Eduardo Trevisan: memória, vida e arte

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Eduardo Trevisan Memรณria, Vida e Arte

FLAMARION TREVISAN

Prรณ-Reitoria de Extensรฃo


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Expediente Universidade Federal de Santa Maria Reitor

Paulo Afonso Burmann Vice-Reitor

Luciano Schuch Pró-Reitor de Extensão

Flavi Ferreira Lisbôa Filho Pró-Reitor de Extensão Substituto Rudiney Soares Pereira Cultura e Arte

Vera Lucia Portinho Vianna Desenvolvimento Regional e Cidadania Jaciele Carine Sell


Revisão Textual

Érica Duarte Medeiros Planejamento Gráfico Paulo Moraes

Projeto Gráfico/Diagramação e Capa Vitor Bitencourt

Editora da Pró-Reitoria de Extensão (PRE-UFSM)

T814T Trevisan, Flamarion Eduardo Trevisan : memória, vida e arte / Flamarion Trevisan. – Santa Maria, RS : UFSM, Ed. da PRE, 2020. 204 p. : il. ; 21 cm ISBN 978-85-67104-50-8 1. Biografia – Trevisan, Eduardo 2. Trevisan, Eduardo – Biografia 3. Trevisan, Eduardo – Vida e arte 4. Memórias I. Universidade Federal de Santa Maria. Pró-Reitoria de Extensão II. Título. CDU 929TREVISAN Ficha catalográfica elaborada por Alenir Goularte - CRB-10/990 Biblioteca Central - UFSM


Sumário APRESENTAÇÃO 10 PREFÁCIO

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O DESPERTAR

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A FORMAÇÃO – O artista

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MOMENTUM

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O PROFESSOR – A fotografia

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ZARY – A guerreira

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BASILISCOS 46 DÉCADA DE 1960 I – Centenário de Santa Maria

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DÉCADA DE 1960 II – Outras produções relevantes

64

DÉCADA DE 1960 III – A cabana em Camobi

71

DÉCADA DE 1960 IV – O Retrato

73

DÉCADA DE 1970 I – Eduardo e Flamarion Trevisan

85

MURAL DO PLANETÁRIO DA UFSM – “A Conquista do Espaço”

93

MURAL DA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFSM – “A História do Livro”

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102


MURAL DO CENTRO DE TECNOLOGIA DA UFSM “A Evolução da Tecnologia”

113

MURAL DA REITORIA DA UFSM – “A Lenda de Imembuí”

120

DÉCADA DE 1970 II – O resto... É silêncio!

140

MURAL DA CAPELA DO HOSPITAL DA BRIGADA MILITAR DE SANTA MARIA – “Martírio do amor”

143

DE ESCOLINHA DE ARTES DO MUNICÍPIO À ESCOLA MUNICIPAL DE ARTES EDUARDO TREVISAN

151

RAPACES DA ESPIRAL VIRTUOSA

155

“PESCA MILAGROSA” – Sacríficio

164

CHUVIA BARBARIDADE

169

EDUARDO TREVISAN – Exposição póstuma do artista na UFSM

173

FLAMARION TREVISAN

189

EXPOSIÇÃO NO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO EDUARDO E FLAMARION TREVISAN

194

RESTAURO DO MURAL – “A Lenda de Imembuí”

198

POSFÁCIO

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APRESENTAÇÃO Flamarion Trevisan viaja no tempo e encontra seus bisavós italianos — ativistas polí-

ticos, anarquistas, já então perseguidos na Itália e, depois, perseguidos no Brasil. Neste ambiente político e cultural, nasceu Eduardo Trevisan, pai do autor destas memórias — mestre, amigo e conselheiro de Flamarion. Este livro é, portanto, uma viagem através das imagens

criadas por dois artistas, mas, especialmente, uma suficiente biografia do artista Eduardo Trevisan, que, em 2020, completa o centenário de seu nascimento.

O material do qual um artista é construído ou constituído é a vida — esta, muitas vezes,

é dolorosa. Em um relato sucinto, onde não economiza detalhes, Flamarion vai alinhavando os

principais episódios da vida de Eduardo Trevisan, que, em muitas passagens, também é sua. O autor sempre destaca o pendor artístico do pai, que estudou na cidade de Porto Alegre, onde

travou contato com artistas importantes, como Edgar Koetz, João Fahryon, Nelson Boeira

Faedrich e Gastão Hoffestetter. De volta à Santa Maria, já casado, inicia-se como profissional da fotografia, época em que convive intensamente com a elite cultural da cidade e, porque não dizer, do país — como Maria de La Costa e Procópio Ferreira, entre muitos outros. Mais tarde, a fotografia seria substituída, definitivamente, pela Arte, assumindo a pintura como vocação.

Vemos, em 1958, por ocasião do Centenário de Santa Maria, Eduardo Trevisan traba-

lhando um tema que o consagraria definitivamente: a Lenda de Imembuí, saída de um conto de Cezimbra Jacques, publicado em 1912. Esse tema foi, mais tarde, consagrado ao interior

do segundo andar do prédio da Administração Central do Campus da Universidade Federal de Santa Maria, o “Salão Imembuí” da Reitoria, ganhando a mesma dimensão internacional adquirida pela Instituição, como a primeira universidade criada em uma cidade do interior

no Brasil. Eduardo Trevisan consagrou-se como o muralista da UFSM, tendo deixado sua arte aberta ao público como um museu disposto em vários locais: Biblioteca Central, Reitoria, Centro de Tecnologia, Planetário, entre outros.

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Ao trazer, aos olhos do público, a narrativa da Lenda de Imembuí através de belíssimas

imagens, fruto de seu impecável estilo artístico, Eduardo Trevisan fez, por Santa Maria, o que fez o poeta Homero pela Grécia, que, ao escrever a Ilíada e a Odisseia, criou um mito funda-

dor de toda a cultura de uma civilização; ou o poeta Virgílio, ao escrever a Eneida, em que

conta a epopeia de Enéas, ator principal do mito fundador de Roma e do Império Romano.

Com Imembuí, através das mãos do artista Eduardo Trevisan, Santa Maria também teve, em

imagens, o seu mito fundador. Ao par disso, por um esforço de Flamarion e de outros artistas

contemporâneos seus na universidade, foi criada a Escola de Artes do Município, atualmente a única gratuita do Brasil, tendo como patrono o artista maior de Santa Maria: “Escola Municipal De Artes Eduardo Trevisan”, a EMAET — esta é uma das razões pelas quais os santa-marienses devem valorizar a joia que a comunidade possui.

A obra que Flamarion nos entrega é, acima de tudo, um pedaço da própria história de

Santa Maria, contada através da vida de dois grandes artistas. Em muitas passagens, todos po-

derão constatar o alto grau de perícia e de conhecimento da Arte que o autor desta “Memória, Vida e Arte” detém. Flamarion Trevisan é um artista plástico, como seu pai cuja obra está perpetuada, mas o filho está aqui e seus trabalhos são voltados aos temas humanos mais pungen-

tes; Flamarion, assim como Eduardo Trevisan e todos os artistas de grande estatura, pintam as coisas de sua gente. E foi essa direção, essa linha de trabalho artístico, que, em 2018, levou o autor dessas memórias a participar de uma exposição em O Caroussel du Louvre, em Paris.

Santa Maria, 11 de novembro de 2019.

Jornalista Paulo Moraes

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PREFÁCIO Conheci a obra do artista Eduardo Trevisan quando adolescente, ao participar do Fes-

tival Estudantil de Artes Eduardo Trevisan, no início dos anos 1990, em Santa Maria, cidade onde resido e atuo como professor no Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal de Santa Maria. Naquela época, o campo das Artes Visuais, como futuro profissional, era ape-

nas um desejo juvenil – que, mais tarde, passou a habitar meu imaginário, principalmente ao

ingressar, como aluno regular, no Instituto Municipal de Artes Eduardo Trevisan, em 1993. Assim, o nome “Eduardo Trevisan” exercia, desde cedo, um forte apelo emocional, o que fez

com que eu passasse a admirar as obras do artista que dava o nome ao Instituto. Observava reproduções de suas obras e, mais tarde, alguns de seus desenhos no Museu do Mallet – local em que o artista dedicou uma significativa produção acerca do tema regional, representando elementos da tradição gaúcha, tais como rodeios e ginetes.

Com bastante orgulho (e nostalgia), recordo da premiação do concurso em que par-

ticipei como estudante de Educação Básica. Várias escolas, públicas e privadas, um grande

número de estudantes dos diversos níveis da Educação Básica, em uma semana intensa de produção artística e muito compartilhamento. As escolas eram convidadas a participar

com uma equipe estudantil para cada nível de escolarização. Nossas produções, que eram realizadas em grupos, sob o olhar de uma comissão (que acompanhava o processo de ela-

boração artística), eram avaliadas e premiadas com kits de desenho, troféus e certificados. Promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, o evento cumpria muitos papéis: incen-

tivo à produção artística local, estímulo à comunidade educativa para a produção tanto crítica quanto criativa e, sobretudo, visibilidade à obra do artista.

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Assim, a obra de Eduardo Trevisan conecta-se à minha trajetória profissional como

“fonte de inspiração” — um jovem santa-mariense que, assim como o artista, interessou-se desde a infância em explorar, por meio da Arte, distintas formas de representação simbólica.

Tomado por este sentimento, recebi o convite para leitura e apresentação deste livro

como um presente, no qual vislumbrei a possibilidade de retomar algumas lembranças que permaneciam guardadas, há tempos, sem nenhuma movimentação. A leitura, além de me for-

necer dados e elementos não só visuais, mas também textuais referentes à trajetória artística de Eduardo Trevisan, possibilitou-me acessar a história da cidade, dos grupos sociais, das per-

sonalidades públicas que emprestam nomes a ruas e avenidas, entre outros inúmeros acessos que a Arte nos permite.

As imagens narram acontecimentos da vida do artista, apresentam parte de sua traje-

tória na produção de desenhos, pinturas e murais, ao mesmo tempo em que nos conta sobre a história de Santa Maria, seus costumes, sua geografia, sua paisagem.

O mural dedicado à Imembuí, localizado no Prédio da Reitoria, representa, a meu

ver, um dos maiores legados. São 14,6 x 2,8 metros de pintura que nos brindam à façanha do

artista. As figuras humanas nos dão a conhecer seu jeito peculiar de abordar a representação, fazendo referência ao povo nativo, às características indígenas e negras, à cultura gaúcha — envolvendo costumes e tradições.

O material que temos acesso é, sem dúvidas, um potente material de pesquisa não ape-

nas para quem trabalha com o campo das artes e da cultura, mas também para a memória da

cidade, atravessando épocas, apresentando as dinâmicas sociais que nos envolvem e formam nosso legado.

Parabenizo Flamarion Trevisan, autor da obra, que se dedica a manter viva a obra

do pai, ressaltando sua importância para a história da cidade, bem como para o campo das Artes Visuais. Além disso, chama a atenção ao cuidado com o patrimônio cultural, que deve

ser valorizado por todos e todas, sobretudo pelos sujeitos que ocupam cargos de gestão do patrimônio público. A sensibilização e a conscientização para a preservação devem fomentar políticas públicas que envolvam as comunidades e os agentes que se relacionam com os bens portadores da memória coletiva e da identidade cultural local dos diversos grupos sociais.

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Em forma de relato, o autor pede passagem: entre imagens de obras e fotografias,

conta-nos histórias em meio a fragmentos de vida; experiências peculiares, que seleciona para conectar vida e arte; representações e devaneios; e trajetória paterna.

Do contexto familiar, traz à tona suas visões de mundo conectadas a fatos e aconteci-

mentos que envolvem o desenvolvimento cultural da cidade, seja pelas ferrovias, seja pelos bares, seja pelos encontros entre artistas e intelectuais de cada época. A partir de uma pers-

pectiva íntima, retoma o legado artístico ao compilar, cronologicamente, temas e técnicas, abordagens e interesses que constituem a trajetória pictórica de Trevisan.

Por fim, parabenizo a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Santa Ma-

ria, que, junto à Editora, acolheu e incentivou o projeto para sua publicação, destacando, por

meio deste material, seu compromisso social e seu engajamento com a comunidade. No atual contexto, este livro insere-se no âmbito da educação patrimonial, podendo se constituir um

potente instrumento de formação cultural, uma vez que possibilita, aos sujeitos, estimulo à

compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inseri-

do. Da mesma forma, por meio da obra de Eduardo Trevisan, há uma valorização da cultura local, compreendida como múltipla e plural, bem como uma proteção e uma valorização desses bens culturais.

Santa Maria, 14 de dezembro de 2019.

Lutiere Dalla Valle

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Eduardo Trevisan – Autor: Flamarion Trevisan – Carvão/papel – 50c X 70cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Flamarion Trevisan – Autor: Eduardo Trevisan – Carvão/papel – 40cm X 50cm

Este retrato, de 1981, foi o último, com modelo vivo, feito por Eduardo Trevisan. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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O DESPERTAR Eduardo Trevisan nasceu em 1º de Fevereiro de 1920, “Numa Quinta em Camobi”, como

cantou o poeta Prado Veppo, mas se criou na casa da família na Rua do Acampamento, na

época nº 62 – Santa Maria – RS – Brasil. Foi uma criança extremamente saudável e de grande resistência, tanto que, naquelas terríveis epidemias, como a de tifo, ele ajudava a cuidar dos doentes.

Além de seus três irmãos e uma irmã, também moravam, em sua casa, meu avô, vários

primos e outras crianças vindas da Quarta Colônia, que foram abrigadas por seus pais Ansel-

mo e Zilda. Ele contava sobre a farra que era aquela turma toda numa casa em um terreno com espaço de uma quadra, entre as Ruas José Bonifácio e Pinheiro Machado, até a atual pracinha de brinquedos, local situado defronte ao Hospital de Caridade: Praça Roque González.

A foto mais antiga de Santa Maria, foi tirada do que é hoje o cruzamento da Rua do Acampamento com a José Bonifácio, em direção ao centro da cidade ao fundo. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Na Rua do Acampamento, entre as Ruas José Bonifácio e Pinheiro Machado, descendo

para a direita, na Rua Pinheiro Machado, chega-se ao Riacho Itaimbé, local de nascimento de Imembuí. Na Rua do Acampamento, acamparam os bandeirantes, o que deu origem ao nome da rua. Na foto, as casas da família são as primeiras à esquerda!

Porém, salvas as brincadeiras, sua infância não foi nada fácil, ao ponto de ele se quei-

xar em sofrido lamento. Sua mãe, Dona Zilda Niederauer Dockorn Trevisan, descendente de

alemães, era um refúgio. A vida constrói a Arte e a Arte reconforma a vida, o que, obviamen-

te, reflete-se na estrutura emocional, influindo de forma decisiva na elaboração e constituindo o universo sensível do artista.

Foi um bom menino, amigo leal, de inteligência incomum, grande sensibilidade e aguda

capacidade de observação. Já em tenra idade, esboçava seu talento. Rabiscava o que lhe chamasse a atenção: insetos, animais, pássaros, plantas e, claro, pessoas. Estes primeiros “rabis-

cos” foram sendo aperfeiçoados ao ponto de “despertar” seu talento e sua vontade de seguir por este caminho, mesmo desenhando escondido ou à noite, com luz de tocos de velas que

sobravam. Porém, com o tempo, antes mesmo da adolescência, já havia atingido um nível que

não deixava dúvidas, com seu talento inquestionavelmente evidente, chamando a atenção das pessoas. Até que, entre outros, fez o retrato do seu próprio pai, deixando-o surpreso diante da qualidade do desenho e do afeto.

Eduardo Trevisan começou a ser reconhecido ao ponto de o convidarem para uma ex-

posição dos seus retratos à crayon, em preto ou vermelho, em um festival agrícola na cidade

de Cruz Alta. Lá, mostrou 15 retratos de personalidades conhecidas, o que causou um grande impacto e foi um marco decisivo na sua “vocação”. Tinha 15 anos. Esta foi a sua única exposição em vida!

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“Cervo” – Eduardo Trevisan – Grafite/papel – 20cm X 30cm – Setembro de 1931. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Animais” – Eduardo Trevisan – Grafite/papel – 20cm X 30cm – Setembro de 1931. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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O tempo foi passando e seu trabalho, cada vez mais, foi sendo aprimorado. Até que seu

“padrinho”, o padre e Bispo Dom Antônio Reis, apelou ao pai do artista e o convenceu a permitir que ele fosse estudar em Porto Alegre (RS), tendo seus estudos custeados por aquele senhor. E lá foi ele, no trem que ele adorava com a mais profunda paixão. Finalmente, seria um

ARTISTA. Tinha 16 anos!

Eduardo Trevisan – Adolescente – Desenhando. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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A FORMAÇÃO O artista Porto Alegre, 1936. O mundo e a vida abriram um grande sorriso para ele! Ao descer do

trem, com o rosto sujo pela fumaça da chaminé da adorada Maria Fumaça, tudo era possível.

Eduardo Trevisan – Adolescente recém chegado a Porto Alegre, vindo de Santa Maria (RS) – 1936. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Após os primeiros instantes, vai com sua pequena maleta, a pé — o que já estava acos-

tumado, pois fez incontáveis vezes Santa Maria/Camobi, pelos trilhos do trem, entre a casa

na Rua do Acampamento e a chácara do seu pai — pelas ruas da metrópole. Ia perguntando às pessoas pelo caminho, até chegar à casa de sua madrinha e tia, Dona Mariquinha, onde foi recebido com carinho.

Foi completar sua educação no Colégio Anchieta. Levantava-se de madrugada, arru-

mava a cama, fazia o fogo, arrumava a mesa do café da manhã da modesta pensão e passava sua roupa enquanto esquentava a água. Terminou o Complementar no Anchieta e se matri-

culou na Escola de Belas Artes de Porto Alegre! Lá, foi contemporâneo de Edgar Koetz, João Fahryon, Nelson Boeira Faedrich e Gastão Hoffestetter.

Com amigos/colegas artistas, na Rua da Praia, Porto Alegre: Edgar Koetz (esquerda) e João Fahryon (centro). Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Trabalhou como ilustrador e desenhista na Gráfica e Editora Globo — uma das maiores

e mais importantes do país. Entre seus muitos trabalhos, consta a ilustração da Grande Enci-

clopédia Globo, uma edição extraordinária na ocasião, além de capas de livros e cartazes. Lá, conviveu com grandes escritores e artistas, como Érico Veríssimo e Mário Quintana.

Para prestar o serviço militar, alistou-se no extinto “Tiro de Guerra”, onde fez amigos

para toda a vida, sob o número 318.

Eduardo Trevisan no “Tiro de Guerra”. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Naqueles tempos, o currículo na Escola de Belas Artes era organizado em cadeiras,

das quais ele concluiu as fundamentais. Dentre elas, destacou-se e formou-se, com “louvor”, na Cadeira de Desenho. Na época, seu pai, Anselmo Creatzo Trevisan, e seu tio, Vi-

cente Creatzo Trevisan, tinham, em Santa Maria, um armazém no “Alto da Eira”, hoje Rua Benjamin Constant, com filial em Santana do Livramento.

Eduardo, entre muitas idas e vindas entre Santa Maria e Santana, conheceu Vicenta

Zary Nunes, filha de Rosa e Manoel Nunes, que, além de ser a mais nova de 18 irmãos de sangue, tinha mais 9 “irmãos de criação”, recém formada em Comércio e já trabalhando

em uma indústria. Foi amor à primeira vista. Ela disse que esperaria toda a vida por ele.

Mas Eduardo não aguentou esperar, queria casar logo! Confessou esta irresistível vontade ao seu amigo e professor, Fahryon, que, diante daquela intensidade amorosa — eram foto-

grafias, cartas e desenhos — disse-lhe: “olha, Trevisan, larga tudo, porque não tenho mais o que te ensinar, já estás pronto. Volta pra o ‘teu querido interior’ e casa de uma vez!”.

Àquela época não havia as exigências acadêmicas de hoje. Então, ele não teve mais dú-

vidas: trataram de casar logo! Casaram-se em 17/01/1942, ele com 22 anos, ela com 24 anos! Foram morar na Rua do Acampamento. Era o que dizia: “queria viver na sua cidade e pintar a sua gente!”. Nunca mais saiu de Santa Maria e do “seu chão”, que ele amava tanto!

Logo ao retornar a Santa Maria, começou a lecionar Desenho no Olavo Bilac, onde ha-

via estudado por algum tempo quando rapaz; também ministrava aulas na Escola de Artes e Ofícios da Viação Férrea — época em que um professor era, então, muito valorizado e bem remunerado, a ponto de conseguir manter a sua família.

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Eduardo desenhando Zary (Ziripa). Fonte: Arquivo pessoal do autor

Voltando do correio – Homem/artista integrado ao “seu tempo”! Fonte: Arquivo pessoal do autor

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MOMENTUM O final da década de 1950 e o início dos anos 60 contêm o “momentum” diamantino!

A memória eternizada. Contudo a possibilidade da “felicidade” terminou no instante da descoberta do câncer de minha mãe. Minha família nunca mais seria a mesma. Embora houvesse o “milagre” de ela se curar, as sequelas seriam definitivas! O ambiente espiritualizado e a fé, sem dúvida, foram decisivos!

Como era boa a etérea atmosfera, leve e perfumada, do Centro Espírita “Amor e Cari-

dade”: o “chalé” para onde o Major Scherer conduziu o pai, que lá “trabalhou” por 20 anos, e a doçura das pessoas que conviviam. Do “passe” que fazia a gente “levitar”! Neste universo, os desenhos do pai materializavam-se.

“À Hora do Passe” – “O Chalé” – Centro Espírita “Amor e Caridade”, Eduardo Trevisan – Rua Tuiuti – Santa Maria (RS) Técnica: lápis de cor / papel – 20cm X 30cm. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Passagem Entre Mundos” – Eduardo Trevisan – Lápis de cor/papel – 25cm X 30cm – 1955. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Na sua arte, o que era uma nebulosa possibilidade afirma-se definitivamente. A repre-

sentação da dualidade no claro-escuro na dramaticidade do alto contraste na reafirmação da expressão no traço fortemente valorizado e seguro; no realismo não fotográfico (que não

reconhece o que vulgarmente é entendido como “erro”, mas fantástico) na acentuação do real (oculto na transitoriedade do que é o “normal”). A cor a serviço do conteúdo – “quando

a cor está certa, o desenho está certo”. A prática na observância dos princípios fundamentais –

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forma, cor, conteúdo! Extrema disciplina, porém mente aberta, livre e receptiva.


O PROFESSOR A fotografia Na Escola de Artes e Ofícios, Eduardo Trevisan teve um forte e intenso convívio com os

ferroviários — uma categoria extremamente unida e politizada. Tal relacionamento se consolidou por simpatia e empatia com suas causas: “motivou-me, ao conviver com seus problemas e com a luta por seus direitos, despertando, em mim e na minha arte, uma linha de trabalho mais voltada à temática social!” (Eduardo Trevisan).

Conheceu e tornou-se amigo leal de Luiz Carlos Prestes, um “herói brasileiro que foi, e sem-

pre será, um baluarte referencial e extraordinário dos princípios e das lutas humanistas!”. Fez, na

época, um enorme retrato do “Cavaleiro da Esperança”. Por isto, foi rotulado como comunista, mas que, essencialmente, acreditava em Deus e dizia ter em Jesus seu Mestre definitivo!

“Escola de Artes e Ofícios” – Fundada em 1922. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Seu pai trouxe as convicções libertárias dos anarquistas e suas ideias de direitos huma-

nos. Em uma greve, seu pai, que se solidarizava com os ferroviários, ficou firme em frente a

um trem para impedi-lo de se movimentar, mantendo-o na estação! No painel “O Ferroviá-

rio”, pintou um “guarda-trilho” em pé, com uma lanterna de sinalização na mão, em atitude combativa, inspirado neste fato. Neste trabalho, também executou um retrato enorme de João Belém, Manoel Ribas e de outros personagens históricos.

Painel “O Ferroviário” – Eduardo Trevisan Óleo/madeira – 350cm×200cm, pintado para Viação Férrea – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Estes fatos deram início às perseguições políticas que, a partir daí, causaram grandes

problemas a toda a família. Época em que sua atividade como professor se tornou insusten-

tável em razão das perseguições sistemáticas a que se tornou alvo. Demitiu-se e, resoluto, procurou uma atividade como profissional liberal.

Sua casa, na qual as Camélias centenárias ofereciam abrigo, era um ponto de encontro

“obrigatório” para os intelectuais da cidade, como prof. Pogetti; Chico Ribeiro; Vicentão, “O

Sábio”; Prado Veppo; Wladimir Cunha; Paixão Cortes; Bicca Larré; Major Scherer; Hugo Do-

ckornne; Elvio e Nelson Jobim; Seu Cavalheiro; Luiz Prates Carrión; Edmundo Cardoso; Laci Osório; Pedro Freire Jr; Dr. Meireles; Ruth Larré; Moacyr Santana; Adelmo Genro; Carlos Ma-

ria Bohermann; tio Amaral; meu avô e meu padrinho, Seu Anselmo; tio Enio; Cantídio; Galo Rouco; Magro Falado; o Pí... e, até onde deixavam, eu!

Também a geração mais nova, como a do meu irmão Tasso: Tarso Genro e Sandra;

João Nascimento e Iara; Dartanhan; Brahum (certamente deixei de citar muitos, mas por esquecimento, não por menor significação) e a dos que visitavam ou passavam pela “Cidade

Ferroviária”, como Pascoal Carlos Magno; Maria Della Costa com Sandro; Procópio Ferreira e

Bibi; Luiz Carlos Prestes; Jorge Amado; Paulo Autran; Lupicínio Rodrigues; Piolin; Túlio Piva (também, sem dúvida, esqueci muita gente, mas pelos mesmos motivos), bem como outros

personagens “típicos”, que lá sempre tiveram suas dignidades respeitadas e um café bem

quente nas frias noites de inverno — enfim, gentes de todos os credos que eu, aqui, apenas pude dar uma ideia.

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“Palhaço Piolin” – Década de 1950. Fonte: Eduardo Trevisan

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Maria Della Costa – Déacada de 1950. Fonte: Eduardo Trevisan

Procópio Ferreira – Déacada de 1950. Fonte: Eduardo Trevisan

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Eduardo Trevisan e Prof. Garibaldi Poggetti, juntos, criaram, em 1944, o “Instituto Mu-

nicipal de Belas Artes”. “Lecionei, por 16 anos, desenho e pintura. Preparei muitos alunos que, hoje, são professores da Universidade. Ajudei muito esta rapaziada que agora são artistas, são valores!” (Eduardo Trevisan).

Muitos destes, à tardinha, iam bater papo no Studio também! Época em que o pai fez

muitas ilustrações para poemas, como os do Seu Wladimir Cunha, que, depois, publicava no jornal “A Razão”. Criaram uma série enorme destes trabalhos, enquanto “fermentavam” a criação do “Movimento Tradicionalista Gaúcho”.

Esta foi uma fase muito profícua de retratos a pastel: do Wladimir Cunha; do Paixão Cor-

tez; do Leiria; do Edmundo Cardoso; do Nenê; vários da mãe; fez autorretratos, dentre outros.

Do Studio, que a mãe abria pela manhã, atendia as pessoas e também trabalhava no “quarto escuro”. O Studio ficava na rua Venâncio Aires, na quadra defronte à Praça Saldanha Marinho, onde, nas quintas-feiras, tinha retreta da Banda da Brigada (a furiosa) no Coreto.

A FOTOGRAFIA

Em virtude das adversidades políticas, o que fazer? Como artista, ainda não tinha como

manter sua família... Então, decide-se por uma atividade, insipiente em Santa Maria e que ele

gostava muito, mas que, para tornar-se um profissional, o que sabia não era suficiente. Autodi-

data, mas, com o apoio incondicional e a absoluta confiança de Zary, começa a se aprofundar na fotografia! Estuda muito o assunto, mas não tinha um local estruturado para a prática, en-

tão precisou improvisar: como “quarto escuro” indispensável, utilizou, como alternativa para a revelação dos negativos e das fotos, o “guarda-roupas”.

Foi desta forma que se tornou um dos melhores fotógrafos do estado, reconhecido e pro-

curado, de maneira preferencial, não apenas pelas pessoas da cidade e de outras localidades do estado, como também por personalidades do país, da política e do mundo das Artes, como

Bibi e Procópio Ferreira; Justino Martins; Sandro e Maria Della Costa — que tentou levá-lo,

com sua “trupe”, para o centro do país e para o exterior, mas Eduardo se negava a deixar sua vida e “sua terra”. Foi o introdutor do painel fotográfico, com uma foto de Maria, colorida à mão (5mx5m). Também traz, para Santa Maria, a primeira Rolleyflex do RS (6mm×6mm).

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Naquela época, ainda não existia a fotografia colorida. Ele coloria à mão, com algodão,

óleo de linhaça e tinta a óleo. Era possível retocar o negativo, o que, “na tal foto colorida” não era possível.

O pai me “ensinando” a fotografar – Década de 1950. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Eduardo Trevisan retocando negativo fotográfico – Década de 1950. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Ensinou fotografia para muitas pessoas que fizeram dela seu meio de subsistência.

Entretanto, o grande e verdadeiro motivo pelo qual ele largou a fotografia foi por decidir

dedicar-se totalmente à pintura! O que fez desde aí por toda a vida — encarando-a como “uma verdadeira missão”!

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Eduardo Trevisan – Década de 1970. Fonte: Flamarion Trevisan

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ZARY A guerreira

Zary – Criança. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Vicenta Zary Nunes Trevisan ou, simplesmente, ZARY! — Nasceu em 22 de janeiro de

1918. A casa dos seus pais, meus avós maternos, Rosa Macedo Nunes e Manoel Nunes, no Cerrito, em Santana do Livramento, na fronteira com a cidade de Rivera, no Uruguai, era um daqueles casarões com um pátio fechado no centro. Ela formou-se em Comércio e trabalhava em uma indústria da sua cidade como “Guarda Livros”.

Zary e Eduardo casaram-se e foram viver em Santa Maria. Tiveram quatro filhos: Mariza,

Tasso, Zanoni e eu, Flamarion. Houve períodos de grande dificuldade e também de prosperidade.

A MUSA

Ela foi companheira e amiga de todas as horas — trabalharam por toda a vida juntos.

Sem ela, com toda a certeza, ele não teria sido o que e quem foi. Quando ele decidiu, arrojadamente, dedicar-se exclusivamente à Arte, certamente não foi uma resolução solitária.

Zary – Jovem. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Zary” – Um dos primeiros retratos Eduardo Trevisan – Grafite/papel – 15cm X 20cm – 1940. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Zary” – Eduardo Trevisan Desenho – Lápis de cor/papel – 20cm X 30cm – 1955. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Na Arte de Eduardo, é Zary a modelo para quase todas as figuras femininas: está nas

índias, nos nus, nas colombinas, nas mães, nas mártires, nas prostitutas e nas santas — a pre-

sença da mulher, definitiva e constante, no pé largo e forte das índias (fenótipo genético), nas coxas e panturrilhas poderosas, nos quadris generosos, nos seios fartos, nos braços capazes de embalar o mundo e nas mãos preparadas para agarrar e acariciar! Foi a maior e melhor negociante das telas de Eduardo, que não sabia fazer isso.

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“Zary – Lendo A vida trágica de Van Gogh” – Década de 1950. Eduardo Trevisan – Lápis de cor/papel – 20cm X 30cm. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Zary” – Eduardo Trevisan – Óleo/papel – 15cm X 20cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Zary” – Eduardo Trevisan – Óleo/papel – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Zary e Eduardo – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Zary – “Retrato” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 40cm X 50cm. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Zary – “Retrato” – Eduardo Trevisan Óleo/papel – 50cm X 70cm – 1973. Fonte: Arquivo do autor

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BASILISCOS Nesta série de estudos, Eduardo traz, em seus desenhos, angústias de um país convulsionado.

“Menino” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 20cm X 30cm – Detalhe –1960 – Estudo. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Meninos e Barco de Papel” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 20cm X 30cm – 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Menino com Barco de Papel “ – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 20cm X 30cm – 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Menino Dormindo na Soleira da Porta” – Eduardo Trevisan Lápis de cor/papel – 15cm X 20 cm – 1960 Fonte: Arquivo pessoal do autor

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DÉCADA DE 1960 I Centenário de Santa Maria Em 1958, comemorou-se o Centenário de Santa Maria! Todos os segmentos representati-

vos da comunidade se mobilizaram e participaram ativamente da histórica data. Eduardo Tre-

visan criou o logotipo e os cartazes de divulgação da programação oficial; projetou os carros alegóricos de um histórico desfile; e, entre os temas, estava a insuperável representatividade

da “Lenda de Imembuí”, com destaque para o índio, o europeu e para o resultado desta fusão

étnica: o gaúcho! Ainda, neste período, a apresentação à comunidade da concretização de um fantástico sonho: a Universidade de Santa Maria — USM!

“A Lenda de Imembuí” – O primeiro estudo – Eduardo Trevisan Desenho a lápis – 30cm X 40cm– Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Desde aquela época, Eduardo Trevisan estudou e fez vários trabalhos inspirados no

conto de Cezimbra Jacques, “Imembuy – conto indígena”, coroando esta evolução de forma

magistral, com o extraordinário Mural “A Lenda de Imembuí”, pintado no prédio da Administração Central do campus da UFSM.

Durante os anos de 1958, 1959 e durante a “década de 60”, o pai assume a direção do

Centro Cultural; é Sócio Fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Maria, hoje

Arquivo Histórico de Santa Maria; é inaugurada a Universidade de Santa Maria (1960), a primeira universidade pública do interior do Brasil, que teve suas origens na Faculdade de

Farmácia e de Medicina, com as quais Eduardo colaborou, junto ao Dr. José Mariano da Rocha Filho, ativamente — pintou um painel intitulado “Os Três Marianos”.

“Os Três Marianos” – Eduardo Trevisan Painel a óleo – 150cm X 300cm – Década de 1960 – Museu Educativo Gama d’Eça UFSM – SM – RS – BRASIL – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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A obra retrata os fundadores da originária Faculdade de Farmácia — da esquerda para a

direita: Dr. Francisco Mariano da Rocha; Dr. José Mariano da Rocha; e Dr. José Mariano da Ro-

cha Filho, genial idealizador e fundador da Universidade de Santa Maria. Dr. Mariano e Eduardo tinham planos de fazer da USM a “mais linda do mundo”! Eduardo pintaria murais, internos e externos, em todos os prédios das faculdades que compõem a “Cidade Universitária”! Dr. Maria-

no chegou a cogitar construir uma casa no campus para que o pai lá ficasse em tempo integral, apenas pintando a USM! Seria professor de desenho e pintura da Faculdade de Belas Artes.

Dos murais, quatro foram concluídos, houve um quinto, que estava sendo pintado no

Hospital Universitário, mas foi desmanchado ainda em fase intermediária. Conforme entrevista a um jornal, Eduardo disse: “Tenho murais na universidade. Se eu não tivesse ‘reconhecido saber’, a reitoria não teria me convidado para pintar, teria mandado buscar... outro em Roma, São Paulo, Rio de janeiro. No entanto, lá está meu trabalho como um testemunho!”.

“Índia Imembuí” – Estudo – Eduardo Trevisan – Grafite/papel – 20cm X 30cm – 1958. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Bandeirante” – Eduardo Trevisan – Desenho – Grafite/papel – 20cm X 30cm – 1958. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Casamento de Imembuí” – Eduardo Trevisan Desenho a lápis de cor e grafite/papel – 20cm X 30cm – 1958 – Obs.: projeto para carro alegórico. Ele fez vários, com toda uma representação visual dos momentos mais marcantes da lenda. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Os Demarcadores” – Eduardo Trevisan Desenho a grafite/papel – 20cm X 30cm – 1958 Acampamento – Projeto para carro alegórico de cor/grafite/papel – 20cm×30cm – 1958. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Paixão de Imembuí” – Eduardo Trevisan Desenho a grafite e lápis de cor/papel – 20cm X 30cm – 1958. Projeto para carro alegórico. Fonte: Acervo do Prof. Máximo Trevisan

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Cartaz comemorativo ao Centenário de Santa Maria – Eduardo Trevisan Litografia – 60cm X 80cm – 1958. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Cartaz comemorativo ao Centenário de Santa Maria – Eduardo Trevisan Litografia – 60cm X 80cm – 1958. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Estudo para cartaz comemorativo ao Centenário de Santa Maria – Eduardo Trevisan Guache/papel – 20cm X 30cm – 1958. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Província” – Eduardo Trevisan – 15cm X 20cm – Década de 1950. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Um ano ou dois antes do 01 de abril de 1964, em São Borja/RS, encontraram-se Jango,

Brizola, Wladimir Cunha e Eduardo Trevisan. Trataram que ele faria alguns trabalhos em Brasília, entre eles, um mural no Palácio da Alvorada — mas isso não se concretizou.

“Galpão” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 30cm X 40cm O projeto final para painel do Palácio da Alvorada em Brasília desapareceu – Década de 1960 Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Gesto de afeto e de reconhecimento de Imembuí ao Bandeirante” – Eduardo Trevisan – Estudo para um painel – Grafite/papel – 20cm X 30cm – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Imembuí Adulta” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 20cm X 30cm – Estudo para o mural do Centro Cultural de SM – 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“A Lenda de Imembuí” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – Projeto para o Centro Cultural de Santa Maria – 40cm X 50cm – 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Lenda de Imembui” – Eduardo Trevisan óleo/cartão – 50 X 70 – anos 1970 – Técnica em estilo plano realizado para ser feito em mosaico ou pastilhas. Fonte: Acervo da família

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DÉCADA DE 1960 II Outras produções relevantes Eduardo Trevisan pintou o retrato, em tamanho natural, do beato Dom Luigi Guanella,

que hoje está no Vaticano e que, em 23 de outubro de 2011, foi santificado, tornando-se São Luigi Guanella.

Também pintou um extraordinário Épico, o painel da célebre “Batalha de Tuiuty” (em

torno de 200 x 350 cm). A estratégia foi estudada à exaustão. O rasgo na terra engolindo homens e cavalos. A indumentária dos imperiais e dos “contrários” às forças que defendem

a bandeira do império. O armamento desproporcional. Os tipos físicos muito bem definidos

e caracterizados, “esfarrapados”! Aquele que enfrenta a morte de peito aberto. O covarde tomado pelo medo procurando como fugir. Imperam as ordens do império. Nem dor existe

mais, apenas o horror! Em primeiro plano, o morto com os olhos arregalados de terror é um autorretrato!

“Batalha de Tuiuty” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 200cm X 350cm, acervo do Regimento Mallet – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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O movimento e o ritmo frenético de linhas aparentes ou ocultas, que unem as formas, que

geometricamente concorrem e se entrechocam em direções opostas no campo de morte e um

momento de ausência tanto de peso quanto de tempo/espaço. Significação da força expressiva e dramática estupefação dos animais. Dois cavalos rodopiando em um círculo no ar com o en-

trechoque e o fogo do canhão! As expressões de cada indivíduo, mas também com um ponto em comum, que é a desumanização fisionômica de quem se dispõe a morrer, enfrentar o que for na

busca da vida melhor! Uma “alma-grupo”, em uníssono, com únicos objetivos: matar ou morrer!

Detalhe – “Batalha de Tuiuty” – Eduardo Trevisan – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Também pintou o painel “A Paixão de Imembuí”, que trata do momento em que

Imembuí acaricia o bandeirante, impedindo, assim, sua execução! O embevecimento na descoberta do amor!

Aqui, vemos Eduardo Trevisan, em um estilo plano, sem utilizar a passagem em volume,

da escola acadêmica de sombreamento gradativo, mas por diferenciação de planos integrados

com este objetivo, através da vibração luminosa das cores. Desta forma, também constrói, pela integração e articulação, toda a composição, a profundidade sem a perspectiva clássica, com ponto de fuga. Porém não perde nenhum elemento, arranjado, magistralmente, a serviço

de toda a arquitetura geral do espaço dominado em um conjunto sólido por toda a obra. Sempre utilizando planos harmonicamente estruturados em um todo compacto e pela temperatura das cores. É um trabalho que se torna extremamente leve, iluminado e agradável ao olhar,

e que tranqüiliza o observador com a idílica cena, que desta maneira transmite o caráter e o

envolvimento do momento que acontece e envolve o admirador no clima emocional, calmo, repousante e natural da emoção ou dos sentimentos dos personagens e da placidez do ambien-

te na paisagem. Um trabalho elaborado ao extremo, mas que retira, de quem olha, o peso do

esforço do artista, como que absorvendo para si toda dramaticidade do evento que, mesmo sabendo das circunstâncias que o ocasionaram, são retirados do apreciador, que se isenta de qualquer dramaticidade, para apenas sentir o leve prazer que a cena transmite.

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Estudo para o painel “A Paixão de Imembuí” – Eduardo Trevisan Grafite/lápis de cor/papel – 20cm X 30cm – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Eduardo Trevisan pintando o painel – “A Paixão de Imembuí” – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Painel final “A Paixão de Imembuí” – Eduardo Trevisan Óleo/madeira – 250cm X 150cm – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Eduardo também pintou o painel “A Natureza e os Reinos”, em que três figuras femininas

representam os reinos: Animal, Vegetal e Mineral. Além de três atividades humanas ligadas à natureza: o minerador, o agricultor e a atividade intelectual. Com uma composição marcante-

mente geométrica, em que todo o tema está inter-relacionado em harmonia não apenas pela forma, mas também pela cor. Trabalho com especificações únicas. Composição com elementos

cubistas, com um estilo plano, sem volume e sem perspectiva. A profundidade é dada pela cor, pelo forte acento do contraste de luz/sombra e pela sobreposição de planos. Geometrização ao extremo tanto na composição quanto nos elementos constituintes do tema — porém todas

estas características traduzidas para um estilo personalíssimo. Grande riqueza cromática, com áreas bem definidas e delimitadas com uma sugestão muito próxima ao mosaico. Todos es-

tes elementos combinados criam uma estrutura compacta pela ligação e interpenetração das formas, onde se destacam os ângulos retos ou triangulares, num bloco sólido e harmônico, por toda área de interesse. Um trabalho em que o artista mostra toda sua versatilidade e um profundo domínio do que se convencionou como “moderno” na época ou que esteve inserido

na evolução das mais atuais, em termos de escolas. Estas características todas tornam este tra-

balho muito especial, porque as estruturas das suas composições, normalmente, são ocultas, enquanto, neste caso em particular, a estruturação, além de ser absolutamente visível, é um

elemento de destaque na plasticidade da obra, o que a torna extremamente rica ao estilo que se propõe. Trata-se de um trabalho que tem uma intencional racionalidade, em que o autor revela um profundo conhecimento artístico e domínio do seu ofício, que, certamente, proporciona um grande deleite a quem aprecia um genuíno trabalho de Arte!

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Painel “A Natureza e os Reinos” – Eduardo Trevisan Lápis de cera/papelão – 40cm X 60cm – Estudo final – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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DÉCADA DE 1960 III A cabana em Camobi Após alguns dissabores, Eduardo procura a paz e a alegria perdida no velho chão que

tanto amava desde a infância — compra uma pequena chácara em Camobi e constrói uma ca-

bana rústica! Não sei se era um recomeço ou um fim! Talvez, as duas coisas! Mesmo vivendo na cabana, Eduardo mantinha um apartamento na Rua André Marques.

A Cabana em Camobi – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

No final de 1967, o pai resolveu me testar — incisivo, disse: “quero ver se ‘tu é’ bom

mesmo!”. Deu-me uma foto: “quero ver os poros deste velho”, fiquei surpreso, pois senti que

era coisa muito séria. Fui para o meu quarto desenhar. Eu estava desenhando, ele entrou muito sério, olhou, fungou, se exclamou e saiu!

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“Um Velho” – Flamarion Trevisan Grafite/papel – 40cm X 55cm – 1966 – Este foi o meu exame aplicado pelo pai! Fonte: Arquivo pessoal do autor

A partir dali, ele começou a me tratar diferente. Entendi que ele sentiu que podia contar

comigo. Creio que muito abatido com tudo, somado ao infarto, ele sentiu necessidade de que

eu me tornasse, definitivamente, seu ajudante no trabalho, então me testou. Foi, para mim, ainda adolescente (15 anos), uma “promoção”! Fiquei feliz!

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DÉCADA DE 1960 IV O Retrato

Em Camobi, além de um profundo mergulho na liberdade quase infantil e de uma rea-

proximação às raízes, ficou mais próximo à universidade.

Dr. Mariano – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 70cm X 80cm – Década de 1960. Foto: Eugenia Mariano da Rocha Barichello.

Fala-se muito sobre o retrato. Disse Eduardo Trevisan: “Há ‘colegas’, bem empregados,

que me censuram, dizendo que este não é papel do artista (o retrato), mas é papel do homem,

que precisa comer! Então não adianta ter ou não inspiração. Tenho que ter produção. Tem gente que não pinta retrato porque não sabe”.

E continua, nesta entrevista a um jornal: “não importa quem encomendou, se nós

fizemos sob inspiração, sob angústia ou sob nojo terrível”! Todos conhecem os seus retratos, eles falam por si.

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Autorretrato Óleo/cartão – 35cm X 45cm – Década de 1950. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Eduardo foi um exímio retratista, sendo considerado um dos maiores ou melhores re-

tratistas que o país já gerou! Falar sobre seus retratos é uma tarefa que exigiria um espaço

enorme. Um dos estilos de retrato preferidos dele é o “artístico e livre”, ou seja, “tem de existir uma total e absoluta liberdade, pois, caso contrário, não é liberdade, é concessão!”.

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Dr. Coser – Eduardo Trevisan Óleo/cartão – 40cm X 50cm – Década de 1970 – Estilo livre. Foto: Francisco José Cóser.

É necessária uma confiança absoluta na seriedade do trabalho do artista. Pode haver a

necessidade de uma espécie de “deformação” na busca da melhor expressão de algo que não está à mostra, é preciso garimpar, remoer o aparente, para encontrar, no fundo, o que está sob o óbvio ou oculto — porque, na fisionomia trivial, o caráter não se oferece ou se revela com

facilidade, é preciso ver além, ter uma percepção apurada para buscar as verdadeiras características de personalidade que possam aflorar das profundezas de cada indivíduo. É preciso afastar a superfície para poder “ver” o âmago de cada um!

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Retrato Feminino – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Último retrato que estava pintando – 1982 Fonte: acervo Dr. Eduardo Oliveira.

Outro gênero é o retrato fiel à imagem que a pessoa se apresenta, podendo chegar ao

hiper-realismo, e de uma extrema capacidade de observação — é como se “tocasse” na pessoa. Exige aprimorado conhecimento técnico, que faz com que sejam necessários muitos árduos

anos de estudo e de prática; muito desenho; conhecer bem a anatomia — ossos, músculos, diferentes texturas e cor de partes em particular da pele, áreas mais ou menos sanguíneas —,

o ápice de luz e sombra (com os seus respectivos semitons), o vítreo aquoso dos olhos, a umidade, a textura e a cor dos lábios, o marfim dos dentes; também, simplificando, onde se deve

dar foco, nitidez ou ponto alto, para onde deseja-se conduzir o olhar do espectador e em que momentos o entorno deve ser suavizado ou diluído.

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Dr. Prado Veppo – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 60cm – Década de 1970. Foto: Luiz Guilherme do Prado Veppo Filho.

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Autorretrato – Concluído Óleo/cartão – 40cm X 50cm – Década de 1970 – Sala de Exposições Eduardo Trevisan, na Câmara Municipal dos Vereadores de Santa Maria Obs.: estilo livre, tipo de retrato que ele considera melhor representar seu estilo. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Autorretrato – Estudo para o autorretrato anterior Óleo/tela – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Zary” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 40cm X 50cm – Estilo livre – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Valentin” – Eduardo Trevisan Grafite/lápis de cor/papel – 20cm X 25 cm – 1955. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Dr. Cóser” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

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“Olavo Bilac” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 60cm X 80cm – Década 1970 Museu do Colégio Olavo Bilac. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Nenê” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 20cm X 30cm – Década de 1950. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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DÉCADA DE 1970 I Eduardo e Flamarion Trevisan No início dos anos 1970, os apartamentos ficaram prontos — Eduardo, Zary e eu muda-

mos para lá. Também porque, com o isolamento em Camobi, ele ficou muito distanciado das pessoas que procuravam seu trabalho e tinham dificuldades para encontrá-lo.

Os anos em que ali viveu foram de esgotamento e em profunda depressão, diante

de certos acontecimentos.

“Gaúcho” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Entretanto ele continuava pintando muito e eu não só ajudava, mas também desenhava

muito. Nesta época, o meu avô e padrinho ia todo dia olhar o que eu estava fazendo, sempre

me estimulando — como que tentando redimir-se, dizia: “hum, muito bom!”. O que me dei-

xava muito contente, porque eu compreendia a atitude dele! Desenhei e li muito, fiz vários retratos a pastel e comecei a me iniciar no óleo, já no retrato, que é o mais difícil! Sempre tra-

balhando com ele, desta época até o fim da sua vida! Várias caminhadas à noite pelas ruas da cidade com o Prof. Carlos Scarincci, algumas viagens de trem de Santa Maria a Porto Alegre, conversando com o mestre Carlos Galvão Krebs, então à Universidade!

Passei no vestibular para o Centro de Artes para estudar Pintura, mas foi justo no ano da

reforma do ensino, do “Homem Integral”, acabei cursando Licenciatura. Quando estava para me formar, foi recriado o Bacharelado em Pintura, então me transferi, até me formar, após

oito anos de UFSM — essa universidade que toda vida, de uma forma ou de outra, fez e faz parte fundamental de mim, pois eu brinquei, quando guri, naqueles campos onde foi construído o Campus, já que a “chácara” dos meus avós era pertinho!

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“Estrada Velha de Camobi” – Flamarion Trevisan Óleo/tela – 30cm X 40cm – Bacharelado UFSM – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Venda em Camobi” – Flamarion Trevisan Óleo/tela – 30cm X 40cm – Bacharelado UFSM – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Estação de Camobi” – Flamarion Trevisan Óleo/tela – 30cm X 40cm – Bacharelado UFSM – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Casarão em Camobi” – Flamarion Trevisan Óleo/tela – 30cm X 40cm – Bacharelado UFSM – Obs.: meu avô, Anselmo Trevisan, teve um armazém nesta casa – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Flamarion e Eduardo Trevisan – Início da Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Cartaz “O Estudante Universitário” (cópia do original) Para o grupo do movimento político-estudantil RESISTÊNCIA Nossa luta pela democratização da UFSM – 1979 Fonte: Arquivo pessoal do autor

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MURAL DO PLANETÁRIO DA UFSM “A Conquista do Espaço”

“Vicentão, O Sábio” – Flamarion Trevisan Pastel óleo/papelão – 40cm X 50cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Vicente Tolola, o ”Vicentão”, mostrava-nos as estrelas, algumas com seus respectivos

nomes, e as constelações brilhantes.

Época da chegada do homem à lua. Neste contexto, é que se constrói o Planetário da

UFSM — Foi ali que, em 1971, Eduardo Trevisan pintou o primeiro Mural da nossa Universidade!

Detalhe do mural “A Conquista do Espaço” – Eduardo Trevisan Planetário – UFSM – Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“A CONQUISTA DO ESPAÇO” Iniciou os estudos e o projeto. Ele já havia pintado um quadro de, mais ou menos,

100cm×120cm sobre o tema. O “sonho” estava se realizando! Iniciaram-se as pesquisas. Ícaro

e suas asas de cera, que derreteram ao se aproximar do sol! Mito fantástico sobre superação e uma imagem extraordinária.

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Estudo – Ícaro – “A Conquista do Espaço” – Eduardo Trevisan Mural do Planetário – UFSM – Grafite/papel – 15cm X 25cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Mão” – Estudo – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 20cm X 30cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Estudo para o mural “A Conquista do Espaço” – Eduardo Trevisan Planetário – UFSM – Grafite/papel – 20cm X 30cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Os astronautas, que deram suas vidas à humanidade, lá estão, dramaticamente, em sua

eterna e silenciosa ausência, homenageados pela figura sem peso e direção, flutuando — men-

sagem dramática do sacrifício inevitável, quando, heroicamente, o desconhecido é desafiado a representar todos os grandes e indispensáveis anônimos que dão a vida pelo avanço no es-

paço! O astronauta que ultrapassa para além daquele que morreu e, com os braços estendidos ao infinito e os olhos esbugalhados pelo “terror do espaço”, na direção que um “mítico ser”

aponta a última fronteira! A representar um clamor sublime, uma coragem – tomados da disposição inerente ao gênero humano de superação.

“Astronautas no Espaço” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – Em torno de 100cm X 120cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Detalhe “Ícaro” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Segundo Plano: Santos Dumont– Planetário – UFSM – 1971. Fonte: Bruno Mariano da Rocha Barichello.

A força do desenho é uma marca pessoal. É sua assinatura por si só, uma linguagem que

tem identidade e independência, uma grafia que exterioriza o íntimo mais recôndito de Edu-

ardo Trevisan. Linha decidida, precisa, expressão tátil, sensível — pode-se sentir a pulsação, o ritmo, a velocidade, o frêmito da carne/espírito pela certeza do valor com que corta, esculpe a trajetória da linha, do seu traço que é seu prolongamento!

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Esta é uma constante em todas as suas obras. Este trabalho tem uma particularidade – o espaço disponível é composto de duas paredes que formam 90° entre si. Ele optou por desenvolver o

tema em duas partes: na parede menor, a da esquerda, tratou o “fundo” da história: os balões

do padre Bartolomeu de Gusmão; os dirigíveis, como o que Santos Dumont contornou a torre

Eiffel; o extraordinário 14 bis! E, como forma/tema dominante, o mito de Ícaro, significando a imemorial inconformidade do ser humano em ficar condenado a arrastar-se pelo chão.

Trevisan coloca Ícaro em queda livre. Frustrado em suas pretensões de que, para superar

limites, são fundamentos o arrojo, a coragem, mas determinar objetivos é, principalmente, ver além! Fundamentalmente, humildade, podemos depreender muito destes paradigmas! Já a parede/o espaço maior estão reservados à atualidade, em termos de avanço das possibilidades

humano-tecnológicas. Vemos o avanço na própria estrutura da composição. No cosmonauta, que parte de um ponto no nada a uma velocidade estonteante. Na perspectiva, que se abre no

ângulo/gesto de busca desesperada a alcançar o desconhecido. De uma forma passiva/astro-

nauta morto, àquela forma que, vertiginosamente, saltam aproxima-se e avança para fora do limite espaço/parede. Acima e além de nós, espectadores!

O limite físico do muro/fixo afunda na ausência proposital de base/chão. É destruído

para uma profundidade que se perde por inexistência de apoio/vácuo no espaço profundo! O

alto contraste figura/fundo da cor, mais a perspectiva, acelera o avanço e potencializa a cena! A expressão no rosto do astronauta que se projeta soma-se à forma da sua mão, que

se torna enorme em relação a outros elementos da composição, por exemplo a cabeça, em

perspectiva um triângulo que parte de dentro de um ponto no vazio solto/base, arranjado, estruturado à retirar o peso/a gravidade da forma/figura (astronauta imóvel/morto), cresce, em direção ao observador, como um relâmpago!

A forma do ser mítico/nu é uma figura que representa a abstração referente ao que nos

impulsiona, forma universal, mas com uma fisionomia indígena/Tupã, imagem/semelhança!

— E que aponta em uma só direção: o desconhecido/infinito. Também a luz/o sol frontal com

veemência, por referência à origem da vida!

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Os demais elementos aumentam a sensação espaço/cósmico imensurável. Formas fixas

acentuando a expressão de ausência de peso, por serem fixas, como a Terra ou a Lua, aceleram a energia cinética das figuras.

A orientação frontal da luz dá direção à ação, para além da lua cinza e ao desconhecido!

Da nossa casa transitória, a imagem e a imortal expressão de Gagarin: “a Terra é azul!”.

“A Conquista do Espaço” – Vista maior/principal – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Planetário – UFSM – 1971. Fonte: Bruno Mariano da Rocha Barichello.

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Estudo para o mural “A Conquista do Espaço” – Eduardo Trevisan Óleo/cartão – 40cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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MURAL DA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFSM A História do Livro

Vista total do mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Bruno Mariano da Rocha Barichello.

Dentro da terra, útero da vida, no fundo da caverna, está o não-som, escuro, pesado,

sólido: o medo! Uma “coisa” que nos observa. O eterno silêncio ensurdecedor das Eras, do não-tempo! No âmago da caverna da nossa alma! A treva, a lei: “o caos... reina”!

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Estudo para o mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 40cm X 60cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Eduardo Trevisan pintou ali, “para que seja discutido”, um homem como a própria ima-

gem do Deus que forjamos por séculos: “...o velho de barba e cabelos longos e brancos esvoaçan-

tes, como uma força da natureza”, um enviado que abriu o mar com um cajado e que conversou com o Supremo Ser, o qual lhe deu aquelas pedras gravadas diretamente pela sua própria divina

mão, que, em sublime aliança, elege, furioso, suas preferências. Na pintura, ele escreve uma única Lei: “não matarás!” A que ele aponta — “ainda está para ser escrita: por nós!”.

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Detalhe do mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Já num primeiro plano, pinta os Essênios, que viviam em Cavernas, escrevendo os per-

gaminhos do Mar Morto com os ensinamentos do Cristo.

É um discurso estético em primeiro lugar, mas também histórico, inspirado na gestação

do Livro e do seu nascedouro, tanto moral como eticamente, nos povos que forjaram sua

criação, porque o discute em confronto com o conhecimento dentro de um contexto que abarca a humanidade nos seus múltiplos e formadores aspectos étnicos.

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Então, lá estão os egípcios, colhendo o papiro para elaborar o ancestral do papel. Ve-

mos uma alusão às civilizações ancestrais do nosso continente, em uma típica máscara ritualística depositada ao pé da composição. Os chineses e a sua milenar civilização, com uma his-

tória de tempo linear, talvez a mais antiga em continuidade da humanidade, e que já haviam inventado, muito tempo antes de Gutenberg, a prensa e a impressão, etc. Foram utilizados os mais variados materiais durante a história da escrita – pedras; tabuletas de argila na escrita cuneiforme; couro de animais e até pele humana, nos pergaminhos. Diversos tipos de folhas,

vegetais ou de metais, etc. E o papiro, planta cultivada no Egito, a qual originou o nome papel! Livros já existiam, eram escritos à mão, nas fantásticas Iluminuras, obras de arte de extrema qualidade e beleza, que, não raro, levavam a vida inteira de trabalho de um monge! É uma composição que abrange vários períodos da humanidade integrados num

conjunto compacto e harmônico, porém não linear! — Diagonais, cortam a composição em todos os sentidos, recortando, construindo, movimentando-se e consolidando os mais varia-

dos elementos representativos da trajetória humana, para que concordem entre si no sentido de um prolongamento das linhas de tempo, sem serem narrativas de leitura sequencial, mas

por núcleos que se entrelaçam, o que inteligentemente promove uma percepção temporal presente, isto é, com unidade ou unidas em tempo/espaço, o que mantém os diversos com-

ponentes dialogando, vívidos e com suas particularidades e identidades respeitadas. Muitos arcos, como o céu, limites curvos, que nos cobrem e delimitam. A organização do espaço em arcos que se multiplicam em muitas situações.

Na caverna, na forma do maravilhoso conjunto de figuras que estudam um pergami-

nho, sendo que a mão do personagem de perfil é uma verdadeira joia! Tudo transcorre como

em um plano distendido, até que, como que numa explosão, o pergaminho se abre como um túnel do tempo, novamente em arcos. Vemos esta forma no ambiente dos monges, em arcos construídos como nas cavernas e com a disposição psicológica — é também muito alusivo às

épocas obscuras, como se o mundo na Idade Média tivesse acabado e estivesse renascendo das trevas com o mesmo medo do início dos tempos!

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Projeto para o mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Óleo/cartolina – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

A cor, embora se mantenha vívida, depende de um cuidado fundamental: a base

cromática deve estar pintada com um forte acento nos tons terra por suas naturais resis-

tências, porque ele, o autor, temia o Sol, que ali incide diretamente na pintura e, assim, prejudica a durabilidade dos pigmentos, mas, graças a esta preocupação do pintor e ao

zelo das pessoas responsáveis, o mural tem se conservado com suas cores no frescor original, apesar dos muitos anos da sua feitura.

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Detalhe do mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Projeto para o mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Óleo/cartolina – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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.

Estudo para o mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 40cm X 60cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Estudo para o mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Óleo/cartolina – 40cm X 60cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Mestre Eduardo Trevisan – Em um momento único, pintando o mural “A História do Livro” – 1973. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Detalhe do mural “A História do Livro” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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MURAL DO CENTRO DE TECNOLOGIA DA UFSM “A Evolução da Tecnologia” O estilo do mural “A Evolução da Tecnologia” é, em termos de linguagem, uma

pintura que difere, intencionalmente, dos outros murais realizados pelo pintor, tanto na UFSM quanto em outros locais.

O mural do Centro de Tecnologia da UFSM dá um testemunho e deixa um testamento

ao futuro da amplitude e das possibilidades de linguagens que a Arte põe à disposição dos capazes, ao optar por uma construção plana onde a composição, de alta complexidade, é estruturada em um sólido discurso explícito geometricamente.

Mural “A Evolução da Tecnologia” – Eduardo Trevisan – Óleo/alvenaria Vista total – 1972 – Centro de Tecnologia – UFSM. Fonte: Arquivo pessoal do autor

As formas se entrelaçam e percorrem, conquistando todo o espaço disponível, de forma

harmônica e a serviço da temática enfocada, de acordo com a própria vocação dos estudos

daquele ambiente específico em sua razão de ser, valorizando os temas e a instrumentalização utilizada por esta imprescindível área do conhecimento e do desenvolvimento humano, mantendo em evidência, propositalmente à mostra, a estrutura da composição em homenagem aos técnicos desta área especializada.

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Estruturas compactas que culminam em um arco invertido. O céu nasce aqui da Terra,

da mente criativa do homem, e define-se no seu próprio espaço! A economia intencional na

cor, porém riquíssima na escala e na suavidade dos matizes, propicia uma valorização do

desenho. A superfície “se arrepia com a sonoridade” do ritmo, na riqueza da linha, em toda sua expressão, em todo seu valor, em toda sua unicidade e em toda sua integração, revelando tanto sua habilidade na singularidade quanto a sua certeza da intenção e da direção do gesto amplo e generoso, como uma extensão de si próprio.

Detalhe do mural “A Evolução da Tecnologia” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – 1972. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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. Estudo (engrenagem) para o mural “A Evolução da Tecnologia” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 15cm X 20cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Estudo para o mural “A Evolução da Tecnologia” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Detalhe do mural “A Evolução da Tecnologia” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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O raio de luz! Voar! Ir ao espaço! Até replicar-se a si próprio, com a robótica! Enfim,

como um Deus, inventa a tecnologia que, hoje, já está a permitir: a materialização dos sonhos! O impossível não existe mais. A inteligência torna-se o principal atributo do ser humano! Isto deve facilitar as realizações sensíveis por não mais lutar por alimentos, por construir ambientes, enfim, podemos tudo e para todos!

Estudo para o mural “A Evolução da Tecnologia” I – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Estudo para o mural “A Evolução da Tecnologia” II – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 15cm X 20cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Estudo para o mural “A Evolução da Tecnologia” III – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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MURAL DA REITORIA DA UFSM “A Lenda de Imembuí”

Visão total do mural “A Lenda de Imembuí” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Reitoria, Administração Central do Campus – Salão Imembuí – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

O mural “A Lenda de Imembuí”, baseado no conto de Cezimbra Jacques, ao qual

João Belém dá o título de lenda, descreve a perda de um paraíso nativo com milhares de anos de organização social!

Nossa Imembuí (filha da água), filha do cacique Japacani (águia) e de Ibotiquintã (botão em

flor), nativos Minuanos, que povoavam a região de “Iguitorí” (terra da alegria)!

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Parte central do mural “A Lenda de Imembuí” I – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Reitoria UFSM – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

A tragédia de dominação de um Continente, com o objetivo de sanar um velho mundo

exaurido pela autofagia de um aglomerado de reinos constituídos por um sistema que não se sustentava mais por si só.

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“Imembuí” – Detalhe – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – UFSM – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

O riacho Itaimbé, onde nasceu Imembuí, era, supostamente, perto da nossa casa na Rua

do Acampamento, local onde acamparam os bandeirantes, demarcadores de terra e caçadores

de escravos. O Itaimbé era um riacho selvagem, que corria vivo; havia vegetação nativa e animais. Tinha sua nascente, onde, hoje, é o Bairro Nossa Senhora de Lourdes, e corria célere,

atravessando a área central de Santa Maria, até desaguar no riacho Cadena, no Bairro Itararé. O riacho “cantado”, o Itaimbé, não existe mais!

É da década de 1950 o início dos estudos de Eduardo Trevisan sobre o conto, ainda para

as festividades comemorativas ao Centenário de Santa Maria.

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“A Paixão de Imembuí” – Eduardo Trevisan – Lápis de cor/papel – 20cm X 30cm – 1958 – Centenário de Santa Maria. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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A pintura Mural é uma Arte com procedimentos específicos, o pensamento visualmente

“para” e retorna à uma reconfiguração radical, absoluta em essência, uma visão real da raiz

ancestral da expressividade humana, no seu nascedouro primordial. A Arte gerada no útero de pedra da mãe Terra, a caverna! Das cavernas, para a Arte Mural do Egito, da Mesopotâmia, do

período Barroco, fonte da Arte Brasileira, dos Muralistas Mexicanos, da Arte Socialista, Escola

para as populações “lerem”, literalmente, suas histórias! Claro que esta prática introjetou sua essência, no âmago das culturas e das civilizações, como um paradigma indelével!

O mural “A Lenda de Imembuí” alude à Rua do Acampamento, dos invasores das terras

roubadas; às proximidades do riacho Itaimbé; a Tapes e a Minuanos, índios que povoavam “Iguitorí”, atual Santa Maria. Na mensagem de resignação, não sem dor sofrida, mas de per-

dão, com aconselhamento do índio mais velho! E, acima de tudo, o amor entre uma índia e um europeu branco, com a criação do gaúcho!

“A Lenda de Imembuí” – Projeto final para a UFSM – Eduardo Trevisan Óleo/cartão – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Do projeto ao destino final, a transferência para a parede; a preparação da própria su-

perfície com o objetivo de já adiantar a textura final, no tratamento do fundo com a elaboração da tinta para esta finalidade. Já no esboço, uma das mais difíceis etapas da especificidade

do mural, porque somos nós, não a obra que se movimenta — isto quer dizer, tecnicamente, como “terminalidade”: a obra “para ali”, no muro, e, dependendo da posição como observa-

dor, a imagem assume aspectos totalmente inusitados sem perder o conjunto e a harmonia compositiva, que, pelas dimensões do trabalho, impõem dificuldades extremamente complexas e indispensável concentração absoluta.

Para o esboço, existe o auxílio de um bambu longo com o bastão de carvão na ponta,

para que seja possível desenhar com um impositivo afastamento do objetivo, mas que, por vi-

são periférica, tenha-se totalmente alicerçado e concentrado, na mente, a percepção do todo, dado as já faladas dimensões em função de uma coerência conjuntural ou da totalidade!

Continuando, vem a cor base de toda a obra, que, em razão da inevitável unidade tonal

imprescindível, é geralmente de tons terrosos, porque, além de servir de fundo à uma inte-

gração cromática, tem que ser levada em séria consideração pela sua durabilidade como cor. É a terra!

Então, vem todo o labor inerente à tão gigantesca tarefa de transposição de formas: de

um projeto de alguns centímetros, para figuras bem maiores que o natural. Proporções e funcionalidades anatômicas rigorosas e permanentes, que começam a definir as formas e as cores, a eleição dos pigmentos empregados, as misturas, as passagens de tons e matizes da paleta de

cores, as acentuações cromáticas mais relevantes e necessárias, como nos rostos e nos picos

da ondulação da escala tonal. Enfim é uma obra tão complexa, com muitos detalhes. Pura sensibilidade e decisão do autor!

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Detalhe de engenharia da parede e a solução dada pelo mestre Eduardo Trevisan I –1976. Fonte: Bruno Mariano da Rocha Barichello.

Na pintura, mestre Eduardo Trevisan vem recuperar, com naturalidade, o cotidiano, o

ambiente integrado à natureza, a força da vegetação exuberante, os típicos utensílios, a beleza

saudável dos corpos nus absolutos e naturais. Uma narrativa exposta, em um conjunto coerente, com a proposta de um clima naturalista e envolvente, uma leitura que, imediatamente, evoca o afazer pacífico e placidamente convidativo.

Um dos momentos de maior significação – a beleza da representação da natividade de

Imembuí, “filha da água”, em uma interpretação definitiva, nos braços da sua maravilhosa mãe, que, tal qual uma deusa, impõe sua altiva majestade, aflorando do mistério belo e pro-

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fundo da origem da vida, metaforicamente na própria forma anatomicamente feminina por

onde a vida se revela. Toda envolta em luxuriante vegetação — o elemento responsável pela integração na composição, pela harmonia na leitura dos quadros que compõem a narrativa em um conjunto totalmente entrosado em sua continuidade estrutural.

“Nascimento de Imembuí” – Sua mãe (botão em flor) saindo da gruta no riacho Itaimbé – Eduardo Trevisan. Óleo/alvenaria – Detalhe do Mural “A Lenda de Imembuí” UFSM – Reitoria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Em segundo plano, a estratégia de combate dos Minuanos, que resulta na captura de

dois invasores, em primeiro plano, sendo conduzidos por um grupo de guerreiros em sólida

formação, um bloco compacto de figuras que, ao olharem em todas as direções do entorno, ampliam e movimentam, intencionalmente, giram. Em um plano mais elevado, o horizonte

visual da cena do grupo no sentido espacial, sob olhar atento de um guardião, com uma fisionomia típica e austera. Ao centro, Imembuí adulta! Nua em toda sua beleza, sobre uma pedra,

como em um pedestal na água (filha da água). Vemos, na vegetação aquática, uma flor branca, “botão em flor”, ela intimamente, absorta em contemplação, envolta por uma natureza vir-

gem a revesti-la sensualmente, simbioticamente irmanadas em uma magistral interpretação, que enche de significados e que compõem uma síntese de grande representatividade.

Aqui, o espaço encontra um obstáculo físico, uma coluna e um aumento na altura do

teto, magistralmente superado pelo mestre!

Uma índia dormindo sem perturbar-se, absolutamente confiante nos guerreiros que pas-

sam com os prisioneiros, trazendo a paz à interpretação do contexto.

Passeando pela aldeia, seguindo a leitura como deve ser, da esquerda para a direita,

logo após a escultural Imembuí adulta, sob a árvore que integra, apesar do obstáculo que referimos na continuidade à cena, evolui a outra figura feminina laborando, ágil, movendo-se em sentido oposto, inversão que acentua o caráter vívido, ativo, rítmico e movimen-

tado da composição. Enquanto um índio, em arco, cumpre sua tarefa junto ao chão. Ao

seu lado, outra construção elaboradíssima, na índia que, no pilão, tritura o alimento, em um estilo muito pessoal do pintor.

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“A Lenda de Imembuí” – Projeto final para a UFSM – Eduardo Trevisan Óleo/cartolina – 35cm X 60cm – Metade da direita – Prédio da Reitoria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Acima, o enlevo romântico da surpresa do enamorar-se, um gesto de carinho na busca

do outro e do sentir a realidade da irresistível atração, do complemento. Na carícia, na desco-

berta de traços estranhos, mas sem qualquer preconceito, no toque, no afeto de uma emoção que arrebata na absoluta e real representação, da descoberta do amor!

O sofrer sem rancor do jovem que vê a amada se distanciar do seu coração e, na expe-

riência necessária do índio mais velho, a busca do conselho, do consolo e, a exemplo do chefe

e de toda a tribo, o perdão! — talvez o mais difícil e nobre dos sentimentos. Do romance, a paixão capaz de fundir as dessemelhanças e o nascer do gaúcho!

Na terra, uma árvore quase humana, orgânica, reverencia deitada com os braços/

galhos estendidos, ao significante conteúdo do todo, acena e abençoa, por vocação, a natureza, que não se pressente apenas pelo tom sombreado do frescor da ramada, mas

pela exposição das suas raízes. Os galhos das árvores que integram, participam e dançam

sinuosamente, em um bailado que emoldura, envolve e faz com que toda a narrativa soe

como uma sinfonia... dá um tom uníssono à harmonia da composição, para que todos os diversos momentos e todas as diversas situações, entrosados, comportem-se plasticamente com valores iguais, dentro da panorâmica de intimista construção ética e estética. Encer-

ra-se, em um brado afirmativo na figura-fundo de um nativo em contraste, ao céu! Em um grito dos livres: o “Sapucai”! “Esta terra tem dono!”.

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“O Brado dos Livres: o Sapucai” – Detalhe do mural “A Lenda de Imembuí” Eduardo Trevisan – Óleo/alvenaria – UFSM – Reitoria – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Na área que fecha o universo da obra, um grupo de índias, voltadas para dentro do tempo

dado pela Arte, ali, a expressão de um passado representado por formas, de um eterno espírito

presente do bem comum, plácida e naturalmente. Figuras cujo estilo é, propositalmente, de uma estética diferente das demais, para acentuar o atemporal naturalismo da temática que nos representa. Esta obra é, toda ela, uma composição visual, estética e ética, dedicada ao amor: pela mater-

nidade, pela proteção dos valores comunitários, pelo seu modo ou pela sua liberdade de viver, pela natureza. Enfim, pela reverência à beleza natural de ambos os sexos, ao afeto livre de preconcei-

tos, à naturalidade do trabalho voluntário e necessário, ao perdão, à renúncia, ao transcendente, à natureza, à continuidade do valor supremo pela harmônica continuidade da VIDA!

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Quero e devo destacar a participação real e efetiva de Zary, minha mãe, participando,

ativa, durante todo tempo em que seus afazeres permitiram, em todos os murais – mexendo e

misturando tinta, alcançado pincéis que ela limpava, dando sua opinião quando ela não estava de acordo, na parte indispensável de alimentação, encorajando quando o cansaço abatia, até

altas horas das madrugadas, muitas vezes muito frias. Inesquecível! Sua presença, sua participação, sua doação, seu afeto... e, como modelo, está ali imortalizada. Sua dedicação não foi apenas comovente, mas realmente imprescindível!

Detalhe de engenharia da parede e a solução dada pelo mestre Eduardo Trevisan II – 1976. Fonte: Bruno Mariano da Rocha Barichello.

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“Nascimento de Imembuí” Detalhe do mural “A Lenda de Imembuí” Eduardo Trevisan - Óleo/alvenaria UFSM – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Imembuí Adulta” – Detalhe central do mural “A Lendade Imembuí” - Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – UFSM – Reitoria. UFSM – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor


“A Paixão de Imembuí” – Detalhe do mural “A Lenda de Imembuí” Eduardo Trevisan – Óleo/alvenaria – UFSM – Reitoria – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“O Conselho” – Estudo para o mural “A Lenda de Imembuí” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 15cm X 25cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Índio preterido por Imembuí sendo consolado; perdão e o ‘aprendizado’ com outro mais experiente – Detalhe do mural “A Lenda de Imembuí” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – UFSM – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Guardião Guerreiro Minuano” – Detalhe do mural “A Lenda de Imembuí” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – UFSM – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Mural “A Lenda de Imembuí” – Casal: Imembuí e a formação do gaúcho – Detalhe Eduardo Trevisan – Óleo/alvenaria – UFSM – Reitoria – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Parte central do mural “A Lenda de Imembuí” III – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Reitoria UFSM –1976. Fonte: Bruno Mariano da Rocha Barichello.

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“A Lenda de Imembuí” – Extremidade direita – Parte do final – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Reitoria UFSM – 1976. Fonte: Bruno Mariano da Rocha Barichello.

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“A Lenda de Imembuí” – Projeto final para a UFSM – Eduardo Trevisan Óleo/cartolina – 35cm X 60cm – Metade da esquerda – Prédio da Reitoria – 1976. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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DÉCADA DE 1970 II O resto... É silêncio!

“Libertação” – Eduardo Trevisan Lápis de cor/papel – 20cm X 30cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Pode parecer confuso, mas é assim... Nossas vidas confundem-se, sempre andaram jun-

tas. É verdadeira a relação de interdependência, não apenas pelo trabalho, mas também, evi-

dentemente, pelo laço afetivo! Muitas coisas acontecem em uma década, tanto na vida como na Arte!

Nos anos 1970, a situação depressiva do pai estava no limite, porque a vida, na-

quele apartamento, que significava tudo que ele havia perdido, não era mais possível.

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A mãe, com seu caráter guerreiro, encontrou uma casa muito antiga na esquina da Rua André Marques com a Rua 13 de Maio, defronte ao Colégio Estadual Manoel Ribas – Maneco e à Pra-

ça dos Coqueiros, hoje Praça Eduardo Trevisan. Compraram a casa e iniciaram os planos de

reforma, a vida se renovou! Enquanto a reforma acontecia, mudaram-se para o Edifício Mauá, situado na segunda quadra da Avenida Rio Branco, no quarto andar — tinha um excelente atelier, com uma sacada de esquina maravilhosa, novos ares, novas perspectivas.

Mas meu avô Anselmo estava hospitalizado... Assim ficou por muito tempo... A despesa

com hospital era enorme. O pai vendeu os apartamentos na Galeria Guayra e pagou a conta do hospital. Meu avô ainda iria para o Hospital da Brigada, onde terminou seus dias, após uma longa e dolorosa agonia!

Enquanto meus pais terminavam a reforma da casa, onde viveriam até o fim da vida do

pai, meu irmão Zanoni foi muito solidário tanto na doença do vô, quanto no início da refor-

ma da casa, foi um período longo em que as coisas aconteciam carregadas de expectativas e esperanças!

Meus pais ainda moravam no Mauá e eu estava na minha casa, mas estava inquieto

demais. Fui até o Mauá e, chegando lá, senti que meus pais também estavam estranhos. É difícil explicar uma situação em que se “sente”, mas não se “sabe” o que é... Tudo muito tenso,

pesado... escuro! Falei para o pai: “pai, estou muito nervoso, o Zanoni não me sai da cabeça!”.

Lembro da mãe... Pôs a mão nos olhos e baixou a cabeça... O pai “tentava” pintar, estava quieto e tenso. Falei: “não aguento, vou até a tia Lygia telefonar para o Zanoni!” — ele estava morando em Porto Alegre. O pai falou: “eu também estou, vai...já!”. Cheguei na tia... e estava

todo mundo lá reunido. Não falei nada, aliás, todos silenciaram. Parei no meio da sala... uma tia pôs as mãos nos meus ombros e, como um tiro, falou: “foi fatal!”. Passou algum tempo, não sei quanto, e me contaram: o Zanoni, meu irmão, havia sofrido um acidente de carro, nas imediações de Cachoeira do Sul.

Falavam comigo. Eu estava zonzo. Bateram forte na porta, era o pai, estava com as mãos

nos bolsos da japona, rígido, lívido, com os olhos injetados — ficou um “tempo” parado e,

quando entrou, eu o segurei pelos braços e disse o que eu tenho certeza que ele já sabia. Eu

só pensava na mãe. Alguém foi buscá-la, o pai a levou para o quarto da avó Zilda... Vi, então,

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uma cena que jamais vou esquecer — quando ela soube, deu um grito... Um som que não sei de onde veio — “Meu Deus, não me tira meu filho!” — de joelhos defronte a um quadro antigo de Santo Antônio e de uma vela que era a única luz... os olhos do pai, que pareciam

dois faróis... ele estava em pé com a mão na cabeça da mãe, que chorava compulsivamente. Depois, tentei contar aquele momento, porque foi uma situação genuína, real... onde vida e Arte se confundem! E a Arte verdadeira é a que reflete a vida. O artista, como ente humano, tem o seu universo interno composto de fatos... e um acontecimento terrível, como este, não

sei se tira um pedaço ou adiciona uma carga definitiva, de uma potência física e emocional, que só a Arte pode refletir. Portanto, a Arte não pode admitir um caráter superficial, decorativo, sem conteúdo. Foi um quadro que eu vi, desde criança, o pai desenhar e pintar naquelas cenas sacras em que a vida material não tem mais nenhum valor. A materialidade implacável

da dor unida à desesperança, só a Arte é capaz de transcender! Tudo são apenas formas, mas, embora delas necessitemos, a Arte e a vida não estão aí... a Arte está no mais profundo de nós, na nossa percepção essencial!

A incurável forma da mais elevada dor, que é capaz de sentir o “corpo” emocional: é o

amor de mãe! Creio insuportável a violação do fluxo natural, a inversão da expectativa diante

da interrupção da certeza da completude temporal à finitude inevitável! O silêncio da carne, acredito, deve ser o ponto de partida de toda reflexão filosófica. Diante desta dor, só existe

uma atitude digna: o silêncio! A transcendência é a única alternativa à dor implacável! Qualquer possibilidade de “felicidade”, para eles, acabou ali!

Minha mãe transfigurou-se na expressão da dor! Meu pai ficou com um insondável abis-

mo nos olhos. Teve uma trombose na perna. Daquele dia até o fim, andava 20 ou 30 passos e tinha que parar. E a mãe, pelo resto da vida, a brasa do cigarro na escuridão do quarto e aquela fungada... baixinha... por horas e horas!

MURAL DA CAPELA DO HOSPITAL DA

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BRIGADA MILITAR DE SANTA MARIA “Martírio do amor”

Mural da Capela do Hospital da Brigada Militar/SM – “Martírio do Amor” I – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Inexorável, o esplendor ergue-se das trevas! Da cegueira da escuridão, dos pavorosos

sons daquela pesada noite sem fim. Lento, cor de sangue, o poder. O sol amarelo-ouro. Estupefação, deslumbramento...

Mural da Capela do Hospital da Brigada Militar/SM – “Martírio do Amor” II Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Detalhe do mural da capela do Hospital da Brigada Militar/SM – “Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

O ser de maior hierarquia da dimensão das realidades altissimamente sutis a crer

que a nossa humanidade vale o esforço e é capaz de receber a luz... e continua lutando por nós, apesar dos horrores cometidos em seu nome! No mural, este é o gesto de uma mão a

agarrar a Terra, arranhando-a para sempre, enquanto a outra escuta sons do oculto e é ca-

paz de amar a cruz, símbolo do nosso mundo atual. Vemos isto na obra do mestre Eduardo

Trevisan, de que esta é a grande paixão. Esta ênfase dada à crucificação é um desvio da sua mensagem de que temos que superar o medo.

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Detalhe do mural da capela do Hospital da Brigada Militar/SM – “Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Década de 1970. Obs.: este trabalho só pode ser fotografado em partes, em razão de obstáculos que impedem uma angulação total. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Além, claro, da simbologia mística que envolve a crucificação. Morrer para que todos

sejam iguais. No mural, além do que já foi dito, há muito mais que não pode ser descrito, a não ser pela Arte! No rosto do Cristo, duas expressões: uma sofre por amor e perdão, outra, um

perfil já de uma expressão quase morta de penar pela humanidade e por ela morrer! A grande plasticidade das outras figuras. A mãe que já se dirige aos mundos superiores, implorando

piedade ao martírio do filho; a solidariedade tão destacada, na ajuda de um “anônimo” para

carregar a cruz, como uma condição do caminho; do horror “poder terreno” sempre mantido pela força das armas... da dor e da morte, porque não é capaz se não for pela força; o discípulo irmão implorando por Cristo, mas firmando um compromisso de continuar a Boa Nova.

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Todo o mural, em uma composição que brota do nível da terra, do chão, em formas que

elevam a estrutura toda para cima, níveis mais altos e libertos da força da gravidade material.

A luz não é a natural, mas uma luz que vem projetada, dirigida, focada na cena e “transcen-

dente”! É um testemunho do sofrimento a que são submetidas as pessoas. Pouco sangue na cena, porque não é sangue da carne que está sendo exposto, mas aspectos muito mais valiosos vertem na linfa do martírio.

“Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan – Estudo I – 20cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan – Estudo Desenho – Grafite/papel – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan – Estudo II – Década de 1970. Desenho – Grafite/óleo/papel – 30cm X 40cm Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan – Estudo III Óleo/papel – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan – Estudo IV Desenho – Grafite/oléo/papel – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan – Estudo V Desenho – Grafite/papel – 20cm X 30cm – Década de 1970 Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Maria” – Detalhe do mural da Capela do Hospital da Brigada Militar/SM – “Martírio do Amor” – Eduardo Trevisan – Óleo/alvenaria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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DE ESCOLINHA DE ARTES DO MUNICÍPIO À ESCOLA MUNICIPAL DE ARTES EDUARDO TREVISAN

Inauguração da Escola I: 3º da esquerda para a direita, Eduardo Trevisan, Airton Pimentel, Prefeito Osvaldo Nascimento da Silva e Alzira Nascimento da Silva –1982.

A Arte é o caminho, com toda a certeza, que oferece as condições necessárias ao desen-

volvimento pessoal e coletivo, com substância, potência e capacidade renovadora, através de

seus atributos e elementos compositivos, para uma expansão do horizonte de satisfação e com-

promisso com nosso semelhante, sem favorecer grupos que se associem a privilégios. Podemos transcender não apenas pela dor, mas também pela focalização dos motivos da não felicidade, pela percepção do que nos impõe limites.

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Quando no final de 1979, o diretor do antigo Centro Cultural, José Woitchumas, con-

vidou-me para conversar e propôs criarmos uma Escolinha de Artes do Município, sugeri que fosse como um “atelier livre” e ele concordou. Motivados, reunimo-nos: Joel Lopes da Silva, Hiram Nunes e eu, Flamarion Trevisan.

Queríamos oportunizar, gratuitamente às pessoas, acesso ao convívio com a Arte! Livre-

mente — como pré-requisito, o talento ou, simplesmente, a vontade de vivenciar ou conviver de forma adequada, em torno da Arte. Queríamos seus sentimentos respeitados, valorizados e a orientação que, abertamente, pudéssemos dar àqueles sem recursos ou oportunidades,

porque trabalhavam todo dia ou porque não puderam estudar e praticar por motivos pessoais. Uma “oficina de Artes”, nos três períodos do dia – manhã, tarde e noite!

A Escola tinha por finalidade expor e discutir seus trabalhos, avaliados por autocrítica

e pela turma, seu progresso, suas dificuldades... e materializar seus imaginários! Desenho,

Pintura, Escultura, Música, Artes Cênicas e Escolinha para as crianças. Material gratuito, passagem para carentes que morassem na periferia, sem rigor extremo de horário ou frequência,

enfim, um “Atelier Livre”, pelo método de “Oficina”, que era, e ainda é, a forma moderna de estudar, praticar, expor e desenvolver a Arte.

O Woitchumas me disse que queria fazer uma visita ao pai e convidá-lo para Patrono,

queria saber se eu achava que o pai o receberia. Claro que o recebeu e, comovido, aceitou o convite: “com uma grande honra!”.

Após ferrenhos combates no Legislativo — pois vários vereadores apoiavam o projeto,

não os cito para não cometer injustiças —, no dia 18 de março de 1982, foi inaugurada a “Es-

colinha de Artes do Município”! Atual “Escola Municipal De Artes Eduardo Trevisan” - EMAET!

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Inauguração da Escola II: Da esquerda para a direita, Stina Birgitta Beckmann, José Woitchumas, Eduardo Trevisan, Flamarion Trevisan, Joel Lopes da Silva e Hiram Nunes – 1982. Fonte: Arquivo pessoal do autor

A única Escola Municipal de Artes gratuita do país reconhecida pelo MEC! A cidade

de Santa Maria, após 20 anos da extinção do Instituto Municipal de Artes, volta a oferecer à sua população, um ambiente adequado e especializado em desenvolver a criatividade e a sensibilidade, aspectos fundamentais de identidade da nossa gente! Em 2018, 300

estudantes, aproximadamente, frequentaram a Escola. Vários de seus alunos têm projeções nacional e internacional, sustentando suas famílias, centenas realizando seus sonhos de,

indiscriminadamente, estudar e vivenciar a ARTE! Mestre Eduardo Trevisan disse a um jornal: “me senti como uma criança ao ganhar um doce!”. E, na intimidade, disse à Zary: “este foi o dia mais feliz da minha vida!”.

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A EMAET É UMA JOIA DO POVO DE SANTA MARIA!

Inauguração da Escola III: todo o “pessoal” que deu início à Escola de Artes do Município de Santa Maria – 18/03/1982 – Palco do Centro Cultural de Santa Maria. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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RAPACES DA ESPIRAL VIRTUOSA A Arte, ao ser agredida, em verdade, é a imensa coletividade que sofre... que é

atingida... que perde!

Não existe violência maior, a um artista, do que ver destruído seu trabalho! Noites in-

sones, estudando, refletindo e, na maioria das vezes, privando-se das alegrias comuns, pela solidão do laborioso trabalho.

I. Mural

“A Luta Pela Vida”: Hospital Universitário Campus UFSM, Década de 1970.

O Mural no Hospital Universitário do Campus da UFSM, cuja execução já estava em

estágio avançado, foi “apagado”, nos anos 70, e era de autoria do mestre Eduardo Trevisan.

Embora seja uma pálida ideia do que seria a monumentalidade da obra, apresento os estudos do artista.

Estudo para o mural “A Luta Pela Vida” – Hospital Universitário Campus UFSM – Eduardo Trevisan – Óleo/cartolina – 40cm X 50cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Criação do inquestionável e mais puro expressionismo, estilo que mais representa as

qualidades insuperáveis do desenho, do uso consciente da cor, da composição que alcança níveis supremos de harmonia e organização espacial, não apenas como organização e domínio do espaço, mas como agente de uma excepcional capacidade de envolver o observador,

levando-o a vivenciar a dramaticidade de um tema como esse. A capacidade de nos conduzir e vivenciar momentos limítrofes, em que a vida está no centro da ambiência voraz e, provocante ou estimulante, toca a sensibilidade de cada um através dos elementos fortes e viris que

tais ações envolvem. Ali, vemos os guerreiros do bem, atravessando a ponte sobre as águas

tenebrosas do rio da morte, avançando na direção daqueles que necessitam de ajuda, em uma ambientação de extrema adversidade sob um céu vermelho e preto!

Estudo para o mural “A Luta pela Vida” – Hospital Universitário – Campus UFSM – Eduardo Trevisan – Óleo/cartolina – 40cm X 50cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Do outro lado, alguns dos guerreiros em ação; um socorre, ampara uma figura feminina;

enquanto outro, com a outra mão, agarra uma flor branca — uma ação simbólica, da medici-

na e da farmácia, na busca do remédio que aquela flor da vida encerra! A síntese maravilhosa da árvore da vida, que resiste ao ataque da serpente que nela se enrosca, numa batalha essencial e vital. E, em meio a toda esta luta, faz-se o parto de uma criança!

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Estudo para o mural “A Luta pela Vida” – Hospital Universitário – Campus UFSM – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 40cm X 50cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Estudo para o mural “A Luta pela Vida” – Hospital Universitário – Campus UFSM – Eduardo Trevisan Óleo/cartolina – 40cm X 50cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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.

Estudo – “Dualidade dos Agentes da Vida” – Homem/Mulher, Cérebro/Coração – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 40cm X 50cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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II. Mural “A BUSCA DA SUPERAÇÃO” Estádio Universitário - Campus UFSM Também apresento alguns projetos e estudos destinados ao Estádio do Campus da

UFSM — uma obra que é uma visão antropomórfica ou zoomórfica do labor físico, transformando o corpo humano conforme a modalidade praticada, uma visão extraordinária da vitória do espírito sobre a matéria... a superação dos limites físicos humanos!

Estudo para o mural “A Busca da Superação” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 30cm X 40cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Este trabalho não se realizou tanto por questões orçamentárias (pois teria que ser feito

em pastilhas, já que deveria ficar exposto ao tempo) quanto por questões que envolviam a en-

genharia do estádio, que não estava concluído. Portanto não cabe questionar os motivos pelos quais esta obra — que era do artista e do reitor fundador da UFSM — não pôde se concretizar. Trago os estudos com o intuito de compartilhar um sonho!

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Estudo para o mural “A Busca da Superação” – Estádio do Campus da UFSM Eduardo Trevisan Grafite/papel – 30cm X 30cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Estudo para o mural “A Busca da Superação” – Estádio do Campus da UFSM Eduardo Trevisan Grafite/papel – 15cm X 20cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Estudo para o mural “A Busca da Superação” – Estádio do Campus da UFSM Projeto para pastilhas – Eduardo Trevisan – Óleo/cartão – 40cm X 50cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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III. Mural “A NOSSA LENDÁRIA HISTÓRIA” Santa Maria Prédio da extinta Ficrei – anos 1970

Esta interpretação da “Lenda de Imembuí” foi executada tecnicamente, diferentemente

de uma pintura convencional.

Projeto para o mural “Nossa Lendária História” Eduardo Trevisan – Óleo/cartão – 40cm X 70cm – Década de 1970 Obs.: este mural foi destruído e recoberto com papel de parede. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Foi feito todo o desenho na parede ainda sem nenhum acabamento, como reboco, por

exemplo. A seguir, o artista misturou, ao cimento, pigmentos em pó e nas cores que foram

eleitas. Um pedreiro, com muita habilidade e sob as orientações de Eduardo Trevisan, foi se-

guindo o traçado esboçado na parede. Importante dizer: Eduardo trabalhou sobre o cimento ainda fresco, desenhando e dando identidade às formas. Quase como um afresco, só que, em lugar do gesso, ele usou cimento.

Depois de concluído, víamos relevos particulares e especiais, em alto relevo. A cor, de-

vido a uma característica da secagem do material utilizado — claro que isto estava nos planos de execução —, ficou em tons pastéis, suaves.

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Onde foi preciso maior contraste ou cores acentuadamente mais fortes, assim se fez. Um

trabalho absolutamente único! Lamentavelmente, este mural e suas características exclusivas foram, não sei se destruídos, mas recobertos com papel de parede!

Na foto, Eduardo Trevisan e José Bicca Larré – Ao fundo, detalhe do mural “Da Nossa Lendária História” – Eduardo Trevisan – Óleo sobre parede de alvenaria em alto relevo/tinta em pó – Prédio da antiga Ficrei, localizado ao lado da galeria do Comércio, na Rua Venâncio Aires – Santa Maria – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Para quem souber e quiser ‘ver’... tem! Danem-se as imposições! Quero volume e pers-

pectiva... o que estou fazendo é para que meu povo veja, entenda e se sinta orgulhoso em ser

representado pela magia da ‘Nossa Lendária História’!” — Mestre Eduardo Trevisan pensou,

em voz alta, em um momento de profunda e intensa empatia, como um personagem, dentro, intimamente absorto, absoluto, um murmúrio entre eles, como um segredo!

Senti cumplicidade naquele momento de uma atmosfera silenciosa, uma coisa meio se-

creta, como entre eles, eu e a mãe nos olhamos.

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“PESCA MILAGROSA” Sacríficio

Mural “A Pesca Milagrosa” – Eduardo Trevisan Óleo/alvenaria – Pintado em seu apartamento, na Galeria Guayra, na Rua do Acampamento, Santa Maria, e destruído por intolerância religiosa. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Profeta” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 20cm X 30cm estudo da época anterior a 1964. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“São Francisco e o Mendigo” – Eduardo Trevisan – Década de 1960. Grafite/papel – 40cm X 50cm. Fonte: Arquivo pessoal do autor

O “sacrifício” exigido pelo caminho é “dá tua riqueza aos pobres e me segue!” O mérito

não tem de ser pela dor! Embora a dor seja recompensada, por comiseração, mas é a atitude de se despojar do supérfluo que é o “sacrifício”! É doar-se!

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A Pesca O significado dos “peixes” é a vitória do encontro, da ascensão ao caminho! Estes foram

elevados, acolhidos, identificados, enquanto a imensa maioria dilui-se ao pensar fugir daquela rede, na mediocridade de uma enganosa liberdade.

“Pesca Milagrosa” – Eduardo Trevisan Grafite/papel – 20cm X 30cm – Estudo – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

A “Pesca Milagrosa” é um microcosmo do labor coletivo no mar infinito do inconsciente

como universo. Os humanos-peixes são almas convertidas para dentro deste espaço-veículo entre mundos. O Cristo, como um fogo vivo e tremeluzente como uma flama, aponta o único caminho!

Das tenebrosas, turbulentas e tormentosas “águas” do mundo e da vida material transi-

tória, pintado em tons terrosos e azulados, o manto em tons de vermelho, a crença e a fé. O milagre na transmutação da vida!

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“Pesca Milagrosa” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Pesca Milagrosa” – Eduardo Trevisan Óleo/cartolina – 50cm X 70cm – Estudo – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Pesca Milagrosa” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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CHUVIA BARBARIDADE Sexta feira, 12 de Junho de 1982, à noite, a mãe estava a cozinhar uma panelada de pi-

nhão... Eu, saindo, falei para o pai: “deixa uns pra mim!”. Ele: “não deixo não, tu vais sair pra

farra, vou comer tudo!”. E comeu! Sábado, 74 dias após a Inauguração da Escolinha de Artes, às 00h05min do dia 13 de junho de 1982, meu pai, mestre Eduardo Trevisan, pintor maior

de Santa Maria, faleceu. Sem dúvidas, uma referência entre as maiores expressões das Artes Plásticas do estado e do país! Ele sempre dizia que queria morrer num dia treze!

Autorretrato – Eduardo Trevisan Grafite/lápis de cor/papel – 20cm X 30cm – 1955 “Olhos vermelhos de trabalhar à noite!”. Fonte: Francisco Jose Coser.

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“Anunciação” – Eduardo Trevisan Óleo/madeira – 90cm X 190cm – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“CHUVIA BARBARIDADE!”. Assim, ele iniciava suas histórias. Ao devolver seu corpo à

sua terra, fez-se uma trégua na chuva. O poeta Prado Veppo fez uma fala, que ultrapassou as dimensões materiais!

“Paisagem” da sacada do quarto andar do Edifício Mauá, Av. Rio Branco para o centro – Eduardo Trevisan Óleo/papel – 20cm X 30cm – Sem a Catedral – – Década de 1970. “...sempre batendo minhas horas!...” Fonte: Francisco José Cóser.

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Eduardo Trevisan e Flamarion Trevisan Solenidade de entrega do Prêmio Destaque em Arte – 1980. Fonte: Arquivo pessoal do autor

No breve período que ainda ficamos em Santa Maria, organizamos um excepcional e

histórico grande momento, em que a Municipalidade e a UFSM, num congraçamento ideal,

promoveram o maior evento de pintura: a “Mostra Eduardo Trevisan”, promovida pela Universidade Federal de Santa Maria e pela Prefeitura Municipal de Santa Maria.

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EDUARDO TREVISAN Exposição póstuma do artista na UFSM

Eduardo Trevisan – Detalhe do catálogo da Exposição póstuma de pintura – UFSM e PMSM – 1983 – Gráfica da UFSM. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Esta grande exposição aconteceu, em um primeiro momento, na Sala de Exposições do

Campus da UFSM, de 28 de Junho de 1983 a 31 de Julho de 1983. Na direção, estava a artista plástica e professora Mariza Carpes, que, com a ajuda de Eliane Trevisan, prolongou a Mostra

ao Salão Imembuí, local onde se encontra o mural de autoria de Eduardo Trevisan, “A Lenda de Imembuí”! Foram expostos mais de 40 trabalhos, que representaram uma síntese da sua extensa obra, da sua trajetória tanto técnica quanto temática! Foi sua segunda mostra. Além

desta, póstuma, houve apenas uma outra aos 15 anos. Isso devido ao extremo rigor e perfec-

cionismo a que se impunha nunca estava satisfeito e, como vivia exclusivamente da pintura, não conseguia reunir um número suficiente de quadros, porque tinha que vender — seus admiradores levavam direto do seu atelier! Após um período neste local, na Galeria do Campus

da UFSM, a Mostra foi levada para o centro da cidade, tendo de ser organizada em dois locais, no Clube Caixeiral, de 09 a 30 de agosto de 1983, e no Clube Comercial, onde foi visitada por

um grande número de pessoas aficionadas e estudantes! Lembro-me de o amigo, professor e artista plástico Silvestre Peciar, falar-me, com admiração: “Flamarion, eu não fazia ideia!”.

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“Crucificação” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 30cm X 40cm – Década de 1960. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Fandango” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

Foi um evento de grande repercussão e de uma resposta excelente por parte da popu-

lação de Santa Maria e região. Realmente extraordinária pela alta qualidade. Uma efetiva

e construtiva ação social, com profunda penetração intelectual, emocional e inclusiva, com elevadíssimo grau de afetividade, sensibilidade, representatividade, além do valor artístico

superior, indiscutível, jamais oferecido à “nossa gente”, como assim gostava de dizer Eduardo Trevisan!

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“Bolicho” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Década de 1980. Fonte: Francisco José Cóser.

Mesmo cansado, trabalhou até o fim, dando sempre o melhor de si, como homem e

como artista! Jamais descuidando da qualidade, tanto técnica quanto expressiva, sensível e de “seu povo”. Por opção, jamais deixou “sua terra”. Embora houvesse oportunidades e con-

vites, seu comprometimento era de raízes profundas, sem deixar de estar atento ao universal em profundidade e convicção, com dedicação, hombridade, compromisso com a verdade e

com a decência! Doou-se completamente! Estava realmente cansado, exaurido... e transposto totalmente para suas obras!

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“A Prece” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

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Nesta etapa da vida, sua última década entre nós, Eduardo Trevisan atinge a maestria

ou o domínio absoluto sobre seu ofício como pintor e sobre sua Arte, como uma extensão, um prolongamento e uma transposição, para a obra, de sua alma essencial!

“Santa Ceia” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 160cm X 230cm – Década de 1970. Obs.: Eduardo Trevisan considerava este trabalho um dos mais significativos de sua obra. Fonte: Francisco José Cóser.

É visível a vazão total do controle ou da exteriorização das suas intenções no desenho

insuperável, como uma exteriorização da própria identidade em todos os seus aspectos e elementos, no uso consciente da cor, percorrendo todo espectro com total domínio de uma

paleta personalíssima, dos extremos das cores com os seus matizes, tons e semitons, aos acordes pesados, graves ou agudos em acentos de superior sensibilidade e conhecimento. Dono de um

expressionismo identificado, pessoal ao extremo, dominado aos desejos e às intenções da maestria do seu pincel, como uma extensão de si mesmo.

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Sua estruturação nas composições revela domínio da geometria — que, por opção, qua-

se sempre mantém oculta — e controle total do espaço em que se percebe que o mestre concentra e toma posse da área ou do plano, que, sem dúvidas, pertence-lhe. Sejam quais forem

os aspectos das suas temáticas preferenciais – o nu; o tema nativo; o típico humano do sul

construído por ele, com o índio e o imigrante, criando um “semblante” ou uma “estampa” do gaúcho, com todo o pessoal e universal ambiente de seus personagens, com seus “trejeitos” adaptados aos típicos e rudes trabalhos; seus santos — loucos de amor e sonho; seus palhaços, realmente humanos sob a caracterização e não mascarados, transmitindo expressões de exteriorização de uma submersa intensidade; a anatomia humana e animal obsessiva, que, às vezes, misturam-se, como na geração de um filho unicamente seu!

“Nu” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

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“Ziripa” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 40cm X 50cm – Década de 1970. Obra doada, pelo artista, ao acervo da UFSM. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Santo Louco de Amor e Sonho” – Eduardo Trevisan – Óleo/tela – 40cm X 60cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

Uma infinidade de exímios retratos. Seus monumentais e envolventes murais construí-

dos à perfeição, tanto na qualidade técnica soberana como nas temáticas, pesquisadas e mer-

gulhadas na profunda e exitosa expressão de representar, à exaustão, seu espaço geocultural. A honestidade e o respeito com que enfrenta e se enfrenta obstinadamente, obsessivamente, pela decência e pela verdade à Arte!

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“Fandango II” – Eduardo Trevisan Óleo/cartolina – 50cn X 70cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

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“As Lavadeiras” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 60cm X 80cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

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“O Passe” – Eduardo Trevisan – Grafite/papel – 35cm X 50cm – Década de 1960. Fonte: Francisco José Cóser.

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“Santa Ceia” – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 70cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

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“Prenúncio”, Autorretrato – Eduardo Trevisan Óleo/tela – 50cm X 60cm – Década de 1970. Fonte: Francisco José Cóser.

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Eduardo Trevisan – Detalhe de sua técnica – Óleo/tela. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Eliane e Flamarion Trevisan – Única foto da grande Mostra Póstuma de Eduardo Trevisan – 1983 No painel, desenhos da mãe e do pai – Universidade Federal de Santa Maria, Salão Imembuí. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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FLAMARION TREVISAN 26 de Janeiro 1951. Nasci e me criei em uma casa antiga e da família, na Rua do Acam-

pamento, 499 – Santa Maria – RS – Brasil. Desde muito pequeno já era notívago, um hábito

de meu pai, Eduardo Trevisan, ou um traço familiar. Ficava ouvindo o pai ler, contar histórias fantásticas, que sempre começavam com: “chuvia barbaridade!”... ou observando-o desenhar seus santos loucos de amor e de sonho até bem tarde, junto ao calor do fogão à lenha. E minha mãe, preocupada, reclamava: “Eduardo! Este menino precisa dormir! Ao que o pai respondia:

“deixa o guri aqui, Zary, ele está aprendendo!” (e como estava!). Aí... a Ziripa, minha mãe,

conformada e, no fundo, gostando também, fazia o seu já famoso “mexido”, reinventando o feijão com arroz!

“Trabalhando” – Eu – Lápis de cor/papel – 25cm X 30cm – 1955. Fonte: Arquivo pessoal do autor

Também ficava metido na roda de amigos do pai, noite adentro, ouvindo e sugando – ainda

me questiono e pergunto: até quanto eu pude absorver?! – enquanto o sono permitia ou enquanto

me permitissem aquelas brilhantes, férteis e maravilhosas inteligências, que combatiam dialeticamente, salutares e variados temas, onde o chimarrão corria democraticamente de mão em mão.

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Em área lajeada e coberta, mas que o pai preservou como um espaço próprio para que

“elas” vicejassem, regando e testemunhando, com suas abençoadas belezas, naquele vórtice de verbos sedentos, estavam duas centenárias Camélias, árvores de jardim de belas flores vermelhas e brancas.

“Meu Retrato” – Eduardo Trevisan Carvão/cartão – 45cm X 55cm – 1962. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Observando meu pai e mestre, Eduardo Trevisan – 1957/58. Fonte: Arquivo pessoal do autor

“Crianças” – Flamarion Trevisan – PVC/madeira – 120cm X 220cm – Painel Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharelado UFSM – 1983. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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“Eliane Trevisan” – Retrato óleo sobre tela – Flamarion Trevisan 60cm X 80cm – 1983. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Coordenador, à época, do Curso de Artes, Professor Nelson Ellwanger e Flamarion Trevisan Colacão de Grau – 1983. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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EXPOSIÇÃO NO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – EDUARDO E FLAMARION TREVISAN Foi uma extraordinária e fantástica surpresa quando recebi o telefonema do Ministro

Ronaldo Lopes Leal, convidando-nos para realizar uma exposição de pinturas de Eduardo Trevisan e Flamarion Trevisan, pai e filho, no Espaço Cultural do Tribunal Superior do Trabalho

– TST, em Brasília, com abertura em 08 de março de 1999. Eu não conhecia o Dr. Ronaldo, que foi quem teve esta iniciativa – claro que em concordância com a presidência do Tribunal, Dr. Wagner Pimenta. Fazer uma exposição junto com meu pai em Brasília foi algo que, con-

fesso, tomou-me de um sentimento indescritível! Foi uma verdadeira operação que envolveu inúmeras questões e instâncias, mas se realizou, para nosso júbilo, com muito sucesso pela “alta qualidade da Mostra”, como nos foi dito!

Abertura da Mostra Obras de Eduardo Trevisan e Flamarion Trevisan – 1999. Fonte: Luiz Oliveira

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Ministro Wagner Antonio Pimenta e Flamarion Trevisan – 1999. Fonte: Luiz Oliveira

Ministro Wagner Pimenta (Presidente do TST), Ministro Ronaldo Lopes Leal, Prof. Gilberto Aquino Benetti e autoridades presentes – Obras de Eduardo Trevisan – 1999. Fonte: Luiz Oliveira

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Flamarion e Eliane Trevisan – Obra de Flamarion Trevisan – 1999. Fonte: Luiz Oliveira

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Ministro Nelson Jobim e esposa, Flamarion Trevisan, Cleusa e João Cândido – 1999. Fonte: Luiz Oliveira

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RESTAURO DO MURAL “A Lenda de Imembuí“ O artista é sua obra! É o que o diferencia, porque esta é a sua verdadeira identidade!

Com a partida do pai, num momento, a minha vida estagnou! Trabalhávamos lado a lado, a vida fluía com naturalidade e, num instante, estancou! Porém a oportunidade do reencontro: a restauração do mural “A LENDA DE IMEMBUÍ”, de EDUARDO TREVISAN. Vivemos um oásis de civilidade ao sermos convocados para RESTAURAR uma obra de arte! Trata-se, sem

dúvida, de um gesto revolucionário na valorização de algo essencial ao humano e inédito, verdadeiramente um marco histórico, graças à sensibilidade do Reitor Paulo Burmann, do Pró-Reitor Flavi Ferreira Lisboa Filho e da Diretora Cultural Vera Lúcia Portinho Vianna. É emocionante! Meu pai, mestre Eduardo Trevisan, certamente rejubila-se pela preservação

da sua obra maiúscula, justamente no lugar que lhe pertence: a “Terra da Alegria”! Marília Chartune Teixeira, Eliane Braga Machado Trevisan e eu, Flamarion Trevisan, sentimo-nos

honrados e gratos. Convivo com ela desde 1958, no Centenário de Santa Maria, quando o pai começou a dar uma forma plástica ao conto, de autoria de Cezimbra Jaques, ampliada à for-

ma definitiva por João Belém. O Mural na UFSM é de 1976. Reascendê-lo significou adentrar neste espaço do não-tempo, onde tudo é presente.

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Na foto, Marília Chartune Teixeira e Eliane Braga Machado Trevisan: em plena atividade – 2018. Fonte: Arquivo pessoal do autor.

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Na foto, Flamarion no “trato” ao gaúcho – 2018. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Restauro do mural “A lenda de Imembuí” – 2018. Fonte: Wellington Hack

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POSFÁCIO Em 2020, Eduardo Trevian, nascido em 01 de fevereiro de 1920, homem extraordinário,

sempre sintonizado aos valores humanistas de forma absolutamente incorruptível, o “Pintor

Maior” de Santa Maria, completaria 100 anos. Esta translúcida consciência, agora, pertence à egrégia dos mentores que iluminam os espíritos que buscam se afinar aos valores elevadamente raros e sutis, que sabem que a nossa terra é constituída de um amálgama. Eternizado magistralmente na UFSM através do mural que incorpora “A Lenda de Imembuí”, é um caminho para outros mundos: “A Terra da Alegria”! Fomos/somos pai/filho, mestre/discípulo, amigos

já de outros “planos” e irmanados por objetivos comuns, fundidos pela genética, pela essên-

cia, pela vocação e pela funcionalidade no tempo e no espaço, com os cavaletes lado a lado, trabalhando juntos até o fim! Sim... que privilégio! Sei que, durante nossa vida aqui, também

fomos e continuamos ampliando o conceito de almas gêmeas. Tenham a absoluta certeza de que ele continua com seus iguais, pintando, com outros “elementos”: a matéria da criação!

Decidi publicar uma série de ensaios biográficos que intitulei “Memória, Vida e Arte”.

São ensaios que, por fim, estavam destinados a formar um único conjunto ao serem compilados, evidentemente, por alguém qualificado — embora ciente de que sou um artista plástico

e, portanto, esta não é a minha linguagem preferencial de expressão. Tomei a iniciativa, entretanto — e não por outro motivo que não seja o de entender, de fato, e transmitir uma situ-

ação que vejo como incomum: a trajetória de vida e arte do meu pai, Eduardo Trevisan, que possui literal simbiose à minha — outra não é a verdadeira razão, pois, tenho consciência, é

um caso ou são fatos inusitados, proporcionados pela vida, que se referem a eventos e figuras públicas. Quando a finitude natural da vida me alcançar e por tratar-se de uma privilegiada

posição de testificação ou testemunho, certamente ninguém, simplesmente, terá como acessar

a grande e essencial maioria destes fatos por razões puramente presenciais e vivenciais — esta é toda a minha ansiedade e real preocupação ao tomar a atitude de registrá-los. Os con-

ceitos ou ideias, aqui transcritos, eu os absorvi no estreito convívio, nas extensas pesquisas, nos estudos ou esboços e longas conversas que tivemos no decorrer de toda a nossa vida, bem

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como na execução de todos os murais e de inúmeros outros trabalhos, lado a lado. Portanto estas opiniões, que compartilhamos cotidianamente, foram, indelevelmente, consolidadas ao longo destes processos. Não são apenas opiniões pessoais, embora eu concorde com elas, pois

as tenho como parâmetros essenciais e, fundamentalmente, definitivos na minha vida. Creio,

sinceramente, à nossa comunidade pertencem os fatos e as motivações de quem dedicou, para

ela, toda a vida, assim como é um patrimônio que a ela concernem estes registros. Também fui motivado pelo Arquivo Histórico, ligado a esta história e a ocorrências, com vistas a acrescentar esses registros.

Reitero: perdoem-me a pouca vocação em me expressar por palavras, de vez que meus

talentos estão a serviço de outra linguagem. Mas me atrevi, motivado pelos apelos de informa-

ções biográficas sobre meu pai! Outra razão é minha firme crença de que não há coincidências em nossas trajetórias... Aliás, foi o que ele mesmo me ensinou pela vida afora! Sejam em vivências comuns, sejam em vivências pessoais, sejam em vivências fáticas!

O atrevimento se deu, também, pela convicção de que nossa história precisa ser reafir-

mada! Pessoas, fatos, realizações e história!

Tentei destacar os elementos de memória, bem como os de várias pesquisas, que, de

alguma forma, estiveram presentes no universo de meu pai... Algumas ótimas... Outras muito difíceis... Mas é assim que se constrói uma história de vida, com verdade! Também, porque,

creio eu, destaquei a nossa fenonomia, como ensinou Guerreiro Ramos. Pai, mãe, filho e... filha — completando a quaternidade cármica para esta vida.

Gostaria de aproveitar e remorar, a respeito da Exposição no Tribunal Superior do

Trabalho, a gentileza de todos, sem exceção, tanto do tribunal quanto na excepcional acolhida

de amigos e de pessoas que lá conhecemos, que é impossível nominá-los sem cometer alguma falha, o que seria imperdoável de minha parte, mas não que não tenha reconhecimento ou lembrança do extremo carinho que permanecerá vivo na nossa memória por toda a vida. Minha eterna gratidão ao Ministro Ronaldo, às demais autoridades, aos grandes amigos — com quem convivemos o tempo todo. Poderia falar muito sobre o evento, o que, ainda assim, não

faria justiça ao afeto que recebemos e que estarão guardados num lugar especial do coração! Além de tudo, houve um momento que não tenho como definir a não ser como sublime. Eu,

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num determiado dia da Mostra, estava sozinho e totalmente absorto quando uma senhora,

faxineira do Tribunal, falou-me com uma voz suave: “com licença, as pinturas são suas?”. Eu respondi: “minhas e do meu pai.”. Então ela disse, de uma forma inesquecível: “que Deus

abençoe suas mãos!”. Sempre vou me comover. Eu “ouço”como se fosse neste instante e assim será eternamente!

Muito longe de esgotar o assunto, apenas arranhando, mas com absoluta verdade aos

acontecimentos, há muito ainda a dizer! É provável que venha a fazer isto ou, quem sabe,

provocar alguém mais capacitado a fazê-lo, mas, como já disse, por razões testemunhais de memória e finitude, simples assim, ousei esta nobre tarefa.

Hoje, tantos anos após todos estes fatos, estamos sob outras mãos. Lembro-me dos im-

prescindíveis, entre eles, simbolicamente homenageando tantos, que é impossível citá-los,

ao Mestre Eduardo Trevisan e ao Dr. José Mariano da Rocha Filho, que, em seus últimos momentos fisicamente entre nós, foi contemplar a nossa imensa, imortal e real UFSM, certa-

mente com olhos felizes e com justa certeza de que viu “a universidade mais linda do mundo” iluminar para a eternidade!

Parabéns à nossa Universidade Federal de Santa Maria – UFSM! Obrigado por traçar e con-

solidar caminhos! Possibilitando e auxiliando a realização e a concretização de infinitos sonhos! GRATIDÃO!

Flamarion Trevisan

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