, que abordou o Barroco na perspectiva evolutiva e estilística. Sob esse aspecto, Wölfflin define características cíclicas numa oposição ao Classicismo, localizando no Barroco aspectos formais decorrentes do desaparecimento das formas clássicas. Lembremos que a partir de estudos morfológicos sobre a arquitetura romana, mais tarde Wölfflin

124  LIMA, Jorge. Invenção de Orfeu. Op. cit., p. 250. 125  Cf. notas de aulas, de acordo com síntese elaborada pelo autor deste ensaio: “Abrangendo procedimentos e feição característica de textos de autores hodiernos, a escrita pan-barroca se explicita por meio de jogos antitéticos, jogos de palavras, construções perifrásticas, paralelismos, dentre outras instâncias do fazer literário em prosa e poesia. Com frequência a escrita pan-barroca abrange oposições afeitas ao sentido trágico da existência, e, dentre inúmeros desdobramentos, abrange o topos Carpe diem.” 126  Cf. D’ORS, Eugenio. Du baroque. Trad. Agathe Rouart-Valéry. Paris: Gallimard, 2000. p. 70.

97


estabeleceu princípios estético-formais abrangentes da História da Arte, diferenciando as formas clássicas e as barrocas através de padrões antitéticos que podem assim ser resumidos: 1. evolução do linear ao pictórico; 2. evolução do plano à profundidade; 3. evolução da forma fechada à forma aberta; 4. evolução da pluralidade para a unidade; 5. clareza absoluta e relativa do objeto127. Elevando o Barroco à condição de estilo, visto que antes o olhar dos teóricos sobre o Barroco rechaçava suas estranhezas e bizarrices nas artes e na arquitetura, o trabalho de Wölfflin permitiu as primeiras sistematizações quanto à estilística barroca no plano da literatura128. Com base nesse quadro de ideias que até aqui resumimos e delineando outras diretrizes, detectamos nas manifestações artísticas anteriores e posteriores ao Seiscentismo traços igualmente comuns ao Barroco; traços esses que, com modificações, chegam ao mundo hodierno. Traços esses que, eclodindo em vários períodos, se anteciparam ao Seiscentismo e passaram pelo Renascimento, porém em desvio dos padrões intrínsecos ao Classicismo quanto às regularidades afetas ao equilíbrio e às simetrias, que, do ponto de vista ideativo, se refletem nas expressões artísticas, como, por exemplo, nos espaços da pintura por meio da perspectiva linear e da contida modulação da luz e da sombra. Ainda que refutando em parte as ideias de Ors, para a caracterização do endobarroco julgamos relevantes muitos aspectos de seu pensamento, visto que ele concebe um “barroco” em sentido amplo, sem datações ou fronteiras. Na vigência de uma constante que emerge na cultura sempre apresentando diferenciações, esse “barroco” se desvincula das concepções relacionadas a um eterno recomeço ou eterno retorno afeto ao “barroco”. Em esquiva de uma concepção determinista, Ors não se ocupa da regularidade do processo, nem da periodicidade, nem das características formais. Na concepção orsiana, o Barroco se associa à imagem de “um canal com elementos fixos por onde fluem acontecimentos polimorfos”129. Tais eventos polimorfos traduzem-se na oposição razão e vida130. Nesse sentido, valorizando transformações e exceções, para o autor o “barroco” caracteriza-se pelo movimento deflagrando a oposição vida e eternidade131. Relacionando-se à natureza, ou seja, à concepção de natureza como dinamismo, o “barroco” expande-se ao campo da contradição. Nas artes, assim como nas manifestações arquitetônicas analisadas pelo referido autor, esse “barroco” atemporal

127  WÖLFFLIN, Heinrich. Princípios fundamentais de História da Arte. Trad. João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 18-20. 128  Cf. COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. p. 92-93. 129  D’ORS, Eugenio. Op. cit., p. 70. 130  Ibidem, p. 70. 131  Ibidem, p. 103-104.

98

A N o ç ã o de E ndobarroco


assume plasticidade ambivalente ou plurívoca com relação à ideia de centro, e reflete ideias antagônicas. Tal concepção compreende a ideia de um “eterno Barroco” que chega ao plano ético132. Conforme o mencionado, a extensão desse “barroco” se explicita no plano da universalidade. Quanto à universalidade admitida por Ors, ela se deve a um éon, ou seja, a uma constante metafísica, ainda que concebida através de realizações no plano da cultura133. No pensamento do autor, o “barroco” abrange manifestações artísticas numa extensão que vai da Pré-História aos períodos históricos, incluindo manifestações orientais, o que em sua extensão, observamos, não se aplicaria ao plano das artes plásticas e ainda com maiores restrições ao plano literário. Ao definirmos a noção de endobarroco, a ela atribuímos a dinâmica transformacional do “barroco” concebido por Ors, sem relacioná-la à universalidade. Assim consideramos no endobarroco traços comuns ao “barroco”, enfatizando-se uma dinâmica que se faz ontogênese, muito além das similitudes morfológicas. Porém, ainda que dando relevância ao plano ideativo implícito ao endobarroco, neste ensaio tal circunstância não se faz restrita à racionalidade do conceito, visto que o estrato ideativo foi considerado na sua relação com o sensível, traduzindo-se nas tensões cromáticas próprias do campo pictórico. Sob esse prisma, advindas do encontro de opostos e/de diferenças, essas tensões criam espaços a partir da imaginação. Trata-se de uma imaginação criadora de imagens. Porém, não se trata de conceber a imagem nem como reprodução nem como representação134. Na pintura, a imagem se define como área cromática. A imagem ocupa assim o plano ontológico. E vai além. Faz-se ontogênese. Ela traz ao mundo aqueles seres cuja existência é própria da cor. Em sendo a imaginação a fonte propulsora das expressões artísticas e literárias como um todo, no Seiscentismo ela igualmente se enraíza nas artes através da visão endobarroca, visto que o Barroco implica mundivisão endobarroca que lhe é intrínseca. Admitindo no endobarroco uma recorrência de traços comuns ao “barroco” orsiano, ou seja, a um “barroco universal”, valorizamos esses traços numa perspectiva dialética que admite a convivência dos contrários135. No caso da pintura, no endobarroco valorizamos na espacialidade o estranhamento e a desconstrução opondo-se à perspectiva de ponto único, que é um critério geométrico de construção do espaço. Esse estranhamento e essa desconstrução podem se voltar para vários campos, incluindo irregularidades afeitas às curvas e diagonais. Sob esse prisma, na pintura de César Romero identificamos uma

132  DASSAS, F. Présentation. In: D’ORS, Eugenio. Op. cit., p. XI. 133  D’ORS, Eugenio. Op. cit., p. 70. 134  Cf. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Op. cit., p. 20. 135  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Trad. José Américo Pessanha e outros. São Paulo: Difel, 1986. p. 185.

99




dinamogênese dos espaços e percursos relacionados ao equilíbrio dinâmico. Não se trata, pois, de estabelecer tipologia nem de análise morfológica. Mas de uma errância pelos espaços e cores na pintura do artista. Ao primeiro olhar, o fenômeno “barroco” pode ser observado em vários períodos, abrangendo expressões artísticas orientais e ocidentais, tal como no pensamento orsiano. Mas na definição do endobarroco, além de limitarmos historicamente tal abrangência, não a relacionamos a uma constante universal. Preferimos dimensionar esse fenômeno plástico vendo-o como decorrência do trabalho da imaginação, transformando a matéria para criar espaços que revelam qualidades não subordinadas às causalidades formal e eficiente. Nesse sentido, nas artes insurgem-se espacialidades díspares que, muitas vezes, se lançam ao encantatório e ao mundo da fábula e do sagrado. Em oposição ao argumento orsiano, que admite inclusive um “barroco búdico”136, deve ser lembrado que, especialmente nas filosofias orientais, se inscrevem instâncias cognoscitivas que admitem contradições e deflagram outros “esquemas” mentais, isto é, outras diretrizes possíveis na condução do pensamento, transpondo-se ao universo das artes. Diretrizes correspondentes às do Budismo podem ser detectadas no Taoísmo e no Hinduísmo137. Assim sendo, a universalidade atribuída por Ors ao “barroco” nas artes pode ser atribuída à imaginação, conduzindo quadros mentais diversos. Sob esse ângulo, o endobarroco, tal como o definimos, assinala-se um fenômeno ocidental. E ainda que amplo, tem seu início nos alvores da cultura moderna. Articulando-se a aspectos ideativos fundantes da cultura daquela época, o endobarroco relaciona-se à desconstrução da forma, da linha e do absoluto, de tal modo que, insurgindo-se no Renascimento, não foi, entretanto, fenômeno dominante nesse período que se conduziu por outras diretrizes do pensamento. Observe-se quanto a esse aspecto que, através de uma negação das diferenças, o Renascimento se fez representar pela vertente do equilíbrio estático, harmônico e linear, amenizando e/ou eliminando contrastes atinentes à cor, à linha, ao volume, dentre outros, do ponto de vista plástico. Em que pese neste ensaio a menção a traços morfológicos que se acentuam no Barroco, o endobarroco ganha amplitude irredutível à morfologia e à tipologia, repetimos. Propício a desconstruções endobarrocas, o Seiscentismo articulou e desconstruiu antíteses, porque nos alvores da cultura moderna instaurou-se o primeiro abalo na metafísica essencialista ante o impasse da relação natureza/conhecimento, subsumindo e desdobrando-se em oposições e diferenças de várias ordens, que permearam o plano religioso, o cosmológico, o sociopolítico, o cultural, dentre outros. Note-se que ao

136  D’ORS, Eugenio. Op. cit., p. 123. 137  Consultem-se nas referências bibliográficas obras sobre o pensamento oriental.

102

A N o ç ã o de E ndobarroco


endobarroco se relacionam aspectos das ideias de Galileu, Giordano Bruno, Copérnico e Leibniz, em meio a outros teóricos que, em períodos diversos e com princípios diversos, deflagraram pensamento divergente no plano da Filosofia com reflexos nas várias esferas da cultura e do conhecimento. Ainda que os princípios endobarrocos se delineassem antes do Seiscentismo, nesse período o pensamento divergente se desdobrara em fulcros de outras oposições e/ou diferenças, insurgindo-se nas artes e na literatura. Apesar da contrarreforma, iniciava-se àquela época uma visão laica de mundo, uma visão que migrava do universo da fé à esfera política138, em clima propício às incursões endobarrocas como palco da imaginação abrangendo contradições. Tais incursões são próprias da passagem do Gótico ao Renascimento, e seus reflexos nas artes não podem ser dimensionados pela universalidade proposta por Ors, ao abranger manifestações artísticas em culturas tão díspares que passam da Pré-História aos períodos históricos. Considerando, por exemplo, períodos como o Helenístico, o Gótico e o Romântico, dentre inúmeros outros, bem como abrangendo expressões artísticas e arquitetônicas orientais, o único elo possível de ser estabelecido entre artes de períodos tão distintos verifica-se no plano das analogias formais. Entretanto, sob esse aspecto não se faz possível localizar do ponto de vista ideativo uma universalidade que abarque épocas e manifestações tão diversas, tal como se verifica no pensamento de Ors. Do ponto de vista ideativo, não se faz viável admitir a constante referida por Ors como resultado do contraste entre razão e vida sob o ângulo antitético, visto que elas têm conotações diversas nas várias culturas e, sobretudo, o campo da razão ganha perfil próprio no início da cultura moderna, quando se anuncia o endobarroco. Entretanto, tornase possível atribuir as analogias descritas pelo autor a uma desconstrução do mundo realizada como poética, ou seja, através do onirismo realizando-se no plano sensível e ganhando vida na arte de épocas e regiões diversas. Nesse sentido, se fosse possível através de um paradoxo conceber uma metafísica da matéria, a universalidade se faria então afeta ao sonho de transformação da matéria, visto que todo processo artístico envolve transformações da matéria. Pedra. Madeira. “Cor”. Tecido. A cada matéria139 a imaginação assume impulsos de transformação. Impulsos que recriam a própria matéria e o mundo. Impulsos oníricos. E sua realização eclode através de variáveis que lhes dão destino numa perspectiva intrínseca à cultura, através de “esquemas” mentais diferenciados. Esse destino pode tender às regularidades ou às irregularidades plásticas, com especial significado nos espaços pictóricos. Note-se, porém, que, ao jogo de uma poética da cor, o espaço não se refere a um conceito.

138  ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 10. 139  Questão abordada por Bachelard nos seus vários escritos sobre a matéria.

103




O espaço ganha qualidades sensoriais. Assim, o princípio endobarroco conduz às artes traços intrinsecamente diversos em diferentes culturas, abarcando irregularidades espaciais diversas, que nunca se repetem. Assim, ao surgir na pintura renascentista um equilíbrio harmonioso em conformidade com uma razão que se guiava pelo princípio de identidade, surgiram também nas artes indícios de um pensamento em esquiva desse princípio. Nesse sentido, no Renascimento há soluções plásticas e caminhos díspares entre si, tais como os de Leonardo e Michelangelo, trazendo este, à sua pintura, traços nitidamente endobarrocos. Assim sendo, subsumindo a dinâmica endobarroca, o Barroco não se volta para sínteses como o claro-escuro ou chiaroscuro próprio do Classicismo. Revelando fortes tensões, no Barroco insurgem-se luzes e sombras. Exaltam-se diferenças ao invés de similitudes. Exaltam-se em simultaneidade as luzes e as sombras. Elas criam tensões entre as cores. E ao curso de uma ontogênese surgem seres cromáticos. Processa-se uma desconstrução do mundo. Uma desconstrução que recria a matéria e o mundo sem recorrência à representação. Em que pesem analogias entre artes diversas, seu entendimento revela alicerces diferenciados em momentos históricos e filosóficos diversos.

Extensão e Limites do Endobarroco Transformando-se o pensamento e ganhando outro rumo a partir dos alvores da cultura moderna, possibilitou-se a partir daquele período elaborar-se mundivisão desviante do absoluto, perspectiva que se afirma e se desdobra através dos tempos, numa relação com o endobarroco, considerando-se as diferenças históricas e culturais. Mas de modo genérico o principal traço endobarroco se explicita pelas tensões afeitas à convivência de diferenças. Na pintura, estas podem surgir de vários modos. Porém, sob a égide do endobarroco, ainda que se diferenciando no trabalho de cada artista, essas tensões sempre se referem, sobretudo, à instância espacial. Neste enfoque, ressaltamos então no campo das artes plásticas os seguintes aspectos: a importância da imaginação criadora; uma visão da dinâmica dos espaços; a concepção de imagem no sentido não representativo e não substitutivo; bem como a frequente reunião de opostos e/ou de diferenças abrangendo manifestações heteróclitas. Admitindo nas artes de certos períodos algumas características do “barroco” orsiano, para embasar e desenvolver a noção de endobarroco recorremos, conforme o mencionado, aos estudos de Helmut Hatzfeld, que identifica traços “barrocos” já na escrita de Dante. A partir dessa constatação, transpusemos ao campo das artes suas ideias quanto à abrangência dos traços “barrocos”, visto que esse autor se ocupou primordialmente da literatura. Comparando estilos, Hatzfeld identifica incursões “barrocas” anteriores e posteriores ao Seiscentismo. Nessa amplitude, ele inicia seu enfoque a partir das antíteses

106

A N o ç ã o de E ndobarroco


características do texto de Dante na Divina comédia140 e dos Sonetos141 de Camões. Em sua análise, Hatzfeld engloba os escritos de Tasso, Cervantes, Racine, Gôngora, Marino, Calderón e Quevedo, dentre inúmeros outros, numa extensão abrangente de textos relacionados ao Renascimento, ao Maneirismo e ao Rococó. Ampliando e instigando a busca de novos temas e questões, tais estudos abrangem exemplos que assinalam uma insurgência “barroca” atinente à linguagem142, em todos esses períodos. Torna-se importante ressaltar nessa amplitude do “barroco” uma fusão de contrários. Porém, conforme o pensamento de Hatzfeld, esse traço contrastante que se exacerbara no século XVII revela uma instância ideativa que o antecede, estendendo-se, porém, somente ao século XVIII. Reconhecendo diferenças que passaram por esses períodos, detectamos uma emergência ulterior de tensões intrínsecas à arte tangenciando os dias atuais, assim como são elas referidas por Proença no campo da literatura143. Porém, sob o enfoque endobarroco, as oposições mesclam-se numa convivência de contrários e/ou de diferenças, bem como podem surgir como desconstrução de conceitos, de ideias ou de outra instância afeita ao espaço, no caso da pintura. O endobarroco abrange contradições e paradoxos. Sob esse prisma, não tão extenso quanto o “barroco” concebido por Ors, e mais amplo que o de Hatzfeld, o endobarroco caracteriza-se nas artes pelos espaços realizados por estranhamento e/ou por desconstrução dos espaços gerados pela perspectiva de ponto único. Desse modo, nota-se o surgimento de traços endobarrocos na passagem da espacialidade gótica para a clássica. No caso da pintura, surgiram tensões que rompiam o equilíbrio pautado nos eixos vertical e horizontal. Em favor das angulações imaginárias, a figura humana muitas vezes se relaciona a alegorias que tangenciam o grotesco, o encantatório e temáticas não usuais. Do ponto de vista do claro e do escuro, o endobarroco admite o destaque exacerbado e simultâneo da luz e das sombras, por meio da intensidade cromática, lembremos. E de per si, ou em seu conjunto, ou ainda subsumindo outras nuances, essas características embasam espaços que comportam diversas cenas relacionadas pela imaginação, desconstruindo os esquemas da perspectiva de observação e da geométrica. Tratase respectivamente de estranhamento e de desconstrução dos espaços das referidas perspectivas através da reunião de diversidades, reunião essa que, com frequência, mas não necessariamente, desconstrói o recorte da figura-fundo. Nas articulações endobarrocas torna-se comum uma fusão do diverso instaurando-se ideativa e

140  HATZFELD, Helmut. Estudos sobre o Barroco. Trad. Célia Barretini. São Paulo: Perspectiva, 2002. (Coleção Stylus). p. 120-124. 141  Ibidem, p. 156-160. 142  Ibidem, p. 171-219. 143  Notas de aulas.

107




plasticamente na mesma espacialidade. Mito e fato. Céu e terra. Infinitude e finitude. Esse encontro de diferenças repercutiu na obra de vários pintores através do estranhamento ou da desconstrução dos espaços perceptivos e geométricos a partir da passagem do Gótico para o Renascimento, quando se pode notar uma bifurcação quanto à maneira de apreender o espaço. Na arte renascentista, de um lado vislumbrava-se a busca do equilíbrio harmônico. Do outro, a eclosão de irregularidades por meio do viés endobarroco. Ainda que não dominante, essa concepção se insurgiu no Renascimento com forte representatividade, tal como ocorreu na obra de Michelangelo, dentre outros exemplos. Posteriormente enfatizados no Maneirismo e no Barroco, os traços endobarrocos atravessam os tempos. E em seu despertar, vários pintores recorreram a uma espacialidade atípica, quase sempre voltada para algum percurso dissimétrico. Na obra de Giotto, pintor que tinha todo o instrumental para lançar-se à perspectiva de ponto único mas não se utilizou de tal recurso, percebe-se um estranhamento afeto a figuras colocadas no mesmo plano a partir de uma ordem hierática, pontuando lugares que reúnem o céu e o chão. Numa variante dessa espacialidade que abarca oposições e diferenças, na Anunciação e em outras pinturas, Fra Angélico nega esquemas da perspectiva de observação e da geométrica e integra figuras posicionadas em lugares distintos através de sutil estranhamento. Aceitando a luminosidade dos matizes em oposição ao escurecimento, ele intensifica a profundidade da cena para acolher o lugar de encontro do céu e do chão, que surgem também numa ordem simbólica. Observando-se obras de outros pintores, percebe-se que a espacialidade congrega traços diversos na ordem do estranhamento ou na esfera da desconstrução, visto que as características endobarrocas diversificam-se na obra de cada artista. Assim sendo, concepções espaciais afeitas ao estranhamento surgem na pintura de Paolo Ucello, tendo como exemplo marcante a teia de planos que se aglutina na sua Batalha de São Romano. Recursos de desconstrução espacial mostram-se também marcantes na pintura de Rosso Fiorentino, sobretudo nos escorços, como em Moisés defende as Filhas de Jetro. Ao se afastar dos critérios perceptivos e geométricos, Fiorentino inaugura espaços cujas qualidades se intensificam devido a grandes contrastes de luz e sombra. Igualmente intensificando o estranhamento por meio de forte confronto entre luz e sombra, destacam-se, por exemplo, o Autorretrato de Parmigianino, com sua conhecida anamorfose, e inúmeros trabalhos de Pontormo, de Corregio, de Perugino, pintor este que intensifica tais efeitos, valendo-se dos temas alegóricos. Observe-se que, em sendo comuns nesses primeiros séculos de incursões endobarrocas, as alegorias propiciam estranhamentos e desconstruções em virtude da temática e do seu envoltório de fantasia, insurgindo-se em espaços que pedem figurações em escorço e ainda superposição e/ ou aglutinação de cenas.

110

A N o ç ã o de E ndobarroco


À caracterização de traços endobarrocos, devem ser assinaladas as desconstruções pertinentes à pintura de Hieronymus Bosch. Separando e reunindo em simultaneidade espaços diversos, em seus trípticos o pintor relaciona ângulos múltiplos, dando às pinturas várias possibilidades de apreensão. Nessa dinâmica, suas obras apresentam pluralismos espaciais que podem ser “lidos” da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, de baixo para cima, de cima para baixo e em diagonal. Observe-se ainda, em grande parte de suas pinturas, uma tendência a uma dinâmica da circularidade que, ao invés de buscar um centro, movimenta cenas tal como que a descentrá-las. Atingem o auge das desconstruções obras como O jardim das delícias, O carro de feno e As tentações de Santo Antão. Observe-se também que Bosch tangencia a carnavalização mesclando cenas e figuras populares que alcançam o grotesco e a sátira em clima de fantasia, comicidade e riso, o que do mesmo modo se transpõe a figuras eclesiásticas ou àquelas de destaque na hierarquia social. Valendo-se igualmente da sátira e do grotesco, Peter Bruegel desconstrói o espaço perceptivo e a perspectiva por meio da reunião de cenas diversas para formar uma cena única através da multiplicidade de elementos como que compactados no mesmo lugar, ou através da alegoria e da tradução plástica do mito, dando-se como exemplo as obras Triunfo da morte e A torre de Babel. Seguindo a ordem de ambas as desconstruções, deve ser enfatizada a obra de Michelangelo. Do ponto de vista pictórico, o artista contorce e ondula eixos que rompem a linearidade da figura-fundo para criar espaços que aglutinam cenas intrincando lugares diversos, de acordo com a ordem ideativa das alegorias. Do ponto de vista da desconstrução do espaço pelo movimento, merecem destaque algumas obras de Lelo Orsi. Quanto ao estranhamento no campo da temática, destaca-se o trabalho de Giuseppe Recco, pintor que adere à natureza-morta, temática que à época, em virtude da expansão da vida laica, indicava incursão endobarroca, ao dar aos objetos relevância compatível com a do retrato e a da imagem sacra. Do referido pintor merece destaque especial a obra intitulada Natureza morta com peixes, cujo estranhamento se estende à intensidade do cromatismo e à ênfase na luz e na sombra. Em sendo traço endobarroco a complementaridade entre o luminoso e o sombrio, esse traço exalta-se na pintura de Caravaggio, sugerindo uma visualidade “tátil” através de angulações inusitadas, como, por exemplo, em Vocação de São Mateus, em que o Cristo não está em primeiro plano. Com traços espaciais relativos ao estranhamento, mencionem-se pinturas da fase final de Tiziano, como Danae e a chuva de ouro. E mencione-se igualmente em sua pintura uma filiação ao endobarroco por meio da grande dramaticidade marcada por sombras e veios de luz, tal como ocorre na obra A crucificação. As irregularidades de cunho endobarroco abrangem a pintura de El Greco, através do alongamento da figura humana e através de uma “costura” de espaços relacionando cenas e paisagens. Quanto ao estranhamento referente à temática e aos contrastes de luz e sombra deve ser mencionado o trabalho de Francisco Zurbarán, destacando

111




objetos e o corpo humano em angulações singulares, como ocorre, por exemplo, em Exposição do corpo de São Bartolomeu. Mencione-se também Diego Velásquez, por seus temas e planos inusitados que traduzem desconstruções no universo pictórico e realizam inversões hierárquicas inseridas na ordem da carnavalização, tal como ocorre na conhecida obra intitulada As meninas144. Nesse breve rol de pintores, devem ser destacadas a dramaticidade advinda de tensões na pintura de Gregório Hernández e as alegorias e angulações que levam o estranhamento espacial à pintura de Rubens.

144  Cf. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. António Ramos Rosa. Lisboa: Portugália [s.d.]. p. 400-406.

114

A N o ç ã o de E ndobarroco


E ainda as angulações cênicas e o colorido de Watteau, bem como o movimento e as tensões de luz e sombreado na obra de Géricault. As obras com traços endobarrocos são inumeráveis, mas a título de ilustração de cunho estético, e sem caráter historiográfico, são suficientes esses exemplos que se desdobram em incursões pertinentes ao Romantismo, ao Simbolismo, ao Modernismo e chegam ao Pós-Modernismo. Ainda que absorvendo traços que tangenciam aspectos morfológicos mencionados ao longo deste texto, o endobarroco não se reduz a essa instância, lembramos. E desse modo ele abrange mundivisão e/ou cosmovisão que se refletem nas expressões literárias e artísticas, podendo se insurgir dentro de diferentes estilos ou tendências estéticas. Em virtude das hibridações culturais, o endobarroco encontrou terreno propício no Barroco brasileiro, mas se inseriu em vários momentos artísticos que marcam obras diversas, como a pintura de artistas anônimos que deixaram seus legados nos tetos das nossas igrejas. Tal tendência igualmente tangenciou algumas obras de artistas estrangeiros que “retrataram” imaginariamente a terra, como, por exemplo, Albert Eckhout. Com trajeto pela pintura romântica, sobretudo quanto ao colorido, o endobarroco posteriormente tangenciou o Modernismo em incursões várias que alcançaram aspectos diversos no trabalho de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Lasar Segall, Vicente do Rego Monteiro, Djanira, dentre muitos outros. Englobando vários fatores e relacionando-se a esquemas mentais que admitem contradições e paradoxos, o endobarroco encontra hoje clima propício a manifestações várias, que refletem alguma forma de dissimetria, de estranhamento ou de desconstrução espacial, repetimos. Em especial na pintura de César Romero, o endobarroco se explicita por meio de um equilíbrio dinâmico, sobremaneira a partir das Faixas145, e com destaque nas Cromutações e em Bramante. Do ponto de vista espacial, na pintura do artista o endobarroco inaugura lugares caracterizados por “irregularidades”, enquanto a carnavalização realiza inversões da ordem por meio de uma comemoração da cultura popular do Nordeste, sobretudo através da intensidade das cores, repetimos. Na pintura de César Romero a cor se faz metáfora do riso146. Note-se, porém, que do ponto de vista pictórico o espaço é instaurado predominantemente pela cor. Nas telas do artista a cor atua como matriz de um Nordeste carnavalizado nos meandros do mundo.

145  Consulte-se o capítulo 7. 146  Consulte-se o capítulo 10.

115





O Roteiro Pictórico de César Romero “Construo de forma erudita o gosto popular, o sentimento brasílico, os sinais do povo, que é raiz e direção.”147

Temas Emblemáticos Nas telas de César Romero os sinais do povo colorem a terra. A vida impulsiona as tintas. Paisagens. Pipas. Folguedos. As coisas do universo nordestino, com especial destaque nas singularidades da Bahia, servem de motivo ao trabalho do pintor. Mas ele não transpõe à tela o mundo visto, porque em suas telas a imaginação conduz os pincéis e as tintas. Aludindo às manifestações da fé cristã, o artista reverencia os santos barrocos, bem como outros motivos do Cristianismo simbolizados pela pomba e pelo coração flamejante. Aludindo aos cultos do Candomblé, César Romero “assenta” nas cores os símbolos das divindades do abassá. Intensa, plena de qualidades, a cor tornase matéria148 e universo plástico. A cor emerge na pintura de César Romero como visão de mundo abarcando a memória da cidade natal e do lugar em que o pintor habita: Desde 1978, eu venho procurando uma pintura brasileira, algo que fosse referência da minha cidade natal, Feira de Santana, da minha segunda cidade, Salvador, do meu Estado, da minha região, do Brasil, enfim [...]. A minha preocupação básica é fazer um trabalho plástico-visual que seja entendido como uma coisa brasileira.149

Santo. Homem. E boi. Casa. Festa. E paisagem. Nesse universo que se enraíza na ambiência, estes e outros motivos instauram na pintura de César Romero lugares inaugurados pela plasticidade da cor. Trata-se de lugares diferenciados em áreas mais densas ou menos densas, através de “transparências, ajustes, justaposições”150 de cores interagindo com áreas de “colorido” negro, marrom, dentre outras tonalidades escuras

147  ROMERO, César. Mostra Cromutações – Pinturas. Op. cit., p. 1. 148  Cf. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 26. 149  ROMERO, César. Jamais vou deixar de ser pintor (entrevista). Dendê, n. 13, Salvador: Caixa Econômica Federal, ano V, 2002, p. 11. 150  ROMERO, César; CARVALHO, Mirian de. Entrevista. Arquivos da Autora, 2002.

119


ressaltando vibrações luminosas. Nos diversos matizes há diferenças de saturação. E ressaltam-se os contrastes. Quanto a estes, na acepção técnica, trata-se da interferência de uma cor sobre a outra ou dos efeitos relativos à luz e à sombra “em termos de reciprocidade e de reversibilidade”151. No trabalho de César Romero tecnicamente há contrastes. Mas ao longo deste texto a referência aos contrastes define-se no campo de uma poética da cor, ou seja, de uma potencialidade ontogenética do colorido. Do ponto de vista dessa poética, a referência aos contrastes indica encontro de diferenças expressas no colorido. Sob o ângulo da poética da cor, o termo contraste relaciona-se às tensões advindas da reunião de diversidades luminosas e cromáticas. E nesse sentido, através das mudanças captadas pelo olhar, torna-se possível mencionar-se um tempo da cor152. Trata-se de um tempo afeto aos contastes. Na pintura de César Romero o tempo indica mudanças na luz atravessando sombras, do mesmo modo que indica mudanças nas sombras que anteparam a luz, ao curso das várias temáticas que contracenam no roteiro pictórico do artista. Iniciando suas atividades artísticas em fins dos anos 1960, César Romero seguiu um roteiro diversificado em múltiplas temáticas relacionadas entre si, de acordo com o seguinte percurso:

151  Cf. PEDROSA, Israel. O universo da cor. Rio de Janeiro: Senac, 2003. p. 75. 152  Consulte-se o capítulo 12.

120

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


121


122

O R oteiro P ict Ăł rico de C ĂŠ sar R omero


123


124

O R oteiro P ict Ăł rico de C ĂŠ sar R omero


125


1967-1969, Casarios; 1970-1977, Imagens; 1978-1985, Selos Comemorativos; 1978-1986, Paisagens com Faixas Emblemáticas; 1980-1986, Pintura, Tamboretes de Festas de Largo da Bahia; 1991-1996, Platibandas Emblemáticas; 1991-2000, Enigmas; 1980-1990, Fotografia, Tamboretes de Festas de Largo da Bahia; 1985-2000, Faixas Emblemáticas.153

Acompanhando essa cronologia, ressalte-se que os Enigmas, as Platibandas e um conjunto específico de Faixas integram as Cromutações. Trata-se de uma reunião interativa de pinturas que abrangem várias temáticas. Nesse esquema torna-se igualmente importante destacar a exposição Sinais do povo, realizada em 1983 na Bahia. Por ocasião dessa mostra de arte, César recriou a ambiência das Festas de Largo através de instalação com tamboretes, barracas, música e comidas típicas154. Diversificada, mas conduzindo elos de várias origens, sua pintura pode ser agrupada por núcleos temáticos, de acordo com a referida cronologia, na qual se inclui o conjunto pictórico-objetual denominado Janelas emblemáticas, exposto em 2002 na Bahia. Ao roteiro pictórico do artista, acrescente-se o conjunto pictórico intitulado Bramante, exposto em 2006, no Brasil e em Portugal, e em 2007, na Espanha. Acrescente-se também o conjunto de desenhos denominados Urdiduras, expostos, pela primeira vez, em 2011. Assim, após esse introito à cronologia relativa aos trabalhos do artista, iniciemos visitação à sua pintura a partir dos seus primeiros trabalhos. De acordo com o referido percurso cronológico, o roteiro pictórico de César Romero inicia-se, pois, com uma apreensão lírica dos povoados da Bahia registrados nos Casarios (1967-1969): “Buscava ver a arquitetura da Bahia, suas angulações e cores.”155 O pintor buscava então interpretar a paisagem da terra natal através de seu colorido originário. Nesse primeiro momento ressalte-se a temática da casa enraizando-se nas cercanias do habitar. Por analogia, lembremos que a casa destaca-se como motivo de grande plasticidade e onirismo nas figurações dos poetas156. Mas a grande casa de César Romero é a ambiência. Ela abrange a memória dos Casarios, das moradias interioranas que compõem as Platibandas emblemáticas pintadas nos anos 1990. E ressurge figurada nas Janelas emblemáticas (2002), isto é, no conjunto de janelas que, por apropriação, atuam como objeto artístico assinalado por imagens-migrantes157, ou seja, por imagens que, numa alusão ao Nordeste, se deslocam ao longo do roteiro pictórico de César Romero.

153  KLINTOWITZ, Jacob. Op. cit., p. 17 e 21. 154  Ibidem, p. 25. 155  ROMERO, César; CARVALHO, Mirian de. Entrevista. Op. cit. 156  Temática abordada por Gaston Bachelard em vários textos. Consultem-se, especialmente, a Introdução e os dois primeiros capítulos de A poética do espaço. 157  Consulte-se o capítulo 8.

126

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


127


Voltando aos primeiros trabalhos do artista, depois dos Casarios (1967-1969) “habitados” como espaço do afeto, César Romero pintou as chamadas Imagens (1970-1977). Tratase de imagens relacionadas ao Catolicismo: “Pintava os santos barrocos e ressaltava o panejamento das vestes, trazia os santos como garotos-propaganda.”158 Nas Imagens sugerindo azulejos barrocos, o artista centraliza figuras eclesiásticas e santos rodeados por anúncios de conhecidos refrigerantes e por outras referências ao mercado. Satirizando o mundo mercadológico, César Romero questiona o poder de sedução da publicidade e da propaganda e enfraquece esse poder por meio de uma sátira à sociedade de consumo. Nas Imagens, os “santos” são contornados por partituras musicais. E junto a eles há registros de homenagens a artistas e a outros motivos profanos. Enfocando essa apropriação das imagens sacras no mundo da Aldeia Global, César Romero lança-se à preservação da fé na acepção popular. Busca o lugar do sagrado na arte do povo. E em seu roteiro pictórico encontram-se alusões às mesclas étnicas que tonalizam a religiosidade, bem como matizam as festas, os costumes, as lendas, ou seja, a cultura do povo da Bahia em clima de carnavalização. Perscrutando significados da cultura regional, a carnavalização estende-se aos Selos comemorativos (1978-1985) que, igualmente, tangenciam o satírico ao referendar datas inexistentes no calendário. Nessa homenagem, César Romero apresenta uma filatelia composta por peças inusitadas: Selos comemorativos do dia dos falsos brilhantes; do Dia da ilha e, dentre eles, o Selo comemorativo do dia da poesia. Sem endereço ou

158  ROMERO, César; CARVALHO, Mirian de. Entrevista. Op. cit.

128

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


129


carta, esses selos – alguns coroados por Faixas emblemáticas159 – visitam espaços da cidade e da festa da cor. Os Selos se empenham em “comemorar certos absurdos ou valorizar coisas importantes no dia a dia”160. Ao período dos Selos relaciona-se outro núcleo temático desenvolvido nos anos 1980: as Arraias emblemáticas. Voando no céu, elas ondulam a rabiola de tirinhas de retalhos cruzados. Realizadas por justaposição cromática, essas pipas exibem “papéis” coloridos comemorando o brinquedo que atrai o visitante aos espaços do ar, compondo um céu de cores que atraem os olhos para o movimento que se instaura acima da linha de terra. Na arte de César Romero, as cores vibram e se expandem pelo mundo, interligando espaços da finitude e da infinitude. Entre os anos 1970 e 1980, o artista igualmente centralizou outros motivos populares, realizando então as Pinturas de tamboretes de Festas do Largo da Bahia (1980-1986). Rememorando, os tamboretes são banquinhos pintados pelos barraqueiros com a finalidade de caracterizar diferenças entre as barracas nos referidos festejos. Empilhados junto com as mesas, após a festa eles integram um painel colorido delimitando a área das diferentes barracas, caracterizando-se por “composições” singulares. Apropriandose dessas “composições”, César Romero inseriu em seu roteiro pictórico um conjunto de telas pintadas a partir das imagens advindas desses painéis que compõem uma arte incidental e popular própria daquelas festas. E em virtude da relevância dos tamboretes carnavalizando a festa, torna-se importante mencionar o conjunto fotográfico intitulado Tamboretes de Festas de Largo da Bahia (1980-1990), que se integra ao rol de trabalhos de Romero. Observe-se que, tal como em outros momentos do trabalho do artista, o núcleo temático referente aos tamboretes assinala visitação às Festas de Largo, que reúnem o sagrado e o profano por ocasião do festejo no pátio da igreja. Em se tratando de espaço carnavalizado, após os atos litúrgicos inicia-se a festividade que comporta elementos laicos, como as barraquinhas para a venda de comida, bebida, sortes, notando-se que tais festejos161 contam com práticas de origem afro. Afeito a chamamentos vários, César Romero integra à sua arte diversidades de motivos e cores. Diversidades que se definem por meio de mudanças que se exacerbam no roteiro pictórico do artista, sobretudo com o surgimento das Faixas na década de 1970. A partir de então, participando do roteiro do artista em diferentes momentos, as Faixas compreendem alongado e ondulante tecido recoberto por imagens-migrantes162: corações em chamas, pombas, estrelas, raios, búzios, dentre outras pequenas imagens alusivas à cultura popular do Nordeste.

159  Rio de Janeiro: Galeria Bonino, 1989. 160  ROMERO, César; CARVALHO, Mirian de. Entrevista. Op. cit. 161  Consulte-se o capítulo 10. 162  Consulte-se o capítulo 8.

130

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


131


132

O R oteiro P ict Ăł rico de C ĂŠ sar R omero


Janelas Emblemรกticas

133


No conjunto de pinturas de César Romero, as telas com Faixas emblemáticas desdobramse em motivos intrínsecos e análogos, que se articulam em diferentes circunstâncias e movimentos. Numa das versões das Faixas elaboradas no período que vai de 1980 a 1986, pode ser observada a inscrição desse motivo na paisagem, constituindo as Paisagens com faixas emblemáticas. De modo explícito, as Faixas se inserem na pintura de César Romero assumindo diferenciações plásticas e expressivas, tal como ocorre nos Emblemas Nordeste e Bandeiras emblemáticas ondulando flâmulas. As Faixas se inscrevem também em alguns Selos. E ante a dinâmica desse tecido ondulante, o cromatismo cada vez mais se intensifica no roteiro pictórico do artista, culminando com as Faixas pertencentes aos núcleos temáticos denominados Cromutações e Bramante, observando que este se diferencia das Cromutações por certos aspectos espaciais e cromáticos. Nas Cromutações definem-se acentuadas mudanças relativas ao espaço pictórico, embora nos núcleos temáticos anteriores César Romero já se houvesse distanciado da relação figura-fundo. Nos núcleos temáticos realizados entre os Casarios e as Cromutações, seguindo um figurativismo abstratizante, o pintor passou a destacar áreas cromáticas criando espaços sem ressaltar a figura no sentido linear e focal. Trata-se de justaposição de cores. Esse enfoque não hierárquico dos espaços já se anunciara nos Emblemas Nordeste, nas Bandeiras emblemáticas, nos Selos com faixas emblemáticas e nas Paisagens com faixas emblemáticas, bem como nas Imagens, nos demais Selos e nas Arraias, uma vez que todas essas obras caminham para a desconstrução espacial que se expande nas Cromutações e em Bramante. Nos trabalhos anteriores a esses dois núcleos temáticos, já se caracterizara o afastamento da figura-fundo, visto que os espaços pictóricos, definindo-se pela justaposição de cores e/ou pela definição de um único plano, se debruçavam nos contornos das telas não como limite demarcado, mas como horizonte virtual onde se derrama o colorido. Por seu caminhar ambíguo rumo à finitude e à infinitude, das Faixas emergem direções e lugares curvos que se posicionam fora dos limites das telas. Na pintura de César Romero, ainda que relacionadas a outros motivos, as primeiras Faixas já esboçam essa dinâmica. Seja se expandindo sobre ilhas de abstratizante paisagem monocrômica. Seja compondo o céu entre o azul do mar e as ilhas. Seja coroando os Selos. Reunindo caminhos diversos, elas determinam direções fora dos limites da tela. Essa ultrapassagem pode ser observada nas primeiras Faixas soltas na paisagem, guiando-se pelo encantatório. Ou ainda naquelas que se transformam em estandartes com mastro, como nas Bandeiras emblemáticas e nos Emblemas Nordeste. Nesses Emblemas, as bandeirolas oscilam tal como se fossem Faixas flutuantes no infinito. Mas, ainda que tendo mastro, este não se implanta no solo. O mastro mantém com a terra uma referência de justaposição, sugerindo mudança de lugar. E, do mesmo modo, as Arraias mostram autonomia com relação à linha de terra. Perdem-se no ar,

134

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


Totem emblemรกtico

135


seguindo invisíveis mãos que as empinam movimentando a linha. Elas percorrem infinito céu entre diferenciações cromáticas no campo aberto que as acolhe em variações do azul, do verde, do negro e do marrom, dentre outras cores. Por fim, ganham amplitude e outras direções nos conjuntos pictóricos denominados Cromutações e Bramante.

Cromutações No núcleo temático intitulado Cromutações reúnem-se pinturas realizadas a partir da década de 1980. Desdobrando tendência que vinha acompanhando o trabalho de César Romero, nas Cromutações emerge uma aura de efeitos que agregam fragmento e expansão do espaço pictórico. A esse mesmo núcleo das Cromutações pertencem, dentre outros trabalhos, os conjuntos pictóricos denominados Platibandas (1991-1996) e Enigmas (1991-2000). E um módulo especial de pinturas que se denominam Faixas emblemáticas (1985-2000), lembremos. Por meio das Platibandas emblemáticas, ele traz ao visitante a rua das casas do povo e o habitar interiorano. Criando diálogos cromáticos através dos Enigmas, o pintor inscreve no espaço a “escrita” do Candomblé. E nas curvas das Faixas emblemáticas, a partir da imagística da colcha de retalhos, César Romero reúne lugares transitivos entre o sagrado e o profano. As Cromutações realizamse através de interação de diversas obras atuando como “instalação pictórica”. Não mais relacionadas a paisagens ou a “objetos” e “saindo” dos limites da tela, as Faixas emblemáticas que se movem nas Cromutações constituem então ondulantes percursos que conduzem o olhar a uma errância por localizações que envolvem, em simultaneidade, exterior e interior, subida e descida, dentre várias outras diferenças que se integram a espaços em deslocamento rumo à diagonal. Nas Cromutações inscrevemse também as Molduras com platibandas, os Recortes emblemáticos e os Bichos, criando variações dentro desse núcleo temático. Integrando-se à série Cromutações, exposta no Rio de Janeiro163 em 2001, as Molduras com platibandas foram demarcadas por contorno de madeira conjugando pintura e ambiência. Os Recortes emblemáticos marcavam lugar por meio de uma peça com formato de Faixa ondulante de onde se desprendiam inúmeros retalhos de pano colorido que aderiam à parede, enquanto outros se espalhavam pelo chão. Não exibidos na referida mostra, mas integrando-se às Cromutações, os Bichos são pinturas que evocam dobraduras. E assim como os Recortes, eles surgem como “pintura objetual”, ou seja, uma pintura que se associa a um objeto sugerido visualmente, tratando-se de um modo de expressão intrínseco ao trabalho de certos artistas relacionados ao transrealismo desconstrutivista164.

163  Mostra realizada no Centro Cultural Correios. 164  Nesse caso incluem-se trabalhos de João Câmara na mostra Duas cidades, mencionada no primeiro capítulo deste ensaio, bem como vários trabalhos de Siron Franco.

136

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


Exposição Bramante, Museu Regional de Artes, Feira de Santana – Bahia, 2007

137


Observe-se nas Cromutações acentuada transformação dos espaços. As cores explodem no linho da tela. Os matizes deslizam revelando lugares ondulantes não vinculados à ordem neutra dos planos geométricos. As tintas lavram texturas. E estas lavram bordados de tinta inaugurando lugares de alcance visual e “tátil”. Na referida mostra realizada no Rio de Janeiro, no núcleo das Faixas emblemáticas, César Romero reuniu vários conjuntos compostos por cinco telas agrupadas por analogias cromáticas, criando entre si uma continuidade visual, numa ordem de pertinência do “fragmento” e do “todo” integrando-se como numa grande colcha de retalhos. Assim sendo, tal efeito não se deveu apenas à proximidade física das telas, mas, sobretudo, ao encontro das diferenças cromáticas. Observe-se que as telas do núcleo Cromutações podem se reunir de várias maneiras porque elas se relacionam umas às outras através do colorido e por meio das imagens-migrantes. Nada é parte. Nada é todo. Nada é figura. Nada é fundo. Em deslizante espaço de uma infinitude “tátil”, se fixarmos uma cor predominante dentro de um conjunto – amarelo, por exemplo –, percebemos que essa cor interage com outra dentro de um mesmo conjunto. Mas interage também com matizes localizados em conjuntos em que predomina cor diversa, produzindo mutações visuais. Trata-se assim de uma poética da cor instaurando ambiência cromática, tal como ocorre também em Bramante.

Bramante Realizando-se como memória e releitura das Faixas emblemáticas, Bramante segue o ideário da brasilidade na pintura de César Romero, ao se exaltar a cultura do povo como legítima expressão na contemporaneidade. Bramante é carnaval e oratório. Festa profana e festa sagrada. Bramante exalta a comemoração das origens étnicas e a afirmação de sua herança, ao se enfatizar a ambiência da Bahia nordestina como emblema de uma identidade regional marcante no mundo hodierno, tal como nos diz o pintor: “Manhãs, tardes, noites, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos, vivo buscando meu centro e a síntese entre o imaginário popular nordestino e a afrodescendência.”165 Reafirmando o idioleto do artista, Bramante é um diálogo de Faixas que, sugerindo uma quarta dimensão, se integram e se diferenciam incontidas em espaços tridimensionais, acentuando a dimensão temporal na pintura de César Romero. Nesse conjunto de trabalhos transparecem contrastes conduzidos por cores puras e intensos tons pastel assinalando-se como encontro das diferenças no domínio cromático. Tal como na reunião de oposições circunscritas ao núcleo denominado Cromutações, em Bramante as Faixas atingem a vertigem de um tecido que se ondula mais e mais,

165  ROMERO, César. Bramante. César Romero – 40 anos – Pinturas, 2006.

138

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


criando fluxos de curvas em intenso dobrar-se. Desdobrar-se. E redobrar-se. Em certas obras surgem direções verticais e horizontais, mas esses caminhos revelam súbita adesão à diagonal que as dinamiza entre lenta e acelerada abertura de espaços curvos e inclinados. Para intensificar tais efeitos, o pintor ampliou a dimensão de alguns quadros que, reunindo duas ou mais telas de formato grande, podem atingir seis metros de extensão. Em Bramante acentuam-se as texturas. Nessa explosão de meandros coloridos, em outros quadros os espaços adquirem convexidades que, insufladas pelo côncavo, criam misteriosos caminhos deslizantes em meio a percursos rumo ao chão e ao infinito. Observe-se que nessa dinâmica, ao se alongarem nas direções norte-sul ou leste-oeste, ou através de curvas abertas sugerindo percursos não repetidos, as Faixas de modo lento ou acelerado desviam-se dos eixos permanentes, quebrando qualquer indício de equilíbrio estático, bem como apontam desconstruções da geometria. Em ambos os casos, ou seja, desconstruindo eixos horizontais e verticais, bem como desconstruindo circularidades fechadas, nesse momento a pintura de César Romero leva o visitante à vertigem das dobras do tecido da colcha de retalhos166, por meio das cores das Faixas em desvio de qualquer ponto fixo relativo ao “observador”. Bramante é um jorro de curvas intensificando a dimensão temporal na pintura do artista. Com relação aos trabalhos anteriores, esse conjunto de pinturas revela mais dobras, através de uma explosão de espaços sinuosos. Do ponto de vista dos matizes, Bramante apresenta soluções não utilizadas antes, incluindo vibrantes tons pastel, bem como levando agora às texturas diluições do cinza, do marrom, do marinho, bordando as telas. Em Bramante, de modo sutil exacerbam-se aproximações entre finitude e infinitude. Bramante se faz grito de um carnaval carnavalizando o Nordeste. E litania do povo orando pela esperança de um tempo nascente. Jorro da vida a pulsar em ritmo de frevo e cantochão, em Bramante César Romero capta a Bahia dos contrastes, através de elaborada pincelada que destaca o áspero sobre o liso, como a destacar uma conhecida pedra no meio do caminho. Uma pedra que não se esfacelou ante a hegemonia de certos padrões disseminados pelo mundo globalizado. Na pintura do artista, o Nordeste se demarca como diferença no mundo hodierno, quando então a Bahia carnavaliza pedra e caminho, uma vez que o artista problematiza a ideologia da homogeneização cultural. Ou seja, quando sem maniqueísmo, o pintor inscreve sua arte no mundo contemporâneo. Reafirmando concepção espacial há muito anunciada em trabalhos anteriores em esquiva do absoluto, nesse núcleo temático acentua-se ainda mais o rompimento com a relação figura-fundo.

166  Consultem-se os capítulos 9 e 11, nos quais abordamos a temática da colcha e da dobra, respectivamente.

139




Tal como ocorre com as Cromutações, não estamos diante de um simples agrupamento de trabalhos, reafirmamos. O visitante se localiza dentro do espaço. E dentro das dobras e desdobramentos espaciais integra um universo relacional que desconstrói todas e quaisquer referências que determinavam espaços centrados na “obra” isolada. Criase assim uma relação espacial que abrange a ambiência da mostra. E numa dinâmica intrínseca à série Bramante, as cores revelam “tensões” entre áreas diversificadas por maior ou menor luminosidade, ante as oposições afetas às cores puras, que entre si interagem e que também interagem com os tons pastel dando nuances à ambiência cromática. Trata-se da instauração de espaços relacionais e interativos. Desse modo, o visitante se sente dentro do espaço, convidado que é a envolver-se de corpo inteiro no universo das cores. Não se trata de telas a serem contempladas. Mas de lugares a serem percorridos. Lugares envolventes. E a eles o corpo se integra como parte dessa ambiência sensorial. Encarnando momentos diversos que se expressam, cada um deles, através do colorido, a pintura de César Romero adquire dimensão temporal, tema esse que mereceu destaque neste ensaio. Acentuando a temporalidade intrínseca a Bramante, as imagens-migrantes167, conjunto de figuras estampadas nas Faixas e em outros motivos, surgem ampliadas e acrescidas de símbolos como o floral. Acelerando a vertigem dos espaços, tais imagens se deslocam entre movimentos lentos e rápidos de acordo com as direções das Faixas.

Urdiduras Em seus desenhos César Romero borda urdiduras da cor. A cor atua tal se fosse linha, agulha, bastidor, ponto, nó. Ou tal se fosse bilro, laçada, trespassando cheios e vazios. Tecido ou entremeio, o papel se torna campo lavrado. Além de canetas, lápis grafite, lápis de cor aquarelável e tinta para desenho, para desenhar sobre papel, César Romero utilizou também materiais comuns à pintura. Utiliza acrílica e pincel. E pintou parte do papel para realizar intervenções lineares. No universo artístico contemporâneo não há divisão rígida quanto às várias possibilidades plásticas e expressivas. Hoje, no campo das artes, mais que em qualquer outra época, quando procuramos generalidades, surgem diferenças negadoras dos conceitos e categorias. Lápis? Pincel? Bidimensional? Tridimensional? Não é isso que marca a diferença entre pintura e desenho. Sem constituir teoria, digamos que o desenho se caracteriza por linearidade marcando uma superfície. Essa linearidade pode ganhar expansões e sentidos, abarcando direções diversas. Em certos casos, a expansão preenche lugares por meio de traços contíguos, sugerindo áreas chapadas. E os traços podem deslizar sobre manchas aquareladas ou sobre áreas pintadas, sensibilizando o papel através do colorido.

167  Consulte-se o capítulo 10 deste ensaio.

142

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


Desfiando linhas, entremeando linhas, de um bordado cromático, César Romero mantém liames entre os vários desenhos reunidos numa urdidura. Eles se reúnem num desenho maior, não finalizado, porque tais liames alcançam múltiplos sentidos que ultrapassam os limites das pranchas. O alvo campo de papel animiza-se. Em suas fibras entranham-se fios de cores, lavrando delicados caules, que delineiam, expandem e interceptam traços, desvelando variações tonais do prisma solar. César desenha com luzes. Ele transforma a matéria em luz colorida. E a luz se irradia. E ilumina a terra natal. Das cores fortes às nuances sutis, linhas coloridas abrem caminhos. Em percurso, indo de um desenho a outro, as hastes encurvam-se entre movimentos, ora mais vibrantes ora mais sutis, a inaugurar lugares fechados e abertos aos entremeios de crivos e lianas. Do fechamento à abertura, e vice-versa, emergem cores. A luz surge florindo. A cor germina. Entre caules e sementes, delineia-se incontida floração: Flores luminosas, onde nascem vossos caules? Clarões de renda, onde germinareis vossas sementes? Assim como nas outras artes praticadas por César, seus desenhos revelam essencial fonte-matriz. Revisitando o Nordeste interiorano, César reinicia leitura erudita da arte do povo. Aqui, a expressão “arte do povo” ratifica ideias de Mário Pedrosa e Mirko Lauer. Para ambos, a denominação “artesanato” se deve exclusivamente a preconceitos e imposições do mercado. Do ponto de vista estético, os referidos autores não estabelecem tal divisão. Festejando uma das nossas identidades regionais, a arte de César Romero entrelaça à urbe a bandeira do agreste. Seus desenhos rememoram bordados, rendas e panos tecidos pelo povo nordestino. Bordados cheios e vazados. Rendas de bilro. Rendas de agulha. Rendas de bico. O aglutinado do fuxico mesclando diferentes florinhas de tecido. Pouco conhecidas fora do Nordeste, muitas dessas peças constituem parte do acervo particular e afetivo reunido por César, que as registra também por meio da fotografia. Para que se tenha ideia da pesquisa e do memorial que se associam à arte de César Romero, citemos em sua coleção peças da tradicional renda irlandesa, rendeada em Divina Pastora, Sergipe, que, por suas dezenas de pontos variados, tornou-se Patrimônio Cultural da Humanidade. Na arte do povo revivida na arte de César, recriam-se peças diversas. Panos de mesa e de copa, toalhas e outros bordados, urdindo imaginários lugares da casa. Lençóis, colchas, redes, roupas, urdindo lugares desejados pelo corpo. Ao seu modo, através das peculiaridades geográficas regionais transformadas por registros oníricos, o povo borda, costura e tece e reinventa o mito das Parcas. No imemorial da fonte nascente, César reinicia a tessitura da vida. Nestes desenhos o papel não se reduz a mero suporte. Cumprindo desígnios da poesia, o papel transforma-se em campo lavrado de flores à metamorfose da matéria urdindo cores. Luzes. E vazados.

143


144

O R oteiro P ict Ăł rico de C ĂŠ sar R omero



O mesmo ocorre nos desenhos em Urdiduras. Entre diferenciações temáticas e expressivas, o roteiro pictórico de César Romero não se caracteriza por fases. Ele abrange e entrelaça motivos relacionados através das cores. Assim como nas Cromutações, em Bramante o artista reúne pintura e visitante numa espacialidade do habitar. O mesmo ocorre nos espaços desenhados em Urdiduras. No trabalho do pintor, o Nordeste se faz espaço do habitar. O Nordeste se revela matéria da pintura e do desenho. Festa do povo. Festa pictórica. E o colorido e a poesia conclamam sua fala: “Foi bom saber-se que o Sertão / não só fala a língua do não.”168 A terra renasce das cores. Na pintura e no desenho de César Romero, ato e quimera se completam realizando o mundo através de uma poética da cor, aderindo aos sentidos múltiplos da reunião de diferenças do sertão e da urbe. Nessa reunião confraternizam-se o sagrado e o profano. E as demais instâncias da cultura popular e da cultura erudita.

Renda Irlandesa, patrimônio imaterial brasileiro

Fuxico – Artesanato Popular

168  MELO NETO, João Cabral de. A escola das facas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. p. 14.

146

O R oteiro P ict ó rico de C é sar R omero


147


148

A C arnavali z a ç ã o do S agrado e do P rofano


A Carnavalização do Sagrado e do Profano “Venhas, por onde quer que venhas, seguindo o mugir dos bois, encontrarás o Nordeste - inda Nordeste.”169

Candomblé e Festas de Largo Para a apreensão das singularidades intrínsecas à arte de César Romero, consideramos de grande relevância referências mais amplas a duas festas mencionadas pelo artista: as Festas de Largo e o Carnaval. Conduzindo-se de modo marcante como comemorações cíclicas, ambas ganham singularidades em terras da Bahia. Mencionadas de modo enfático por César Romero, as Festas de Largo dizem respeito diretamente à reunião do sagrado e do profano, tematizando-se e traduzindo-se no colorido ao curso do trabalho do artista. E o Carnaval se atém à pintura de César Romero como festejo profano no que concerne diretamente à tradução do riso através das tensões e diferenças que se explicitam nas telas igualmente por meio das cores. O Carnaval é a festa que de modo explícito assume os traços da carnavalização. Considerando-se o impacto dos referidos festejos no trabalho do pintor, devem ser lembrados mais uma vez os legados que se imbricam e confluem na formação e na transformação da cultura popular, determinandose como um grande painel representativo de mesclas culturais que se traduzem na cultura do Nordeste. Utilizamos aqui o termo tradução em sentido mais amplo, visto ser ele uma categoria definida cientificamente. A tradução refere-se à formação de identidades assumidas por pessoas “que foram dispersadas para sempre de sua terra natal”170, guardando vínculos quanto à sua identidade originária. Em sentido estrito, situa-se nesse caso o povo africano, aqui convivendo com culturas diversas, o que se faz importante notar pela importância de sua participação nos ofícios artísticos, imprimindo-lhes caráter singular, com desdobramentos que se inserem na produção artística. Tal herança aponta para a formação de uma cultura popular de cunho regional, dentre outras contribuições afetas

169  ALVES, Audálio. Canto por enquanto. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. p. 90. 170  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 88.

149


150

A C arnavali z a ç ã o do S agrado e do P rofano


Festa da Conceição da Praia, Salvador / Bahia, 1982

151


às grandes cidades. Observe-se quanto a isso que, no plano das artes, um legado não atua somente nos aspectos formais restritos à arte ou a outra instância cultural. A par da herança deixada pelos europeus, outras influências marcaram assimilação de ideias, conceitos e símbolos, atuando no plano sensível, determinando comportamentos e assinalando identidades. Desse modo, mais uma vez lembremos a grande importância das festas sagradas e profanas em terras da Bahia, inserindo-se na ambiência das camadas eruditas. Nesse lugar pródigo de hibridações culturais, César Romero recorre à memória infantil e ao “imemorial” cromático, isto é, tece a cor no sentido de experiência primeva. Recorrendo às tensões entre diferentes cores, ele visita o longínquo que se inscreve na cultura do povo na esfera do sagrado. E nessa visitação o pintor referenda a cultura afro-brasileira com seus cultos religiosos que surgem em seu trabalho, por meio de leitura cromática, dando grande destaque ao Candomblé com suas sagas e mitos que religam lugares dos céus e do chão através de cultos e ritmos. Com olhar atento a singularidades da cultura regional, observe-se: “A rica iconografia do artista é feita de memória infantil, sólida pesquisa das formas populares e amplo repertório de símbolos afro-brasileiros.”171 Compondo essa lembrança, note-se que aos orixás se atribuem simbolismos no campo das cores, abrangendo vestes, adornos e objetos sagrados. Latentes na memória do pintor, a imagística e o encantatório da cultura afro-brasileira se inserem em sua arte. Mas essa inserção não se reduz à coincidência formal ou cromática. Em sua arte não há representação. Há uma interpretação das raízes e da ambiência. E instauração de uma ontologia que torna sua pintura autônoma com relação ao registro documental. E a interpretação realizada por Romero vivifica a representatividade desse legado nas várias instâncias culturais. Palavras. Comidas. Santo. Terreiro. O despacho na esquina. As cores dos Orixás. E esse legado é múltiplo. E marcante em terras da Bahia. Se no trabalho de César Romero a referência ao popular é abrangente da cultura nordestina como um todo, ele realiza sua arte com especial ênfase nas singularidades da Bahia, com suas paisagens, suas casas interioranas e seus objetos de uso e de arte que se encontram em seu roteiro pictórico, definindo-se como festa do povo. Conforme o mencionado, do ponto de vista religioso, César Romero dá grande ênfase às Festas de Largo que incorporam, dentre outros aspectos, vários traços da cultura afro-brasileira. Guardando perfil católico com referência à realização de atos litúrgicos, tais festas têm lugar nas praças ou largos próximos à igreja. Advém dessa localização o nome Festas de Largo. Sobre essas comemorações, aqui registramos depoimento do artista:

171  KLINTOWITZ, Jacob. Op. cit., p. 84.

152

A C arnavali z a ç ã o do S agrado e do P rofano


153


As Festas de Largo são acontecimentos que seguem um calendário oficial na Bahia, de dezembro a março, terminando com o carnaval e com a Festa de Arembepe. As Festas de Largo, como o nome diz, são festas realizadas num largo, ou numa praça, onde se tem uma igreja. O santo padroeiro da igreja é festejado com novenas, rezas, procissões. Cada festa tem sua duração que pode ser de um dia ou até de quase quinze dias. Todas as noites, após os atos litúrgicos, os fiéis vão para o largo beber, dançar e comer. Aí tem a parte “profana” da Festa de Largo: o povo jogando capoeira, dançando, bebendo cerveja, batidas de frutas, comendo acarajé, vatapá, abará, caruru, frutas da época e outras iguarias. O povo dançando ao som dos atabaques e cantadores, ou das músicas de “radiola” e das barracas, ou mesmo dos autofalantes dos parques de diversões. Em todas estas festas estão os barraqueiros vendendo comidas típicas da Bahia.

As Festas de Largo mostram a alma do povo baiano e nordestino. Elas são acontecimentos que seguem um calendário oficial na Bahia. Durante os festejos em cada bairro, com seu santo padroeiro e sua igreja, se armam as barracas de festa. São barracas feitas de estacas compridas de madeira, cobertas de lona de caminhão, e dentro uma espécie de casinha primitiva de madeira, onde é a sede. Alguns barraqueiros não usam a lona externa, apenas a casinha, que é também a barraca. Nessa barraca, há prateleiras de bebidas as mais diversas, comidas e sua música. Cada barraqueiro tem suas mesas e seus tamboretes ou banquinhos, que são marcados para identificar seu proprietário e a barraca com desenhos, pinturas e cores muito pessoais. Geralmente pinturas geométricas, cores primárias com pequenas variações. Aí temos uma arte popular que vem da necessidade de identificar, marcar a propriedade de alguém. As Festas de Largo varam madrugadas e pela manhã os barraqueiros empilham os tamboretes ou bancos e também as mesas, formando uma espécie de muro ou muralha em torno da barraca, para fechá-la quando vão repousar ou dormir. Nessa junção de módulos (bancos e mesa) temos uma “parede” formando um construtivismo popular, um jogo de armar, que visualmente me interessou e é tema para o meu trabalho fotográfico. Essas festas começam em dezembro. Alguns consideram a Festa de Santa Bárbara a primeira, ocorrendo no Mercado de Santa Bárbara, com um grande caruru com mais de cinco mil quiabos. Mas na realidade a primeira Festa de Largo é da Conceição da Praia, em louvor a Nossa Senhora da Conceição da Praia, tendo seu ponto alto no dia oito de dezembro. Seguem-se muitas outras, como a Festa de Santa Luzia, no Pilar, tendo sua data maior no treze de dezembro. Importante também a Festa da Boa Viagem, que tem início a 26 de dezembro, e tem seu ponto alto na passagem do dia 31 para o dia 1º de janeiro. Na passagem para o Ano-Novo realiza-se a procissão do Bom Jesus dos Navegantes. E a seguir vem a Festa dos Reis Magos ou da Lapinha, como é mais conhecida, no dia 5 de janeiro.

Com grande destaque vem a Festa do Bonfim em louvor ao Senhor do Bonfim, na segunda quinta-feira da primeira quinzena de janeiro, que é o principal dia do festejo, com a lavagem das escadarias da Igreja do Bonfim, localizada na Colina Sagrada. Centenas de fiéis assistem as baianas lavarem as escadarias, perfumando com água de cheiro o ambiente. Muito movimentada também é a Festa da Segunda-feira Gorda da Ribeira, no Largo da Ribeira, sempre numa segunda-feira. Mas a data varia. No dia dois de fevereiro é muito concorrida a Festa de Iemanjá, chamada Presente de Iemanjá e comemorada no dia 2 de fevereiro, no Bairro do Rio Vermelho. Destaca-se também a Lavagem de Itapoã na Festa de Itapoã, em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, também com data variável. Há ainda a Festa da Pituba em homenagem a Nossa Senhora da Luz. Depois temos o carnaval da Pituba em homenagem a Nossa Senhora da Luz. Depois temos o

154

A C arnavali z a ç ã o do S agrado e do P rofano


155


carnaval e, em seguida, a Festa do Arembepe.172

Por ocasião das Festas de Largo imbricam-se motivos religiosos e profanos, repetimos. Trata-se de festas afetas à carnavalização por seu perfil público e popular. Do mesmo modo, o trabalho de César Romero congrega múltiplas identidades, realizando a carnavalização do universo nordestino. Lembremos que, por princípio, na Idade Média a carnavalização expressava um modo de conceber o mundo através da inversão da ordem na instância da festa popular realizada em lugares públicos envolvendo aspectos de comicidade. Na cultura popular nordestina esse caráter público da festa tangenciando o satírico determina-se hoje em circunstâncias diversas. A comicidade insurge-se de modo explícito em inúmeras expressões culturais. E, por outro lado, a comicidade em seus vários aspectos pode revelar-se de modo metafórico, alegórico ou simbólico, ao assumir o riso através do cromatismo, tal como foi mencionado173. Porém, sob o ângulo do colorido e do encontro de diferenças, o Carnaval é no Brasil um festejo popular que congrega grande variedade de traços da carnavalização, independente da sua produção oficial nos grandes centros urbanos.

Carnavalização e Carnaval Nos períodos enfatizados por Bakhtin, sobretudo na Idade Média, a carnavalização incluía instâncias da linguagem verbal e encenações dramatúrgicas, bem como as festividades aqui mencionadas, observando-se que a linguagem da carnavalização foi utilizada a partir da Idade Média por diversos autores e artistas e integrou-se a outras áreas culturais. Dando primazia ao estudo da literatura, Bakhtin não se deteve na análise das artes plásticas. Mas suas referências sugerem muitos caminhos a serem trilhados, dos pontos de vista pictórico, escultórico e também arquitetônico, dentre outros. Desse modo, reconhecendo similitudes relativas à carnavalização na cultura popular do Nordeste inscrita no trabalho artístico de César Romero, devem ser consideradas as similitudes e as transformações relativas à carnavalização através dos tempos, visto que uma mesma categoria pode ser englobada pelo pensamento em diferentes períodos históricos, mobilizando mudanças conteudísticas174. Como exemplo, o espaço e o tempo são categorias que, filosófica e cientificamente, ganham conteúdos específicos, que se diversificam no campo das diferentes disciplinas, bem como na instância das diferentes culturas. No campo da carnavalização, o espaço e o tempo ganham perfil próprio.

172  ROMERO, César; CARVALHO, Mirian de. Entrevista. Op. cit. 173  Consulte-se em especial o capítulo 4. 174  Cf. CASSIRER, Ernst. Op. cit.

156

A C arnavali z a ç ã o do S agrado e do P rofano


157


Trata-se então de identificar os traços da carnavalização hoje, considerando-se que no rol dos festejos profanos o Carnaval tornou-se muito relevante, chegando aos dias atuais como festa oficial característica de grandes centros urbanos. No Carnaval brasileiro houve no século XX inúmeras transformações, sobretudo a partir dos anos 1960. A partir desse período inscreveram-se no Carnaval aspectos inusitados. E, como não poderia deixar de ocorrer, transformaram-se de modo acentuado muitos dos traços vigentes na carnavalização medieval, o que põe em relevo a importância de uma reflexão sobre as características que se preservaram nos dias atuais. Com relação aos festejos da Idade Média, no Carnaval das grandes cidades permanecem sua ocorrência cíclica, o caráter de festa popular e pública, a presença do humor, do riso e do colorido e o clima de liberdade e igualdade marcando uma “diferença de princípio”175, ou seja, criando um universo de acontecimentos diversos daqueles que regem as atividades e as hierarquias vigentes na vida urbana e no trabalho. Porém, observe-se que, em se tornando festa oficial organizada numa parceria entre empresas e prefeituras, o Carnaval perdeu sob certos aspectos o clima de inteira liberdade e igualdade e assumiu uma postura que satiriza o outro. No Carnaval oficial o riso corresponde a um olhar do qual em certo sentido o sujeito se exclui, assumindo traços de uma sátira que se volta para os aspectos risíveis na figura do outro. Observe-se que, do mesmo modo, a partir da cultura moderna, “o autor satírico se coloca fora do objeto aludido e opõe-se a ele”176. Enquanto de modo diverso, repercutindo a carnavalização que se definiu no Medievo, nas expressões do povo o riso encarna um renascer e uma renovação diante da morte, tratando-se de um riso que “escarnece dos próprios burladores”177. Nesse sentido, até mesmo no festejo oficial insurgem-se um espaço e um tempo paralelos a eventos que seguem a ordem da cidade. Mas em certa medida tal paralelismo corresponde àquele que criava um mundo à parte da igreja e do Estado através dos festejos cômicos medievais e renascentistas, integrando o riso. Numa proximidade com a carnavalização medieval, na cultura popular do Nordeste as referências mais despojadas a esse riso anunciador circunscrevem-se ao Carnaval de rua, encarnando de modo mais amplo a irreverência e a alegria. Esse riso igualmente se aproxima daquele que revela comicidade intrínseca a alguns outros festejos e folguedos que encarnam um riso coletivo. Sob esse aspecto torna-se possível tecer uma analogia entre a carnavalização medieval e a hodierna, uma vez que nesse caso, ou seja, na carnavalização subsumindo o Carnaval hoje, bem como subsumindo outros eventos, ocorre uma adesão de todos

175  Cf. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 4. 176  Ibidem, p. 11. 177  Ibidem, p. 10.

158

A C arnavali z a ç ã o do S agrado e do P rofano


que queiram participar do riso coletivo. Trata-se de um riso que emana de dentro do festejo, contagiando a coletividade, sendo assim mais próximo ao riso da carnavalização no Medievo e no Renascimento. Sob esse ângulo, a sátira concernente ao riso como patrimônio do povo, tal como ocorria em outros tempos178, permanece hoje no Carnaval de rua em suas manifestações da alegria de mascar-se, fantasiar-se e divertir-se em festividades não afetas ao festejo oficial, visto que na ordem do Carnaval oficial surgiram os “espetáculos de palco”. Realizados ao vivo, tais eventos são também “espetáculos virtuais” por serem eles concomitantemente uma versão parcelar dos primeiros em sua visualização a distância, através do vídeo. Nesses espetáculos incluem-se algumas versões do trio elétrico com apresentação de shows de artistas consagrados pelas grandes mídias, bem como em certo sentido os desfiles das escolas de samba. Quanto a estas, observem-se em tempos atuais as transformações e figurações que lhes foram incorporadas pela indústria cultural, com forte participação das camadas eruditas, sobretudo nos desfiles das escolas de samba. Como exemplos dessas incursões do erudito na cultura popular, podem ser mencionados, dentre outros aspectos, a coreografia desenvolvida pela comissão de frente e por certas alas, os figurinos, as alegorias e os papéis atribuídos aos destaques. Trata-se de mudanças devidas à formação erudita de grande parte dos carnavalescos. A par desse dado atuam no Carnaval muitas mudanças que, em inúmeros outros aspectos, se devem às metas da indústria cultural, mas tal questão não será aqui analisada. Neste capítulo nosso enfoque se volta para outro tema: os resquícios da carnavalização no Carnaval em seus aspectos concernentes à visão popular, visto que é este o tecido carnavalesco que envolve as telas de César Romero, através de junção do popular e do erudito. Observe-se que no Carnaval houve mudança. “Mas a festa continua”179, como diz a letra do samba. Trata-se de uma fala que, mesmo transformado o Carnaval, se marca sobremaneira pela presença da cultura popular. Ainda que o festejo seja coordenado oficialmente, ainda que cronometrada a ordem de apresentação dos desfiles e determinados os ângulos na transmissão televisiva, a festa move-se e flui na ordem de um espaço carnavalizado. Imaginativo e aberto, ao ser perscrutado em seus aspectos sensível e ideativo esse espaço desmascara ideologias, tal como se percebe na letra do samba de Chico Buarque de Hollanda, que, não pertencendo às camadas populares, a ela se filia através do poético. Referindo-se à ordem dos lugares na estratificação social, nos versos do autor podemos ler: “Hoje eu vou sambar na pista, / você vai de galeria.”180 Chico Buarque alude poeticamente à

178  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 11. 179  HOLLANDA, Chico Buarque de. “Quem te viu, quem te vê”. Gospel: 2007. 180  Idem.

159


demarcação e à representação do lugar destinado a indivíduos das diversas camadas sociais. Entre interdições veladas ou explícitas, delineiam-se distâncias afetas ao pertencimento espacial nos festejos do Carnaval hodierno. Recortado em regiões dentro da extensão da urbe, nesse espaço vincam-se distâncias geográficas e simbólicas. Circunscrito a ideologias e tal como Chico Buarque de modo sutil o percebeu, esse pertencimento espacial indica o lugar de cada um. Indica não um lugar. Mas o lugar, tal fosse ele espécie de perfil delineando a camada social a que pertence o folião que assiste ao espetáculo. Porque é diferente a visão do camarote, a da galeria e a do observador que assiste lá de cima do viaduto. Na pista há também hierarquias espaciais, ainda que sambando no pé todos se encontrem. E terminado o desfile, muitos se separem. Nessa hierarquia, os sentimentos se relacionam também ao lugar relativo ao papel social de cada um. Nessa festa, a passista que se vestia de princesa não quis tirar a fantasia. E ascendeu a outro lugar na estratificação social. Nesses espaços referidos por Chico Buarque, a “personagem” do samba mudou de lugar no desfile. Ao deixar a pista de dança, mudou de lugar na festa. Mas ao mudar de lugar, mudou de amor. E agora assiste ao desfile com seu novo amor. Mas ela está nessa festa. Eis uma contradição intrínseca ao Carnaval hodierno. Assistir. E participar. Assumir o riso extrínseco e intrínseco ao festejo. Nos espaços do Carnaval há hierarquias e demarcações. E a festa prossegue. Eis aí a potencialidade da carnavalização. Não haverá então um certo momento? Um lapso de tempo? Um certo espaço de alegria intrínseca a esse espetáculo? Memória que seja? Observe-se então que, no espaço da festa, o samba, a dança, a temática, as cores e a irreverência marcam a presença da cultura popular com ênfase na ordem da história não oficial, atribuindo papéis não usuais a personagens da história oficial. E vice-versa. Nessa outra ordem, mostra-se a transitividade do popular ao erudito, e deste ao popular, indicando fato decisivo: terminado o festejo tudo deve voltar à ordem no ambiente urbano. A arte produzida no Carnaval é perecível. Com exceção dos sambas que são gravados, tudo acaba. Tudo volta à ordem. Mas há uma questão importante: no centro ideativo da festa vige o enredo do povo. O Carnaval tem cunho popular circunscrito ao movimento e ao colorido. As cores vivas referendam o riso do povo que se faz presente nos três dias e no tempo de duração do desfile. E além dessa duração. No festejo oficial, a comemoração dura só três dias. Mas para alguns dura quase o ano todo, ou vários meses para outros, como preparação para o espaço e o tempo oníricos regidos pela esperança de retorno, como ocorre no mito. Existem assim, do ponto de vista da carnavalização, um espaço e um tempo regidos pelo desejo de comemoração festiva. Nesse sentido, o Carnaval dura meses. Inicia-se no momento do preparo da festa. Inicia-se nas cores. Inicia-se na vida. Inicia-se quando a vida se assume movimento. Esperança. E continuidade. E projeto de inversão da ordem pelo festejo, acolhendo e expandindo o riso. Descobri-lo em seu

160

A C arnavali z a ç ã o do S agrado e do P rofano


161


potencial maior. Quem sabe um dia? E nesse potencial incluem-se o legendário e a prática do afoxé e do maracatu181, dentre outras manifestações como o Carnaval Ijexá182, ritmando a África em terras baianas. E lembremos aqui a importância desses carnavais africanos na Bahia, expressando-se através de festejos com seus blocos, música e dança que consagram as raízes culturais em práticas não restritas ao Candomblé183. Integrando ritmo e dança como movimento de reafricanização numa dinâmica afeita a constantes transformações, esses carnavais atuam sobre inúmeros campos da cultura. Nessas comemorações há um sentido de reconhecimento e tradução de uma identidade originária e atuante em tempos hodiernos, numa abrangência que alcança os planos ideativo e comportamental, com ramificações que passam por vários campos, inclusive o da moda, do ponto de vista estético e estilístico. Reunindo diferenças, do mesmo modo que elas se aglutinam e se colorem numa colcha de retalhos, a arte de César Romero exalta o Nordeste através das diversidades cromáticas. E assim como nos festejos medievais em que o povo vivia com intensidade a festa e dela participava de corpo e pensamento, do mesmo modo na pintura de Romero o visitante habita esse cromatismo vibrante e intenso que se faz espelho do riso e do rosto de quem se olha nas cores. Nessa ambiência, o visitante vive a fábula da cor. Vive espaços pictóricos misturando e justapondo retalhos das cores dessa colcha de tintas, ondulando bandeiras e emblemas.

181  Cf. RISÉRIO, Antonio. Carnaval Ijexá. Salvador: Corrupio, 1981. 182  Idem. 183  Idem.

162

A C arnavali z a ç ã o do S agrado e do P rofano


163



A Colcha de Retalhos e os Sinais do Povo “Misturando esses tecidos e estampas, enfeitando minha cama descansa esta colcha de retalhos compondo minha vida entre a costura e a bainha.”184

Da Cultura Popular à Arte de César Romero No universo da pintura de César Romero as cores circunscrevem o Nordeste do povo. Um Nordeste já desde antes por si mesmo carnavalizado. As cores fundam um lugar pictórico. O lugar da terra natal. Através da pintura o artista realiza a Bahia dos matizes. Mas o pintor desconstrói o mundo objetivo para recriá-lo nas telas. E em sentido amplo, lembremos, a pintura desconstrói os campos da percepção e da objetividade. Os seres nascidos das cores ganham vida sensorial independente do mundo tridimensional. Realizando no plano dos sentidos o universo onírico, o artista propicia uma ontogênese. Porque ativada pela imaginação e pelo pincel, a cor se reproduz. Nesse processo o pintor trabalha sua matéria, ou seja, a cor185, dando vida à realidade pictórica que adquire existência própria. Ultrapassando a realidade imediata e as impressões de cunho subjetivo, a pintura funda espaços e tempos. Expõe sentidos pertinentes ao outro. E torna-se força propulsora de mudança na própria realidade percebida. Nesse processo, a visitação ao real pode ocorrer por meio de inversão da ordem do mundo. Nos registros pictóricos, a partir da matéria imaginada e transformada, nasce um universo sensorial e pulsante. A cor torna-se matriz. Em tons baixos ou fortes, a pintura instaura espaços. Tendo origem no universo regional, a cor plasma motivos que se enraízam nas telas, abrindo caminhos ao olhar do visitante. A cor nasce viva para enfatizar os sinais do povo. Valorizando essa meta do artista, seguimos seu roteiro pictórico sob vários enfoques. Dos motivos ao tema. Do espaço ao tempo. Do popular ao erudito. Mas enfatizamos no trabalho do artista a poética da cor animizando a ambiência

184  Estrofe de poema inédito da autora. 185  Cf. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 26.

165


Colcha de Retalhos

e os seres habitantes dos lugares cromáticos. Seguindo a meta do artista, rastreamos em seu roteiro pictórico essa gleba de seres cromáticos que habitam as impressões sensoriais e a imaginação. Nos Casarios, imaginamos o transeunte percorrendo o caminho das cores entre a casa e a igreja. Junto às voantes Arraias, realizamos o desejo de ver a criança movendo o carretel. E dando linha ao vento e ao brinquedo de papel colorido. Nesses sinais do povo que conduzem as telas de Romero, matizam-se lugares vividos no cotidiano. De dia, a colcha adornando a casa. E de noite o morador enrolando-se na colcha para abrigar o sono. Em sendo parte da casa, a colcha conhece do morador os sentimentos de dor e piedade. Sua identidade de fala e valores. Coisas cotidianas e amorosas. Sentimentos de esperança dando cores ao mundo que se espraia sobre o linho da tela, como quem viaja à profundidade das cores e malhas do “pano” de uma colcha de tintas. E aqui, remarque-se, a ambiência salta para as tintas. Salta das colchas de retalhos para as telas. A arte popular migra para os espaços coloridos, ressaltando-se que a pintura de César Romero se enraíza fundamentalmente na carnavalização da colcha de retalhos, festejando as cores nesse mosaico de pano e diversidades. Trata-se de uma festa que nasce da matéria da pintura. De uma festa que nasce das cores. Que nasce junto com o colorido. E na cultura popular e no trabalho do artista a colcha de

166

A C olcha de R etalhos e os S inais do P ovo


167


168

A C olcha de R etalhos e os S inais do P ovo


Exposição Bramante, MuBe (Museu Brasileiro da Escultura), cenografia Daniele Klintowitz. São Paulo / São Paulo, 2007

169


retalhos encarna sua condição primordial de objeto carnavalizado. Percorrendo as telas de César Romero, o mundo da casa tangencia espaços da colcha de retalhos, que é objeto de adorno na moradia e tecido de proteção do corpo, lembremos. Insurgindose como motivo originário ao longo do roteiro pictórico do artista, a colcha distende-se em percurso nascente e variado, assim como por meio do colorido o povo mobiliza os arquétipos da vida, festejando o mundo e a ambiência. Agregando elos culturais, na pintura do artista a Bahia simboliza-se na colcha de retalhos como fulcro de identidades diversas. Painel sem figura-fundo, esse motivo ressurge várias vezes no roteiro pictórico de César Romero. Transformando-se nas telas entre variantes plásticas, a colcha circunscreve outras imagens que se enraizaram desde então nos primeiros trabalhos do pintor. Objeto e referência arquetípica, a colcha de retalhos se faz “lugar” de emergência da carnavalização na cultura popular, “bandeira” do Nordeste traduzindo-se na pintura de César Romero e insurgindo-se com especial ênfase nas Faixas emblemáticas. Por isso, neste ensaio, a colcha de retalhos foi perscrutada como lugar de abrigo. Lugar de comemoração. Lugar híbrido, composto por mesclas e funções diferenciadas, ao deitar-se ela sobre a cama ou distender-se ao longo da mesa das casas populares, articulando padrões diversos. E de modo enfático, em vários depoimentos, o artista refere-se à presença da colcha de retalhos em seu trabalho, relacionando-a à brasilidade que se faz meta em seu projeto estético: Em 78, eu comecei a ver essa coisa da brasilidade, a partir da colcha de retalhos, que é uma coisa muito comum no interior da Bahia e nos Estados nordestinos em geral – uma questão de necessidade – unir os pedaços de tecidos que sobravam, criando uma peça grande que serve para aquecer nas noites de frio e, de dia, para enfeitar a cama, a mesa.186

Ainda que César Romero localize o ano de 1978 como época da inserção da colcha de retalhos em seu roteiro pictórico, percebemos que em múltiplas versões ela aparece em vários outros momentos de sua produção artística. Objeto onírico na arte popular e objeto real no uso diário, a partir da tessitura da colcha o artista imaginou e realizou diálogos nessa cumplicidade das cores e texturas, para tecer sua colcha pictórica. Na entredoação das cores, a colcha desvela-se ondulante dorso de Oxumaré. Matriz cromática na pintura de Romero, a colcha desvela-se nas coisas habitantes do ar. Arraias. Bandeiras. Faixas. A colcha e a tela conversam na arte de César Romero. Voantes como as colchas, pipas, bandeiras e Faixas, revivem astros diurnos, colorindo a heráldica do Nordeste baiano. À dinâmica do vento e das cores, a colcha se move com prevalência das direções ascendentes. Ela se desloca nas telas dentro e fora

186  ROMERO, César. Jamais vou deixar de ser pintor (entrevista). Op. cit., p. 11-12.

170

A C olcha de R etalhos e os S inais do P ovo


171


das Faixas emblemáticas, em ondulações transversais. Distancia-se, ultrapassando o suporte. Torna-se emblema ascensional, reportando-se às permutações das cores nas Faixas e nos desdobramentos afetos a outros motivos: “Da colcha de retalhos e seu vocabulário (os sinais do povo, que chamo de faixas emblemáticas) aos enigmas através de permutações, aprofundo e discuto a pintura.”187 Por meio da justaposição das cores reunidas tal como se fossem pedaços de tecido de tinta sobre a tela, César Romero realiza uma visitação à colcha de retalhos que se diversifica a cada núcleo temático, repetimos. Nos Casarios, ela se reflete no cromatismo, na justaposição das cores, e é intuída na intimidade da casa. Nas Imagens, ela emerge em espécie de azulejos de linho, em que se estampam santos barrocos. Emanados da colcha, retalhos de pano transformaram-se em pedaços de papel nos recortes de cor e luz subindo com as Arraias. Revivendo pequeninas colchas voantes, as Arraias rememoram agregados cromáticos em pequenas colchas de “papel de seda”, ondulando a rabiola de tirinhas cruzadas. Relacionadas ao movimento ascensional das Faixas, as Arraias transformam-se em astros no infinito cósmico das cores do dia e do brinquedo. E compondo outro núcleo temático, a colcha se remete aos recortes de pano que compõem os Selos comemorativos, timbrando espaços no linho da telas.

A Colcha de Retalhos e a Linguagem da Carnavalização A colcha de retalhos é por excelência fulcro da linguagem da carnavalização que se expande na arte de César Romero. Metamorfoseando os pedaços de pano da colcha, sua pintura hasteia motivos do Nordeste. Hasteia colchas e bandeiras. E lembremos que o onirismo dá aos objetos dimensão de grandeza afetiva. Então a colcha transformada em emblema move-se em suas várias formas que no ar encarnam pedaços do Universo. Pedaços de cor. Podemos então compreender muito mais sobre os processos da pintura ao surpreendermos a ação lúdica da cor e do pincel transcendendo a objetividade. Com força de poesia, a pintura de César Romero nasce do onirismo criando emblemas. E exaltando os sinais do povo através de um vocabulário inscrito na colcha de retalhos188 que se expande no ar e nas telas, conduzindo uma heráldica da terra. Transpondo às suas telas a colcha de retalhos, César Romero a idealiza como pele da terra. Pele do habitante. Pele colorida. Pele tatuada. Pele do Nordeste. Bandeira da Bahia. Luminosa e conduzindo áreas sombrias, a colcha estende-se sobre a paisagem para abrigar o sertão, e localiza por excelência nas Faixas seu território onírico. A colcha

187  ROMERO, César. Mostra Enigmas e permutações (da série Faixas emblemáticas). Op. cit. 188  Consulte-se o capítulo 10.

172

A C olcha de R etalhos e os S inais do P ovo


Fuxico, artesanato popular

transforma-se em tecido voante. A Faixa é a colcha. E a colcha é a Faixa. A tela é a colcha e a Faixa. A Faixa é a colcha e a tela. Trata-se de um jogo emblemático e poético que se imiscui nas dobras e costuras do tecido. Como foi mencionado, surgindo em diferentes núcleos temáticos, na pintura de Romero a Faixa revela-se alongado e ondulante tecido composto por imaginários pedaços de pano “estampado”, solto no ar: Depois de pronta a colcha de retalhos, ou ainda a faixa emblemática, com meu idioleto, com o risco do meu povo, com o agrupamento sígnico do Nordeste, solto-a numa paisagem ou num fundo deixando o estandarte dominar todo o campo plástico.189

Compondo ambiência e pintura por meio de misturas de panos e cores diversas, a colcha de retalhos constitui-se objeto carnavalizado. Estandarte cromático, a colcha revela-se bandeira de cercania. E de viagem. Revela-se marco identitário que, em sentido amplo, Romero enraíza nos registros das origens culturais, preservando em sua pintura não só o universo afro-brasileiro, mas a cultura popular em toda sua extensão, abrangendo mitos, lendas, heróis e anti-heróis a percorrer vestígios e sinais do povo tecendo mesclas, delineando a inversão da ordem. Expondo paradoxos. E diferenças. Nas telas do pintor, de modo metafórico, a colcha posiciona no mesmo espaço indivíduos pertencentes a camadas sociais diversas, bem como identidades diversas, articulando-se pela carnavalização. A carnavalização mostra-se nas telas como justaposição de cores contrastantes. Arte da aglutinação das diferenças, na pintura de César Romero a colcha envolve o dia a dia e o encantatório. Realidade objetiva e quimera. Feita de pedaços de cor, a colcha agrega algodão encorpado e chita. Mas eles podem se misturar ao linho e à seda, podem se misturar aos retalhos do pano das roupas das gentes de outras camadas sociais.

189  ROMERO, César. Mostra Enigmas e Permutações (da série Faixas emblemáticas). Op. cit.

173


Pano fosco. Pano brilhante. Tecido barato. Tecido caro. A colcha reúne fragmentos. Reúne particularidades numa ordem de justaposição e cumplicidade. Qualquer diferença cromática é admitida no conjunto. Qualquer tipo de pano. E cor. Azul. Amarelo. Branco. Marrom. Qualquer tipo de estampa. Flores. Bolinhas. Listas. Tudo se reúne para formar esse painel artístico e utilitário. No dia a dia, um objeto útil e belo. O cromatismo das colchas igualmente rememora as cores vivas da natureza que tanto interesse despertou nos pintores-viajantes. Transposta à pintura de César Romero, a colcha de retalhos expressa a cumplicidade das diferenças. Encontro da arte e da utilidade, dentre outras inscrições da cultura popular nas telas do artista, através do colorido a colcha igualmente se reporta ao brinquedo infantil com suas variações de formato e altura nos ares: “As arraias e periquitos do céu de verão, com suas crianças pançudas na outra extremidade da linha. Os monogramas dos santos de devoção, as charolas, as rezas, o estandartes, as flâmulas tão usadas nas procissões.”190 Colorindo espaços do afeto, na pintura de César Romero a colcha pode ser lida como metáfora das hibridações culturais. E, no bojo dessas hibridações, imagisticamente a colcha se vê relacionada aos tamboretes das Festas de Largo, compondo a comemoração e o ritmo desses eventos carnavalizados pelo encontro de diferenças. Trata-se de diferenças inscritas no sagrado e no profano. Diferenças que se reúnem no tempo da festa. E no espaço da festa. E no dia a dia. Identificando-se com a colcha de retalhos, por formarem aglutinados de fragmentos coloridos, os tamboretes tiveram destaque na fotografia e na pintura do artista, repetimos. A colcha e o tamborete se associam às necessidades e às atividades diárias, na casa e na festa, lembremos. E se associam à ideia de abrigo e proteção. Agasalho e adorno da casa, a colcha. Objeto utilitário e festivo, os tamboretes demarcando a área de proteção da barraca. Utilizados nas Festas de Largo, repetimos, ao fim do dia esses banquinhos são empilhados. Justapostos, seus assentos coloridos formam verdadeiros painéis que se instalam na ambiência e ganham visibilidade como arte incidental. Arte dos recortes táteis. Nos tamboretes de Festa de Largo, e aqui cabe a figuração, o cromatismo encarna recortes de pano de madeira ou madeira de pano. Ou retalhos de madeira. No adro os tamboretes atuam como bandeira. Bandeira que indica o lugar cromático da barraca. E o lugar da festa que terá continuidade no encontro do sagrado e do profano. O colorido desses painéis inscreve-se na arte de César Romero, que os fotografou e os recriou também em sua pintura, conforme o mencionado. No trabalho de César Romero, as colchas de retalhos e os tamboretes reportam-se à possibilidade do encontro de identidades diversas, sem se anularem umas às outras. No roteiro pictórico de Romero, porém sem a inscrição das imagens-migrantes, a Pintura de tamboretes mostra-se do

190  ROMERO, César. Mostra Sinais do Povo. Op. cit., p. 1-2.

174

A C olcha de R etalhos e os S inais do P ovo


mesmo modo uma variação das Faixas, revelando em relação à colcha de retalhos analogia e unidade originárias. E traduzindo-se numa colcha imaginária, a tela transformase em colcha de tintas. Uma vez que a arte segue a ordem do desejo, eis que a pintura matiza no mesmo espaço seres diversos comemorando correspondências sensoriais. Nessa comemoração o tato entra em cena. Na arte de César Romero o sentido “tátil” completa a visualidade nas transformações da matéria e do mundo. Nas transformações viabilizadas pelo colorido. Nesse impulso, o gesto interage com a matéria. Guiada pelos matizes, a mão do pintor segue o ímpeto das cores. Nessa dinâmica, lembremo-nos de que a cor se torna matéria191 fundamental na pintura. Matéria cromática e onírica. Em sua plasticidade convivem lugares luminosos e espaços da ausência de luz. Estes encarnam tensões prontas a revelar-se ao colorido. Seguindo tal plasticidade, impregnadas pelo negro e pelo marrom, nas telas do artista áreas escuras criam tensões que mobilizam cores justapostas, assim como na colcha de retalhos. Então, as áreas escuras desvelam e reforçam luzes. As áreas escuras são luminosas. Dialogando com os matizes, o preto gera cor e luminosidade. A escuridão intensifica o colorido. Gera sombras. Contrastes. Nos motivos intrínsecos à arte de César Romero, o escuro e o luminoso se complementam, realizando tensões entre o mundo e a pintura. Entre a colcha e o tamborete. Entre o retalho e a colcha. No universo carnavalizado, o colorido é festa e ressurreição. Conduzindo-se pela carnavalização, na pintura de César Romero a colcha de retalhos se abre, se dobra, desdobra e redobra, criando espaços em deslocamento. Tais espaços se encurvam em sentidos diversos, de modo mais intenso nas Faixas que percorrem as telas do pintor como colchas que ultrapassam os limites da tela. Essa ultrapassagem intrínseca ao colorido gera diversificações espaciais numa versão que passou pelo Seiscentismo, mas que o antecedeu, por exemplo, nos quadros de muitos pintores que assumiram a inversão da ordem de alguma instância cultural através do riso ou de suas metáforas que, sob vários aspectos, concentram o potencial da linguagem da carnavalização.

191  Cf. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 26.

175


176

O R iso e a C or


O Riso e a Cor “Minha existência é de flores, De sonhos, de luz, de amores, Alegre como um festim!”192

A Festa e o Riso Cromático A pintura de César Romero revela cores e luzes de um mundo movente. Revela cores e luzes de festa. E sombras que se imiscuem no festejo. Porque o luminoso congrega velamentos que o ressaltam e complementam. Seja na obra do pintor, seja na arte do povo, a dinâmica das cores mobiliza e atualiza arquétipos afeitos a essa. A referência aos arquétipos aqui se insere numa analogia com aqueles elementos de cunho temático que constituem unidades afetas a uma “linguagem universal”193 assumida por diferentes autores no campo literário. Porém, neste ensaio, valorizamos na pintura de César Romero o estrato temático numa alusão à vida. E cor se revela “linguagem” universal, visto que mobilizadas pela imaginação as “tintas” são forças intensas e transformadoras. Assim sendo, na pintura de César Romero, as unidades temáticas sofrem variações porque a cor encarna as transformações da vida. A vida é o arquétipo da cor. E esta é arquétipo da vida. Trata-se assim de uma poética da cor. E na colcha de retalhos transposta às telas do pintor, a unidade se faz por meio das variações. Não se refere ao binarismo na ordem da antítese uno/múltiplo. No trabalho de César Romero, a Bahia do povo nasce e se abriga na colcha de retalhos. A Bahia encarna arquétipos da vida. Ressurreição. Sacralidade. Carnaval. “Identidades”. Origem. Cotidianidade. Prospecção. Mencionadas que foram as áreas de emergência da carnavalização no Medievo e no Renascimento, bem como na cultura popular nordestina, passemos à carnavalização na pintura de César Romero, ressaltando-se a correspondência entre o cromatismo e o riso. Não só na arte de Romero, mas igualmente na cultura do povo, lembremos também que a carnavalização não se restringe explicitamente à comicidade em seus múltiplos aspectos. De modo mais amplo

192  MORAIS FILHO, Melo. A mulata. A poesia baiana do século XX – Antologia. Org. Assis Brasil. Rio de Janeiro: Imago, 1999. p. 32. 193  MELETÍNSKI, E. M. Os arquétipos literários. Trad. Aurora Fornoni Bernardini e outros. São Paulo: Ateliê, 1998. p. 20.

177


a carnavalização abrange o humor, que pode ser compreendido como cromatismo traduzindo-se no riso e, ao mesmo tempo, como comemoração popular frente à ordem da cidade. No trabalho de César Romero, repetimos, há um veio satírico que surge de modo explícito somente nas Imagens e nos Selos, aludindo à sociedade de consumo e ao caos urbano. Nos outros temas194 que se inserem em sua obra não há aspectos satíricos. Mas tanto nas Imagens quanto nos Selos, bem como no todo da produção artística do pintor, encarnando ares de festa a cor intensa se faz dominante. Por outro lado a carnavalização encarna o humor, no sentido de ver a vida de modo esperançoso, ainda que através de olhar aguçado. Nas telas do pintor e na grande maioria dos eventos relativos à festa popular, o colorido em seus vários aspectos subsume a carnavalização. E, ainda que não afeto a circunstâncias cômicas, o impacto do cromatismo intenso indica de modo metafórico a presença do riso como inversão da ordem. Observe-se que nas várias culturas os simbolismos da cor são diversos. Mas caminhando em paralelo às trevas, ou lhes dando novo rumo, o colorido surge como um dos focos da carnavalização195. Nesse sentido, uma força cromática, uma força imaginativa, subsume a vida pulsante nos objetos advindos da cultura popular atuando na arte de César Romero. Porém, na arte do pintor, destacamos marcos identitários que unem os espaços da ambiência aos espaços pictóricos, sem abdicar da instância lírica. Na pintura de César Romero esses marcos se articulam com a carnavalização medieval sob o ângulo do festejo, afirmando-se por “uma diferença de princípio”196 com relação ao mundo oficial da Igreja ou do Estado feudal, lembremos. Dessa diferença de princípio permanece hoje na carnavalização um olhar sobre o homem e sobre o mundo numa ótica desconstrutora que constitui um estado de exceção rompendo a ordem preestabelecida institucionalmente.

194  Consulte-se o capítulo 7. 195  Cf. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 7. 196  Ibidem, p. 4.

178

O R iso e a C or


Localizando nessa diferença de princípio os conteúdos da carnavalização medieval e renascentista, tornou-se possível neste ensaio detectarem-se analogias entre aquela carnavalização e as atuais manifestações da cultura popular assimiladas por César Romero, ressalvadas suas diferenças histórico-culturais. Mas a referida diferença de princípio pode ser entendida na pintura de César Romero como princípio de diferença. No Medievo, ainda que temporária essa ruptura dos escalonamentos hierárquicos, junto à cultura oficial surgia um mundo público inaugurado pelo homem do povo, quando então emergia um lugar do povo e eclodia um tempo em que todos eram iguais. A diferença demarca-se nessa “igualdade”. Nesse princípio de diferença, e aqui não há paradoxo, demarca-se na pintura do artista a identidade regional como diferença a ser reconhecida. Na arte do pintor, o povo exerce sua identidade. Festa de Largo. Bumba meu boi. Bloco de rua. O povo demarca lugar e tempo do festejo. Compõe. Rege. Canta. Dança. Mostra suas cores. Nas cores da festa popular e nas cores da pintura de Romero, buscamos traços em comum. Buscamos uma convergência quanto às origens. Nossa meta volta-se para a busca de uma força carnavalizante, ou seja, um veio da imaginação, recriando o mundo pelo colorido. Recriando o mundo em imagens quiméricas. Revivendo grandes motivos que levam o visitante a refletir sobre o mundo no plano da realidade objetiva. Se for verdade que “só se pode estudar aquilo que se sonhou primeiro”197, o onirismo torna-se condição primeva do conhecimento, e a expressão artística se faz concretização do onirismo no plano sensorial. Além da diferença de princípio, a pintura de César Romero delineia assim um princípio de diferença que não exclui, e até instiga, o pensamento crítico-reflexivo sobre o status quo afeto ao plano sociocultural. Em sua arte o princípio de diferença torna-se relevante ao se enfocar de modo crítico o status quo, visto que na sociedade globalizada todos os quadros referenciais se transformam, dando “praticamente a todas as realidades preexistentes novos significados, outras conotações”198 que abarcam os diferentes universos de ideias e realizações humanas. Vista sob o ângulo filosófico-cultural, a pintura de César Romero abrange novos significados intrínsecos à carnavalização, insurgindo-se por meio de três instâncias básicas e interligadas: o riso, o festejo popular e a inversão da ordem. Nessa interligação, a cor revela-se riso e festejo, pondo o mundo de cabeça para baixo e deflagrando pensares e dizeres. O riso emerge em matizes. O riso natural. Espontâneo. Puro. A cor revela o riso. O riso revela o colorido. No riso pulsa a vida. Considerando-se a cor como fator relevante nos eventos da cultura popular, ela se faz riso. Esse riso assemelha-se ao rir originário da carnavalização medieval como concepção cosmogônica. Trata-se de um

197  BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. Trad. Maria Isabel Braga. Lisboa: Estúdios Cor, 1972. p. 48. 198  IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Op. cit., p. 205.

179


riso daquele que ri sem excluir-se do festejo. Trata-se de um riso diverso daquele que ocorria na sátira moderna199 que se dirigia ao outro, visto que quem ria se distanciava do riso. Se na carnavalização medieval o riso era patrimônio do povo, nos eventos da cultura popular ele é igualmente patrimônio do povo, seja no Carnaval, seja em outras manifestações que envolvem a sátira e outras formas de comicidade. Na festa cromática, o povo habita a pintura de César Romero, assim como habita a colcha de retalhos. Registram-se então várias ambivalências nesse diálogo originário dos retalhos da colcha com a tela de linho. Reunindo diferenças, na pintura de César Romero os corantes do pano das colchas do povo dialogam com a acrílica, entranhando-se no linho das telas, bem como esse diálogo assinala a identidade híbrida do artista, enquanto pintor de formação erudita incorporando traços da cultura regional. Nesse encontro de diferenças, ainda que não reduzido ao plano partidário, há um veio político que abrange o homem como cidadão urbano e sertanejo, inserido no tempo atual, no momento luzente da cor rindo-se em tempo de festa. Rindo-se das hierarquias socioculturais, através da convergência de instâncias carnavalizantes e endobarrocas determinando singularidades espaciais que desfocam pontos e figuras centrais. E cabe aqui mais uma aproximação metafórica com os festejos populares e públicos medievais, visto que neles não há palco, ou seja, não há foco central. O espaço pertence a todos. E todos atuam. Na pintura do artista essa inversão já se esboçara desde o início com inúmeras variáveis. Fragmento e totalidade correspondem-se de diversos modos. E todas as imagens e cores são atuantes. Note-se assim que, na perspectiva do estranhamento, no núcleo temático das Imagens alguns “santos” são sugeridos por meio do seu negativo, quando então se presentifica o motivo através da ausência da figura, urdindo o jogo ambivalente da ausência e presença. Conforme o mencionado, esse afastamento dos esquemas da figura-fundo marca-se progressivamente. Intensifica-se na década de 1980 nas Cromutações, quando o pintor se lança aos espaços reversíveis, que se expandem a partir de 2000 compondo o núcleo temático denominado Bramante, e criando ambiência cromática em virtude das grandes dimensões das telas em diálogo. Nessa ambiência há um rompimento da ordem hierárquica dos espaços, como acontece nos festejos regidos pela carnavalização como foco renovador do mundo fixo e acabado. Intrínseca à carnavalização em tempos do Medievo e do Renascimento, a renovação se faz perspectiva e esperança, porque “a negação pura e simples é sempre alheia à cultura popular”200. Atingindo coisas e pessoas que participavam dos festejos afetos à carnavalização, o riso era universal. O

199  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 7. 200  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 10.

180

O R iso e a C or


181


mundo inteiro era percebido no seu “aspecto jocoso, no seu alegre relativismo; por último esse riso é ambivalente: alegre e cheio de alvoroço”201. Por isso o riso, componente cromático na pintura de César Romero, congrega diversidades de modo esperançoso. Nas telas de César Romero, a cor relaciona-se ao ímpeto da vida. Nesse ímpeto, a cultura do povo mostra-se viva. Não se vê excluída, ainda que possa surgir em transformação. Essa transformação pode afluir sob forma de apropriação, visto que, como resistência à homogeneização na sociedade globalizada, a cultura popular pode se apropriar de traços da cultura hegemônica, como ocorre, por exemplo, no cordel, tal como mencionamos202. Assim como, do mesmo modo, o artista erudito pode se apropriar de elementos das culturas particulares assimilando traços da carnavalização, sobremaneira valorizando o colorido que dinamiza a arte. Opondo-se à imobilidade, a cor ri das trevas. Ela ri dos limites do mundo sombrio. Ela ri da morte, porque a morte não tem cor. Na carnavalização que ganhou perfil próprio na Idade Média, o ato de rir dimensiona-se como burla do ritual da divindade203. Por analogia, na pintura de Romero a cor burla os significados fixos e “barreiras” afetas a espaços socioculturais. Nesse sentido, sua pintura realiza uma carnavalização utópica. Tal como em tempos do Carnaval pode ser dito que o comportamento humano se dirige à utopia e almeja o lado festivo e esperançoso da vida, e pode ser dito que na cultura popular e na pintura de César Romero o colorido se ri da cor oficial. Ou da falta desse colorido. Direta e espontânea, viva e sensível, a cor adere ao corpo do visitante, tal como uma pele de tintas. Pulsante, esse colorido desvia-se das cores virtuais que escamoteiam o mundo dos sentidos através de previsível foco seletivo, como nas imagens de um desfile carnavalesco visto pela TV. A distância. A distância da vida. Da dança. Do suor. Na vigência da carnavalização, “é a própria vida que representa e interpreta no mundo seus papéis [...] ‘aqui a forma afetiva da vida é ao mesmo tempo sua forma ideal ressuscitada’”204. Quanto a essa forma ideal, considere-se que na carnavalização medieval ela representava regime de exceção. E cabe aqui relembrar que àquela época a inversão da ordem era válida só durante o evento205 festivo. Se ao fim da festa tudo voltava às prescrições legais, torna-se possível dizer que, do ponto de vista dos papéis sociais, tudo voltava a se demarcar como nas

201  Idem. 202  Consulte-se o capítulo 2. 203  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 11. 204  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 7. 205  Ibidem, p. 8.

182

O R iso e a C or


hierarquias da relação figura-fundo. Porém, de modo diverso, em virtude da reunião de identidades diferentes, na arte de César Romero nada volta à ordem oficial, visto que sua pintura integra-se ao eixo temporal da carnavalização realizando-se por uma poética da cor gerando espaços pautados no equilíbrio dinâmico. Em especial nas Cromutações e em Bramante, uma tela lança-nos à outra, participando de um tempo que festeja o olhar, e amplia a luminosidade em esquiva das sombras que a intensificam. Na pintura, o espaço, ainda que se determinando por outras instâncias plásticas, é atributo da cor206. Sobretudo nas Cromutações e em Bramante, sobressaem-se instâncias temporais advindas de efeitos intrínsecos às cores marcando espaços abertos e velados de modo simultâneo. Trata-se de pinturas que, entre transparências e espessuras, permitem uma valorização lumínica das sombras. Nas telas de César Romero, a escuridão em parte se desvela colorida. Faz-se opacidade e luz. Inverte-se a ordem da luz e da sombra. Nesse jogo de oposições surgem lugares reversíveis e transformacionais que, inaugurando direções e movimentos, eles encarnam o riso, repetimos. Esse “riso” inverte a ordem dos planos, bem como desarticula outros posicionamentos fixos que demarcam hierarquias espaciais. Ao percurso das imagensmigrantes reunindo a finitude e a infinitude, as telas do pintor conduzem sinestesias.

A Carnavalização e as Imagens-migrantes Na pintura de César Romero tudo se torna visual e “tátil”, principalmente as texturas que, nas Cromutações e em Bramante, destacam espaços e exaltam cores e luzes, bordando nas telas o cotidiano e a fábula do povo. Revisitando o conjunto de trabalhos do artista, percebemos que as cores comportam espécie de heráldica definindo-se a partir de pequenas figuras alusivas ao sertão. Elas são emblemas da terra. E deslocando-se pelos espaços da pintura conduzem um vocabulário inscrito no Nordeste, criando lugares a serem percorridos pelo visitante. Dentre outras instâncias, esses lugares se assinalam nos recortes, bainhas e junções da colcha de retalhos, lembremos, animizando-se numa “escrita” que capta a ambiência nordestina através de um vocabulário singular, tal como nos diz o artista: Foi em cima disso [em cima da colcha] que eu comecei a tentar escrever um vocabulário não só afro-brasileiro, mas as lendas, a imagética, o universo nordestino – cangaço, os mata-burros, as paisagens, a zoomorfia.207

206  Consulte-se o capítulo 12. 207  ROMERO, César. Jamais vou deixar de ser pintor (entrevista). Op. cit., p. 12.

183


184

O R iso e a C or


185


Inscrevendo na colcha de retalhos a linguagem, o ideário e a imagística da cultura popular, o pintor inaugura lugares receptivos ao corpo. Recantos da casa. Pátio da festa. Bem como inscreve na colcha meandros e cercanias que se lançam a novas significações, realizando a convivência de identidades diversas, através de pequenas imagens inscritas na pintura. Trata-se das imagens-migrantes: estrelas, luas, tridentes, machados, corações em chamas, dentre outras figurações. Essas imagens aderem aos espaços sagrados da igreja e do terreiro, bem como aos espaços laicos da casa e da ambiência. Inaugurando rumos e direções e apresentando diferenciações de colorido, elas percorrem as telas do pintor desde a década de 1970, aludindo às diversidades culturais. Tais imagens estão em quase todos os lugares da obra. Mas não designam lugares fixos. E não pertencem a nenhum lugar. Essas figuras encarnam o princípio da carnavalização ante a ordem hierárquica das coisas controladas pelas várias formas de poder. Ao aquiescer à carnavalização através da errância das imagens-migrantes, César Romero traz à pintura um percurso pelo mundo e pelo kósmos como lugares em transformação. Ao curso dessas imagens, não existe a rigor uma ordem do ser como antítese do não ser. À dinâmica dessas figuras, não há confronto definido entre ser e não ser. Entre presença e ausência. As imagens-migrantes conduzem-se por outros rumos dos sentidos e do pensamento diversos das antíteses. Atuando como elos aglutinadores de diferenças no conjunto das telas, as imagens-migrantes situam espaços transientes. Elas vivem de passagem em todas as partes. Vão e retornam. Mas não retornam ao mesmo lugar. Há sempre um diferencial que as revela rumo à infinitude espacial nos meandros da finitude. E vice-versa. Tais imagens igualmente indicam lugares híbridos. Lugares como os da realização das festas populares, dentre elas as Festas de Largo e os folguedos que congregam o povo em dias de ofício sagrado e horas de diversão. As imagensmigrantes metaforicamente se relacionam a uma concepção cósmica inerente ao festejo medieval. Trata-se de uma “visão oposta a toda ideia de acabamento e perfeição, a toda pretensão de imutabilidade e eternidade”208. Por analogia, na pintura de César Romero essa visão oposta à ideia de acabamento se expande pela dinâmica do espaço pictórico, aderindo aos princípios da carnavalização que se ordena “pela lógica original das coisas ‘ao avesso’”209. Em esquiva da forma acabada e definitiva, sua pintura se conduz pela errância dessas pequenas figuras, que torna emblemática e errante a colcha de retalhos, entre diversidades culturais: Feita a colcha de retalhos, que é bandeira, que é estandarte, que identifica, festeja fatos, aglutina, inscrevi nela um vocabulário nordestino: símbolos, marcas do candomblé, dos

208  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 9-10. 209  Idem.

186

O R iso e a C or


chapéus e roupas dos cangaceiros, dos vaqueiros, do artesanato, da cerâmica popular utilitária e lúdica, que surge da necessidade, mandacarus, árvores e arbustos sintetizados, a zoomorfia nordestina, a puxada do xaréu, o bumba meu boi, as comidas típicas e suas cores.210

Sobre esse pano ondulante, o pintor realiza sua escrita. E ele realiza tal escrita sobre o tecido de linho da tela. E dentro desse tecido. Em verdade o artista matiza um código pictórico que se entranha nessa pele de pano, encarnando singularidades das coisas da terra. Esse vocabulário movente na colcha se explicita nas pequenas figuras que chamamos de imagens-migrantes211 que abrem caminhos entre finitude e infinitude. Essas imagens passeiam por lugares intrínsecos às Platibandas e Enigmas, impulsionando as curvas das Faixas emblemáticas, mas surgiram em lugares pertencentes a obras anteriores. Mas é, sobretudo, nos espaços das Faixas emblemáticas negando uma visão fechada e acabada do mundo que as imagens-migrantes seguem variações de percurso, expondo-se em simultaneidade do “lado de dentro” e do “lado de fora”, nas ondulações espaciais. Seguindo o serpenteado desses caminhos não há retorno ao mesmo lugar. Diversificadas, lembremos, as imagens-migrantes são corações flamejantes, pombas, luas, estrelas, búzios, machados, raios, enraizando-se nas coisas da terra, dentre tantas outras figurações, que incluem as flores brotando em algumas Faixas, como se pode observar em Bramante. Reunindo homem e cosmos, elas “se transportam” de um quadro a outro desmarcando limites. E desposicionam a ordenação do mundo objetivo e perceptivo. Acompanhadas por essas imagens, as Faixas serpenteiam e relacionam em simultaneidade lugares que se correspondem através de diversidades, tais como: “interior” e “exterior”, “em cima” e “embaixo”, “verso” e “anverso”. As Faixas fazem seu percurso desdobrando a colcha de retalhos em ondulante diagonal. Essa experiência do espaço aberto, ou melhor, semiabrindo-se à errância das imagens-migrantes, ocorre em outra intensidade nos Enigmas. Muitos deles também se mostram em reversibilidade, como se fossem retalhos de uma colcha semovente, como se fossem pedaços de uma colcha de retalhos. Pedaços de uma colcha que igualmente recobrem as Platibandas. E nelas a colcha ressurge nos “retalhos de tinta” que compõem tais figuras, percorrendo curvas nas fachadas e portas da casa interiorana. No roteiro de César Romero, essas imagens explicitam lugares que se correspondem numa ambivalência, que pode atingir o paradoxo, visto que estas tangenciam lugares cromáticos, reunindo espaços finitos e infinitos, ao alcance dos olhos e das mãos. Ao alcance do corpo. Negando as demarcações fixas, essas pequenas figuras se deslocam

210  ROMERO, César. Mostra Sinais do Povo. Op. cit., p. 1-2. 211  Consulte-se o capítulo 10.

187


pelo kósmos das telas, em esquiva dos espaços concebidos como estabilidade. Diante de tais imagens, cabe aqui uma referência aos festejos da carnavalização no Medievo quanto às cenas de uma dramaturgia centrada em figuras cômicas que se apresentavam como “animais sábios”212. Tratava-se de uma visão das instituições por meio da sátira, dando voz e inteligência aos bichos, que se moviam e atuavam no espaço público invertendo a ordem dos eventos oficiais. Percorrendo o universo da pintura de César Romero, as imagens-migrantes atuam como aqueles animais sábios. Elas se negam ao fechamento e à imobilidade dos espaços. E, numa analogia com a carnavalização medieval, elas encarnam espécie de olhar satírico quanto às coisas imutáveis na cidade oficial. Direcionando o olhar, elas seguem caminho. Abrem caminho. E se inserem com força de idioleto alusivo à memória da cultura popular gravada na tela, marcando-se pelas diferenças em oposição aos aspectos repetitivos que caracterizam a cultura de massa, bem como outras repetições imbricadas no mundo globalizado. Em sua errância, as imagens-migrantes visitam todos os lugares, mas não pertencem a lugar nenhum, lembremos. Elas conduzem as cores de Oxumaré. Numa das telas dos Enigmas pertencentes à mostra Cromutações, Oxumaré213 surge de corpo inteiro na imagística das serpentes. Ela própria se faz então imagem-migrante. Nas Platibandas, seu dorso ondula-se nas portas, que simbolicamente recebem Exu, fechando e abrindo direções. Nas Faixas, Oxumaré assenta seu abassá e serpenteia, deslizando pelas cores do arcoíris. Seu dorso movimenta ondas de pano de imaginária colcha de retalhos, tingindo o mundo. E tingindo o raio de Iansã. E o machado de Xangô. E o mundo dos Orixás. E, ziguezagueando, o raio de Iansã flexibiliza caminhos do olhar. Mas na pintura de Romero a sacralidade abrange outras instâncias da fé. Nessa dimensão do encantatório movem-se símbolos da cristandade, como a pomba e o coração em chamas. No deslocamento do voo, a pomba tece o percurso da infinitude e traz a imagística do Espírito Santo às tintas na tela. Em chamas, o coração renova a paixão na vida das cores. Pode ser dito que nessa convivência de imagens e identidades do sertão, tal como ocorria em tempos medievais e renascentistas, a carnavalização deflagra o “lirismo da alternância e da renovação, da consciência da alegre relatividade das verdades e autoridades no poder”214. Mas hoje são outros tempos. E outros carnavais. E outros sentidos no universo da carnavalização. Como fulcro de identidades diversas, a pintura de César Romero segue o percurso e as hibridações implícitas às imagens-

212  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 4. 213  KLINTOWITZ, Jacob. Op. cit., p. 59. Obs.: obra exposta no Rio de Janeiro em 2001, no Centro Cultural Correios. 214  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 10.

188

O R iso e a C or


migrantes caminhando pelo mundo. Elas são uma forma de riso duvidando das coisas acabadas. Desse modo, o trabalho de César Romero não se prende a um dado estilo ou movimento, repetimos. Sugerindo desdobramentos, em sua pintura as várias cores fundam espaços que se articulam ao endobarroco, através de um princípio que nasceu antes do século XVII e que, inserindo-se no Seiscentismo, chegou ao Barroco brasileiro através de uma dobra contendo paradoxos e contradições.

189


190

O E ndobarroco e o E spa ç o na A rte de C Ê sar R omero


O Endobarroco e o Espaço na Arte de César Romero “Verde serra onde os Palmares - Como indianos cocares No azul dos Colúmbios ares, desfraldam-se em mole arfar.”215

Os Espaços Pictóricos e a Dobra Entre os retalhos de uma colcha flutuando entre chão e céus, a pintura de César Romero congrega cores de festa. Verdejando violetas celestes, dança o verde búzio das águas amarelas nesse vermelho do chão azul da festa. E nas águas de um rio de pano, o dorso de Oxumaré abre seu arco-íris de plumas criando espaços encantatórios. E localizada a carnavalização na pintura de César Romero, deve ser relembrada sua convergência no endobarroco comportando exceções e paradoxos concebidos pela imaginação, recriando o mundo através do encontro das diferenças culturais. Trata-se assim, lembremos, de concepção de mundo que acompanha muitos aspectos da formação da cultura brasileira. Nesse intercurso de culturas diversas, a cultura do colonizador chegara sob a égide do endobarroco, que se relaciona às Grandes Navegações. Chegara como diferença ao encontro de diferenças. Sob esse aspecto, o endobarroco encontrou clima propício às diversidades estéticas, sobretudo em tempos do Barroco brasileiro. Nesse sentido, o endobarroco incorpora uma dinâmica desconstrutora da razão monológica e da percepção e se expande nos espaços intrínsecos às artes, caracterizando-os por meio de “irregularidades”. Tais “irregularidades” sinalizam uma desconstrução geométrica como metáfora de uma desconstrução em processo em alguma outra instância cultural. Na arte de César Romero as irregularidades se mostram em desvio da perspectiva de ponto único e da figura-fundo, para viver a pulsátil força das cores matizando o Nordeste e o kósmos. Em convergência de traços do endobarroco e da carnavalização, o colorido encurva e inclina lugares pictóricos. Ressalte-se, entretanto, que, embora na obra de César Romero possamos identificar certa analogia morfológica

215  ALVES, Castro. Poesias completas. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1947. p. 131.

191


com o Barroco, não se trata de priorizá-la. Mas sim de compreendê-la como expressão de contrastes ideativos de cunho endobarroco em tempos atuais. Nesse sentido o endobarroco envolve uma desconstrução que pode se voltar inclusive para a geometria. Mas não se reduz à negação do geométrico. Entretanto, do ponto de vista espacial, o princípio endobarroco pode surgir como desconstrução realizada a partir da própria geometria, como ocorre na obra de Rubem Valentim. Em que pese uma “primeira leitura” aparentemente geométrica, os trabalhos desse artista revelam cunho endobarroco em virtude da desconstrução do geométrico através do “espessamento” do espaço. Esse espessamento ocorre através do cromatismo que eclode por vezes em “quadros” volumétricos e chega aos objetos realizando releitura de uma heráldica africana por meio de uma espacialidade estético-artística. Situando questões pertinentes ao endobarroco na pintura de César Romero, vislumbramos o espaço como lugar anímico por força do colorido que se expande como emblema da vida. Por força da vida pulsante nas telas. Da vida pulsante em espaços transformacionais. E atuante nos meandros de uma dobra intrínseca à colcha de retalhos. Porque nos meandros de um lugar intrínseco à costura que reúne sertão e cidade posiciona-se uma dobra inscrita no Brasil hodierno. E ao longo deste texto mencionamos várias vezes os termos “dobra”, “desdobramento” e outros similares que agora se esclarecem em sentido específico. Enfocada através dos tempos em inúmeras acepções, a dobra implica continuidade e relação. Reúne a razão e os sentidos. E se adéqua ao pensamento transitando entre os planos metafísico e sensorial. Mas concebida já na Antiguidade, a noção de dobra associou-se à noção de diferença216, sob vários enfoques. A dobra pressupõe a diferença e o diferencial217. Liame entre abstração e matéria. Relação entre o diferencial e a diferença. Na Antiguidade, a dobra congregou mito e logos; na Idade Média, corpo e alma; no Renascença, natureza e conhecimento. E no Barroco a dobra reuniu a finitude e a infinitude. Enfatizados em épocas diversas, esses referenciais não desaparecem de todo. Ressurgem sob aspectos diversos. Vínculo. Desdobramento. Redobra. Na pintura, tratase de referenciais relacionados ao espaço. E no Barroco, em virtude de desconstruções intrinsecamente endobarrocas, os espaços na pintura se remeteram à dobra em inúmeros aspectos. A dobra não se verificou nem critério nem metáfora surgida no Barroco. “Mas ele curva e recurva as dobras, leva-as ao infinito, dobra sobre dobra, dobra conforme dobra.”218 Essas flexões, observamos, são ideativa e plasticamente uma expressão

216  Heidegger enfatiza a diferença intrínseca à dobra. Consulte-se HEIDEGGER, Martin. Essais et conférences. Trad. André Préau. Paris: Gallimard, 1958. 217  Cf. DELEUZE, Gilles. A dobra – Leibniz e o Barroco. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Papirus, 2000. p. 58. 218  Ibidem, p. 13.

192

O E ndobarroco e o E spa ç o na A rte de C é sar R omero


endobarroca de cunho desconstrutivo, trazendo ao Barroco suas possibilidades de contradição e paradoxo. Percorrendo períodos diversos, a dobra ganhou perfil singular nos alicerces da cultura moderna, produzindo desconstruções de significados nas várias áreas do pensar e do fazer artístico. Com referência ao espaço, o endobarroco insere na dobra uma reunião de diferenças e/ou de contrários. Ao enfocar-se o Seiscentismo, pode ser enfatizado nesse período o curso de ideias relacionando-se a uma razão capaz de conceber o infinito219 e de deflagrar possibilidades de desconstrução de mais uma antítese, ou seja, da oposição entre finitude e infinitude, visto que esses dois mundos espaciais diversos se localizam na pintura barroca no plano sensível. E a partir daquele período a noção de infinito possibilitou se conceber o mundo sob outro ângulo, tanto do ponto de vista da Ciência e da Filosofia, quanto do ponto de vista das expressões artísticas, quando surgiu “a obra infinita ou a operação infinita”220, com reflexos na pintura barroca, fazendo esvoaçar o panejamento ao fluxo dos espaços curvos e das diagonais. Relacionando espaços que envolvem o interior e o exterior, a dobra passa entre a matéria e a alma221. Entre o sensível e o conceito. Entre os sentidos e a imaginação. Entre a sombra e a luminosidade. Nesses elos entre o fechamento e a abertura, entre sombra e lume, há comunicação entre as diferenças222. Nesse processo de sequência das coisas à infinitude, efetua-se a desdobra. Mas ela não indica movimento

219  Ibidem, p. 208. 220  Ibidem, p. 66. 221  Idem. 222  Ibidem, p. 66 a 69.

193


contrário. Nem expressa uma negação da dobra. A desdobra atua como continuidade ou extensão da dobra. A desdobra é condição ideativa da possibilidade de existência da dobra ad infinitum223 comunicando-se com o plano sensorial. Mediante ideias ou espaços diversos, a dobra estabelece relações. Lugar de contato, na pintura de César Romero, a dobra endobarroca relaciona localizações e contradições abrangendo referências diretas e metafóricas atinentes à colcha de retalhos, ao onirismo e ao pensamento. Essa dobra se imiscui no pano e na identidade. E guarda sempre referência aos espaços. Aos espaços da matéria e do pensamento. Aos lugares da colcha e dos retalhos. Aos meandros da tela de linho e das tintas. E aos percursos do afeto, criando lugares caracterizados por qualidades imaginárias. A dobra mostra-se tessitura. Elo. Textura. Liame. E vínculo. Trata-se de um vínculo implícito à colcha de retalhos, dobrando-se, desdobrando-se e redobrando-se, como objeto onírico e utilitário na cultura do povo. Em sendo a colcha de retalhos motivo fundante no trabalho de César Romero, a dobra se faz intrínseca ao pano, aos seus retalhos, “cobrindo” a tela. Tela e colcha aproximam-se através da dobra. A tela de linho e a colcha de retalhos assinalam liames entre a urbe e o sertão, vinculados numa dobra que congrega diferenças de várias origens. Na obra de Romero a colcha de retalhos se faz metáfora e costura. Alinhavo. E desfazimento de costuras. E dobra no tempo224. Na arte de César Romero, a dobra sinaliza um regime das diferenças implícitas à colcha de retalhos. Entre bainhas e costuras, o homem embrenha-se na colcha. Torna-se corpo. Nela o corpo se envolve, assim como nas texturas tecidas nas telas, entre densidades e espessuras espaciais diversas. Na colcha e na pintura, o espaço expõe oposições contidas em si mesmo. Expandindo-se ou contraindo-se, o espaço pictórico supera dicotomias, tais como: cidade e sertão, erudito e popular, céu e chão. Nos desdobramentos da colcha transformando-se em Imagens, Arraias, Selos, Faixas, Enigmas, Platibandas, e em outros motivos, o mundo cromuta-se ao ritmo das figuras-migrantes costurando e descosturando a dobra. Nesse movimento de costura e descostura das cores, gravase na colcha o idioleto do pintor bordando à tinta as “dobraduras” da tela de linho. Dobrando-a. Desdobrando-a. Redobrando-a. Nesse movimento, a dobra atua tal como fosse ela correnteza e leito de um rio conduzindo colchas e Faixas. Desvelando-se como tecido. Nesses meandros, o que se esconde se ressalta emergindo de tensões entre sombra e luz ao curso do roteiro pictórico do artista. A dobra acompanha nas Faixas os espaços gerados pela curva, ou seja, a dobra ressurge na flexão e na inflexão da curva, unindo oposições. E desconstruindo antíteses.

223  DELEUZE, Gilles. Op. cit., p. 68. 224  Consulte-se o capítulo 12.

194

O E ndobarroco e o E spa ç o na A rte de C é sar R omero


À exceção dos santos aludidos nas Imagens, não há figurações do corpo na pintura de César Romero. Mas à comemoração do povo, o corpo se insere em sua pintura. O homem da terra revela-se corpo imaginário que acompanha o percurso das imagens-migrantes. O homem do Nordeste segue atrelado a essas imagens. Veste-se para a festa. Desliza nas curvas das cores. Observe-se que na pintura de César Romero a espacialidade não é elemento homogêneo. Ela expõe movimentos. Direções. Deslocamentos. Dobrada desdobrada desdobrando-se, a cor incita a visão a ir mais longe, lá onde a infinitude se torna “tátil”. Justapondo cores, cromutando-as e fazendo-as ondular em lugares ascensionais, criam-se espaços pictóricos diferenciados por texturas, direções, “espessuras” e outras qualidades que desconstroem os limites e os territórios próprios das posições fixas. Entre tensões cromáticas, ou seja, ao encontro de cores intensas e contrastantes, e de modo mais intenso nas Cromutações e em Bramante, a pintura de César Romero encarna uma alquimia da matéria cromática. Nessa matéria, as cores atuam como forças criadoras de seu próprio universo. Seguindo essa ontogênese, pode ser dito que as coisas “nascem coloridas, nascem pela ação mesma da cor”225. Na pintura de César Romero, a Bahia se assume colcha de retalhos, bandeira e emblema do Nordeste.

Os Desdobramentos da Colcha de Retalhos Ao observar-se que o espaço pictórico sinaliza uma hierarquia sociocultural tangenciando as manifestações artísticas e considerando-se que a “ação profissional do artista é parte desse fenômeno sociocultural”226, nota-se uma relação entre os espaços na produção artística e os espaços demarcados no plano social. Entre esses espaços há sem dúvida pontos de contacto. Mas não correspondências lineares, visto que na pintura os espaços circunscrevem-se à experiência estética, fora dos limites da causalidade eficiente. Eis aí um campo propício à carnavalização, bem como às desconstruções endobarrocas. Realizando desconstruções, na arte de César Romero a dobra pode revelar-se lugar intrínseco ao espaço que, em simultaneidade, pode indicar transposição das hierarquias socioculturais afetas ao Nordeste, através do colorido. Eis a temática posta em pauta neste ensaio. Não as linearidades afeitas às diferenças óbvias entre o sertão e a cidade. Mas a explicitação das desconstruções e da inversão da ordem, no plano dos sentidos captando diferenças cromáticas. Do ponto de vista da poética da cor, a dobra imbrica tensões que envolvem o popular e o erudito. Relacionando coisas do sertão e da urbe, a dobra expõe nervuras e tessituras

225  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 27. 226  ACHA, Juan. Arte y sociedad: Latinoamerica – El producto artístico y su estructura. México: Fondo de Cultura Económica, 1979. p. 9.

195




que aproximam espaços do homem e da terra. Espaços do plantio e da semente. Lugares assinalados nos retalhos da colcha. Lugares assinalados no esperançoso abrigo dessa casa de tecido. Relacionando sertão e urbe, a dobra aproxima espaços do kósmos e do Nordeste. Nesses espaços criam-se meandros que explicitam a dobra, tingindo a Bahia. E o mundo. Do ponto de vista de uma poética, “a cor possui profundidade, espessura”227. Possui qualidades táteis. O cromatismo animiza o espaço pictórico. E dele pode ser dito: o espaço “aparece então como densidade relativa, ou presença, cada uma a seu modo, das coisas e seres no meu espírito”228. Entre superfícies e profundidades emanadas das cores, o Nordeste baiano assume seu lugar, isto é, o lugar do homem assumindose como identidade e diferença. Diferença que na pintura transparece na inversão de posições. No desposicionamento do sul e do norte. Na reunião do leste e do oeste. Nas inversões e nos deslocamentos do interior e do exterior, ondulando-se entre curvas e diagonais semoventes. Aderindo às ambiguidades intrínsecas à pintura de César Romero, a cor revela uma espacialidade épica, onde atua o jogo do olhar alojando-se em espaços de atração e de recolhimento. Lugares entreabertos e entrefechados. Sob esse prisma pode ser dito que o espaço se produz e reproduz como ser cromático. Trata-se de uma ontogênese enriquecedora dos espaços e cores do mundo. Para citar um exemplo alheio ao endobarroco e à carnavalização, nas telas de Monet as cores volatilizam-se. A catedral de pedra ergue-se com a substância do espaço etéreo: “Um dia Claude Monet quis que a catedral fosse verdadeiramente aérea – aérea no próprio coração de suas pedras. E a catedral tomou da bruma azulada a matéria que a própria bruma tomara do céu azul.”229 Ao imaginar a matéria da catedral, Monet criou espaços azuis. Tais espaços são áreas de cor criando imagens. Porém, nessa acepção, a imagem mostra-se efeito sensorial sem nenhum elo com o mimetismo. A imagem não representa nem substitui coisas230. E pode até ser abstrata, assim como os céus de bruma envolvendo a catedral visualizada como matéria e espaço volátil. Ante a dinâmica dessa matéria, uma atração pelo espaço convida o visitante a entrar em suas regiões coloridas. E habitá-las. Podemos então juntamente com Monet habitar sua catedral azul. E as cores e luzes das catedrais que em horas diversas ele pintou. Nos espaços azuis da catedral, Monet se aninhou nos abrigos coloridos. Captando na obra de Monet várias densidades nesse lugar quimérico, descobrimos forças moventes que dão à catedral movimentos ascensionais, deslocando-se entre chão e céu. Suas catedrais elevam-se a lugares que

227  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 26. 228  THÉRRIEN, Vincent. La revolution de Gaston Bachelard en critique litteraire. Paris: Klincksieck, 1970. p. 133-134. 229  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 28. 230  Cf. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Op. cit., p. 22.

198

O E ndobarroco e o E spa ç o na A rte de C é sar R omero


acolhem o visitante na matéria da pedra e da bruma. E de modos diversos, diferentes pintores inauguram espaços. Na pintura, o espaço revela-se cor substancializada pela imaginação atuando sobre a matéria231. E esse espaço concentra regiões abertas ao olhar receptivo ao dinamismo das cores assumindo qualidades afetivas e tensões emotivas232. Assim, nas paragens dos infernos pintados por Bosch, um fogo eterno queima-nos a alma e o corpo. Nas maçãs de Cézanne, um vermelho maduro sugere-nos o plantio da fruta. E, no mar revolto imaginado por Géricault, traiçoeiras águas ameaçam tragarnos a alma. Na obra dos diferentes pintores, a cor instaura espaços de aconchego ou de ameaça. De amorosidade ou de intranquilidade. Nas telas dos diversos pintores, o visitante se perde, ou se salva, ou encontra outros desígnios habitando as paragens dos espaços cotidianos. Na pintura de César Romero, a Bahia se torna habitat colorido. E “todo espaço verdadeiramente habitado traz a essência da noção de casa”233. Casario. Morada interiorana. Búzio. Estrela. Faixa. No roteiro pictórico de Romero, o Nordeste é sua casa. Uma casa que habita o mundo. Uma casa de matizes. Nessa casa vivem lugares recônditos e regiões iluminadas. Nos lugares dessa casa estão alojados nossos desejos234 e fábulas. Ativando a memória ou o esquecimento, sempre e sempre imaginária casa abriga-nos a intimidade e os afetos. “E quando nos lembramos das ‘casas’, dos aposentos, aprendemos a ‘morar’ em nós mesmos.”235 Nos quadros de César Romero, aprendemos a habitar um Nordeste real e imaginário. Aprendemos a habitar essa casa colorida e sombria que se enraíza na dobra da colcha. Não só nas casas dos Casarios e das Platibandas emblemáticas revelam-se lugares do habitar. O Nordeste torna-se lugar do habitar. Torna-se colcha e Faixa percorrendo o mundo. Dentro da Faixa emblemática, a colcha de retalhos – objeto da casa e arquétipo da vida – revela-se abrigo primevo. Caverna de retalhos. Dobra de pano. Na Colcha e nas Faixas correspondem-se e desdobram-se lugares internos e externos. Fundam-se lugares transitivos, tal como o percurso das imagens-migrantes passando pelas telas. E pela paisagem. Dentro e fora da casa, a colcha diversifica-se. Flâmula. Faixa. Emblema. Dorso de Oxumaré tingindo o mundo. E os arquétipos. Com relação às forças arquetípicas, deve ser observado que nos mitos, nas lendas e fábulas são comuns referências a casa ou ao lugar sagrado e/ou de abrigo. A toca. O casco do jabuti. A clareira na mata. Os labirintos. As grutas. Os vasos. Todos eles se convertem em lugares do habitar. Nas telas

231  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 26. Trata-se igualmente de temática desenvolvida por Bachelard nos ensaios sobre os quatro elementos. 232  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 26. 233  Cf. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Op. cit., p. 22. 234  Ibidem, p. 18. 235  Idem.

199


de César Romero, à experiência dos meandros da cor, o búzio, o selo, as bandeiras, as pipas, tudo se aloja nas dobras da cor, desdobrando-se entre infinitude e finitude. Intrínseca à pintura de César Romero, a dobra dinamiza as imagens. No búzio, as águas seguem curvas e nervuras. No machado de Xangô, o metal rememora as chamas do fogo. O raio de Iansã se dobra e percorre a ambiência. Corações flamejam. Estrelas e pássaros alçam voo, enquanto as cores tingem os mares de Faixas que se movem nas Cromutações e em Bramante. Podemos assim acompanhar a errância das cores revelando impulsos do pincel. Na “costura” de encantatória colcha de retalhos, César Romero insere a dobra fundamental da imaginação. Diante dela, que criança ou adulto não se viu contando pedacinhos de cores das colchas? Que adulto não dobrou e desdobrou os retalhos para encolher-se nas costuras das cores de tecido? No trabalho do artista uma colcha primordial se desdobra e se redobra nas telas para abrigar uma dobra arcaica a festejar a vida. Porém, a origem dessa dobra localiza-se em lugares e tempos de uma dobra arquetípica, marcada no momento em que o homem percebeu as primeiras regularidades da natureza. Mas só lhe foi possível captar essas primeiras repetições em virtude das irregularidades que assinalam mudanças fenomênicas. A dobra sugere confluência de diferenças vinculadas por algum elo, em sendo algumas vezes vínculo. Outras, liame mais fraco. Ligação primitiva. Vaivém do pensamento e do corpo236. Qualquer que seja a dobradura da dobra, nela se mostra uma relação entre seres diversos. Coisas diversas. Modos diversos de ser. Identidades plurívocas. Entre desdobramentos e redobras, ao olhar algo se mostra. Algo permanece em velamento. E as singularidades da dobra mostram-se pelo diferencial da cor revelando “a diferença que se diferencia”237. Revelando o riso da cultura popular. Revelando o impulso da vida que se diferencia da mesmice. Mas na pintura essa articulação não se revela binária. Muito menos maniqueísta. Ela se expande. Flexibiliza-se. Numa convergência do endobarroco e da carnavalização, a dobra mostra-se ultrapassagem das dualidades. O espaço pictórico torna-se lugar de demarcação-desmarcação de território cromático. E nessa circunscrição insurge-se um tempo anunciador e esperançoso. A cor, por sua vez intensa, dá ao trabalho de Romero características temporais238. Nesse sentido, o tempo subsume tensões afeitas à poética da cor. Através das mudanças captadas pelo olhar, torna-se possível mencionar-se um tempo da cor. Trata-se de um tempo afeto aos contrastes.

236  Cf. DELEUZE, Gilles. Op. cit., p. 199-200. 237  Ibidem, p. 26. 238  Consulte-se o capítulo 12.

200

O E ndobarroco e o E spa ç o na A rte de C é sar R omero


201


202

O E ndobarroco e o E spa ç o na A rte de C Ê sar R omero


203



A Carnavalização e o Tempo na Pintura “Não falarei de coisas, mas de inventos e de pacientes buscas no esquisito. Em breve, chegarei à cor do grito à música das cores e dos ventos.”239

O Tempo na Arte de César Romero Dentre os fenômenos da transformação, nenhum é mais instigante para o homem do que o tempo. Passa. Permanece. Morre. Vive. Revive. Sentimos seus efeitos no plano sensível. Mas não vemos seu passar. A ele se relacionam todas as coisas do pensamento e da ação. Todas as experiências sensoriais. Relacionando-se a tudo que cerca a vida, pode ser dito que o tempo constitui a própria experiência da vida. Todo tempo é uma ordenação e toda ordenação é um tempo240. Na pintura, a temporalidade emerge como experiência estética, isto é, como experiência sensorial. Captação de cambiâncias. Emissão da luz tonalizada em contraponto com sua ausência, o tempo se desnuda pela cor. Emissão de luz dando vida às áreas escuras das telas, esse tempo surge entre correspondências e tensões cromáticas e ritma as transformações dos espaços pictóricos. Ele mobiliza e ritma imagens que estancam e se movem diante do olhar, retendo a parcialidade e a permanência da cor na experiência visual. No campo das artes quase sempre encontramos referências aos espaços representados pela geometria. Afeitos ao determinismo conceitual e linear, poucas vezes nos questionamos quanto à origem dos espaços percorridos e vividos esteticamente. Jamais questionamos a relação entre o espaço e o tempo pictóricos. E nos esquecemos de que a cor se revela como fenômeno momentâneo. Cambiante. Mas jamais aleatório quanto aos desígnios do pincel. Na pintura de César Romero as cores aderem a um tempo que ao olhar se evade e se renova. Esse tempo rege as transformações dos espaços semoventes. Trata-se de um tempo intrínseco às tensões do colorido, estabelecendo

239  PENA FILHO, Carlos. Soneto das definições. Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. 4. ed. Seleção Edilberto Coutinho. São Paulo: Global, 2000. p. 91. 240  Cf. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 185.

205


ritmos. Vimos que em seu trabalho, e de modo mais intenso nas Cromutações e em Bramante, o espaço integra qualidades transformacionais da cor. E tais qualidades se explicitam através de diferenças que reúnem localizações afetas ao exterior e ao interior, ao que se posiciona abaixo e acima, dentre outras oposições que culminam nos caminhos da finitude e da infinitude. Nesses espaços ocorrem transformações. Mudanças. Inscrevem-se fenômenos transitivos. Em sendo intrínseco à pintura, o tempo revela-se transformação ritmada numa ordem própria da obra do pintor. À dinâmica dos espaços, as cores sinalizam tempos. Ante essa perspectiva temporal deflagradora de espaços interativos, lembremos que na arte de Romero, seja diante de um quadro, seja no conjunto da mostra, o visitante acolhe momentos do olhar. Do seu próprio olhar. E do olhar das cores invertendo os tempos do mundo e os da razão. A pintura atua como um olho de múltiplas direções e intensidades, e nessa experiência insurgem-se tempos nascentes. Para cada visitante, o tempo, ou seja, a experiência da cor, dirige-se a um foco diverso. Múltipla e ritmada é a dinâmica das cores. Essa dinâmica se faz sempre receptiva ao olho que quer contemplar além do que pode ser visto objetivamente. Na pintura essa dinâmica constitui um tempo, que pode ser captado através das mudanças afetas a um fragmento ou através das transformações abrangentes da obra inteira. Revelando-se instantâneo, esse tempo igualmente atua como aquele que é intrínseco à poesia. Por isso pode ser chamado de

206

A C arnavali z a ç ã o e o T empo na P intura


instante poético241. Ele é instantâneo. Encarna tensões. Ritmando mudanças na esfera do espaço pictórico, a cor revela-se temporalidade. Nesse fenômeno podemos localizar, dentre outros, dois deles temporais, que são convergentes na pintura de César Romero: o tempo poético e o da carnavalização. Um tempo instantâneo. E um tempo cíclico. Quanto ao tempo poético, em sendo ele instante, trata-se de um fenômeno que desconhece a duração. Quanto ao tempo cíclico, trata-se do tempo da carnavalização, que desconstrói a ordem cronológica. Eis então que, sob o enfoque da poética, nas transformações e tensões afeitas ao colorido tangenciamos uma noção de tempo que se inicia no campo da cor. Trata-se da apreensão do tempo como instante242, do tempo poético. Nesse tempo, tudo finda e se inicia. Cor e tempo encarnam uma ontologia e uma ontogênese enquanto o tempo cíclico da carnavalização desconstrói a ordem cronológica, para assumir o tempo da festa. O ciclo da festa. Quanto ao instante poético intrínseco à cor, diverso do tempo cronológico que segue sempre a mesma direção, na pintura o instante se multiplica e atua em efeitos de simultaneidade. Diverso do tempo que dura, ele de desfaz e ressurge. Esse tempo pode se mover nas direções de subida ou descida. Em circularidade. Mas nunca retorna ao ponto de partida porque instaura movimentos helicoidais. Esse tempo cintila. Expande-se. Contrai-se. Na pintura de César Romero, a cor expande-se em impulsos de transformação dos espaços. Elabora forças seminais. Nesses impulsos e forças afirmam-se os instantes da cor. A cor é tempo ritmando o espaço. Ritmado pelo tempo, ou seja, pela cor, o espaço é alvéolo de possibilidades. Lugar transitivo. Lugar vermelho. Lugar azul. Tempo vermelho. Tempo azul. Tempo em transformação pela proximidade das cores diversas. Na arte de César Romero o tempo mostra-se expectativa e fuga. Faz-se, então, importante o rumo do pintor visitando tempos da cultura e atualizando tempos arcaicos, para traduzi-los no instante da experiência da cor. O tempo é cor. A cor é tempo. E esse tempo se entranha nas texturas que assumem efeitos cambiantes e despertam o “tato”. Junto à visão, as impressões “táteis” ganham dimensão temporal. O tempo é cor. A cor é tempo. Tempo poético. Na arte de César Romero, o mundo “é” hoje. O mundo “é” agora. E o tempo revelase simultaneamente espoliador e doador243. Morre. Mas renasce. Renasce das cores. E nas cores. E esse tempo poético adere ao tempo da carnavalização, que desconstrói a sequência temporal entre o que se oculta e se desvela. Entre sombra e luz. O tempo poético integra-se ao tempo da carnavalização, comemorando a vida. Mas trata-se de

241  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 183. 242  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 183. 243  Cf. BACHELARD, Gaston. L’intuition de l’instant. Paris: Stock, 1992. p. 15.

207


tempos diversos. De modo genérico, a pintura sempre se conduz pelo tempo poético. Mas nem sempre os pintores se lançam ao tempo da carnavalização, que se faz atuante pela intensidade do colorido e/ou pelas recorrências às imagens que referendam a temática e os ciclos afeitos à cultura popular entre as desconstruções da cultura oficial. Na pintura de César Romero, em suas desconstruções, o tempo da carnavalização festeja-se como um ressurgir ante o tempo dos acontecimentos oficiais. Em tempos medievais, os festejos da carnavalização chegavam a durar três meses por ano244. Lembremos então que, nas comemorações das Festas de Largo realizadas na Bahia, temos um calendário igualmente extenso, que vai de dezembro a março. Note-se, pois, a riqueza das imagens à disposição do artista, nesse clima que abrange a cidade e envolve quem vive nessa ambiência permeável ao festejo popular, reunindo camadas sociais diversas e personagens diversos. Porém, quanto à duração da festa, esta referência se faz aqui ao tempo cronológico, que é diverso dos tempos vividos como experiência do poético e da carnavalização. Quanto ao tempo intrínseco à carnavalização, não se trata de um tempo do calendário. Então lembremos que no festejo vige um tempo de liberdade e igualdade. Trata-se de um tempo utópico, concebido no bojo da carnavalização medieval quando “tais festejos obrigavam o homem a renegar, de certo modo, sua condição social (como monge, clérigo ou erudito) e a contemplar o mundo de uma perspectiva cômica e carnavalesca”245. Sob esse ângulo o tempo se antepõe ao curso dos acontecimentos oficiais. O tempo se insurge para conduzir suas próprias rédeas dentro do Carnaval e dos eventos carnavalizados. Considerando-se as variáveis históricas e culturais, aquele que se apercebe do fenômeno da carnavalização no plano da cultura popular hoje se vê de certo modo receptivo a essa visão de mundo diversa da cultura oficial. Trata-se de um tempo intrínseco a essa mundivisão que envolve o riso, realizando uma inversão da ordem do calendário da cidade. Trata-se de um tempo comemorativo. Um tempo da cor. Lembrando que na arte de César Romero define-se na cor a referência ao riso da carnavalização, ante o colorido de sua pintura, o homem da cidade é instigado a rir-se de si próprio ante a homogeneização atuando no plano cultural. Nesse riso, o tempo subsume e impulsiona diferenças, assim como ocorre na colcha de retalhos que, do ponto de vista imagístico, atua nas telas como metáfora e diferencial ante a tendência à ideologia da identidade única. Afirmando esse diferencial, entram em cena as imagensmigrantes, deslocando-se pela pintura e realizando errância de uma tela a outra. E muito além. Elas invertem a ordem do tempo do mundo, sobretudo nas Faixas, e com maior intensidade nas Cromutações e em Bramante. Sem pouso certo, as figuras-

244  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 11. 245  Ibidem, p. 12.

208

A C arnavali z a ç ã o e o T empo na P intura


209


migrantes atuam numa analogia com o anti-herói sertanejo que consigo carrega mito e estrada. Nessa errância das cores surge um rastro legendário. E inaugura-se um tempo anunciador, que se remarca pela carnavalização. Sob a égide da carnavalização cria-se um tempo utópico. Na carnavalização medieval e na renascentista imbricavam-se “concepções do tempo cósmico ou natural, biológico e histórico relacionados a períodos de crise na natureza, na sociedade e na vida do homem”246. E de modo inexorável e ambivalente, esse tempo se relacionava à morte247. Mas ele era igualmente epifania. Porque o tempo vem à luz. E traz tensões entre luminosidade e sombreado. No Carnaval e nos outros festejos regidos pela carnavalização assinalava-se uma libertação temporária da verdade dominante, bem como a abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus248, lembremos. Na carnavalização medieval ocorria a autêntica festa do tempo. Realizava-se a festa das alternâncias e renovações249. Realizava-se a autêntica festa do tempo em que tudo se tornava possível. Realizava-se uma dobra no tempo, reunindo diversas temporalidades.

246  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 8. 247  Ibidem, p. 22. 248  Ibidem, p. 8. 249  Ibidem, p. 8-9.

210

A C arnavali z a ç ã o e o T empo na P intura


A Dobra no Tempo À dinâmica da carnavalização na arte de César Romero, o tempo adquire um tom esperançoso. Exultante de vida, o colorido se expõe como temporalidade íntima e inaugura uma inversão da ordem do tempo cronológico e do tempo dos acontecimentos oficiais. Aos espaços inerentes às dobras, desdobramentos e redobras do tecido na colcha de retalhos e na tela, o tempo move-se ao ritmo desses dobrar-se, desdobrar-se e redobrar-se. Acelera e desacelera movimentos. Impulsiona vínculos e desvínculos. À dobra no espaço pictórico corresponde uma dobra temporal. Uma dobra que motiva e ritma transformações. Trata-se de uma dobra no tempo, intensificando-se nas texturas. Nos matizes em transparência. Nas irregularidades da tinta emitindo luzes. Revisitando a pintura de César Romero percebe-se a importância das texturas diferenciando superfícies através da diluição da tinta. O pintor assinala sua emblemática como quem borda com pincel o linho da tela. Criando densidades e espessuras diversas, as texturas mesclam no pano as cores da acrílica costurando imaginária colcha de retalhos. A textura se faz instância do tempo explicitando transformações no espaço pictórico. Através dos sentidos a textura se opõe à percepção do compacto. Nos planos ideativo e sensorial, a textura se opõe à ideia de perpetuação. À ideia de forma. À ideia de conclusão. Eis aí na pintura de César Romero outra metáfora da carnavalização medieval, visto que, para diluir as certezas e verdades

211


do mundo, e para criar um tempo circunscrito à festa, nos festejos carnavalizados desconhecia-se a ideia de conclusão e a de acabamento. O tempo do festejo desconstruía a temporalidade cronológica e outros tempos de ordem sociocultural. Do mesmo modo, na pintura de César Romero, diluindo-se e transformando-se ante os sentidos, a cor desafia a causalidade eficiente e os limites racionais da temporalidade. Nas telas de Romero ocorrem mudanças simultâneas. E toda mudança carrega em si um fenômeno temporal. Na pintura de César Romero as “irregularidades” das texturas apontam para mudanças perceptivas que compreendem um tempo em processo. Anunciador. Esse tempo rege os acontecimentos de um espaço igualmente em processo. Ante as cores participando desse tempo, o visitante vive o sentido da carnavalização. O visitante participa da carnavalização, porque “os espectadores não assistem ao Carnaval, eles o vivem, uma vez que o Carnaval pela sua própria natureza existe para todo o povo”250. O visitante vive a cor ao participar do festejo. Assim como no espaço público da carnavalização, na pintura de Romero o Nordeste quebra fronteiras. À vigência da carnavalização medieval, a vida aderia aos desígnios do festejo, visto que sob essa mundivisão não existia nenhuma fronteira espacial. Todos viviam de acordo com essa desterritorialização das interdições. E só se podia viver de acordo com os atos de liberdade. Era esse e é esse o seu princípio. O tempo da vida regia a ordem dos acontecimentos no espaço da festa. E de modo intenso a vida representava-se a si mesma251. A vida concentra-se no tempo da carnavalização. Nesse tempo, ela renasce. Aos efeitos das transformações das cores, na pintura de César Romero instaura-se um tempo do renovar-se. A par desse tempo da carnavalização, brota um tempo íntimo que se faz impulso e fôlego de quem vive o festejo, porque o instante poético é um tempo íntimo. Experiência única. Na pintura de César Romero, o tempo constitui-se poético e carnavalizante. Ele fixa e dinamiza os efeitos da cor, entre oposições de cores e luzes. Então o mundo nasce da cor. Torna-se fragmento temporal. Articula-se em fragmentos. Articula retalhos da colcha. E acompanha o percurso das imagens-migrantes atuando entre o fortuito e a permanência. Sob o regime desse tempo, vejamos este raiozinho espelhado ziguezagueando em algumas telas. Ele surge como fragmento perceptivo marcando seu tempo íntimo. Este tempo será detectado por outro olhar. E renascerá aos olhos de outros visitantes. Na pintura do artista, as bandeirolas, as setas, os pássaros, enfim, esses e outros motivos expressam o instante em fuga. O tempo que morre. Mas renasce. Em outro olhar. Em outro tempo. Renasce em outro instante.

250  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 6. 251  BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 7.

212

A C arnavali z a ç ã o e o T empo na P intura


213


Assim, no instante poético, reúnem-se acontecimentos circunscritos a oposições e diferenças252. Reúnem-se a finitude e a infinitude espaciais. Reúnem-se a eternidade e o tempo em fuga, inscritos nas cores da colcha de retalhos e na pintura. Colcha e pintura integram um tempo da cor. Integram espaços regidos pelo tempo cromático. Cada pedaço de tecido se faz espaço e instante da cor. Nas Faixas ou na colcha de retalhos, o tempo vertiginoso mergulha dentro de si mesmo, para morrer e renascer ao olhar. Ao olhar do visitante. Esse tempo morre para renascer aos sentidos. Então podemos ver o tempo. Podemos senti-lo coroando a atualidade do instante. Temporalidade poética é também a do olhar. Porque vemos a cor pulsando seus instantes. Se me detenho na predominância do verde, a matriz do verde se põe em cena a cromutar-se. A raiz do verde torna-se emblema. “Verde que te quero verde.” Verde que te quero prisma de cores. E te vejo tátil, quando meus olhos giram pelos instantes da cor pontuando a Bahia na sala da mostra. E no mundo. Vermelho que te quero vermelho. Azul que te quero azul. Cor que te quero cor. E te quero coração. Estrela. Búzio. Cor que te quero Nordeste. E te acolho emblema. Olhar que te quero tempo. Cor que te pressinto “agora”! Tempo que te adivinho ritmando a vida. Na pintura de César Romero fulge um tempo instantâneo na matéria da pintura. A matéria da pintura é a cor, lembremos253. Mas não se trata de matéria no sentido físico. É ela substância alquímica. Elemento onírico. Princípio amoroso que surge como arquétipo da vida. Podemos dizer que esse tempo é fragmento e completude. Retalho e colcha inteira a percorrer o roteiro pictórico do artista. Esse tempo expõe o sentido das coisas da terra revividas no colorido, enquanto outros tempos adormecem e despertam entre cores que, reunidas, comemoram identidades híbridas à vigência da carnavalização. Na arte de César Romero, além do tempo da carnavalização e do poético aqui aludidos, inscrevemse outras temporalidades, porque em suas telas o tempo pictórico se remete ao mundo do ponto de vista da atualidade e da cronologia históricas. E em sendo o tempo na pintura de Romero uma instância da cor, sua brasilidade afirma-se em sincronia com os acontecimentos atuais, como uma identidade que compõe uma heráldica da terra, como parte de uma cultura viva. No trabalho de César Romero o Nordeste vive com seus paradoxos, porque o pintor não escamoteia as diferenças entre sertão e urbe. Traduzindo nas telas uma Bahia emblemática, o pintor não inventa uma tradição fictícia atrelada ao passado. Mas universalizando o regionalismo através da linguagem das cores, ele assume a mundialização da arte como fulcro de diferenças no tempo presente. A pintura como produção artística se inscreve nesse tempo histórico que a projeta no mundo cultural.

252  Cf. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 185. 253  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 26.

214

A C arnavali z a ç ã o e o T empo na P intura


Assim como o tempo poético, essa temporalidade faz-se também intrínseca à pintura. E na arte de César Romero essas temporalidades confluem no tempo da carnavalização. Nas cores, o pintor confirma o tempo esperançoso em que se realiza a inversão da ordem da cultura oficial. Não mais a inversão da ordem da igreja e do Estado, como ocorria em tempos medievais. Mas a inversão de uma ordem mundial, em seu aspecto pasteurizado e uniformizante. Normatizador. Então podemos pensar o trabalho artístico enquanto força propulsora de novos quadros mentais anunciando mudanças. Marcando sua emblemática, a pintura de César Romero mostra ao mundo a Bahia da colcha de retalhos desdobrando-se nas telas de linho. Porque uma está dentro da outra. Porque nas dobras da colcha e das telas surgem ritmos e forças impulsionadas pelo tempo da carnavalização convergindo nas trocas cromáticas. Se, ao inverter a ordem, a meta da carnavalização medieval consistia em reconstruir o mundo pelo riso na perspectiva das desconstruções do tempo oficial, temos na arte de Romero uma “leitura” metafórica da carnavalização, repetimos. Através da cor, o artista expande as fronteiras do mundo por meio do riso. E o riso se inscreve no tempo que, driblando a morte, se propaga através de contrastes gerados por cores diversas. Cores, cujas variações figuram um tempo do olhar, congregando tempos das cores em atuações simultâneas e desconstruções do tempo cronológico. Essas desconstruções subsumem o tempo poético. Toda poética, em certo sentido, se faz desconstrução. Na pintura de César Romero, essa dobra no tempo mobiliza a alma e os sentidos. E o quê os sentidos não escondem, o coração desvela nos matizes da festa. De uma festa em que o Nordeste fala sua língua. Expande sua linguagem. Universaliza seu idioleto. Realiza a utopia. E negase à tonalidade uníssona e atonal do mundo globalizado. Lembremos que, eivada de sátira, a cultura popular encontra sempre uma brecha para pôr o mundo de cabeça para baixo, mormente no Carnaval. Lembremos também que a pintura de César Romero realiza a festa da cor. Nessa festa não é possível olhar sem ver. Então, descobrir o potencial maior dessa festa nos outros planos da cultura, quem sabe um dia? Repercutindo em momentos de êxtase, assim como o tempo da poesia, a curvatura da cor reúne o instante e a eternidade254, ou seja, reúne instâncias do tempo entre a realidade e a possibilidade. Em sendo intrínseco à dobra, nesse tempo algo se mostrará. E algo permanecerá em velamento enquanto os sentidos cavalgam fronteiras além de si. Então, ante o riso das cores pondo o mundo de cabeça para baixo, não estará a identidade única atrelada a um discurso ideológico? Não refletirá esse discurso a fala de um inexorável e invisível Big Brother compondo os espaços do mundo como se fossem tentáculos de um panóptico? Em sendo a globalização um fenômeno atrelado

254  BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 183.

215


à instância financeira255, não será o discurso da identidade única uma ordem totalitária que atua como recusa do tempo da carnavalização? Uma recusa da ressurreição? Uma recusa do riso? Uma recusa da inversão da ordem? Comportando tais questões, na pintura de César Romero a cor exalta a vida. Ela carrega em si o riso que nos chama à realidade que está diante do nosso nariz. Então deve aqui ser lembrado que na obra O nome da rosa o autor “sugere”256 que a garantia do discurso e da atuação da autoridade se devia à não divulgação de um livro: o escrito de Aristóteles sobre o riso. Sobre a comédia. A tragédia não oferecia perigo. Era obra do destino. Contra essa força nada era eficaz. Mas quem conseguiria impedir a inversão da ordem do mundo através do riso? Através do riso desconstruindo o “discurso do destino”? Eis o questionamento que a partir da pintura de César Romero arrebata o visitante nesse universo das cores assumindo o riso da carnavalização. Nesse rir-se eclode um tempo esperançoso. Epifania ante o sombreado que se demarca ao curso inexorável do tempo cronológico. Desconstruindo essa temporalidade, emerge o instante da cor regendo as tensões que abarcam os espaços circunscritos à arte e à vida.

Exposição Bramante, Palacete das Artes, Salvador / Bahia, 2010

255  Cf. FURTADO, Celso. O capitalismo global. Op. cit., p. 75-76. 256  ECO, Umberto. O nome da rosa. Trad. Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de S.Paulo, 2003. Trata-se aqui de uma interpretação. Não há referência textual quanto a essa questão.

216

A C arnavali z a ç ã o e o T empo na P intura


217


218

A C arnavali z a ç ã o e o T empo na P intura


219


To Professor Ivan Cavalcanti Proença, a tireless master in the fight for the survival of popular art, whose ideas gave base to my writing on carnivalization and endobaroque. To my mother, who remembers shadow-making theatre, São João festivals and “maria-preta”1, and who enthusiastically accompanied the making of this text. In memoriam to my father, who introduced me to the art world at an early age, and one day selected a writing theme which has accompanied me professionally and personally throughout my life.

1  black-maria.

220


ENGLISH VERSION

The Brazilianity in César Romero’s Painting Mirian de Carvalho

1st edition Salvador. Editora Expoart 2016

SPONSORSHIP

221


“Tu que conviveste o Sertão quando no sim esquece o não e sabes seu viver ambíguo, vestido de sola e mitos, (...)2. João Cabral de Melo Neto

“Na mobília austríaca, no cristal da Baviera, nos bibelôs da França, na porcelana da China, um sertão de iluminuras viaja por alto-mar (...)”3. Cyro de Mattos

2  Free translation: “You who lived the hinterland, / when through yes forgot no, / you who knows your ambiguous way, / dressed in sandals and myths (…)”. 3  Free translation: “On the furniture of Austria, / on the crystal of Baviera, / on the bibelots of France, / on the porcelain of China, / a hinterland of flickers / travels the high seas, (…)”.


225 Introduction 228 Deconstructivist Transrealism 228 232

The Amplitude of Contemporaneousness in Art Identity and Globalization

234 The Survival of Particular Identities 234 237

Cultural Identity and Globalization Identity and Idealization in Popular Culture

241 The Plastic-ideative Autonomy in César Romero’s Art 241 244

“Geometry” and the Fable The Popular and the Erudite

247 The Reach of Carnivalization 247 249

Areas of Emergence of Carnivalization Laughter in Popular Northeastern Culture

249

Rites and Religious Cults

250

Spectacles, Parties and “Folguedos”

250

Comical Verbal Art

251

Popular Architecture

251

Fine arts and its objects of use

252 Carnival 252

Music and other Rhythms

253 Carnivalization and the Baroque 253 255

Carnivalization and Endobaroque Carnivalization in the Brazilian Baroque

257 The Notion of the Endobaroque 257 260

The Principles of the Endobaroque Extension and Limits of the Endobaroque

263 César Romero’s Pictorial Trajectory 263 Emblematic Themes 266 Chromatics 267 Bramante 268 Warps

270 Carnivalization of the Sacred and of the Profane 270 272

Candomblé and Town Square Festivals Carnivalization and Carnival

275 The Patch Quilt and the Signs from the People 275 277

From Popular Culture to César Romero’s Art The Patch Quilt and the Language of Carnivalization

279 Laughter and Color 279 282

Celebration and the Chromatic Laugher Carnivalization and Migrant-Images.

285 Endobaroque and Space in César Romero’s Art 285 287

Pictorial Spaces and the Fold The Unfoldings of the Patch Quilt

290 Carnivalization and Time in Painting 290 292

Time in the Art of César Romero The Fold in Time

295 About the Author 295 About the Artist 296 Mini Glossary


TRANSLATOR’S NOTE Some terms peculiar to popular Brazilian culture were maintained in Portuguese in order to preserve their regional character. The translation or explanation of these terms are in parentheses on the first occasion when they appear in the text, and as a footnote. To facilitate posterior consultation, there is a mini glossary of these words at the end of the English version of this book.


Introduction

César Romero is a doctor, a businessman and a highly educated erudite artist. As exhibitor he conducted his painting to the plane of internationally renown, having exhibited his work in various countries in Europe and Latin America. However, when defining an aesthetic project intrinsic to his artistic production, he opted to focus popular northeastern Brazilian culture, inserting it in his painting through thematic means and colors inherent to the regional ambient. His native land reverberates in his motives. The Bahian soil pulsates in his themes. Born in Feira de Santana and resident of Salvador, César Romero assimilates and celebrates the signs from the people4, an expression the artist coined to designate the backland culture of his region. His reverence to popular themes is manifested through intense coloring, moving universes of pictorial nature. In the universe of moving colors, César Romero inscribes the life and the memory of the people, visiting manifestations of the profane in Bahian lands. He apprehends the people’s faith through references to Candomblé and celebrations beyond to the Saints and other images of Catholicism. In commemorating the backland views, he highlights the houses and the people’s church. Romero contemplates the kites flown about in the skies by young boys. He celebrates the flags, tamborets and benches of the makeshift bars of the Town Square Festivals and popular markets. He exalts carnival, the June festivals. The “folguedos”5. The circus. He colors the walls of the backland homes. In his work, César Romero attains saintly space and altar. In his art, customs and crafts shade. Things of people. Things of divinity. The signs from the people give voice to the regional culture as one of our identities today. However, to declare that César Romero’s art exalts the Brazilian or regional identity in virtue of the themes becomes a generic and vague statement. Today, the question of identity involves problems of various natures. Thus, to understand the philosophical, cultural and poetic aspects of César Romero’s work, we observed the studies of several authors. Tracking the intense chromatics revealed in Romero’s work in book form by approaching thematic, aesthetics and the chronology angles of his artistic production, Klintowitz’s work made it possible for us to define a pictorial script of Romero’s work as of the 1960’s. According to this, we begin this essay with some reflection on the question of identity, through a dialog with Stuart Hall. In the case of the vibrant coloring on César Romero’s canvases, we delve into the influence of cultural blends in his painting that adhere to the upbringing of “Brazilian culture”. We also emphasize the convergence of diverse identities which, in the artist’s work aggregate contents of popular and erudite culture. Still, throughout the text we emphasized the aesthetic dimension of the painting, focusing the poetics of color in the artist’s work, connecting to a poetics of space and of time, according to some of Gaston Bachelard’s principles and thought lines. However, together with poetic dimension of time, the artist’s work was also approached in this essay on the ambit of carnivalization, as deconstruction of chronological time intrinsic to the colors that, in César Romero’s art, commemorates popular culture. Carnivalization is a nodal point of this text, describing how the colors of César Romero’s art translate popular art of Northeastern Brazil. To provide clarity to this prism, we referred to the writings of Mikhail Bakhtin. His studies focused the disparate difference between popular culture in the Middle Ages and in the Renaissance period in comparison to the official culture as represented by the State and the Church. From the angle that popular culture is seen as an inversion of order, Bakhtin tracked aspects of carnival and other celebrations, sayings, and behavior of equal content. He focused their importance in art and in literature, emphasizing the main characters chosen from popular medieval and renaissance cultures in the text of Rabelais. With this perspective, we focus César Romero’s work in its relation

4  ROMERO, César. Mostra Cromutações - Pinturas. Rio de Janeiro: Centro Cultural Correios, 2001, p. 1. 5  Folkloric festivities joining dance, theatre, chant and other popular artistic expressions.

225


to popular culture through the theme, though giving relevance to coloring based on an approach of carnivalization which, reaching different popular manifestations, shows itself to be rich in differences to the official culture, especially in relation to the models of mass culture, among other standards connected to globalized society. Understanding carnivalization as an instance of color in César Romero’s art, we find similarities and differences in his painting in relation to spaces in the “Baroque”, as was conceived by Eugenio d’Ors and Helmut Hatzfeld among other authors who brooded on the theme in a manner not restricted to 17th Century. In this comparison, we see a glimpse of endobaroque traces in César Romero’s art, as a category or principle that was initially proposed in our book about the poetry of Péricles Prade6. The referred study was based on the thinking of Ivan Cavalcanti Proença, who identified and methodized traces of a pan-baroque writing in literature, after the 17th Century, which are present nowadays. However, by choosing such paths, we avoid an ingenuous look and a traditionalist view in order to study globalized world, culture and art. Most of all, we also avoid a nationalist and xenophobic ideology. Our view is of the representativeness of regional culture in the contemporary world through dialog between contents of popular and erudite culture in convergence in César Romero’s work. Following the labyrinths of color in César Romero’s art, we adhere to its vivacious commemoration of life reverberating in spaces and times that highlight the relation between the popular and the erudite. In the sequence of this relation, we identify certain instances in the artist’s work which capture and indicate a dialog between the aspects of hinterland7 and the city nowadays, echoing a carnivalization that grows as an inversion of order and affects social and political hierarchies, through the theme and, most of all, through color, we repeat. By identifying said inversion, we perceive that it is in line with ideative and plastic deconstructions of endobaroque nature. By means of oppositions and/ or differences, there is a deviation from the principle of identity and a deviation from the absolute, bringing spatial tensions to painting, expressed by curves, diagonals and by breaking with the schemes of figure-ground. These spatial tensions adhere to chromatic and luminous contrasts, providing a poetics of color. By becoming material and dynamic of painting, color establishes singular spaces and times, inaugurates an ontology, and an ontogenesis. Chromatic beings emerge in the creation of painting. To the color flow, and considering cultural differences that thrive in César Romero’s work, we emphasize the AfroBrazilian symbolism because, in Bahia, the people coined a saying that the researcher learned together with them: “Nothing happens without Exú”8*. In the mythology or the Orixás, or African deities”, Exú is the deity that receives the first homage, before the offers to the other Saints of the “abassá”9. He clears the paths. He opens the doors. And the heart. In visiting César Romero’s work, Candomblé reveals itself as a relevant motivation in various aspects. Here it appears as a thematic and chromatic reference, for let it be said: in Romero’s painting, Exú opened the paths to the altar of Oxumaré, Son of the Lord with the Shining Shawl. Divinity of the rainbow. Body of the serpent. Chromatic body, Oxumaré’s back undulates on the painter’s canvases, coloring the signs from the people. Joining cultural features of diverse identities, Romero’s painting universalizes this cultural universe. Carnivalizing the world, color gives place and voice to the people in this celebration of regional ambience, staking its presence in globalized society. By carnivalizing the world, color joins man and Earth, as in a deleuzian fold. In the artist’s paintings, the Northeast Brazilian culture pulses, carnivalizing the canvases and the world from the imagistic of the patch quilt. On his canvases, colors unfold from the colored and the intrinsic mixtures to the patch quilt, an object of use, an artistic object and featured focus of this essay, understood as a metaphor of ethnic mixes in Brazilian culture. Covering the body or adorning the house, the quilt reappears in Romero’s art as the banner of living

6  CARVALHO, Mirian de. Metamorfoses na Poesia de Péricles Prade. São Paulo: Quaisquer, 2006. 7  Hinterland” and “outback” are words similar, but not exact, to translate the word “sertão”. It refers to regions that are generally undeveloped economically and almost always located far from major urban centers. 8  * “Nada se faz sem Exú”. 9  Place for the cult of Saint in Candomblé.

226


intimately with differences. Diverse colors and cloths mix themselves in this intimacy. In this meeting of differences, as in the patch quilt, the linen canvas unfolds and spreads as the flag of the outskirts. In this context of differences, the Northeastern culture shows the world Bahia’s place in César Romero’s painting. In creating festivals of shades, the painter celebrates life. Color becomes a celebrative guffaw. A chromatic laugher. Laughter of carnivalization. Color becomes a metaphor for laughter. A time of resurrection. A time of looking. Traversing the painter’s canvases, colors highlight the Northeast culture as the fulcrum of diverse identities. Among variations of color, the artist meanders through a deconstructivist transrealism, an expression we coined to characterize an aesthetic guideline in contemporary artistic production with an erudite nature, swerving from the homogenization spread by the globalized world10. However, it’s not about style, nor movement, nor the school. Deconstructivist transrealism is revealed as a phenomenon of cultural resistance that transverses Latin America, its greatest representative being Brazil. While still subsuming large scale traces of carnivalization and/or endobaroque, it deals with distinct categories, observing that deconstructivist transrealism is a self aesthetic grain of art in contemporaneousness. However, in this confluence of aspects which interconnect diverse categories, together with notions of endobaroque and deconstructivist transrealism conceived in the course of our research, as well as in relation to carnivalization, an established category in the field of cultural philosophy, we find traces or characteristics that approach the term “opposition” and its plural. In regards to this reference, it is emphasized that, in the course of this essay the term “opposition” does not necessarily carry an antithetic charge, though it does carry a tangent toward the meeting of differences and to the cohabitation of contraries, without allusion to binaries. In this sense, oppositions circumscribe to being in the world, though this being in the world implicates growth. Transformation. Dynamism. Participation. This being in the world, though it is not expressed as conflict, reveals itself as tension. Life shows itself to be tension in its sequence or interruption before the unknown. And nothing reveals itself to be complete knowledge. Absolute clarity. Definitive color. In this way, the oppositions in César Romero’s work gain a poetic aura. And all poetry contains tensions. In the bachelardian perspective, all poetry wants a language which approximates it through a deviation of conceptual parameters. Thus, in this interpretation of César Romero’s work, we visit images which conduct estrangement. “Tactile visualization” is one of these images, among many others. Lastly, it is important to register that, in this essay, bypassing the methodological point of view, the direct observation of the artist’s works, as well the bibliographic research on what touches the concepts and categories, our goal is explicitly making questions. In the sequence of the text, as mentioned, we touched on “poetic licenses” in relation to language. This way, between questions and concepts, our greatest scope is to instigate the surge of new pertinent questions to the themes at hand, besides those exposed herein. Inasmuch, we tangent “licenses to think” and, through digression pertinent to the theme in focus, we tangent the field of literature. In virtue of the extension of the text, we intentionally include repetitions in our writing to situate the reader with the referred questions. To provide greater clarity to the course of the reading, we define theoretical aspects from the first to the sixth chapter, which, in their relation to César Romero’s work, base this essay and conduct problematic aspects related to various themes broached in this text. In the remaining chapters, we focus César Romero’s painting in relation to the ideas and arguments herein exposed.

10  Check Chapter 1.

227


Deconstructivist Transrealism “I’m searching for a painting, as one who searches for a National Anthem. I am Bahian, Northeastern, Brazilian and universal.”11 THE AMPLITUDE OF CONTEMPORANEOUSNESS IN ART Party Colors. Festivals of Bahia. Brazilian colors. Universal insertion. Cosmic luminosity. César Romero’s canvases transit the world, awaking the senses. Conducting exuberant chromatics, his painting has been a focus of the public eye in diverse exhibits in Brazil and abroad. Conducting complex questions, César Romero’s work has been focused by many specialists who define his artistic production in diverse manners stylistically and aesthetically. Constructivist? Surrealist? Neo Baroque? Such approaches were the object of study and reflection throughout this text in which we observe the artist’s pictorial script and centralize on the colors and the lights of a moving world that originates in popular culture. To the flow of this moving world, we search for the roots and the trails of its party colors and lights. Adhering to this moving world, we find images that transit popular culture through the instances of carnivalization. And in the passage from popular matrixes to a realization of erudite nature, we locate spatial characteristics of endobaroque character in César Romero’s art. In César Romero’s paintings, as in popular culture, life pulses and is driven by carnivalization, that is, by means of an inversion of the world’s order, especially in colors. Presenting endobaroque grains in his work, instances of art reveal themselves in deconstructing the neutrality of geometric spaces. In César Romero’s work, endobaroque traces adhere to the colors like the primordial instance of painting, displaying a “Brazilianity” that integrates in a singular way to deconstructivist transrealism, as occurs in the work of various artists who search for an aesthetic that is non submissive to extrinsic order or norms toward his artistic production. This tendency can be denominated transrealism because, although its historical links with a particular culture, that is, with aspects of a non hegemonic culture facing globalization, in this way the artistic production are not determined in the mimetic or representative sense, yet are translated as an artistic work that transcends the objective plane. By not representing a record of objectivity, this tendency can be called deconstructivist through the singular works registered in contemporaneousness. In this perspective, before doing an analysis of carnivalization and the endobaroque traces in César Romero’s art, it is important to reflect on today’s artistic manifestations, being that these are characterized by the most diverse expressions. Considering the differences that transit between multiple techniques and aesthetic procedures, there are artists in this diversity found in all regions of Brazil who, pertaining to the erudite strata, delineate the artistic project pertinent to what we denominate as deconstructivist transrealism. We are dealing with, we repeat, an artistic production which calls for particular cultures, that is, aspects of a given non hegemonic culture in globalized society. The artists who opt for this aesthetic direction centralize cultural particularities of various origins in their work, some of these particularities having come from big cities. Such motives have as backdrop the imagistic links contained in legends and myths, in art, in festivals, in landscapes, in stories, accompanying the fantastic and/or the historic in an enchanting ambient. By visiting these sources, one notices a certain recurrence to onirism, capturing themes and memory which most frequently include primordial impressions of the experiences related to the populating of a land and to the infancy of humanity, being that this mythopoetics touches all cultures, even if through heteroclite manifestations. By dodging the standards of mass culture, artists who accompany deconstructivist transrealism conduct their imaginative grains into their work that reach utopias and chimeras. In an explicit or implicit way, their art is imprinted with questioning of models. Focusing cultural particularities, that is, aspects not pertaining to the hegemonic culture in globalized society, such artists

11  ROMERO, César. Mostra Cromutações - Pinturas. Rio de Janeiro: Centro Cultural Correios, 2001, p. 2.

228


conduct their motives to the universal plane. Deconstructivist transrealism is expanding in Latin America. Having great presence in Brazil, it is a focus of our studies and is becoming a philosophical and esthetic guideline that, with its singularities, can reach endobaroque traces as well as traces of carnivalization, as in the work of César Romero. All in all, such a convergence is not necessary. In a common variable of transrealism’s deconstructions, through an acute eye, some artists visit the big city affected by common standardization in the everyday world. In this case, by focusing urban particularities and by revealing critical conscience in relation to the standardization of cities, certain artists opt for the so-called “traditional techniques”, such as a painting or etching, while others opt for the so-called “contemporaneous languages” which include virtual and object expressions, among other possibilities. From these two expressive directions, there are still other artists who transit the mastery in both possibilities, joining them and creating new languages. Returning to said expressive interaction in relation to the particularities of the city, much of Rubens Gerchman and Emmanuel Nassar’s work stands out, situating popular aspects of an urban “newspaper” conceived as artistic expression. The work of Rubem Grilo also stands out, reuniting aspects of the city and of mythical imaginary. Broaching the particular in the city, we emphasize João Câmara’s work, which ranges from the day to day to the fantastic, projecting his art into an imagistic transrealism12 by reviewing scenes of Brazilian politics, by eroticizing love affairs and by reconstructing Recife and Olinda: the cities of his affection. It is notable that João Câmara’s exhibit, entitled Two Cities13, transits through diverse techniques creating relational spaces, and not a simple joining of art works. Rooted in the enchanting, one must mention the paintings of J. Bezerra, which stem from a vivid childhood in Northeastern Brazilian, chromatizing images of man’s errant ways while walking the paths from Earth to heaven, with his human figures and oneiric landscapes born in his State of Maranhão. Reaching the sacred through the enchanting, Ronald Rego is most worthy of mention, as he celebrates the heart of Afro-Brazilian culture by means of engraving, and other techniques concerning to tridimensional features that reaches the objects and the installations, thus treating the establishment of spaces and of ambience which inaugurate original language in the contemporaneous perspective. In these paths and in diverse ways, many artists make incursions into the mythopoetics. In this sense, updating the myths in the meanders of the big city, Valdir Rocha’s sculptures stand out. Through the symbolism of heads, he humanizes and turn into myth the beings born in a poetics of matter14. Antonio Maia pictorially symbolizes and updates the religiousness of people reliving the imagistic of the ex-votos in the urban and countryside practices of Christianity. Raul Córdula, artist and citizen of the Brazilian Northeast, values images and symbols of the human city in his paintings. In another direction related to popular culture, which almost always relates to the enchanting, other artists stand out. This artistic roll includes Siron Franco and Humberto Espíndola, each in his own way universalizing geography and imagistic of Brazil’s Central Region by articulating urban and regional images. Turning towards regionalism, the works of Gilvan Samico certainly stand out, utilizing wood to create a fable that expands the Brazilian Northeast’s mythology in the images of a cosmic onirism; Adir Botelho that uses coal to register his Agony and Death of Antonio Conselheiro15; Isa Aderne that etches Brazilian legends in wood; and Francisco Brennand that molds myths of origin in the Earth of the Northeast. In various views focusing particularities of the city or of the region, many artists join memory and prospection in relation to hodiernal reality. The performance of these artists embodies the changes in the aesthetic plane, questioning on the

12  Cf. CARVALHO, Mirian de. “O Transrealismo de João Câmara em Duas Cidades”. Jornal da ABCA. São Paulo: ABCA, outubro de 2003, p. 7. 13  In 2001, National Museum of Fine Arts, Rio de Janeiro. 14  CF. CARVALHO, Mirian de. A Escultura de Valdir Rocha. São Paulo: Escrituras, 2004. 15  Cf. CARVALHO, Mirian. “Os Passos da Paixão de Antonio Conselheiro e a Dobra no Desenho a Carvão de Adir Botelho”. Canudos: Agonia e Morte de Antonio Conselheiro - Adir Botelho Desenhos a Carvão. Org. Adir Botelho. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2005, pp.33/45.

229


socio-cultural contents. Their works are defined as memorial expressions of humanity, reaching the cultural roots. But, dodging historical records, such expressions are remitted to immemorial times, comprehending the ways of art and culture as an instance of difference, also instigating reflection on the making of art today. Expressing themselves by means of diverse techniques and materials, the work of each artist herein cited, as well as that of many other artists of equal relevance, though not cited herein, deserves specific analysis, as they differentiate among themselves. In the context of art related to deconstructivist transrealism, in a context with the characteristic of differences and not of similarities, the fields of fiction, music, poetry and cinema must also be emphasized, because theses artistic expressions become significant by visiting regionalism, as well as the particularities of the city, or of whatever cultural particularities. In Brazil, deconstructivist transrealism has become a significant aesthetic grain, dimensioning itself by dialog with particular cultures or with other cultural singularities, especially by questioning related to models. This artistic “project” constitutes an aesthetic of archetype, being that art does not reduce to the reproduction of archaism16. In artistic production, the past updates and renews itself. Transcending memory, technique itself becomes susceptible to renewal. Today, art is involved itself in different materials and technical procedures. Multi media increase its field. Unfruitful would be the reduction of objects of art to movements, tendencies or schools. Our time of multiple and parallel manifestations are instigating and prodigal, a time in which the term art amplifies its meanings and senses, flooding other spaces. Works go up on fences and on buildings. They extend by the ambience of the city. Compose landscapes. Pass by in the streets. Sit on park benches. Catch the metro. Sprout from a junk pile. Constitute on video. Certain artists create works through the appropriation of objects, and even other works. Product and expression, the art universe transits through the virtual, through the corporate, through the object and the conceptual. The body appears as an artistic object. Aesthetic-artistic manifestations install themselves in public spaces, or uninstall themselves. Aesthetic-artistic manifestations can abstract, materialize, and conceptualize the world. Observe that the so-called contemporary art conducts questions of the utmost complexity. Its reach deserves study that will amplify it without reducing it to the object field, to the installation or the innumerous other possibilities that can adhere to this gamut of expressions and languages that distance themselves from support. Whether it occurs avoiding support or utilizing it, what we discover to give the tone of contemporaneousness to artistic production is process from the point of view of space, among other possibilities, appearing in transformation. What then qualifies artistic work as contemporary is concentrated in the qualities of space which becomes relational, integrating diverse works of art that dialog in a relation between the whole and the fragment. It is a relation of ownership, as occurs in the paintings of César Romero, among other examples. It is of high relevance that César Romero, in his exhibits called Chromatics and Bramante17 shown in 2001 and in 2006 in Rio de Janeiro, presented a pictorial installation, creating relational spaces, and creating intrinsic ambience to the exhibit. It is not a simple grouping of paintings, as we see in other exhibits of other artists working in a traditional way. Observe that, in a certain way, by anticipating everyday spatial concepts, the setting up of relational spaces appeared in some moments of Modernism, as in the Bible of Chagall and in some works of Picasso. In these cases, however, as in others, the objective was not to create ambience. It was also not about a spatiality receptive to the body, as is the case today in his intrinsically erred work towards a set of “works”, which may be paintings, etchings, sculptures, drawings, objects or expressions of a different sort, creating interactive possibilities, as happens with other pertinent means to the so-called “contemporary languages”. Thus, when we utilize the term “contemporaneousness”, we attribute to it a plural sense, yet without hierarchies. Looking through this prism to analyze the meeting of the popular and the erudite in the works of César Romero and of other artists, we perceive that the artistic production of artists pertaining to

16  Cf. BACHELARD, Gaston A Poética do Espaço. Trad. Antonio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. Rio de Janeiro: Eldorado [s.d.], p.9. 17  Both in Centro Cultural Correios.

230


erudite strata frequently value particular cultures, filling gaps left open by mass culture and by knowledge, including in the literary field. Currently realizing a proposal similar to those presented by artists who, in their aesthetic project, contemplate cultural particularities, the literary field is especially significant by articulating between praxis and thought. By this aspect, a stand out is the “Testimony”, a theory practiced in Latin America by various writers and object of some theorists, among them the Cuban Victor Casauls. In Brazil, the “Testimony” was adapted by Ivan Cavalcanti Proença with the objective of seeding and stimulating literary production based on field research, valuing testimonies of people who live in areas characterized by some particularity which can even be deemed historically. From this perspective, not only verbal records are valued, but also others that constitute socio-cultural particularities. According to Proença, such particularities, especially those pertinent to language, should range data and deeds referring in the study of ambience, with the objective of generating literary work. Producing works that fill existing gaps from the point of view of knowledge, the “Testimony” includes prose and poetry18 and functions as preservation of data referring to particular cultures and/or cultures in extinction. This theory yearns for literary accomplishment with political reach, in the sense of emphasizing problematic aspects common to collectivity. Though called “Testimony”, and furthermore methodized, such a proposal is not based on rules that direct literary production. The author becomes completely free to develop his work thematically and stylistically. Considering the technical-expressive differences between art and literature, it becomes possible to find correspondence between the “Testimony” and the work of these artists attentive to cultural particularities. In his work, César Romero values popular culture even in its own verbal records of ambience, translating them into art. The transmission of some aspects of popular culture owes much to speech, as is the case of the “repente”19. The practice of the “Testimony” is a current project in the field of literature, as the practice of art is projecting the works of many artists to the contemporary, whether in painting or in sculpture, among other possibilities directed towards deconstructive transrealism. Adhering to this aesthetic grain, we observe artists creating a relationship with spatial pertinence, which can transcend the visual and touch other senses. Under such circumstances, the body lives in these places through its dislocation and/or through metaphors. Following this line, some artists are creating incursions by the tangible and by installation, as is the case of César Romero in his exhibit Signs from the People, shown in 1983, reproducing the dynamic of the “Town Square Festivals” 20. César Romero showed in this event stemming from music and other means of artistic expression, circumscribing parts of the city. By constituting “pictorial installation”, we also remember the exhibits called “Chromatics” and “Bramante”, which create ambience by means of paintings which welcome the visitor into its chromatic spaces21, we repeat. Relating to aspects of variation, artistic manifestations referring toward deconstructive transrealism inaugurate senses and spaces in a contemporary approach that includes particularities and cultural differences. As are ambiguous the mechanisms of globalization, they assimilate and do not assimilate differences, paradoxically. Within this paradox, possibilities are revealed by the action of differences assuming new identities. This same paradox instigates a revision of the approach to problems related to identity nowadays in the realm of particular cultures, that is, non hegemonic cultures in the world today. Considering the degree of importance of this problematic to the comprehension of César Romero’s art, and as mentioned in the Introduction to this text, we will conduct the approach to this theme through a

18  In the field of poetry, see the following works: CARVALHO, Mirian. “Auto do Mambembe”. Testemunho IV & Verso e Prosa. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2003; “O Vazado da Renda de Ferro”. Testemunho V. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2007. 19  Musical poem created out of hand. 20  These parties take place in squares where there is a church. In these events, religious ceremonies and laic activities converge, as dance, eating and drinking. 21  Check Chapter 7.

231


dialog with the text by Stuart Hall, an author who makes great contributions to the study of identity in today’s world.

IDENTITY AND GLOBALIZATION If time and space in the globalized world tend to be minimized to the maximum in virtue of the efficacy of technological resources, some theorists look through this prism and allude to the de-characterization of national cultures, affirming that they tend to disappear because national identities are formed and transformed through processes of representation. Following this line of reasoning, the national identity today would be a register unconnected to objective reality, a fruit of a fictitious residue allusive to chimerical roots, being that national identities are not objects with which we are born, because they are formed and transformed in the interior of representation22. From this argument, one can deduce that regional identities are equally mere representations. In relation to the extinction of national identities, regional identities or of other natures, given the velocity of transferring information from one place on the planet to another, various authors bring relevant contributions to this theme. They may focus, for example, inequality as an impeding factor to cultural resistance in virtue of a power-geometry

. In

23

conformity with this focus, one should consider the great difficulties that cultural preservation faces in developing countries, a reality that does not occur in the same proportion in developed countries. Still in virtue of the benefits that wealth and technology expose in the processes of changing mental models24, that is, changes of paradigms that affect behavior eclipsing vestiges of past cultures, we observe the paradox that developed countries maintain strong instruments for preserving “old” identities, not erasing national identities nor particular ones, including traditions such as culinary and folklore. Developed countries are financially strong and therefore have more means to preserve the memory of their cultural roots through quantitative and qualitative investments in museums, events, research and publications, not to mention the reach of artistic cinema and documentary films that contemplate the theme of cultural roots. Art produced by the erudite stratum, especially cinema with its potential imagistics, becomes a large scale source of preserving original identities by promoting the joining of the particular and of the universal, without regressing to outdated and extreme nationalisms. Fellini collected the images for Amarcord in the village of his childhood. Bergman lovingly registered the past of his homeland’s legends. Among many other examples, classic western films are memorials to the westward expansion of the United States. And it is relevant to remind that, in the “First World”, the remote past is in reality a representation25 producing idealizations of identity. And memory. In developing countries, however, this memory frequently lives in material point of view. Therefore, the past lives in the plane of senses. In the Brazilian Northeast, this past relates to a great part of the regional culture because the memory does not refer to a remote time. It is a “memory” of a current culture in space and time, subject to homogenization. This factor acts on the popular culture in its tendency to dispersion and to disappearance, given that its products are mainly utilitarian objects. In regional cultures, utensils and artistic “objects” frequently occupy the same place. Regional culture is only one of the segments affected by globalization and its standardization, and artistic production is one more aspect in its grip. By reaching artistic products, the backdrop to globalization is the finances which reach various areas of production with planetary implications26. Due to the financial phenomenon, especially facing the

22  Cf. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 5ª ed. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 48. 23  Cf. Doreen Massey, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 48. 24  Cf. LINDSAY, Stace. “Promoção da Mudança Cultural Progressista”. A Cultura importa os Valores que definem o Comportamento Humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 387. 25  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 48. 26  Cf. FURTADO, Celso. O Capitalismo Global. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, pp. 75-76.

232


unequal distribution of wealth, the majority of particular cultures in developing countries are fragile even in relation to memory. In the Brazilian Northeast, however, popular culture exists as a material patrimony. It continues to produce itself as a movement of resistance. Extending from regional to urban, the effects of cultural homogenization are linked to a much more ample complexity, as it reflects on causes related to unemployment, sub-employment, and other factors of social exclusion, being that globalized society does not adopt uniform policies27. Given the inexistence or precariousness of uniform policies, this context becomes even more problematic when including the plane of identity, which is almost always seen with the optic of uniformity in the plan of globalization, or with the focus of nationalist ideology of single identity, or dimensioned under a perspective of a symbol, as pleasantly though ingenuously occurred with the appearance of “corn bread” 28, as focused by an illustrious Brazilian politician in the decade of 1980. In an approach of interactions between cultural identity and the globalized world, a question related to the art of César Romero, one should consider the links between the present and the past, tracking the prospective directions of the identities in transformation. So, before accepting the idea of preservation of regional identity in César Romero’s painting, it is important to consider the multiple identities that transit between the hinterland and the city, which then takes us to the next question: How to preserve a particular identity in a world that is globalizing itself? In the face of such a situation, and considering the regional peculiarities parallel to the technological benefits and to sustainable development, the preservation of identity can then happen accompanied by the construction of new identities, congregating diverse identities and approaching hybridism29 in the sense of identity pluralism, a circumstance which permits us to think about identity as a process of cultural ownership in permanent construction and transformation. Hence, it is an open question. In this open question there is a dialectics between the rooting and un-rooting of the origins to meeting the diverse, in a context of differences in the plane of popular culture and that of other cultural forms. In this way, in virtue of uncontested diversities between Brazil-city and Brazil-hinterland, we should be aware of the hiatus that separates the past and the present, acting as forces of rupture and forgetting of roots, being that the goals directed for the future often reflect a logic of accumulation supremacy over the coherence of the cultural system30. On the cultural plane, this logic of accumulation is almost always accompanied by mechanisms that ratify the models of industrial culture, producing and reproducing behaviors and values that do not break with old mental models, thereby ratifying the repetition of cultural paradigms31 related to under development. In this process, regional culture has little chance of resistance, as globalized society does not give priority to considering cultural differences among different countries32 nor to the diverse social strata in any given country, indicating diaphaneity33 related to such differences. Without getting tied exclusively to the premises of the theory of dependence, that is, to the presupposed opinions of theorists who defend the idea that Latin America is a victim

27  Ibidem, p. 74. 28  Excluding the symbol approach referred in the medias, one can find a relevant work concerning to food in certain underdeveloped regions in Brazil in the following text: Cf. PIMENTA, Aluísio. “Fome, Cultura e Broa de Milho”. In www.presidencia.gov.br/mesa/nt/a_15.htm. 29  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 91. 30  Cf. FURTADO, Celso. Op. cit., p. 71. 31  Cf. HARRISON, Lawrence E. HARRISON, Lawrence E. “Promoção da Mudança Cultural Progressiva”. A Cultura importa - os Valores que definem o Comportamento Humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 411. 32  Cf. SODRÉ, Nelson Werneck. A Farsa do Neoliberalismo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Graphia, 1998, p. 25. 33  Idem.

233


of imperialism34, we cannot, however, discard the evidence that the referred diaphaneity in developed countries indicates the importation of standards and signals a cultural homogenization without the benefits of development. This topic deserves to be analyzed with another focus for clarification of certain aspects. In counterpoint to the theory of dependence, some aspects pertinent to the cultural paradigm should be considered, that is, aspects of a theoretical focus that accepts that certain factors intrinsic to its own culture affect the behavior, therefore impeding changes of various orders. In this sense, conditions of under development are driven by political mechanisms. In counterpart, in relation to repetition, new cultural paradigms assumed by different social segments can generate changes to integrate facets of renewal, including its own tradition. This mechanism can affirm particular identities in the face of globalism, especially in relation to artistic activity. Artistic work can produce new cultural paradigms that critically affect tradition and globalized society through aesthetic instance. On this path, without abdicating regional identity, César Romero affirms in his aesthetic ideal: “I search for a painting as one who searches for a National Anthem. I am Bahian, Northeastern, Brazilian, and Universal”35. As some writers join the current dialog on cultural roots, César Romero approaches roots through the chromatic and thematic dialog with regional culture, emphasizing that visiting cultural roots does not mean aesthetic regression, or stagnation. Going to roots, the artist evaluates and revitalizes processes of change. Going to roots, the artist roots himself in the world and uproots himself from repetition to create other possibilities of making and thinking art and culture, sewing links between the past, the present and the future. In César Romero’s work, going to the roots means visiting the present culture and revitalizing it in the sect of paints. And that also means to revitalize it in the future direction of cultural history, integrating it to hodiernal time in globalized society. In relation to the globalized world, and to the preservation of the political unit, the preservation of cultural identity in a world based on financial capital becomes a challenge36. The art field finds itself facing this challenge, facing the perspective of artistic actuation reaching a philosophical-cultural proposal. By valuing an emblem of the Earth, César Romero acts in the perspective of this challenge to tangent the past and the present, expressing a vision of the world based on the valuing of differences. His paintings conduct the look of a reflection about the importance of popular culture as identity to be preserved within the context of changes related to ideas of the world nowadays. Cultural ideas can be “read” in his paintings, ideas to be decoded. As it is the painter’s choice to carnivalize his canvases with heraldry of his homeland before the globalized world, it is up to the “reader” of his paintings to carnivalize the meanders of the chromatic codes that tinge a philosophy of differences which is the motto of the artist’s painting.

The Survival of Particular Identities “The popular is always the matrix e, in the exercise of observation, I’m searching for a rupture with the banal, hence I create my destiny as a Brazilian and as an artist.”37 CULTURAL IDENTITY AND GLOBALIZATION In the perspective of deconstructivist transrealism, which was defined in the previous chapter, each artist chooses his

34  HARRISON, Lawrence E. Op. cit., p. 405. 35  ROMERO, César. Mostra Cromutações - Pinturas. Rio de Janeiro: Centro Cultural Correios, 2001, p. 2. 36  Cf. FURTADO, Celso. Op. cit., p. 39. 37  ROMERO, César. Mostra Enigmas e Permutações. Rio de Janeiro: Galeria Bonino [s.d.], pp. 1-2.

234


aesthetic guideline relative to cultural singularities. This said, in César Romero’s painting, as he says in his testimonies and as one perceives in the aesthetic plane, that is, in the sensorial plane, popular Northeastern Brazilian culture places itself thematically and chromatically. Such interweaving of the popular and the erudite is mentioned by various commentators of César Romero’s work. From the plastic point of view, though the popular and the erudite converge to the theme, one feels this relation especially by means of colors and this relation conducts other approaches concerning to the field of cultural identity, placing his art as a source of regional cultural resistance. Still, what is the range of identity today? As this question is a crucial point in the apprehension of the senses emerging from the artist’s work, we opt for a cultural-philosophical focus that tangents this theme through inquiries, because the field of identity today, more than in other epochs, is related to open questions about culture. In relation to national cultures, some theorists say they are composed not only of cultural institutions, but also by symbols and representations38. In this sense, culture is constituted by means of a discourse39 in which symbols and representations congregate values in reference to the permanence of a tradition that ratifies a fictitious identity and refracts changes. Conceived through stories, images and rituals, the nationalities tangent the nature of things considered immutable. According to this line of thinking, the recurrence to the past can reproduce inventions of tradition, creating standards of behavior and values40. This process results in standards that organize our actions and produce identities rooted in the past. From this angle, considering the repetitive aspect of archaic or recently invented tradition, assuming a national identity would mean to inscribe oneself to an imagined community41. In this line of reasoning, and considering the geographic extension of our regions, regional identities can also be seen as representations of communities conceived by means of idealization. Following said thinking, it could be said that individuals join a certain utopian and/or fictitious identity. Giving direction to the complex question of identity, if we consider the intrinsic singularities of Northeastern Brazil from the point of view of the differences pertinent to development and to cultural diversities, the immediate questions would be: Is there a unique Northeastern identity? Given the cultural diffusion in the world today, how does homogenization act on regional culture? We know that identities become, in a certain sense, shared by technological means, conducting the regional tradition to a fictitious landscape, as occurs with national identities that can really constitute imagined communities in developed countries. However, if such a context gains a more distinct profile in the “First World”, it will involve diverse problems and its own criteria of approach to be transposed to “Brazilian culture”, and especially to Northeastern regional culture. The analysis of such questions should pass through a sieve, being that traditional culture in the Northeast is alive. It is not about an imagined past. It is not about a remote past. In this sense, geographic and social differences must be considered, as must other differences that reflect on cultural expressions in the ambit of erudite and popular strata, under the influence of cultural homogenization. In relation to this influence, the wealthy countries can generate transformations which give incentive to particular cultures. However, while evaluating the progress caused be cultural flows among diverse peoples, we must pay attention to possible fragmentation of cultural codes42 implying de-characterization and even disappearance of local cultures. We must also pay attention to paradigms which act by means of prejudice and standardization, representing ideologies that delineate, by exclusion, the territory of regional artistic production, remembering that such manifestations can express themselves through utilitarian objects. In relation to this circumstance, we must observe that, for the fact of being aggregated to utilitarian objects, from an aesthetic point of view such manifestations are submitted to values extrinsic to their ambience. These values are marked by a deficiency in relation to paradigm

38  HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade Op. cit. p. 50. 39  HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (org.). A Invenção das Tradições. 3ª ed. Trad. Celina Cardim Cavalcante. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 9. 40  Idem. 41  Cf. Benedict Anderson, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 51. 42  Cf. Benedict Anderson, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 73.

235


represented by the concept of art 43, that is, to the concept implicit to the market. This deficiency can diminish products of popular culture, or even erudite culture, we add, in a scale of values related to the criteria and classifications that mark cultural products through a model that determines what is and what is not art44. This standardizing focus frequently excludes products from the category of “art” such as ceramics, embroidery, basket weaving, quilts and patches. These and many other useful and beautiful objects are excluded, “beautiful because they are useful”, as Octavio Paz45 used to say. Useful and beautiful, these utilitarian objects can embody a specific class in the universe of artistic manifestation. We are reminded of the first works of Master Vitalino, who at a young age began to make miniature toys, which he sold to children at the market 46, that is, toys that reached a degree of excellence by conducting their own images and their own languages. We thus notice how ideological and prejudiced guidelines are which determine what is or what is not art. Furthermore, we remember that it was from underground art – another “category” of art almost always represented by individuals from popular layers – that flourished the works of Bispo do Rosário, Fernando Diniz and so many other artists. Men of the people, each one in his own way entered the universal archives of art, even if their social insertion did not happen in the same order. Their biographies were always eventually related by force to ambients such as psychiatric hospitals to delineate and root themselves by the prejudices linked to spatial ownership. In the hierarchies relative to the various places that in the course of life takes people, identities are created that marks them by the criteria that inscribes them in certain geographical and institutional spaces. Studies of corporal and facial painting show that, in the tribal practices, they are integrated to the individual, conferring to him a role47 accepted by him and by those that in some way inserted him in this spatiality by attributing to him an immutable identity intrinsic to the rite. It is an identity that adheres inexorably to the individual, and to the place to which he belongs. This place can be geographical, as occurs in the division between the hinterland and the city, though it is above all indicative of an identity considered immutable and indicative of behaviors and values equally considered immutable. In the case of regional cultures, identity is in a certain way formed by determining factors of ownership and spatial hierarchies of various origins. However, once the ideologies referring to such a section are unmasked, particular identities can reveal singularities in the process of transformations. These particular identities can involve memory and/or action and inclusion of the diverse. In César Romero’s work, popular culture is presence and memory, reflecting questions accustomed to identity, articulating past and present. This conflict is characterized by diverse profiles in developed and underdeveloped countries, as previously mentioned, being that regional culture and memory pulse in the things that live in the present time. It is not about the remote past as in the “First World”, we remember once more. In some developed countries, once illiteracy and misery are eradicated, great museum and documental archives are found that permit an approach to identity through the articulations between past and present, creating an epic of traditions, that is, an epic of representations which affect culture. This occurs because the past of origins and old customs constitutes in great part the memory and/or folklore and/or means of living with tradition. In a diverse way, in the hinterland, the past updates itself to the objective plane, we repeat, whether it be in the interior of the hinterland or in the periphery of certain big cities, by the presence of the immigrant who provides the labor force. In both cases, the hinterland inserts itself in the present time. It exists in the present today, and it can constitute force to motivate new cultural paradigms through policies of social inclusion by means of pedagogic and artistic projects.

43  LAUER, Mirko. Crítica do Artesanato. Trad. Heloísa Vilhena de Araújo. São Paulo: Nobel, 1983, p. 9. 44  Idem. 45  Without bibliographic reference, this inscription could be seeing in a room in Latin America Memorial, São Paulo, Brazil, in 1995. Internet reference: “O Uso e a Contemplação”. Revista Raiz, 2009. 46  FROTA, Lélia Coelho. Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005, p. 410. 47  Cf. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Trad. Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973, pp. 293-304.

236


While in developed countries cultural origins and particular cultures are more often linked somehow to remote times, popular culture in Brazil is not made in the past. Additionally, this time turns into space, that is, it acts in a space of its own. In the case of Northeastern Brazil, this time keeps the mythic past alive, acting on the limits of an ambiguously tenuous and strong line that separated the hinterland and the big city. This time is inscribed in day to day life in various aspects: blessing rituals, prayer, beliefs, religious holidays, carnival and in all popular expressions. By leaving a big city in the Northeast and driving one or more hours by highway, one will be in the hinterland. In lands from here on, tradition belongs to the present, we repeat. In the hinterland, the past is connected to today, and to this time there is a corresponding geographic space and a symbolic place. Both time and space, however, see themselves exposed to the effects of cultural homogenization, exposing standardization linked to identity. With time shortened or annulled, and approximating spaces by means of communication, some inquiries indicate that identity tends to let go of places, and even of nationalities in the hodiernal world48, we remember. In relation to the effects of this process, it becomes necessary to consider the diverse geographic and symbolic places that “inscribe” in individuals and circumscribe them spatially. In the plane of art and other popular cultural manifestations, these places contain objects, behaviors and values which have existed since the primordial phases of forming our identities. As an example, we can observe that, among the faithful who attend the Mass of the Rooster, most throw flowers in the sea as offerings to celebrate Iemanjá. This is a cult which, in Rio de Janeiro and in Bahia, congregates crowds of people from diverse social strata, subsuming symbols that reach diversities in the plane of religious practices and creeds, and conducting questioning related to the links between the real and idealization on the plane of popular culture on deck.

IDENTITY AND IDEALIZATION IN POPULAR CULTURE Together with the idea of national identity as imagined community49, some theorists refer to national culture as a discourse that constructs feelings which individuals can identify with50. In conformity with this argument, the regional cultures could equally be thought of as discourse, the same way their typical characteristics as regions could be imagined and represented as discourse. In the same way, regions and their typical characteristics could be imagined and represented as discourse with views of an ideal held as a goal and a value. Given the transformations and the instances of tradition acting simultaneously in regional culture, we know that the force of representation can not be discarded. We also know that, beyond idealization, regionalism is often conceived through the ratifying discourse of the status quo, that is, ratifying of rigid standards of behavior and of backwards ideologies against change and progress. In as much, developed countries have idealizing discourse of culture that simultaneously accompanies mechanisms of deconstruction and reconstruction of cultural origins. There is no paradox. These two mechanisms also act in the plane of political representation. Take the European monarchies as an example. They inserted themselves in processes of invention of tradition51 by reconstructing certain ancient practices and behavior and, at the same time, they have access to all the benefits of science and contemporary technology, deconstructing traditional practices. However, in contradiction to scientific and technological advance, ideologies such as neo-nazism and versions of apartheid appeared in various developed countries and in various regions of the planet, reaffirming identities assumed in greater or lesser scale by certain social segments. Among ideas and behaviors that comprehend such questions, from the point of view of the affiliation to an identity today, the relation with the past and can be considered with two basic focuses: as repetition and as inventiveness. In relation to repetition, there is a rooting to the immutable, not permitting changes and postulating fixed identities. In the second

48  Cf. Hall, Stuart. Opus Cit. p. 48. 49  Cf. Hall, Stuat. Op. cit. pp. 50-51. 50  Ibidem, p. 48. 51  Cf. HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (org.). Op. cit., pp. 9-10.

237


case, referring to the past conceived with inventiveness, a tradition integrates itself to the conscience of the status quo and to the processes of change, as can even occur in the manifestations of popular culture focusing the world and positioning tradition against globalized society. Under this aspect, popular culture reveals a satiric vision reflecting on the world, as occurs in the “cordel”52, which, although rooted to tradition, focuses the urban universe, yet is conscious of the diversities of the hinterland and of the big city. It also, in certain way, reinterprets the happenings outside the specific sphere of the hinterland, in magical or religious terms, ranging from man stepping on the moon to the descent of Roberto Carlos to hell.53 As in art, such as a carving and ceramic art, among other artistic manifestations, the “cordel” can exhibit itself as “reading” and interpretation of erudite culture. The rich thematic of the “cordel” can comprehend its own roots, as the poet tells the people a story and the importance of this literary area, as in “What is Cordel’s Literature”54, written by Azulão (“Big Blue”), a popular poet who joins references to the hinterland world to the urban, focusing customs and behaviors. And the enchanting. Lifted by wonder, the Iberian origins of the “cordel” must be remembered, including medieval themes read by the people until today in regional sagas55, as well as in the troubadouresque songs of slander and mockery, revealing affinities with the “cordel” in its facet of inverting world order through satire. As happens in the “cordel”, this irreverent attitude also comprehends Middle Age sagas through carnivalization, when, for example, the knight and the ritual of consecration were the object of mockery56, among innumerous other focuses of comicity. Following the carnivalized characterization that focuses the medieval knight as an anti-hero, and considering historical-cultural differences, we must observe the imagistic of innumerous anti-heroes in Brazilian Northeastern culture, in literature and in fables. The anti-heroes are almost always oppressed characters, though hopeful. In a certain way, they resemble the antihero of the regional novel or short story, or other texts alluding to regionalism, affirming tensions towards the urban world and to particular cultures. In a general way, in the “cordel”, the poet’s world view can integrate the satiric and the enchanting to the real. Under other aesthetic-stylistic aspects, these instances appear equally in novels and short stories produced by the erudite strata. In relation to this “dialog” between the hinterland and the big city, a digression pertinent to literature is justified in this moment of this text, even if it does not directly affect the Northeastern hinterland, being that it relates directly to the themes approached in this essay. Let’s digress to the character referred to as the anti-hero. In the Modernism of Mário de Andrade, the outback Brazilian country culture and the city articulate themselves between the past and the present, anticipating questions that were unfolded in the texts of Manuel Cavalcanti Proença and Guimarães Rosa, through a reflection of the socio-cultural tensions “written” between the lines of the narration, in the perspective of the anti-hero in the regionalism of Central or Eastern Brazil. Always following the wanderings of an anti-hero, we thus remember that, in the regional sagas of the “cordel” and of oral traditions, this character appears under various aspects: human, animal, supernatural, metamorphosis or picaresque57, almost always erring. In the modernist novel and short story, we also find a “mythic” anti-hero who reveals himself to be someone who lives, ages and disappears. Then this character returns to Earth, or reaches, or intends to reach the heavens. As in the “cordel”

52  Popular poetry that can be read in public. 53  43 BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. 4ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 337. 54  Rio de Janeiro: Editora do Autor [s.d.]. 55  Manuel Cavalcanti Proença, apud PROENÇA, Ivan Cavalcanti. A Ideologia do Cordel. 3ª ed. Rio de Janeiro: Plurarte, 1982, p. 2. 56  BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o Contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi. São Paulo/Brasília: Hucitec/Edunb, 1999, p. 4. 57  Manuel Cavalcanti Proença, apud PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Op. cit., p. 46.

238


story that shows the hopeful character that always succeeds58, the novel and the short story are also pervaded by these anti-heroes that try to outsmart destiny. Such is a possible approximation touching on the construction of a character. In this direction, Augusto Matraga stands out, a hopeful soul searching for salvation: “I’m a goin to heaven, even if I gotta beat my way in!”59 Then there was Macunaíma, who became an inhabitant of “Ursa Maior”60. And Mitavaí, who, after incidents between the hinterland and the city, disappeared behind a hill. “But he’ll be back.”61 In these examples of the field of fiction, the anti-heroes travel the world and integrate themselves to the literary universality. As in the “cordel”, the referred works conduct socio-cultural tensions. In presenting a similar relation between the past and the present, the texts mentioned expose tensions between the preservation of identity and the transformation of identity. In Mario de Andrade’s text, a dialectics of identity emerges through a kind of saga of Brazilianity in search of itself. In the fiction of Guimarães Rosa, tensions related to identity are revealed, updating the links of the hinterland to the city in the plane of speech. In the writings of Manoel Cavalcanti Proença, the fable about Mitavaí, the indian, exposes the conflict between the urban and the hinterland identities engulfed by imperialism. Even though the three authors mentioned belong to the erudite universe with its own characteristics and ideologies, as in the “cordel”, we observe that they interpret the character of the anti-hero as rooted in the hinterland, hoping for changes imbedded in the imaginary. However, the profile of the anti-hero becomes equally common to Post Modernist fiction in the characteristics of the urban character, who mixes with diverse social strata and tangents various aspects of particular cultures, and is destined either to finitude or to uncertainty, or to the impossibility of change, or to memory. In this context, we notice the presence of the socio-cultural conflict in the intrigue, such as observed today in the texts of Hélio Brasil62, in those of William Agel de Mello63 and Nagib Jorge Neto64, as well in the novels and plays of Cláudio Aguiar65, as well with strong incursions by the urban ambience and by the life dimensioned as perplexity and tension between universes composed of behaviors and values related to diverse social strata, reaching particular cultures in the urban or in the hinterland ambit. However, it is not our objective to establish the differences between modernist fiction and post modernist fiction66. It is to signal the relation between the popular and the erudite in the figuration of the anti-hero embodying aspects of a particular identity, exposing open questions. According to this, the anti-hero is a metaphor to the migrant-images in César Romero’s painting and to tensions intrinsic to his art. With his differences, whether in the “cordel”, or in modernist or post modernist fiction, the anti-hero raises expectations of constant change which exposes tensions linked to identity and to culture in transformation in a dialectics that can reach the popular and the erudite, as well as being able to reach the regional and the urban. In the same way, the encounter of the popular and the erudite in César Romero’s paintings exposes tensions linked to identity and to culture. Being a painter, these tensions are expressed through colors, giving tinge to themes in his art and celebrating the common man as a character in search of himself. As a character in search of an identity that reflects his native land, César Romero revisits regionalism, not for being rooted to the past, nor with an alienating utopia, but by updating the “past” which flows on Earth. The painter updates the past which bursts into the present time and gives new

58  Ivan Cavalcanti Proença. Class Notes. 59  ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 337. 60  ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975, p. 176. 61  PROENÇA, Manuel Cavalcanti. Manuscrito Holandês. Rio de Janeiro: Antunes, 1959, p. 263. 62  Check Bibliographic References. 63  Idem. 64  Idem. 65  Idem. 66  About this question we observe that the mentioned differences can bee studied through deconstructions belonging to contemporary narrative.

239


meanings to both: to the past and to hodiernal time, through the shades which conduct the themes to the complicity of diverse identities. Under this aspect, César Romero reveals that he is conscious of his own hybrid identity, of which he will not let go. In his art, an in himself, the people are Bahian, Northeastern, Brazilian and Universal. In the artist’s work, colors and themes capture mythic times and present time. Although the mythic references are related to the enchanting, his painting inscribes oneirism in the sensitive universe of popular culture as a “real” phenomenon of day to day life inserted in a real community, integrating the past and the present. In César Romero’s work, it is not the representations, nor the places, nor the singularities that inscribe themselves in the different identities that surround the city and the hinterland. In his painting, the idealization becomes realization. Coloring the canvas, César Romero instigates learning, once, by making renovation of cultural paradigms, artistic expression does not exclude itself from the paths of knowledge. In relation to globalized society, we know it is presented as a phenomenon to be studied, as a new and diffused phenomenon, challenging thought and imagination in social scientists, philosophers and artists67. Accepting this challenge, and instigating reflection and imagination, César Romero’s art translates the signs from the people as plural identities. His painting affirms itself as a critical potentiality of a reading of the world today. In relation to the survival of particular identities in face of globalization, there are divergences among academics. For some, together with homogenization there is a fascination for the different, and a growing interest for local culture68. For others, the inequality of forces between local and global cultures determines a power-geometry69 that is unfavorable to particular and/or local cultures, as mentioned. There are still other theorists that read into globalization a process of westernizing, in that the other is perceived as exotic or alien70. Among these possibilities, various consequences and perspectives can be observed, such as: the appearance of hybrid identities, cultural translation, the strengthening of local identities and the weakening of particular identities71. It is not the point of this essay to analyze these possibilities. However, being relevant to valuing the popular in César Romero’s art, the artist’s hybrid identity reaches his regional identity as a signature on the reality of globalized society. In César Romero’s art, the patch quilts, the tamborets, the shells and other objects and instances of popular culture can not be seen as isolated elements. They compose a cultural universe linked to Northeast Brazilian culture, especially to Bahia. Such objects implicate cultural mixes that reassemble the formation and transformations of “Brazilian culture”. It becomes important to consider that, amidst various stimuli, it is exactly this guideline, and not another, that the artist chose, giving evidence to the force of popular culture reaching the imagination and acting through the colors which tint his objects and celebrations. We must observe, however, that color does not have a decorative function in the people’s art. Color integrates itself to the object, or assumes its own feature of the piece, as occurs with clay. Color remits the eye to the celebration of life. In the same way, color surges in Romero’s painting, unfolding a carnivalization that celebrates the world. In festivals reigned by carnivalization, everybody dances. In the cults of Iemanjá, everybody wets their feet in the sea water, although the shoes don’t always mix in certain spaces of the urban world. However, in festivals in the people’s art, color does not impose limits, whether in the meeting of tints or in the flames of colors that attract the eyes, even if after the celebration the looks differentiate in angles circumscribed to diverse social strata of the festival’s participants, especially in carnival. The chromatic phenomenon appear, waiting to be seen by eyes that find the potentiality of the luminous and the shadows, of the mixes and transient reflexes. Thus is the aesthetic and metaphoric reach of César

67  Cf. IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. 8ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 240. 68  Kevin Robins, apud HALL, Stuart. Op. cit., p. 77. 69  Doreen Massey, apud HALL, Stuart. Op. cit., pp. 78-79. 70  Cf. HALL, Stuart. Op. cit., p. 77. 71  Ibidem, p. 79.

240


Romero’s work, locating itself through carnivalization. His art mobilizes a vibrant chromatics which is revealed as a fundamental element of carnivalization in regional culture and in his painting.

The Plastic-ideative Autonomy in César Romero’s Art “To register in order to not let events die, the inventive change and the signs of our people (...). My work intends to be aesthetic and the memory of my people, who are my master and conductor.”72 “GEOMETRY” AND THE FABLE By relating to the insertion of César Romero’s work in the field of deconstructivist transrealism, we generically define an ample and diversified aesthetic project within contemporaneousness. It is not about style, nor schools, nor typology. It is about a tendency, an aesthetic grain, which circumscribes the work of various artists in the perspective of a singular production facing the homogenization of the globalized world. In the case of César Romero, the singularities adhere to traces of carnivalization and endobaroque. In regards to questions so complex that they involve the instances of popular culture and of identity, an apprehension of César Romero’s work induces the visitor to reflect about the ideas and artistic goals that tinge his painting. Analyzing his artistic production, some authors refer to styles and various movements, alluding, for example, to constructivist, surrealist and neo-baroque links73. In tangent to the geometric, as one would deduct, at first glance, or realizing incursions by the enchanting, we observe that such resources confer, essentially, neither constructivist nor surrealist characteristics to César Romero’s work. In the same way, suggesting the ambiguities of the “Seventeenth Centurist” curve, the references to the Baroque in César Romero’s art should pass through a sieve. So it is important to say that we don’t refer to a stylistic approximation affiliated to Neo-Baroque, a term noted in the end of the 19th century74 to characterize formal affinities with the Baroque in periods posterior to the 17th Century, and that have been utilized amply in extension to various artistic manifestations today, being retaken by a few commentators75 of Romero’s work. On the other hand, visiting analogies to the Baroque in an approximation with the ideative-artistic principle which we denominate as endobaroque, this is not defined in the painter’s work from a stylistic point of view, as it is not about a neo style. To clarify a plastic and ideative autonomy in the painter’s art, we search for a convergence of features of carnivalization and endobaroque with views to a poetics of color. In regards to the references to Constructivism in César Romero’s art, we hereby refute them, being that constructivist expressions remount the proposal of a rational and non objective art whose processes reach spaces conceived in a rational mode in detriment to spatial expressions of an affective character. On the other hand, the term “constructivism” acquired various meanings in Brazil, though the predominant connotation relates to painting with incursions by Concretism76 and by Geometric Abstractionism. The genesis of these incursions found resonance in the developmentalist project of the 1950’s, project that integrated to arts the aesthetic proposals common to architecture and industrial design. Such “constructivist” revelations were directed to the consecution of industrial development

72  ROMERO, César. Mostra Enigmas e Permutações (da série Faixas Emblemáticas). Rio de Janeiro: Galeria Bonino [s.d.]. 73  Cf. Cf. Artist’s Cathalogues. Check Bibliographic References. 74  Cf. PERLONGHER, Nestor (org.). Caribe Transplatino - Poesia Cubana e Rioplatense. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Iluminuras, 1991, p. 13. 75  Cf. Artist’s Cathalogues. Check Bibliographic References. 76  Cf. LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário Crítico da Pintura Brasileira. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988, p. 132.

241


linked to the social development anchored in rationality. Based on these presuppositions, many artists opted for geometric solutions, achieving success in relation to the objective of art. Following the line of construction of space, by tracking the basis of Psychology of Form, we found that some artists defined oppositions in their aesthetic conceptions, such as: intuition x intelligence; spiritual x material; tradition x new spirit

77

. As previously mentioned, according to the rationality intrinsic to developmentalist project, such antitheses

composed a scale of values that minimize the traditional and the intuitive, which immediately differentiates itself from the proposals of César Romero. Intensely colored, his painting directs itself to valuing popular culture, and in his art the oppositions between the past and today do not demark a hegemony of the technological in detriment to the tradition implicit to regionalism. We further observe that the insertion of “geometric” resources in Romero’s art has nothing to do with constructivist neutrality. Through the application of dull colors without nuances, “constructivists” directed themselves to a markedly quantitative definition in relation to coloring, including that which pertains to brightness, vibrancy and saturation to characterize formal standards in relation to defining surfaces78. Following this line, many artists devoted themselves to serial precision79, setting areas that delimit colors. By juxtaposing color, design and movement, the search for precision intended to eliminate everything that could possibly be an accessory. Analyzing constructivist works, one perceives a commitment with the projected order of space and color, breaking all commitments with the past phenomenological axis.80. In a diverse way, César Romero counts on the sensorial experience of coloring. By tinting his canvases, he affectively values semi-hues when he visits to his motives, working Earth tones to tactically translate his Bahia of the people. Creating textures, the painter de-neutralizes “geometric” spatiality. With brushes and paints, César Romero weaves the Northeast. He weaves and embroiders spaces. The Paintings of Tamborets, as well as the sets of paintings that compose Chromatics and Bramante, can induce the untrained eye to identification with the geometric. However, to the poetic eye, the painter juxtaposes colors lyrically. Without rigid demarcations, as in the referred sets of works, Romero conducts the visitor to mixes intrinsic to pictorial plasticity. In Romero’s art, spaces expose sensorial associations. Inasmuch, the works with a suggestion of geometric standards do not define thinking nor a constructivist aesthetic, in the sense of consecution of a spatial and chromatic synthesis directed at closed form. In a diverse manner, his brushes de-structure lines and the rationality of form in order to capture the signs from the people, going beyond the limits of the canvas and reaching resources that are found between Earth and heaven. Between the ground and the sky. Between man and birthplace. The limits of support are broken in theses places. Color germinates. As in popular art, there is not a geometric project in César Romero’s art, referring to constructive rationality. In the people’s art and in that of the painter, the geometries are colored places created on the sensitive plane, where color exposes its fable. This fable acts on the senses and expands in the life of the hues. Adhering to the dynamogenesis of colors, we are reminded of the relevance of migrant-images81, that is, the small format images which dislocate through the flow of the Strips and other sinuous routes and create self-moving spaces, deconstructing geometry. In this dynamic, spaces do not close the form, as almost always happens in constructivist compositions, in that even the movement coming form optic arrangements is restricted to linearly delimited fields, similar to graphic schemes

77  Cf. TORRES-GARCIA, Joaquim. “Querer construir”. Projeto Construtivo Brasileiro na Arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977, p. 58. 78  PEDROSA, Mário. “Paulistas e Cariocas”. Projeto Construtivo Brasileiro na Arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977, p. 137. 79  PEDROSA, Mário. “Poeta & Pintor Concretista”. Projeto Construtivo Brasileiro na Arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977, p. 146. 80  Idem. 81  Check Chapter 10.

242


that, back away from pictorial plasticity, give to painting values of painting drawings. In a certain way, there are not incursions in Romero’s painting by the field of linear graphic rationality. Better said, there is not linearity. Everything is pictorial. Deviating from graphic resources, the route of paints expands laterally by additive effect, generating color fields. This dynamic is determined by spatial qualities, qualities created by contrasts, textures and transparencies occasioned by the dilution of acrylic placed by the brush and spread on the canvas. In the references to popular culture celebrated on César Romero’s canvases, oppositions congregate original movement, mixing paints and waters. This movement mixes paint strokes, embroidery stitches, weaving and reliving the dynamic of popular trades. In virtue of dimensions and details, the painter’s paintings should not only be seen from afar, but also from mid distance, and from up close. It is about apprehensions that complete each other. Diverse ways of seeing. Diverse ways of feeling. When looking, colors want a participation of the body in encountering the paints, expanding themselves between the hairs of the brush and the colored skins that create ambience to receive the visitor. As for Surrealism, some authors indicate it as a facet of César Romero’s work, and we equally question this approximation. It is not pertinent because the elements of the fable are visceral in his painting. They do not come from a movement of the reason which values and constructs dreams, utilizing knowledge stemming from Psychoanalysis, as the surrealists did in Europe and in Brazil in a historical and aesthetic moment quite different than today. In César Romero’s work, oneirism is not theorized. It occurs as flesh, bones and nerves. From visual to “touch”, colors expand and create images that are not related to psychic automatism. The artist harvests legends and myths in the ambience. However, in the interim of people’s daily life, the separation between fable and reality is not of the same order of erudite culture that led to Surrealism. In the people’s Northeast, enchantment flows in the day to day. The fable lives in the day to day, arriving at erudite culture in its various expressions. Emerging from a visceral experience, legends, myths, beliefs, religious rites, all conduct the imagination to various artistic dominions, as occurs, for example, in the music and in the poetry of Elomar giving sound to his home land. The cinema of Vladimir Carvalho stands out as it joins historical records to the clear political definition, remembering the enchantment of land, even through meta-linguistics that gives the documentary a poetic character. Dramatist Ariano Suassuna must also be mentioned in this commemoration of land and the various areas of the “Armorial Movement”82. These and many other artists and thinkers of utmost importance in the ambit of the erudite layers appeal to popular enchantment as an original source of art and of reflection on culture and the world today. In popular Northeastern culture, the fantastic is inserted in the day to day of festivals, family blessings, that is, in the day to day of the hinterland converging on urban spaces, observing that the inheritance of cultural roots is not constructed in a rational mode. The erudite citizen or artist can religiously or aesthetically accept the symbolism born in the ambient of the land of one’s childhood, because the symbol culturally roots itself in the day to day. Our reference to the symbol here has a philosophical-cultural connotation. It’s about references transiting between the sensitive world and thought83, thought thus being conceived in an ample manner and embracing myth. In this sense, there is a mythic thought84 embracing legend and other similar expressions in culture. In relation to culture’s accomplishments and objects in the plane of the senses, these references get confused in ideational and/or imagistic aura that can reach oneiric records. Hence, verified in a different way than by science, symbols are not conceptions of rationality in cultural practices. They pertain to the mythopetics field. From the symbolic perspective, the “fantastic” becomes

82  Cultural action to preserve cultural Northeast basis, directed by Ariano Suassuna. 83  Cf. CASSIRER, Ernst. Philosophie des Formes Symboliques. Vol. II. La Pensée Mythique. Trad. Jean Lacoste. Paris: Minuit, 1972. Na referida obra que trata da temática do símbolo consulte-se em especial o primeiro capítulo. Check Chapter 1 in Cassirer’s text. 84  Idem.

243


“tactile”. It creates places. At home, in the street, on the corner, at hands’ reach. Enchantment expands in Town Square Festivals. The fantastic lives in the “cordel”. It is colored by “Bumba-meu-boi”85, just as in all celebrations and “folguedos”. In the people’s culture, there is a mythic side that in a certain aspect gives nature to parties, to homes, to town squares and, among other places, to the ambience of waters, as is the case of the legendary “carranca” (standing wooden figureheads, gargoyle-like), that is, a boat gargoyle that wails in face of danger and thereby protects the boater. According to some researchers, this sculpted piece that carnivalizes itself through the grotesque integrated itself spatially and symbolically to the canoe as if it were the body of a live animal whose head is a “carranca”. From the artistic point of view, the common canoe is today linked to a series of regional legends. Among the motives that occur in the day to day include religious manifestations that embrace the first sacred images brought here by the Europeans, as well as their popular interpretations and still the first ex-votos, which incarnate manifestations of faith in popular art. The insertion of enchantment in popular culture does not occur as an intentional negation of reason, as is verified in Surrealism by manifests based on European philosophical thought re-thinking itself through literature and art. Different from a “rationalist irrationality” that surpassed Surrealism, in César Romero’s popular Bahia culture, religious manifestations reassemble enchantment in the sensorial plane, we repeat. The animation of nature is accentuated in the point of view of Candomblé. Exú opens the ways to the street and to the sacred land. Iemanjá lives in the waters of the sea, admiring herself in mirrors, waving her fans and adornments. In the party of the world, Oxumaré tinges herself with colors of the rainbow. In this universe, the legendary flows can hear the sounds of Earth to give life to oneirism and to life itself. In this live culture, enchantment is alive. In César Romero’s art, enchantment is carnivalized in the colors of painting, being that his erudite education did not separate him from legendary cultural origins.

THE POPULAR AND THE ERUDITE In César Romero’s painting, the enchanting and the legendary become focuses of carnivalization through coloring. Under this prism, they gain sparkles of order inversion through the festivity. Color becomes a metaphor to laughter which adheres to the comicity in the comic medieval and renaissance festivities. Assimilating traces of comic rites of Antiquity86, especially in what refers to spot aspects of the Saturnals87, carnivalization acquires its own Middle Ages profile, when it gained an entirely laic character, remembering that it was previously related to the sacred88. By being contrary to official order, carnivalization positions itself before the hierarchies of political and social nature. For this, by recognizing innumerous integrated instances to carnivalization in popular Northeast culture, it becomes by the same way possible to “read” César Romero’s work from this category. It is not, however, about molding his painting within theoretical precepts. It is about perceiving its originary dimensions from the fable of color tinting the world. Joining particularities of the hinterland and the city, César Romero articulates spaces of affection. In painting, they are places that we inhabit metaphorically, making us choose to shrink our body89 or to become a giant, or they are places which receive us in our natural size, sending us to the meanders inaugurated by color. Places in the Northeast. Places in Bahia on Northeastern soil. Houses. Views. Altars. Churches. These and other motives transform into colored places. Places of living. Places of the senses. Places of the world. Party patio. Place of the Saint. The popular and the

85  Folkloric event joining chant, dance, music, theatre, concerning to a legendary bull that is killed and resurrects by enchanting. 86  Cf. BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o Contexto de François Rabelais. Op. cit., 9. 87  Idem. 88  Ibidem, p. 3. 89  BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Op. cit., 19.

244


erudite are not antagonistic and contradictory forces for César Romero. They are not in opposition nor do they annul one another.90 In his erudite work, the marks of regional ambience become carnivalized on the linen, which become fertile “lands” carnivalized on the canvas which makes itself receptive soil to the images born in popular culture. Revisiting César Romero’s art, we perceived the constancy of these friendly forces converging in the paints, being that the painter reminds the identity of the people, removing from it the label of exoticism, by inserting the products of popular culture in the category of “art”. Returning to said question, an amply problematic as the separation between the popular and the erudite can be in the plane of artistic production, Mário Pedrosa reflected about it in 1975 and saw it as result of an evaluation of the positioning of an artist in the social stratification on the ambit of capital, being that the differences that label the popular and the erudite are connected to the expansion of capitalism, generating hierarchies pertinent to the division of society in classes91. The argument of this author is directed at the analysis of artistic production in Brazil, including manifestations that go from the popular to the erudite in the term “art”, that show the diversity between both is pertinent to an ideological aspect related to the market: The market does not permit that any other activity survive outside of it92, that is, the instance of the market does not deal with aesthetic values in the philosophical sense. Additionally, art seen as merchandise can be tied to the taste of the financially dominant strata. Some theorists argue that there is a tendency of social classes to disappear in the globalized world93. However, nothing to the moment indicates the disappearance of social stratification, making Pedrosa’s argument still valid today. In this aspect, standards related to artistic production are established while merchandise that circulates in the instance of formal economy, implicating selectivity and exclusion in relation to aesthetic valuing of objects that do not pertain to the “official” parameter, as mentioned94. This observation is seen as a problem today, relating to standards that sometimes conduct judgments that minimize certain artistic manifestations, as well as prejudices in relation to popular manifestations. In relation to recognizing the people’s cultural values, César Romero’s work gains political connotation, flying flags for preservation of the Northeastern identity with representation in globalized society. We are certainly not defending the preservation of one unique identity as a base for national identity, nor that regionalism should be fixed and immutable, as it would constitute an argument unlinked to cultural dynamic and an ideology refractory to changes and to coexistence with other identities. Consider still that, in reference to regionalism, defending the fixed identity would serve to strengthen the continuity of poverty in certain Brazilian regions, being that the conception of immutable mental models95 can serve as an obstacle to development. We know that products of popular culture are in great part related to informal economy. According to Proença, our oral literature, though rich and beautiful, is marked by the lack of schooling.96 However, the path to change and development does not imply forgetting cultural roots. In this sense, the point is development will take regionalism towards globalization without abdicating memory and originality. Within this objective, one of the ways concerns to erudite art, valuing standards of the people’s culture. It is not, though, the only way. Here we have another open question. In the case of art from the erudite strata acting as a force for preserving the memory of the people’s culture, César Romero’s work includes the example of the tamborets, which are stools that characterize the different tent bars in

90  KLINTOWITZ, Jacob. César Romero - a Escritura do Brasil. Op. cit., 9. 91  PEDROSA, Mário. “Paulistas e Cariocas”. Projeto Construtivo Brasileiro na Arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977, p. 321. 92  Ibidem, p. 332. 93  The basis of this subject is in: HALL, Stuart. Op. cit. 94  Check Chapters 1 and 2. 95  Cf. HARRISON, Lawrence E. “Promoção da Mudança Cultural Progressiva”. A Cultura importa - os Valores que definem o Comportamento Humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002, pp. 412-416. 96  PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Class notes.

245


the Town Square Festivals of Bahia. Originally painted by the tent bar owners with colors and forms to distinguish one bar from the others, the tamborets are painted as a set that form “panels” that act as representative art and “flag” of the party. In counterpoint, these tamborets are today being substituted by uniform plastic chairs advertising different brands of beer. In counterpoint, the tamborets survive in an artistic version in César Romero’s paintings and photographs, as well as in the artist’s oral and written statements, and archived in iconographic records which become reference and memory in a pictorial trajectory that reaches numerous popular motives, as: “The design, the painting of the tamborets; tables and tents of the Town Square Festivals; of Carnival, of São João parties with the mini flags; Christmas and the manger scene; the festivals of other peoples that the Northeast adopted, or “Brazilianized”; the people and community art; life. Therein is my native soul, in my plastic-visual interpretation (...).”97 Present in the work of César Romero, the memory of popular culture constitutes itself from various cultural identities that converge in the Northeast. By visiting popular art, we learn that the patch quilts, the saints elaborated by the popular sculptors or the carvings of the “cordel” constitute artistic expressions and can negate the schemes of repetition. Popular art can be rich and varied within the original standards. This art is simply born spontaneously, giving itself to those who can see and recognize their intrinsic values. In this line of argumentation, it is relevant that the artist who pertains to the erudite strata visits popular art. So, does not represent products of lesser aesthetic relevance the artistic works such as the embroidered panels of Heloísa Pires Ferreira which were shown in Stockholm in 2004, at an exhibit of etchings and “cloths”. Notably, certain Brazilian cultural institutions do not include embroidery as art. Originating from popular or erudite strata layers, embroidery, and other pieces classified as artifacts, can be artistic. It does not seem aesthetic the criteria that can exclude such pieces from exhibits and other cultural spaces. Returning to the work of César Romero, popular motives intensely expand and unfold originally on his canvases as prisms of commemorative colors of Town Square Festivals. However, among others, the June and Christmas festivals live in the painter’s memory like sources of coloring. César Romero’s art includes myth, legend, “folguedos”, oral literature and the “cordel”, with his characters coloring, dancing and celebrating the hinterland. They show a conception of the world that pulses in the native soul of the painter, fusing memory, today and prospection. In the artist’s aesthetic project, various temporal axis are sustained and they make to converge tradition, the contemporary and the future of the culture. Into this temporal convergence, the dynamic of the hinterland identity inserts itself, revitalizing Bahia in the intrinsic motives while creating pictorials. Through colors, César Romero looks “inside”, and sees “from inside”, the city and the hinterland. And this look goes around the world. It becomes “tactile”. It moves beyond the visible world, because the artist does not create historical paintings. Interpreting the ambience, he hikes the trails of landscapes. He participates and wears the garments. He inhabits sacred and profane places. He hears popular poets. He realizes the hope in prayers and blessings. By mobilizing an intrinsic carnivalization of coloring, he transmutes the hierarchic order of spaces divided by various aspects. By being César Romero inhabitant and son of Bahia and of the world, there is evidence of hybridism to what touches his identity. We do not, however, search in the tracks of the cultural roots related to his art for an inspiring font that explains his painting as consequence of a linear link from the observation of ambience. In the painter’s work, we look for grains of the same fonts that lead people to cultural accomplishments. We look for an oneiric motive. A chimerical motive. And we search in the convergence of carnivalization and of the endobaroque for forces to propel the inversion of world order through the plastic and ideative autonomy in César Romero’s art.

97  ROMERO, César. (Exibit) The Signs from the People. Salvador, 1983, pp. 1-2.

246


The Reach of Carnivalization “Joy wasn’t even there, outside. The joy was in us. It was inside us that there was joy, - Profound, the silent joy...”98 AREAS OF EMERGENCE OF CARNIVALIZATION Relating to mythical religious practices, the festivities of carnival and other similar parties have been known since Antiquity. However, from a secular99 point of view, carnivalization gains its own profile in popular medieval and renaissance festivities, we repeat. In these periods, carnivalization happens through different practices that affirm the people’s view of deconstructing the established order. It is not just any view, however. It is a view directed at official culture and at the hierarchies, through humor in situations in which people laughed about the world freely and spontaneously in a climate of liberty and equality100. Characterized by comic aspects, in the Medieval a popular culture was created, which was defined as opposition to the precepts of the Church and of the Feudal State101. At their festivals, the people expressed their vision of the world, placing the official prescriptions in parentheses. With tremendous expressiveness and extensive calendar, in the Medieval, such practices carried public carnivalesque festivals, the special comic rites and cults, the buffoons and the fools, giants, dwarves and monsters, clowns of diverse styles and categories102. In opposition to the established, carnivalization was characterized by bizarre behavior and by parades which occupied the city squares and avenues of circulation, reaching, beyond the carnival, innumerous other celebrations as the donkey party, the pascal laughter

. The same comic tonality of popular and

103

public character is present in the agricultural festivals, in the religious celebrations, as well as in the civil rites common to that epoch104. However, carnivalization does not reduce to celebrations. It includes other ramifications of verbal nature, theatrical and ritualistic nature that perform a great role in the life of man in the Medieval and Renaissance105. Embodying diverse motives, we observe in Northeast a vision of the world connected to carnivalization in the field of popular cultural manifestations that, under various aspects, involves the picturesque, the grotesque and the fantastic, beyond satire, although carnivalization in the day to day is not restricted to comicity such as observed in the Medieval and in the Renaissance. Today, the element of comicity does not always appear in “folguedos” and festivals, nor in other areas of popular Northeastern culture. In a metaphoric way, however, laughter expresses commemoration and coloring, embodying the archetype of life. In this sense, there is a resistance to mass culture and to other aspects of hegemonic cultures, and there is a movement to avoid death and/or things characterized by inexorable duration and end. Still, if not even all features of popular Northeastern culture are based on comicity, there is an inversion of order of official culture that embraces objects, customs, values and festive events. If carnivalization constructs a second world and a second life106 in the Medieval confronting the Church and Feudalism, popular Northeastern cultures have

98  BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986, p. 70. 99  Cf. BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o Contexto de François Rabelais. Op. cit., p. 3. 100  Ibidem, p. 6. 101  Ibidem, p. 3. 102  Ibidem, pp. 3-4. 103  Ibidem, pp. 3-4. 104  Ibidem, p. 4. 105  Idem. 106  Ibidem, p. 5.

247


a world and a life in parallel to the circumscriptions of globalized society. Being diverse by being local, popular Northeastern culture affirms itself as identity, that is, as one of our identities. Furthermore, as in medieval carnivalization, it shows a commemorative character. It commemorates land, and the people of the land. It equally has a public character, as is verified in the religious and profane commemorations, or in the encounter of both as occurs in the Town Square Festivals in Bahia, for example. It is thus noted that a material culture under the form of objects and utensils integrates to the festivities. Through the transforming work of matter bypassing utilitarian aspects, many of these objects gain aesthetic qualities. In this order, various arts that compose a special class of objects stand out, those which in general circulate in street markets, small stores and with street vendors, most frequently restricted to the plane of informal economy. Such objects almost always are integrated to colors. Under this angle of festive commemoration, or in the day to day, color pulses in these objects and expresses itself to the eye. Even in events that do not have a comic profile, color reveals itself as a metaphor for laughter and symbolism of festivity. In the art of César Romero, vibrant coloring dialogs with the ambience. Subsuming a deconstructivist transrealism, the painter emphasizes the relevant role of the people in cultural production as the source of carnivalization nowadays. In relation to this emphasis, one observes that, as in carnival, more than the presence of the people, what is important is the role that people play in the event107. In César Romero’s art, in a metaphoric way, the role of the people adheres to the revealing carnivalization of laughter. By analogy, César Romero’s paintings have color in correspondence to laughter, which in carnivalization is the people’s expression of laughing at the official urban order. In the artist’s paintings, as it is a participative act throughout the commemoration, color expands like laughter. Being a solidary act, laughter interferes in other areas along the festivities and besides them. Laughter becomes visible through the party, unmasking ideologies intrinsic to cultural homogenization. In César Romero’s painting, more than a properly said thematic, being that his identification is more circumscribed to those familiar with the Northeastern culture, colors translate the people’s motives. Born from colors, pictorial space expands from the local space to the canvases, embracing the visitor in a commemoration of the Northeastern region. In this approximation to the art of César Romero with popular Northeastern culture, there are instances that, in some aspects, remember original carnivalization in the Middle Age. Without recurring to historical influences, as it is not the objective of this essay, the objective being to adhere to the poetics of color in the artist painting, such approximation becomes possible through a “reading” of the senses of carnivalization in popular Northeastern culture, for its analogies with the three basic ramifi7cations of medieval and renaissance carnivalization, which is characterized strictly by comicity: “1. The forms of rites and spectacles (carnivalesque, comic works represented in public squares, etc.); 2. Comic verbal works (including the parodies) of diverse nature: oral and written, in Latin or in vulgar language; 3. Diverse forms and genus of familiar and rude vocabulary (insults, swears, popular bragging, etc.)”108. These items refer to the medieval times with extensions to Renaissance. It becomes important to observe that some of the contents of these three areas of emergence of carnivalization adequate themselves to other contents of carnivalization in popular Northeastern culture, obviously maintaining the differences to cultural historical references. Characterized by public character, by the inversion of the official world order, for the idea of liberty and equality, as by the comical profile of innumerous festivities, rites, artistic works and anti-establishment behavior, carnivalization today can subsume one or some of these circumscriptions. It is about revisiting the category of “carnivalization”, and recognizing its own profile in hodiernal times, as it can be apprehended in the art of César Romero.

107  FRIGOUT, Arlette. “La Fête Populaire”. Histoire des Spectacles. In Guy Dumur (org.) e outros. Paris: Encyclopédie de la Pléiade/Gallimard, 1965, p. 265. 108  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 4.

248


In relation to popular Northeastern culture, in an analogy with the records referring to the first item, to the rites and spectacles, festivals that typically occur in public places aggregate, almost all including comical expressions that involve the theater, dances, “folguedos”, religious celebrations and many other popular artistic manifestations In the second item of this classification, verbal comical works, significant expressions of oral literature are included, through “repente” and also by means of “cordel” literature, often related to the comical, not rarely with fescennine expressions. In relation to the third item, which addresses diverse forms and genus of familiar and rude vocabulary, it is explicit in popular Northeastern culture under the form of oral expression, which includes rich adages. Relating such expressions to laughter, whether metaphorically or explicitly, there are innumerous features of carnivalization in this popular culture. Thus, if we compare carnivalization in popular Northeastern culture with that which was verified in the Middle Ages with its extensions to Renaissance, correspondences are perceived with amplifications and modifications concerning the historical context and the geographical differences, as mentioned. Such changes generated technical, thematic and aesthetic expressions in popular Northeastern culture. Inasmuch, from the artistic point of view, stand out singularities in popular Northeastern culture includes painting, carving, in a certain way architecture, among other expressions. To these various other ramifications we can sum artistic expressions like sacred images, ceramics, weaving, embroidery, basketry, as well as production of other artistic objects of “use”, revealing a rich plasticity.

LAUGHTER IN POPULAR NORTHEASTERN CULTURE While not strictly linked to comicity in all popular manifestations, almost always the coloring is intense and vibrant. Including traces of Carnivalization, we generically mentioned areas of emergence of popular Northeastern culture, with a stand out being cultural resistance in the face of globalized world standards. In its transformations and considering contents relative to the “carnivalization” today, we can place the following context in popular Northeastern culture: 1. rites and religious cults; 2. spectacles, festivals and “folguedos”; 3. comical verbal works; 4. popular architecture; 5. plastic arts and objects of use; 6. carnival; 7. music and other rhythmic manifestations. We will observe a few examples that situate such areas of emergence of carnivalization of culture in discussion. As in the activities characteristic to the Medieval with extensions to the Renaissance, carnivalization stands out in this context in reference to popular Northeastern culture, inaugurating spaces of cohabitation and an announcing, hopeful time. Rites and Religious Cults In this cohabitation space and in this prophetic time, rites of Christianity are fundamentally included, as are AfroBrazilian rites and others that mix with diverse influences originally from Iberian and indigenous cultures, and appear in innumerous events. Exposing diverse beliefs and rituals of Catholicism that entered here through catechesis, AfroBrazilian cults conducted practices, images and valued pertinent to an identity that, by inscribing differences in the formation of “Brazilian culture”, have since opposed the colonizing culture. In this heritage, the animation of nature integrating itself to the mythology of the Orixás projects itself in the colored symbols of the Saints, as well as in the sounds that in commemorative rhythm surge as traces of carnivalization. In these commemorations, the rhythm of Iemanjá emerges from the salt waters in blue colors and in the flickering of the sails and boats shining on the beach. In the crossings, the red of Exú opens the paths and gives dynamic to the black tones that equally symbolize this divinity. As a party of life and of the eyes, the colors of Oxumaré surge, tinting the world with the colors of the rainbow. Observe that each Saint corresponds to images and colors that integrate their altars and cults. With wide representation in Bahia, the ambience of the Town Square Festivals stands out, bringing an ambiguity to these simultaneously sacred and profane celebrations. From the religious point of view, such parties congregate beliefs and diverse cults. With an extensive calendar that expands in time, and occurring in diverse locations, the

249


Town Square Festivals109 reunite memory and origins of popular cultures, marking their spaces through the coloring of the tent bars and other elements of the party. The festival of the “Senhor do Bonfim” (The Lord of the Good End) stands-out among these festivities, featuring the washing of the magnificent church’s steps. These events explicitly display the mix of cults and identities, affirming itself as a factor of carnivalization in the plane of popular culture. By the power of the signs from the people, these celebrations determine a view of the world that, in a certain sense, inverts the order of official Catholic events. Relating itself to Catholicism, and conjugating coloring and exultant movement, the June parties present traces of carnivalization. These traces stand out in the characterization of the ambient decorated with small flags and lights, the brightness and colors of fireworks, the luminosity of the bonfires and especially people’s clothes, in the typical dances and festive games. In the June parties, there is an air of happiness and comicity, and above all in the picturesque scenes of marriage in the country, indicating various possibilities through laughter as a “reading” of this institution from the traditional “country” point of view. It is significant that, in the climate of cyclical festivities in festive ambient, exactly New Year’s Eve stands out, a party that associates itself to the scream of carnival. It agglutinated cyclical aspects of a time which begins hopeful and fertile. It is propitious to change. Spectacles, Parties and “Folguedos” In this item, the colored and the legendary cyclical presentations called “folguedos” deserve special attention. Many show cultural traces of Iberian or African origin, and some bring references to indigenous culture. With a rich and diverse heritage, the “folguedos” can include profane aspects, enchanting and religious. With one part religious and the other comical, in Pastoril for instance predominates, a festivity performed by “Ole Faceta” (Velho Faceta): the satirical character whose uses the irreverent vocabulary of carnivalization speech, full of “wordplay” that borders on improprieties. Among these revelry festivities that unite the comical and the enchanting, one must remember “Bumbameu-boi”. During this event, the central character is a bull. Once the bull is killed, there is a reading of a jocular will. Afterwards, by means of artificial enchantments, there is the traditional enactment of the bull’s resurrection, which returns to life through magical rites, and proceeds to dance with all the other characters participating in the event. The “Bumba-meu-boi” joins traces of diverse cultures and art, making this revelry one of the most far reaching of the ramifications of carnivalization in various regions of Brazil, with variations in the south of the country. These folkloric revelries are characterized by carnivalization, by their commemorative and cyclical facet, and by their coloring, as well as by the mix of popular artistic genres, such as dramaturgy, singing, music, dance, poetry, indumenta, adages, etc. Some conduct symbolism relative to the sacred. Above all, by their profile of tradition facing globalized society, these festivities represent an inversion of order that can be seen as cultural resistance. For their festive profile, Town Square Festivals could equally be mentioned in this item. They also circumscribe music, dance, games of luck, mini flags, fireworks, food and drinks, among the practices and activities of the people. For their strong religious nature, however, congregating diverse cults as part of the festivity, they are more adequately situated on the anterior item. Comical Verbal Art Under the guise of carnivalization and explicitly comical, verbal art includes parody, sayings, tongue twisters, as well as other variants respecting to the genre, as comical vocabulary. This cast of verbal expressions in a certain way relates to various forms of popular theater, such as puppets or “mamulengos” 110 among other scenic manifestations with incursions on the field of jocular language. Corresponding to this item are rich popular adages, prodigal satire

109  Check Chapter 8. 110  A kind of puppets theatre in which the characters are moved by a person who puts hands inside them.

250


and irony, integrating to the dramaturgical field, as well as to the plane of other speech variations in other events as, for example, in some festivities and in carnival itself. Comical verbal art embraces varied themes, though it focuses with great sharpness and malice on the figurations of the woman, the horse and of sexuality111. In the salience of such art, and also through varied themes, stand outs in the literary field include the “repente” and the “cordel”, transporting common language to these genres and revealing specific vocabulary and jocular treatment, and even offensive, conducted by carnivalization. In oral literature and in “cordel”, as well as in other verbal expressions mentioned herein, one notices the reach of the content of speech that many times refers to occurrences in the city. However, more than a record of occurrences, this language indicates regional peculiarities that poetically and/or critically turn the world upside down, delineating the powerful reach of carnivalization. It is possible to observe that, confirming such contents in conversation and speeches not explicitly dramaturgical or literary, that is, on daily basis, the popular language reaches the realm of carnivalization through the common people’s language. Under these circumstances, a particular vocabulary in certain activities is applied, for example in games and in contests, as well as a particular vocabulary is used in certain places like bars and brothels, among other places that are fertile grounds for fescennine expressions. Under the wings of carnivalization, related to certain activities or places, forms and kinds of dirty language are widely used including offenses, threats and swear words. Such language is able to influence a certain activity or a given environment and this language frequently is observed in carnivalesque satires during carnival, and so it turns the world upside down. In this item, we mention the power of the words acting in carnavalization as a look upon the official order of the world. In this scope, language plays an ambiguous role, by naming things and by breaking down the verbal sign as well the paradigms of the official speech under ideological and grammatical perspectives. Popular Architecture Architecture is not related to comedy, but it gives life to the joyful vision of world, marking the spaces that protect and shelter the body. Conceived by the common man who concentrates spaces of affection, strikingly, the house inverts the order of forms concerning to erudite architecture, even if popular architecture can be reproduce it by means of appropriation. As it gives room to imagination, establishing the territory of the family, the house is surrounded by a dreamlike aura that makes it intimate within rigid differences in a given environment. No wonder popular architecture reveals its own conceptions of a field that transits thought the realm of sensitivity, being able to materialize imaginary spaces or become reality as appropriation of erudite urban models, or of the models of the houses that belong to erudite stratum people from small towns through carnivalization. In this kind of architecture, many things stand out, namely its internal division, the decoration of its facades and frequently intense colors, being that coloring is the predominant element in what people like most. Fine arts and its objects of use Joining aesthetic-artistic features, we add in this item a great number of objects and works typical of the regional culture, covering fields that range from daily use to ludic to sacred, also calling attention to: pots, kites, flags, stools, embroidery, wickerwork, weaving, lace, saints and the patch quilt, which is an object of use and artistic object in popular culture. In the artistic expression of common people, there is no division line between an artistic object and what should be used for household purpose. That is an ideological distinction related to the market, as mentioned above112. In popular culture, “decoration” and colors are likewise reunited in aesthetical-artistic proposal, bringing down the wall that tries to separate art from crafts. As for the relationship between these objects and carnivalization, a bit of drollness is seen in the xylography patterns, because these patterns can seem funny and then reach fescennine features. In the xylographic plane, rarely done in chromatics, carnivalization can be related to the theme. But other

111  Check MOTA, Leonardo. Adagiário Brasileiro. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1987. 112  Check Chapter 2.

251


artistic expressions based on colors can go hand and hand with carnivalization through themes, as is the case with pottery. In pottery technique, zoomorphism and anthropomorphism deserve to be emphasized. In both circumstances, there are frequent configurations of the animal as well as the human body seen in comical positions and also in grotesque ones. Here we can see that color is not only used for decorative reasons. Colors fuse into the motif as an intrinsic component of its the imaginary universe, in the same way that “ornaments” integrate the body, the house, and other aspects of ambience. In some cases, pottery can show colorful in virtue of its material, like red clay. Adhering to carnivalization, we cannot leave out clay sculptures, as well as the carvings, because they integrate carnivalization through imagistic-thematic aspects that can embody comical facets of various natures, even the grotesque. Carnival At present, carnival is connected with a large variety of official movements with multiple nuances, congregating many cultural and aesthetic identities. Due to its changes over the 20th century, carnival needs to be analyzed. So that we can find out what remains related to carnivalization nowadays. We can find out in this festive manifestation what still has its popular characteristic, what still remains “carnivalized”. Despite all these changes, connected with the “Samba Schools” and other similar aspects, carnival has shown to be a party for common and intellectual people. On a large scale, in “official” manifestations like carnival, people appropriate traces and features from different cultures referring to globalization, features that also belong to the intellectual, and vice-versa, in cases in which the erudite culture, along with other expressions of official cultures, also take possession of the popular culture at carnival. Even transformed, carnival has played an important role in the cultural mixes, in a dialectics that reaches the popular and the erudite. Still, something remains carnivalized113. Music and other Rhythms From the viewpoint of carnivalization, music is a great rhythmic expression integrating a variety of celebrations, be it sacred or laic. Music and other rhythms have a strong impact over a regional atmosphere. It is connected to theater, the “repente”, dancing, singing in circle and other festivities, especially carnival. Certain celebrations have a cyclical feature, that is, a new moment sounds as resurrection, an outbreak of life that links itself to musical and rhythmic expressions. In popular culture, rhythmic manifestations are related to work, as in the case of the work songs 114 And, inside of a scope of questions that deserve to be studied in their origins, in some places the requiem also has traces of carnivalization, of course in a specific and restricted sense, mainly, in certain funeral rites, with emphasis on other sorts of rhythmic manifestations related to a funeral wake, in virtue of the passage of the dead to another time that gives continuity to life. Among the rhythmic manifestations connected with carnivalization, in certain aspects we can speak of the cults of Candomblé, associating the visual element with a synesthetic convergence. From a rhythmic standpoint, both Candomblé and other Afro religious manifestations have chants and sounds that come from instruments appropriate to the rituals of each of the Saints that continue until today as manifestations opposed to the “harmony” and “musicality” of the official culture. Such an attitude can be seen as resistance against European culture, and thus, gradually, African culture took its position as a part of the carnivalization movement. It is experienced very strongly even today in Bahia, especially in Baroque times, leaving a strong heritage to the erudite and popular cultures. It means to read through the Afro festive manifestations the presence of carnivalization in the shape of a popular culture, as a movement of resistance to impositions of hegemonic cultures. When finding in César Romero´s art the dialogue between the popular and the erudite, we find deconstructions based on ideative and

113  Check Chapter 8. 114  They are Songs that follow the movement and the rhythm of the works.

252


artistic aspects, linking traces of the endobaroque and carnivalization.

Carnivalization and the Baroque “Traces of cannibals, signs in the sky and endless Sargasso, here a hidden world shudders in a lost shell.”115 CARNIVALIZATION AND ENDOBAROQUE When coining the term “endobaroque”, we used a metaphor, being that the Baroque is a vein of the endobaroque, and the 17th Century verified an exacerbation of facets in the arts, such as: deconstruction, estranging, and irregularities in avoidance to the representations imbedded in the single view perspective, and also imbedded in the world objective. Implicating instances in the field of coloring, in painting the endobaroque acts through deconstruction and estranging relative to carnivalization. However, the more we emphasize that endobaroque and carnivalization are diverse categories, the more we notice that they resemble the Brazilian Baroque. In relation to endobaroque, it is a philosophical-cultural perspective that extends to the arts. It is a conceptual and artistic principle that presents itself as a deviation to standards placed by monological reason, that is, by reasoning that it is positioned as a fulcrum of a true logic transposed to the plane of existence. From the point of view of evading cultural standards, the endobaroque approximates itself to carnivalization. However, for what importance there may be to this dodge in certain aspects of culture, there are differences between both. By evading the logic principal of identity, as well as evading the absolute, the endobaroque broaches erudite and popular expressions in the plane of arts, and relates to the fundamental mode of space. In a diverse way, carnivalization circumscribes itself to celebrations and other popular manifestations facing official culture by means of comicity. In the arts and in the additional instances not restricted to festivals, though receptive to the principle of festivals, carnivalization is dedicated to coloring and to thematic. In the Middle Ages and in the Renaissance, we remember, the deal is parties which are characterized by laughter and by satire in the face of the official culture. In reference to other popular parties besides carnival, we remind that carnivalization defined itself with its own features in the Middle Ages116. Not restricted to popular culture, as previously mentioned, and in being amply divulged in the ambit of erudite cultural expressions, the endobaroque appears widely in contemporary times, according to the ideas developed in this text. In reference to the differences between carnivalization andobaroque, we emphasize that both indicate in the artistic plane a deconstruction movement directed to some instance of culture, as occurred intensely in the 17th Century. In relation to carnivalization, one notes that, after a significant influence in Medieval and Renaissance literature and arts, it gains a diverse sense in the Baroque117. In the 17th century, as festive life became state run, something changed in relation to the popular party118. However, carnivalization did not disappear completely. In a certain sense, it infiltrated the arts as a metaphor to the party. With the affirmation of the mercantile bourgeoisie enabling contacts with other peoples, carnivalization hence

115  LIMA, Jorge. Invenção de Orfeu. São Paulo: Aguilar/Círculo do Livro [s.d.], p. 23. 116  Cf. BAKHTIN, Mikhail. A Culture Popular na Idade Média e no Renascimento: o Contexto de François Rabelais. Op. cit. p. 3. 117  Ibidem, p 30. 118  Idem.

253


accompanied the vital impulses of the people’s culture, because the principle of the popular party of carnival is indestructible119. In being indestructible, the principle of carnivalization in the 17th and 18th centuries directed itself to the arts, we can observe. Seeing the world in a totally different order than the official order120, in the 17th and 18th centuries carnivalization imprinted transgression aspects from a thematic point of view and from coloring, we remember. Under this prism, we reiterate that, in the Baroque the facet concerning the popular vein must not be minimized. Thus in the realm of carnivalization, which differentiates itself from expressions such as classic palatial or ecclesiastic121, because in the 17th Century popular elements subsume artistic irregularities in what it approaches, among other aspects, to the elaboration of plans in painting. Though it pertains to space, the plans especially emphasize light and shadow implicit to coloring. It is observed that colors inaugurate space in the Baroque, as well as qualities of space, making it difficult to define the divisionary line between the features of carnivalization and those of the endobaroque in relation to spatial qualities. From a pictorial point of view, such approximation signals intrinsic mobility to space as negation of the static122, indicating places and horizons that surpass the point of escape established by the geometric perspective. In painting, places conceived by the imagination emerge. Chromatic places. Places avoiding spaces constructed by reason revolving around one only point. With the line insinuating the way between Earth and sky, in the Baroque, the painting supports focus in relation to folds, unfolding and refolding of cloth, in the movements of matter, as well as in thoughts and imagination, conducting the observer in an ambiguous way to the interior and to the exterior of space. Conducting feelings to the plane of experience of space as well as facing a painting, the visitor lives the spatiality. The space belongs to him123, with its ambiguities, ambivalences and multiple meanings. This mobility is not restricted to aesthetic characteristics. Such a dynamic signals a new view of the field of scientific-philosophical conceptions in relation to the approach of mathematical and cosmological spaces reflecting on artistic expression. In the art of 17th Century, the naturalist and classic incursions are superimposed by the haptic sense of space, revealing diverse ways to conceive a place for mankind in the Universe and permit that man transit conceptually between the closed world and the infinite universe124. With philosophical implications, in 17th Century a crisis of reason was drawn in that. But later, in Illuminism, in order to survive within the parameters of the unit, reason would be qualified as pure. According to this, space approached as an a priori existence of sensibility. The referred crisis of reason, however, encounters vast circumscription in the dominion of arts, and it was broached long before the appearance of philosophical axes, which included experience and the approximations between reason and feelings. From the artistic point of view, this approximation in 17th Century is reflected in the virtual aspect of the Baroque line, reuniting finitude and infinitude. As the projection of this line is sensorial, in painting it projects itself in ambivalent and ambiguous directions and places. In such projections, the line gains volume, movements and contorts itself in a visual that adheres to “tact”. It distends. Expands. Gains mass. It concentrates and disperses itself in folds, refolds and unfoldings. And, in constant transformation from the point of view of feelings, it always places itself conceptually in deviation of the concept or the schemes of reason. From the artistic point of view, this Baroque spatiality acts by means of diagonals, curves and oppositions and equivalences between lights and shadows. This dynamic encounters a possible relation with the inaugurated spaces before the Great Navigations that, together with other occurrences, amplified mankind’s geographic and conceptual horizon, still considering political, economic, religious and other aspects on the conception of spaces in the arts. In the

119  Idem. 120  Idem. 121  HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. Tomo I. 2ª ed. Trad. Walter H. Geenen. São Paulo: Mestre Jou, 1972, p. 555. 122  Ibidem, p.558. 123  Idem. 124  Cf. KOYRÉ, A. Du Monde Clos à l’Univers Infini. Paris: Gallimard, 1973.

254


dominion of painting, spaces are inaugurated in a fundamental way, as deconstruction of the objective world and/or of some metaphysical instance. Thus, in the endobaroque, spatial estrangement and deconstruction is found because, in an ample sense, they display themselves throughout time as a vision of the world in deviance of monological reason, that is, of closed reason rotating around itself, as occurs in the consecution of one-point perspective. In some aspects participating in endobaroque, carnivalization interferes in Brazilian Baroque, because in it the practice of festivity is exacerbated due to ethic mixing, especially with the impact on an Afro-Brazilian culture by leaving strong features in the popular culture of the Northeast, with great recurrence to carnivalization.

CARNIVALIZATION IN THE BRAZILIAN BAROQUE Conducting paradoxes and contradictions, several features of the 17th Century arts lead to the Brazilian Baroque, congregating diversities and relating to cultural resistance. Let’s remember that, in identifying with many instances of popular culture, cultural resistance can be understood as an area of carnivalization before a hegemonic culture. Thus, with the unfolding of Afro culture, it meaningful contribution must be emphasized in the fusionism connected to our Baroque, that is, in the reunion of oppositions and differences implicit to that cultural moment. This reunion is revealed through tensions implicit to the Baroque, absorbing the differences and oppositions from the endobaroque related with the vision of world that subsumes celebration, be it as a festivity or as metaphor of a festivity. Integrating diversities, the colonial Brazilian festivity surpassed the traditional space of speech of authority trying to replace it with a speech about cultural identity125. In this initiative, culture is enriched with the reunion of diverse identities coming from particular cultures being stamped in Brazilian soil. In the spectrum of the reunion of differences, our Baroque congregated multiplicity of expressions and diverse ways to see and dwell in the tropics. Here the Baroque was not a temporary artistic style, rather a basic material of a whole new cultural synthesis126. In this way, it becomes more appropriate to try to understand this profound Baroque dimension than to observe the entire History of Brazil127. Welcoming mixtures and conducting a plasticity that permits details in the aesthetic sphere, African influence in the Baroque time has been fundamental in the formation of the popular culture in Bahia. Familiar with the European influence, our Baroque became a means of propulsion for carnivalization receptive to the diversities of the African peoples, who already had powerful and subtle cultural differences. Embodying varied singularities, the African people had diversities, including in the language field. According to a chronicler, the greetings in the streets took place in three different ways, namely, in Arabic, in Portuguese and in Iorubá128. Many singularities can be equally noticed in the aesthetic subtleties that permeate art produced in lands of Africa, showing its difference in the materials and in the rich imagery that would reflect in our popular art, as well as in many aspects of arts produced by the erudite class. Such differences reached the common people’s work market by means of techniques of transforming materials, giving an aesthetic shape to objects of daily use, making itself relevant from the imagistic standpoint. In such activities, a complex mythology related to the everyday life is presented, indicating a search for balance in the world129, that is, a search for correspondence and balance between the sacred and the sensitive spheres referring to life, and bringing legacies to the imagination of the common people, as well as to the erudite class.

125  ÁVILA, Affonso. O Lúdico e as Projeções do Baroque. Vols. I e II. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 179. 126  SEVCENKO, Nicolau. “Entre a Ordem e o Caos”. Estudos Ana Maria Beluzzo e Nicolau Sevcenko et al. Direção Editorial Elisabeth de Balanda e Armando Uribe Echeverria. Paris: União Latina, 1999, p.61. 127  Ibidem, p.65. 128  Idem. 129  Cf. JUNG, Peter (org.). “Arte da África”. Arte da África. Rio de Janeiro: CCBB, 2004, p.35.

255


Objects and habits come up that, by means of estranging, fused their style into popular Bahia art, and into the popular festivals. On the other hand, as the Portuguese brought common men here, they were more permeable to this influence. With the arrival of the African peoples, Catholic Church Saints and Candomblé Saints began to cohabitate this ambience. In the same ambience cohabitate “abassá”130; “quartinha”131 to bless the ground, “água-de-cheiro”132 to perfume the body and blessed water blessing the world. Ever since we have been able to think of Afro-Brazilian culture also assimilating certain cultural traces of the indigenous population, as happens to certain religious cults that embody the deities called “caboclos”133. For its singularity before the European legacies, the indigenous cultural contribution to the enrichment of the Portuguese language must be likewise emphasized. It is found in the vocabulary and in other sources, like legends, myths and rites that have been mixed with religious manifestations of African origin. Triggering imaginary processes of several kinds, cultural hybridization in the Brazilian Baroque contributed to the emergence of carnivalization. However, the carnivalization phenomenon does not occupy all the fields of effects of cultural hybridization; rather it is tied to the aspects that embrace traces of popular culture, to popular festivity, and to cultural resistance. Opposing the predominant culture as well as its hierarchies, carnivalization continues alive in popular culture despite globalized society. This contrast has a certain representation as in other comprehensive areas of values and behaviors linked to other popular festivities. Thus, representing itself as a cultural resistance, carnivalization that developed in the Brazilian Baroque presents connections with carnivalization from the Middle Ages and from Renaissance, as they have in their practices a festive vision of the world from the common people’s point of view. It is all about a celebration pertinent to a principle of difference134. In certain aspects, this principle of difference influenced the habits and values of the European settler, who in spite of exercising his authority, experienced oppositions related to the habits of settled land and to the European’s, establishing behavioral changes. In Brazilian lands, the mysteries of the land became palpable, waking the imagination, mainly in art because of its visual and/or tactile aspects. As for painting, more than the theme, intense chromatics and the oppositions of between light and shadow led to different conceptions, inaugurating a deconstruction of the geometrical rationalism. Just like the literature and the arts from the 17th Century that reunited heteroclite expressions, our Baroque has an endobaroque configuration. This phenomenon emerges over the years and gets to our times modified through spatial irregularities. But it is always good to recall that spatiality in painting is born out of color. In our Baroque, the principle endobaroque, in many aspects, is connected with traces of carnivalization, including arts, and other cultural circumscriptions apart from festivities. In Northeastern popular culture, sense of humor of carnivalization is felt by means of theme and color. Facing this context of mutual influences, we analyze the Brazilianity that characterizes César Romero’s artistic production and we point out the color of Bahia’s festivities. In this festivity, the Northeast’s population is the guest of honor. In this celebration, a hopeful attitude is always evident, articulating elements from the Earth and from the cosmos. Opposing the vision of detailing and immutability, César Romero achromatizes spaces that, in the sensorial plane, join the ideas of finite and infinite. Especially in César Romero’s art, laughter imposes itself. In his painting, we see a party of colors.

130  Place for the cults in “Candomblé”. 131  A clay pot with water. 132  Aromatic water. 133  Cf. LODY, Raul Giovani. Cadernos do Folcore 17: Samba de Caboclo, Rio de Janeiro: MEC, 1977, p.2. 134  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. p.4.

256


The Notion of the Endobaroque “Mature by days, I saw myself on an island, whereas, how can I know things if not being them?”135 THE PRINCIPLES OF THE ENDOBAROQUE To define the principles of the endobaroque, we traveled through the thoughts of several authors, among them Eugenio d’Ors and Helmut Hatzfeld who present contributions to the approach of a “Baroque” not restricted to 17th Century. However, our studies began based on Ivan Cavalcanti Proenca’s ideas that identified the aspects of a style of writing called pan-Baroque and made it into a methodology136, revealing itself over the years. For its characteristics, this style of writing in some aspects approaches certain passages of Eugenio d’Ors who, by avoiding stylistic criteria, brought to light a Baroque with a universal reach. This Baroque is a vision of world that puts imagination and life first, and then deviates from the regulations belonging to what is merely rational. Such deviation, according to Ors, comprehends the dynamism of thinking and of the happenings through a constant metaphysics in reference to culture and art137. In search of other references that do not implicate universality, we visited the ideas of Helmut Hatzfeld, who studied Baroque literature in an imaginative and stylistic perspective, dealing with manifestations that include texts from Renaissance and Rococo, and in some cases before the Renaissance. As a support for the endobaroque, the authors have been chosen because they tend to take a direction other than that of Heinrich Wölfflin, who treated Baroque in a progressive and stylistic perspective. Under this scope, Wölfflin defines cyclical characteristics in opposition to Classicism, finding formal aspects in the Baroque due to the disappearance of classical forms. We cannot forget that, based on morphological studies on roman architecture, Wölfflin later determined formal principles in Art History, distinguishing classical forms from Baroque by means of antithetic patterns, summed up as follows: 1. evolution from linear to picturesque; 2. evolution from plan to depth; 3. evolution from closed form to open form; 4. evolution from plurality to unity; 5. absolute and relative clarity of the object138. Elevating Baroque to the condition of style, being that theorists` previous views about Baroque emphasized its strangeness and bizarreness in arts and architecture, Wölfflin’s work permitted the first systematizations from the Baroque style in literature139. Based on the set of ideas herein summarized, and delineating other guidelines, we detected equally common features in artistic manifestations previous and posterior to 17th Century and to those in the Baroque. These features continue until today, with modifications. They emerge in several periods, before 17th Century and beyond Renaissance. However, there are deviations of standards intrinsic to Classicism related to regularities referring to balance and to symmetries that, from an idealistic perspective, are reflected in artistic expressions. Examples in the field of painting include the use of linear perspective and of restrained light and shadow modulation. Even partially rejecting Ors’ ideas, we see many aspects of his ideas as relevant for the characterization of the endobaroque, as he conceived a Baroque in an ample sense, without dates or limitations. Considering the force of a constant that emerges in culture, always presenting variations, this Baroque disconnects from conceptions related to an eternal re-start or return to the “Baroque”.

135  LIMA, Jorge. Invenção de Orfeu. São Paulo: Aguilar/Círculo do Livro [s.d.], p. 250. 136  Class notes. The author mentions a passage that is expressed through antithetic games, word games, periphrastic constructions, parallelisms, among other instances of literary creation in prose and poetry. Frequently, the term Pan-Baroque encompasses oppositions affective to the tragic meaning of existence. 137  Cf. ORS, Eugenio. Du Baroque. Trad. Agathe Rouart-Valéry. Paris: Gallimard, 2000, p.70. 138  WÖLFFLIN, Heirich. Princípios Fundamentais de História da Arte. Trad. João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 18-20. 139  Cf. COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, pp. 92-93.

257


In avoidance of a determinist conception, Ors does not preoccupy himself with the regularity of the process, nor the periods, nor the formal characteristics. In Ors’ conception, Baroque is associated with the image of a channel with fixed elements from where polymorphous happenings flow140. Such polymorphous events are translated into reason and life141. In this sense, giving great importance to transformations and exceptions, the author believes that Baroque represents the opposition between life and eternity142. Relating to nature, that is, the conception of nature as dynamism, this Baroque extends itself into the field of contradiction. In the arts, as well as in the architectonical manifestations analyzed by the author, this timeless Baroque shows an ambivalent and plurivoque plasticity in relation to an idea of center, and reflects opposing ideas. Such conceptions comprehend the idea of an “eternal Baroque” that reaches the plane of ethics143. As mentioned, the extension of this “Baroque” becomes explicit in the plane of universality. As for the universality admitted by Ors, it is so due to an eon, that is, a constant metaphysics, even if conceived in the plane of culture144. In the author’s thinking, Baroque covers artistic manifestations from pre-history to the historical periods, including oriental manifestations, but in its own extension, we observe, this amplitude would not reach the plane of art and, with greater restrictions, its amplitude can be considered in the literary plane. When we define the notion of endobaroque, we attribute to it the Baroque transformational dynamic conceived by Ors, without relating it to universality. Thus, we will analyze features of the Baroque in the endobaroque, giving emphasis to a dynamic much like an ontogenesis, far beyond morphological similarities. However, even giving relevance to the plane implicit to the endobaroque, such circumstances in this essay are not restricted to the concept itself, being that the imaginative stratus was considered in its relation to sensitivity, and is translated into chromatic tensions that belong to the picturesque. Under this scope, originating in the meeting of oppositions and differences, these tensions create spaces through the imagination. It is an imagination producing images. However, it has nothing to do with conceiving images be it by reproduction or by representation145. In the painting, the image is defined as a chromatic plane. The image thus occupies the plane of ontology. Much more, it creates ontogenesis. It brings to the world those beings whose existence is color proper. As the imagination is the propulsion source of artistic and literary expression, it grows roots equally in arts in the 17th Century through the endobaroque vision, being that the Baroque implicates an endobaroque world vision intrinsic to it. Admitting that there is a recurrence of traces common to Ors’ Baroque, conceived as “universal Baroque”, we highlight these traces in a dialectic perspective that admits the coexistence of opposites. In relation to painting, endobaroque values the estranging and the deconstruction in spatiality opposing itself to the perspective of a converging point, which is a geometrical criterion to construct a space. This estranging and deconstruction can return to several fields, including irregularities respecting to curves and diagonals. Under this prism, we identify in César Romero’s paintings a dynamic genesis of spaces and movements related to a dynamic equilibrium. It is not about establishing a typology nor a morphologic analysis, rather a journey through spaces and colors in the artist’s work. At first look, the phenomenon “Baroque” can be observed in several periods, covering oriental and occidental artistic expressions such as “orsian” thinking. However, in defining endobaroque, we do not only limit its reach historically, but we also do not relate it to a universal constant. We prefer to dimension this plastic phenomenon seeing it as the result of working the imagination, transforming the material to create spaces that reveal qualities that are not

140  ORS, Eugenio d’. Op. cit. p. 70. 141  Idem. 142  Idem, pp. 103-104 143  DASSAS, F. “Présentation”. In Eugenio d’Ors. Du Baroque. Paris: Galimmard, 2000, p.XI. 144  Cf. ORS, Eugenio. Op. cit., p 70. 145  BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Op. cit., p. 8.

258


subordinated to formal and effective causalities. In this sense, different spatiality appears in the arts that frequently invade the enchanting, the world of fables and the sacred. In opposition to the orsian argument, that even admits a “Buddhist Baroque”146, we must recall that there are cognitive instances, especially in oriental philosophies, that admit contradictions and expose other mental activities, that is, other possible guidelines in the conduction of thinking that transports to the universe of art. Norms corresponding to Buddhism can be encountered in Taoism and Hinduism147. Thus, the universality ascribed by Ors to the “Baroque” in the arts can be attributed to the imagination, conducting diverse mental contexts. Under this scope, endobaroque, so defined, indicates a western phenomenon that, even having a wide reach, has its beginning in the early years of the Modern Culture. By articulating connections with the founding imaginary aspects of that time culture, endobaroque provokes the deconstruction of form, line and the absolute in a way that, appearing during the Renaissance, it was not a dominant phenomenon in that period guided by other norms of thinking. It is important to say that through a negation of differences, the Renaissance was represented in the way of a static, harmonious and linear equilibrium that reduces and/or eliminates the strong contrasts found in color, in lines, in volume, among others, from a plastic point of view. In regards to what this essay mentions of morphological traces that are accentuated in the Baroque, the endobaroque gains an amplitude irreducible to typology and the morphology, we repeat. Tending to endobaroque deconstructions, 17th Century articulated and deconstructed antithesis, for in the early years of Modern Culture the first shake in the essentialist metaphysics before the nature-knowledge standoff took place, subsuming and unfolding itself in oppositions and differences of many kinds that permeated the religious, cosmological, socio-political, and cultural planes, to mention a few. Endobaroque has close ties with Galileo’s, Giordano Bruno’s, Copernicus’ and Leibniz’s ideas that, among others, through diverse periods and principles, have triggered thought diverging from philosophy with an influence over culture and knowledge. Although 17th Century principles had been set before endobaroque, in this period the diverging thinking gave room to other forms of oppositions and/or differences that emerged in art and in literature. In spite of the Anti-Reform, a secular vision of world initiated in that epoch, a vision that migrated from the universe of faith to the sphere of politics148, in a fertile climate that facilitated endobaroque incursions as a stage for the imagination to embrace contradictions. Such incursions stem from the passage from Gothic to Renaissance, and their consequences in art cannot be measured by Ors’ proposal of universality, when covering artistic manifestations in cultures so different that travel from pre-historical to historical periods, for example, the Hellenistic, the Gothic and the Romantic, among innumerous others, as well as covering artists and oriental architectural manifestations. The only possible link to be established among arts from such different periods is found in the plane of formal analogies. However, it is not easy to locate, from the imaginary standpoint, a universality that covers such diverse periods and manifestations, as verified by Ors’ thinking. From an imaginative perspective, it is not viable to accept the constant mentioned by Ors as a result of the contrast between life and reason under an antithetic scope, for they have diverse connotations in different cultures and, especially, reason gains its own identity in the beginning of Modern Culture as soon as endobaroque was heralded. It becomes possible to attribute the analogies described by the author to a deconstruction of the world carried out as poetry, that is, through oneirism becoming reality in the sensitive plane and gaining life in the art of epochs and diverse regions. In this sense, whether it was possible with the help of the paradox to conceive the metaphysics of matter, universality would become poetically explained as the dream of transformation of matter, being that every artistic process demands such a transformation, be it stone, wood, “color”, or fabric. To each form of matter, the imagination

146  ORS, Eugenio. Op. cit., p. 123. 147  Check Bibliographic References. 148  ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e Persuasão. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 10.

259


assumes impulses of transformation, impulses that re-create matter itself and the world, a sort of Ors impulse. Its occurrence appears through variables that give it destiny in a perspective intrinsic to culture, through differentiated mental “schemes”. This destiny may tend to regularities with special significance in the picturesque plane. It is noticed, however, that, to the poetry of color, space makes no reference to a concept. Space gains sensorial qualities. Therefore, the endobaroque principle conducts intrinsically diverse traces to the arts of different cultures, including several spatial irregularities that are not repetitive. Hence, when a harmonious equilibrium appeared in the Renaissance in conformity with intellect guided by an identity principle, evidence of thought deviating from this principle also emerged. In this sense, in the Renaissance, there are art solutions and diverging ways in themselves, such as those of Leonardo’s and Michelangelo’s, the latter having brought typically endobaroque traces to his paintings. Thus, subsuming the endobaroque dynamism, Baroque does not make use of synthesis as light-dark or chiaroscuro typical of Classicism. Revealing strong tensions, light and shadow compete in the Baroque. Differences are highlighted instead of similarities. Light and shadow appear at the same time. They arouse tensions among the colors. In the course of an ontogenesis, chromatic beings spawn. A deconstruction of the world takes place, a deconstruction that recreates matter and the world with no need for representation. Although there are analogies in the diverse arts, understanding the whole process reveals differentiated bases in diverse philosophical and historical moments.

EXTENSION AND LIMITS OF THE ENDOBAROQUE Transforming thought and taking other directions from the beginning of Modern Culture, it was possible since that period to elaborate the deviating vision of the world from the absolute, perspective that stands fast and is unfolded over the years in connection with the endobaroque, considering the cultural and historical differences. But, in a generic way, the main endobaroque feature is affirmed due to tensions caused by living with differences. In the painting, these can come up in several ways. However, under endobaroque influence, even differing in each artist’s work, these tensions always refer, especially, to the spatial instance. In this perspective, we emphasize the following aspects of art: the importance of creative imagination; a dynamic vision of spaces; the conception of image in a non-representative and non-substitutive way; and the frequent reunion of opposition and/or differences covering heteroclite manifestations. Admitting certain elements of Ors’ Baroque in the art of some periods, as above mentioned, we have laid hold of Helmut Hatzfeld’s work that identifies traces of Baroque in Dantes’s writings. Said material was used not only as a source of reference, but also to develop a notion of what endobaroque means. After this confirmation, we took his ideas about Baroque into art, for this author’s forte was the literature. Comparing styles, Hatzfeld pinpoints Baroque features before and after the 17th Century. In this extension, he begins his studies from the antithesis belonging to Dantes’s texts in the Divine Comedy149 and the Sonnets150 by Camões. In his analysis, Hatzfeld includes texts of Tasso, Cervantes, Racine, Gôngora, Marino, Calderón and Quevedo, among countless others, in a comprehensive extension of texts on Renaissance, Mannerism and Rococo. Extending and stimulating the search for new themes and questions, such studies cover the Baroque influence over the language151 in all these periods. It is important to emphasize the fusion of oppositions in this “amplitude” of Baroque. However, as Hatzfeld says, this contrasting characteristic from the XVII century reveals an imaginary instance that precedes it, but only extends up to the XVIII century. Acknowledging differences over these periods, we detect an ulterior emergence of tensions intrinsic to art, reaching

149  HATZFELD, Helmut. Estudos sobre o Barroco. Coleção Stylus. Trad. Célia Barretini. São Paulo: Perspectivas, 2002, pp. 120-124. 150  Ibidem, pp. 156-160. 151  Ibidem, pp. 171-219.

260


our days, as Proença found in the field of literature152. But in endobaroque, opposition cohabitates in a mixture of contraries and/or differences, and it’s possible to have deconstruction of concepts, ideas or other instances connected to space – as in painting. endobaroque encompasses contradictions and paradoxes. Under this scope, not as extensive as the Baroque conceived by Ors, and more ample than that of Hatzfeld, endobaroque is characterized in art by the spaces generated by the estranging and/ or the deconstruction of spaces intrinsic to one-point perspective. Thus, endobaroque traces appear in the passage of spatiality from Gothic to Classic. In the case of painting, there were tensions that broke the equilibrium poised on vertical and horizontal axes. In favor of imaginary axes, the human figure is often related to images tangent to grotesque, enchanting, or non-common themes. In the realm of light and dark, the endobaroque admits the exaggerated and simultaneous emphasis of light and shadows, by means of chromatic intensity, as already mentioned. And per si, or as a whole, or still subsuming other nuances, these characteristics support spaces that sustain diverse images related to the imagination, deconstructing the activities in the perspective of observation and of geometry. It is all about estranging and deconstruction of referred perspectives through reuniting diversities, a reunion which often, but not always, deconstructs the standards of figureground, because the endobarroco dodges the basis of common perception153. In the endobaroque articulations, it is common to see a fusion of the diverse by placing the imaginary and plasticity in the same spatiality. Myth and fact. Heaven and Earth. Infinite and finite. This reunion of differences can be seen in the work of many other painters by means of estranging or deconstruction of perceptive and geometric spaces, from Gothic to Renaissance, when a bifurcation appeared in relation to how to apprehend space. In Renaissance art, there was, on one side, a faint search for harmonious equilibrium. On the other side, there was an outbreak of irregularities due to endobaroque. Although it is not a dominant feature, this conception emerged during the Renaissance with strong representativeness, as occurred in Michelangelo’s work, among other examples. Later emphasized in Mannerism and in Baroque, traces of endobaroque features traverse time. Under this influence, many painters made use of an untypical spatiality that was also asymmetrical. In Gigoto’s work, a painter who liked the idea of unity but never really followed this technique alone, we can identify estranging when the images are put together in a hieratic style whenever he worked with the heaven-Earth theme. In a variation of this spatiality concerning differences and oppositions, in Annunciation and in other paintings, Fra Angelico denies geometry and observation and joins figures, set in different positions, through a subtle estranging. Accepting the luminosity of shades in contrast with shadow, he intensifies the depth of the image in order to work with the theme of heaven and Earth. Observing other artists’ works, we identify that spatiality contains many features in the perspective of estranging or of deconstruction, as endobaroque gains a different face according to the artist. So, spatial conceptions typical of estranging are also present in Paolo Ucello’s paintings, exemplifying the web of planes in his work called San Romero’s Battle. Such spatial deconstruction is also seen in Rosso Fiorentino’s work, especially in miniature, as in Moses Defends Jethro’s Daughters. Away from the geometrical and perceptive criteria, Fiorentino presents a great contrast between light and shadow. This strong estranging and shadowing is also visible in Self-portrait by Parmegianino through his known anamorphosis, and in the countless works of Pontormo, Corregio, Perugino, the latter making use of allegory to intensify his work. As the allegory was very commonplace in the first centuries of the endobaroque influence, it provides estranging deconstruction due to its theme and its involvement with fantasy, appearing in spaces wanting figures, in superimposed and/or compiled scenes. In reference to the characterization of endobaroque traces, we must observe the deconstructions pertinent to the work of Hyeronymus Bosch. Simultaneously separating and joining diverse spaces in his triptych, the painter works with multiple angles, and gives various possibilities of apprehension to his painting. In this dynamic, his work presents spatial pluralities that can be “read” from left to right, from right to left, from top to bottom, from bottom up and in

152  Class notes. 153  It is a reference to Gestalt Psychology.

261


diagonal. In many of his paintings, we observe a tendency toward a dynamic of circularity in his painting, a certain circularity that, instead of searching for a center, moves scenes and decentralizes them. The ultimate deconstruction is eventually found in works such as The Garden of Delights, The Hay Wain and The Temptations of St. Antão. Bosch also works with carnivalization by mixing popular images and figures that pass through grotesque and satire using fantasy, comedy and laughter. Such images are likewise seen in the ecclesiastical figures or in the social hierarchy. Peter Brueguel also used grotesque and satire to deconstruct the perceptive space and the perspective of the reunion of diverse images to form a sole image by means of the multiplicity of elements, as if everything was compacted in the same place, or through the allegory and the plastic translation of the myth, as in the work called The Triumph of Death and The Tower of Babel. Following the order of both deconstructions, Michelangelo’s work must be emphasized. From a pictorial viewpoint, the artist twists and undulates the axes that break the linearity concerning to figure-ground, and so he creates spaces that agglutinate scenes that cover diverse places, according to the imaginary order of allegories. From the deconstruction of space by movement, Lelo Orsi’s painting deserves attention. As for the estranging in the field of themes, Giuseppe Recco’s work stands out, a painter who works with still nature, a thematic that, due to the expansion of secular life, presented endobaroque by giving a relevance compatible to that of the portrait and the sacred image. From Recco we can mention his work called Still Life with Fish, whose estranging is extended to the intensity of chromatics and to the emphasis in light and in shadow. The complement that exists between luminosity and shadow is an endobaroque feature that is exalted in Caravaggio’s paintings, suggesting a tactile imagery through uncommon shapes, as, for example, in the work called The Calling of Saint Mathew, in which Christ is not in the first plane. With spatial features related to estranging, we can name works from the last part of Tiziano’s period like Danae and the Rain of Gold. It is also said that his paintings have a connection with endobaroque by means of a great dramaturgy marked by light and shadow, as in the work called Crucifixion. The irregularities of endobaroque are extended until the work of El Greco through the elongation of the human figure and the weaving of images related to scenes and landscapes. As for the estranging referring to the theme and the contrast between light and shadow, Francisco Zurbarán’s work must be mentioned. It calls attention to its singular angulations of objects and the human body as, for example, in The Martyrdom of St. Bartholomew. Diego Velázquez is mentioned, because of his unprecedented themes and plans that show deconstruction in the pictorial universe and make hierarchic inversions in the order of carnivalization, as in the work called The Maids of Honour154. On this long list of painters, we cannot forget about Gregório Hernandez’s dramatic work with tensions in his paintings, nor about the allegories and shapes that lead to a spatial estranging in Rubens’s work. We also have the theatrical scenes and colors used by Watteau, and the movement and the tensions between light and shadow in Géricault’s work. The works that bring endobaroque features are endless, but as an aesthetic illustration, and not being historiography, these examples are sufficient to represent the pertinence of endobaroque to Romanticism, Symbolism, Modernism and Post Modernism. Though absorbing features of morphological aspects presented through this text, we must remember that endobaroque can not be reduced to this instance. Thus, it presents a world vision and/or a cosmos vision in literary and artistic manifestations which are reflected in different styles or aesthetic expressions. Due to cultural hybridizations, the endobaroque has found a fertile ground not only in the Brazilian Baroque, but also in other artistic manifestations like the paintings of anonymous artists that left their legacies on our church ceilings. Said tendency influenced some foreign artists that made an imaginary portrait of the Earth, as in Albert Eckout’s work. Passing through romantic painting, especially in colors, endobaroque later influenced Modernism through diverse aspects of the work of Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Lasar Segall, Vicente do Rego Monteiro, Djanira, among many others. Including many factors and mental schemes that reflect paradoxes and contradictions, endobaroque influences

154  Cf. FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Trad. António Ramos Rosa. Lisboa: Portugália [s.d.], pp. 400-406.

262


different kinds of manifestations that reflect some form of asymmetry, of estranging or of spatial deconstruction. Especially in César Romero’s paintings, endobaroque becomes explicit as a dynamic equilibrium, especially as in the Strips155, and with emphasis in Chromatics and Bramante. From a spatial point of view, in Romero’s work, endobaroque inaugurates places with “irregularities”, while carnivalization does inversions of order through a commemoration of Northeastern popular culture, especially through the intensity of colors, we repeat. In César Romero’s paintings, color is a metaphor for laughter156. We notice, however, from a pictorial viewpoint, space is predominantly taken by color. On the artist’s canvases, color acts as matrix of a carnivalized Northeast in the meanders of the world.

César Romero’s Pictorial Trajectory “ I build, in a erudite way, the popular taste, the Brazilian sentiment, the signs from the people that are the root and direction157.” EMBLEMATIC THEMES On César Romero’s canvases, the signs of the people color the Earth. Life motivates the paints. Landscapes. Kites. “Folguedos”. Elements of the Northeastern universe, especially the particularities from Bahia, play the muse for the painter. But he does not transfer the observed world to the canvas, for in his work the imagination conducts brushes and paints. Alluding to the manifestations of the Christian faith, the artist honors the baroque saints as well as other motives of Christianity symbolized by the dove and the flaming heart. Alluding to Candomblé cults, César Romero sets the divinities of the abassa in colors. Intense, full of qualities, the colors become matter and the universe plastic. Color emerges in César Romero’s paintings as a vision of the world bringing back memories of his hometown and where he lives today: “Since 1978 I have been looking for a Brazilian kind of painting, a hallmark of my hometown, Feira de Santana, of my second city, Salvador, of my state, of my region, of my Brazil. My basic concern is do a plastic-visual work that can be understood as something Brazilian 158.” Saint. Man. And cattle. Home. Festival. Landscape. In this universe entrenched in its surrounding, these and other motives reveal places in César Romero’s paintings that are marked by the plasticity of color. They are differentiated places in more or less dense areas, through transparences, adjustments and juxtapositions of colors interacting with colored areas in black, brown, among other dark tonalities that emphasize luminous vibrations. In the diverse shades, there are differences of saturations. The contrasts are more evident. These contrasts, technically speaking, deal with the interference of a color over another or the relative effects of light and of shadow “in terms of reciprocity and of reversibility”159. In César Romero’s work, contrasts are technically found. But along this text the reference to these contrasts are seen in the field of poetics of color, that is, in an ontogenetic potentiality of color. From the poetic standpoint, the reference to contrasts indicates a reunion of differences expressed in colors. Under the scope of the poetics of color, the term “contrast“ comes from the tensions due to the reunion of luminous

155  Check chapter 7. 156  Check Chapter 10. 157  ROMERO, César. Mostra Cromutações - Pinturas. Rio de Janeiro: Centro Cultural Correios, 2001, p. 1. 158  “Jamais Vou Deixar de Ser Pintor”. (entrevista) Dendê n. 13. Salvador: Caixa Econômica Federal, ano v, 2002, p. 11. 159  PEDROSA, Israel. O Universo da Cor. Rio de Janeiro: Senac, 2003, p.75.

263


and chromatic diversities. And in this sense, through the changes captured by the glance, it is possible to speak about a time of color. It is a time of contrasts. In César Romero’s paintings time indicates changes in light crossing through shadows, just as it indicates changes in shadows that shield light, in the course of several themes that act in the artist’s pictorial trajectory. Beginning his artistic activities in the late 60’s, César Romero followed a diversified script in multiple inter related themes, according to the following timeline: “1967-1969, Casarios160; 1970-1977, Images; 1978-1985, Commemorative Stamps; 1978-1986, Landscapes with Emblematic Strips; 1980-1986, Painting, Tamborets of the Town Square Festival of Bahia; 1991-1996, Emblematic Platbands; 1991-2000, Enigmas; 1980-1990, Photos, Tamborets of the Town Square Festival of Bahia; 1985-2000, Emblematic Strips”161. Following this chronology, Enigmas, Platbands and a specific set of Strips integrate Chromatics. It is an interactive reunion of paintings which embrace various themes. Thus, it is equally important to call attention to the exhibit Signs of the People, held in 1983 in Bahia. In this exhibit, César recreated the atmosphere of Town Square Festivals by arranging the facility with stools, stands, music and typical food162. Diversified but conducting several links of origins, his painting can be grouped by thematic nuclei, according to the already mentioned chronology, in which we include a pictorial object set called Emblematic Windows, exhibited in 2002 in Bahia. To the pictorial trajectory of the artist, we add the pictorial set called Bramante, exhibited in 2006 in Brazil and Portugal and later, in 2007, in Spain. César Romero’s pictural script also includes a set of drawings named Warps, exhibited for the first time in Brazil in 2011. Hence, after this reference to the chronology of the artist’s work, we should begin to make a journey through his paintings from his very first works. According to the timeline shown above, César Romero’s pictorial trajectory begins with a lyrical apprehension from Bahia’s small towns registered in Casarios: “I tried to see the architecture of Bahia, its angles and colors”163. The painter made an effort to interpret the surrounding of his hometown through its imaginary colors. In this first moment, he touched on the theme “house”, rooting himself in the surroundings of the dwelling. By analogy, we recall that the house stands out as a motive of great plasticity and oneirism in the symbolism used by the poets164. But the biggest house for César Romero is the proper surrounding. It encompasses the memories of the Casarios, the old houses from small towns that complete the scenario of the Emblematic Platbands painted in the 90’s. And it reappears in Emblematic Windows in 2002, that is, in the group of windows that serve as an artistic object marked by migratingimages, that is, images that, in an allusion to the Northeast, move along César Romero’s pictorial trajectory. After the paintings called Casarios, houses “inhabited” as a space of affection, César Romero painted the so called Images, images related to Caholicism. He painted the Baroque Saints and emphasized the planning of their garb, and presented the Saints as media stars.165 In suggesting baroque blue ceramic tiles, the artist centralizes ecclesiastic figures and saints surrounded by ads for famous soft drinks and other references to the market. Satirizing the market world, César Romero questions the seductive power of advertisement and publicity, and weakens this power by means of satire against consumer society. In Images, the “saints” are also surrounded by musical notes, and there we see tributes paid to artists and other profane motives. Focusing the appropriation of ecclesiastical images in the globalized world, César Romero stands for the preservation of religious belief of the common people. He searches for holiness in popular art. But in his pictorial trajectory, there are allusions to ethnical mixture which tone religiosity, as

160  Groups of old hinterland houses. 161  KLINTOWITZ, Jacob. César Romero – a Escritura do Brasil. São Paulo: Edição do Autor, pp. 17 e 21. 162  Ibidem, p. 25. 163  ROMERO, César e CARVALHO, Mirian. Entrevista. Arquivos da Autora. 164  Cf. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Op. cit. Check specially Bachelard’s Introduction. 165  ROMERO, César e CARVALHO, Mirian de. Entrevista. Arquivos da Autora, 2002.

264


well as color the festivals, habits, myths, that is, popular culture of Bahia in carnivalization. In search of the significance of the regional culture, carnivalization extends itself to Commemorative Stamps. This set of Stamps satirize the inexistence of certain holidays in the calendars. In this tribute, César presents a philately composed of unprecedented pieces: Commemorative Stamps for the False Jewelries Day; Day of the Island, and, among others, Commemorative Stamps for Poetry Day. Without an address or letter, these stamps, some decorated with Emblematic Strips, visit spaces in the city and the festival of colors. The Stamps intend to “celebrate certain absurdities and give value to important day to day things. Another thematic topic developed in the 80’s is related to the period of the Stamps: the Emblematic Kites. Flying in the sky, they wave their tail made with crossed banners of fabric. Created by chromatic juxtaposition, these kites exhibit colorful roles, celebrating the toy that attracts the visitor to the air spaces, composing a sky of colors that attracts eyes to movement which installs itself above the line of the Earth. In César Romero’s work, the colors vibrate and expand over the world, interlinking spaces of the finite and the infinite. Between the 70’s and the 80’s, the artist centralized other popular motives doing the Painting of the Tamborets from Town Square Festivals of Bahia. Tamborets are stools painted by the tent bar owners to distinguish their own tamborets from the others. Piled together with the tables after the festivities, the tamborets make a colorful screen that delineates the area that separates one stand from the other, characterized by singular compositions. By appropriating these compositions, César Romero inserted in his pictorial trajectory a set of painted canvases motivated by the images of the panels formed by those colorful tamborets that make an incidental and popular art, typical of those parties. In virtue of the relevance of the tamborets carnivalizing the party, it is important not to leave out the photo exhibit called Tamborets of the Town Hall Festivals in Bahia, that are part of the list of Romero’s work. It is observed that, as in other moments of the artist’s work, the thematic topic about the tamborets has led many to the Town Square Festivals which unite the sacred and profane once the party takes place in the patio of the church. In dealing with a carnivalized space, after the liturgical acts there is a party based on secular elements, as the tent bars with food, liquors and gambling, noting that the festivities incorporate Afro traditions166. These elements clearly belong to the African culture. Concerning to various callings, César Romero integrates his art with a diversity of motives and colors. Said diversities are defined through changes that are exacerbated in the artist’s pictorial trajectory, especially with the arrival of Strips in the 70’s. Ever since, participating in the artist’s trajectory in different moments, Strips have been long and waving pieces of fabric covered with migrating-images167: flaming hearts, doves, stars, lightning, shells, among other small images allusive to Northeastern popular culture. Among César Romero’s paintings, the canvases with Emblematic Strips are unfolded in intrinsic and resembling motives that are articulated in different circumstances and movements. In one of the versions of Strips between 1980 and 1986, we observe the inscription of this motive in landscapes through the work Landscapes with Emblematic Strips. Explicitly, Strips are inserted in César Romero’s painting with artistic and expressive differentiations, as occurs in Northeastern Emblems and Emblematic Banners waving their flags, observing that Strips are present in some Stamps. And before the dynamism of this waving fabric, chromatics is increasingly intensified in the pictorial trajectory of the artist, culminating with topics such as Chromatics and Bramante, observing that the latter differs from Chromatics due to certain spatial and chromatic features. In Chromatics, accentuated changes related to the pictorial space are defined, although César Romero had distanced himself from the figure-ground relation. In the thematic nuclei done between Casarios and Chromatics, following an “abstracting figurativism”, the painter began to focus chromatic areas creating spaces that did not call attention to the linear and focal meaning. This involves the juxtaposition of colors. The non-hierarchical focus of space is seen

166  Check Chapter 8. 167  Check Chapter 10.

265


in the Northeastern Emblems, in Emblematic Banners, in Stamps with Emblematic Strips and in Landscapes with Emblematic Strips as well as in Images, in the some Stamps and Kites, being that all these works move towards the spatial deconstruction which expands in Chromatics and Bramante. In works done before these two thematic nuclei, the separation from the figure-ground was evident, as the pictorial spaces, defined by the juxtaposition of colors and/ or by the definition of one lone plane, were based on the contours of the canvases, not as a designated limit, rather as a virtual horizon bathed by colors. Because of its ambiguous journey towards the finite and infinite, out of Strips emerge directions and curved places that position themselves outside the limits of the canvas. In César Romero’s paintings, even related to other motives, the first Strips already sketch this dynamism, whether by expansion over the islands of abstract monochromatic landscapes, or by composing a sky between the blue sea and the islands, or by crowning Stamps. Reuniting diverse paths, this bypassing can be observed in the first Strips set free over the landscapes, guided by the enchanting. Or still in those that become flags to the mast of a samba dancer, as in Northeastern Emblems and Emblematic Banners. In these Emblems, the small colorful flags wave as if they were banners floating in the infinite. Even having a mast, they are not fixed onto the ground. The mast maintains a reference of juxtaposition with the Earth, suggesting a change of place. Likewise, Kites display a certain autonomy in relation to the line of the Earth. They get lost in the air, following invisible hands which guide them by moving the string. They fly through the infinite sky among chromatic differentiations in an open field that holds them in hues of blue, green, brown, black and other colors. In the end, they gain amplitude and other directions in the pictorial settings denominated Chromatics and Bramante.

CHROMATICS In the thematic nucleus titled “Chromatics”, paintings since the 80’s are reunited. Following a trend that accompanied Romero’s work, an aura of effects appears in Chromatics that aggregate fragment and expansion of the pictorial space. In this same nucleus of Chromatics, there are, among other works, the pictorial sets called Platbands and Enigmas, besides a special group of paintings called Emblematic Strips. Through the Emblematic Platbands, visitors will get to know the streets and the houses where the common people from a small town live. Through Enigmas, the painter creates a chromatic dialogue in which he presents the “writings” of Candomblé. In the curves of the Emblematic Strips, from the image of a patch quilt, César Romero reunites transitive places between sacred and profane. Chromatics happened through the interaction of diverse works that converge in a “pictorial installation”. No longer related to landscapes or to objects, and leaving the limits of the canvases, Emblematic Strips that move in Chromatics thus constitute undulating paths that conduct the visitor’s gaze to a journey through locations that simultaneously involve exterior and interior, upwards and downwards, among other differences that are integrated with spaces in movement towards the diagonal. Also inscribed in Chromatics are Frames with Platbands, Emblematic Cuts and Animals, creating variations within this thematic nucleus. Integrated into the Chromatics series, and exhibited in Rio de Janeiro in 2001168, Frames with Platbands, Emblematic Cuts, and Animals were presented with wooden frames, conjugating painting and ambient. The Emblematic Cuts marked its presence with the help of a plaque in the shape of a waving Strip from which countless colorful banners of fabric adhered to the wall, while others were spread on the floor. Not exhibited in the mentioned exhibit, though integrated to the series “Chromatics“, Animals are paintings that evoke folds. As with Cuts, Animals are a kind of “object painting”, that is, a painting associated to a visually suggested object that is a way of expression intrinsic to the work of certain artists169 related to deconstructivist transrealism. One observes accentuated transformation of spaces in Chromatics. The colors explode on the canvas. The shades reveal undulating places not yet seen in the neutral order of the geometrical spaces. The paints work textures, which in turn work edges of paint, originating places of a visual and tactile reach. In the already mentioned exhibit in Rio

168  In Centro Cultural Correios. 169  Among them, João Câmara and Siron Franco.

266


de Janeiro, in the nucleus of Emblematic Strips, César Romero reunited various sets composed of five canvases grouped by chromatic analogies, creating among them a visual continuity in an order pertinent to the “fragment” and to the “whole”, integrated as though they were a patch quilt. Therefore, such an effect was not only a consequence of the physical proximity of the canvases, but especially due to the reunion of the chromatic differences. Observe that the canvases of Chromatics can reunite in several ways because they are linked by means of colors and migratingimages. Nothing is partial. Nothing is whole. Nothing is figure. Nothing is backdrop. If, in a sliding space of a tactile infinitude, we set a predominant color within a set of paintings (yellow, for example), we perceive that this color interacts with another within the same set. It also interacts with shades found in groups in which diverse colors are predominant, producing visual mutations. We refer to this as the poetics of color establishing a chromatic ambient, as also occurs in Bramante.

BRAMANTE Acting as memory and re-reading of Emblematic Strips, Bramante follows the ideal of Brazilianity in the painting of César Romero, exalting the culture of the people as legitimate expression in the contemporary. Bramante is carnival and oratory, profane party and sacred party. Bramante exalts the celebration of the ethnic origins and the affirmation of its heritage by emphasizing Northeastern Bahia’s ambient as an emblem of a prevalent regional identity in the world today, as the painter himself says: “Mornings, afternoons, nights, minutes, hours, days, weeks, months and years, I keep looking for my center and the synthesis between the imagination of the Northeastern people and the Afro descendence”170. Reaffirming the idiolect of the artist, Bramante is a dialogue of Strips that, suggesting a fourth dimension, integrates and differentiates unrestrictedly in tri-dimensional spaces, accentuating the temporal dimension in César Romero’s paintings. In this group of works, contrasts conducted by pure colors and intense pastel tonalities appear as a reunion of differences in a chromatic domain. As in the reunion of circumscribed oppositions to the nucleus denominated Chromatics, Strips in Bramante reach the vertigo of a fabric that undulates more and more, creating flows of curves in intense folding. Unfolding. And folding again. In certain works, vertical and horizontal directions emerge, but these ways reveal a subtle adhesion to the diagonal that creates dynamic between slow and fast opening of curved and inclined spaces. To intensify such effects, the painter amplified the dimensions of some paintings that, reuniting two or more paintings with big formats, can reach six meters of extension. In Bramante textures are accentuated. In this explosion of colorful meanders, in some pictures the spaces acquire convexity that, insufflated by the concave, creates mysterious ways moving forward through the infinite and down to the ground. In this dynamism, moving north-south, east-west or through open curves indicating non-repetitive movements, the Strips slowly or fast deviate from the permanent axes, breaking any trace of unmovable equilibrium as well as a deconstruction of geometry. In both cases, that is, deconstructing vertical and horizontal axes, as well as deconstructing open circles, in this moment César Romero’s painting leads the visitor to a vertigo of folds of fabric in a patch quilt, by means of the colors of the Strips in deviation of any fixed point relative to the “observer”. Bramante is a flow of curves intensifying the temporal dimension in the painting of the artist. In relation to the previous works, this group of paintings reveals more folds, through an explosion of winding spaces. From the point of view of shading, Bramante presents solutions that were not used before, including vibrant shades of pastel, as well as now adding dilutions of gray, brown, blue-sea to textures, illuminating the canvases. In Bramante, the finite and the infinite subtly exacerbate approximations. Bramante becomes the yell of a carnival carnivalizing the Northeast, and the litany of people pray for the hope of a rising moment. The flow of life pulses in the

170  ROMERO, César. Bramante. César Romero: 40 anos – Pinturas – 2006.

267


rhythms of “frevo”171 and “cantochão”172. In Bramante, César Romero captures a Bahia of contrasts, through elaborate brushstrokes that display the rough over the smooth just like a stone is evident in the middle of a path173. A stone that was not crushed despite the hegemony of certain standards spread by a globalized world. In the artist’s painting the Northeast is shown as a difference in the contemporary world while Bahia carnivalizes stone and path, once the artist points out the problem with Bahia’s cultural homogenization. That is, without manichaeism, the painter inscribes his work into the contemporaneous world. Reaffirming the announced spatial conception in previous works that denied the absolute, the break with the figure-ground relation is made even more evident in this thematic nucleus. As occurs in Chromatics, we reaffirm that we are not talking about a mere cluster of works. The visitor is inside the space. A relational universe integrates into the folds and spatial developments that deconstruct any and all reference that determines space based on the isolated work. Thus, a spatial relation is created and promotes the atmosphere of the exhibit. In a dynamism intrinsic to the Bramante series, colors reveal tensions in areas diversified by higher lower or luminosity before oppositions affective to pure colors that interact with one another or with shades of pastel, giving nuance to a chromatic ambience. It is the origin of relational and interactive spaces. Hence, the visitor feels he is inside the space, completely involved in a universe of colors. They are not simple canvases to be admired, rather locations to be visited. They are fascinating places and with them the body feels integrated as part of a sensorial ambience. Incarnating diverse moments that express themselves, each one of them expressed by colors, César Romero’s painting acquires a temporal dimension, a theme that deserves its emphasis in this text. Highlighting the temporality intrinsic to Bramante, where migrating-images174 and other motives appear amplified and gain symbols as the floral. Accelerating the vertigo of spaces, these images dislocate between fast and slow movements, according to the directions of the Strips.

WARPS César Romero embroiders warps of color into his drawings. Color acts as if it were thread, needle, hoop, stitch, knot. Or as if it were bilro, looping, trespassing fullness and starkness. Fabric or interlacing, paper becomes a plowed field. In addition to pens, graphite pencils, water color pencils and ink to draw on paper, César Romero also utilized materials which are common to painting. He uses acrylic and brush. And he painted part of the paper to achieve linear interventions. In the contemporary art universe, there are no hard lines to divide the various possibilities of materials and expression. In the field of arts, today more than in any other epoch, trying to find generalities leads to the emergence of differences which negate these concepts and categories. Pencil? Brush? Bidimensional? Tridimensional? It is not this that differentiates painting and drawing. Without constituting theory, let´s say that drawing is characterized by linearity marking a surface. This linearity can gain expansions and meanings, navigating diverse directions. In certain cases, expansion fills in places by means of contiguous traces, suggesting raised areas. And traces might slide over watercolor spots or other painted areas, sensitizing the paper through coloring. Fraying lines, interlacing lines of a chromatic embroidery, César Romero maintains ties among the various drawings united in a warp. They unite in a larger unfinished drawing because such ties reach multiple meanings which surpass the limits of the frames. The target field of the paper is animated. Threads of colors intertwine into the fibers, working delicate strains which delineate, expand and intercept traces, revealing tonal variations of the solar prism. César draws with lights. He transforms materials into colored light. And the light irradiates. And illuminates the homeland. From strong colors to subtle nuances, colored lines open pathways. En route, going from one drawing to another, the stalks curve between movements, sometimes more vibrant and sometimes more subtle, to inaugurate closed and

171  Northeaster rhythm and dance. 172  Gregorian chant. 173  That is a reference to Carlos Drummond de Andrade’s poem, which begins with the following verse: “No meu caminho tinha uma pedra (In my path there was a stone). 174  A set of small images stamped on Strips.

268


open places to the interlacing of sieves and vines. From closing to opening, and vice versa, colors emerge. Light flowers. Color germinates. Among stems and seeds, uncontained flowering is delineated: Luminous flowers, where are your buds born? Flashes of fruit, where are your seeds germinated? Thus, as in other of César´s art, his drawings reveal the essential matrix font. Revisiting the Northeastern Brazilian countryside, César reinitiates erudite reading of the people´s art. Here, the expression “people´s art” ratifies the ideas of Mário Pedrosa and Mirko Lauer. For both, the denomination “handicraft” is due exclusively to market prejudices and impositions. From an esthetic point of view, the referred authors do not establish such a division. Celebrating one of our regional identities, César Romero´s art interlaces the flag of the rough countryside to urbanity. His drawings revive embroidery, lace and cloths woven by the Northeastern Brazilian people. Full and stark embroidery. Bilro lace. Needlework lace. Assorted lace. The agglutination of fuxico intermixing different small cloth flowers. Little known outside the Brazilian Northeast, many of these pieces constitute Cesar´s personal and affective collection, which he also records in photographs. To have an idea of the research and memorial associated to Cesar Romero´s art, his collection of lace includes traditional Irish lace, Divina Pastora lacework, Sergipe, which, for its dozens of various knits, became Cultural Patrimony of Humanity. In the people´s art revived by César´s art, diverse pieces are recreated. Table and pantry cloths, towels and other embroidery, warping imaginary places in the house. Sheets, quilts, hammocks, clothes, warping places the body desires. In their own way, through regional geographic peculiarities transformed by oneiric records, people embroider, sew, weave and reinvent the myth of the Parcas. In the immemorial of the original font, César reinitiates the textured fabric of life. In these drawings, the paper is not merely a supporting player. Complying with the designs of poetry, the paper transforms into a field cultivated with flowers and the metamorphosis of the material warping colors. Lights. And starkness. The same occurs in the Warps drawings. Between expressive and thematic differentiations, César Romero’s pictorial trajectory is not characterized by phases. They embrace and interweave related motives by means of colors. As in Chromatics, in Bramante the artist reunites painting and visitor in a spatiality of the living. The same occurs in the Warps drawings. In the painter’s work, the Northeast becomes the space of dwelling. The Northeast is revealed as the matter of the painting. Party of the people. A pictorial party. And color and poetry sing together: “It was good to know that the hinterland does not only speak the language of ‘No’ ”175. So, in César Romero’s painting, the Earth is reborn from colors. In his work, reality and fantasy complete one another, creating the world through a poetry of color, adhering to the multiple senses of the reunion of differences between the hinterland and the big city. In this reunion, the profane and the sacred fraternize, as do the other instances of popular and erudite culture.

175  MELO NETO, João Cabral de. A Escola das facas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p.14.

269


Carnivalization of the Sacred and of the Profane “Cometh, from where you wish to come, Follow the sounds of cattle, Thou shall find the Northeast - going Northeast.”176 CANDOMBLÉ AND TOWN SQUARE FESTIVALS For the apprehension of singularities intrinsic to the art of César Romero, we consider to be of great relevance a more ample reference to two festivities mentioned by the artist: the Town Square Festivals and Carnival. Markedly conducted as cyclical commemorations, both gain singularities in the lands of Bahia. Emphatically mentioned by César Romero, Town Square Festivals are direct result of joining the sacred and the profane, and a central theme translated into colors along the course of the artist’s work. Furthermore, carnival is tied to the painting of César Romero as a profane festival directly concerned with the translation of laughter through the tensions and differences which are equally expound on his canvases through colors. Carnival is the party which explicitly assumes the features of carnivalization. Considering the impact of the referred festivities in the painter’s work, we should once again remember the legacies which join and flow in the formation and in the transformation of popular culture, thus determining a great panel representing the cultural blends which translate into the Northeast culture. We herein utilize the term “translation” in a more ample sense, though normally seen as a scientifically defined category. Translation refers to the formation of identities assumed by people that were dispersed forever from their native land177, maintaining links to their original identity. In a strict sense, the African people are found in this situation, cohabitating here with diverse cultures. It is important to note the significance of their participation in crafts related to work, bringing a unique character with effects that permeate artistic production. Such heritage signals the creation of a popular culture with regional aspect, among other contributions affective to big cities. We observe how much a legacy, in the aesthetic plan, does not act only in formal aspects restricted to art or to other cultural instances. From the inheritance left by the Europeans, other influences marked the assimilation of ideas, concepts and symbols, acting in the sensitive plane, determining behavior and indicating identities. Thus we once more remember the great importance of sacred and profane festivals in the lands of Bahia, inserting themselves in the ambience of the erudite classes. In this prodigal place of cultural hybrids, César Romero turns to the child’s memory and to the “immemorial” colors that weaves colouring in the sense of primeval experience. Turning to the tensions between colors, he visits the distant which inscribes himself in the people’s culture in the sacred sphere. In this visitation, the painter references Afro-Brazilian culture with its religious cults that appear in his work through chromatic reading, emphasizing Candomblé with its sagas and myths that reconnect places in the heavens and on the ground, through cults and rhythms. With a keen eye to the singularities of regional culture, we can agree with these words: The artist’s rich iconography is made of childhood memory, hard research of popular forms and an ample repertory of Afro- Brazilian symbols178. Composing this memory, we note that the Orixás are attributed symbols in the plane of colors, to their garb, adornments and sacred objects. Latent in the painter’s memory, the imagistic and the enchanting of the Afro-Brazilian culture are inserted in his art. This insertion, however, is not only a formal or chromatic coincidence. In his art, there is not representation. There is an interpretation of roots and of ambience. There is the instauration of an ontology which makes his painting autonomous

176  ALVES, Audálio. Canto por enquanto. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 90. 177  HALL, Stuart. Op. cit. p. 88. 178  KLINTOWITZ, Jacob. Op. cit. p. 84.

270


in relation to documental records. Romero’s interpretation vivifies the importance of this legacy in various cultural instances. Words. Foods. Saint. Sacred land. Offerings. The colors of the Orixás. And this legacy is multiple. And important in Bahia. If in César Romero’s work the reference to popular culture embraces Northeastern culture as a whole, he creates his art with special emphasis on Bahia’s singularities, its landscapes, its hinterland houses and its utilitarian objects of daily use and art, which come together in his pictorial script, defining itself as a popular festival. As previously mentioned, from a religious point of view, César Romero strongly emphasizes Town Square Festivals as incorporating various features of Afro-Brazilian culture. Keeping a Catholic profile in reference to liturgical acts, such parties have their designated place in the town squares or plazas near the church. It is the location of the party that led to the name Town Square Festivals. Here is a testimony of the artist in regards to Town Square Festivals: “Town Square Festivals are happenings which follow an official calendar in Bahia from December to March, ending with Carnival and the Festival of Arembepe. Town Square Festivals, as the name indicates, are parties that take place in a town square, or a plaza, where there is a church. The Patron Saint of the church is celebrated with songs, prayers, and processions. Each party has its duration, which can be from one day to almost fifteen days. Every night, after the liturgical acts, the faithful go to the Town Square to drink, dance and eat. This is the “profane” part of the Town Square Festival: people practice “capoeira”179*, dance, drink beer, fresh fruit cocktails, and enjoy local foods like acarajé (black-eyed pea meal fried in palm oil), vatapá (paste of ground cashews, shrimp, palm oil, breading), abará (steamed black-eyed pea meal with coconut milk and palm oil served in a folded banana leaf), caruru (okra with palm oil and dried shrimp), seasonal fruits and other culinary delights, and dance to music with live singers and percussion (atabaques), or to stereo music at the “tent bars”, or even to music on loudspeakers. In all these Festivals, the tent bar owners sell typical Bahian foods. The Town Square Festivals show the soul of the Bahia and Northeastern people. They are happenings that follow an official calendar in Bahia. During the festivities in each neighborhood, each with their Patron Saint and church, tent bars are set up. These tents are made of long wood poles, truck tarpaulins, and have a small, primitive wooden house structure in its main structure for the kitchen. Some tent bars do not use the tarpaulins, only the small house structure which can also be a bar. In the tent bar, there are shelves with diverse alcoholic drinks; there are foods, and its selected music. Each bar tent owner has his own tables and tamborets painted in different and very personal colors and motif to identify the bar tent and the owner. Primary colors and geometric designs are frequent characteristics. Here we have a popular art which comes from the necessity to identify and mark someone’s personal property. Town Square Festivals sweep the early morning hours and, after sun up, the bar tent owners pile the tamborets, or stools, and also the tables, forming a sort of wall around the tent bar in order to close and rest or sleep. In this junction of stools and tables we have a “wall” composition forming popular constructivism, a game of setting up which visually interested me and is a theme of my photographic work. These parties begin in December. Some consider the Festival of Santa Bárbara the first, occurring in the Market of Santa Barbara, with a big feast of caruru (okra dish with dried shrimp and palm oil) with more than 5 thousand okra stalks. Actually, the first Town Square Party is Conceição da Praia, in worship of Our Lady of Conception of the Beach, having its high point on the 8th of December. Many parties follow, such as the Festa de Santa Luzia, in Pilar, with its high point on December 13. Another important party is the Festa da Boa Viagem (Festival of the Good Voyage), which begins on December 26 and has its high point on December 31, highlighted by the passage to January 1st. On New Year’s there is the boat procession of Bom Jesus dos Navegantes (Good Lord of the Navigators). Next is the Festa dos Reis Magos (Festival of the Wise Men), or “Lapinha”, more known for its neighborhood name, on January.

179  * Afro-Brazilian cultural expression that joins dance, fight and rhythm.

271


The pinnacle and most revered Festival is Festa do Bonfim, in reverence of the Lord of the Good Ending (Jesus Christ), always on the second Thursday of January. This main day of festivities has as its apex the washing of the stairs in front of the Bonfim Church, atop the Sacred Stairs of the Bonfim Church. Hundreds of faithful watch the “Bahianas”180* wash the stairs, perfuming the ambient with aromatic holy water. Another tremendous party is the “Fat Monday Party of Ribeira”, the Festa da Segunda-feira Gorda da Ribeira, in the Town Square of Ribeira, always on a Monday. The date, however, varies. The second of February is the date for the always crowded Festa de Iemanjá, called the Present of Iemanjá, and celebrated on February 2, in the Rio Vermelho neighborhood. The Stair Washing, or Town Square Festival of Itapoã, is homage to Our Lady of Conception, also on a varying date. There is still the Party of Pituba (Festa da Pituba), in homage of Our Lady of Light. After that we have Carnival and, following, the Party of Arembepe (Festa de Arembepe)181. At Town Square Festivals, religious and profane motives mix. They are festivals related to carnivalization due to their popular and public profile. Similarly, César Romero’s work congregates multiple identities causing the carnivalization of the Northeastern universe. We must recall that, by principle, in the Middle Ages, carnivalization used to express a manner to conceive the world through the inversion of order at the instance of the popular party held in public places, and involving aspects of comedy. In Northeastern popular culture, this public feature of the party as a means for satire is determined today under diverse circumstances. Comedy appears explicitly in countless cultural manifestations. And, on the other hand, comedy in its various aspects can be revealed metaphorically, allegorically or symbolically, when assuming laughter through chromatics, as mentioned before. However, under the perspective of color and of the encounter of the differences, carnival, in Brazil, is a popular party that congregates a great number of features of carnivalization, independent of its official production in the big urban centers.

CARNIVALIZATION AND CARNIVAL In the periods emphasized by Bakhtin, mainly in the Middle Ages, carnivalization included instances of verbal languages and role plays as well as the festivities here mentioned, observing that carnivalization language have being used since the Middle Ages by diverse authors and artists, so it and integrates other cultural areas. Giving priority to the study of literature, Bakhtin was not limited to its field of research. In his studies the author suggests many paths to be explored in pictorial, sculptural and also architectural perspectives, among others. Thus, recognizing similarities related to carnivalization in Northeastern popular culture inscribed into the artistic work of César Romero, the similarities and transformations related to carnivalization over time must be taken into consideration as a specific category that can be captured by thought in different historical periods, mobilizing changes in content. In the same way, for instance, time and space are categories that philosophically and scientifically gain specific contents that are diversified in the field of diverse disciplines, as well as in the instances of different cultures. In the field of carnivalization, space and time gain their own profile. Concerning to this, our deal is to identify the features of carnivalization today, considering that, in the roll of profane festivities, carnival became most relevant, and today is a typical official party of big urban centers. At the Brazilian carnival, countless transformations occurred in the 20th century, mainly in the 60’s. Since this period, unprecedented aspects have appeared in carnival. And, inevitably, many of the medieval aspects of carnivalization were increasingly transformed, which emphasized the importance of reflecting on the characteristics that have been preserved in the present days. In relation to the Middle Ages festivities, the carnival of the big cities remains cyclical, its feature of popular in many aspects and public festivity intact, with the presence of humor, laughter and color, and the ambient of a certain freedom and equality marking a difference of principle182, that is, creating a universe of occurrences different from that which rules the activities and hierarchies of urban life and daily works. It is observed that, by becoming an

180  * Women dressed in regional costumes concerning to the State of Bahia. 181  ROMERO César e CARVALHO, Mirian. Entrevista. Arquivos da Autora. 182  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p.4

272


official party organized in partnership between companies and city governments, carnival lost certain aspects of the sense of entire freedom and equality, and sometimes it took on a posture that satirizes the other. In the official carnival, laughter corresponds to a look from which the individual excludes himself, in a certain manner, taking on features of a satire that observes laughable features in the figure of the other. In the same way, in Modern Culture the satirical author stands outside the alluded object and opposes it183, while in diverse mode, reliving the carnivalization that was defined in medieval time in the people’s manifestations, laughter embodies rebirth and renovation before death. It is a laughter that scoffs at those who are also scoffers184. In this sense, even the official festivity appears time and space parallel to events that follow the order of the city. But, in certain way, this parallelism corresponds to that which created a world apart from the State and the Church through comical medieval and renaissance festivities, integrating laughter. In proximity with medieval carnivalization, in Northeastern popular culture, the more renounced references to this captivating laughter is circumscribed in the carnival of the street, more amply embodying irreverence and fun. This laughter also approaches that which reveals comedy intrinsic to other festivities that embody collective laughter. Under this aspect it is possible to weave an analogy between the medieval and the present carnivalization, being that, in this case, carnivalization subsumes carnival today, as well as subsuming other events, creating an adhesion of all that wish to participate in collective laughter. It is a laugher that emanates from within the party and takes over the collective group, thus being closer to the laughter of carnivalization in the Middle Ages and in the Renaissance. From this angle, satire in reference to laughter as patrimony of the people, as occurred in other times185, remains today in the street carnival and its manifestations of fun through masquerade, costumes and having fun in festivities that are non affective to the official event, seeing that the order of official carnival would later bring the “stage shows”. Performed live, such events are also “virtual shows”, as they are the first to be partially seen at distance by video. In these shows, there are some versions of the “trio elétrico”186 with shows by renown artists, somewhat similar to the Samba Schools parades. In relation to Samba Schools, we observe that the most recent transformations by the cultural industry have a strong participation of the erudite classes. As examples of these incursions of the erudite in popular culture in Samba Schools parades187, we can mention, among other aspects, the choreography developed by the “opening presentation”, the characters, costumes and allegories and the roles represented by characters that are highlighted. They are changes due to the erudite education of the majority of today’s carnival idealizers. There are many changes in innumerous aspects in reference to Samba Schools due to the objectives of the cultural industry, but this question is not in analysis here. In this chapter, our focus is another theme: the vestiges of carnivalization in carnival in its aspects concerning the popular view, seeing that this carnival fabric involves the canvases of César Romero through the joining of the popular and the erudite. Observe the changes in carnival. “Still the party goes on”188, according to the lyrics in the samba. It is an expression that, even with carnival changed, is above all felt in the presence of popular culture. Though the event is coordinated officially, and the presentation of the carnival parades and the television camera angles are meticulously directed, the party still moves and flows in the order of a carnivalized space. Imaginative and open, when perceived for its sensitive and ideative aspects, this space unmasks ideologies, as perceived in the samba lyrics of Chico Buarque de Hollanda, who, not pertaining to the popular classes, affiliates himself to

183  Ibidem, p 11. 184  Ibidem, p. 10. 185  Ibidem, p. 11. 186  Mobile stage that parades through the city. 187  “Samba Schools” make carnivalesque parades organized by municipal government. 188  HOLLANDA, Chico Buarque de. Gospel: 2007. “Quem te viu, quem te vê”. Free translation.

273


them through poetry. Referring to social stratification, in the author’s verses we can read: “Today I´m going to samba on the runway, / you will be in the box seats .”

189

Chico Buarque alludes poetically to the demarcation and to the

representation of the places destined to individuals of diverse social classes, as one’s can perceive. Structured in regions inside the expanse of the big city, in these places there are links between real and symbolic distances referring to the runway and the box seats. Among veiled or explicit interdictions, distances are delineated affective to the spatial pertaining of carnival events nowadays. Circumscribed to ideologies, and as Chico Buarque subtly perceived, this spatial pertaining indicates the place of each one. It does not indicate a place. But the place, as it was some kind of profile delineating the social class to which the carnival goer watching the show belongs. You see, the view is different from above in the stands, and from the box seats, and from the observatory tower looming above the viaduct. On the runway there are also hierarchical spaces, though through samba they all come together. And when the parade is finished, many separate. In this hierarchy, feelings also relate to the place of the social role of each. In this party, the princess did not want to take off her costume: “Who was playing the princess got accustomed to the fantasy.”

190

And ascended to another

place in the social stratification. In these spaces referred to by Chico Buarque, the “character” of the samba changed place in the parade. When leaving the runway, he changed place in the party. But when changing place, he changed loves. And now he watches the parade with his new love. And she is in this party. Herein is a contradiction intrinsic to the carnival nowadays. Watch. And participate. Assume the laughter extrinsic and intrinsic to the festivity. In the spaces of carnival, there are hierarchies and demarcations. Still the Carnival goes on. Thus the potentiality of carnivalization. Will there not be a certain moment? A lapse of time? A certain space of joy intrinsic to this magnificent show? No memory at all? We then observe that, in the space of the party, the samba, the dancing, the theme, the colors and the irreverence mark the presence of popular culture with emphasis in the order of the non-official history, attributing unusual roles to the characters of the official history. And vice-versa. In this other order, the transitivity of the popular to the erudite is shown, and from this to the popular, indicating a decisive fact: at the end of the party, everything must go back to order in the urban ambience. The art produced in carnival is degradable. With exception of the sambas that are recorded, everything ends. Everything goes back to order. But there is an important question: in the conceptual center of the party, the story of the people domains. Carnival has a popular origin circumscribed to movement and to color. The live colors summon the laughter of the people, laughter that is present in the three days and at the time of the parades. In the official festivity, the celebration lasts only three days. But for some it takes nearly a whole year, or various months for others, as a preparation for the oneiric space and time reined by the hope of the return, as occurs in myths. There is thus, from the standpoint of carnivalization, a space and time reigned by the desire of festive celebration. In this sense, carnival takes months. It begins at the moment of the preparation of the party. It begins in colors. It begins in life. It begins when life becomes movement. Hope. And continuity. A project of inversion of order by festivity, protecting and expanding laughter. To discover it in its greatest potential, who knows one day? This potential includes the legendary and the practice of Afoxé and of Maracatu191, among other manifestations like the Carnival Ijexá192, reproducing African rhythm in Bahia. Let us remember here the importance of these African carnivals in Bahia, expressed through festivities with their groups, music and dance that consecrate cultural roots

189  Idem. Free translation. 190  Idem. Free translation. 191  RISÉRIO, Antônio. Carnival Ijaxá. Salvador: Currupio, 1981, p. 6. 192  Idem.

274


in practices not only restricted to Camdomblé193. Integrating rhythm and dance as movement of re-Africanization in a dynamism affective to constant transformations, these carnivals influence innumerous areas of culture. In these celebrations there is a sense of recognition and translation of an original identity alive in contemporary times, in a comprehensiveness that reaches the conceptual and behavioral planes, with ramifications that affect various fields, including fashion, in the aesthetic and stylistic standpoint. Reuniting differences, in the same way as they agglutinate and color themselves in a patch quilt, César Romero’s art exalts the Northeast through chromatic diversities. And so, as in the medieval festivities in which the people lived the party with intensity, and participated with body and soul, in Romero’s painting the visitor also inhabits this vibrant and intense chromatism that becomes a mirror of the laughter showing the face of who sees himself in the colors. In this ambience, the visitor experiences the fable of color. Experiences the pictorial spaces mixing and juxtaposing the patches of colors of this quilt of paints, undulating flags and emblems.

The Patch Quilt and the Signs from the People “Mixing these fabrics and patterns, decorating my bed, rests this patch quilt composing my life out of the sewing and the cuff.”194 FROM POPULAR CULTURE TO CÉSAR ROMERO’S ART In the universe of César Romero’s painting, art circumscribes the Northeast of the people. It is a Northeast that had long before carnivalized itself. Colors found a pictorial place, a place to be called homeland. Through painting the artist presents a Bahia of shades, yet the painter deconstructs an objective world to recreate it onto the canvases. In a broad sense, we cannot forget that painting deconstructs the world of perception and objectivity. The color-born beings gain a sensorial life independent of the tri-dimensional world. Presenting the oneiric world in the sensorial field, the artist makes an ontogenesis possible. As it is triggered by the imagination and brushstrokes, color reproduces itself. In this process the artist works with his material, that is, color, giving life to a pictorial reality that generates its own life. Crossing over the immediate reality and the impressions of subjectivity, painting founds spaces and times. It exposes senses pertinent to the other. And it becomes a change-causing force in its own perceived reality. In this process, visitation to the real can happen through inverting of the world order. In the pictorial records, from imagined and transformed matter, a pulsating and sensorial universe is born. Color turns into a matrix. In weak or strong tones, painting establishes spaces. Having its origin in the regional universe, color splashes motives that take over the screen and open the visitor’s imagination. Color emerges vibrantly to emphasize the signs from the people. Emphasizing this goal of the artist, we follow his pictorial trajectory under several perspectives. From motives to theme. From space to time. From popular to erudite. But we emphasize the poetics of color in the artist’s work, animating not only the ambient but also the inhabitants of the chromatic places. Following the artist’s goal, we traced this group of chromatic beings that dwell in the sensorial impressions and the imagination in his pictorial trajectory. In Casarios, we imagine the pedestrian walking the path of colors between the house and the church. Along with the flying Kites, we satisfy the desire of seeing the child rolling the spool of thread, giving line to the wind and to the colorful paper toy. In these signs from the people that conduct Romero’s canvases, moments of life have been painted. By day, the quilt rests on the bed as a “ornament”. By night, the quilt covers its

193  Idem. 194  CARVALHO, Mirian. Verses of an unpublished poem.

275


owner during his sleep. Being part of the house, the quilt knows its owner’s feelings of pain and pity. His identity of speech and values. Daily and affectionate things. Feelings of hope that give color to the world and spread this color all over the canvas, as if someone traveled deep into the colors and the fabric of a “quilt” of paint. And here, again, the ambience springs into the paint. It springs from the patch quilt onto the canvas. Popular art migrates into colorful spaces, emphasizing that César Romero’s painting is fundamentally rooted in the carnivalization of the patch quilt, celebrating the colors in this mosaic of cloth and diversities. It is a party that is born from the matter of the painting. It is a party born from colors. It is born together with the colors. In the popular culture and in the artist’s work the patch quilt embodies its primordial condition of a carnivalized object. Through César Romero’s canvases, the world of home accompanies the spaces of the patch quilt that can be an ornament for the home and cloth for protecting the body at night. Defining itself as an original motive along the artist’s pictorial trajectory, the quilt extends in a developing and varied way, as common people mobilize the archetype of life through color, celebrating the world and the ambience. By adding cultural links, the artist’s painting Bahia is symbolized by a patch quilt as a fulcrum of diverse identities. A panel without backdrop, this motive reappears several times in César Romero’s pictorial trajectory. Transforming itself on canvas, among varying formats, the quilt circumscribes other images that have been rooted in the painter’s work from the beginning. Archetypical object and reference, the patch quilt becomes the “place” of emergence of carnivalization in popular culture, the “flag” of the Northeast as translated by César Romero’s painting, especially, and appearing with special emphasis in Emblematic Strips. Hence, in this essay, the patch quilt has been appointed as a place of shelter. A place of commemoration. A hybrid place composed of mixtures and differentiated functions, when laying it on the bed or stretching it along the table of the popular houses, articulating diverse patterns. And in an emphatic manner, in several statements, the artist mentions the patch quilt in his work, relating it to the Brazilianity that is a focus of his aesthetic project: “In 1978, I began to see this thing of “Brazilianity” in the patch quilt, which is a very common item in Bahia’s small towns and in the northeastern states as a whole – a question of necessity – to gather patches of fabric and creating an entire piece that serves to warm on cold nights and, by day, to decorate the bed, the table.” 195 Even if César Romero pinpoints 1978 as the year that he inserted the patch quilt into his pictorial trajectory, we perceive that it appears in various other moments of his artistic production. An oneiric object in popular art and a real object of daily use, the artist, based on the thickness of the quilt, imagined and created a dialogue out of the complicity between color and texture to tissue a pictorial quilt. In the interaction of colors, the quilt turns out to be Oxumaré’s waving coat. A chromatic matrix in Romero’s painting, the quilt is revealed among the aerial habitants. Kites. Flags. Strips. The quilt and the canvas converse in César Romero’s art. Flyers as quilts, kites, flags and strips revive daytime stars and color the heraldry of the Bahian Northeast. To the dynamic of the wind and of colors, the quilt moves prevalently in ascending directions. It moves on the canvas inside and outside of the Emblematic Strips in transversal undulations. It distances itself, beyond the frames. It becomes an ascending emblem, reporting to the permutations of colors in Emblematic Strips and to the unfolding affective to other motives: “From the patch quilt and its vocabulary with the signs of the people, which I call Emblematic Strips, to Enigmas through permutations, I research and discuss painting.” 196 By juxtaposing reunited colors as if they were patches of paint fabric on the canvas, César Romero makes a visit to the patch quilt that is diversified in every thematic topic, we repeat. In Casarios, it is reflected in chromatics, in the juxtaposition of colors, and it is sensed in the intimacy of the house. In Images, it emerges in seemingly linen tiles, in which the baroque saints are portrayed. Emanating from the quilts, patches of cloth transform into strips of

195  ROMERO, César. “Jamais vou deixar de ser Pintor” (entrevista). Dendê nº 13. Salvador: Caixa Econômica Federal, ano V, 2002, pp. 11-12. 196  ROMERO, César. Mostra Enigmas e Permutações (da série Faixas Emblemáticas). Rio de Janeiro: Galeria Bonino [s.d.].

276


paper in the cuts of ascending color and light, as in Kites. Reviving small flying quilts, Kites remind us of aggregated chromatics in small quilts of “silk paper“, as the tails undulate the crossed strips. Related to the ascending movement of Strips, Kites transform into stars in the cosmically infinite colors of the day and of the toy. And composing another thematic nucleus, the quilt addresses the cloth cuts that compose Commemorative Stamps, stamping spaces in the linen of the canvases.

THE PATCH QUILT AND THE LANGUAGE OF CARNIVALIZATION The patch quilt is, by excellence, the fulcrum of the language of carnivalization that is expanded in César Romero’s art. Causing a metamorphosis of the pieces of cloth of the quilt, his painting hoists the motives of the Northeast. It hoists up quilts and flags. And we remind that oneirism gives objects a dimension of an affective greatness. Thus the quilt, transformed into an emblem, moves in its various forms that, in the air, incarnate pieces of the Universe. Pieces of color. We can then understand much more about the painting process by surprising the ludic action of color and of the brush transcending to objectivity. With the power of poetry, César Romero’s painting is born from oneirism creating emblems. Additionally, it exalts the signs from the people through a vocabulary inscribed in the patch197 quilt expands into the air and onto canvases, conducting a herald of the Earth. Transposing the patch quilt onto his canvases, César Romero idealizes it as the skin of the Earth. Skin of the inhabitant. Colorful skin. Tattooed skin. Skin of the Northeast. Flag of Bahia. Luminous and conducting shadowy areas, the quilt is stretched over the landscape to shelter the hinterland, and locates its oneiric territory excellently in Strips. The quilt becomes a flying fabric. The Strip is the quilt. And the quilt is the Strip. The screen is the quilt and the Strip. The canvas is the quilt and the Strip. It is an emblematic and poetic game that is found in the folds and sewing of the fabric. As already mentioned, appearing in different thematic nuclei, in Romero’s painting the Strip is revealed as an elongated and undulating fabric composed of imaginary pieces of patterned cloth, loose in the sky: “After the patch quilt is ready, or the Emblematic Strip, as through my idiolect, characteristic of my people and symbolic of Northeast Brazil, I release her into a landscape or in a backdrop, letting the flag dominate the entire plastic field.”198 Composing ambience and painting through the mixture of cloths and diverse colors, the patch quilt becomes a carnivalized object. A chromatic standard, the quilt shows to be a flag of surroundings. And of travel. It is revealed as an identity milestone that, in an ample sense, Romero roots in the records of cultural origins, preserving in his painting not only the Afro-Brazilian universe, but also the popular culture in all its extension, covering myths, legends, heroes and anti-heroes to wander through vestiges and signs from the people, thereby sewing mixtures and delineating the inversion of order. Exposing paradoxes. And differences. In the painter’s canvas, in a metaphoric manner, the quilt places individuals from all walks of life in the same space, as well as joins diverse identities, articulating themselves through carnivalization. Carnivalization appears on the canvas as a juxtaposition of contrasting colors. Art of the agglutination of differences, the quilt involves everyday life and the enchanting in César Romero’s painting. Objective reality and chimera. Made of pieces of colors, the quilt aggregates full bodied cotton and pieces of “chita”199. But they can be mixed with linen and silk and more, they can also be mixed with cloths of clothes from people of other social strata.

197  Check Chapter 10. 198  ROMERO, César. Mostra Enigmas e Permutações (da série Faixas Emblemáticas). Rio de Janeiro: Galeria Bonino [s.d.]. 199  A kind of cheap cloth used by common people.

277


Lusterless cloth. Shiny cloth. Cheap fabric. The quilt reunites fragments. It reunites particularities in an order of juxtaposition and complicity. Any chromatic difference is admitted in the set. Any kind of cloth. And color. Blue. Yellow. White. Brown. Any kind of pattern. Flowers. Dots. Stripes. Everything is reunited to form this artistic panel that also serves for household purposes. In everyday life, it is a useful and beautiful object. The chromatics of quilts equally reminds us of nature’s vibrant colors that have so aroused the interest of traveling painters. Transposed to César Romero’s painting, the patch quilt expresses the complicity of differences. It is an encounter of art and utility, among other inscriptions of popular culture on the artist’s canvases. Through colors the quilt equally addresses the child’s toy with its variations of format and height in the sky: “Kites of all kinds in the summer sky, with their big-bellied kids on the end of the string. Monograms of the saints of devotion, prayers, banners and small colorful flags so common to processions.”200 Coloring the spaces of affection, in César Romero’s painting the quilt can be interpreted as a metaphor for cultural hybridizations. And in the group of such hybridizations, the quilt is imagistically related to the tamborets of the Town Square Festivals, composing a celebration and rhythms of these carnivalized events through the encounter of differences. They are differences inscribed in the sacred and in the profane. Differences reunited at the moment of the party. And in the space of the party. In everyday life. Identifying with the patch quilt, by forming agglutinations of colorful fragments, the tamborets had a great relevance in the photography and in the painting of the artist, as we already mentioned. The quilt and the tamborets are integrated with the daily needs and activities of the house and of the party. And they are also integrated with the idea of protection and shelter. Garment and decoration of the home: this is the quilt. Domestic and festive objects: those are the tamborets that delineate the protection of the tent bars. Utilized in the Town Hall Festivals, as already said, at the end of the day these tamborets are piled. Juxtaposed, their colorful seats form true panels that are “installed” in the ambience and gain visibility as an incidental art. Art of tactile patches. On the tamborets of the Town Square Festival, wherein the figuration fits, chromatics embodies the cuts of wooden cloth or cloth wood. Or patches of wood. At the festivals, the tamborets act as a flag, a flag that indicates the chromatic place of the tent bar, and the place of the party that will have continuity in the encounter between the sacred and the profane. The color of these panels is inscribed in César Romero’s art, having photographed them and also recreated them in his painting, as previously mentioned. In César Romero’s work, the patch quilt and the tent bars are related to the possibility of the encounter of diverse identities without nullifying one another. In César Romero’s pictorial trajectory, though without the inscription of migrating-images, the Painting of Tamborets shows itself as a variation of Strips, revealing analogy and originality in relation to the patch quilt. And translating itself into an imaginary quilt, the canvas transforms into a quilt of paint. Once art follows the order of desire, painting presents diverse beings in the same space celebrating sensorial correspondences. In this celebration, touch takes the stage. In César Romero’s work, the tactile sense completes the visual in transforming matter and the world. Transformations made possible by color. In this impulse, the gesture interacts with matter. Guided by hues, the painter’s hand follows the impetus of the colors. In this dynamic, we must remember that color becomes fundamental matter201 in the painting. Chromatic and oneiric matter. In this plasticity, luminous places and spaces with absence of light cohabitate. These incarnate tensions ready to reveal themselves to colors. Following such plasticity, and impregnated with black and brown, dark areas in the artist’s canvas generate tensions that mobilize juxtaposed colors, as in the patch quilt. Dark areas then reveal and reinforce lights. The dark areas are luminous. Conversing with the hues, black generates color and luminosity. Darkness intensifies color. It generates shadows. Contrasts. In the motives intrinsic to César Romero’s art, darkness and luminosity complement each other, creating tensions between the world and the painting. Between the quilt and the stool. Between the scrap and the quilt. In the carnivalized world, color is the festival and the resurrection. Conducted by carnivalization, the quilt in

200  ROMERO, César. Mostra Os Signs from the People. Salvador, 1983, pp. 1-2. 201  Cf. BACHELARD, Gaston. O Direito de sonhar. Trad. José Américo Pessanha e outros. São Paulo: Difel, 1986, p. 26.

278


César Romero’s painting opens, folds, unfolds and folds again, creating spaces in movement. Such spaces meander in diverse directions, more intensely in Strips that traverse the painter’s canvases like quilts that cross the limits of the canvas. This over crossing intrinsic to colors generates spatial diversifications in a version that surpassed 17th Century, but anteceded it, for example, in works of several painters that assumed the inversion of order of some cultural instance through laughter or its metaphor that, under various aspects, concentrates the potential of the language of carnivalization.

Laughter and Color “My existence is of flowers, of dreams, of light, of loves, happy as a feast!” 202 CELEBRATION AND THE CHROMATIC LAUGHER César Romero’s painting reveals colors and lights of a world in motion. It reveals lights and colors of a celebration. Shadows interact with the celebration because the luminance congregates veils that emphasize and complement it. Be it in the painter’s work or in the people’s art, the dynamism of colors mobilizes and updates archetypes referring to this dynamics. The reference to archetypes here inserts itself into an analogy with those elements of a thematic manner that constitutes units concerning to a universal language203 assumed by different authors in the literary field. However, in this essay, we value the thematic stratus as an allusion to life in César Romero’s painting. And color reveals itself to be a universal language, for, once mobilized by the imagination, paints are intense and transforming forces. Hence, in César Romero’s painting, thematic units suffer variations because color incarnates the transformations of life. Life is the archetype of color. And It is the archetype of life. It is the poetics of color. And in the patch quilt transposed to the painter’s canvas, the unit appears by means of variations. It is not about binaries in the order of the antithesis expressed by uno/multiple. In César Romero’s work, the Bahia of the people is born and sheltered in the patch quilt. Bahia incarnates the archetypes of life. Resurrection. Sacredness. Carnival. Identities. Origin. Daily life. Prospection. Mentioned were the areas of emergence of carnivalization in the Middle Ages and in the Renaissance as well as in Northeastern popular culture, we should move on to the carnivalization in César Romero’s painting, calling attention to the correspondence between colors and laughter. Not only in Romero’s art, but also in the culture of the people, we must remember that carnivalization is not restricted explicitly to comedy in its multiple aspects. More amply, carnivalization includes humor which can be understood as chromatics translating itself into laughter, and, at the same time, as popular celebration faced with the order of the city. In César Romero’s work, there is a satiric vein that only emerges explicitly in Images and Stamps, alluding to consumer society and urban chaos. In other themes that are inserted into his works, there are no satiric aspects. However, in Images and Stamps, as well as in the whole artistic production of the painter, the dominant characteristics are the spirit of celebration inner to intense color. On the other hand, carnivalization embodies humor in the sense of seeing life in a hopeful way, yet through a sharp vision. On the painter’s canvas and in most events related to popular celebration, color in its various aspects subsumes carnivalization. And, even if not connected to comic circumstances, the impact of intense chromatics metaphorically indicates the presence of laughter as inversion of order. It is observed that the symbolism of color is diverse in various cultures. But walking in parallel with darkness, or giving it a new direction, color emerges as one of the focuses of

202  MORAIS FILHO, Melo. “A Mulata”. A Poesia Baiana do Século XX - Antologia. Org. Assis Brasil. Rio de Janeiro: Imago, 1999, p. 32. 203  MELETÍNSKI, E. M. Os Arquétipos Literários. Trad. Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Ateliê, 1998, p.20.

279


carnivalization. In this sense, a chromatic force, an imaginative force, subsumes a pulsating life of the objects that come from the popular culture acting in César Romero’s art. But, in the painter’s art, we find identifying marks that unite spaces of the ambience to pictorial spaces, without abdicating the lyrical instance. In César Romero’s art, these marks articulate with medieval carnivalization under a festive perspective, affirming itself through a so called difference of principle204 in relation to the official world of the Church or to the feudal State. Due to this difference of principle related to carnivalization, there remains today a continued vision on man and on the world under a deconstructive optic that consists of a state of exception, breaking institutionally pre-established order. Locating the contents of medieval and renaissance carnivalization within this difference of principle, it has been made possible, in this essay, to detect analogies between that carnivalization and the present manifestations of the popular culture assimilated by César Romero, given their historical-cultural differences. But the referred difference of principle can be understood in César Romero’s art as the principle of difference. In the Middle Ages, even if in a temporary way, there was a rupture of the hierarchical paradigm. And a public world inaugurated by the common people emerged along with the official culture, a place for the people that ushered a burst of time in which everyone was equal. The difference is made evident in this equality. In this principle of difference, and here there is no paradox. A regional identity is presented as a difference to be recognized. In the painter’s art, the people exert their identity. In The Town Square Festival, in “Bumba-meu-boi”, in “Bloco de Rua”205, the people demarcate place and time for celebration. Compose. Conduct. Sing. Dance. People show their colors. In the colors of the popular celebration and in the colors of César Romero’s painting, we search for traces in common. We search for a convergence of their origins. Our goal turns to the search of a carnivalizing force, that is, an imaginative vein recreating the world through colors, recreating the world in chimerical images and reviving great motives that provoke the visitor to reflect on the world in the plane of objective reality. If it is true that one should study only what one has dreamt first206, oneirism becomes a primeval condition of knowledge, and artistic expression becomes a concretization of oneirism in the sensorial field. Beyond the difference of principle, César Romero’s art thus delineates the principle of difference that does not exclude, and even instigates, critical-reflexive thinking about the status quo pertinent to the socio-cultural plane. In his art, the principle of difference becomes relevant by focusing critically on the status quo, being that, in globalized society, all referential conditions transform, giving new meanings to practically all preexisting realities, new connotations207 that reach the different universes of ideas and human achievements. In a philosophical-cultural perspective, César Romero’s painting gains new significances intrinsic to carnivalization, emerging by means of three basic and interconnected instances: laughter, popular celebration and inversion of the order. In this interconnection, color reveals to be laughter and celebration turning the world upside down, deflagrating ponderings and sayings. Laughter emerges in shades. Natural laughter. Spontaneous. Pure. Color reveals laughter. Laughter reveals color. In laughter pulsates life. Considering color as a relevant factor in popular cultural events, it becomes laughter. This laughter resembles the laughing original to medieval carnivalization as a cosmogony conception. It refers to a laughter which happens without being excluded from the celebration. It refers to laughter different from the one that occurred in modern satire208 that was inflicted to someone else once who used to laugh, distanced from laughter. If in medieval carnivalization laughter was seen as a patrimony of the people, it was equally patrimony of the people at events of popular culture, be they carnivals or other manifestations that involve satire and other forms of comedy. In the chromatic celebration, people inhabit César Romero’s painting as well as they inhabit the patch quilt. Various ambiences were registered in this original dialogue between the patch quilt and the linen canvas.

204  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. p 4. 205  Marching Clubs. 206  BACHELARD, Gaston. A Psicanálise do Fogo. Lisboa: Estúdios Cor, 1972. p.48. 207  IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. 8ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 205. 208  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. p. 7.

280


Reuniting differences, in César Romero’s painting, the colorings of the people’s quilt cloths dialog with the acrylic, entrenching into the linen of the canvas. This dialogue also announces the hybrid identity of the artist, as a painter of erudite background incorporating traces of the regional culture. In this encounter of differences, though not reduced to political parties, there is a political vein that considers man as an urban citizen and a citizen of the hinterland, inserted in the present time, in the luminous moment of color, laughing in time of celebration, laughing at the socio-cultural hierarchies, through the convergence of carnivalizing and endobaroque instances determining spatial singularities that dislocate central figures and points. Herein there is another appropriate metaphorical approximation between popular and public celebrations in medieval times and nowadays, as neither of them have a stage, that is, they have no central focus. The space belongs to everyone. And everyone acts. Since the artist’s early painting, this inversion had already been present with countless variables. Fragment and totality correspond in various ways. And all images and color are acting. It is noticed that, in the perspective of the estranging, some saints in the thematic nucleus of Images are suggested by means of their negative figuration. The motives are then perceived through the absence of the figure, weaving the ambivalent game of presence and absence. As already mentioned, this separation of the outlines of the figure and the ground is marked progressively. This separation is intensified in the 80’s in Chromatics when the painter flings himself into the reversible spaces that are expanded upward of 2000, making up the thematic nucleus called Bramante, and creating chromatic ambience in virtue of great dimensions in the canvases in dialogue. In this ambience, there is a rupture of the hierarchical order of the spaces, as occurs in the celebration ruled by carnivalization as a renewing focus of the fixed and finished world. Intrinsic to carnivalization in the Middle Ages and Renaissance, renovation becomes perspective and hope because the pure and simple negation is always contrary to the popular culture209. Reaching things and people that participated in the celebrations connected with the carnivalization, the laughter was universal. The whole world was perceived in its jocular aspect, in its happy relativism; at last this laughter is ambivalent: happy and full of tumult210. That is why laughter, a chromatic component in César Romero’s painting, congregates diversities in a hopeful way. On César Romero’s canvas, color is related to the impetus of life. In this impetus, the culture of the people reveals itself to be alive. It is not seen as excluded, although it may emerge in transformation. This transformation can show up in form of appropriation, once, as resistance against homogenization in globalized society, popular culture can appropriate traces of the homogeneous culture, as occurs, for example, in the “cordel”, as mentioned before. Thus, in the same way, the erudite artist can appropriate elements of particular cultures by assimilating traces of carnivalization, especially by valuing the color that gives dynamic to art. Opposing itself to immobility, color laughs at darkness. It laughs at the limits of a shadowed world. It laughs at death because the death has no color. In the carnivalization that gained its own profile in the Middle Age, laughter takes the form of a scoff at the ritual of divinity211. By analogy, in César Romero’s painting, color scoffs at the fixed significances and barriers related to socio-cultural spaces. In this sense, his painting causes a utopic carnivalization. Like at carnival time, it can be said that the human behavior turns to utopia and longs for the festive and hopeful side of life, and it can be said that, in popular culture and in César Romero’s painting, color laughs at the official color. Or at the absence of color. Direct and spontaneous. Alive and sensitive, color adheres to the visitor’s body like a skin of paints. Pulsating, this color deviates from the virtual colors that retire from the sight of the world of senses through a predictable selective focus, as in the images of a carnival parade beamed on T.V. At a distance. At a distance of life. Of dance. Of sweat. In the evidence of carnivalization it is life itself that plays and interprets its roles in the world, and here the affective form of life is at the same time its ideal form, resurrected212. As for this ideal form, consider that, in

209  Ibidem, p. 10. 210  Idem. 211  Ibidem, p 11. 212  Ibidem, p.7

281


medieval carnivalization, it represents a rule of exception. It is appropriate here to recall that in the Midle Ages the inversion of order was valid only during the festive event213. If at the end of the celebration, everything turned back to the legal prescriptions, it is possible to say that, in the point of view of social roles, everything was pre-set, as in the hierarchies of the figure-ground relation in the realm of art. But, in diverse ways, in virtue of the reunion of different identities, and in César Romero’s art, nothing turns back to the official order, once his painting integrates with temporal axes of carnivalization caused by a poetics of color, generating spaces based on the dynamic equilibrium. Especially in Chromatics and in Bramante, one canvas leads us to the other, participating in a time that celebrates the glance, increasing luminosity, and avoiding the shadows that intensify it. In the painting, despite being determined by other plastic instances, space is attributed to color. Mainly in Chromatics and in Bramante, temporal instances stand out due to the effects intrinsic to the colors marking open and sealed spaces simultaneously. They are paintings that, among transparences and thickness, permit a valorization of shadows. In César Romero’s canvases, darkness partly reveals itself as colorful. It becomes opacity and light. The order of light and shadow is inverted. In this game of oppositions emerge reversible and transformational places that, inaugurating directions and movements, embody laughter, we repeat. This laughter inverts the order of the fields as well as it disarticulates other fixed positioning that demarcates spatial hierarchies. To the route of the migrating-images reuniting the finitude and the infinitude, the painter’s canvases conduct synaesthesias.

CARNIVALIZATION AND MIGRANT-IMAGES. In César Romero’s painting, everything becomes visual and tactile, mainly the textures that in Chromatics and in Bramante highlight spaces and exalt colors and lights, knitting onto the canvases the daily life and the fable of the people. Revisiting the group of the artist’s work, we perceive that colors hold a sort of herald that is defined from small figures allusive to the hinterland. They are emblems of the Earth that dislocate through the spaces of the painting, conducting a vocabulary inscribed in the Northeast, creating places to be explored by the visitor. Among other instances, these places are shown in the patches, cuffs and junctions of the patch quilt, we recall, animating a “writing” that captures the Northeastern ambience through a singular vocabulary, as the artist points out: “It was on the quilt that I started to try to write a vocabulary not only Afro-Brazilian, but also the legends, the image, the Northeastern universe, the “cangaço”214, the “mata-burros”215, the landscapes, the zoomorphism.216” Inscribing the language, the ideas and the images of popular culture into the patch quilt, the painter inaugurates places that are receptive to the body, such as hiding places of the house and the party patio. Also inscribed in the patch quilt are meanders and ambiences that fling themselves into new meanings, promoting the contact between diverse identities through small images inscribed in the painting. They are migrant-images: stars, moons, tridents, machetes, flaming hearts, among other figurations. These images adhere to sacred spaces of the Church and of the Camdomblé shrines, and to the laic spaces of the house and of the surroundings. Inaugurating routes and directions and presenting differentiations of colors, they have wandered the painter’s canvases since the 70’s alluding to cultural diversities. These images are in nearly every part of the work. But they do not designate fixed places. And they do

213  Ibidem, p 8. 214  A social phenomenon proper of hinterland Northeast, especially from the middle of 19th to the second quartel of 20th century, when highway men used to attack farms and convoys. Some of these lawless men worked for themselves and others were under latifundium owner’s orders. 215  Palisades along the roads to detain the animals. 216  ROMERO, César. “Jamais vou deixar de ser pintor” (entrevista). Dendê n. 13. Salvador: Caixa Econômica Federal, ano V, 2002, p.12.

282


not belong to anywhere. These figures embody the principle of carnivalization before the hierarchical order of things controlled by various forms of power. By adhering to carnivalization through the running of migrant-images, César Romero brings to painting a voyage through the world and the cosmos as places in transformation. In the course of these images, there is not, with precision, an order concerning to be as an antithesis of not-to be. To the dynamism of these figures, there is no confrontation between to be and not-to be. Between presence and absence. Migrant-images conduct themselves through other routes of the senses and through thoughts organizing schemes different from antithesis. Acting as agglutinating links of differences in the set of canvases, migrant-images situate transitory spaces. They live in passages everywhere. They go and return. But they do not return to the same place. There is always a differential that reveals them towards the spatial infinitude in the meanders of the finitude. And vice-versa. These images equally indicate hybrid places. Places as those where popular celebrations are held, among them the Town Square Festivals and the revelry that congregates people in days of sacred services and recreation. Migrant-images are metaphorically related to a cosmic conception belonging to medieval festivities. They show a vision contrary to the idea of completion and perfection, to every pretension of immutability and eternity217. By analogy, in César Romero’s painting, this vision contrary to the idea of completion expands through the dynamism of pictorial spaces adhering to the principles of carnivalization that are set by the original logic of things from inside out218. In avoidance to the completed and definitive form, his painting is conducted by the running of these small figures that make the patch quilt emblematic among cultural diversities: “Once made the patch quilt, that is the flag, that is the banner which identifies, celebrates facts and agglutinate things, I have inscribed Northeastern vocabulary into it: symbols, signs of Camdoblé, cowboys’ leather hats and chaps, of the crafts, utilitarian clay objects that emerge from need, thorny mandacaru trees and synthesized bushes, the Northeastern zoomorphism, mackerel fishing, folkloric dances and their colors219.” In this undulating cloth, the painter practices his writing. And he practices his writing on the linen fabric of the canvas. And in this fabric. Actually, César Romero shade a pictorial code that entrenches in this skin of cloth, embodying singularities of Earthly things. This moving vocabulary in the quilt becomes explicit in the small figures we call migrant-images, that open ways between finitude and infinitude. These images wander through places intrinsic to the Platbands and Enigmas, generating the curves of the Emblematic Strips, but they have emerged in places pertaining to previous works. But it is, especially, in the spaces of the Emblematic Strips negating a closed and completed world that the migrant-images follow variations of route, being exposed in simultaneity of “inside and outside” in the spatial undulations. Following the serpentine movement of the paths, there is no return to the same place. Diversified, we recall, the migrant-images are flaming hearts, doves, moons, stars, seashells, machetes, rays, entrenched in the things of the Earth among many other figurations that include flowers budding in Strips, as observed in Bramante. Reuniting man and cosmos, migrant-images transport themselves from one painting to another, breaking limits, displacing the order of the objective and perceptive world. Accompanied by these images, Strips simultaneously snake through and relate in to places that correspond through diversities, such as: “interior” and “exterior”, “upward“ and “downward“, “verse” and “inverse”. Strips make their route that unfolds the patch quilt in undulating diagonal. This open space experience, that is, the experience of a space opening itself partly to the running of the migrantimages, occurs in another intensity in the Enigmas. Many of them also are shown in reversibility, as though they were patches of a self-moving quilt, as if they were pieces of a patch quilt. Pieces of a quilt that equally covers the Platibands. And in them the quilt resurges in the “patches of paint” that compose such figures, wandering through curves in the façades and doors of the small town house of the “interior” of Bahia and the Northeast.

217  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. .9-10. 218  Idem. 219  ROMERO, César. Os Sinais do Povo. Salvador, 1983, pp. 1-2.

283


César Romero’s trajectory explicitly shows images of places that corresponded in a ambivalence that can reach paradox, once they approach on chromatic places, reuniting finite and infinite spaces, at the reach of the hand and of the eyes, at the reach of the body. Negating fixed demarcations, these small figures are displaced through the cosmos of the canvas in avoidance of spaces conceived as stability. Before such images, it is appropriate to make a reference to the celebration of the carnivalization in the Middle Ages in relation to the scenes of a dramaturgy centered on comical figures that are presented as wise animals220. It was a vision of the institutions through satire, giving voice and intelligence to the animals that moved and acted in public spaces, inverting the order of the official events. Wandering through César Romero’s universe of painting, the migrant-images act as those wise animals. They negate the closing and the immobilization of spaces. And, in analogy to medieval carnivalization, they embody a kind of satirical view in relation to immutable things in the official city. Directing their look, they follow their path. They open the path. And they insert themselves with the force of an idiolect allusive to the memory of the popular culture stamped on the canvas, being marked by differences in opposition to repetitive aspects that characterize a mass culture as well as other repetitions interlaced in the globalized world. In its range of possibilities, migrant-images visit everywhere, but they do not belong to anywhere, we must remember. They conduct the color of Oxumaré. In one of the canvases of Enigmas in the exhibit Chromatics, Oxumaré221 appears with the entire body in the images of snakes. She then becomes a migrant-image. In the Platbands, her back undulates in the doors that symbolically receive Exú, closing and opening directions. In Strips, Oxumaré sets down his “abassá” and moves as a serpent, sliding through the colors of the rainbow. Her back moves waves of cloth of imaginary patch quilt, tinting the world. And tinting Iansã’s ray. And Xangô’s machete. And the Orixás’ world. And, zigzagging, Iansa’s ray flexibilizes paths to looking. But in Romero’s painting, sacredness reaches other instances of faith. In this dimension of the enchanting, symbols of Christianity move, like the dove and the flaming heart. In the displacement of flight, the dove weaves the route of infinitude and brings the image of the Holy Spirit to the paint on the canvas. In flames, the heart renews the Passion in the life of colors. It can be said that in this contact between images and identities of the hinterland, as occurred in the medieval and renaissance times, carnivalization reveals the lyricism of alternation and of renewal, the lyricism of the conscience of the joyful relativity of truths and authorities in the power222. But today times are others. And other carnivals. And other senses in the universe of carnivalization. As a fulcrum of diverse identities, César Romero’s painting follows the route and the hybridizations implicit to the migrant-images wandering through the world. They are a form of laughter doubting things completed. Thus, César Romero’s work is not limited to a given style or movement, we repeat. Suggestive of unfolding, the various colors create spaces in his painting that articulate with endobaroque, through a principle that was born before the 17th Century, and that, inserting itself into 17th Century, arrived to the Brazilian Baroque through a fold that contains paradoxes and contradictions.

220  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p4. 221  Check KLINTOWITZ, Jacob, Op. cit, p. 59. 222  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 10.

284


Endobaroque and Space in César Romero’s Art “ Green sierra where the Palmares – As Indian coconut trees - In the blue of Columbus’s airs, unfurl in a slight pant.”223

PICTORIAL SPACES AND THE FOLD Amidst the patches of a quilt floating between the sky and the Earth, Cesar Romero’s painting congregates colors of celebration. Greening celestial violets, the shell green of the yellow waters dance in the red of the party’s blue floor. And in the waters of a river of cloth, Oxumaré’s back opens his rainbow of feathers creating spaces of enchantment. And once located the carnivalization in Cesar Romero’s painting, his convergence in the endobaroque must be remembered, sustaining exceptions and paradoxes conceived by the imagination, recreating the world through the encounter of cultural differences. We treat the conception of the world that accompanies many aspects of the formation of “Brazilian-Culture”. In this intercourse of diverse cultures, the colonizer’s culture arrived crowned by the endobaroque, which relates to the Great Navigations. It arrived as a difference to the encounter of differences. Thus, the endobaroque found fertile ground for its aesthetic diversities, mainly in the epoch of the Brazilian Baroque. In this sense, the endobaroque embodies a dynamism that deconstructs monological reason and perception, and expands in spaces intrinsic to art, being characterized by irregularities. Such irregularities signal a deconstruction of geometry as a metaphor of a deconstruction in process in some other cultural instance. In Cesar Romero’s art, irregularities are a deviation of one-point perspective and of the figure-ground, to live in a pulsating force of colors that tint the Northeast and the cosmos. In the convergence of endobaroque features and carnivalization, color curves and inclines pictorial places. It is important to observe that, though in Cesar Romero’s work, we can identify a certain morphological analogy to the Baroque, but we do not intend to prioritize it. Rather, we want to understand it as an expression of ideative constrasts, an endobaroque source in the present times. In this sense, the endobaroque involves a deconstruction that can even turn to geometry. But it is not reduced to the geometric negation. However, from the spatial point of view, the endobaroque principle can emerge as deconstruction by geometry itself, as occurs in Ruben Valentim’s work. Despite an apparently geometric “first reading”, the work of this artist reveals an endobaroque source in virtue of the deconstruction of the geometry through the thickening of space. This thickening occurs through the chromatics that appears many times in volumetric paintings, including objects that re-read an African herald through aesthetic-artistic spatiality. Focusing questions pertinent to the endobaroque in Cesar Romero’s work, we catch a glimpse of space as a meander pertaining to the soul with the force of color that expands as an emblem of life. With the force of pulsating life in the paintings. From the pulsating life in transformational spaces. And acting in the meanders of a fold intrinsic to the patch quilt. Because in the meanders of a place intrinsic to sewing that joins the hinterland and the city, there is a fold positioned and inscribed in Brazil today. And along this text we mention several times the words fold, unfolding and other similar words, that are known clarified in a specific sense. Focused through time in various instances, the fold implies continuity and relation. It reunites reason and the senses. And it adequates itself into the thinking that transits the metaphysical and sensorial planes. Conceived in Ancient times, the notion of fold associated itself to the notion of difference224, by various aspects. The fold presupposes difference and differential225. Link between abstraction and matter. The relation between differential and difference. In Ancient times, the fold congregated myths and logos; in the Middle Ages, body and soul; in the Renassaince,

223  ALVES, Castro. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1947, p. 131. 224  HEIDEGGER, Martin. Essais et Conférences. Trad. André Préau. Paris: Gallimard, 1958, p. 115. 225  DELEUZE, Gilles. A Dobra - Leibniz e o Barroco. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Papirus, 2000, p. 58.

285


nature and knowledge. In the Baroque, the fold reunited finitude and infinitude. Emphasized in diverse epochs, these references do not disappear as a whole. They reappear under diverse aspects. Linkage. Unfolding. Refolding. In painting, there are references related to space. And in the Baroque, in virtue of deconstructions intrinsically endobaroque, space in painting was addressed to the fold in inumerous aspects. The fold did not verify either as criteria or as metaphor emerged from the Baroque. But it curves and re-curves the folds, taking them to the infinite, fold over fold, fold according to fold226. These flexions are conceptually and artistically an endobaroque expression from a deconstructive source, bringing to the Baroque its possiblities of contradiction and paradox. Traversing diverse periods, the fold has gained a singular profile in the foundation of Modern Culture, producing deconstructions of significance in various areas of thinking and artistic creation. With reference to space, the endobaroque inserts a reunion of differences and/or oppositions into the fold. Focusing on the 17th Century, it is possible to emphasize the course of ideas relating to a reason capable of conceiving the infinite227, and to expose possibilities of deconstruction of yet one more antithesis, that is, of the opposition between finitude and infinitude, once these two diverse spatial worlds are located in baroque painting in the sensitivity plane. And from that period, the notion of infinite enabled the conception of the world from another perspective, be it from the standpoint of Science and Philosophy, as well as from the points of view of artistic expressions. When the infinite work or the infinite operation 228 appeared, there were effects on baroque painting, causing the planning and flow of curved and diagonal spaces to soar. As relating spaces that involve the interior and the exterior, the fold passes through matter and the soul229. Between the sensibility and the concept. Between the senses and the imagination. Beween shadow and luminosity. In these links between closure and opening, between light and dark, there is communication between the differences230. In this process of sequence of things to infinitude, unfolding takes place, but it does not indicate an opposing movement. Neither does it express the negation of the fold. Unfolding acts as continuity to/or an extension of the fold. Unfolding is a ideative condition that makes possible the existence of the fold ad infinitum231, communicating with the sensorial plane. Given ideas and diverse spaces, the fold establishes relations. As a place of contact, in Cesar Romero’s painting the endobaroque fold relates locations and contradictions covering direct and metaphorical references belonging to the patch quilt, to oneirism and to thinking. This fold entwines in the cloth and in the identity. And it always keeps references to spaces. To the spaces of matter and of thinking. To the places of the patch quilt. To the meanders of the cloth canvas and of the paints. And to the route of the affectivity, creating places characterized by imaginary qualities. The folds reveal to be texture. Link. Texture. Bond. It is a bond implicit to the patch quilt, folding, unfolding and folding again, as an oneiric and utilitarian object in the culture of the people. As the patch quilt is a founding motive in Cesar Romero’s work, the fold becomes intrinsic to the cloth, to its patches covering the cloth. Cloth and quilt aproach each other through the fold. Cloth and quilt signal links between the city and the hinterland, connected by a fold that congregates differences from various origins. In Cesar Romero’s work, the patch quilt becomes metaphor and sewing. And unsewing. And a fold in time. In Cesar Romero’s work, the fold marks a regimen of differences implicit to the patch quilt. Between cuffs and sewing, man wraps himself with the quilt. It becomes the body. Within it the body gets involved just like the textures woven in the canvases, among diverse spatial densities and thicknesses. In the quilt and in painting, space exposes oppositions that are self contained. Expanding and contracting, the pictorial space overcomes dichotomies such as

226  Ibidem. p. 13. 227  Ibidem, p 208. 228  Ibidem, p. 66. 229  Idem. 230  Ibidem, p. 66-69. 231  Ibidem, p. 68.

286


city and hinterland, erudite and popular, sky and Earth. In the unfolding of the quilt, to the rhythm of migrant-images sewing and unsewing the fold, the world chromutates into Images, Kites, Stamps, Strips, Enigmas, Platbands, and other motives. In this movement of sewing and unsewing colors in the quilt, the idiolect of the painter is embroidered with paint into the folds of the linen canvas. Folding it. Unfolding it. Folding it again. In this movement the fold acts as if it were the stream and the channel of a river conducting quilts and strips. Revealing itself as fabric. In these meanders, what is hidden stands out, emerging from tensions between light and shadow to the timeline of the artist’s pictorial trajectory. The fold accompanies spaces generated by the curves in Strips, that is, the fold surges and resurges in the flexions and in the inflexions of curves, uniting oppositions and deconstructing antithesis. To the exception of the saints alluded to in Images, there are no figurations of the body in César Romero’s painting. But in tribute to people, the body is inserted in his painting. The common man reveals to be an imaginary body that accompanies the route of the migrant-images. The Northeastern man is tied to these images. He dresses for the celebration. Slides in curves of colors. It is observed that, in Cesar Romero’s work, spatiality is not a homogenous element. It exposes movement. Directions. Displacement. Folded, unfolded and folding, the color incites the vision to go far beyond, there where the infinitude becomes tactile. Juxtaposing colors, chromutating them, having them undulate in ascending places, pictorial spaces are created, yet they are differentiated by textures, directions, thickness and other qualities that deconstruct limits and even territories from their fixed positions. Amid chromatic tensions, that is, at the encounter of intense and constrasting colors, and in a more intense manner, in Chromutations and Bramante, Cesar Romero’s painting embodies an alchemy of chromatic material. In this material, colors act as forces creating a universe of its own. Following this ontogenesis, it can be said that things are born colorful, they are born because of the action of color itself232. In Cesar Romero’s painting, Bahia assumes itself as the patch quilt, the flag and emblem of the Northeast.

THE UNFOLDINGS OF THE PATCH QUILT When observing that pictorial space signals a socio-cultural hierarchy present in artistic manifestations, and considering the professional action of the artist as part of this socio-cultural phenomenon233, a relation is noticed between the spaces in artistic productions and the spaces in the social plane. Between these spaces there are, without a doubt, points of contact. But there are no linear correspondences. Once in the picture, spaces are circumscribed to the aesthetic experience off limits to efficient causality. Herein lies fertile ground for carnivalization as well as for endobaroque deconstruction. Causing deconstruction in Cesar Romero’s art, the fold can be revealed as a place intrinsic to spaces that can, through colors, simultaneously indicate transposition of socio-cultural hierarchies pertinent to the Northeast. Here is the theme exposed in this essay. There are no delineations concerning to the obvious differences between city and hinterland. But there is explicitness of the deconstruction and of the inversion of order in the sensorial plane that attracts chromatic differences. From the standpoint of the poetics of color, the fold overlaps tensions that involve the erudite and the popular. Relating hinterland and city, the fold approximates spaces pertaining to cosmos and to Northeast. In these spaces, meanders are created that explicit the fold, coloring Bahia and the world. From the standpoint of the poetics, color has depth and thickness234. It has tactile qualities. Color animates pictorial space. And about this animation, it can be said that space appears then as relative density, or presence, each one in its own way, of the colors and beings of my spirit235. From surfaces and depths emanated from colors, the Bahian Northeast takes its position, that is, the place of man accepting

232  BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. Op. Cit., p. 27. 233  ACHA, Juan. Arte y Sociedad: Latinoamerica – el Producto y su Estructura. México: Fondo de Cultura Econômica, 1979, p.9. 234  BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. Op. cit., p. 26. 235  THÉRRIEN, Vincent. La Révolution de Gaston Bachelard en Critique Littéraire. Paris: Klincksieck, 1970, pp. 133-134.

287


himself as identity and difference. It is this said difference that, in painting, appears in the inversion of positions. In the dispositioning of south and north. In the encounter of east and west. In the inversions and displacements of the interior and exterior, undulating among curves and semi-moving diagonals. Adhering to the ambiguities intrinsic to Cesar Romero’s painting, color reveals an epic spatiality, where the looking game occurs and installs into spaces of attraction and withdrawal. Into half-open places, and into half-closed places. Under this scope, it can be said that space produces and reproduces itself as a chromatic being. It is an enriching ontogenesis of spaces and colors of the world. To cite an example different from endobaroque and carnivalization, Monet’s canvases display a volatility of colors. The stone cathedral elevates itself with the substance of ethereal space, because once Claude Monet wanted the cathedral to be truly aerial – aerial at the heart of its stones236. And the cathedral took from the bluish mist the very matter that the mist took from the sky237. When imagining the cathedral material, Monet created blue spaces. These spaces are areas of color creating images. But, in this instance, the image shows to be a sensorial effect that has no link to mime. The image does not represent nor replace things238. And it can be abstract, as the skies of mist involving the cathedral visualized as matter and volatile space. Before the dynamic of this matter239, an attraction to space invites the visitor to enter its colorful regions. And live in them. We can, together with Monet, live in his blue cathedral. And we can dwell the colors and lights of the cathedral that in diverse moments he painted. In the blue spaces of the cathedral, Monet made his nest in the colorful shelters. Capturing various densities in Monet’s work in these chimerical places, we discover moving forces that give the cathedral ascending movements, displacing itself between Earth and sky. His cathedrals elevate to places that shelter the visitor in the matter of stones and mist. And in diverse manners, different painters inaugurate spaces. In painting, spaces reveal to be color substantialized by the imagination acting over matter240. And these spaces concentrate regions open to the receptive look to the dynamism of colors assuming affective qualities and emotive tensions241. Thus, in the destinations of hells painted by Bosch, an eternal fire burns us in the soul and body. In the apples of Cézanne, a mature red suggests the planting of fruit. In the troubled ocean imagined by Géricault, treacherous waters threatened to swallow our soul242. In different painter’s work, color establishes spaces of comfort or of menace. Amorous or perturbing spaces. On the canvases of diverse painters, the visitor gets lost, or is rescued, or finds other intents dwelling in the spaces in daily life. In Cesar Romero’s painting, Bahia becomes a colorful habitat. And every truly inhabited space brings the essence of the notion of house243. Casarios. Country living. Shells. Star. Strip. In Romero’s pictorial trajectory, the Northeast is his a house. A house that inhabits the world. A house of hues. Secret places and illuminated regions live in this house. Our desires and fables are lodged in the places of this house244. Activating the memory or forgetfulness, always and always imaginary house shelters our intimacy and affections245. And when we remember the houses, the rooms, we learn to live in ourselves246. In Cesar Romero’s paintings, we learn to live in a real and imaginary Northeast. We learn to live in this colorful and somber house that is entrenched in the fold of the quilt. Not only in the houses of the Casarios

236  Cf. BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. Op. cit., p28. 237  Idem. 238  Cf. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Op. cit., p. 9. 239  Cf. BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. Op. cit., p. 22. 240  Ibidem, p. 26 241  Idem. 242  Ibidem, p. 28. 243  Cf. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Op. cit., p 22. 244  Ibidem, p. 18. 245  Idem. 246  Idem.

288


and of the Emblematic Platbands are places of living revealed. The Northeast becomes a living place. It becomes quilt and strip traversing the world. Within the Emblematic Strip, the patch quilt – object of the home and archetype of life – reveals itself to be a primeval sherter. A cavern of patches. A fold of cloth. In Quilt and in Strips, internal and external places correspond and unfold. Transitive places are founded, such as the route of migrant-images passing through the canvases. And through the landscapes. Inside and outside of the house, the quilt diversifies. Flag. Strip. Emblem. Oxumaré’s back tinting the world. And the archetypes. In relation to archetypical forces, it must be observed that in myths, legends and fables, references to the house or a secret place and/or a shelter are commonplace. The den. The tortoise shell. The clearing in the jungle. The labyrinths. The caves. The pots. All these convert into habitats. In Cesar Romero’s canvases, we experience a meandering through color, shell, stamp, flags, kites, and everything is held in the folds of the color, unfolding between finitude and infinitude. Intrinsic to César Romero’s painting, the fold gives dynamics to images. In shells, the water follows curves and nervures. In Xangô’s machete, the metal reminds us of flames of fire. Iansã’s ray bends and pervades the ambience. Hearts flame. Stars and birds take flight, while colors tint the oceans of Strips that move in Chromutations and in Bramante. We can then accompany the running colors revealing the impulses of the brush. In the “sewing” of the patch quilt enchantment, César Romero inserts the fundamental fold of the imagination. Before it, what child or adult has not found himself counting the little pieces of the patch quilt? What adult did not fold and unfold the patches to then snuggle in the sewn colors of fabric? In the artist’s work, a primordial quilt unfolds and folds again on the canvas to shelter an archaic fold in celebration of life. However, the origin of this fold is located in places and times of an archetypical fold, marked in the moment in which man perceived the first regularities in nature. But, he also perceived that these repetitions happen in virtue of the irregularities that signal phenomenon changes. The fold suggests confluence of differences connected by a link, and sometimes by a bond. Sometimes, weaker hold. And others, primitive connection. A back and forth of thinking and of the body247. Whichever the folding of the fold, in it lies a relation between diverse beings. Diverse things. Diverse ways of being. Plural identities. Between unfolding and re-folding, something reveals itself during the observation. Something remains veiled. The singularities of the fold are shown by the differentials of color revealing the difference that differentiates itself248. Revealing the laughter of popular culture. Revealing the impulse of life that differentiates itself from sameness. But in painting, this articulation does not reveal itself as binary nor manicheistic. The fold expands. And becomes flexible. In a convergence of endobaroque and of carnivalization, the fold reveals itself surpassing dualities. The pictorial space becomes a place for demarcation and deconstruction of the chromatic territory. And in this circumscription emerges a prophetic and hopeful time. Color, itself intense, gives temporal characteristics to Romero’s work. In this sense, time subsumes tensions intrinsic to the poetics of color. Through the changes perceived during the look, it is possible to mention a time of color. It is a time that embodies contrasts.

247  DELEUZE, Gilles. Op., cit., p.199-200. 248  Ibidem, p. 26.

289


Carnivalization and Time in Painting “I will speak not about things, but about inventions And of patient searches into the exquisite. Soon, I will reach the color of the scream, the music of colors and of the winds.”249 TIME IN THE ART OF CÉSAR ROMERO Among the phenomena of transformation, none is more instigating to man than time. It passes. It remains. It dies. It lives. It resurrects. We feel its effects in the sensitivity plane. To it relate all things of thought and action, all sensorial experiences. Relating to everything about life, it can be said that time constitutes its own life experience. All time is an ordination, and every ordination is a time250. In painting, time emerges as an aesthetic experience, that is, as a sensorial experience. It captures changes. As emission of light toned in counterpoint to its absence, time stripped by color. As emission of light giving life to the dark areas of canvases, time surges among correspondences and chromatic tensions, giving rhythm to the transformations of pictorial spaces. It mobilizes and guides images that stop and move before the eyes, retaining the partiality and the permanence of color in visual experience. In the field of art, we almost always find references to spaces represented by geometry. Attracted to conceptual and linear determinism, we seldom question the origin of spaces traversed and lived aesthetically. We never question the relation between pictorial space and time, and we forget that color reveals itself as a momentary phenomenon. Changing, but never chance in reference to the designs of a brush, so is the time. In César Romero’s painting, colors adhere to a time that evades from the glance, and then renews itself. This time rules the transformations in self-moving spaces. We are dealing with a time that is intrinsic to the tensions of the colored, establishing rhythms. We saw that space integrates transformational qualities of color in the painter’s work, and in a more intense way in Chromatics and in Bramante. Such space integrates transformative qualities of color. These qualities become explicit through the differences that join places respecting to the exterior and to the interior, that position themselves below or above, among other oppositions that culminate the paths to the finite and infinite. Transformations occur in these spaces. Changes. Transitive phenomena are inscribed. In being intrinsic to painting, time reveals itself to be a transformation with rhythm of the painter’s own choice. Colors signal times to the dynamic of spaces. Before this temporal perspective that exposes interactive spaces, let’s remember that, in Romero’s art, whether one is looking at a painting, or an exhibit, the visitor receives moments of looking, of his own looking, and of the looking of colors that invert the times pertinent to reason and to the world. The painting acts as an eye with multiple directions and intensities, and in this experience we can see the birth of many times. For each visitor, time, that is, the experience of color, directs towards a diverse focus. The dynamic of the colors is multiple and rhythmic. This dynamic is always receptive to the eye that wants to contemplate beyond that which can be seen objectively. This dynamic constitutes a time in the painting that can be captured through changes proper of a fragment or through the transformations that the entire work reaches. Showing itself to be instantaneous, this time equally acts as that which is intrinsic to poetry. Thus it may be called a poetic instant251, for it is instantaneous. This time embodies tensions. Guiding the rhythm of changes in the sphere of pictorial space, color reveals itself as being temporal. In this phenomenon, we can localize, among others, two phenomena concerning to time that converge in César

249  PENA FILHO, Carlos. “Soneto das Definições”. Os Melhores Poemas de Carlos Pena Filho. 4ª ed. Seleção Edilberto Coutinho. São Paulo: Global, 2000, p. 91. 250  Cf. BACHELARD, Gaston. O Direito de sonhar. Op. cit., p.185. 251  Ibidem, p. 183.

290


Romero’s painting: poetic time and carnivalization time. It is an instantaneous time, and a cyclical time. In regards to poetic time, as it is an instant, it does not know duration. In regards to cyclical time, it is the carnivalization time that deconstructs chronological order. Therefore, with the focus of poetic time, the transformations and tensions concerning to chromatics give us a notion of time that begins in the field of color. It is the apprehension of time as instant252: poetic time. In this time, everything ends and begins. Color and time incarnate an ontology and an ontogenesis while the cyclical time of carnivalization deconstructs chronological sequence in order to assume the time of the party, the cycle of the party. The poetic instant intrinsic to color, diverging from chronological time that always follows the same direction, multiplies itself and acts in simultaneous effects. Unlike time that lasts, it undoes itself, and reappears. This time can move in upwards or downwards directions. It can move circularly. However, it never returns to the point of departure because it establishes helicoidal movements. This time scintillates. It expands and contracts. In César Romero’s painting, color expands in impulses of space transformations. It elaborates seminal forces. Instants of color are affirmed in these impulses and forces. Color is time giving rhythm to space. Receiving rhythm from time, that is, from color, space is alveolus of possibilities. It is a transitive place. It is a red place. A blue place. It is a red time. A blue time. It is a time in transformation by the proximity of the diverse colors. In César Romero’s art, time seems expectative and fleeting. It thereby gives relevance to the painter’s route, when the artist visits times of the culture and updates archaic times in order to translate them into the instant of color experience. Time is color. Color is time. This time entwines into textures that assume effects of change and awaken “tact”. Together with vision, “tactile” impressions gain a temporal dimension. Time is color. Color is time. Poetic time. In César Romero’s art, the world “is” today. The world “is” now. Time reveals itself simultaneously plundering and giving253. It dies, but it resurrects. It resurrects from colors, and in colors. This poetic time adheres to carnivalization time that deconstructs the temporal sequence between what is hidden and what is revealed. It is between shadow and light. Poetic time integrates itself to carnivalization time, commemorating life. There are diverse times. In a generic way, painting is always conducted by poetic time. However, painters do not always enter carnivalization time, which acts through the intensity of coloring and/or by the recurrences to the images that call the theme and the cycles pertinent to popular culture among the deconstructions of official culture. In César Romero’s painting, in its deconstructions, carnivalization time celebrates as an opposition to time of official occurrences. And as in medieval times, carnivalization festivals could last three months per year254. We then remember that, in the Town Square Festivals celebrated in Bahia, there is an equally extensive calendar that goes from December to March. So, it is possible to approach the wealth of images at the artist’s disposal in this climate embracing the city and involving those who live in this ambient that is permeable to popular festivities, joining diverse social strata and diverse characters. However, according to the duration of the party, this reference is made in terms of chronological time, which is divergent to times lived as experience of the poetics and of carnivalization. In relation of time intrinsic to carnivalization, it is not a calendar time. So, we remember that those celebrations expose a time of liberty and equality. It is a utopian time conceived inherently to medieval carnivalization when such celebrations oblige people to, in a certain way, deny their social condition (as a monk, clerk or academic) and to contemplate the world from a comical and carnivalesque perspective255. From this angle, time goes against the course of official occurrences. Time emerge from its own realm within carnival and carnivalized events. Considering historical and cultural variables, he who perceives the phenomenon of carnivalization in the plane of popular culture sees himself in a certain way receptive to this vision of the diverse world of official culture. This time is intrinsic to this world vision that involves laughter, creating an inversion of order in the city calendar. It is a commemorative time. It is a time of color.

252  Idem. 253  Cf. BACHELARD, Gaston. L’Intuition de l’Instant. Paris: Stock, 1992, p. 15. 254  BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 11. 255  Ibidem, p. 12.

291


Remembering that, in César Romero’s art, the reference to the laughter of carnivalization is defined by color, before the coloring of his paintings city people are instigated to laugh at themselves, at the homogenization occurring in the cultural plane. In this laughter, time subsumes and impulses differences, as occurs with patch quilts, from an imagistic point of view, that act as a metaphor and differential to the tendency to the ideology of single identity. Affirming this differential, migrant-images enter into the picture, moving through the painting and creating routes from one canvas to the other, and much beyond. They invert the order of world time, especially in Strips flying in Chromatics and in Bramante. Appearing randomly, this migrant-figures act as in analogy with the hinterland anti-hero who on his own carries myth and the road. Among wandering colors appears a legendary feature, and an announcing time is inaugurated that recalls itself through carnivalization. Behind the shield of carnivalization, a utopian time is created. In medieval carnivalization and in the renaissance, there were conceptions of cosmic time or natural time, biological time or historical time, related to periods of crisis in nature, in society and in the life of man256. This time related to death in an inexorable and ambivalent manner257. However, it was equally epiphany, because time comes to light and brings tensions between luminosity and shadowing. In carnival and other festivities reigned by carnivalization, there was a temporary freedom of the dominant truth, as well as a provisory abolition of all hierarchic relations, privileges, rules and taboos

, on remembering. In medieval

258

carnivalization, there was an authentic party time. There were authentic parties for the alternation and for renewals259. There was the authentic party time in which everything became possible. There was a fold in time that joined diverse temporalities.

THE FOLD IN TIME Time acquires a hopeful tone with the dynamic of carnivalization in the art of César Romero. In an exulting life, the coloring exposes itself as an intimate temporality and inaugurates an inversion of order in chronological time and of time of official happenings. To spaces inherent to these folds, unfoldings and refoldings of the fabric on the patch quilt and on the canvas, time moves to the rhythm of these folds, accelerating and decelerating movements. It impulses links and unlinks. To the fold in pictorial space corresponds a temporal fold, a fold that motivates and gives rhythm to transformations. It is a fold in time that intensifies in textures, in the hues in transparency, in the irregularities of paint emitting light. Revisiting the painting of César Romero, one perceives the importance of textures and how they differentiate surfaces through the dilution of paint. The painter signs his emblematic as one who embroiders the canvas with pincer and string. Creating diverse densities and thicknesses, textures mix acrylic colors onto the cloth, sewing an imaginary patch quilt. Texture becomes instance of time, creating transformation in pictorial space. Through the senses, texture opposes the perception of the compact. In the ideative and sensorial planes, texture opposes the idea of perpetuation, and the idea of form, and the idea of conclusion. This indicates another metaphor for medieval carnivalization in César Romero’s painting, another metaphor that, in order to dilute certainties and truths of the world and to create a time circumscribed to the party, carnivalized festivities do not recognize the idea of conclusion or of ending. Festivity time deconstructs chronological temporality and other socio cultural orders of time. In the same way, César Romero’s painting dilutes and transforms itself through the senses, and color challenges the efficient causality and the rational limits of temporality. On the canvases of Romero, simultaneous changes occur, and every change carries in it a temporal phenomenon.

256  Ibidem, p. 8. 257  Ibidem, p. 22. 258  Ibidem, p. 8. 259  Ibidem, pp. 8-9.

292


In César Romero’s painting, the “irregularities” of textures indicate perceptive changes that comprehend a time in process. It is a prophetic time. This time rules the happenings in a space equally in progress. Before the colors participating in this time, the visitor lives the meaning of carnivalization. The visitor participates in carnivalization because the spectators don’t watch carnival, they live it, being that carnival itself exists for everybody260. The visitor lives color while participating in the festivities. As in the public space of carnivalization, the Northeast breaks boundaries. To the validity of medieval carnivalization, life adheres to the designs of the festivity, seeing that, under this world vision, there was not a spatial boundary. Everybody lived according to this destruction of boundaries of interdictions. One could only live according to the acts of liberty. It was this, and this its principle. The time of life reined the order of happenings in the space of commemorations. In an intense way, life acted as itself261. Life concentrates on carnivalization time, the time of rebirth of life. To the effects of color transformations, a time of renovation included in the painting of César Romero. Linked to this carnivalization time, a time of intimacy sprouts as an impulse and breath of those who live commemorations, because poetic time is an intimate time. It is a unique experience. In César Romero’s painting, time constitutes itself poetically and is carnivalizing. It holds and gives dynamic to the effects of color, among oppositions of colors and lights. Thus the world is born from color. It becomes a temporal fragment. It articulates itself in fragments. It articulates quilt patches, and accompanies the path of migrant-images acting between the fortuitous and permanence. Under the regime of this time, we see a small mirrored ray zig zagging on some canvases. It surges as a perceptive fragment marking its intimate time. This time will be detected by another glance, and will be born again in the eyes of other visitors. In the artist’s painting, the festive flags, arrows, birds, and other motives express the instant of escape, the time that dies. But is reborn, in another look, in another time, in another instant. Thus, in the poetic instant, occurrences circumscribed to oppositions and differences unite262. Spatial finiteness and infiniteness unite. They unite eternity and fleeting time, inscribed in the colors of patch quilts and in paintings. Quilt and painting integrate a time of color. They integrate spaces reigned by chromatic time. Each piece of cloth becomes space and an instant of color. In Strips or in the patch quilt, vertiginous time dives into itself, to die and resurrect to the look, the look of the visitor. This time dies to resurrect to the senses, and so we can see time. We can feel it crowning the creation of the instant. Poetic temporality also pertains to the glance, as we see color pulsating its instants. If I detain myself in the predominance of green, the green matrix takes the stage and chromes. The root of green becomes an emblem. “Green I so want you green.” I see you tactile, while my eyes spin by the instants of colors pointing to Bahia in the exhibit hall, and in the world. Red I so want you red. Blue I so want you blue. Color I so want you color. I want you heart. Star. Seashell. I so want you color of the Northeast. And I hold you emblem. Look that I want you time. Color I feel you “now”! Time I fortell you giving rhythm to life. In César Romero’s painting, an instantaneous time flashes in the matter of the painting. The matter of painting is the color, we repeat. Yet it is not about matter in the physical sense. It is an alchemistic substance, an oneiric substance. It is an amorous principle that appears as an archetype of life. We can say that this time is fragment and completeness. Patch and entire quilt traverse through the pictorial trajectory of the artist. This time exposes the meaning of the Earth relived in colors, while other times fall asleep and awake among colors that, reunited, commemorate hybrid identities to the duration of carnivalization. In César Romero’s art, besides the time of carnivalization and the poetics herein alluded, other temporalities are inscribed because the pictorial time on his canvases is addressed to the world from a contemporary point of view of and of historical chronologies. And, as in Romero’s painting time is an instance of color, its Brazilianity is affirmed to be in synchrony with current happenings, as an identity that composes a herald of the Earth, as part of a living culture.

260  Ibidem, p. 6. 261  Ibidem, p. 7. 262  Cf. BACHELARD, Gaston. O Direito de sonhar. Trad. José Américo Pessanha e outros. São Paulo: Difel, 1986, p. 185.

293


In César Romero’s work the Northeast lives with its paradoxes because the painter does not hide the differences between the hinterland and the city. Translating an emblematic Bahia onto the canvases, the painter does not invent a fictional tradition tied to the past. Rather universalizing regionalism through the language of colors, he assumes the globalization of art as a fulcrum of differences in the present time. Painting as artistic production is inscribed in this historical time that projects it into the cultural world. This temporality is also intrinsic to painting. It is intrinsic to painting like poetic time. And in César Romero’s art, these temporalities join carnivalization time. In colors, the painter confirms the hopeful time in which he provokes the inversion of the official order of culture. It is no longer the inversion of order of the Church and of the State, as occurred in medieval times. It is the inversion of a worldly order in its pasteurized and uniform aspect. Standardizing. So we can think of the work as artistic while also a driving force of new mental schemes announcing changes. Marking its emblematic presence, César Romero’s painting shows to the world Bahia as a “patch quilt”, being unfolded on the linen canvases, because one is inside the other. Because in the folds of the quilts and of the canvases, rhythms and forces emerge, provoked by carnivalization time converging in chromatic exchanges. If, when inverting order, the goal of medieval carnivalization consists of reconstructing the world by laughter in the perspective of deconstruction of official time, we find in Romero’s art a metaphoric “reading” of carnivalization, we repeat. Through color, the artist expands the boundaries of the world by means of laughter. Laughter is inscribed in time, avoiding death, and spreads through contrasts generated by diverse colors. Colors, whose variations configure a time to look, congregate times of colors in simultaneous actions and deconstruction of chronological time. Such deconstruction subsumes poetic time. Every poetics, in a given way, becomes deconstruction. In César Romero’s painting, this fold mobilizes the soul and the senses. And what the senses cannot hide, the heart reveals in the tints of the celebration. That is a celebration in which the Northeast speaks its language. Expands its language. Universalizes its idiolect. Makes utopia real. And denies the one-voiced and atonal tonality of the globalized world. We must remember that, influenced by satire, popular culture always finds the opportunity to turn the world upside down, especially during carnival. We also must remember that César Romero’s painting creates the party of colors. At this party it is not possible to look without seeing. Therefore, to find out the greatest potential of this in the other planes of culture, who knows one day? Reverberating in moments of ecstasy as well as the time of poetry, the curvature of color reunites the instant with eternity263, that is, it reunites instances of color between reality and possibility. In being intrinsic to the fold, in this time something will be shown. And something will remain hidden while the senses gallop beyond themselves. Thus, with the laughter of colors turning the world upside down, will not the sole identity get tied to an ideological discourse? Will this speech not reflect the words of the inexorable and invisible Big Brother, forming the spaces of the world as though they were tentacles of a panoptic? As globalization is a phenomenon rooted into financial instances264, is not the discussion of the sole identity a totalitarian order that acts as a refusal of the time of carnivalization? A refusal of resurrection? A refusal of laughter? A refusal of the inversion of order? Sustaining such questions, in César Romero’s painting color exalts life. It carries in itself the laughter that calls us to the reality that is under our nose. Then it must be remembered here that, in the work The Name of the Rose265, the author “suggests” that the guarantee of the discourse and the actions of the authority were due to the non-divulgation of a book: the writing of Aristotle on laughter. About comedy. Tragedy did not offer danger. It was a work of fate. Against this force nothing was effective. But who could impede the inversion of world order through laughter? Through laughter deconstructing the discourse of destiny? Here is the questioning that, from César Romero’s painting, snatches the visitor into this universe of colors, assuming

263  Ibidem, p. 183. 264  Cf. FURTADO, Celso. Op. cit., p.75-76. 265  ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Trad. Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de São Paulo, 2003.

294


the laughter of carnivalization. From this laughter a time of hope is evoked, as an epiphany before the shadows that delineate the inexorable course of chronological time. Deconstructing this temporality, the instant of color emerges and rules the tensions that cover the spaces circumscribed to art and to life.

ABOUT THE AUTHOR Mirian de Carvalho was born in Rio de Janeiro. She graduated from the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ) with degrees in Philosophy and Arts Education. She obtained a Doctorate in Philosophy and was professor of Esthetics (undergraduate and graduate levels). Today she is dedicated to poetry, chronicles and development of studies on Brazilian culture. Mirian authored the following books of poetry: Cantos do Visitante (Edição da Autora), 1999; Teia dos Labirintos (Ed. Escrituras), 2004; O Camaleão no Jardim (Ed. Quaisquer), 2005; Travessias (Letras Contemporâneas), 2006; Violinos de Barro (Ed. Escrituras), 2009, 1st place / Adalgisa Nery Award, in the Concurso Literário Nacional e Internacional at UBE-RJ, in 2010. In 2011; published Nada mais que isto (Ed. Scortecci) and 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (Ed. Galo Branco), and, in 2012, Roteiro de Mitavaí (Ed. Oficina do Livro) and A costura na arte de Alê Prade (Ed. Letras Contemporâneas). In the following years, she published: Vazadouro (Ed. Escrituras), 2013; A carnavalização na arte poética de Oleg Almeida (Edição virtual ISSUU, Calaméo e Youblisher), 2014, which received the Vianna Moog Award (first place in the book category), in the Concurso Literário Internacional of UBE-RJ / 2012, and Wega Nery - Paisagens Íntimas (Ed. Pantemporâneo), 2015. As an essayist, Mirian published innumerous works in specialized editions, cou inúmeros trabalhos em edições especializadas, authored postscripts, prefaces, chapters of books and texts for exhibit catalogs. In 2004, she published A Escultura de Valdir Rocha (Ed. Escrituras) and, in 2006, Metamorfoses na Poesia de Péricles Prade (Ed. Quaisquer); of UBE / RJ and SP and of the PEN Club. Among the literary awards she has received as essayist are the Vianna Moog (for Brasilidade na Pintura de César Romero) and the Geraldo de Menezes, conferred to her by UBE / RJ in 2007. She lives and works in Rio de Janeiro.

ABOUT THE ARTIST CÉSAR ROMERO was born in Feira de Santana, Bahia, in 1950. Self taught, he entered the arts in 1967. In Brazil, he participated in over 500 collective and 47 individual exhibits. Abroad, he had 50 collective and 10 individual exhibits. He was exhibited in the main Official Exhibits held in Brazil. He received 43 awards for painting, 5 for photography and 4 Special Halls. His works are in 48 Brazilian museums. There are innumerous national and international references about his works in books, dictionaries, magazines and newspapers. His fortune of critique includes 118 texts by Brazilian and 10 foreign art critics. As a member of the ABCA and of the AICA, César Romero the art critic twice received the Mario Pedrosa Award (artist of contemporary language) from the ABCA, in 2001 and 2007. Also twice from the ABCA, he received the Gonzaga Duque Award (recoginition of exceptional performance) in 2004 and 2010. In 2015, he received the ABCA Award of Special Recognition for his 40 years of journalism writing in Bahia on art, artists (a national record). In 2016, he received the Thomé de Souza Medal, the highest honor bestowed by the Salvador City Council. César holds a degree in Psychiatric Medicine. He lives and works in Salvador, Bahia.

295


MINI GLOSSARY Folguedo - traditional country party Cordel - informal artistic publications Carranca - standing wooden figureheads, gargoyle-like Mata-burros - trenches to keep burros out Bumba-meu-boi - dancing ox costumes Casarios - colonial houses

296


Referências Bibliográficas ACHA, Juan. Arte y sociedad: Latinoamerica – El producto artístico y su estructura. México: Fondo de Cultura Económica, 1979. AGUIAR, Cláudio. Caldeirão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. ______. Suplício de Frei Caneca. 3. ed. Rio de Janeiro: Calibán, 2001. ______. A emparedada. Rio de Janeiro: Calibán, 2002. ALVES, Audálio. Canto por enquanto. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. ALVES, Castro. Poesias completas. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1947. ANDRADE, Clodomir Barros de. Fundamentos da doutrina da recognição. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-graduação em Filosofia. Rio de Janeiro/IFCS/URFJ, 1995. ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. ARANTES, Otília (Org.). Política das artes – Mário Pedrosa. São Paulo: Edusp, 1995. v. 1. ARAÚJO, Hiram. Carnaval: Seis milênios de história. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003. ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. AVELINE, Alfredo. A visão budista da questão cognitiva. Bodisatva: Revista de Pensamento Budista, n. 2. Porto Alegre: Centro de Estudos Budistas, out. 1991, p. 46-57. ______. Racionalidade, cognição, convicção e verdade. Bodisatva: Revista de Pensamento Budista, n. 3. Porto Alegre: Centro de Estudos Budistas, inv. 1991, p. 39-44. ÁVILA, Affonso (Org.). Barroco: Teoria e análise. São Paulo/Belo Horizonte: Perspectiva/Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997. (Coleção Stylus). ______. Circularidade da ilusão e outros textos. São Paulo: Perspectiva, 2004. ______. O lúdico e as projeções do barroco. São Paulo: Perspectiva, 1994. v. I e II. AZULÃO. O que é literatura de cordel. Rio de Janeiro: Editora do Autor [s.d.]. BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ______. A poética do espaço. Trad. Antonio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. Rio de Janeiro: Eldorado [s.d.]. ______. A psicanálise do fogo. Trad. Maria Isabel Braga. Lisboa: Estúdios Cor, 1972. ______. L’intuition de l’instant. Paris: Stock, 1992. ______. O ar e os sonhos. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1990. ______. O direito de sonhar. Trad. José Américo Pessanha et al. São Paulo: Difel, 1986. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi. São Paulo/Brasília: Hucitec/Edunb, 1999. ______. Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Unesp/Hucitec, 1988. BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia. Trad. Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia das

297


Letras, 2001. BAZIN, Germain. Barroco e rococó. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1993. BERZIN, Alexander. Coração e mente: O caminho do budismo tibetano. Taquara: Paramita, 1991. BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. BOTELHO, Adir (Org.). Canudos: Agonia e morte de Antonio Conselheiro – Adir Botelho desenhos a carvão. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2005. BRASIL, Hélio. A segunda adolescência. Rio de Janeiro: Uapê, 2002. ______. O anjo de bronze. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1999. CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de cultos afro-brasileiros. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. CANEVACCI, Massimo. Sincretismos: Uma exploração das hibridações culturais. Trad. Roberta Barni. São Paulo: Nobel, 1996. CARVALHO, Mirian de. A escultura de Valdir Rocha. São Paulo: Escrituras, 2004. ______. Auto do Mambembe. Testemunho IV & verso e prosa. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2003. ______. Metamorfoses na poesia de Péricles Prade. São Paulo: Quaisquer, 2006. ______. O vazado da renda de ferro. Testemunho V. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2007. ______. Os passos da paixão de Antonio Conselheiro e a dobra no desenho a carvão de Adir Botelho. Canudos: Agonia e morte de Antonio Conselheiro – Adir Botelho desenhos a carvão. Org. Adir Botelho. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2005. ______. O transrealismo de João Câmara em Duas Cidades. Jornal da ABCA. São Paulo: ABCA, out. 2003, p. 7. CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 7. ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Itatiaia, 1993. CASSIRER, Ernst. Philosophie des formes symboliques. Trad. Jean Lacoste. Paris: Minuit, 1972. v. II: La Pensée Mythique. COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. COUTINHO, Edilberto (seleção). Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. 4. ed. São Paulo: Global, 2000. DAMATTA, Roberto. A casa & a rua: Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. ______. Carnavais, malandros e heróis: Para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. DASSAS, F. Présentation. In: D’ORS, Eugenio. Du baroque. Paris: Gallimard, 2000. DELEUZE, Gilles. A dobra – Leibniz e o barroco. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Papirus, 2000. DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. Trad. Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. São Paulo: Perspectiva, 2002. D’ORS, Eugenio. Du baroque. Trad. Agathe Rouart-Valéry. Paris: Gallimard, 2000. DUMUR, Guy (Org.) et al. Histoire des spectacles. Paris: Encyclopédie de la Pléiade/Gallimard, 1965. DURAND, Gilbert. Les structures anthropologiques de l’imaginaire. Paris: Bordas, 1969. ECO, Umberto. O nome da rosa. Trad. Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de S.Paulo, 2003. FALCÃO, Joaquim. Patrimônio imaterial: um sistema sustentável de proteção. Disponível em: <www.funceb. org.br/revista2/rc2_patrimonio_imaterial.pdf>.

298


FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. São Paulo: Difel, 1979. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. António Ramos Rosa. Lisboa: Portugália [s.d.]. FRIGOUT, Arlette. La fête populaire. Histoire des spectacles. In: DUMUR, Guy (Org.) et al. Paris: Encyclopédie de la Pléiade/Gallimard, 1965. FROTA, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005. FURTADO, Celso. O capitalismo global. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. ______. O longo amanhecer. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. GLAZER, Nathan. Desagregação da cultura. A cultura importa – Os valores que definem o comportamento humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002. HALL, Edward. Au-delà de la culture. Paris: Seuil, 1979. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 5. ed. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. HARRISON, Lawrence E. Promoção da mudança cultural progressiva. A cultura importa – Os valores que definem o comportamento humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002. HATZFELD, Helmut. Estudos sobre o barroco. Trad. Célia Barretini. São Paulo: Perspectiva, 2002. (Coleção Stylus). HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. Tomo I. 2. ed. Trad. Walter H. Geenen. São Paulo: Mestre Jou, 1972. HEIDEGGER, Martin. Essais et conférences. Trad. André Préau. Paris: Gallimard, 1958. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). A invenção das tradições. 3. ed. Trad. Celina Cardim Cavalcante. São Paulo: Paz e Terra, 1997. HOCKE, Gustav Rene. El mondo como laberinto. Trad. Jose Rey Aneiros. Madrid: Guadarrama, 1961. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. IANNI, Octavio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. ______. Ensaios de sociologia da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993. ______. Revolução e cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. ______. Teorias da globalização. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. JORGE NETO, Nagib. A fantasia da redenção. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2002. JUNG, Carl (Org.). O homem e seus símbolos. 8. ed. Trad. Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira [s.d.]. JUNGE, Peter (Org.). Arte da África. Arte da África. Rio de Janeiro: CCBB, 2004. KLINTOWITZ, Jacob. César Romero – A escritura do Brasil. São Paulo: Edição do Autor, 2001. KOYRÉ, A. Du monde clos à l’univers infini. Paris: Gallimard, 1973. LANDES, David. Quase toda diferença está na cultura. A cultura importa – Os valores que definem o comportamento humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002. LARIÚ, Nivaldo. Dicionário de baianês. 2. ed. Salvador: Editora do Autor, Empresa Gráfica da Bahia, 1992. LAUER, Mirko. Crítica do artesanato. Trad. Heloísa Vilhena de Araújo. São Paulo: Nobel, 1983. LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura brasileira. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Trad. Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires. Rio de Janeiro:

299


Tempo Brasileiro, 1973. LIMA, Jorge. Invenção de Orfeu. São Paulo: Aguilar/Círculo do Livro [s.d.]. LINDSAY, Stace. Promoção da mudança cultural progressista. A cultura importa – Os valores que definem o comportamento humano. Org. Lawrence E. Harrison e Samuel P. Hunting. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2002. LODY, Raul Giovanni. Cadernos do folclore 7: Afoxé. Rio de Janeiro: MEC, 1976. ______. Cadernos do folclore 17: Samba de caboclo. Rio de Janeiro: MEC, 1977. MACHADO, J. G. (Org.). Memória do carnaval. Rio de Janeiro: Riotur/Oficina do Livro, 1991. MELETÍNSKI, E. M. Os arquétipos literários. Trad. Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Ateliê, 1998. MATOS, Gregório de. Antologia. Porto Alegre: L&PM, 1999. MATTOS, Cyro de. Cancioneiro do cacau. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. MEIRELES, Cecília. Epigrama. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983. MELO, José Ataíde de. Olinda, carnaval do povo. Olinda: FCPSHO, 1982. MELO NETO, João Cabral de. A escola das facas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. MELLO, William Agel de. Obras completas. Brasília: Ars, 2002. v. I – Ficção. MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides. 3. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. MORAIS FILHO, Melo. A mulata. A poesia baiana do século XX – Antologia. Org. Assis Brasil. Rio de Janeiro: Imago, 1999. ______. Festas e tradições populares do Brasil. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Itatiaia, 1999. MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1987. PEDROSA, Israel. O universo da cor. Rio de Janeiro: Senac, 2003. PEDROSA, Mário. Paulistas e cariocas. Projeto construtivo brasileiro na arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977. ______. Poeta & pintor concretista. Projeto construtivo brasileiro na arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977. PENA FILHO, Carlos. Soneto das definições. Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. 4. ed. Seleção Edilberto Coutinho. São Paulo: Global, 2000. PERLONGHER, Nestor (Org.). Caribe transplatino – Poesia cubana e rioplatense. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Iluminuras, 1991. PESSANHA, José Américo Mota. Bachelard: As asas da imaginação. O direito de sonhar. Trad. José Américo Mota Pessanha et al. São Paulo: Difel, 1986. PIGNATARI, Décio. Forma, função e projeto. Projeto construtivo brasileiro na arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977. PIMENTA, Aluísio. Fome, cultura e broa de milho. Disponível em: <www.presidencia.gov.br/mesa/nt/a_15. htm>. Acesso em: dez. 2010. PROENÇA, Ivan Cavalcanti. A ideologia do cordel. 3. ed. Rio de Janeiro: Plurarte, 1982. ______. Das escolas de samba. Memória do carnaval. Org. Machado J. G. Rio de Janeiro: Riotur/Oficina do Livro, 1991. ______. Material artesanal do cordel. Mostra de cultura popular – Compilação. Rio de Janeiro: Sesc [s.d.]. PROENÇA, Manuel Cavalcanti. Manuscrito holandês. Rio de Janeiro: Antunes, 1959.

300


RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1983. RISÉRIO, Antonio. Carnaval Ijexá. Salvador: Corrupio, 1981. ROMERO, César. Feira de Santana. Galeria de Arte Carlo Barbosa, 2002. ______. Jamais vou deixar de ser pintor (entrevista). Dendê, n. 13. Salvador: Caixa Econômica Federal, ano V, 2002. ______. Mostra Artistas contemporâneos da Bahia. MAC/SP, 1983. ______. Mostra Bramante. Rio de Janeiro: Centro Cultural Correios e Patrícia Costa Galeria de Arte; Lisboa: Galeria Escudero, 2006. ______. Mostra Cromutações – Pinturas. Rio de Janeiro: Centro Cultural Correios, 2001. ______. Mostra Enigmas e permutações (da série Faixas emblemáticas). Rio de Janeiro: Galeria Bonino [s.d.]. ______. Mostra Faixas emblemáticas. Rio de Janeiro: Galeria Bonino, 1989. ______. Mostra Sinais do povo. Salvador, 1983. ROMERO, César; CARVALHO, Mirian de. Entrevista. Arquivos da Autora, 2002. ROSA, João Guimarães. Grande sertão: Veredas. São Paulo: Aguilar/Círculo do Livro [s.d.]. ______. Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o movimento armorial. Campinas: Unicamp, 1999. SCISÍNIO, Alaôr Eduardo. Dicionário da escravidão. Rio de Janeiro: Léo Christiano, 1997. SEVCENKO, Nicolau. Entre a ordem e o caos. Brasil barroco: Entre céu e terra. Estudos Ana Maria de Moraes Beluzzo, Nicolau Sevcenko et al. Dir. edit. Elisabeth de Balanda e Armando Uribe Echeverria. Paris: União Latina, 1999. SODRÉ, Nelson Werneck. A farsa do neoliberalismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Graphia, 1998. ______. Síntese da história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. SUASSUNA, Ariano. Iniciação à estética. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. THÉRRIEN, Vincent. La revolution de Gaston Bachelard en critique litteraire. Paris: Klincksieck, 1970. TIRAPELI, Percival (Org.). Barroco memória viva: Arte sacra colonial. São Paulo: Unesp/Imprensa Oficial, 2001. TORRES-GARCIA, Joaquim. Querer construir. Projeto construtivo brasileiro na arte. Org. Ana Maria M. Belluzo e Aracy Amaral. São Paulo: Funarte/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977. VATTIMO, Gianni. Les aventures de la différance. Trad. Pascal Gabellone, Ricardo Pineri e Jacques Rolland. Paris: Minuit, 1985. WÖLFFLIN, Heinrich. Princípios fundamentais de história da arte. Trad. João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ______. Renascença e barroco. Trad. Mary Amazonas Leite de Barros e Antonio Steffen. São Paulo: Perspectivas, 2000. (Coleção Stylus).

301


Mirian de Carvalho e César Romero, Premiação da ABCA, 2002

302


SOBRE A AUTORA Mirian de Carvalho nasceu no Rio de Janeiro. Graduou-se em Filosofia e em Educação Artística. Defendeu Tese de Doutorado em Filosofia, lecionou Estética nos Programas de Graduação e de PósGraduação da UFRJ. Nos dias atuais, dedica-se à poesia, à crônica e desenvolve estudos sobre cultura brasileira. Mirian é autora dos seguintes livros de poesias: Cantos do Visitante (Edição da Autora), 1999; Teia dos Labirintos (Ed. Escrituras), 2004; O Camaleão no Jardim (Ed. Quaisquer), 2005; Travessias (Letras Contemporâneas), 2006; Violinos de Barro (Ed. Escrituras), 2009, que foi classificado em 1º lugar / Prêmio Adalgisa Nery, no Concurso Literário Nacional e Internacional da UBE-RJ, em 2010. Em 2011, publicou os livros Nada mais que isto (Ed. Scortecci) e 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (Ed. Galo Branco), e em 2012, os livros Roteiro de Mitavaí (Ed. Oficina do Livro) e A costura na arte de Alê Prade (Ed. Letras Contemporâneas). Nos anos seguintes, publicou ainda os livros: Vazadouro (Ed. Escrituras), 2013; A carnavalização na arte poética de Oleg Almeida (Edição virtual ISSUU, Calaméo e Youblisher), 2014, agraciado com o Prêmio Vianna Moog (primeiro lugar na categoria de livro), no Concurso Literário Internacional da UBE-RJ / 2012, e Wega Nery - Paisagens Íntimas (Ed. Pantemporâneo), 2015. Como ensaísta, Mirian publicou inúmeros trabalhos em edições especializadas, sendo também autora de posfácios, prefácios, capítulos de livros e textos para catálogos de exposições. Em 2004, veio a público A Escultura de Valdir Rocha (Ed. Escrituras) e, em 2006, Metamorfoses na Poesia de Péricles Prade (Ed. Quaisquer). É membro das Associações Brasileira e Internacional de Críticos Arte; da UBE / RJ e SP e do PEN Club. Dentre os prêmios literários na área do ensaio, incluem-se o Vianna Moog (pela Brasilidade na Pintura de César Romero) e o Geraldo de Menezes, conferidos à autora pela UBE / RJ em 2007. Vive e trabalha no Rio de Janeiro. SOBRE O ARTISTA CÉSAR ROMERO nasceu em Feira de Santana, Bahia, no ano de 1950. Autodidata, iniciou-se em artes plásticas em 1967. No Brasil, participou de mais de 500 coletivas e 47 individuais. No exterior, teve 50 coletivas e 10 individuais. Fez parte dos principais Salões Oficiais realizados no Brasil. Obteve 44 prêmios de pintura, 5 de fotografia e 4 Salas Especiais. Possui trabalhos em 48 museus brasileiros. Há inúmeras referências nacionais e internacionais sobre seus trabalhos em livros, dicionários, revistas e jornais. Sua fortuna crítica consta de 123 textos de especialistas em arte brasileiros, e 12 estrangeiros. Crítico de arte filiado à ABCA e à AICA, recebeu por duas vezes da ABCA o Prêmio Mario Pedrosa (artista de linguagem contemporânea) em 2001 e 2007. Também da ABCA, por duas vezes, Prêmio Gonzaga Duque (crítico filiado por atuação no ano), em 2004 e 2010. Em 2015, recebeu da ABCA o Prêmio Destaque Especial por seus 40 anos escrevendo na imprensa baiana, sobre arte e artistas, um recorde nacional. Em 2016, recebeu a Medalha Thomé de Souza, máxima honraria da Câmara Municipal de Salvador. Tem formação científica em medicina psiquiátrica. Vive e trabalha em Salvador, Bahia.

303


Editora Expoart.com.br (71) 99972 7474 Autora Mirian de Carvalho Projeto Gráfico Jonathas Medeiros Versão Inglês Thomas Smith Revisão Da autora

FOTOGRAFIA Trabalhos de César Romero Beto Oliveira César Romero Denis Santos Fagner Gordiano Jonathas Medeiros Paulo Sousa Usival Rodrigues Vivian Lene Temáticas Antonio Oliveira (Espírito das Américas, pg. 163 e 218/219) Agência A Tarde, pg. 43 e 150/151 Célia Aguiar, pg. 148 e 189 Daniele Klintowitz pg. 168 e 169 Mecenas Salles, pg. 75 Raul Spinassé, pg. 146 Xando P. pg. 17 e 77 Feira de Santana antiga, feiras livres e artesanato popular Acervo do artista César Romero Seleção de imagens César Romero Evandro Sybine Leonardo Bokor Agradecimentos Erika Maciel Frutosdias Leopoldo Bokor Mirian de Carvalho Nancy de Carvalho

Acesse o livro online: cesarromero.art.br

Este livro foi editado pela Expoart com o patrocínio da Frutosdias utilizando os benefícios do Programa Estadual de Incentivo à Cultura - Fazcultura - Governo do Estado da Bahia, Lei nº 7015/96. Salvador - Bahia - 2016 PROIBIDA A REPRODUÇÃO DO TODO OU PARTE DESTE LIVRO SEM A EXPRESSA AUTORIZAÇÃO DA AUTORA E EDITORA.





PAT R O C Í N I O


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.