1973, Quando Tudo Começou, História do Primeiro Salão Brasileiro de Humor e Quadrinhos

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1973, QUANDO TUDO COMEÇOU


ORGANIZADORES: Benedito Guimarâes Aguiar Neto Gabriel Ferrato dos Santos Alexandre Huady Torres Guimarães Adolpho Queiroz Fernando Coelho dos Santos Gualberto Costa Rosangela Maria Rizzolo Camolese COLABORADORES: Celso Figueiredo Cleverson Pereira de Almeida Fausto Guilherme Longo Glaucia Eneida Davino Isabel Orestes Jacob Klintowitz João Batista Freitas Cardoso José Estevão Favaro José Maurício Conrado Moreira Da Silva Marcel Mendes Marcos Duarte Maria de Lourdes Bacha (in memorian) Maria Lucia M. Carvalho Vasconcelos Perrotti Pietrangelo Pasquale Regina Giora Ricardo Morelato Roberto Gondo Macedo Rosana Schwartz Valéria Bussola Martins Vanessa Molina Zélio Alves Pinto DIRETOR DE ARTE: Gualberto Costa DIAGRAMAÇÃO: Will REVISÂO: Cati Domingues Bruno Mello RESPONSABILIDADE EDITORIAL: IMAG – Instituto do Memorial das Artes Gráficas do Brasil Diretoria: João Gualberto Costa Douglas Quinta Reis Daniela Rangel Baptista Renata Dorce Armonia Impresso em agosto de 2016, 2.000 exemplares, distribuição gratuita (institucional).

1973, Quando Tudo Começou – história do I Salão Brasileiro de Humor e Quadrinhos Aguiar Neto, Benedito Guimarães; Dos Santos, Gabriel Ferrato; Guimarães, Alexandre Huady Torres; Queiroz, Adolpho; Dos Santos, Fernando Coelho; Costa, Gualberto e Camolese, Rosangela Maria Rizzolo, 1ª edição – agosto de 2016 – 2 mil exemplares – Impresso no Brasil, Gráfica CS Eireli - EPP 152 páginas ISBN nº 978-85-68898-09-3 1. Humor Gráfico; 2. Salão de Humor; 3. História do Salão de Humor do Mackenzie Índices catálogo sistemático: Lei nº 10994 de 14/02/2004, impressopara no Brasil

CDD 770

a.1973, Quando tudo começou – História do I Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos b.Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos


Massaranduba, Aroeiras e Bacamarte Benedito Guimarães Aguiar Neto

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PELA LINGUAGEM DO HUMOR GRÁFICO, UM ENCONTRO DE HISTÓRIAS ALEXANDRE HUADY TORRES GUIMARÃES

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DO SONHO À REALIZAÇÃO DO PRIMEIRO SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS FERNANDO COELHO DOS SANTOS

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O EXERCÍCIO DA AUTORIDADE ROBERTO GONDO

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DUELO DE REIS CELSO FIGUEIREDO

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GOYA, MANET E MIGLIACCIO VALÉRIA BUSSOLA MARTINS

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DEUS ESTÁ?

ISABEL ORESTES

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O CARRASCO ALEXANDRE HUADY TORRES GUIMARÃES

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ANGÚSTIA E MELANCOLIA: CRIADOR, CRIAÇÃO CRIATURA GLAUCIA DAVINO

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CATEQUIVISÃO MARIA DE LOURDES BACHA

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ENTRE MENINAS E CAVEIRAS ROSANA SCHWARTZ

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NOVA TELA MARCOS DUARTE

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MARCOS COELHO BENJAMIM, O DESINVENTOR JACOB KLINTOWITZ

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REFÚGIO PARA TALENTOS ZÉLIO ALVES PINTO

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II SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS GUALBERTO COSTA

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APARÊNCIAS ENGANAM CLEVERSON PEREIRA DE ALMEIDA

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CENAS RECORRENTES: algo mudou entre 1973 e 2016? VANESSA MOLINA

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O POVO ACLAMA PERROTTI PIETRANGELO PASQUALE

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O CENSOR MARIA LUCIA M. CARVALHO VASCONCELOS

CENÁRIO POP COM CORPOS, LUZES E SOMBRAS

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MOREIRA DA SILVA

MOTOC

JOSÉ MAURÍCIO CONRADO

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JOSÉ ESTEVÃO FAVARO

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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE “RIOBALDO, O SEU PATRULHEIRO IDEOLÓGICO” REGINA CÉLIA GIORA

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UMA PEQUENA FÁBULA JOÃO BATISTA CARDOSO

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SURGE UMA NOVA GERAÇÃO Gualberto Costa

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RIR FAZ PENSAR: A CONTRIBUIÇÃO HISTÓRICA DO SALÃO DE HUMOR DE PIRACICABA ADOLPHO QUEIROZ

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CONTRIBUIÇÕES DA PREFEITURA DE PIRACICABA PARA O DESENVOLVIMENTO DO SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR GABRIEL FERRATO DOS SANTOS e ROSANGELA Maria RIZZOLO CAMOLESE

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O HUMOR NA IMPRENSA UNIVERSITÁRIA DO MACKENZIE MARCEL MENDES

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METALINGUAGEM: UMA POÉTICA GRÁFICA Ricardo Morelato

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AO MESTRE, COM CARINHO! FAUSTO GUILHERME LONGO

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Foto de 1929 do Mackenzie na época do bonde na Rua Maria Antônia (retirada do livro “Mackenzie na Medida dos Fatos”, de Carlos Del Nero.)

prefácio

Massaranduba, Aroeiras e Bacamarte Benedito Guimarães Aguiar Neto

Ilustrações de Itajahi Martins, que foi professor e diretor da Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Em 1973, eu ingressava na vida universitária em Campina Grande, na Paraíba, como aluno de graduação do Curso de Engenharia Elétrica, que me levaria a ocupar posteriormente várias funções e cargos no Ensino, na Pesquisa, na Extensão e na Gestão da própria Universidade Federal da Paraíba. Naquele ambiente meus ouvidos acostumaram-se com nomes típicos de cidades da região metropolitana de Campinas Grande como Massaranduba, Aroeiras, Riachão do Bacamarte, dentre outras. Com o desenvolvimento acadêmico e profissional, esses nomes de cidades foram incorporados ao imaginário popular e miscigenaram-se com autores e personagens do universo do humor. Ao ler O Alienista, conto composto por Machado de Assis, em 1881, defrontei-me com um personagem chamado Simão Bacamarte, um médico preciosista que começou a internar todos os moradores de Itaguaí num hospital prisão, personagem que os autores das histórias em quadrinhos transformaram, posteriormente, em ícone. Os herdeiros de um projeto bem-sucedido no campo das histórias em quadrinhos na Universidade Federal do Rio de Janeiro, depois absorvidos no programa televisivo humorístico Casseta e Planeta, também criaram um personagem cujo nome me lembra aqueles tempos em que vivia na região nordeste: Massaranduba, interpretado pelo comediante Claudio Manuel, em parceria com o irreverente Bussunda. Massaranduba era proprietário de uma academia de artes marciais que resolvia tudo, como era o seu bordão, na base da “porrada”. De Aroeira, vem a lembrança um autor importante no campo do humor gráfico, o mineiro, já quase carioca, Renato Aroeira, que passou pela redação do jornal O Globo e hoje atua no jornal O Dia, onde, com sua pena incansável, transforma o dia dos cariocas e brasileiros, em algo mais divertido. 9

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Naquele mesmo e importante ano de minha vida, 1973, acontecia aqui em São Paulo, um fato que me trouxe imensa surpresa e alegria quando descoberto. Foi com o apoio da Universidade Presbiteriana Mackenzie que, com o auxílio do DCE, Diretório Central dos Estudantes, foi realizado um evento que aproximou a história da nossa instituição ao campo do humor gráfico: a realização do I Salão de Humor do Mackenzie, no dia 14 de outubro de 1973, o primeiro realizado no Brasil com esta característica. Depois dele vieram outros: o de Piracicaba, em 1974, hoje o mais antigo do mundo; o Salão Paraibano de Humor em 1985 e o Salão de Humor de João Pessoa, em 1986, revelando autores conterrâneos, além de outros 123 salões espalhados pelo nosso país, divulgando, com a sutileza dos traços dos seus artistas, uma produção reconhecida internacionalmente no campo do humor gráfico, por seus cartuns, charges, caricaturas e histórias em quadrinhos, que denunciam as contradições do nosso tempo, lutam contra o pensamento único e arejam nossa imaginação com uma provocação inteligente. Tão logo soube de evento histórico de tal importância para

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Simão Bacamarte na adaptação quadrinizada do Alienista por Fábio Moon e Gabriel Bá, que recebeu o prêmio Jabuti; personagem Massaranduba do programa Casseta e Planeta e o chargista Renato Aroeira.

nossa Instituição, solicitei aos amigos e professores do Centro de Comunicação e Letras que não deixassem essa história cair no esquecimento. Assim, depois de uma articulação editorial exitosa, conseguimos legar ao futuro um pedaço da nossa história que precisava ser registrado, o livro 1973, quando tudo começou. Divido com os colegas organizadores dessa obra, Prof. Dr. Alexandre Huady Torres Guimarães, nosso Diretor do Centro de Comunicação e Letras, e Prof. Dr. Adolpho Queiroz, presidente do Conselho Consultivo do Salão de Humor de Piracicaba e também nosso professor Centro de Comunicação e Letras, o trabalho realizado e o prazer pelo que se poderá ler nas próximas páginas. Minha gratidão também se amplia a todos os nossos professores e parceiros que tornaram esta obra possível. Em especial, ao antigo aluno da casa, Fernando Coelho dos Santos e ao artista gráfico Zélio Alves Pinto, pela iniciativa daqueles dias. E, por fim, minha gratidão ao Sr. Prefeito de Piracicaba, Prof. Dr. Gabriel Ferrato dos Santos, e a Secretária de Ação Cultural, Rosangela Camolese, pelo apoio decisivo que nos deram para viabilizarmos esta publicação.

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Charge de Manuel de Araújo Porto-Alegre de 1837, uma das primerias feitas no Brasil, já denunciava a corrupção na política brasileria.

Apresentação

PELA LINGUAGEM DO HUMOR GRÁFICO, UM ENCONTRO DE HISTÓRIAS ALEXANDRE HUADY TORRES GUIMARÃES

Capa do “Diabo Coxo” primeiro jornal editado no Brasil por Angelo Agostini em 1864.

RIAN (Nair de Teffé) publicou sua primeira charge em 1907 na revista Fon-Fon.

O humor é elemento constante na história das manifestações artísticas e culturais do universo da língua portuguesa. Logo no princípio, nos idos do século XII, quando as produções literárias eram compostas em um Portugal que começava a despontar como nação independente, nossa literatura já foi classificada dicotomicamente. Uma parte dessa produção recebeu a alcunha de cantiga lírica e a outra de cantiga de escárnio, essa última subdividida em cantigas satíricas e cantigas de maldizer. Ou seja, lá em nossa fonte está manifesto o humor que não nos abandona com o correr do tempo. Diacronicamente, as produções que nos levam ao riso – seja ele leve, ingênuo, crítico – estão grafadas em nossa história em várias linguagens, em diferentes suportes e por diversas personalidades. Um breve passeio ainda pela área das Letras traz à nossa memória as personagens tipo construídas por Gil Vicente; a criticidade das Cartas Chilenas à época em que o Brasil já pleiteava sua independência da corte portuguesa; Leonardo, o filho da pisadela e do beliscão; o ácido humor machadiano, que muitas vezes levou o leitor a visualidade como no caso da Vênus Manca, Eugênia,: “Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita?” A modernidade e contemporaneidade literária não abandonaram essa estrada, mas, conforme sugerido, os artistas visuais também valeram-se desse traço em suas composições. O fotojornalismo nacional fez isso com primor. Desde nossos fundadores até nossos companheiros do cotidiano. Transformaram-se em marcos fotografias de Evandro Teixeira, Guinaldo Nicolaevsky, Jean Solari, Jair Cardoso, dentre outros, assim como a do jovem fotógrafo Leonardo Rodrigues Martins, vencedor do prêmio Foto retrospectiva 2014 Arfoc/SP. 13

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O cenário do humor gráfico também registra, em sua história, seus precursores e alguns mitos no universo da cultura portuguesa. No Brasil, ele marca território a partir da travessia do Atlântico, em 1808, pela Família Real que transfere a corte para terras brasileiras e traz para cá a imprensa escrita. Liberada a imprensa nas terras da Colônia, que já vira algumas tentativas tipográficas no século XVII, inicia-se a história dessa linguagem com traços de brasilidade que, no princípio, encontrou um público ainda formado em grande parte por pessoas de pouca leitura e, também, por analfabetos. À época, para alguns estudiosos, o Nordeste e o Rio de Janeiro foram locais de destaque na constituição do humor gráfico vinculado à imprensa. A própria monarquia foi alvo de um dos precursores do humor gráfico brasileiro. O italiano Ângelo Agostini, fundador do primeiro jornal ilustrado publicado em São Paulo – O Diabo Coxo –, que contava com a participação do também abolicionista Luis Gama, tinha constantemente em sua mira o imperador D. Pedro II. O século XX registra, na área, a presença da primeira caricaturista mulher que exerceu seu trabalho até casar-se com Hermes da Fonseca, oitavo Presidente da República do Brasil, e ocupar a posição de primeira dama: Rian (Nair de Teffé). Dentre tantas e relevantes produções do século passado, entre 1969 e 1991, um semanário, O Pasquim, marcou a história do humor brasileiro contando tanto com a presença de um grupo de colaboradores de extrema importância na cultura nacional, dentre eles, não sendo possível nominar todos: Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Millôr Fernandes, Ziraldo, Fortuna, Claudius, Miguel Paiva, Paulo Francis, Henfil, Ruy Castro, Rubem Fonseca, Chico Buarque, Cláudio Paiva, Reinaldo Figueiredo e Hubert Aranha. Ao longo dos anos, dentre tantas ações que envolvem o ensino, a pesquisa e a extensão, nascida como instituição de ensino no ano de 1870, a Universidade Presbiteriana Mackenzie compartilhou e construiu parte dessa história. 1973 foi um dos momentos em que a Universidade Presbiteriana Mackenzie vinculou-se mais diretamente ao humor gráfico brasileiro e à possibilidade de que novos caminhos fossem trilhados por ele. Por meio da iniciativa Fernando Coelho estudante do curso de Economia no campus da UPM, no dia 14 de outubro de 1973, o Museu Lasar Segall, situado à Rua Berta 111, na

A primeira edição do jornal O PASQUIM saiu nas bancas no dia 26 de junho de 1969.

Capa original do CD do documentário realizado pela TV Mackenzie, sobre o

I Salão Mackenzie de humor e quadrinhos.

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Vila Mariana, em São Paulo, recebeu o I Salão Mackenzie de Humor e quadrinhos, que contou com a presença de jurados vultosos, dentre os quais os artistas gráficos d´O Pasquim Ziraldo, Jaguar, Fortuna, Millôr, Zélio e Ciça; o jornalista Sérgio Augusto; o quadrinista Mauricio de Sousa; o diretor da Escola Panamericana de Artes, Enrique Lipszyc e o pesquisador Álvaro de Moya. O cenário cultural no ambiente universitário mackenzista estava efervescente. O Teatro Ruy Barbosa, espaço para aproximadamente 1.000 pessoas, recebia com frequência peças de teatro, exibições cinematográficas e shows de artistas populares. O engajamento de estudantes era manifesto e a Universidade Presbiteriana Mackenzie mantinha-se aberta aos diálogos. Nesse espaço de relevância ao humor gráfico, ousado para aquele momento histórico marcado pela ditadura militar e por uma imprensa universitária ativa em que se destacam jornais como O Picareta, que revelou o cartunista Callia. Consciente de seu papel histórico, que em 2020 chegará ao sesquicentenário, a TV Mackenzie, em um de seus projetos, retornou aos anos 1970 e produziu um documentário com algumas das personagens que deram vida ao I Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos e que, em 1979, organizaram sua segunda versão. O canal universitário e o YouTube, em se tratando de século XXI, foram alguns dos meios de divulgação desse produto. Sabemos que mais sabor podem ganhar os fatos e, assim sendo, o Centro de Comunicação e Letras, formado por três cursos de Graduação – Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Letras – um curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Letras, alguns cursos de Pós-graduação Lato Sensu e Extensão e composto por aproximadamente 4.000 alunos e mais de 120 professores tem, dentre eles, um que mantém ligação especial com essa história: Adolpho Queiroz. Das dependências da UPM, o Salão de Humor migrou para Piracicaba, cidade natal de Adolpho Queiroz, estudioso e entusiasta do tema, além de profissional engajado a ele. Com o correr dos anos e dos trabalhos coletivos, uma das característica do CCL, pude participar com outros colegas da unidade universitária da escrita de um livro que versava sobre a interpretação de trabalhos premiados ao longo da trajetória do, agora, Salão de Humor de Piracicaba, Balas não matam ideias, construído em parceria com a então aluna do nosso curso de Publicidade e Propaganda, hoje já formada e trabalhando na Agência Publicis, uma das mais conceituadas no

Livro BALAS NÃO MATAM IDEIAS com interpretação de trabalhos premiados ao longo da trajetória do SALÃO

INTERNACIONAL DE HUMOR DE PIRACICABA.

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país, Letícia Hernandez Ciasi, e patrocinado pela Secretaria de Ação Cultural da Prefeitura de Piracicaba. A seguir foi a vez do Celso Figueiredo, o Keko, que participou do projeto como júri de seleção do Salão de Humor de Piracicaba. Em seu retorno, mais uma vez em ação conjunta, o CCL organizou no espaço de convivência do edifício Reverendo Wilson de Souza Lopes, Rua Piauí 143, onde está situada a equipe gestora da unidade universitária, uma exposição com alguns dos trabalhos do Salão de Humor de Piracicaba. Estava na hora de passos maiores serem dados. Depois de várias conversas, sempre informais, por meio do Adolpho Queiroz, oficializamos nosso relacionamento, já existente, com os amigos de Piracicaba. A Secretária de Cultura, Rosangela Camolese visitou-nos para estabelecer os critérios da parceria com a ajuda da Assessoria Jurídica da UPM e, assim, construímos um acordo de cooperação que foi assinado no início de 2015, determinando planos e ações a serem desenvolvidos para que, com a parceria, a cidade de Piracicaba e a Universidade Presbiteriana Mackenzie exerçam substanciais papeis no humor gráfico brasileiro. Foi na cerimônia de assinatura do convênio que o Mag. Reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Prof. Dr. Benedito Guimarães Aguiar Neto, publicamente fez o pedido: “Quero um livro sobre este primeiro Salão!” Pedido feito, trabalho iniciado. E agora concluído. No percurso surgiu o honroso convite para que eu pudesse conhecer as águas do Rio de Piracicaba e participasse do Júri de Premiação do Salão de Humor de Piracicaba de 2015 composto por mais de 400 trabalhos de 58 países. Lá, além de jurado, acabei por secretariar o júri presidido pelo também professor da UPM, Luiz Gê, e composto, ainda, por Laerte Coutinho, pelo Secretário Estadual de Cultura de Piracicaba, Marcelo Matos e pelas cartunistas internacionais Nani Mosquera, da Espanha, e Cristina Sampaio, de Portugal. Em paralelo e incansavelmente, trabalhamos em São Paulo para organizar a exposição dos trabalhos premiados ao longo dos 42 anos pelo Salão de Humor de Piracicaba; uma oficina sobre o Salãozinho de Humor, com apoio do professor do curso de Publicidade e Propaganda do Centro de Comunicação e Letras, Ricardo Morelato e do cartunista Erasmo Spadoto, para os alunos do Colégio Presbiteriano Mackenzie que imediatamente se engajou no projeto realizado, em parte, no Centro Histórico e Cultural Mackenzie, mesmo local da assinatura do convênio e que receberá as novas exposições já projetadas. 1973, QUANDO TUDO COMEÇOU

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Mas faltava terminar o presente livro. Em equipe, para variar, selecionamos e colhemos trabalhos vencedores, conversamos muito, ouvimos colegas, buscamos novas opiniões, convidamos diversos professores do Centro de Comunicações e Letras, e outros centros do Mackenzie, relerem os trabalhos do passado; colhemos o depoimento do jornalista Jacob Klintowitz sobre o artista Marcos Benjamim, um dos vencedores do nosso I Salão do Mackenzie; resgatamos a história da imprensa universitária com o Prof. Dr. Marcel Mendes, baluarte das pesquisas da história do Mackenzie, à época vice-reitor da UPM, fomos brindados por Zélio, que releu o primeiro cartaz do Salão de Humor, de sua autoria, e compôs a capa que abre esse novo fragmento da história. Portas abertas, segue o convite para leitura. Nas palavras de Arnaldo Antunes, em A casa é sua, “Só falta o seu pé descalço pra pisar”. Entre e compartilhe com todos, nessa obra coletiva, um pouco dessa história envolvida no humor. E como humor é coisa séria e construção em conjunto é fundamental, ficam os meus agradecimentos: a um dos organizadores desse livro, Prof. Dr. Benedito Guimarães Aguiar Neto, que ao fazer o pedido e, portanto, dar a ideia, gerou a obra; a outro organizador, Adolpho Queiroz, nosso incansável professor que foi, literalmente, a ponte entre a UPM e Piracicaba; ao Prof. Dr. Marcel Mendes, confrade da Academia Mackenzista de Letras, que jamais nega auxílio a qualquer projeto que cuide da prosperidade do Mackenzie e, ainda, a cada um dos autores que gentilmente ajudaram a tornar possível o registro do encontro de histórias.

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Cartaz de convocação aos desenhistas para enviarem os seus trabalhos. Zélio, autor desta arte, também fez outro convidando para a exposição.

DO SONHO À REALIZAÇÃO DO PRIMEIRO SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS FERNANDO COELHO DOS SANTOS

Fernando Coelho, o jovem cabeludo e barbudo, que criou o primeiro salão de humor brasileiro.

Entrei na Faculdade de Economia do Mackenzie em 1971, em 72 me tornei Secretário do Diretório da Faculdade, em 1973 ingressei no DCE (Diretório Central dos Estudantes) do Mackenzie como Vice Presidente Administrativo. Foi aí que, ao mexer na papelada do Diretório, encontrei informações sobre a realização, dois anos antes, de um Concurso interno de Caricatura que o Alcy Linares, então aluno da arquitetura, foi o grande premiado. Desde 70 eu ia direto para o Rio de Janeiro, adorava o Pasquim e seus cartuns, e ao ler essa história fiquei super entusiasmado com a idéia desse concurso. O material fazia referência à Sonia, ex- aluna do Mack que tinha sido a organizadora, e a um cara chamado Zélio, que tinha ajudado na organização. Comecei a procurar no Mackenzie quem conhecia a tal Sonia, encontrei a moça, que muito simpática me levou à casa do Zélio, e assim em abril de 73 conheci o mestre, o guru querido, Zélio Alves Pinto, e, de conversa em conversa, em maio o evento já tinha tomado corpo. Zélio falou, “Porque a gente não amplia para São Paulo, não vamos fazer só para os alunos do Mackenzie, vamos permitir também que mais artistas participem !” Daí decidimos fazer um evento de desenho de humor, que engloba, além da caricatura, a charge e o cartum, e incluímos a história em quadrinhos no contexto do concurso. E fomos mais longe, “ Porque não fazermos logo o evento abranger o Brasil todo?”, provocou Zélio. Topei, e no final de maio a ideia já estava formatada. Começamos a 19

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redigir o regulamento, e como eu tinha autonomia no cargo, já fui separando uma boa verba do diretório para os prêmios e para a organização. Era um bom dinheiro, por isso resolvemos dar quatro prêmios para desenho de humor e quatro para quadrinhos, e depois conseguimos patrocínio para um prêmio especial, ganho pelo mineirinho Benjamim, hoje artista consagrado internacionalmente nas artes plásticas. Zélio fez um cartaz só para a divulgação do Salão, com o regulamento e valores da premiação, outro para divulgar a exposição, conseguimos patrocínio para a impressão, a Reitoria do Mack ajudou um tantim com impressos que enviamos para rádios, jornais, TVs e Faculdades de todo o Brasil, e começamos a divulgação, que como em tudo que aconteceu, com o guru Zélio sempre orientando e ajudando na indicação das pessoas chaves do meio das artes e do meio jornalístico. “Mas Zélio, eu não conheço ninguém !”, ele ligava para as pessoas, abria as portas, e eu tocava o trem. Mas como era do Mackenzie, as pessoas ainda estavam com a mente impregnada pela briga de 68 na Maria Antônia, por isso resolvemos não fazer a exposição dentro da Universidade. Foi quando o Zélio soube que o Museu Lasar Segall estava em reforma. Fui conversar com o Mauricio Segall, Presidente do Museu, ele achou boa a ideia de uma exposição de humor e quadrinhos, e como já tínhamos marcado uma data, de 14 a 28 de outubro, para nossa alegria coincidiu com a data de reinauguração do Museu, e o Mauricio topou logo de cara. E a coisa foi crescendo, Zélio abria as portas, eu ia convencendo. Falei para o Zélio que o júri tinha que ser o pessoal do Pasquim, e ele sempre safo, orientou colocar num papel o nome dos jurados que estava convidando, e a cada um que concordasse, eu pediria para assinar. Assim foi, e o papel com assinatura dos papas foi de enorme importância na divulgação. O primeiro que contatei foi o Mauricio de Sousa, que concordou e assinou. Fui para o Rio de Janeiro “enfrentar” a turma do Pasquim, e quando eu contei que era do Mackenzie os caras deram ré, mas com jeito eles foram se convencendo e assinando. A minha figura quebrava o gelo,

O MUSEU LASAR SEGALL foi o espaço escolhido para a exposição dos trabalhos selecionados do 1º Salão Mackenzie.

A trágica BATALHA DA MARIA ANTONIA em 1968, entre estudantes do Mackenzie e da Filosofia da USP, que terminou com a morte do estudante secundarista, José Carlos Guimarães.

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ZÉLIO, importante mentor na realização do 1º Salão Mackenzie.

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JURADOS

era tipo hippie de butique, barbudo, cabeludo, cheio de colares, anéis e pulseiras que comprava na incensada feira hippie do Rio de Janeiro, nada parecido com um paulista universitário de Economia. Com o Ziraldo eu conversei na casa do Zélio, que é irmão dele. Zélio, como sempre, abria a porta e saía de lado. Quando eu falei do Mackenzie pro Ziraldo, ele disse “Mackenzie nem pensar !”. E eu com toda aquela energia e atitude dos 23 anos, sapequei “Não é assim, eu entrei na faculdade em 1971, não estava lá em 68 quando a briga da Maria Antonia aconteceu, 99% das pessoas que estão na facul não tem nada a ver com o pessoal de 68, não fomos nós que criamos essa encrenca, não fomos nós que brigamos, que saímos na porrada com os caras da Filosofia da USP, e tem mais, eu não desenho, não ganho dinheiro com esse trabalho, estou organizando um evento cultural da área de vocês, e o Mackenzie tem uma baita de uma linda história nas áreas dos esportes e da cultura”. Aí me levantei e completei, “Não dá pra entender, você precisa compreender o outro lado da história, estamos fazendo uma coisa legal pros artistas, pra prestigiar a atividade aí de vocês, e você vem me falar duma diferença que têm com a Instituição ?” Daí cresci na frente do grande mestre, o cara até reconheceu, assinou o papel, e hoje, alegre e feliz, faço parte dessa grande família dos Alves Pinto. Bem, chegamos ao final de junho com regulamento feito, local da exposição em cima, jurados confirmados, e tínhamos que fazer a divulgação em jornais, rádios, televisão e faculdades. Naquela época não tinha internet, é claro, a comunicação era via correio, e tivemos a sorte de poder fazer um amplo cadastro com endereços da mídia e das faculdades brasileiras. O guru, sempre orientando, sugeriu que fizéssemos um texto para jornal, outro para rádio, outro pra tv, e que para as faculdades também enviássemos o cartaz. Assim foi feito, e o resultado veio à galope.

ZIRALDO

FORTUNA

JAGUAR

SÉRGIO AUGUSTO

CIÇA

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ZÉLIO

MAURÍCIO DE SOUSA

MILLÔR FERNANDES

ENRIQUE LIPSZYC

ÁLVARO DE MOYA

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DO SONHO À REALIZAÇÃO DO PRIMEIRO SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS Em seguida, Zélio contou que tinha uma moçada incrível na USP, que era o pessoal do fanzine “Balão”, ao que comentei “USP com Mackenzie é treta !”, mas como não sabia o que era timidez, lá fui eu conhecer o pessoal do Balão. Eles faziam reuniões semanais na casa do Laerte no Butantã, por ali. Fui conversar, então, com o Laerte, Chico e Paulo Caruso, Luiz Gê e os outros integrantes do grupo. Não conhecia pessoalmente ninguém, a não ser o Angeli, que já tinha encontrado no estúdio do Zélio. O pessoal botou fé, e de agosto a setembro recebemos mais de novecentos trabalhos vindos de diversos Estados brasileiros, e até dois do Exterior, lotando a sede do DCE. Logo depois da conversa com o pessoal do Balão, fui contar sobre esse evento para amigos da TV Bandeirantes, o Paulo e o Johnny Saad, que me levaram ao Cláudio Petraglia, responsável pela grade da programação dirigida às artes e cultura. Eles adoraram a ideia e ficou combinado um programa de tv sobre o Primeiro Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos. A TV Bandeirantes tinha um teatro na avenida Brigadeiro Luis António, onde fizemos a seleção dos trabalhos, depois montamos a seleção inteira nos estúdios da TV no Morumbi, e o júri numa noite foi lá julgar, enquanto era gravado o programa. Tudo isso antes de inaugurar a exposição no Museu Lasar Segall, onde montamos definitivamente os trabalhos selecionados, já com os premiados definidos, e ainda conseguimos trazer os vencedores para receber os prêmios no dia da inauguração, um sucesso! O programa na TV Bandeirantes foi ao ar logo em seguida da abertura da exposição, e conseguimos ampla divulgação. A Veja, única revista semanal da época, que em sua pri-

ANÚNCIO do programa especial da TV BANDEIRANTES, que apresentou o making of do julgamento, com entrevistas, cenas dos trabalhos selecionados e a declaração dos premiados. No final cada jurado fez um desenho e assinou.

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meira edição publicou extensa matéria sobre a confusão de 68 na Rua Maria Antônia, nos deu uma elogiosa matéria de página e um tanto, espaço fabuloso na época. O Salão Mack saiu em todos os principais veículos da mídia de diversos Estados brasileiros, saiu muita coisa no Pasquim, e o Jaguar até me deu um apelido que sempre colocava nas tirinhas, “Fernando Coelho, o Dínamo”. Meu ego adorou !!! E na inauguração o Lasar Segall lotou de gente, foi incrível ! Aí o Zélio, sempre inquieto, falou “Não vamos parar por aqui não, vamos levar a exposição para o Rio de Janeiro !”. E assim foi, em dezembro inauguramos a exposição no MAM-Museu de Arte Moderna RJ, outro sucesso de público. Depois disso começamos a pensar sobre uma segunda edição. Conheci o Ralph Camargo, que tinha uma galeria de arte super badalada em São Paulo, mostrei o que foi o Salão Mack, ele curtiu e começamos a conversar, mas no meio tempo aconteceu uma coisa incrível : Zélio estava almoçando com o Ciccillo Matazzo, Fundador e Presidente da Fundação Bienal de São Paulo, contou do Salão, Ciccillo gostou da idéia, Zélio me ligou, e como seu anfitrião terminava de almoçar e ia dormir, fui correndo para lá, consegui pegá-lo acordado, mostrei o book do Salão Mack, e ele disse, “Adorei!”. Daí o Zélio contou que tinha um salão importante em Lucca, Itália, que era em final de outubro e começo de novembro de 1974, propôs ao Ciccillo me enviar como representante da Fundação Bienal, ele topou e me incumbiu de idealizar uma mostra internacional de Humor e Quadrinhos para a Bienal de 75. E assim um estudante de economia do Mack partiu para

JURADOS chegando no Museu Lasar Segall para gravação do programa especial da TV Bandeirantes.

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DO SONHO À REALIZAÇÃO DO PRIMEIRO SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS a Itália no final de outubro, dando chapéu na faculdade, com a gloriosa missão de contatar a nata internacional do humor, dos quadrinhos e do cinema de animação e traze-los à Bienal. Só não tomei pau no meu último ano da facul por uma bendita falta ! O Salão de Lucca tinha a programação de três dias de quadrinhos e três de desenho animado, passei quinze dias na Europa, e quando voltei fizemos, Zélio e eu, um projeto para a Fundação, englobando quadrinhos, desenho de humor e incorporando o desenho animado, para ser acoplado à Bienal Internacional de 1975. Acontece que surgiram problemas entre a Bienal e a Prefeitura de São Paulo. A Bienal sempre teve o governo Federal como patrocinador máster, mas naquele ano tinham feito um convenio com a Prefeitura, e o Prefeito ficou embarrigando a verba até que, faltando 10 meses para a abertura da Bienal,

CICCILLO MATARAZZO, fundador da Bienal Internacional de Arte.

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Premiados Iº SALÃO MACKENZIE 1973 Grupo Financeiro Godoy MARCOS COELHO BENJAMIM (MG) HUMOR Flávio Migliaccio (RJ) Mauro Kazuo Sato (SP) Helio Roberto Lage (BA) Martin Nuno Bittencourt (SP) Quadrinhos Neltair Abreu (Santiago) e Pedro Sosa (RS) Sérgio Cafaro Furlani (SP) Marco Antonio de Araújo Liesenfeld (RS) Elizabete Martins Pereira (SP)

Fotos da ABERTURA, vista geral do Museu e entrevista com Mauricio de Sousa para salvar sua realização, Ciccillo desistiu da Presidência, o Prefeito indicou um cara para a dirigir a Bienal, e o nosso projeto foi pras cucuias. Depois disso criamos a primeira distribuidora de tiras de HQ brasileira, ajudei o Zélio no Salão de Humor de Piracicaba e na maravilhosa exposição que ele fez no MASP, e hoje continuamos a nos humorar, sempre brindando à 1973, quando tudo começou. FERNANDO COELHO no Salão de Lucca (Itália). 25

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pasquim O Salão Mackenzie foi muito bem divulgado pela imprensa brasileira e pelas Universidades. Além disso, a TV Band, sob a coordenação de Cláudio Petraglia, produziu um programa de televisão, que foi ao ar no dia 15 de outubro de 1973.

Matérias veiculadas pela imprensa sobre o Iº Salão pasquim

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pasquim


Cidade de Santos

Com a relação completa dos participantes.

jornal da tarde

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Matérias veiculadas pela imprensa sobre o Iº Salão folha de s.paulo

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veja

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Matérias veiculadas pela imprensa sobre o Iº Salão jornal do brasil

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O diário – piracicaba

Publicado no dia de abertura do Salão.

Cidade de Santos

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Análise dos trabalhos premiados Conseguimos recuperar boa parte do acervo dos trabalhos vencedores nos dois primeiros Salões que o Mackenzie organizou em 1973 e 1979. E convidamos vários de nossos professores do Centro de Comunicação e Letras — cursos de jornalismo, publicidade e letras — para, com olhos de 2016, reinterpretarem estas obras, como se poderá acompanhar daqui por diante. Minha gratidão a todos os que se dispuseram a compartilhar desta aventura intelectual. (Alexandre Huady Torres Guimarães).

O EXERCÍCIO DA AUTORIDADE ROBERTO GONDO

MartiN Nuno Bittencourt premiado na categoria HUMOR no Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

Martin ao lado de Sérgio Augusto na premiação.

O ano de 1973 ainda representava um momento de inibição e censura dos direitos democráticos na sociedade brasileira. Mesmo depois de quase uma década de implantação do austero processo ditatorial, o país, sob a égide da liberdade de expressão, ainda era cerceado pelos ditames hostis do controle de imprensa e informação. O humor se estabelece globalmente e historicamente como uma das grandes forças didáticas sociais no que se refere à difusão de contextos e cenários políticos, e no Brasil não tem sido diferente. A peça apresentada por Martin Bittencourt ilustra de modo explícito o controle voraz das forças militares em território brasileiro, estabelecendo um pseudo senso de ordem progressista, com alto controle dos atores sociais formadores de opinião política e social. Uma tentativa de manter o padrão rigoroso de comportamento com o uso da força e imposição. O traço humorístico se caracteriza de forma bem perspicaz no alinhamento lógico do exercício de função do exército com o do exercício físico, representado pelo peso carregado pelo cidadão, diminuto diante da pressão militar imposta pelos elementos gestores do controle social do período. Utilizando uma concepção criativa e visual simplista, Bittencourt conseguiu promover o senso da disparidade e poder no uso dos seus personagens na cena da peça. Isto posto, com uma releitura estabelecida 42 anos depois da sua premiação, um dos pontos mais reflexivos e marcantes é visualizar, crer e considerar o contexto ilógico vivido pelos brasileiros, sob o ponto de vista democrático e participativo, mas também estabelecer um ponto de análise considerando a intrínseca relevância de poder viver em um ambiente mais libertário no campo das ideias, percepções e ações: seja no foro social, como no político. 33

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Mauro Kazuo Sato, premiado na categoria HUMOR no Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

DUELO DE REIS CELSO FIGUEIREDO

Mauro Sato ao lado de Zélio, no dia da premiação.

Jogo de reis. Estratégias de ataque e defesa. Táticas de combate. Matemática e poesia. O xadrez é um dos jogos mais jogados do mundo. Linguagem universal que perpassa culturas, crenças, ideologias e classes sociais. O combate de dois sem a interferência da sorte. Embate de mentes e a habilidade de pensar adiante com uma miríade de variáveis. Talvez aí resida o carisma desse jogo. A expectativa de vencer o oponente dentro de um quadro estanque de regras, com milhares de possibilidades. O melhor vence. Era o auge da ditadura. Época em que dizer o que se pensava poderia significar cadeia e tortura. Momento da cultura nacional em que artistas vagavam angustiados em busca de metáforas que permitissem sua expressão, sua indignação. É nesse contexto que surgiu o Salão de Humor, e nada melhor que o riso para criticar a sociedade ou para expor suas injustiças. Casados um contexto com um tema, materializa-se o trabalho do cartunista Mauro Kazuo Sato. Um trocadilho prenhe de significados. Um xequemate que está mais para mate que para cheque. Um modo de apontar que as regras não estavam sendo cumpridas e que o combate não mais se limitava ao tabuleiro da política, da sociedade, dos costumes ou da ética. Uma brincadeira aparentemente boba, mas que traduziu o espírito ora combativo ora esquivo de um tempo. Uma piada gráfica com potencial de crítica social. Esse trabalho, premiado no Salão de Humor do Mackenzie é um exemplo de como a arte pode mostrar, com graça, as vicissitudes de um tempo. Deu para entender ou quer que desenhe? 35

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Cartum de Flavio Migliaccio, premiado no Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

GOYA, MANET E MIGLIACCIO VALÉRIA BUSSOLA MARTINS

Flavio Migliaccio, na peça “Chapetuba Futebol Clube”, no Teatro Arena.

Todo processo de comparação pode ser realizado tanto sobre as semelhanças quanto sobre as diferenças, além de poder ocorrer sobre ambas. Já sabemos há algum tempo que ao tratamos de um texto, seja ele verbal, sonoro, visual ou audiovisual, não é viável o conceito puro de originalidade. Todo texto está impregnado por uma cultura, uma época, um local. O processo de confecção textual é influenciado pela somatória de vários textos, de várias influências; pela assimilação e pela transformação de textos antecessores. Esse processo é reconhecido como dialogismo ou como intertextualidade em que se evidencia a questão de que todo texto é a somatória de outros textos. Flavio Migliaccio, em sua composição textual imagética, valeu-se de uma estrutura sintática visual utilizada por diversas vezes em momentos anteriores a década de 1970, quando expôs o seu trabalho no I Salão de Humor do Brasil. Hoje é ator consagrado em telenovelas e seriados da Rede Globo de Televisão. No ano de 1814, o pintor espanhol Francisco de Goya compôs sua tela intitulada “Três de Maio de 1808 em Madrid, os fuzilamentos da montanha do Príncipe Pío” (2,66m x 3,8m), exposta no Museu do Prado, por meio da qual retrata o levante do povo madrileno, ocorrido no dia três de maio, que tentava impedir a saída de D. Francisco de Paula de Bourbon para França após a invasão da Espanha por Napoleão. Nesse momento, as tropas do imperador francês abrem fogo contra o povo. 37

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A mesma estrutura foi utilizada em óleo sobre tela (2,52m x 3,05m) intitulada “Execução do Imperador Maximiliano do México”, composta em 1868 por Édouard Manet. Em Goya, Manet e Migliaccio, os executores ocupam o lado direito da imagem enquanto o executado ocupa o esquerdo. Estruturalmente próximas, as composições visuais tratam de épocas e situações diferentes, compondo um cenário em que cada uma delas mantém sua unidade, sua totalidade, porém se enriquecem mutuamente. Flavio Migliaccio questiona o poder da mídia televisiva, tema posteriormente cantado em composição de Marcelo Fromes, Tony Belotto e Arnaldo Antunes: “A televisão/Me deixou burro/Muito burro demais/Oh! Oh! Oh! /Agora todas coisas/Que eu penso/Me parecem iguais/ Oh! Oh! Oh! ”. Passadas algumas décadas, encerrada a ditadura brasileira e findado o mundo político, cultural e socialmente bipartido, cabe uma nova reflexão ao poderio (bélico?) da televisão. Todavia, assim como um texto é a somatória de outros, fica para o espectador, com seus múltiplos olhares e possibilidade de escolhas de vendas, a tarefa de sintonizar uma conclusão.

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Cartum de Lage premiado na categoria Humor no Iº Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos.

DEUS ESTÁ?

Deus está? Essa pergunta feita pelo personagem do cartum aparece formulada no Salmo de Davi (Salmo 115:2) e leva-nos a pensar em uma vertente muitas vezes esquecida, mas decisiva no que se refere às questões teológicas: “a onipresença a de Deus”. Na doutrina bíblica significa dizer que embora Deus não esteja presente nas coisas criadas (panteísmo), Ele está presente em cada assunto humano de maneira providente e ativa em todos os lugares e em todos os momentos. Deus se faz presente para com os que invocam o Seu nome e se fez presença no mundo, ao se revelar na pessoa do Seu Filho, o Senhor Jesus Cristo (Colossenses 2:19). O questionamento feito, assevera uma limitação em relação ao conhecimento de Deus segundo a fé cristã, pois esta, concebe um Deus que tem o conhecimento de tudo (onisciente), um Deus que está em todos os lugares (onipresente), um Deus que pode tudo (onipotente). Todavia, buscar a presença de Deus parece ser algo recorrente para muitas pessoas, mas em especial quando estas possuem problemas concretos, quando vivenciam tempos difíceis ou de grande angústia. A grande questão que se coloca é: onde Ele está, para que se possa invoca-lo? A visualidade do cartum demonstra o desespero do sujeito que pergunta. Pela expressão do rosto decaído, pela barba por fazer, pelo modo como segura firmemente o chapéu ao ponto de amassá-lo ou mesmo pelo olhar catatônico, notase a singularidade e a particularidade da sua dor. Trata-se de um miserável, não sabemos se indigente ou não, está vestido e calçado, é um penitente que não suportando o sofrimento ao qual está imerso, busca ajuda e se posiciona em frente à porta (semiaberta) da igreja. O sujeito procura em Deus alívio para sua alma e deseja resposta. O gesto corporal denuncia a postura humilde do necessitado que clama: Deus está? O paradoxo se instala entre a necessidade real do sujeito e a possibilidade da solução do problema no encontro com o Sagrado.

ISABEL ORESTES

Lage e Zélio, na premiação.

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É de se esperar que na instituição religiosa o pecador ou o necessitado encontre ouvidos atentos para sua queixa e consolo para sua alma. É de se esperar ali, todo o acolhimento e afeto. Quem sabe, um olhar de misericórdia diante da angústia humana, ou de uma palavra que traga paz. Um outro personagem surge, é a figura do pároco que rígido parece não ver o aflito, pois seu olhar está distante e não esboça reação. Uma de suas mãos, espalmada segura a porta e somente parte do seu corpo se mostra. É a imagem de alguém que não saiu completamente “de dentro para fora”. O silêncio instalado na cena, após a pergunta, pode revelar também um outro fator interessante; o religioso estaria indiferente ou impactado com a pergunta. Estaria refletindo sobre a crise na qual o homem se acha? Estaria pensando e elaborando uma resposta que sinalizasse onde Deus estaria? É fato que estamos vivendo tempos contraditórios. Contemplamos um grande avanço da tecnologia que soluciona inúmeros problemas, mas também estamos cercados pela violência e degradação do ser humano. Tal argumento, significa dizer que sou eu e você o personagem do cartum. Somos, por vezes, aquele que busca respostas. Precisamos de Deus e desejamos ansiosamente encontra-lo e sermos por Ele consolados. Quando o desespero é crescente não o vemos e a fé parece esvair-se. Resta ao sofredor a tentativa de encontra-lo na instituição religiosa. “Mas Deus, não habita em templos feitos por mãos humanas” (Atos 17:24), e mesmo que não o encontremos, Ele nos encontra. “Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita na eternidade, o qual tem o nome de Santo: habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar o coração dos contritos” (Isaias 57:15). Ainda bem!

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O CARRASCO ALEXANDRE HUADY TORRES GUIMARÃES

Cartum premiado de MARCOS COELHO BENJAMIM, no Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

Benjamim recebe o prêmio das mãos de Maurício Segall

Em 1930, foi publicada a quarta obra, Libertinagem, de Manuel Bandeira, composta por uma sucessão de poemas modernistas que retratavam, dentre outras temáticas, a paixão, a musicalidade, a humildade, a morte e o humor. Um de seus poemas, largamente difundido, entre outros, no universo escolar, intitula-se “Pneumotórax”. Entre seus versos, constata-se o humor vinculado à morte. Nele, um médico que atende um paciente com problemas pulmonares solicita que este “Diga trinta e três”. Obediente, o paciente cumpre o seu papel e recebe o seguinte diagnóstico: “O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado”. Ao receber o diagnóstico, indaga o doente: “Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?”. Para sua pergunta recebe, no último verso do poema, a irônica resposta: “Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino”. Marcos Benjamim, em 1973, participou do I Salão de Humor do Brasil, realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, com o texto sincrético composto por apenas duas inserções verbais: a primeira é composta pelo numeral arábico “33”, grafado no uniforme do prisioneiro que, como Cristo, morto aos 33 anos, tem um prego cravado a um de seus pés e, no outro, uma chama. A segunda é composta pela oração “Diga, trinta e treis!”, mesma fala solicitada no poema de Bandeira. No escuro cenário que representa o calvário do prisioneiro, iluminado por um faixo de luz, estão dois algozes prontos para iniciar o flagelo. Sabedores do cronotopos brasileiro, percebemos o humor composto pelo texto visual, mas dilatado pela ordem do torturador que se vale de uma corriqueira fala utilizada nos consultórios médicos. No jogo conotativo e subjetivo, Manoel Bandeira vale-se da fugacidade da vida para estimular o eu-lírico a sugar os instantes que lhe restam. Marcos Benjamim, por sua vez, aproxima o carrasco que infligirá castigos físicos à figura do médico, profissional que tem como uma de suas funções a promoção da cura. Bandeira estimula a vida; Benjamim denuncia os maustratos, a tortura e a morte nos escuros e obscuros porões brasileiros. 43

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ANGÚSTIA E MELANCOLIA: CRIADOR, CRIAÇÃO CRIATURA GLAUCIA DAVINO

HQ de MARCOS COELHO BENJAMIM, duplamente consagrada pois ganhou também o Prêmio Especial no Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

Benjamim, no

dia da premiação.

A maior angústia da humanidade é a certeza da morte: natural ou apocalíptica. Pertencente às adversidades da natureza, o homem afasta-se do seu verdadeiro ser para tentar realizar o impossível, transformar-se num Eu além de sua singularidade terrena, colocando-se na posição de criador de si mesmo, crendo deixar a posição de vítima do destino para tornar-se sujeito de suas escolhas e de seus feitos. A ficção científica enriqueceu nossa imaginação com robôs inteligentes, sensíveis e obedientes aos nossos comandos. No hall da fama, entre literatura e cinema, foram eternizados tantos seres e/ou robôs humanoides. Manfra desvenda a perversidade do protagonista dos quadrinhos (1973), mas quem é ele? O personagem, caracterizado por forte oralidade, o seu aprendiz, dois seres obscuros, a ambientação visual simbolizada e a soturna cumplicidade da lua e da cidade provocam mentalmente, no leitor, formulações conjugadas com seu conhecimento de mundo. Manfra colocou o criador diante de sua criatura imperfeita. Ele a testa pressionando-a repetidamente à geração de medo, ansiedade e depressão, mas ela sucumbe apenas diante da abertura do Sexto Selo (Apocalipse), a última etapa de superação diante do medo [escuridão e devastação]. Medo, forte ferramenta do poder. Como leitor, a história em quadrinhos carregou minhas sensações para algo distante na linguagem, na estética, na duração: a complexa série do anime “Neo Genesis Evangelium”. Para evitar o Terceiro Impacto, que destruiria todo o mundo, são concebidos (obviamente por humanos, com boas e más intenções) os robôs EVA - Evangelium -, pilotados por adolescentes. Embora, cada uma das obras tenha filosofia, abordagem religiosa e psicológica distintas a respeito do homem, da criação e do fim do mundo, selecionei três falas simples do anime para apontar possível ponte mental que es45

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tabeleci entre o anime, a charge e uma das preocupações da humanidade, pois em 2012, matéria do The Observer afirmou que os robôs serão superiores aos humanos, aumentando as ameaças à existência. A maior angustia do ser humano poderá ser a fatalidade (que a ficção já anunciou) da criação virarse contra seu criador e ser capaz de destruí-lo. “Quando o homem criou o Evangelion, queria criar uma cópia de Deus”, “O final de toda evolução é a autodestruição” e “Depois de muito buscar, encontrei uma resposta óbvia, eu sou eu.” Então, quais são os acontecimentos que iremos escolher para o fim dos tempos?

Benjamim e seus colegas premiados, na cerimônia de abertura do Iº SALÃO MACKENZIE. Da direita para a esquerda, Lage, Sato, Elisabete, Martin, Sérgio e Benjamim.

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Páginas da HQ de MARCO LIESENFELD premiado no Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

CENÁRIO POP COM CORPOS, LUZES E SOMBRAS JOSÉ MAURÍCIO CONRADO MOREIRA DA SILVA

Ciça anuncia LIESENFELD, premiado na categoria quadrinhos.

A cultura pop daqueles dias mostrava-se muito presente no campo das artes. Entre corpos, luzes e sombras, Marco Liesenfeld ganhou o prêmio na categoria das histórias em quadrinhos justamente pela assimetria da sua obra. Conseguiu em apenas duas pranchas, com imagens difusas, compor um quadro inspirador sobre o comportamento humano nos anos 70, em relação à cultura, à música e, quem sabe até, à sensualidade. Uma HQ que saia do tradicional, com quadros definidos e balões, para entrar no non sense, aberto a múltiplas interpretações. Será um homem? Uma mulher? Um homem e uma mulher? Cabem muitos olhares, sugerem-se paixões, leemse marcas daqueles tempos estampadas nas camisetas, nos tipos de cabelos usados, nos óculos. Um olhar igualmente difuso, em busca de um novo paradigma. Provavelmente tenha sido a nova estética proposta pelo autor, que encantou os jurados da época. Ter construído uma HQ longe dos parâmetros singulares das HQs foi talvez a grande contribuição do artista, neste que foi um dos primeiros Salões de Humor do nosso país.

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CATEQUIVISÃO

Antes ele se chamava Neltair Abreu, depois transformou-se em um dos mais premiados artistas brasileiros e internacionais com o nome artístico de Santiago. Seu parceiro nesta primeira conquista do Salão de humor do Mackenzie de 1973 foi o roteirista Pedro Sosa. Mostram em formato tradicional das histórias em quadrinhos, duas pranchas, 21 desenhos, uma crítica aos colonizadores de todos os tempos. Pescando tranquilo, um índio avista ao longe a chegada de um padre, que começa a lhes dizer que homens não podem viver nus, que deveriam se casar apenas com uma mulher, que as feitiçarias — comuns entre a crença indígena — eram coisas do mal e os grandes valores da cultura humana estavam nos livros, nos esportes, nos bons costumes. E trazem de presente para a aldeia um aparelho de televisão. Perplexos os índios começam a assistir filmes de farwest, anúncios publicitários, jogos de futebol, shows de rock e vão ficando na frente do aparelho cada vez mais hipnotizados com aquele mundo novo. E trazem o novo mundo para a aldeia, no ultimo quadro da história, com xerifes e bares dominando a aldeia, promovendo jogos de futebol, dançando rock ou pulando de uma árvore como super-homem. A catequização estava concluída. Aliás, a — Catequivisão —, como bem sugere o título igualmente crítico da obra premiada.

MARIA DE LOURDES BACHA

NELTAIR ABREU (SANTIAGO) e PEDRO SOSA, com esta HQ, foram premiados na categoria quadrinhos Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

PEDRO SOSA , representando a sua dupla com santiago, recebe de Maurício de Sousa o merecido prêmio.

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Análise dos trabalhos premiados SÉRGIO FURLANI, com estas duas páginas foi o premiado na categoria quadrinhos do Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

ENTRE MENINAS E CAVEIRAS ROSANA SCHWARTZ

Jaguar entrega o prêmio para sérgio furlani.

Entendida como representação gráfica da esfera do simbólico, a Charge ou Cartoon é, antes de tudo, um fragmento de uma determinada conjuntura social, cultural e política, uma visão acerca de um acontecimento/situação/personagem. Interpretada como arte ou crônica, um tipo de linguagem social, uma narrativa que tem como matériaprima o cotidiano e o imaginário social de um determinado grupo em um determinado contexto, constitui-se em um documento da história. Impregnada de identificação e reconhecimento de alguma situação/personagem vivida ou observada pelo autor/artista apresenta nos seus ditos e não ditos questões que a história investiga desde os trabalhos da Nova História. (NERY, 2003). Apresenta um tipo de linguagem social narrativa, um discurso de quem produziu e observou. É uma versão humorada consciente ou inconsciente acerca de acontecimentos, situações e personagens. Desvela referencial ideológico e questões relacionais e geracionais. Repleta de significados torna-se sujeito, ou seja, um documento da história. Não é obrigatoriamente um discurso de contra poder ou de resistência, mas uma linguagem, uma representação imaginária, um lugar de manifestação e interação social. Formada por signos, têm função de representar ‘alguma coisa’ - “todo signo é uma espécie de imagem especular: o signo não é apenas um corpo físico que habita a realidade, mas também é capaz de refletir essa realidade de que ele é parte e que está fora dele” (SANTAELLA, 1996). Assim, é um espaço de manifestação repleta de múltiplos 55

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discursos e relações de poder. Produz e reproduz- forma e informa sentidos e significados acerca do seu tema na mente do observador. Por exemplo, o significado da morte e na cultura ocidental, representada pela caveira se dilui e se transforma em vida por meio da simplicidade do olhar de uma criança. A imagem aflora valores, regras e comportamentos como um espelho que reflete e refrata significados, valores, conceitos e sentidos, numa perspectiva dialógica. (SCHEINER, 1998). Transformada, transfigurada e deformada a morte/caveira é refletida pelos sentidos da criança. (BRANDÃO, s.d). Ao se apropriar dos acontecimentos e usá-los como matéria-prima para sua arte, o cartunista coloca a sua criação na condição de documento histórico. Seu teor analítico ultrapassa a simples transformação plástica. (PINTO, 2002). A percepção e o olhar atento do caricaturista em problematizar a complexidade da morte pela imagem da caveira e sorriso da criança revelam significados culturais invisíveis, assim como, comportamentos presentes na vida cotidiana. Síntese ou esquema que simplifica com humor um determinado acontecimento/ situação denota com espírito cômico uma questão problema. Provocar riso amplia aspectos que se deseja evidenciar, problematizar e questionar. O riso partilha com o inconsciente o espaço do indizível, do impensado, necessário para que o pensamento sério se desprenda de seus limites. (PINTO, 2002). Em alguns casos, mais do que partilhar desse espaço, o riso torna-se o carro-chefe de um movimento de redenção do pensamento. A natureza do humor, do riso não tem essência e sim história. O cômico, o riso tem função social, pertence à sociedade e pode ser encarado como ato libertador de emoções reprimidas, provocador de ruptura de determinismos - compreensão imediata de sentidos. Humor possui possibilidade cognitiva – estratégia de desfamiliarização, de deslocamento, de um ‘não-lugar. É espaço desconstrutor de pensamento concreto, ou seja, a linguagem não mantém juntas palavras e coisas. (BACCEGA, 1998). A ligação de espaços pelo arco-íris sublinha o gesto singelo e infantil de transposição de dificuldades, destaca aspectos da cultura ocidental presente na vida cotidiana, ponte na qual ligações subjetivas e objetivas dialogam. As caricaturas conseguem unir aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos das sociedades em narrativa simbólica. É uma ferramenta de poder, portanto, um documento revelador que por meio da sátira apresenta pistas para o historiador. (CANCLINI, 2003).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACCEGA, Maria A. Comunicação e linguagem - discursos e ciência. São Paulo: Editora Moderna, 1998. BRANDÃO, Helena H. N. Introdução à Análise do Discurso. 7a ed., Campinas: Editora da UNICAMP, s.d. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas – estratégias para entrar e sair da modernidade. 4ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003. NERY, Laura. Charge: cartilha do mundo imediato. Revista Semear, Rio de Janeiro, v. 7.Disponível em: <http:// www.letras.pucrio.br/catedra/ revista/7Sem_10.html>. Acesso em:01 de julho de 2004. PINTO, Milton J. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos, 2a. ed., São Paulo: Hacker Editores, 2002. ______. Marcas de enunciação em imagens. ECO, Publicação da PósGraduação em Comunicação e Cultura, Rio de Janeiro, Laboratório de Editoração/ECO/UFRJ, 1997. SANTAELLA, Lúcia. Cultura das Mídias. São Paulo: Experimento, 1996. SCHEINER, Tereza C. M. Apolo e Dioniso no Templo das Musas: Museu – gênese, ideia e representações em sistemas de pensamento da sociedade ocidental. 1998. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) - ECO/ UFRJ, Rio de Janeiro.

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As duas páginas de ELISABETH PEREIRA, que foram premiadas na categoria quadrinhos do Iº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS.

NOVA TELA MARCOS DUARTE

Elisabeth Pereira, no dia da premiação e abertura do Salão.

Uma leitura dos quadrinhos de Beth Pereira nos sugere uma relação de oposição entre a passagem do tempo versus a transformação do espaço. Uma paisagem, caracterizada por uma natureza exuberante, é contemplada por um pintor (único personagem dessa história) e começa a desaparecer (“POP”... “POP”... “POP”). Um homem diante de um cavalete em campo aberto é, quase, uma representação estereotipada de pintor. Toda história da arte está repleta de escolas e movimentos que fizeram da pintura de paisagem seu traço distintivo. Mais próximo de nós estão diversos pintores impressionistas, mais distantes estão naturalistas como o holandês Frans Post, no século XVII. Diante da constatação do desaparecimento da natureza, o artista – caracterizado com sua barba e longos cabelos, com sua calça “boca de sino”, ou seja, um jovem engajado nos movimentos de contracultura – desiste da tela e começa a desenhar na própria linha do horizonte. Começa, então, a preencher essa “nova tela” com aquilo que entendemos serem suas próprias referências: a paisagem urbana. Temos aí uma outra oposição, já irônica, pois em vários momentos os movimentos de contracultura defenderam uma relação do homem em proximidade com a natureza, mesmo que se tratando de uma natureza idealizada. Temos, ainda nessa sequência, uma outra oposição quando da passagem da intervenção artística do quadro para o horizonte, que pode ser entendida como uma intervenção direta do artista no mundo (além da tela), o que muito informa sobre os anseios dos jovens universitários em formação. Ítalo Calvino, em sua obra Um General na Biblioteca, pensa na cidade como um livro aberto pelo vento das ruas, ele nos diz que “[...] quando o vento nasce na cidade e se propa59

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Análise dos trabalhos premiados

ga de bairro em bairro como línguas de um incêndio incolor, a cidade se abre aos meus olhos como um livro [...]”. E muitas vezes, ao ler esse “livro” (especialmente em se tratando de metrópoles, como São Paulo), somos tomados por um sentimento bucólico, uma vaga sensação de “paraíso perdido” em uma memória distante em “que mediante o que se tornou pode-se recordar com saudades daquilo que foi”, como o mesmo Calvino registra em Cidades Invisíveis. E a Universidade Presbiteriana Mackenzie (onde se deu o Salão de Humor em 1973), então com mais de 140 anos de existência como instituição de ensino, também está inscrita neste “livro” que é a cidade de São Paulo, encravada em seu coração. Reconhecida como instituição formadora para o mundo do trabalho (sendo uma das primeiras escolas de engenharia do país, e com significativa presença em carreiras jurídicas e de negócios), a Universidade foi personagem e testemunha das transformações que o espaço urbano e a própria cultura sofreram ao longo do tempo. Diante da narrativa apresentada por Beth Pereira refletimos sobre duas forças fundamentais para o entendimento de toda obra de arte: o tempo e o espaço. E estamos falando, também, do próprio tempo e espaço de Beth – repleto de contradições e oposições (como já indicamos) das quais seus quadrinhos foram registro e documento – quando o Brasil vivia, em 1973, uma brutal repressão política e cultural, ao mesmo tempo que experimentava os benefícios materiais de um ciclo de urbanização e desenvolvimento sem precedentes em nossa história (o “milagre econômico”). O “pintor” e o mundo que se transforma diante dele (e com sua intervenção direta) é o mundo vivido pela autora.

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DECLARAÇÕES DOS JURADOS Nos anos 70 os medalhões do cartunismo nacional eram grandes vencedores de alguns famosos Salões que existiam mundo afora, como o de Otawa no Canadá, ou o de Bruxelas, na Bélgica ou Bordhigera, na Itália. Nós, os recémchegados, não tínhamos espaço nem no mercado e nem junto ao público e foi quando surgiram os meninos do Mackenzie com a proposta de realizar evento semelhante no Brasil. Fernando Coelho dos Santos, do Diretório Central da Universidade me procurou com esta ideia na cabeça, pra ver o que poderia ser feito. Fizemos então o primeiro do gênero no Brasil, em 1973. Foi ali que tudo começou tomando como ponto de referência estes salões já existentes mais nossa adaptação natural às condições de um país que, sem tradição no pedaço, sofria com a censura, o regime militar e a falta de meios. Mas foi um sucesso tão grande que gerou similares no país todo e a proposta sobrevive até hoje. (Zélio)

”Em 1973, se organizou o lendário “Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos”, que se antecipou um ano ao Salão de Piracicaba. Lembro que o 1º Prêmio foi ganho pelo “menino” Benjamim, hoje um dos grandes artistas da nova geração das Artes Plásticas. Grande projeto organizado por Zélio e Fernando Coelho da Universidade Mackenzie, e onde eu, humildemente colaborei, antes de organizar o 1º Congresso Internacional de Quadrinhos no MASP – Tudo é história. Valeu!” (Enrique Lipszyc)

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DECLARAÇÕES DOS JURADOS “Ah, sim, foi aquele salão em que Neltair de Abreu descobriu que para vencer na vida como cartunista não podia ter dois nomes e, espertamente, em vez de cortar o Abreu ou o Neltair, optou por Santiago, nome de santo, caminho, capital e, agora, de um dos maiores artistas do traço do país.” (Sérgio Augusto)

“Me lembro da estreia do Benjamim, aquele mineirinho lá do Vale do Jequitinhonha, no Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos. Ele era pequenininho, mas dava para a gente ver que pelo seu dedo se revelava um gigante. O Benjamim virou o maior artista plástico do Brasil de hoje.” (Ziraldo)

“Fiz parte do júri do Iº Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos e acompanhei o entusiasmo do Zélio e dos meninos da Universidade com o trabalhão que tiveram e suas intermináveis reuniões que tumultuavam o estúdio e nossas vidas por um bom tempo, mas por razões, hoje sabemos, perfeitamente justificáveis. Foi tudo um belo e gostoso sucesso do qual falamos até hoje” (Ciça Alves Pinto)

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Com

a formatura de

Fernando Coelho

e sua consequente saída da universidade, sem

um sucessor a altura para dar continuidade, não tivemos no ano seguinte o segundo

Salão. Em 1974 o Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos ganha um irmãozinho, o Salão de Humor de Piracicaba. Pelas mãos de três jovens idealistas piracicabanos, Alceu Marozi Righetto, Adolpho Queiroz e Carlos Colonese, surge aquele que se tornaria um dos maiores salões do mundo. Zélio também foi convidado para dar sua preciosa e já conhecida, assessoria ao evento. Depois do sucesso das duas primeiras edições do Salão de Humor de Piracicaba, agora era a hora de realizar um sonho do Zélio e dos três rapazes, ganhar o mundo. Em 1976, para fazer o agora Salão Internacional de Humor de Piracicaba, convidaram o experiente Fernando Coelho para juntar-se ao grupo. Naquele ano para dar dimensão mundial, foram convidados para fazer parte do corpo de jurados, Sérgio Aragonês (da revista americano MAD), Geoffrey Dickson (da PUNCH, publicação inglesa de humor) e Hermenegildo Sábat (um dos maiores caricaturistas do mundo). Fernando até hoje guarda carinhosamente nas paredes de sua casa as caricaturas que foram feitas por estes grandes nomes do humor gráfico.

lembranças de 1976

Da coleção de recordações do Fernando, caricatura de Sábat (a esquerda) e algumas do Aragonês (abaixo).

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Acima fotos do Fernando com os jurados do 3º Salão de Piracicaba.

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“Geometria sem Rumo”, 80x80 cm - detalhe - 2015, pintura sobre zinco e madeira. (foto: Miguel Aun).

MARCOS COELHO BENJAMIM, O DESINVENTOR JACOB KLINTOWITZ

Marcos Coelho Benjamim, prêmio especial do Salão, surgiu como cartunista e hoje é um estranho inventor de objetos de beleza extrema.

Marcos Coelho Benjamim é um estranho tipo de inventor de objetos de beleza extrema cuja metodologia de trabalho e abordagem é a reinvenção permanente a partir da mais evidente banalidade. O percurso é sempre do comum ao sublime, sem estágios intermediários. Acrescente-se que este percurso é realizado em um abençoado silêncio. Enfim, alguém que inventa objetos de arte e acredita que eles falem por si mesmo, tenham a sua especificidade de linguagem. Um raro espécime. Marcos Coelho Benjamim é um observador de objetos comuns que não reconhece como utilitários e vulgares. Suspeitamos de que olha o objeto, convive com ele, e fica imerso na singularidade do detalhe, perde a respiração com o ritmo aglutinado e frenético das cerdas de uma escova, tem taquicardia com as relações próximas e sequenciais dos ressaltos num ralador indígena: para Marcos Coelho Benjamim o ralador também rala mandioca, mas principalmente expressa a cosmologia divina de estrelas muito próximas, segundo o seu olhar, num espaço cósmico que não tem fim. A sua intuição das formas contidas numa forma já invisível pela proximidade do uso talvez o deixe sem fôlego. E é isto que também pode nos acontecer, pois é possível ficarmos espantados com este inventor que desinventa a utilidade que tem milênios de uso e convívio e reinventa um continuun visual de inesperada beleza que levou frações de segundo para ser concebido, ainda que a confecção possa demandar tempo, esforço e engenho. 65

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MARCOS COELHO BENJAMIM, O DESINVENTOR

Publicamente Marcos Coelho Benjamim surgiu como cartunista quando o cartum era peça fundamental de comunicação no espaço público. As mentes mais lúcidas se insurgiam contra o arbítrio e a pauta estreita de uma impositiva moral imaginada como ortodoxa e defensora dos bons costumes, seja lá o que isto for. O cartum era uma arma contundente e extremamente rápida. O paradigma no Brasil era composto por individualidades excepcionais: Millôr Fernandes, Ziraldo, Jaguar, Fortuna, Miran, Edgar Vasques, Zélio, Henfil, Redi, Borjalo, Claudius, Juarez Machado, Miguel Paiva, Chico Caruso, Paulo Caruso, Caulos. Marcos Coelho Benjamim conquistou prêmios e o interesse por seu trabalho de extrema habilidade e com uma atmosfera obsessiva, com a tendência de preencher totalmente o espaço. Como artista plástico, o seu definitivo território de atuação, Benjamim ainda trabalha com o acúmulo. E o espaço inteiramente preenchido. Objetos e formas inteiriças. Olhar o seu trabalho é olhar para sempre, de maneira definitiva. Aceitar ou rejeitar também se dá no espaço de um olhar, É possível determinar o tempo de um olhar, mesmo que seja de esguelha. Mas nem vale a pena para quem não é cientista. É tão instantâneo este olhar, tão espontâneo, na verdade, que podemos considerar um quase nada. O tempo é zero. Neste caso, o amor é sempre ao primeiro olhar. Benjamim trouxe uma visão singular para a arte brasileira, pois nos revelou a visualidade dos detalhes e dos pequenos objetos. Poucos, como ele, conseguiram tanta plasticidade, ser tão visual a partir do banal, simples, cotidiano. Uma esponja, alguns fios, um ralador, tornam-se me-

Da série: abusados e abduzidos 8x8x4 cm, plástico e biscuit. (foto: Letícia Garcia)

Cartum premiado no 3º Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

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Benjamim foi premiado em quatro edições do Salão de Piracicaba (1975, 76, 77 e 79). Este cartum foi premiado no 4º Salão Internacional de Humor de Piracicaba em 1977.

moráveis esculturas nos dias de hoje, aquilo que chamaríamos de objeto, em tempos passados, quando a terminologia das coisas era importante. A solução do impasse parece ser o termo tridimensional. É um trabalho pop? À semelhança de Claes Oldenburg? Não tem a mesma ênfase e o mesmo espírito. Mas, de qualquer maneira, se considerarmos o deslocamento do objeto de sua utilidade para a tridimensionalidade independente, é mais interessante o ralador de Marcos C. Benjamim do que um garfo ou uma faca de Claes Oldenburg. E menos monótono. Permite o convívio continuado, o que é impossível em Oldenburg. O ralador benjaminiano é mais atraente. A frieza de Oldemburg talvez seja mais crítica, ainda que não saibamos o que ela critica. O que se percebe é que a sua escultura é mais distante, objetiva e demonstrativa. Em Marcos Coelho Benjamim temos a emoção. O objeto parece a sua própria alma. Saturação. Ele trabalha com a saturação da retina e da emoção, com a captura do olhar, com a fixidez da percepção. Benjamim reaproveita o que existe, o popular, o industrial, o objeto gasto ou obsoleto jogado no monturo. Recicla os restos.

Experimento desastroso com coelhos, 65x35 cm 2010 - pele de coelho. (foto: Letícia Garcia)

Escultor, Claes Oldemburg, um dos últimos gigantes da pop art.

S/título 50x100 cm - 1993 - zinco oxidado obre madeira. (foto: Miguel Aun) 67

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MARCOS COELHO BENJAMIM, O DESINVENTOR Tem ligação com a arte popular. E com a arte indígena. Na sua reciclagem a matéria volta ao social. Como cartunista foi um meteoro, um astro brilhante. Como artista plástico trouxe uma particular estética: o detalhe ampliado, a rugosidade da matéria, o caráter táctil da visualidade. O olhar seduzido que se arrasta pela superfície das coisas. O olho, o olhar, a vida da superfície secreta que vive e revive, de repente e para sempre, para o nosso prazer visual. Andanças de Marcos Coelho Benjamim. 2000 Brasil + 500 anos. Arte Contemporânea. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal. Século 20: arte do Brasil. Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão. Lisboa, Portugal. Brasil + 500 anos Mostra do Redescobrimento. Arte Contemporânea. Fundação Bienal. São Paulo, SP. 1999 Alquimias e Processos, Bogotá. 1997 Bienal do Mercosul, Porto Alegre. RS 1996 Contrapartida. Brandenburg, Berlim, Alemanha. 1995 Johannesburg Bienale. Afica do Sul. 1994 Bienal Brasil Século XX, São Paulo, SP. 1992 Begegnung Mit Den Andaren. Kasel, Alemanha. 1991 XXl Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo, SP.

Marcos Coelho Benjamim Nanuque — MG, 1952 Vive e trabalha em Belo Horizonte Principais exposições coletivas 2011 Zona Letal, Espaço Vital, Fundação Caixa Geral de Depósitos. Lisboa, Portugal. 2010 2x Minas 2x 2007 5º Festival Internacional de Quadrinhos: Artista convidado. Serraria Souza Pinto. Belo Horizonte, MG. 2006 Coleção Itaú Contemporâneo, Instituto Cultural Itaú. São Paulo, SP. 2003 Longo Trecho em Aclive. Museu Imperial. Petrópolis, RJ. Desenhos Anos 70. MAM/SP. Rio de Janeiro, RJ 2002 Diálogo, Antagonismo e Replicação na Coleção Sattamini. MAC/Niterói. Niterói, RJ.

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1989 XX bienal Internacional de São Paulo, SP. Grande Premio. 1984 Triennale Der Zeichunung, Berlim, Alemanha. 1973 Xll Bienal Internacional de São Paulo, SP. Primeiro Salão Mackenzie de Humor e Historias em Quadrinhos, Grande Premio. São Paulo, SP. Principais Exposições Individuais: 2014 Geometria Sem Rumo. Galerie Agnès Monplaisir. Paris, França. 2013 Borracharia Duchamp. Galeria Murilo Castro. Belo Horizonte, MG. 2007 Simões de Assis Galeria de Arte. Curitiba, PR. 2001 Minas Contemporânea. Belo Horizonte, MG. 1997 Galeria Marília Razuk, São Paulo, SP. Galeria Ruta Corrêa, Freiburg, SP. 1994 Kathleem Shields Gallery, Albuquerque, USA. Ambrosino Gallery, Coral Gables, USA. 1993 Galeria São Paulo. SP. Objeto, Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ. 1991 Centro de Estudos Brasileiros, Assunção, Paraguai 1990 Pulitzer Art Gallery, Amsterdam, Holanda. 1989 Galeria Anna Maria Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ


REFÚGIO PARA TALENTOS ZÉLIO ALVES PINTO Zelio, consultor e orientador fundamental para a existência dos primeiros salões de humor no Brasil.

Mesmo que a Universidade Presbiterana Mackenzie tenha sido sempre instituição de ensino das mais respeitadas, tradicionais e sérias, foi lá que surgiu o primeiro Salão brasileiro de Humor Gráfico do país à partir de proposta apresentada por um dos seus diretórios estudantis há mais de quarent’anos passados, em meio ao tiroteio pela sobrevivência civil, sob a censura do Estado militarizado, num gesto de rebeldia próprio dos precursores. Por ser o humor gráfico uma das metalinguagens que escapava à censura através da ironia das metáforas, os criadores que se aventuravam ao uso dela passaram a ser mau vistos pelo sistema, pois ao escaparem à lei arbitrária, revelavam a fragilidade das certezas comprometedoras do regime autocrático. O sucesso prático - ao revelar talentos - assim como o êxito midiático da proposta foram estímulos para o surgimento, em poucos meses, de centenas d’outros salões pelo pais afora e o primeiro deles criou-se em Piracicaba -resposta à vontade organizada de jovens jornalistas e estudantes locais -, mantendo-se constante e anualmente até hoje, quando é tido como um dos mais prestigiosos e vitoriosos eventos do gênero no mundo. Ao surgir, os Salões desse gênero nos chegam, quase sempre, com a missão social de nos alertar quanto a nudez real, o que poderia ser muito útil nos dias que correm, caso a midia abrisse espaço para esses reais tradutores das vontades da comunidade, frente ao Estado, às Instituições e nós próprios, pois dos nossos pecados nem nós mesmos escapamos. Enquanto isso não ocorre, os Salões seguem fazendo as vezes, dos espaços a preservarem os talentos e as verdades constituídas. 69

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O segundo Salão Mackenzie também contou com a consultoria do Zélio e sua arte maravilhosa no cartaz.

IIº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOs GUALBERTO COSTA

Cruz e Gualberto, os dois jovens mackenzistas responsáveis pela 2ª edição do Salão, seis anos depois.

Para alguns o Espírito Mackenzista começa antes mesmo de ingressar na entidade. Foi o meu caso! As primeiras pinceladas que me trouxeram a simpatia pelo Mackenzie, foram as flâmulas da Mac-Med, que anualmente recebia de um colega de trabalho do meu pai, o Moris, um aluno da Arquitetura numa época em que a faculdade fazia parte da Engenharia. Ele jogava em uma das lendárias e sempre tradicionais equipes de basquete da universidade. Provavelmente os mais jovens não sabem, mas flâmulas eram pequenas bandeiras comemorativas de tecido, que normalmente decoravam as casas, estabelecimentos comerciais e principalmente os quartos dos jovens e adolescentes nas décadas de 1950 e 1960. O mascote da Engenharia, o meu querido personagem Popeye dos desenhos animados e quadrinhos, enfeitou a cabeceira de minha cama durante muitos anos. Estudei no Colégio Bandeirantes, numa época, onde praticamente todos 71

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IIº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOs

Revista de quadrinhos Capa, feita por alunos do Mackenzie. A primeira edição saiu em 1976 e durou 3 anos com quatro números.

os alunos entravam na USP, mas contrariando a maioria eu pretendia entrar em uma universidade que tivesse mais a minha cara. O gigantismo do campus da Cidade Universitária me assustava um pouco. Também não conseguia definir se prestava vestibular para arquitetura ou engenharia civil. Enquanto persistia esta dúvida, o Mackenzie se apresentava como ideal, pois o exame para a engenharia era no período da manhã e o para arquitetura era à tarde. Fiquei muito entusiasmado com a Universidade Mackenzie, pois tinha ido com meu pai ao Museu Lasar Segall ver o I Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos e aquilo foi maravilhoso. Eu era grande leitor de quadrinhos e adorava ler a revista Grilo, principalmente os undergrounds. Para combater o tédio de algumas aulas, ficava desenhando várias HQs nas apostilas. Cheguei a ganhar um concurso de quadrinhos realizado para os alunos do cursinho do Anglo. O jurado era Luciano Ramos, que escrevia ótimas matérias sobre quadrinhos para o Jornal da Tarde e provavelmente foi o primeiro a comentar lançamentos da 9ª arte na TV brasileira. No cursinho ele era professor de literatura e uma vez apresentou uma projeção de slides contando a linha do tempo das histórias em quadrinhos. Fiquei fascinado com a exibição. A cada dia me encantava mais com esta arte. Eu lia todas as suas matérias, assistia aos seus comentários na TV Cultura e sempre que o encontrava passando pelos corredores do cursinho pedia dicas de leitura. Ele adorava falar sobre o Balão, a primeira revista underground brasileira feita por alunos da USP. Eu era um adolescente meio riponga e não entendia nada de política e por isso desconhecia este lado direitista do Mackenzie e aquela história da briga da Maria Antônia. Chegou a hora de prestar o vestibular (1974) e a dúvida quanto à profissão escolhida permanecia. Então resolvi concorrer nas duas e o destino decidiria. Para não ter que fazer uma prova de manhã, ir para casa e depois retornar de tarde, decidi ficar por lá mesmo e dar um rolê pelo centrão até o horário da outra prova. Lembrei da livraria Look, que sempre

Inaugurada em 1970, a Praça Roosevelt era uma representante do mau gosto da deselegante arquitetura brutalista paulista.

Fachada e logotipo da HQMIX Livraria, localizada na Praça Roosevelt, que em 2008 foi eleita, pela revista Época, uma das três melhores livrarias de São Paulo.

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era citada nas matérias do Luciano como um dos pontos de venda do Balão. Já tinha ido outras vezes lá, mas sempre já tinham vendido todos os exemplares. Neste dia dei sorte e comprei o Balão número 7. Peguei minha revista, comprei um sanduiche e fui pra Praça Roosevelt ler. Assim que abri no editorial descobri que o Balão tinha vários artistas do Mackenzie: Alcy, Sian, Maurício Moura (que fez a capa e contracapa), Miadaira, Magnani e Dirceu Amadio. Comecei a sonhar, vou entrar nesta Universidade e vou conhecer estes artistas, e quem sabe a gente faz uma revista de quadrinhos por lá. Poderia também me oferecer para ajudar no Salão Mackenzie. Fui com a cabeça cheia de sonhos prestar a prova da tarde. Acabei entrando nas duas faculdades e depois fiz a loucura de cursar as duas juntas. Com minha cabeça raspada pelo trote comecei a circular pelo campus em busca dos desenhistas do Balão. Não encontrei nenhum, todos haviam se formado. Fui procurar o Fernando Coelho do Salão Mackenzie e descobri que também já tinha se formado e o Salão não existia mais. Na verdade, naquele dia na Praça Roosevelt, entre engenharia e arquitetura, sem perceber eu optei pelos Quadrinhos, pelas Artes Gráficas, e antes que entrasse em parafuso, fui atrás de meus sonhos. Ajudei a criar uma revista de quadrinhos pelo diretório da arquitetura, a Capa, e fiz o segundo Salão Mackenzie, seis anos depois do primeiro. Estou há 40 anos nessa carreira, ou melhor dizendo, nessa militância. Ca-

Revista Balão nº 7, contou com a participação de seis mackenzistas: Alcy, Sian, Maurício Moura, Miadaira, Magnani e Dirceu Amadio.

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Rian (Nair de Teffé) em sua modesta residência, em Niterói, clicada por Gualberto, depois de uma maratona incessante em busca de seu paradeiro.

sei com uma mulher fantástica, a Daniela Baptista, que além do meu amor, divide comigo estes velhos sonhos de luta pelos quadrinhos. Por ironia do destino, tivemos durante anos uma livraria de quadrinhos (HQMIX Livraria) na mesma Praça Roosevelt onde os sonhos começaram. Em 1978 eu concorri às eleições do Centro Acadêmico da engenharia com uma plataforma rica de atividades culturais. Não ganhamos a eleição, mas fui convidado pela oposição para ser diretor cultural e assim realizar todos aqueles eventos culturais prometidos na campanha. Aceitei e comecei organizando mostras de cinema, shows, até que chegou a hora de fazer o tão desejado Segundo Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos. Convidei o querido colega de revista Capa, Luis Antônio França Cruz, para dividirmos a organização. A primeira ação foi visitar o cartunista Zélio, que ajudou no primeiro Salão e foi peça importante na realização dos primeiros salões de humor de Piracicaba. Fui recebido por ele com tanto carinho e generosidade, que sai de seu ateliê já com o desenho do cartaz, um esboço do regulamento e com um padrinho profissional e amigo por todos esses anos. Chegou a hora de conhecer o tão querido realizador do primeiro Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos, o Fernando Coelho. Fui recebido com muita simpatia em sua casa na Rua Silvio Sacramento. Ele abriu seu baú com as recordações do Salão e me passou fantásticas dicas de organização. Surgiu então a ideia de fazer uma homenagem ao primeiro com uma retrospectiva, já que ele havia guardado as artes de alguns dos premiados e de vários dos selecionados. Como o Mackenzie não tinha na época um espaço expositivo para receber o evento, fui ao MIS – Museu da Imagem e do Som e conversei com Lourdes Cedran, diretora do Paço das Artes, que dividia as instalações do prédio. Ela ficou tão entusiasmada com o evento, que disponibilizou todos os espaços dos três andares e mais o auditório para o evento. Com todo este espaço agora disponível o evento deveria ser maior do que foi planejado. Para o auditório resolvemos

Fachada do prédio do MIS e Paço das Artes, inaugurado em 1975.

Lourdes Cedran,

diretora do Paço das Artes, foi quem abriu as portas para sediar o IIº Salão Mackenzie.

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fazer a Segunda Mostra de Desenho Animado, a primeira tinha sido feita também pelo Fernando Coelho no Auditório Rui Barbosa do Mackenzie em outra época. Surgiu a ideia de fazer uma homenagem com uma retrospectiva de um cartunista brasileiro e assim rechearmos um pouco mais o grande espaço disponível. Dos vários nomes que surgiram de uma lista feita por mim e o Cruz o nome mais desejado era da Rian, pseudônimo de Nair de Teffé, primeira mulher caricaturista e viúva do presidente Marechal Hermes da Fonseca. Uma artista maravilhosa e mulher muito à frente de seu tempo; primeira a levar violão para o Palácio do Catete, instrumento até então considerado marginal, de rua e de boêmios vagabundos; foi amiga da Chiquinha Gonzaga (difamada pela sociedade da época) e de Catulo da Paixão Cearense. Foi uma das primeiras mulheres a usar calça comprida, muito polêmico para aqueles dias; além de multi artista (piano, pintura, desenho e literatura) com formação na Europa e domínio de várias línguas. Eu e o Cruz rumamos para o Rio de Janeiro sem o endereço da Rian, numa aventura de vários dias passando pelo Jaguar (que tinha feito uma entrevista com a Rian para o Pasquim, mas não tinha o endereço, lembrava apenas que era em Niterói), pelo caricaturista e grande pesquisador Alvarus e outros que também não sabiam o endereço. Foi através de uma longa pesquisa em vários jornais que localizamos a sua moradia, pois estava muito velhinha e com uma ação de despejo, que mobilizou vários artistas e autoridades, resultando numa lei de aposentadoria para viúvas de ex-presidentes que existe até hoje. Foi uma das maiores emoções de minha vida a hora que tocamos a campainha da casa com mais de dez cães vira-latas

Zélio, presidente do júri no IIº Salão e eminência parda nas duas edições e também nos primeiros anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

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IIº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOs

e fomos atendidos pela querida velhinha. Para esta aventura do Rio eu levei uma máquina fotográfica, uma câmera de filme super 8 com alguns rolos de filmes (que em sua maioria foram gastos na praia nas horas de folga filmando as conhecidas belas mulheres cariocas) e um gravador com várias fitas cassetes de Rock para entreter os momentos noturnos de pouca grana e hotéis baratos que ficamos. A Nair de Teffé estava esquecida em seu cantinho e ficou muito emocionada com a visita de dois jovens universitários de São Paulo e da possibilidade de ser homenageada em uma exposição. Era tanta a sua alegria, que perguntou se aquele objeto que tinha nas mãos era um gravador. Pediu para ligar e eu achei que ela queria dar um depoimento de que aceitava participar da homenagem. Mas não era isso. Ela começou a contar toda a sua vida desde a infância, contou como conheceu o presidente, deu detalhes de sua vida conjugal com o vigoroso baixinho, declamou em vários idiomas, muitas histórias de artistas e personalidades da época, histórias de sua família e do carinho de seu pai o barão de Teffé. Foram mais de duas horas de depoimento. Naquele momento, tomado pela emoção, pela timidez ou pela displicência juvenil, eu acabava de cometer um crime de lesa memória da cultura brasileira. Depois de vários dias escutando Rock’n Roll as pilhas acabaram e eu fingi que estava gravando e todo aquele precioso depoimento se perdeu no espaço. Fiquei apenas com a gravação em super 8 de 3 minutos do depoimento e algumas fotos de não muito boa qualidade. Talvez para diminuir um pouco o peso de minha consciência, em 1980 eu e meus amigos JAL e Dirceu Amadio, abrimos nos Jardins (região de quatro nobres bairros paulistanos) uma escola e espaço cultural com seu nome (Espaço Artístico Rian) e realizei um projeto em 2010 chamado “Sábados da Memória” onde recolhemos depoimentos de vida de mais quarenta artistas gráficos brasileiros. Voltando para a organização do Salão, faltava agora convidar os jurados. Foi neste momento que conheci o chargista Otávio, que junto do Zélio, foram meus padrinhos nesta lon-

Cartaz mensal do evento Sábados da Memória das Artes Gráficas na Biblioteca São Paulo, que resgatou, com depoimentos, a memória de 42 artistas.

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JURADOS

ga carreira, onde a minha formação universitária foi deixada de lado (trabalhei apenas três anos na Secretaria de Planejamento do Município de São Paulo e nunca mais exerci a profissão). Otávio foi tão caloroso na amizade, que mandava recados para mim no rodapé de sua charge, além de divulgar o Salão. Na época um dos meus ídolos do humor gráfico era o Henfil e tê-lo como jurado era uma das minhas metas. Mas dificilmente ele aceitaria, pois suas posições políticas eram contrárias a imagem que marcou injustamente o Mackenzie no episódio da Guerra da Maria Antónia, que não teve a participação da maioria de seus alunos, e muito menos da entidade. Como ele era muito amigo do publicitário Carlito Maia, fui até seu escritório para convidá-lo, que de imediato recusou, mas como eu menti que o Henfil já tinha topado participar, ele aceitou. Depois foi muito fácil convencer o Henfil, já que seu grande amigo também fazia parte do corpo de jurados. Naquela época o Henfil morava em Sampa, na Rua Itacolomy, 419, acho que era no oitavo andar, ao lado do Mackenzie. Depois disso eu inventava vários assuntos pertinentes ao Salão para poder visitar meu ídolo. Os Jurados foram Carlito, Fortuna, Henfil e Otávio para humor e Álvaro de Moya, Ciça e Dagomir Marquezi para quadrinhos. O presidente do júri foi o Zélio. Como o catálogo deveria ser editado, diagramado e impresso antes de selecionar e premiar, o Zélio tinha dado a ideia de fazer o livreto com um outro critério, com outro olhar, escolhido por um corpo de jurados diferenciado, seguindo apenas critérios gráficos e que representariam, através de sua qualidade para impressão, o que foi este Salão. Para este corpo especial de jurados fizeram parte o crítico de arte Jacob Klintowitz, o artista e professor da arquitetura do Mackenzie Ernesto Giovanni Boccara e a professora de quadrinhos da ECA-USP Dra. Sônia Bibe Luyten. Não tínhamos verba para fazer o catálogo e o cartaz, e fomos surpreendidos pela amabilidade e carinho com que fomos recebidos em nossa primeira visita de captação de dinheiro. Saímos com um cheque, suficiente para estas 77

sonia luyten

boccara

JACOB KLINTOWITZ

oTÁVIO

HENFIL

CARLITO MAIA

FORTUNA

cIÇA

DAGOMIR MARQUEZI

ÁLVARO DE MOYA

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IIº SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOs

despesas, dado pessoalmente por José Mindlim e com um sorriso de 360º. Fizemos uma divulgação espetacular, que rendeu matérias em vários países e a participação de estrangeiros. E entre eles dois trabalhos cubanos, que chegaram ao correio, onde fui convidado a prestar depoimento a um oficial do exército e tentar explicar o motivo das correspondências vindas do país de Fidel Castro. Minhas explicações foram satisfatórias, mas os trabalhos dos colegas cubanos ficaram retidos. O Salão contou com mais de 700 inscrições. Entre elas uma surpresa, a participação do veterano e um de nossos maiores quadrinhistas, o artista Jayme Cortez, que comentou para o jornal Folha de S.Paulo de 12 de junho de1979 a importância do evento e deu um panorama geral das participações do Salão: “Estes Salões são divulgados, principalmente pela imprensa, e a população acaba sabendo da existência de outros desenhistas e do teor de seus trabalhos. E outro fato importante trazido pelos salões é a renovação dos artistas. A nova geração chega trazendo nova filosofia conhecimentos reformulados e

Na abertura RIAN foi nomenageada com um magnífico concerto de Arthur Moreira Lima.

Jayme Cortez, um dos maiores quadrinistas, também participou do

Salão.

As duas páginas de quadrinhos, de autoria de Jayme Cortez, que honraram o evento. 1973, QUANDO TUDO COMEÇOU

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Premiados Ii SALÃO MACKENZIE 1979

Etiqueta de identificação dos premiados com a assinatura dos jurados de cada categoria, improvisada por Henfil, para dar um minimo toque de programação visual.

catálogo Bruno Liberati, Silvio Sino, Wilton Azevedo, Fernando Nunes, Cláudia Scatamacchia, Santiago, Ronaldo Kapaz, Emílio Daminani e Julio Minervino, Rodolfo Zupo, Cláudio Paiva, Beto Barcellos, Reinaldo, Weisman, Ireno, Panis, Edson Ishibashi, Cláudio Rocha, Yosimaro Sakita, Martin Kovensky, Luciano Pires, Holanda, Fontanarrosa, Nicolosi, Antonio Luiz da Silva, Jayme Cortez, Paulo de Tarso, Fábio Mestriner, Lu Gomes e Bob Navarro, Fernando Gonzales, Cadinho, Rubens Kiyomurz, Jal, Ataíde Bras e Kussumoto, Roberto Azevedo, Catani, Carlos Alberto Gonzales, Kimio e Vilachã

ampliados. Eles veem seus próprios problemas de novas formas. Quando se vê uma escola promovendo um salão de humor tem-se a impressão de que nem tudo está perdido”. “É uma intenção de liberdade. O erotismo tenta, claramente, derrubar velhos tabus. Também a realidade do momento político brasileiro, cheio de mudanças, provoca reações naturais. A linguagem é diferente e as oportunidades também. Há 20 anos atrás, não existia a reunião de mais de 200 trabalhos de bom nível num mesmo salão. Exposições como esta (e ainda existem poucas) popularizam a arte de expressão e, paralelamente, a coisa cresce, se avança mais um passo, aumentando vagarosamente os meios dos desenhistas aparecem e darem seus recados”. Os premiados de quadrinhos foram, Louis Chilson, Bob Navarro e Lu Gomes, Ataíde Braz e Roberto Kussumoto, José Márcio Nicolosi e Cassiano Roda. Em humor foram Glauco Villas Boas, Reinaldo Weisman, Edson Ishibashi e Luciano Pires. As madrugadas, que antecederam a abertura do Salão, foram recordes de frio em São Paulo, enquanto montava a exposição conseguíamos ver o luminoso da Avenida Paulista marcando 2 graus. Além da falta de equipe para montar (contávamos com apenas dois estagiários do MIS), onde eu e o Cruz dividíamos a maior parte da intensa tarefa, sofríamos os rigores da baixa temperatura. Para a festa do dia 2 de junho de 1979 de homenagem à Rian e abertura do Salão conseguimos graciosamente a apresentação de Arthur Moreira Lima. Foi uma festa inesquecível, onde foram feitas muitas amizades e onde aprendemos, à força, tudo sobre produção cultural, organização administrativa, marketing, divulgação, direção de arte e captação de recursos. E o principal: encontrei o meu caminho profissional!

Humor Glauco Villas Boas Reinaldo Weisman Edson Ishibashi Daniel Alvez Brazil ÉRICO JUNQUEIRA AYRES Quadrinhos Louis Chilson Bob Navarro e Lu Gomes Ataíde Braz e Roberto Kussumoto José Márcio Nicolosi Cassiano Roda

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Matérias veiculadas pela imprensa sobre o IIº Salão

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folha de s.paulo

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Análise dos trabalhos premiados Olhar

os vencedores, passados quatro décadas, não é tarefa fácil, por isso

Universidade Presbiteriana Mackenzie para que olhassem atentamente do ponto de vista estético, convidamos vários professores do

Curso

de

Comunicação

da

político e antropológico para as imagens vencedoras naquele ano e nos trouxessem um olhar de

2016 para reinterpretá-las.

APARÊNCIAS ENGANAM CLEVERSON PEREIRA DE ALMEIDA

Edson Ishibashi, premiado na categoria Humor no 2º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos.

Aparências podem ser enganosas. Tal advertência já aparece, em duas versões, em textos cristãos: o evangelista Mateus usa a imagem dos “sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundície! ” E menciona aqueles “que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. ” Recomenda-se grande cautela. Quando o I Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos foi aberto (14/10/1973), em espaço tão representativo como o Museu Lasar Segall, o calendário indicava faltarem cinco meses para o final do Governo do General Emílio Médici, iniciado ao final de outubro de 1969, período esse do chamado “milagre econômico” ou “milagre brasileiro” e do fim (ou declínio) da luta armada. Porém, nas palavras de renomados historiadores brasileiros, as quais convêm não perder de vista, ou da memória, foi também o período na qual “as liberdades civis foram totalmente eliminadas. Pelo Decreto-Lei 1.077, Médici instituiu a censura prévia a jornais, livros, revistas, músicas, filmes e peças de teatro”, segundo Carlos Guilherme Mota e Adriana Lopez (2015). Para Boris Fausto (2004), esse governo “distinguiu claramente entre um setor significativo, mas minoritário da sociedade, adversário do regime, e a massa da população que vivia um dia-a-dia de alguma esperança nesses anos de prosperidade econômica. A repressão acabou com o primeiro setor, enquanto a propaganda encarregou-se de, pelo menos, neutralizar o segundo. ” O acadêmico José Murilo de Carvalho (2003) argumenta que estão aí compre83

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Análise dos trabalhos premiados

endidos “os anos mais sombrios da história do país, do ponto dos direitos civis e políticos. Foi o domínio dos militares mais truculentos [...] O período combinou a repressão política mais violenta já vista no país com índices também jamais vistos de crescimento econômico. Em contraste com as taxas de crescimento, o salário mínimo continuou a decrescer.” Em tal contexto, esta charge premiada no 2º Salão em 1979, início da gestão de João Figueiredo, sucessor de Ernesto Geisel que prometeu abertura lenta e gradual, que acabou não ocorrendo, Edson Iadayuthi Ishibashi apresentou um registro gráfico que, em um olhar de fora para dentro, parece evocar contraste entre aparência e realidade, que só se revela quando há incidência de luz. A luz tende a evidenciar, a revelar o que está oculto, o mal feito, o que se faz de forma escamoteada, subterrânea, o que está disfarçado. Uma porta aberta de fato é uma passagem livre, desimpedida, indica um caminho acessível? Esconderia uma armadilha? Se o olhar se dá de dentro para fora, pode-se considerar outra perspectiva, um contraste em sentido inverso: de um interior que aprisiona, restringe, limita, intimida, a esperança e a ousadia permitem que se aviste, pela fresta possível, a claridade e um cenário livre, limpo, a ser preenchido pelos sonhos e realizações dos que acreditam e perseveram. Como ensina Alexandre Silveira Souza Vivacqua, que foi professor de Filosofia da UFMG, “o pensar luta contra a futilidade, contra a perversidade e contra a arrogância. O pensamento crítico luta contra o pensamento vulgar que é a subserviência.” O traço crítico de Edson Ishibashi seguramente alinhava-se a tal expressão de luta, num tempo em que o jornalista Vladmir Herzog, quando forjaram um suicídio entre as grades do DOI-CODI.

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Análise dos trabalhos premiados

CENAS RECORRENTES: algo mudou entre 1973 e 2016?

Glauco Villas Boas começa a surgir no cenário do humor gráfico justamente a partir do I Salão de Humor que o Mackenzie realizou em 1973. Agigantou-se com o seu jeito contundente de ver e expressar o universo político da época, consagrou-se com tiras e charges na Folha de são Paulo até ser assassinato brutalmente. Seu trabalho vencedor à época, inspirado nas greves de trabalhadores das várias indústrias do ABC paulista é um primor de técnica, habilidade e sutileza. À porta da casa de um suposto empresário do setor, aglomera-se uma multidão – certamente de trabalhadores que protestava e inaugurava um novo estilo de enfrentar as contradições daqueles dias. Atenciosa, a esposa que atende a multidão, simplesmente num balão clássico da charge, avisa ao marido/empresário: “Querido, é pra você...” como quem anuncia visitas chegando em casa. De uma multidão. Para tirar o marido/empresário da zona de conforto, mas acima de tudo, para restabelecer o diálogo necessário com os sindicatos que começavam a se organizar de outra forma naqueles dias. O movimento operário no Brasil sempre primou pela organização das várias classes trabalhadoras. Mas sem uma conexão política que lhe concedesse legitimidade. Até que do ABC, de São Bernardo, do Sindicato dos Metalúrgicos pujantes daqueles dias, as vozes se uniram em coro para pedir maior participação dos trabalhadores na vida social, econômica e política do país. Aquilo era só o começo do que viria a ser o resultado político que, primeiro incomodou o marido da senhora gentil. Depois incomodou a classe política da “pátria amada mãe gentil”.

VANESSA MOLINA

Dois cartuns premiados na categoria HUMOR no 2º SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINHOS. O primeiro é de GLAUCO VILLAS BOAS e o outro do ÉRICO JUNQUEIRA AYRES.

Foto de GLAUCO clicada no 2º SALÃO MACKENZIE em 1979. 1973, QUANDO TUDO COMEÇOU

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Com percepções desta magnitude, Glauco transformou-se num interprete importante dos novos tempos que viriam para o nosso país. Com seus traços de 1973, ele só estava entrando em cena. E faria um bem enorme a todos nós durante muitos anos. E até hoje, quando sua obra é revisitada como neste texto. E na mesma página coube ao artista gráfico Erico Junqueira Ayres, ontem aluno e hoje professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Maranhão, propor naqueles dias uma cena que não saiu de moda. Senão vejamos: na janela de destaque alguém chama a pessoa, não pelo nome, mas “pela digital”. Algo inusitado, surreal. Mas chama. E alguém no meio do povo levanta o dedo indicador direito, identificando-se para ser “atendido”, presume-se. Enquanto a aglomeração de pessoas continua a esperar pela vez do atendimento. À esquerda no cenário uma figura da Polícia Militar sugere calma aos pretendentes ao atendimento. E serenamente na continuidade da cena, mais à direita é possível verificar uma mulher atendendo duas pessoas, as “da vez”. A cena completa-se com um homem de chapéu chegando de mansinho para engrossar a fila de espera. O cenário de 73 talvez não difira nem um pouco do que temos passados 43 anos. Filas de espera no serviço público são cenas recorrentes para problemas sem solução. Antes era o povo que acordava de madrugada para as famosas filas do INPS, atendimentos vagarosos que a informática disciplinou a partir do final do Século XX. Vieram outras, maiores e piores. Como as filas nos hospitais, as filas do SUS, sempre maiores que a capacidade do atendimento dos hospitais públicos, UPAS e similares. E, mais recentemente, as filas para a procura de empregos nos serviços especializados ligados ao poder público ou iniciativa privada. Já tivemos outras filas que foram

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extintas, como as dos combustíveis. E outras que jamais se extinguirão, como as que precedem os jogos de futebol. Contudo a crítica que permanece atual é de que os planejadores do governo continuam sem conseguir resolver os problemas das filas e emergências do nosso país. As demandas crescem pelos serviços, pelos empregos, pela educação de qualidade. E sempre há mais gente do que lugar para elas num país que não consegue diminuir sua imensa dívida social, onde apenas 2% da população possui ensino superior e a maioria gigantesca continua carecendo dos serviços que deveriam ser básicos e disponíveis a todos. Ao tempo em que o artista concebeu sua obra, ainda precisávamos assinar nossos nomes para votar. Hoje nem isso. Só com a “digital” é possível votar e ser votado num país desigual. A releitura que consigo fazer hoje sobre o seu cartum, portanto, pode sugerir que aquela era uma lista para empregos ou para aliciamento de votos. Prefiro ficar com o primeiro cenário. E me iludir de que, nos anos 70, com as possibilidades de cerceamento aos eleitores para votos majoritários e proporcionais, a digital fosse uma quase premonição de que no futuro teríamos mais liberdade para nos expressarmos, votarmos e tentarmos superar os abismos sociais, culturais, econômicos e políticos que nos separam.

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Análise dos trabalhos premiados

O POVO ACLAMA

O segundo Salão de Humor Mackenzie em 1979, em plena vigência da Ditadura Militar, período marcado pelo estado de exceção que vigorou de 1964 a 1985. Segundo a Psicanálise o humor é o outro lado do trágico, consiste numa forma inteligente de lidar com a dor e o sofrimento, o que permite divertir-se mesmo numa situação de infortúnio. O humor para Freud é como a arte, um dos caminhos que está a serviço do princípio do prazer, possui qualquer coisa de grandeza e elevação tornando a pessoa capaz de rir dos próprios problemas, significa a vitória do Eu em contraposição ao mundo exterior. O humor nunca é resignado, mas sempre rebelde, possuindo a dignidade dos processos mentais criados para desviar o sofrimento do indivíduo sendo, portanto ético principalmente tendo em vista que é a afirmação do desejo, é estético, pois criativo, causando prazer pela sublimação. É principalmente político, pois consiste numa forma de desconstrução do estabelecido, do poder instituído, reafirmando o sujeito o seu desejo e restaurando o direito de existir numa comunidade social, mas mantendo a graça e a arte. A arte apresentada por Luciano Dias Pires Filho, no segundo Salão de Humor do Mackenzie, caracteriza-se por uma charge política, em que demonstra o desagrado do povo com o regime, já que era uma época de repressão política, com exílios, torturas, prisões, desaparecimento de pessoas, e combate aos movimentos sociais. Luciano Dias Pires Filho nasceu em Bauru em 1956, sendo escritor, colunista e jornalista, formado em comunicação pela Universidade Mackenzie.

PERROTTI PIETRANGELO PASQUALE

Este cartum de Luiciano Pires foi escolhido por um júri especial, para fazer parte do Catálogo do 2º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos. Depois, no mesmo ano, recebeu o prêmio Imprensa no 6º Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

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Em 1968 no Governo Costa e Silva, foi editado o Ato Institucional no. 5 (AI-5), este foi o momento mais truculento do regime militar com a presença intensa da censura, e da criação de organismos de repressão como o DOPS – Departamento de Ordem política e Social e o SNI – Serviço Nacional de Informações. Os Governos Militares, por outro lado procuravam mostrar realizações com a utilização de propaganda patriótica para se tornarem populares. A arte de Luciano Dias Pires Filho, por meio do humor que permite o duplo sentido, a ironia e o sarcasmo, é utilizada para falar de assuntos reprimidos e condenáveis naquele período demonstrando o inverso do desejado pelo Governo Militar. Foi muito feliz na criação da charge, pois coloca o General, que se entende ser o Presidente durante o Regime Militar, exatamente no Prédio do Congresso Nacional em Brasília, local da representação popular, portanto o inverso da situação real e, além disso, mostra o prédio muito alto e o general no interior do prédio, que indica o distanciamento do poder para com o povo e este é de apenas um indivíduo, ridicularizando o desejado pelo Governo Militar.

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O CENSOR MARIA LUCIA M. CARVALHO VASCONCELOS

Cartum de WILTON AZEVEDO que foi escolhido por um júri especial, para fazer parte do Catálogo do 2º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos.

Carrasco: 1 Executor de castigos corporais ou da pena de morte. 2 Pessoa cruel. 3 ALGOZ, VERDUGO. [1] Em 1973, o Brasil vivia o final do Governo Medici (19691974), período este que se configurou o de maior repressão política de toda a ditadura militar (1964-1985). O país, vivendo dias de censura, perseguição política e suspensão dos direitos constitucionais, atônito – e calado – adivinhava os horrores diuturnamente praticados pelo sistema repressivo, institucionalizado pela ditadura. Aqui e ali, vozes eram ouvidas. Aqui e ali, calavam-se essas mesmas vozes. É nesse contexto que temos uma das primeiras manifestações do então jovem artista Wilton Azevedo, que, aluno do ensino médio, participava ativamente de concursos e festivais universitários, buscando expressar o que a sociedade silenciava. O I Salão de Humor do Brasil pode ser considerado o primeiro impulso de uma carreira longa e profícua. Denunciar, com sua charge bem-humorada, a tortura praticada era, naquele momento, uma atitude corajosa. Insensível, o carrasco, anônimo, só é capaz de sentir a sua própria dor, a do outro... esta é ignorada. A voz do artista é livre e não se cala. Com o passar dos anos, Wilton Azevedo assumiu seu papel de artista multifacetado: poeta, músico e artista plástico, reuniu suas múltiplas faces ao buscar a sinestesia possível por intermédio de sua poesia digital que reúne frequência sonora e interferência imagética. Tudo aliado, é claro, ao posicionamento de quem, ainda hoje, é voz que grita pelos direitos humanos e pelo respeito que todos merecem.

[1]

www.dicionáriodoaurelio.com

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o MOTOC

Comédia e humor derivam, em geral, do comportamento dos personagens. O leitor vê/ lê para se informar sobre as ações. A história em quadrinhos Motoc de Louis Chilson, em muito detalhado desenho de traços de nanquim-sombras e branco-luzes, em dimensões realistas (impressão tridimensional) e mantendo o foco nos dois elementos principais, mostra sequência de ações determinada pelo script visual: Motoqueiro arremessado para fora da estrada pelo choque do caminhão atrás dele. Sua moto/ máquina destruída mantém fraco funcionamento do motor. Motoqueiro cibernético silencia a moto com um tiro. O sentido do humor nasce do contraste entre a ação que o personagem vive e a ação que o leitor presencia. A ação adquire sentido de humor na interpretação daquelas ações, num contexto fora da própria história, nas entrelinhas alimentadas pelas referências do leitor e no contexto em que a fruição se encontra. Para o personagem de Motoc não há nada de humor em viver aquela situação, o contrário, o personagem sofre. O humor como espaço para fórum de expressões críticas sobre a sociedade, nos anos de chumbo da Ditadura Militar brasileira, é legado valioso pela sabedoria, como o fez Louis Chilson, do uso da linguagem com potencial de revelar fortes e ácidas críticas apenas na cabeça do leitor atento. Legado para ver, rever, analisar e trazer para a atualidade abordagens que, mais do que ironizar, ainda refletem metaforicamente os mecanismos de poder, as hierarquias opressoras, a violência e as políticas vigentes na dicotomia indivíduo e sistema socioeconômico. Arte pura, e como tal, atemporal, perene. Não escapou ao autor a visão crítica da desumanização do homem no contraste entre o sonho dos benefícios dos avanços tecnológicos e o enfrentamento de questões da solidão humana, do embate entre a obsessão e desejos e o enfrentamento dos medos. Sentido no sense. E no non-sense. O cibe motoqueiro não deixa de ser aquela figura mítica do Cavaleiro Solitário, que marcha por estradas montado no fiel cavalo. O Cavaleiro Solitário enfrenta, inevitavelmente um opositor (desconhecido? Sem importância?) que se impõe pela grandeza física, aparência opressora e atitudes violentas. Aparentemente frio sentimentalmente, o Cavaleiro tem que sacrificar seu cavalo, por compaixão ao sofrimento físico.

JOSÉ ESTEVÃO FAVARO

As duas páginas de Motoc, de Louis Chilson, que foram premiadas no 2º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos.

Louis Chilson em uma foto da época do Salão. 1973, QUANDO TUDO COMEÇOU

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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE “RIOBALDO, O SEU PATRULHEIRO IDEOLÓGICO” REGINA CÉLIA GIORA

Com Riobaldo, o seu patrulheiro ideológico, a dupla Lu Gomes e Bob Navarro, foi premiada na categoria Quadrinhos do 2º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos.

“Riobaldo, o seu patrulheiro ideológico” é uma história composta de 18 quadros, onde os autores, Luiz Carlos Gomes e Roberto Navarro, conseguiram demonstrar por meio de sua imaginação criadora, o potencial ético/estético dos quadrinhos, essa potente forma de arte capaz de traduzir em poucas palavras e imagens aspectos significativos da realidade concreta vivida por todos nós. Logo no primeiro quadrinho o que temos é a imagem de um bar, que mais parece uma simples casinha de bairro, onde se desenrola a história. Interessante observar a desproporção do muro que protege a construção, bem como a longa escadaria para se adentrar nesse espaço de lazer e descontração. Interessante também a presença no céu, de um símbolo de uma bandeira do oriente, como pano de fundo: lua crescente que acolhe a estrela de 5 pontas. A lua crescente branca representa o progresso e a estrela de cinco pontas, luz e conhecimento. O personagem principal, Riobaldo, aparece em sete quadros. Apenas no segundo, no terceiro e no décimo oitavo, é representado como um sujeito apequenado, insuspeito e quase invisível. Por isso mesmo, passa desapercebido quando se mistura, às 2 da manhã, aos frequentadores do bar, onde não se espera que a conversa seja séria, depois 99

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de cervejinhas e similares. Afinal, trata-se de um ambiente de descontração, de puro prazer onde a censura não tem vez, nem voz. No terceiro quadro, um dos clientes de uma das principais mesas, usa a expressão …” fundamental é …ficar muito Odara, bicho”, referindo-se claramente a uma música de Caetano Veloso da década de 70, que significa “transar as energias”, pegar leve, descontrair. “Deixa eu dançar pro meu corpo ficar odara Minha cara minha cuca ficar odara Deixa eu cantar que é pro mundo ficar odara Pra ficar tudo jóia rara Qualquer coisa que se sonhara...” A simples menção da palavra Odara foi o estopim, para que o inconsciente coletivo de Riobaldo fosse agitado e trouxesse à luz o gigante Riobaldo, que sobre a mesa, já travestido de patrulheiro, armas na cintura, mãos preparadas para atirar, olhos fixos e duros sobre aquelas pessoas por ele intituladas de alienadas. O grupo, a mesa, não esconde um olhar surpreso, mas permanece tranquilo, até que Riobaldo, assume o arquétipo do herói, arma em punho, começa a atirar cobrando uma posição crítica de esquerda do grupo, visto por ele como “intelectuais e artistas”. No oitavo quadro, aparecem as figuras dos compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, também sendo cobrados pela falta de apoio à luta de classes. Na nona vinheta, Riobaldo vocifera “fogo neles”. E, não para por aí. Ataca também o pequeno empresário, dono do boteco, na qualidade de explorador e seus funcionários por não se rebelarem e não estarem em greve e se deixarem explorar. “Todos aqueles que se colocam contra a história, devem morrer”, é a fala de Riobaldo quando um dos clientes ousa criticar sua ação radical.

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Depois do estrago feito, Riobaldo, aliviado, deixa o herói para trás, volta ao tamanho normal, sai do bar, tranquilamente, convencido de que a história acompanha seus passos. Missão cumprida pelo herói revolucionário que carrega dentro de si. Uma dúvida lhe passa pela cabeça; será que naquela hora da madrugada encontrará um taxi? No ambiente de descontração do bar, Riobaldo, com seu superego relaxado, portas abertas ao inconsciente, pode dar visibilidade a sua sombra tenebrosa, apropriar-se de uma personalidade extremamente autoritária e perversa, capaz de tudo em nome de valores incutidos, possivelmente desde infância. Assumir a intolerância, usar uniforme policialesco, assumir gestos agressivos, caras e bocas sedentas de sangue, representação máxima de uma sociedade doentia, que só conhece força física e se deleita com armas de destruição só assumindo uma outra persona. Quantos Riobaldos, que andam por aí, sujeitos insuspeitos, invisíveis, aguardam oportunidade para darem vida a suas outras identidades, ignorando a capacidade de diálogo, de lidar com as diferenças. A história de Riobaldo o seu patrulheiro ideológico, portanto, é uma história em quadrinhos compostas de apenas 18 vinhetas, mas que pode estimular a reflexão e a consciência crítica do leitor, lembrado sempre que a inspiração dos autores veio, com certeza, de uma situação política vivida no Brasil muito recentemente.

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Análise dos trabalhos premiados

UMA PEQUENA FÁBULA JOÃO BATISTA CARDOSO

A dupla, Ataíde Braz Pereira e Roberto Kussomoto, a dupla foi premiada com estas duas páginas no 2º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos.

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No final da década de 1960 e início da década de 1970, a produção de histórias em quadrinhos (HQ) no Brasil era composta predominantemente por temáticas de humor, críticas políticas e sociais e erotismo. Grande parte dessa produção era disseminada em fanzines e revistas alternativas produzidas por fãs de HQs que eram influenciados pelas narrativas e estilos gráficos das HQs de super-heróis e ficção científica produzidas nos Estados Unidos e parte da Europa. Aqui no Brasil, nas décadas de 1950,60 e 70 tínhamos Carlos Zéfiro e suas cópias chamadas de catecismo (pornografia). Em 1972 surge o “Balão” na USP, que tinha como modelo o underground americano, a contracultura. Na segunda metade da década de 1970, surgiram publicações influenciadas pelo “Balão”, como Esperança no Porvir, Boca, Capa, entre outras. Estas publicações eram de pequena tiragem atingindo um pequeno público. Portanto não eram a grande parte da produção e não tinham influência das HQs de super heróis e ficção científica. A história em quadrinhos de Ataíde Braz Pereira e Roberto Kussomoto, premiada no Salão de Humor do Mackenzie, reflete elementos de linguagem da arte sequencial desse período. Do ponto de vista estético, percebe-se a influência dos quadrinhos do norte americano Wallace “Wally” Wood que, na década de 1960, mesclava ficção científica e erotismo nas aventuras da sensual guerreira Sally Forth. Adotando tal estilo, os autores desenvolvem a narrativa de “Uma pequena fábula” que, implicitamente, discute posições políticas da época. A estrutura narrativa, por meio dos quadros, revela a influência das narrativas de ação e aventura que predominavam


nas HQs estrangeiras: a oposição entre o movimento dos três quadros que descem a página seguindo o sentido da luz que alcança as trevas, compostos por quatro recordatórios que exigem do leitor essa sequência de leitura, e o movimento inverso da personagem que sobe a página em busca do sol; o dinamismos das figuras que rompem os limites dos requadros (na primeira página, as pernas e braços das personagem principal e, na segunda, o projétil que atravessa o requadro atingindo a personagem); a falta de contorno em alguns quadros, que intensifica a ação da personagem que busca a liberdade (no último quadro da página 1, no encapsulamento da página seguinte, em que a personagem voa sorridente entre os militares que demonstram seus sentimentos de indignação, e na cena em que ela busca a liberdade revelando o que se entrega por essa luta, os corpos que saem do seu ventre). Tais elementos demonstram que os autores utilizaram um sistema de codificação já consolidado no mercado editorial internacional para tratar de questões que interessavam especialmente a nós, brasileiros. A nudez da personagem, nesse contexto, apresenta-se como um traço de liberdade. Liberdade essa que, provavelmente, nos “anos de chumbo” do governo Figueiredo, os jovens Ataíde Braz e Kussomoto, antes de se tornarem quadrinhistas reconhecidos no mercado nacional, sonhavam encontrar.

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Análise dos trabalhos premiados

SURGE UMA NOVA GERAÇÃO Gualberto Costa

HQ de JOSÉ MÁRCIO NICOLOSI (acima) e cartum de REINALDO WAISMAN (abaixo)s, premiados no 2º SALÃO MACKENZIE DE HUMOR E QUADRINMHOS.

Foto de CASSIANO RODA e sua HQ, SHAZAB, premiada no 2º SALÃO MACKENZIE.

Durante o 2º Salão Mackenzie a imprensa recebe com entusiasmo os novos artistas revelados neste evento. A Folha de S. Paulo, de 12 de junho de 1979, destaca dois dos artistas premiados, Reinaldo Waisman e José Márcio Nicolosi, que na época trabalhavam nos estúdios do Mauricio de Sousa. Zé Márcio até hoje trabalha com o Mauricio como diretor de animação, e Reinaldo anos depois foi para o Rio de Janeiro trabalhar como diretor de arte da Xuxa, onde criou as versões em desenho da apresentadora, que circularam em revistas de quadrinhos, álbuns de figurinha etc. Com o título: “Cartunistas discutem seus problemas”, a Folha conversa com os dois novos artistas sobre as dificuldades e possíveis soluções para o difícil mercado de quadrinhos e humor gráfico. A matéria começa com um rápido relato do mercado, onde apresenta os salões como uma das raras alternativas: “Os salões ainda são a melhor oportunidade (das poucas que existem) para o desenhista nacional de cartuns e histórias em quadrinhos poder ser conhecido. O desenhista brasileiro tem poucas chances de competir num mercado onde o material estrangeiro é vendido a preços baixíssimos, pois são distribuídos em larga escala. Ele não tem sua profissão reconhecida e muito menos uma legislação específica que proteja seu trabalho. Na melhor das hipóteses consegue sobreviver desenhando no anonimato das agências de publicidade. Na pior, desiste de tentar fazer do desenho uma profissão.” e prossegue mais uma vez destacando que: “O 2º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos dá uma mostra do grande número de bons desenhistas surgidos nos últimos anos, que por diversas razões, ainda não conseguiram acesso ao grande público”. Nesta matéria que abre espaço para a opinião dos novos artistas sobre mercado de trabalho, Zé Márcio acha oportuna uma legislação própria, que ajudaria muito, mas que a organização de uma distribuidora (sindicates), nos moldes de algumas entidades norte-americanas e europeias, daria 107 1 9 7 3 , Q U A N D O T U D O C O M E Ç O U


maior impulso ao mercado nacional: “Há cerca de quatro anos participei de um Congresso de Quadrinhos em Avaré. Naquele tempo se falou muito de uma legislação, mas nada saiu disso” e conclui: “Nos Estados Unidos, na Europa, os desenhistas conseguem viver de seu trabalho, e parece que vivem bem. Acredito que isso se deve à importância que os distribuidores (sindicates) têm lá...”. Reinaldo, não bota muita fé na criação de uma legislação: “É impossível acabar, de uma hora para outra, com a organização existente. Isto acarretaria problemas para os que, bem ou mal, sobrevivem nessa estrutura”, e prossegue “ A luta contra esse estado de coisas é feita assim mesmo, organizando salões, mostrando o pessoal mais novo. Outra parte da luta está sendo feita individualmente, cada um lutando do seu lado, sem uma união de classe que daria resultados mais rápidos”. Zé Márcio no 2º Salão Mackenzie apresentou uma HQ de duas páginas, que encheu os olhos dos visitantes! Com o título de “2º Domingo de Maio”, uma homenagem às mães, por onde passava todo o ciclo de uma vida. Com um roteiro altamente sofisticado, cheio de simbolismos e tudo narrado com um traço exuberante, onde a arte-final tinha um tratamento inédito para aquela época. Uma História em quadrinhos a altura dos grandes mestres da 9ª arte. Reinaldo, com uma proposta mais politizada, usou como tema para seu cartum o “Ano Internacional da Criança”, definido pela ONU em 1979. Um divertido parto do logotipo da comemoração, que trazia esperanças para um país com altos índices infantis de desnutrição, mortalidade e falta de acesso à educação. O jornal Ultima Hora, em sua edição de 16 de junho de 1979, também dedicou espaço de uma página aos novíssimos artistas revelados no 2º Salão Mackenzie, com o título “O Humor dos novos Made in Brazil”, entrevistou outros três premiados: Glauco Villas Boas, Cassiano Roda e Louis Chilson. A matéria começa destacando a idade e o compromisso dos jovens premiados em fazer uma arte genuinamente brasileira: “A esmagadora maioria dos premiados, neste Salão, são jovens com menos de 25 anos, um volume muito grande de ideias e sonhos e, principalmente, uma vontade férrea de fazer um trabalho legitimamente made in Brazil”. Nosso querido e saudoso cartunista Glauco, que se tornaria um dos nossos mais importantes humoristas gráficos, na época com apenas 22 anos, deixa claro em seu depoimento a seriedade da carreira que estava construindo: “No começo, a gente era bastante ingênuo, sem amadurecimento político. Mas, aos poucos, fui tomando consciência. A partir dos cartuns, comecei a ler mais, a me interessar pelas causas mais profundas. Embora ainda haja muito a questionar”. Glauco destaca a importância do trabalho em equipe e reverencia os artistas mais velhos: “Estamos tentando abandonar a imagem do profissional solitário que apenas manda o trabalho para as redações. Estamos na Oboré desenvolvendo, todos juntos, um trabalho sindical. A satisfação 1973, QUANDO TUDO COMEÇOU

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deste trabalho é que a gente vai direto ao trabalhador”. E frisa: “Mas é o pessoal mais velho que puxou o carro” o Henfil, o Jaguar, o Ziraldo. O primeiro, inclusive, está trabalhando de corpo e alma conosco, neste grande projeto que é a Oboré”. A agência Oboré, mencionada por Glauco, foi criada em 1978 por jovens jornalistas e artistas, para produzir material de comunicação de qualidade para os sindicatos. A Oboré existe até hoje com uma atuação mais ampla, mas, foi desta experiência que o Henfil criou, em sua casa em São Paulo na Rua Itacolomi, o famoso “Bunker”, onde jovens desenhistas, como Glauco, Laerte, Angeli e Nilson, foram dividir o espaço e aprender mais profundamente o ofício com o grande mestre. Cassiano Roda, multiartista que se consagraria em 1982 com sua parceria com Carlos Mello na composição da inesquecível música humorada “Conchetta” para o grupo “Língua de Trapo”. Recebeu o prêmio com 24 anos e comenta para o jornal sobre a sua geração: “A grande diferença entre nós está no enfoque. Somos mais cínicos, mais irônicos no roteiro, nas imagens. Não existe aquele romantismo do super-herói”. E conclui: “Produzir quadrinhos sempre foi uma preocupação com o público infanto-juvenil. Nós queremos chegar aos adultos”. Outro premiado, Louis Chilson, que tinha 23 anos e hoje é cineasta renomado com vários prêmios, inclusive dirigiu um documentário sobre a história do Salão de Piracicaba, o “De Piracicaba com Humor” (2001), e outro sobre o jornal Pasquim, “O Pasquim, a Revolução Pelo Cartum” (1999). Seu trabalho premiado “Motoc” foi neste livro brilhantemente comentado pelo professor José Estevão Favaro. Na matéria para o jornal evidencia mais alguns aspectos de sua geração: “A nossa grande característica é a preocupação de realizar um trabalho da terra, nosso”. Glauco finaliza dizendo: “A gente tem que ter opinião. Tem que ser autodidata, ler tudo ao mesmo tempo, de jornais diários a livros de sociologia. Temos que estar atentos, formados e informados”. Outro novíssimo premiado, que teve também destaque em outros periódicos, foi Daniel Brazil, um jovem estudante da ECA-Escola de Comunicação da USP. Daniel deixou todos empolgados com sua crítica corajosa ao abordar de forma direta e ferina o regime militar, com um cartum que apresentava dois macacos em seu ambiente natural, onde bastou que um deles vestisse um quepe do exército que foi o suficiente para golpear com um violento soco o seu colega. Este cartum fazia claras referências ao autoritarismo, às mortes e torturas cometidas na ditadura da época. Atualmente, Daniel é animador e cineasta reconhecido internacionalmente e recentemente se aventurou como escritor com seu prestigiado romance “Terno de Reis”. O importante papel dos Salões de Humor em revelar novas gerações, de trazer novas ideias para as Artes Gráficas e ser um palanque da liberdade de expressão, ainda está de pé. E podemos afirmar que em 1973, foi quando tudo começou! 109 1 9 7 3 , Q U A N D O T U D O C O M E Ç O U



Cartaz do 1º Salão de Humor de Piracicaba, de autoria de Zélio.

RIR FAZ PENSAR: A CONTRIBUIÇÃO HISTÓRICA DO SALÃO DE HUMOR DE PIRACICABA ADOLPHO QUEIROZ

Adolpho Queiroz, um dos jovens piracicabanos criadores do Salão de Humor de Piracicaba.

A cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo mantém um rico e amplo painel de atividades culturais que a identificam como uma das cidades mais pujantes neste setor no Estado de São Paulo e no país. Além do “r” arrastado, herança dos colonizadores da região, a cidade conta com festas populares como a Festa do Divino (realizada no leito do Rio Piracicaba há mais de 150 anos), Bienal Naif (mantida pelo SESC há décadas), três salões de arte (belas artes, contemporânea e humor), uma escola de música dirigida pelo maestro Ernst Mahle, formadora de gerações de músicos que atuam em orquestras do país e exterior, várias universidades que lhe dão visibilidade no campo científico e tecnológico; um Instituto Histórico e Geográfico que pesquisa e difunde temas ligados às raízes da cultura local, entre outras. Pouco depois do carnaval de 1974, um grupo de jornalistas da cidade, liderado pelo professor Alceu Marozzi Righeto e composto por jovens jornalistas como Carlos Colonese e por mim, como leitores assíduos do jornal “O Pasquim”, fomos fazer uma entrevista no sábado de carnaval como jornalistas e convidados que participaram como jurados dos festejos de carnaval na cidade naquele ano. O contato com o jornalista José Maria do Prado, então do jornal “Ultima Hora” de São Paulo foi extremamente frutífero e foi naquela tarde que ouvimos a intenção do Alceu naquela conversa. Ele pediu ao jornalista da UH se poderia nos colocar em contato com o pessoal do Pasquim no Rio de Janeiro, pois tínhamos a intenção de organizar um Salão de Humor naquele ano na cidade de Piracicaba. Anteriormente, no Salão de Arte Contemporânea da cidade, houve uma tentativa de realizar uma mostra para111

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RIR FAZ PENSAR: A CONTRIBUIÇÃO HISTÓRICA DO SALÃO DE HUMOR DE PIRACICABA

Animado com sua visita ao Salão e a cidade, o quadrinista frances Claude Moliterni, retorna e faz o álbum com o título

Piracicaba Mon Amour.

Claude Moliterni conversa com ZéliO durante sua visita ao 2º Salão de Humor de Piracicaba. Neste momento surge a ideia da internacionalização, que já ocorre no ano seguinte.

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lela de cartuns de`O Pasquim. Os idealizadores, o jornalista Roberto Antonio Cera e o artista plástico Ermelindo Nardin, presidente daquele Salão, até mantiveram contato com o irreverente Jaguar, que lhes autorizou retirar na Editora Abril, onde mantinha publicação na revista “Veja” de originais seus, que poderiam compor a referida mostra. Com a carta de autorização em mãos, não se sabe por qual razão, a história da mostra paralela não foi adiante. Enquanto isso, Alceu, Carlos e eu viajamos a São Paulo e num almoço organizado pelo jornalista José Maria do Prado, conhecemos o Zélio Alves Pinto, cujo irmão, Ziraldo pilotava o projeto político e administrativo d´O Pasquim. Depois do almoço, o Zélio nos convidou para irmos a casa dele e enquanto conversávamos sobre a ideia do Salão, ele fixou a ponta de um compasso sobre o nome da cidade “Piracicaba” num mapa e foi formando círculos concêntricos, mostrando de que forma o nosso salão cresceria. Naquele dia, chegou com o compasso até o Rio Amazonas, não conseguiu pular o mar. Dois ou três anos depois, pelas próprias mãos do Zélio, o salão viria a se tornar internacional, com a vinda de editores franceses ao nosso evento. Claude Moliterni foi o primeiro visitante ilustre da Europa a prestigiar o salão e sua editora, a Dargot era na época uma das editoras de ponta no mundo do humor gráfico e dos quadrinhos. Mas, depois desse dia, Zélio nos apresentou ao irmão ilustre, o Ziraldo que prontamente concordou com duas ideias: a de nos receber lá n ´O Pasquim no Rio de Janeiro e de nos enviar, para o I Salão, uma mostra de cartuns proibidos pela “censura” da época. O I Salão de Humor de Piracicaba, em agosto de 1974 abriu suas portas de forma festiva e respeitosa. Ele representou um gesto de respeito de uma cidade culturalmente e politicamente ativa na época, às artes e ao humor gráfico, às figuras que lhe davam sentido na


época – os pasquineiros Ziraldo, Jaguar, Fortuna e Millor Fernandes – e, mais especialmente, às novas gerações de artistas que com suas “penas e brilhos”, ajudaram a inquietar a ditadura militar na época, contando novas histórias, lançando dúvidas, contestando a forma de governo e, especialmente, transformando a ironia fina em arma retórica de convencimento. Foi assim então, que tivemos o nosso primeiro premiado: o jovem e irreverente Laerte Coutinho, oriundo da revista “Balão” editada na Universidade de São Paulo pela Escola de Comunicação e Artes e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Embalados pela alegria do sucesso do primeiro Salão, jurados e organizadores comemoram em petit comité e discutem eufóricos o próximo.

O REI ESTAVA VESTIDO, 1974 O cartum vencedor do I Salão de Humor de Piracicaba foi assinado pelo artista Laerte Coutinho, que vinha das primeiras aventuras pelo campo através da revista “Balão”, publicada pelos estudantes do curso de Comunicação, da ECA/USP. Vivíamos um período difícil na vida política do Brasil, pois estávamos naquela ocasião no décimo ano de vigência da revolução militar que em 31 de março de 1964 deu um golpe de Estado, retirando o presidente eleito, fechando o congresso nacional, impondo a censura à imprensa e iniciando um período de exceção na vida publica. O Salão de Humor de Piracicaba surgiu também para ser um instrumento de contestação política ao regime militar da época. A justificativa para a escolha deste prêmio pelos jurados era de que a obra tinha sido inspirada numa fábula escrita por Hans Christian Andersen. A original contava a história de um rei vaidoso que gostava de se vestir bem e criativamente e que, em determinada ocasião foi procurado por um costureiro aventureiro e criativo que lhe propôs construir a roupa mais original que já havia vestido. O costureiro pediu-lhe que se despisse e “inventou” que lhe colocava um pano aqui, outro

Alceu Marozzi Righeto, líder do grupo de jornalistas da cidade que idealizaram o Salão.

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Laerte nos tempos do Balão e dos Salões.

Cartum de Laerte, premiado no I Salão de Humor de Piracicaba, em 1974.

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ali, um sapato assim outro assado, um colar exótico, enfim, foi ampliando a imaginação do rei. Enfim, criou a indumentária apenas na imaginação real. Que a tudo assistia embevecido. Com a roupa “pronta” o rei ordenou que se abrissem as portas do palácio para que ele pudesse mostrá-la aos nobres e aos plebeus do seu reino e começou a caminhar em torno do palácio e, entre sussuros, quase todos o aplaudiram pela “nova” e “criativa” indumentária do rei. Até que um menino exclamou à sua mãe em voz alta: “O rei está nu! ” Irado o rei ordenou que o prendessem, que ingênuo, foi o único a declarar a verdade e na ocasião. A roupa do rei não existia e ele estava caminhando completamente nu. Numa alegoria ao regime militar da época, os torturadores que aparecem no trabalho premiado representam os integrantes do regime militar, cujas práticas de prisão e tortura aos que discordassem do


regime de época eram recorrentes e constantes. Na fábula de Andersen, o menino se retrata na prisão e berra, para acompanhar aos demais que assistiram ao desfile: “O rei estava vestido! ” Ao admitir também que o rei que estava “nu” na roupa criativa do seu costureiro e a unanimidade exigida pelo rei. Tal qual nas ditaduras – incluindo a militar no Brasil – discordar ou emitir opinião contrária aos governantes, não é permitido. A fábula de Andersen e a sua nova contextualização diante da revolução de 64 foi o jeito de dizer, a partir do Salão de Humor de Piracicaba que também a sociedade civil na época era contrária aos métodos utilizados pelo governo ditatorial daqueles dias. A unanimidade que as ditaduras gostam de representar começou a ser quebrada também a partir do Salão de Humor de Piracicaba, pois ao admitir de forma violenta que o “rei estava vestido! ”, o artista e a sociedade queriam reafirmar o contrário, “o rei está nu! ”, ou em outras palavras, não apoiamos as ações do governo militar. O eco daquele premio foi importante para as forças de oposição que começavam a se organizar para restabelecer a ordem democrática no país. O “não” de Laerte Coutinho foi uma das importantes contribuições das artes e do humor gráfico contra a ditadura militar no Brasil.

Angeli foi premiado com este cartum no II

Salão de Humor de Piracicaba, em 1975.

SORRISO INSINCERO, 1975 A mesma ditadura militar que inspirou a criação do Salão de humor de Piracicaba recebeu outro “presente” com a escolha deste cartum, de autoria do Arnaldo Angeli Filho, ou simplesmente Angeli, outro integrante, à época, da nova geração de cartunistas que emergiu a partir do salão de Piracicaba. Seu trabalho premiado com o 3º lugar mostra um grupo de pessoas – como se fosse uma analogia à sociedade civil do período – preso num cercado rodeado de arame farpado, guardas armados e um espião mal disfarçado.

O jovem Angeli no começo dos anos 70.

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No cercado há um pouco de tudo o que representava a sociedade daqueles dias: médicos, hippies, palhaço, negros, velhos, crianças, cegos, mulheres, todos invariavelmente com fisionomias tristes. E um único sorriso no cercado: um homem que segura um feixe de bexigas coloridas, o único feliz naquele emaranhado de tristezas. Há entre os personagens um amarrado e amordaçado. Enfim, a sociedade presa, calada, tristonha e sem grandes chances de se manifestar como a que foi submetida pelos militares durante quase 25 anos da ditadura militar, entre 1964 a 1985. Na cena seguinte ao serem “libertados” do cercado os integrantes da sociedade presa recebiam como brinde — e eram obrigados a exibir! — uma pequena máscara com o formato de um sorriso. As máscaras eram distribuídas por duas mesas que controlavam o movimento. Na da esquerda está um personagem militar, com o mesmo sorriso do Dick Vigarista, personagem dos desenhos animados e, ao seu lado, sentado servilmente, o que poderia representar um político da época que executava sem contestar as determinações dos militares e distribuía o sorriso insincero às pessoas que iam saindo do cercado/prisão. A outra mesa também é emblemática da época. Nela estão um padre e um monsenhor, com a mão direita erguida para o alto. Este símbolo, ao contrário, com a mão esquerda erguida para o alto foi criado pela revolução socialista soviética em 1918 para representar o posicionamento dos trabalhadores socialistas daqueles dias. A mão erguida à direita representa, ao contrário, o conservadorismo. Ao levantar a mão direita o representante da igreja católi-

Arte de Glauco para o cartaz do 5º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em 1978.

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ca mostrava-se a favor de revolução conservadora e contra o comunismo, como queriam os militares de 64. No primeiro plano da obra premiada apareciam os seis primeiros personagens “felizes” com a soltura da prisão e aparente liberdade conquistada. Na época o trabalho de Angeli teve um grande impacto. Era de novo, de uma ironia vigorosa contra o regime que encarcerava, prendia, matava e torturava pessoas e ainda as obrigava a saírem “felizes” e esperançosas num regime ditatorial. Não era isso o que pretendia a sociedade brasileira na época e mais uma vez o Salão de Humor de Piracicaba, ao premiar uma critica contundente, ajudou a dizer ao regime militar que gostaríamos de sorrisos sinceros. E que só a volta da democracia poderia devolvê-los ao povo.

Glauco, premiado em 1977 com este cartum, no 4º Salão

Internacional de Humor de Piracicaba.

QUAL LIBERDADE? 1979 O cartaz do VI Salão Internacional de Humor de Piracicaba, desenhado por Glauco Vilas Boas, mostra um passarinho tremendo de medo de sair da sua gaiola. Mesmo com a porta aberta, ele se mostra assustado, olhos esbugalhados, as asas transformadas em dedos ainda presos na armação de arame da gaiola, pálpebras enrijecidas e o espanto com a liberdade conquistada. Eram os dias finais da ditadura militar no Brasil e a gaiola aberta poderia simbolizar tanto a abertura política, a ampla liberdade de expressão, a reconquista da democracia. Mas o interessante é que o nosso pássaro medroso engaiolado durante uma vida toda (uma analogia há 25 anos em que toda uma geração se viu privada de exercer os direitos mais comezinhos de expressão, especialmente no campo político), talvez quisesse nos dizer: “para onde ir agora? ” É que depois de tanto tempo “sem poder voar”, sem poder se expressar, votar livremente e expressar seus pensamentos sem medo de ir preso ou ser torturado, como era comum naqueles dias, o nosso pássaro símbolo mostrava-se reticente para a nova empreitada que a vida e a liberdade se lhe apresentavam naquele momento.

Cartum de Glauco, premiado no 5º Salão

Internacional de Humor de Piracicaba, em 1978.

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Henfil, criador dos inesquecíveis Fradins e colaborador do Pasquim, foi também um importante participante estratégico na organização do Salão de

Piracicaba.

Não, ele não estava fugindo. Ele estava finalmente livre. Livre para escrever o que bem entendesse, para conversar em voz alta nos bares, nas universidades, nas tribunas parlamentares, no judiciário, livre para amar sem ter que ver mulher e filhos vigiados pelo Regime Militar que durante mais de duas décadas impediu a sociedade de pensar e agir. Muitos resistiram. Muitos pagaram com a própria vida pelo direito de todos de agirem em liberdade. Mas naquele ano, a preocupação do nosso pássaro era com as novidades que haveria de encontrar lá fora na vida: a possibilidade de escrever artigos e debater idéias nos jornais alternativos e nos jornalões que circulavam; a possibilidade de fazer caricaturas, charges, cartuns e histórias em quadrinhos que não mais seriam censurados por militares – via de regra !! – despreparados para esta função; a possibilidade de ler poemas em voz alta; de debater ideais para a construção de um país mais justo. O pássaro medroso de Glauco é uma das imagens mais fortes e marcantes do Salão Internacional de humor de Piracicaba. Soube-se depois, muito depois, que o pequeno pássaro alçou as árvores, primeiro com as asas meio enferrujadas, mas depois, com um vigor que o transformou num símbolo e com o trinado especial de um canto que sufocou a tristeza e anunciou que “amanhã, vai ser outro dia”, como sentenciou drasticamente o poeta Chico Buarque de Holanda naqueles dias cantando, do seu jeito a liberdade: Apesar de você, Amanhã há de ser Outro dia, Inda pago pra ver O jardim florescer, Qual você não queria, O pássaro tomou gosto pela liberdade. O Brasil também. E a florescente democracia brasileira, com seus avanços


e tropeços, com certeza é muito melhor do que aqueles dias amargos, trancados nas gaiolas da insensatez. A ridicularização dos personagens da República foi uma das frentes de batalha adotada pelos artistas que participaram do processo de desconstrução da “imagem pública” dos generais presidentes, seus ministros, assessores e políticos proeminentes da época. Outro participante estratégico e importante do salão de Piracicaba foi o cartunista Henfil. Com seus admiráveis “fradins” exerceu uma das leis mais interessantes da contrapropaganda, assim descrita por Domenach: “ colocar a propaganda do adversário em contradição com os fatos. O Não existe, réplica mais desconcertante que a suscitada pelos fatos. Se for possível conseguir uma fotografia ou um testemunho, que, embora sobre um único ponto venha contradizer a argumentação adversa, essa em conjunto, acaba por desacreditarse. De ordinário é difícil conseguir provas incontestáveis: as narrativas de viagens são contraditórias, pode haver truques fotográficos; apelar-se-á, então, tanto quanto possível, para inquiridores ou para testemunhas cujo passado e cujas ligações garantam sua imparcialidade. Em todo caso, nada vale tanto quanto um desmentido pelos fatos como arma de propaganda, desde que formulado em termos claros e precisos. Esse desmentido não encontra réplica quando os fatos alegados foram colhidos em fontes de informação controladas pelo próprio adversário. A esse propósito, citarei um exemplo: uma pequena notícia das Lettres Françaises clandestinas, a qual refutava uma afirmação da propaganda hitlerista, antepondolhe simplesmente, sem comentário, uma informação publicada na mesma ocasião pela imprensa da França ocupada. Já o salão de Piracicaba foi pródigo em denúncias contra vários tipos de violência. A maior de todos, sem dúvida, o fato de os militares terem tirado da sociedade o direito básico do voto direto, um exercício democrático necessário e reivindica-

Charge premiada no 2º Salão de Piracicaba em 1975 de Luiz Gê, professor de quadrinhos no Curso de Desenho Industrial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Caricatura de Chico Buarque, por Dálcio, premiada em 1999.

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do pelos autores do salão de Piracicaba àquela altura. Além disso, outra crítica recorrente era contra a censura à imprensa. Sem imprensa livre, nenhum país avança, discute, debate opiniões e o seu próprio futuro. O Salão dispôs-se também a cumprir outra função estratégica, que compõe o eixo teórico da contrapropaganda, que segundo Domenach é o de “ridicularizar o adversário, quer ao imitar seu estilo e sua argumentação, quer atribuindo-lhe zombarias pequenas histórias cômicas, esses Witz, que desempenharam tão grande papel na contrapropaganda oral difundida pelos alemães antinazistas. O escárnio constitui espontânea reação a uma propaganda que se faz totalitária mediante a supressão da dos adversários. Sem duvida nenhuma, é a arma dos fracos, mas a rapidez com que se disseminam as pilhérias que jogam no ridículo os poderosos, a espécie de condescendência que elas encontram por vezes entre os próprios adeptos fazem, do escárnio, um agente corrosivo cujos efeitos não são de desprezar. Em todos os tempos os cançonetistas têm tomado o partido da oposição.” As críticas expressas pelos artistas da época também defendiam novos olhares para a televisão, o jornalismo, o rádio, as revistas e mesmo o teatro, cuja contribuição à política de conscientização da sociedade foi decisiva no período.

Os jurados, Henfil, Fortuna e Carlito Maia, analisando os trabalhos durante o julgamento do Salão de Piracicaba.

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Antológica foto do 5º Salão Internacional de Humor de Piracicaba de 1978. Em pé: Chico Caruso, Luis Fernando Veríssimo, Casemiro Xavier de Mendonça, Paulo Caruso, Alcy, Angeli, Saiti, J. Caesar, Luiz Antonio Fagundes, Audálio Dantas, Hilde Weber, João Hermann Neto, Sergio Gomes e José Aparecido. Abaixados: Elifas, Jaime Leão, Petchó, Paulo Markun, Peninha e Tonhão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A divulgação dos cartuns, charges, caricaturas e histórias em quadrinhos que passaram a ser difundidas pela imprensa na época, depois transformadas em catálogos, vídeos e, mais recentemente, voando pelo mundo através da internet, deram ao Salão de Humor de Piracicaba uma dimensão de compromisso com a arte e com a democracia, com a pluralidade e diversidade e o transformou numa referência necessária em prol das lutas políticas do país. Se as peças expostas pelos salões de Piracicaba ajudaram a construir uma nova consciência no país, cabe a História responder. De qualquer forma, o nosso pequeno Golias, com sua pedra/caneta irreverente, também foi decisivo para recuperar a credibilidade no regime democrático, na valorização das lutas sociais e na necessidade do debate político no Brasil contemporâneo. O Davi/Militar açodado pelas críticas e ironias finas dos nossos interlocutores, foi perdendo a força, desmanchou-se e submeteu-se, finalmente, ao canto da maioria da sociedade em favor da liberdade. BIBLIOGRAFIA (1) DOMENACH, Jean Marie. Propaganda Política, Difel, Lisboa,1952, PIRACICABA, 30 anos de humor, Imprensa Oficial, Governo do Estado de São Paulo,2003, 232 páginas 121

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CONTRIBUIÇÕES DA PREFEITURA DE PIRACICABA PARA O DESENVOLVIMENTO DO SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR

No período entre 26 e 31 de agosto de 1974, na praça José Bonifácio nº 821, cidade de Piracicaba, SP/Brasil, ocorreu o I Salão de Humor de Piracicaba, contando com o apoio da Prefeitura do Município, por meio de sua Coordenadoria de Turismo. As contribuições do então prefeito municipal Adilson Maluf, do seu chefe de gabinete Luiz Matiazzo, do então Coordenador de Turismo Luis Antonio Lopes Fagundes, do tesoureiro José Maria Paes da Silva e de outros importantes integrantes da equipe do prefeito foram decisivas para o êxito daquela empreitada. Na época, foram destinados CR$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) do orçamento público para a realização do evento, recursos que seriam destinados, originalmente, à uma tradicional exposição de orquídeas no Teatro São José, que não aconteceu por conta da desistência dos organizadores do evento, anualmente realizado naquele local. Com isso, a proposta do Salão, formulada por Alceu Marozzi Righeto, Adolpho Queiroz e Carlos Colonese, foi encampada pelo Chefe do Gabinete Civil à época, Luiz Matiazzo, e posteriormente aprovada pelo Prefeito Adilson Maluf, que designou o seu então Secretário de Turismo, Luiz Antonio Lopes Fagundes, para a realização do evento. Da primeira comissão organizadora, nomeada

GABRIEL FERRATO DOS SANTOS e ROSANGELA MARIA RIZZOLO CAMOLESE

Caricatura do prefeito ADILSON MALUF por EDSON RONTANI, um dos pioneiros humoristas gráficos de Piracicaba. A esquerda o ex-vereador Jorge Angeli e a direita o exdeputado Bento Dias Gonzaga. 1973, QUANDO TUDO COMEÇOU

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pelo prefeito, participaram Alceu Marozzi Righeto, Carlos Colonese, José Maria Paes da Silva e Thomaz Caetano Ripoli. Na oportunidade, o então jovem jornalista Adolpho Queiroz, com 16 anos, não pôde ser nomeado por ser menor de idade. De lá para cá, passados 43 anos de realizações ininterruptas, o Salão vem recebendo, a cada ano, novas dotações orçamentárias de parte do poder público municipal, bem como promovendo o aperfeiçoamento de suas práticas administrativas e gerenciais, cujos aspectos serão objeto deste artigo, após ampla pesquisa realizada no CEDHU - Centro Nacional do Humor Gráfico de Piracicaba, ligado à Secretaria Municipal de Ação Cultural - SEMAC; na Procuradoria Jurídica da Prefeitura de Piracicaba e na assessoria legislativa da Câmara Municipal da cidade É possível encontrar na coleção da legislação criada, nos arquivos da Secretaria de Ação Cultural, no CEDHU e na Câmara de Vereadores de Piracicaba, as leis que instituíram o Salão, os prêmios, constituição do conselho consultivo, Prêmio Zélio Alves Pinto, Prêmio Alceu Marozzi Righeto e todas as mudanças ocorridas ao longo de quatro décadas. Há, também, no conjunto dos documentos desta história, os acordos culturais e convênios de cooperação celebrados em Portugal, com o Portocartoon, com a Intercom-Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Risadaria, Imprensa Oficial, Câmara Municipal, Adjori — Associação dos Jornais do Interior do Estado de São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, moções de aplauso feitas por diversos vereadores e indicações significativas para o desenvolvimento do projeto. As três primeiras edições do Salão foram realizadas em espaços privados: o primeiro, na antiga sede do Banco Português; o segundo, num espaço comercial da família Nardin, na Rua Governador Pedro de Toledo e o terceiro, no Teatro São José, todos na área central da cidade, de ampla circulação de pessoas. Posteriormente, coube ao poder público municipal a destinação de espaços para as mostras principais e paralelas no Teatro Municipal Losso Neto, Engenho Central, Casa do Povoador, Rodoviária, Museu Prudente de Moraes e, mais recentemente, no Teatro do Engenho, “Erotides de Campos”, onde são feitas as premiações e aberturas, entre outros. Em 2014, por iniciativa do Presidente do Conselho Consultivo do Salão e coautor deste livro, prof. Adolpho Queiroz, com

Luiz Antonio Fagundes e o cartunista Fortuna.

Imagem do troféu, criado por Zélio para o prêmio que recebe o seu nome,

Prêmio Zélio Alves Pinto.

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CONTRIBUIÇÕES DA PREFEITURA DE PIRACICABA PARA O DESENVOLVIMENTO DO SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR

seus alunos do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi elaborado um primeiro Planejamento Estratégico do Salão (PES), cujos principais aspectos resumimos a seguir. Entre os seus compromissos, constam ser representativo dos artistas do país e do exterior; fomentar a difusão de novas técnicas de expressão artística e política às novas gerações de espectadores das suas mostras; organizar exposições em nível de excelência e ser democrático e ouvir permanentemente seus autores e espectadores sobre decisões que orientem a trajetória do Salão. Pelo apoio obtido na cidade, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba tornou-se, aos 40 anos, o mais antigo do Brasil, realizando mostras nacionais e internacionais há quatro décadas; exposições locais, regionais e nacionais há 20 anos; promovendo ações e parcerias no campo internacional há 37 anos e proporcionando prêmios para artistas e estudantes. Do ponto de vista administrativo e cultural, a Secretaria Municipal de Ação Cultural propiciou, ao longo do período, a constituição do CEDHU, Centro Nacional do Humor Gráfico que contratou e capacitou funcionários, a quem oferece instalações e equipamentos próprios para o desenvolvimento do trabalho e para a organização das exposições e difusão dos acontecimentos do Salão. O governo municipal, por meio da SEMAC, destinou o Armazém 14 do Engenho Central, denominado Espaço Henfil, para a realização das mostras e cede, anualmente, as instalações do Engenho Central para a realização das exposições. Disponibiliza, ainda, outros espaços culturais da cidade para essas exposições – museus, escolas, espaços públicos municipais. Atualmente, com orçamentos anuais que alcançam o valor aproximado de R$ 450.000,00 e cotas variáveis de patrocínios, o Salão banca a estrutura do CEDHU, a exposição anual, a manutenção do site, o pagamento dos funcionários, prêmios aquisitivos, divulgação, as passagens aéreas para convidados internacionais, os cachês para a participação nos juris de seleção e premiação, hospedagens, traslados e diárias em hotéis a jurados, entre outras despesas.

Carta de agradecimento de Laerte aos criadores do Salão de Piracicaba, em 1974. Abaixo, foto da Laerte com Luiz Gê, durante o julgamento do último salão em 2015.

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LOGOMARCA

Durante a elaboração do planejamento estratégico 2013/2016, em sua primeira versão, foi detectado que o Salão nunca tivera uma logomarca específica. A cada ano renovam-se os cartazes, folders e demais peças de difusão gráfica do evento. Havia, no entanto, um reconhecimento e uma consideração especial para aquilo que era considerada a sua mais antiga marca: o cartaz do I Salão Internacional de Humor, idealizado pelo artista plástico e um dos fundadores do Salão, Zélio Alves Pinto, visto a seguir. Normalmente o Salão era divulgado com o apoio das marcas da Prefeitura do Município, da SEMACe do CEDHU.

Diante do apelo do PES inicial, a SEMAC, por contratação pública, definiu a Agência de Publicidade Zill, de Piracicaba, para realizar o projeto de construção gráfica do novo símbolo do Salão, que passou a vigorar a partir de 2014, conforme aprovação do próprio Conselho Consultivo, após consultas aos seus integrantes e posteriormente homologado pela Secretaria, ficando assim constituída a nova logomarca, que será utilizada nos cartazes, folders, catálogos, sites e outras ações de difusão do Salão. Igualmente, definiu-se uma homenagem ao artista Zélio Alves Pinto, que passou a dar nome ao troféu mais importante do Salão.

Cerimônia de abertura com a presença de (da direita para a esquerda) Gabriel Ferrato dos Santos, Newman Simões, Fausto Longo e Luis Antonio Fagundes.

Enrico recebe das mãos de Adolpho Queiroz, do prefeito Gabriel Ferrato e da secretária de cultura, Rosângela Camolese, o prêmio no 12º Salãozinho de Humor de Piracicaba.

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CONTRIBUIÇÕES DA PREFEITURA DE PIRACICABA PARA O DESENVOLVIMENTO DO SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR

EVENTOS E EXPERIÊNCIAS Esta tem sido a grande marca da Secretaria Municipal de Ação Cultural durante os salões Internacionais de Humor de Piracicaba: ela é, na verdade, uma grande promotora de eventos. Suas exposições, mostras paralelas, seminários, prêmios profissionais e estudantis a colocam como promotora de um dos Salões de maior impacto mundial no campo do humor gráfico. O Salão reúne, periodicamente, entre 100 a 150 mil pessoas nas suas exposições nacionais e outras tantas nos seus espaços locais e regionais. Na edição comemorativa aos seus 40 anos, foram pelo menos 200 mil visitantes, segundo dados da própria SEMAC. Para as dimensões continentais de um país como o Brasil, os números podem ser modestos. Mas quando visto a nível internacional, o Salão tem um vigor e uma competência indiscutível neste quesito. Sua experiência, a partir da linha diretiva sugerida por seus fundadores, tem sido a de aproximar-se com constância dos temas mais recorrentes para a realização das suas mostras anuais. Além disso, promove avaliação criteriosa dos trabalhos submetidos. Os Salões nacionais/internacionais e regionais da SEMAC transformaram-se numa marca importante, não só para a troca de experiências nos campos da estética, da arte, da política e do ensino, mas sobretudo interpessoais. Ao longo dos anos, artistas do Brasil todo e dos demais países participantes, frequentadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, tornaram-se amigos, parceiros em projetos públicos e/ou privados, em iniciativas políticas, na construção de blogs e sites da área, entre outras. Enfim, pela proximidade dos campos temáticos de produção (charges, caricaturas, cartuns e histórias em quadrinhos) o Salão transformou-se num agregador de teses e ideias (nem sempre alinhadas) sobre conhecimentos e percepções do campo e da produção do humor gráfico no mundo. A este ingrediente importante somam-se as realizações no campo estudantil, com a mostra do Salãozinho de Humor,

Caricatura de Paulo Sergio Jindelt em homenagem ao cartunista Cabu, uma das vítimas do atentado a revista Charlie Hebdo. Esta caricatura ganhou o prêmio de Melhor Caricatura e Grande Prêmio no 42º Salão

Internacional de Humor de Piracicaba em 2015.

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para o qual crianças e adolescentes de 7 a 14 anos elaboram seus trabalhos nas categorias charge, caricatura, cartum tiras/história, que passam por uma comissão de seleção e premiação, e que avalia a qualidade, linguagem e técnicas utilizadas. O nicho da produção de conhecimento sobre humor gráfico, por meio de associações específicas, das publicações em jornais, revistas, blogs e sites aponta para um número crescente de artistas que enviam trabalhos para o Salão. Cerca de mil artistas do Brasil e do mundo já passaram pelo Salão. Na mostra de 2015, participaram 214 artistas de 68 países, que enviaram 2984 trabalhos, dos quais 429 obras foram selecionadas. A esses números, acrescente-se um número igualmente crescente de jovens estudantes que encaminharam, no mesmo ano, 3265 trabalhos para o Salãozinho, para termos uma dimensão de artistas participantes. Em linhas gerais, esta avaliação, a ser aplicada daqui por diante, conforme recomendação do Planejamento Estratégico do Salão 2013/2023 , tende a aperfeiçoar o atual estágio do Salão, seus aspectos importantes na construção da reflexão e novas técnicas para o campo; as dificuldades que se impõem para a implementação deste projeto; expectativas dos vários grupos que nela interagem e também para avaliar os retornos obtidos no plano administrativo da Secretaria de Ação Cultural; nos acordos internacionais, entre outros.

O Engenho Central, pertencente a Semac Secretaria Municipal da Ação Cultural de Piracicaba, sedia, desde 1998, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba e o CEDHU.

A IMPORTÂNCIA DO APOIO INSTITUCIONAL E POLÍTICO Nestes 43 anos, muitas pessoas contaram e contam a história de como surgiu nosso Salão de Humor, do grupo de homens arrojados que se reunia no Café do Bule em nossa cidade, as primeiras viagens ao Rio de Janeiro para dialogar com os artistas do Pasquim, os primeiros apoios e por aí vai... não vamos contar tudo isso de novo, pelo menos não desse jeito! Mas não fosse o apoio institucional e político que o Salão recebeu desde o seu início, de prefeitos e vereadores, pela 127 1 9 7 3 , Q U A N D O T U D O C O M E Ç O U


CONTRIBUIÇÕES DA PREFEITURA DE PIRACICABA PARA O DESENVOLVIMENTO DO SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR

crença no projeto, talvez este evento, que continua reconhecido e respeitado nacional e internacionalmente, poderia ter se perdido, ter sido esquecido. No entanto, a cada momento da história o projeto tem sido fortalecido. Nascido em 1974, foi tornado oficial pela lei n. 2.249, em 1976, posteriormente alterada pela lei n 2.486, de 1982, que passou a estabelecer, entre outras situações, os critérios de premiação e os júris de seleção e premiação, um formato, aliás, usado até hoje. Ela também instituiu os prêmios aquisitivos, tudo trabalhado àquele momento, pela Coordenadoria de Ação Cultural do município. Ano a ano, foram sendo aprovadas as leis que nomeavam a comissões organizadoras, de seleção e de premiação, que aceitavam a doação dos artistas autores dos cartazes de cada edição, abriam créditos suplementares quando necessários e assim por diante. Em 2002, aconteceu a chamada Consolidação das Leis da Cultura, ou seja, todas aquelas leis isoladas, que regiam o funcionamento desta ou daquela casa e dos diversos eventos, passaram a ser reunidas numa única peça, a Lei Ordinária n. 5.194 que, entre todos estes temas, tratava da composição do Centro Nacional de Humor Gráfico de Piracicaba (CEDHU), responsável por todo funcionamento do Salão. Todos os que passaram pela Prefeitura do município e pela Câmara Municipal, ofereceram sua contribuição. Nestes últimos anos, até para atender à crescente demanda, a lei n.5.194 recebeu muitas emendas e outras surgiram para garantir ações diferenciadas ao Salão. É o caso da lei n. 5.427, que trata do prêmio aquisição Câmara de Vereadores, e a lei n.6.274, de 2008, que declara o Salão Internacional de Humor como parte integrante do patrimônio histórico e cultural da cidade. Naquele mesmo período, a lei n. 6.008 permitiu a criação de um Conselho Consultivo para a macrocoordenação do evento, estabelecendo os papéis de todos os envolvidos, bem como normatizou o pagamento aos profissionais que passassem a compor os diferentes júris. Há muitas outras, mas vamos nos ater nas mais importan1973, QUANDO TUDO COMEÇOU

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tes, como é o caso da Lei Ordinária nº 6.791, de 2010, que amplia o valor total de premiação aos primeiros colocados nas diferentes categorias e institui o Grande Prêmio Salão Internacional de Humor de Piracicaba, totalizando R$35 mil, além do Troféu Zélio, cuja criação também nos foi doada pelo artista. No mês de julho do ano seguinte, mais uma novidade: o concurso Micro contos de Humor, uma parceria do CEDHU com a Biblioteca Ricardo Ferraz de Arruda Pinto, estimulando literatos de todo país a aperfeiçoarem não só o poder da síntese, mas a captação da comicidade de situações corriqueiras. De acordo com a lei n. 7064, de 2011, o micro contos selecionados são incluídos numa publicação feita pela SEMAC. Abrindo ainda mais a visibilidade dessa mostra, no mesmo ano foi aprovada outra lei ordinária autorizando a celebração de convênio técnico-cultural com a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação, Intercom, e, em 2012, na comemoração dos seus 40 anos de realização, foi a vez do reconhecimento da participação popular, com aprovação da lei n. 7.295 que criou o Prêmio Júri Popular Alceu Marozzi Righetto, homenageando um dos seus fundadores. Em 2015, o governo municipal contratou consultoria especializada para elaborar o projeto de implantação do Museu do Riso em um dos barracões do Engenho Central, que trabalhará, entre outras ações, com todo o acervo do Salão. Uma antiga aspiração de todos os artistas e organizadores do Salão de Humor de Piracicaba, a primeira etapa do museu será concluída em 2016 com as obras físicas de readequação do espaço para receber, posteriormente, as instalações. Para 2016 a atual administração pública propôs e está implementando a criação do “Museu do Riso”, antiga aspiração de todos os artistas e organizadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

Cartaz deste ano (2016) da cartunista Nani Mosquera para o 43º Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

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Salão Internacional de Humor de Piracicaba: 43 edições, 43 cartazes e 38 artistas convidados


adão•alcy•angeli•borjalo• cau gomez•chico•dálcio•daniel kondo• dil márcio•edgar vasquez•eduardo grosso• elifas andreato•emil wainstok•erasmo• geraldo•glauco•jaguar•jal & gualberto •jaime leão•laerte• lan• miguel paiva•millôr•mino•nani• nani mosquera•nássara•orlando• o-sekoer•paulo caruso•rodrigo rosa• ronaldo cunha dias•sábat•santiago• willian hussar•zélio• ziraldo



Callia apresentava invariavelmente na última página do jornal O Picareta o personagem “Minervus”, um crítico contumaz dos costumes mackenzistas.

O HUMOR NA IMPRENSA UNIVERSITÁRIA DO MACKENZIE MARCEL MENDES

Jornal Afresco, dos estudantes de arquitetura do Mackenzie.

Das várias contribuições que a Universidade Presbiteriana Mackenzie tem no campo da cultura, o humor gráfico aparece entre as mais significativas. Antes mesmo de termos realizado o I Salão de Humor do Mackenzie, em 14 de outubro de 1973, no museu Lasar Segall, uma intensa atividade da imprensa universitária dos anos 70, possibilitou o surgimento de vários artistas para a área, revelou as críticas e insatisfações dos nossos estudantes naquele período. Jornais como o AFRESCO, órgão informativo do DAFAM, Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, de março de 1976; O PICARETA, órgão oficial representativo do CAHL, Centro Acadêmico Horácio Lane, dos alunos da Escola de Engenharia cuja primeira edição que possuo é de 24 de março de 1976, lembrando que este Centro Acadêmico pioneiro da Universidade completou o seu centenário em 2015. O nome que mais figura como “autor” dos quadros de humor de O PICARETA foi o de Callia, que depois consagra-se como pianista da famosa TRADITIONAL JAZZ BAND e um dos mais respeitados engenheiros de estruturas de madeira do Brasil. Houve ainda um outro periódico “O MACKENZIE”, publicado entre 1947 e 1960, que também apresentou algumas ilustrações bem humoradas. E ainda jornais na Faculdade de Economia, “Análise” que chegou a ganhar um prêmio no campo do jornalismo universitário e o “Imprensa Universitária”, do DCE, anos 1972/75. 133 1 9 7 3 , Q U A N D O T U D O C O M E Ç O U


O HUMOR NA IMPRENSA UNIVERSITÁRIA DO MACKENZIE

JORNAL AFRESCO A primeira edição circulou em março de 1976, com uma tiragem de 3.000 exemplares, trazendo na capa uma caricatura de um personagem enfurecido, provavelmente o prof. Monte Verde, encimando o título de “Profitópolis”. O título era uma alusão ao nome dado a exposição e uma série de palestras realizada na Câmara de Vereadores, em meados de 1975, para despertar a crítica na sociedade sobre o crescimento desordenado que a cidade tomava naqueles dias. Ao final de um texto síntese sobre aquele evento, fechando a página 6, havia um convite, manuscrito dos editores em nome da Redação informando que “se você faz história em quadrinho, desenhos a nanquim, gosta de escrever sobre cinema, música, arte e etc. procure a redação do AFRESCO. Mas procure logo. Nós precisamos da sua colaboração.”

O PICARETA Outro jornal bastante importante na vida estudantil do Mackenzie foi “O Picareta”, criado nos anos 60 e que circulou com periodicidade irregular até os anos 80. Era um jornal representativo do CAHL/Escola de Engenharia. A tiragem era alta para a época, 3.500 exemplares e os exemplares tinham em torno de 20 páginas impressas em papel sulfite branco. O diretor era Sérgio Nogueira e nas artes gráficas atuavam invariavelmente o Cruz, Perna, Dado, além do Callia, que era um grande colaborador no campo do humor gráfico. Na coleção de edições que mantenho em meu acervo, estão a maior parte dos números publicados em 1976. As críticas dos alunos na época eram recorrentes: qualidade

Página inteira de tiras de quadrinhos do jornal O Picareta com Filó, o Magnífico, de Cruz; Primata & Cia, de Perna; Mudinho, o Censurado, de Cruz e Rodolfo, de Dado.

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das aulas, participação política, pagamentos de mensalidades, realização de provas, eleições estudantis, datas marcantes de acontecimentos sociais, exames vestibulares, entre outros. Além dos artistas tradicionais era possível encontrar, vez por outra, novos talentos publicando no jornal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Eram outros dias de outros tempos, foram vários jornais, várias histórias, várias críticas, despertando em nossos alunos da época, o compromisso de uma participação com a Universidade que íamos construindo, com as dificuldades peculiares daqueles dias dos anos 70. Mais do que saudades, estas imagens que guardei, refletem um pouco onde estávamos e onde chegamos até aqui. Provavelmente os problemas políticos e econômicos continuam. A vontade de manifestação dos alunos também. Antes eram as páginas dos jornais impressos em mimeógrafos, hoje elas estão nas redes sociais e nas ruas, exigindo uma vida melhor e mais digna para todos. E o Mackenzie sempre a incentivar a participação dos alunos na construção de um novo tempo e uma nova vida. Devemos muito a Callia, a Alcy a Luciano Dias Pires Filho e a tantos outros meninos artistas que se transformaram em grandes profissionais e honram esta casa, por terem rabiscado por aqui suas primeiras ideias, suas críticas e nos ajudado a reinventar os costumes.

As críticas das charges dos alunos não deixavam passar nada em branco ou em preto do nanquim, como vemos neste desenho onde o alvo é a burocracia da universidade.

Bibliografia AFRESCO, edição de número 1, março de 1976 O PICARETA, edições de números 1/76, março de 1976; 2/76, 29 de abril de 1976; 5/76, 31 de agosto de 1976; 2/80, de 22 de agosto de 1980. 135 1 9 7 3 , Q U A N D O T U D O C O M E Ç O U


METALINGUAGEM: UMA POÉTICA GRÁFICA

Desde cedo minha fixação foi ler histórias em quadrinhos ou qualquer mensagem que se aproximasse deste tipo de linguagem. As charges e cartuns que me chegavam as mãos, em publicações como “O Balão”, “O Bicho”, “Pasquim” ou “Gibi”, causavam tal impacto que chegava a incomodar meus pais em sua preocupação legítima quanto à maneira correta para alfabetização da criança que crescia e sua formação moral. Nestes tempos, os quadrinhos ainda guardavam uma herança dos tempos do macarthismo e seu código de ética para a defesa de crianças desavisadas. Deste tempo a única recordação que permanece em minha mente, além das incontáveis narrativas e histórias conhecidas, é a necessidade que eu tinha em reler algumas mensagens que teimavam em me dizer algo, além das linhas do desenho e do texto impresso no papel. Algumas vezes era obrigado a parar e reler os desenhos para compreender o que eles queriam comunicar ou o que insinuavam dizer em tempos de um regime militar em plena vigência, em seus discursos truncados e mensagens cifradas, muito complexas para a cabeça de uma criança. O que sei é que desde esta época minha atenção se voltou para estes códigos elaborados em linhas, cores e papel que diziam mais do que as simples imagens queriam comunicar. Algumas ideias escondidas teimavam em se revelar para o leitor iniciante que queria também desenhar e fazer parte daquele mundo. Comecei então a me preocupar, ao mesmo tempo em que criava histórias parecidas com aquelas que lia, e estudar os mecanismos de elaboração das mensagens e seus cuidados com os códigos imagéticos e verbais que se mostravam diferentes e um pouco mais difíceis de compreender em uma primeira leitura. Foi assim que Roman Jakobson, Décio Pignatari e Haroldo de Campos se apresentaram para mim como as grandes chaves na compreensão do que acontecia naquelas folhas impressas, que tanto me intrigava. Uma nova cosmologia se apresentava a cada teoria estudada, me mostrando um pouco mais acerca das funções da linguagem, dos processos de comunicação e da teoria dos signos, muito difundida na época por linguistas e estudiosos do tema. Com o tempo compreendi que tais trabalhos lidavam com algumas estruturas poéticas e não poderiam fornecer uma leitura fácil de suas mensagens se não compreendidas à luz de teorias que pudessem oferecer um caminho para o entendimento destas novas mensagens que se apresentavam. Assim,

Ricardo Morelato

Jurij Kosobukin, premiado no 22º Salão Internancional de Humor de Piracicaba (1995).

Jurij Kosobukin, premiado no 27º Salão Internancional de Humor de Piracicaba (2000).

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Jakobson me desvendou a ênfase no código e a função da linguagem chamada de metalinguagem ou linguagem objeto. Pignatari mostrou que a arquitetura da linguagem é feita de tijolos bem construídos em linhas e verbos concatenados. E Haroldo de Campos criou poemas em palavras e imagens verbo/visuais que se encontravam em paralelo com tais poemas visuais. Rapidamente compreendi que as imagens e a palavra faziam parte de um único mundo imagético que poderia criar galáxias de mensagens que os artistas gráficos poderiam lançar mão e fazer com que suas obras de arte pudessem causar um impacto que aquelas primeiras imagens e narrativas me causavam. Assim, lançando um olhar para frente e para traz percebo que alguns trabalhos premiados no I Salão do Mackenzie e nos mais recentes o Salão de Piracicaba são capazes de resgatar estes elementos conjunturais de tais percepções. Como o momento em que o indivíduo engatilha uma arma, a munição feita de palavras em um retalho de jornal. Um padeiro faz uma cópia de um pão em uma máquina xerox, reproduzindo o milagre da multiplicação dos pães para o mundo tecnológico. Ou mesmo em uma representação de um enterro de um jornal impresso fazendo a representação na charge do ocaso contemporâneo das mídias tradicionais. A mesma recorrência acontece quando o criador da lâmina de barbear se vê decapitado pela sua própria criação. Ou quando uma faxineira representada sobre um livro, limpa para nós as fábulas antigas e tão contadas a gerações e gerações. Da mesma forma que a tesoura de um indivíduo galopante embaralha as letra e palavras de nosso tão sedimentado código verbal. Podemos compreender como a ênfase no código ou a aproximação dos meios empregados na configuração destas mensagens causam um embaralhamento das ideias provocando uma leitura em labirinto, convergindo para si mesmas. Ocorre então uma ênfase na metalinguagem, provocando uma espécie de deslocamento da mensagem original, obrigando ao leitor um cuidado maior na compreensão de tais imagens e mensagens, inocentes a princípio, mas muito elaboradas em uma leitura final. Daí a conclusão tirada de Jakobson que a ênfase na metalinguagem nada mais é do que um caminho para a função poética ou uma ênfase na mensagem. Por isso a necessidade de um cuidado maior na leitura, compreensão e desvendamento de tais comunicações e códigos empregados em narrativas a princípio tão singelas, que podem configurar um ensaio de possibilidades poético/visuais que me causaram tanta curiosidade e podem inspirar novos discursos gráficos narrativos de novos produtores. As causas de tantas inquietações devem provocar as ideias de novos artistas gráficos do Brasil e do mundo para cada vez mais ampliarmos os horizontes de ideias de não devem caber em traços e linhas impressas. Mas devem causar um impacto em possíveis novas poesias e pensamentos análogos as ideias expostas aqui.

Valentin Druzhinin, premiado no 22º Salão Internancional de Humor de Piracicaba (1995).

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Zélio Alves Pinto, numa foto retirada de seu livro, Zélio: 50 anos de uma aventura visual.

AO MESTRE, COM CARINHO! FAUSTO GUILHERME LONGO

Em 2003, na festa de inauguração do 30º Salão, Zélio recebe o título de Cidadão Piracicabano, pelos valiosos serviços prestados a cidade.

Honrado pelo convite que me foi feito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pelos organizadores desta obra para participar do livro que resgata as origens do primeiro Salão de Humor, realizado no Brasil em 1973, por esta Universidade, lendo os originais, contemplando as caricaturas, charges, cartuns e histórias em quadrinhos vencedoras do certame na época, volta à memória uma figura singular, também indutor deste projeto, o artista gráfico e grande amigo Zélio Alves Pinto. Sem deixar de qualificar a iniciativa dos jovens universitários da época, sob a liderança de Fernando Coelho dos Santos e depois dele de Gualberto Costa, creio que foi do Zélio a grande percepção do papel estético e político a ser alcançado pelo humor gráfico no Brasil, como expressão de arte e forma de resistência contra desmandos. Assim como o Mackenzie, com seus professores, tem sido uma instituição decisiva para ampliar o grau de conhecimento de gerações de jovens, que a procuram para sua formação – de caráter e intelectual – foi o grande professor Zélio quem tirou de algum canto da sua imaginação a iniciativa de propagar o humor gráfico através dos tempos. Uma imaginação construída a partir dos caminhos de Caratinga/MG, brincando com os irmãos de fazer arte; que chegaram a São Paulo ou Nova Iorque onde viveu e aprimorou sua percepção cultural e seu talento, Zélio foi /continua sendo um visionário em favor das artes gráficas no nosso país. Chegou ao cargo de Secretário Adjunto de Estado da Cultura em São Paulo e revolucionou a organização dos museus públicos. É dele também a grande ideia de termos um museu do humor do Brasil, a ser construído em Piracicaba, que sedia o Salão Internacional de Humor, outro projeto que ele introduziu e tem ajudado a construir ao longo de 43 anos. Zélio esteve no júri do I Salão do Mackenzie. Zélio esteve 139 1 9 7 3 , Q U A N D O T U D O C O M E Ç O U


AO MESTRE, COM CARINHO! Zélio e seu eterno espírito missionário pelas artes gráficas, sempre esteve carinhosamente presente na vida de seus amigos e discípulos.

Fernando do I Salão Mackenzie, recebe de suas mãos o Troféu HQMIX (2005).

Com Fausto Longo e Adolpho Queiroz, do 1º Salão de Piracicaba.

Com Gualberto Costa, do II Salão Mackenzie.

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no júri do I Salão de Piracicaba. Sua percepção sobre o campo é definidora dos rumos que ele tomou no nosso país nas últimas décadas. Dos meninos do Mackenzie aos meninos da revista “Balão”, todos aconselharam-se em algum momento de suas trajetórias, com este imodesto mineiro, hoje nome do maior prêmio que o Salão de Piracicaba oferece, o Troféu Zélio ao vencedor de cada Salão instituído com justiça pela Secretaria de Ação Cultural da Prefeitura de Piracicaba. Os meninos das primeiras edições do Mackenzie e de Piracicaba transformaram-se nas maiores lideranças do campo no país, reconhecidos internacionalmente. E os cafés na casa e no ateliê do Zélio continuam constantes e acolhedores, como os mineiros bem sabem fazer. Durante os cafés, ele vai espalhando suas ideias e ajudando a construir também as novas gerações de artistas gráficos que vão povoando o nosso imaginário e nos ajudando a enfrentar as contradições destes dias, à luz dos pixels que pululam nos seus modernos instrumentos de concepção gráfica, hoje independentes dos papéis e lápis coloridos. O mundo mudou, a tecnologia avançou, os problemas de desigualdades sociais e econômicas continuam a desafiar o bom senso dos homens de bem, da política e da economia. Mas embora a tecnologia avance e as contradições e embates continuem a sacudir o nosso mundo, as boas causas são construídas a partir de boas ideias, bons professores, homens que tenham a percepção e a missão de transformar o mundo com suas convicções, palavras e gestos. Reconhecer na figura de Zélio Alves Pinto, mais que um tributo é a oportunidade deste livro de recuperação da memória pelo que o Mackenzie fez pelo reconhecimento o humor gráfico como manifestação de arte, seja a nossa chance, dos artistas gráficos do país e do mundo, que frequentaram as aulas de vida do nosso homenageado, associem-se a minha singela manifestação e ousadia. Obrigado por tudo Doutor Zélio Alves Pinto!


Linha do tempo dos Salões de Humor no Brasil

O I Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos, desde sua primeira edição, influenciou 129 eventos, que até hoje seguem seus conceitos iniciais, tanto na organização, regulamento, formatação (30x40cm), premiação, divulgação, bem como na instituição do cartaz. Estes vários Salões, até hoje são responsáveis por nossas destacadas gerações de humoristas gráficos.

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SOBRE OS ORGANIZADORES BENEDITO GUIMARÃES AGUIAR NETO Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba (1977), mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba (1982), doutorado em Engenharia Elétrica pela Technische Universität Berlin, Alemanha (1987) e pós-doutorado pela University of Washington, EUA (2008). É Professor Titular aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande, Coordenador do Curso de Engenharia Elétrica da UFPB de 1989 a 1993 e Diretor do Centro de Ciências e Tecnologia da UFPB e UFCG de 1997 a 2005. Atualmente é Reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo-SP

GABRIEL FERRATO DOS SANTOS É Doutor em Economia, economista formado pela UNIMEP e UNICAMP onde foi professor no Programa de pós-graduação em Economia, foi secretário municipal de planejamento e de educação na prefeitura de Piracicaba, atualmente é Prefeito da cidade de Piracicaba (2013/2016).

ADOLPHO QUEIROZ É Pós Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense/RJ, expresidente da INTERCOM/POLITICOM, Presidente do Conselho Consultivo do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. É professor do Curso de Comunicação da Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. 145 1 9 7 3 , Q U A N D O T U D O C O M E Ç O U


ALEXANDRE HUADY TORRES GUIMARÃES É Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (2007), mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001), graduado em Letras pela Universidade de São Paulo (1998) e possui curso técnico profissionalizante em Fotografia pelo SENAC (1990). Atualmente é Diretor do Centro de Comunicação e Letras.

FERNANDO COELHO DOS SANTOS Foi Secretário do Diretório de Economia, VicePresidente do DCE, fundador e presidente do Centro Cultural Mackenzie, e representante dos alunos no Conselho Universitário Mackenzie. Na atividade profissional é corretor de seguros e foi Secretário do Sindicato dos Corretores de Seguros de São Paulo, Tesoureiro da Federação Nacional dos Corretores de Seguros, e representante da iniciativa privada no Conselho Nacional de Seguros Privados.

GUALBERTO COSTA É atualmente diretor presidente do IMAG – Instituto do Memorial de Artes Gráficas do Brasil e há mais 35 anos trabalha na área das artes gráficas. Criador do troféu HQMIX considerado o maior prêmio da América-Latina da área das Histórias em Quadrinhos. Ao longo de sua carreira participou como organizador e jurado dos principais eventos de humor gráfico do Brasil, dentre eles estão: Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos, Salão Internacional de Humor de Piracicaba, Bienal de humor de SP, Festival HQ MIX. Como curador realizou várias exposições, que itineraram pelo Brasil e algumas pelo exterior.

ROSANGELA MARIA RIZZOLO CAMOLESE É Engenheira Civil formada pela Escola de engenharia de Piracicaba, musicista, Diretora do Colégio Atlântico e atualmente é Secretária Municipal de Ação Cultural (2004/2016). Formada em Artes Plásticas e desenho. Tem mestrado em gestão escolar. Formada em música.

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SOBRE OS autoRES CELSO FIGUEIREDO É Doutor em Comunicação e Semiótica, PUC SP, membro do Conselho Fiscal da ABP2, editor da revista científica INOVCOM da INTERCOM, é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

MARCEL MENDES Engenheiro civil (Mackenzie, 1971), Mestre em Educação, Arte e História da Cultura (Mackenzie, 1999) e Doutor em Ciências (USP, 2006). Professor titular e diretor da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (três mandatos), foi, também, seu vicereitor (dois mandatos). É sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e autor de livros e publicações especializadas em História da Educação. Foi vice-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

CLEVERSON PEREIRA DE ALMEIDA Estatístico e Licenciado em Matemática pela Universidade de Brasília (1986). Doutor em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações (2007) e Mestre em Estatística e Métodos Quantitativos (1992), também pela UnB. Especialista em Gestão e Liderança Universitária (2010, Universidade de Caxias do Sul, com módulo internacional na University of Ottawa) e em Gerenciamento de Projetos (2001, George Washington University). É professor do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, e PróReitor de Graduação e Assuntos Acadêmicos da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

GLÁUCIA ENEIDA DAVINO É Doutora em Ciências da Comunicação - USP. Mestre em Artes - USP. Bacharel em Comunicação Social-Cinema - USP. Professor Adjunto da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Experiência profissional em Cinema. Líder do Grupo de Pesquisa NAV - Núcleo Audiovisual Orientação de TGI e PIBIC. 147 1 9 7 3 , Q U A N D O T U D O C O M E Ç O U


JACOB KLINTOWITZ É crítico de arte, editor de arte, jornalista, escritor. É autor de 155 livros sobre teoria de arte, arte brasileira, monografias de artistas, ficção e livros de artista.

JOSÉ ESTEVÃO FAVARO É Mestre em Comunicação e doutorando do programa de Educação, Arte e Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde atua como professor no Curso de Publicidade e Propaganda. Atuou profissionalmente como planejamento e mídia do jornal O Estado de S.Paulo e agência Thompson.

JOSÉ MAURÍCIO CONRADO MOREIRA DA SILVA É Doutor em Semiótica pela PUC/SP, atualmente é Coordenador do Curso de Publicidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

JOÃO BATISTA FREITAS CARDOSO É Pós-Doutor pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), possui doutorado e mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e graduação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Atualmente é professor titular do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCom/USCS) e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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MARCOS DUARTE É Doutor em Educação, Arte e Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi Ouvidor da mesma instituição, onde atua como professor no Curso de Publicidade e Propaganda.

MARIA DE LOURDES BACHA In memorian, foi Pós-Doutora em Comunicação e Semiótica, PUC SP, docente e pesquisadora Universidade Presbiteriana Mackenzie.


PERROTTI PIETRANGELO PASQUALI É Doutor em Administração pela FEA/ USP, Master of Science em Administração pela Columbia University, Coordenador de atividades complementares e professor do Curso de Publicidade da universidade Presbiteriana Mackenzie.

RICARDO MORELATO Possui graduação em Artes pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1989), mestrado em Artes pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1996) e doutorado em Artes pela Universidade Estadual de Campinas (2012). Atualmente é professor do Instituto Europeu de Design e professor adjunto da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem experiência na área de comunicação, com ênfase em propaganda e marketing, atuando principalmente nos seguintes temas: criação, publicidade, história em quadrinhos, desenho e educação.

VANESSA MOLINA É Graduada em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing e mestre em Administração de empresas pela universidade Presbiteriana Mackenzie onde atua como professora do Curso de Publicidade e Propaganda.

ROSANA SCHWARTZ É Doutora em História pela PUC/ SP, integrante do comitê ad hoc do Programa pró equidade de gênero da Secretaria Especial de políticas para as mulheres, da Presidência da República e professora do Curso de Publicidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

VALÉRIA BUSSOLA MARTINS Pós-Doutoranda em Letras pela Universidade de São Paulo, possui graduação em Letras-Licenciatura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Habilitação: Português/ Inglês), graduação em Letras-Tradutor pela Universidade Presbiteriana Mackenzie ( Inglês/Francês), graduação em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie ( Habilitação: Administração Escolar), Mestrado em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Doutorado em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora do Curso de Publicidade e Propaganda.


ISABEL ORESTES Isabel Orestes Silveira é Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP (2010), Mestre em Artes Visuais, pelo IA - Instituto de Artes da UNESP - Universidade Estadual Paulista - São Paulo (2006). Bacharel em Pedagogia pela Universidade São Marcos (1990), Licenciatura em Pedagogia pela Universidade São Marcos (1990). Bacharel em Educação Artística pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1995). É docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo (1986); para os cursos de Propaganda Publicidade e Criação e da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação FAPCOM (2008), para os cursos de Publicidade e Propaganda, Jornalismo, Rádio e TV e Relações Públicas.

Zélio Zélio Alves Pinto, 1938, Caratinga - MG. Por ali viveu até os 17 anos quando foi para Belo Horizonte, capital da província. Ficou por dois anos - foi bancário e estudante nos Colégios Anchieta e Afonso Celso, redator no jornal Estado de Minas e chargista no jornal “Binômio”. Depois seguiu para o Rio onde, em quase dois anos, trabalhou no “O Cruzeiro” internacional como assistente de Arte e repórter. Dali seguiu à Paris, onde completou 21 anos como correspondente de imprensa. Lá estudou jornalismo e publicou cartuns e textos aqui, ali e acolá e por lá ficou por três anos. Encontrou a Ciça e voltou para casar. Foi morar o Rio e depois se mudou para São Paulo, onde fez reformas em jornais, fundou salões de humor, escreveu livros e peças de teatro e onde nasceram seus três filhos. Fugiu um dia para Nova York onde se esqueceu por seis anos e voltou depois para São Paulo onde continua escrevendo, pintando e criando a família, ao lado da Ciça, parceira de aventuras e de vida feliz.

ROBERTO GONDO Roberto Gondo Macedo, é doutor em ciências da Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo, presidente da POLITICOM, Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e profissionais de Comunicação e Marketing Político; Professor da fundação Paula Souza e professor do curso de publicidade e propaganda da universidade Presbiteriana Mackenzie; é pós doutor em Comunicação pela ECA/USP e possui vários livros publicados e/ ou organizados no campo da comunicação política.

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MARIA LUCIA M. CARVALHO VASCONCELOS Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcelos é pedagoga formada pela Universidade São Paulo (USP), doutora em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutora em Educação pela USP. Foi professora do Ensino Fundamental, Ensino Médio, Graduação e PósGraduação. É professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde além de Reitora, exerceu as funções de Orientadora Educacional, Diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Educação e Coordenadora Geral de Pós-Graduação. Foi membro titular do Conselho Municipal de Educação de São Paulo - 2008-2014 e do Conselho Estadual de Educação de São Paulo (20102012). Foi Secretária de Estado da Educação de São Paulo (2006/2007).

REGINA CÉLIA GIORA Doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo; mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; tem pós-doutorado em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; especialista em Psicologia Educacional Avançada, pela FMU SP; em Psicologia Aplicada às Organizações, pela PUC SP e em Gestão e Liderança do Ensino Superior, pelo IGLU. Graduada e licenciada em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Docente no programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura e do Centro de Educação, Filosofia e Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo. . É também consultora e palestrante em Criatividade e Inovação na Educação Superior e Cultura e Mídias, com ênfase em Quadrinhos, Televisão e Cinema.

FAUSTO GUILHERME LONGO É arquiteto e foi um dos fundadores do Salão de humor de Piracicaba. ´Foi assessor de Planejamento da FIESP, Federação das Indústrias do Estado de são Paulo. Atualmente é senador ítalo brasileiro pelo Partido Socialista Italiano, representando o Brasil e a américa do Sul no parlamento italiano.

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Em dezembro de 2006 , sob a coordenação de Fernando Coelho dos Santos, a TV Mackenzie produziu documentário sobre o 1º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos, cujo DVD poderá ser assistido, em duas partes, no blog do Salão Mackenzie, abaixo indicado, e também no YouTube.

Capa original do DVD

O leitor poderá obter mais informações, e assistir o DVD sobre o 1º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos, no blog https://salaomackhq.wordpress.com




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