KWE: Luzes do arco-íris — Gladstone Machado de Menezes

Page 1

KWE luzes do arco-Ă­ris





Gladstone Machado de Menezes Edição do autor Brasília DF 2012

KWE luzes do arco-íris


Texto

Gladstone Machado de Menezes

Supervisão Revisão

Cliciane Gomes (Mejitó Edanken)

Maria Clarissa Rocha Vale

Projeto gráfico Fotografias

Gabriel Brochado de Menezes

Carolina Vianna; Gabriel Brochado de Menezes;

Gladstone Machado de Menezes; João Diel Bastos; Marcos Paulo Christiano; acervo pessoal da Mejitó Edanken Transcrições de depoimentos

Isabel Silva & Léa Amarante

Produção e assessoria de imprensa

Angélica Brunacci

Esta obra teve o patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura – FAC da Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorização por escrito do autor. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Menezes, Gladstone Machado de Kwe : luzes do arco-íris / Gladstone Machado de Menezes. -- Brasília, DF : Ed. do Autor, 2012. Bibliografia. isbn

978-85-91380-06-2

1. Candomblé (Culto) 2. Candomblé (Culto) - História 3. Cultos afro-brasileiros I. Título. 12–07258

cdd –299.673

Índices para catálogo sistemático: 1. Candomblé : Religiões de origem africana 299.673

Este livro foi composto com tipos da família Relato, projetada por Eduardo Manso em 2005 e publicada pela Emtype Foundry. O miolo foi impresso sobre papel Alta Alvura® da Suzano Papel e Celulose 90 g/m2 pela Gráfica Coronário em Brasília, Distrito Federal. A tiragem foi de 1000 exemplares.  Junho de 2012.


Agradecimento da Mejitรณ Edanken Ao meu amado, companheiro de vida e de caminhada, que sempre acreditou na nossa trajetoria.



SUMÁRIO

8

apresentação

10

escravidão no brasil

20 nações 24

religiões afro-brasileiras

30

origens do candomblé

36

candomblés jejes

44

voduns, orixás, inquices

60

organização, hierarquia, rituais e liturgia

86 kwed’bessenken 92 caboclos 108

festa das crianças

114

história do kwed’bessenken

130

quadro comparativo

136

cronologia da escravidão

139 glossário 145 bibliografia


APRESENTAÇÃO


O

objetivo deste livro é apresentar uma visão geral do candomblé Para mais facilidade de leitura, optou-se por abrir mão das no Brasil, com foco no Kwed’BessenKen, um terreiro de can- referências bibliográficas no corpo do texto. As fontes consultadas domblé da nação jeje que funciona desde 1995 no município de Santo foram indicadas genericamente em cada capítulo e devidamente Antônio do Descoberto, região geoeconômica do Distrito Federal. registradas na bibliografia completa ao final do livro. Os cinco primeiros capítulos buscam situar historicamente Produzir este livro foi um grande aprendizado. Além dos o candomblé: os fundamentos religiosos trazidos pelos africanos conhecimentos adquiridos, valeu pelo convívio com a famíliadurante o período da escravidão; as origens étnicas e geográficas -de-santo do Kwed’BessenKen, pelo trabalho em equipe com dos cultos na África e sua reorganização no território brasileiro; o os profissionais envolvidos no projeto, e principalmente pela surgimento dos primeiros terreiros de candomblé; e a importância responsabilidade, o respeito e a intensidade do amor com que a Mejitó, em seus 40 anos de sacerdócio (completados em 2012), da tradição dos jejes na formação das religiões afro-brasileiras. Os três capítulos seguintes descrevem as divindades, as en- conduz e preserva os ritos, os preceitos e as práticas dos ancestrais tidades e os elementos da prática ritual dos principais troncos de grande parte de nós, brasileiros. ou nações de candomblé de raiz africana: iorubás, bantos, jejes e caboclos, esses últimos entidades tipicamente brasileiras e presentes nos candomblés de todas as nações. Os últimos capítulos tratam do Kwed’BessenKen: a história, a ocupação espacial, as atividades sociais desenvolvidas e alguns fundamentos religiosos propagados. Foram elaborados a partir de depoimentos de Pai Pinha, Pai Maximiniano de Logunedé e com a supervisao da Mejitó Edanken, que revisou, complementou e reelaborou parte das informações obtidas na pesquisa bibliográfica. Ao final do livro, foram incluídos quadro comparativo das divindades, glossário e cronologia da escravidão. Este trabalho iniciou-se em 2008 e foi realizado em três etapas: resgate da memória das imagens e registro fotográfico; coleta de depoimentos; pesquisa documental e compilação do material bibliográfico. 9


ESCRAVIDÃO NO BRASIL


E

stima-se que entre 10 e 12 milhões de africanos foram embar- da África, desde o Daomé (atual Benin) e Nigéria até Angola, além cados, à força, para o continente americano, entre os séculos de Moçambique e Madagascar, na costa oriental. XVI e XIX. Os primeiros carregamentos chegaram a partir de 1533 Os escravos procediam de três grandes grupos étnicos: 1) aos portos de Salvador, Rio de Janeiro e Recife. 350 anos depois, os malês, de origem islâmica, compostos principalmente pelas no ano da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, foram etnias haussá, kanuri, tapa, grunci, fula e mandinga e parte dos escravizados quase 5 milhões de seres humanos no Brasil. nagôs; 2) os sudaneses, dentre eles as etnias queto, jeje, nagô, De cada mil escravos capturados no interior da África, entre fanti, ashanti, gá e mina; e 3) os bantos, conhecidos como angolas, seiscentos e setecentos sobreviviam ao fim do primeiro ano de congos, benguelas, monjolos, cabindas, rebolos, moçambiques. trabalho forçado nas fazendas e minas do novo mundo. Após a Historicamente, o período do tráfico divide-se em quatro captura nas aldeias, eles enfrentavam jornadas extenuantes até ciclos: da Guiné, de Angola, da Costa da Mina e da Baía de Benin. chegarem ao porto, na costa. Em seguida aguardavam as negociaO ciclo da Guiné ocorreu durante a segunda metade do século XVI. ções, confinados em depósitos insalubres, próximos aos portos de É o período mais impreciso, tanto em termos numéricos quanto da embarque. Depois eram amontoados nos porões dos tumbeiros, origem geográfica dos escravos. “Guiné” designava quase toda a costa nas piores condições sanitárias e alimentares possíveis, durante ocidental africana, desde o Senegal até o rio Orange, na atual África a travessia do oceano Atlântico, que durava dois meses. Aqueles do Sul. Grande parte dos escravos era das etnias fula e mandinga. que resistiam à viagem eram desembarcados e novamente conO ciclo de Angola ocorreu durante todo o século XVII. Vieram finados em armazéns, conhecidos como “lojas de carne”, até que escravos que falavam a língua banto: caçanjes, benguelas, rebolos, se tornassem apresentáveis para exposição no mercado. Por fim, cambindas, muxicongos. Foram distribuídos em maior quantidade depois de comprados, eram conduzidos por seus novos senhores, nas áreas rurais da região sudeste do Brasil. O ciclo da Costa da Mina ocorreu durante os três primeiros a pé, e amarrados uns aos outros, às fazendas de cana-de-açúcar, café, ou para a mineração no interior do continente, onde seriam quartos do século XVIII. Foram trazidas grandes levas de nagôs, explorados até a morte. jejes, fantis, ashantis, gás, minas e dos islamizados haussás, tapas e O escravagismo foi talvez o negócio mais lucrativo do mundo grunces, provenientes do noroeste africano e da região subsaariana. atlântico no período da colonização. Espalhou no novo continente O ciclo da Baía de Benin ocorreu entre 1770 até a proibição do escravos de origens, culturas e religiões diversas, provindos prin- tráfico, na metade do séc. XIX, além do período do comércio clancipalmente das sub-regiões denominadas Costa da Mina, Costa destino. Vieram povos da costa Oriental (Moçambique, vale do rio do Ouro, Costa dos Escravos e Baía de Benin, na costa ocidental Zambeze) e grande quantidade de escravos de origem indiscriminada. 11


Fluxo do trรกfico de escravos para o brasil

BRASIL

PA

MA PE

BA

RJ

12


Canaries Argélia

Sahara Ocidental

Líbia

Mauritânia Mali

Serra Leoa Lib

éri

Costa do Marfim

Benin Togo

Se n

Sudão

Burkina Fasso

Guiné

Gana

Djibuti

Nigéria

a

Etiópia República Centro-Africana

go

Gabão

Baía de Benin

Co n

República democrática do Congo Ruanda

Uganda Quênia

Burundi Zanzibar e Pemba

Baía de Biafra

Tanzânia Guiné Equatorial

Ma

Angola

lau í

Zâmbia Costa de Angola

Botswana

çam

biq

ue

Zimbábue Namíbia

Mo

Costa da Mina (séc xvii e xviii)

São Tomé Príncipe

Costa do Ouro

a

áli

m So

Ca

Guiné

Eritréia

Chade

ma rõ

a bi

Guiné-Bissau

eg â

m

Níger

Senegal

es

Cabo Verde

Gâmbia

Egito

Madagascar

Suazilândia Lesoto África do Sul

13


Espaços de resistência

Alforrias

Os vínculos familiares e a identidade social, cultural e religiosa Alforria era o documento pelo qual o escravo podia reaver sua dos escravos começavam a se perder desde a captura, quando eram liberdade. Tratava-se de uma carta, registrada em cartório, onde retirados à força do convívio de seus grupos. Ocorriam perdas e ao o senhor transferia o direito de propriedade do escravo. Com ela, mesmo tempo criavam-se novas identidades nas relações surgidas o liberto ou forro tinha direito a constituir família, adquirir bens nos armazéns, nos porões dos navios e depois nos locais de traba- e propriedades e deixar herança aos descendentes. lho; no batismo, antes do embarque ou após o desembarque; no As alforrias podiam ser gratuitas ou onerosas. As gratuitas aprendizado da nova língua e na socialização com o novo grupo geralmente eram concedidas pelo proprietário, em testamento, regido e dominado pelos colonizadores. em troca dos bons serviços prestados. Geralmente esse tipo de No entanto, a escravidão não era aceita passivamente. As alforria era condicionado à dedicação do liberto aos familiares heranças culturais, sociais e religiosas sobreviveram à alienação. do moribundo por tempo indeterminado, que podia durar anos. Os escravos reorganizaram suas estruturas culturais, readaptaram As alforrias onerosas ocorriam em maior quantidade. O laços familiares, recriaram os vínculos sociais e religiosos originais escravo indenizava o senhor pela própria liberdade, a de seus no novo contexto. O processo de reformulação e de formação de familiares ou descendentes. O dinheiro provinha de pequenas novas identidades, territórios, redes de relações, aconteceu de quantias acumuladas durante anos, em serviços extras como maneira dinâmica e variada. vendedores ambulantes, carregadores, nos centros urbanos, ou Houve revoltas de cunho político, social ou religioso, tanto nas com a venda da produção resultante do cultivo de roças próprias, áreas urbanas quanto nas rurais. Fugas individuais ou coletivas autorizado pelos proprietários, em dias destinados ao descanso. eram constantes. Formaram-se os quilombos e as irmandades Também obtiam-se alforrias por meio de subscrições públicas ou religiosas católicas. Lutava-se por ideais abolicionistas. Pagava- por contribuição de grupos como as associações abolicionistas e -se pelas alforrias. Praticava-se a religiosidade nos calundus e as irmandades católicas. depois nos terreiros de candomblé. Esses chamados “espaços de resistência” possibilitaram aos escravos reconstruírem os vínculos Irmandades com a África perdida, imaginária, mítica, primordial. As irmandades ou confrarias eram associações religiosas de leigos que se reuniam para promover o culto de um santo católico. Atuavam de forma relativamente autônoma e independente do 14


clero. Funcionavam com estrutura organizacional rígida, possuíam estatuto próprio e administravam seus bens. As irmandades podiam ser divididas conforme a cor da pele e a condição social dos seus integrantes. Havia irmandades para negros e para brancos. Até os traficantes de escravos tinham sua irmandade, cujo patrono era São José, que protegia os navios durante a travessia do oceano Atlântico e garantia bons negócios. Dentre as irmandades criadas para os africanos e seus descendentes havia as compostas apenas por libertos, por escravos e libertos, por pardos (descendentes de negros com brancos), por crioulos (descendentes de africanos nascidos no Brasil) e por africanos propriamente ditos. Na formação das irmandades também era considerada a nação da qual descendiam os seus membros:

pertencentes a grupos étnicos diversos podiam ingressar, desde que contribuíssem com taxas de ingresso de valor elevado e concordassem com as regras e restrições de participação ativa. As irmandades de pretos promoviam atividades sociais, de cunho religioso, lúdicas e assistenciais financiadas por seus associados: arrecadavam fundos para construir igrejas, ornamentavam altares, promoviam festas devocionais e procissões, garantiam assistência médica e jurídica, alfabetizavam, ofereciam amparo financeiro para a compra de alforrias e propiciavam funerais adequados aos associados e familiares. As irmandades de pretos mais populares no Brasil eram as devotas a Nossa Senhora do Rosário. Em seguida, as de santos considerados negros como São Benedito, Santa Ifigênia, Santo Antônio de Categerona, Santo Elesbão, Santo Rei Baltazar, São A Irmandade do Rosário dos Pretos do Pelourinho, em Sal- Gonçalo e Santo Onofre. Por fim, as ligadas a Cristo ou à Virgem vador, era formada inicialmente por negros de Angola e seus Maria: Senhor da Redenção, dos Martírios, da Ressurreição, Nossa descendentes; na Bahia, os nagôs da nação queto fundaram Senhora do Amparo, de Guadalupe e da Conceição. a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte; os jejes instiAs formas de fé ancestrais dos escravos e dos seus descendentes, tuíram a Irmandade do Senhor Bom Jesus das Necessidades como os calundus ou candomblés, conviviam com o catolicismo e Redenção do Corpo Santo, em Salvador e a Irmandade oficial nas irmandades e “disfarçavam-se” nas crenças religiosas do Senhor do Bom Jesus dos Martírios, fundada por jejes do colonizador, facilitando o sincretismo. em Cachoeira. No Rio de Janeiro os pretos mina fundaram As irmandades consolidaram-se como espaços de alianças a Irmandade de Santo Elesbão e Santa Ifigênia, e a de São interétnicas, possibilitando a diversidade religiosa. Funcionaram Benedito (Lucilene Reginaldo, Os Rosários dos angolas). como meio de afirmação e resistência cultural e via de ascensão social para a população negra: ser membro de uma irmandade Apesar das aparentes divisões por nações, a composição interna significava adquirir status social, cultuar as próprias crenças e das irmandades podia ser heterogênea. Brancos ou indivíduos participar da sociedade dominante. 15


Quilombos Os quilombos ou mocambos eram comunidades formadas por escravos fugidos ou alforriados, seus descendentes e, em alguns casos, indígenas e brancos pobres. Surgiram em todas as áreas escravistas das Américas (os palenques ou maroons) desde os primeiros tempos da colonização. Distribuíam-se aos milhares em todo o território brasileiro, em sua maioria em lugares de difícil acesso, porém relativamente próximos dos engenhos, fazendas, vilas ou cidades. Os quilombos brasileiros mais conhecidos são: Vassouras, Iguaçu, Bacaxá, Curukango e Leblon no Rio de Janeiro; Jabaquara, em Santos; Turiaçu, no Pará; Oitizeiro, na Bahia; Malunguinho e Catucá, em Pernambuco; Negro Lucas, no Rio Grande do Sul; Chapada dos Negros e Calungas, em Goiás; Brejo dos Crioulos, Baú, Amaros e diversos outros nas áreas mineradoras de São João Del Rei, Diamantina e Rio das Mortes, em Minas Gerais; Rio Manso e Quariterê, em Mato Grosso; Abuí, no Amazonas; e Palmares, em Alagoas. Os quilombos eram povoados ou aldeias fortificadas, geralmente autossuficientes. Reproduziam estruturas socioeconômicas (regime de propriedade, defesa, subsistência) semelhantes às africanas. Alguns integravam-se às economias locais, comercializando a produção agrícola excedente. Às vezes saqueavam as povoações vizinhas em busca de gado, alimentos e armas, ou raptavam escravos das fazendas ou engenhos. Palmares é considerado o maior quilombo da América e surgiu no início do século XVII, com população foi estimada em trinta mil 16

habitantes. Constituía-se de uma rede de povoados distribuídos pela Serra da Barriga, atual município de União dos Palmares, em Alagoas. Foi chefiado primeiramente por Ganga Zumba e posteriormente por seu sobrinho Zumbi, o grande líder e herói de Palmares. Resistiu por cem anos ao assédio de tropas portuguesas e holandesas. Foi extinto pelas tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho durante uma guerra sangrenta, em 1695. Cerca de 5.000 comunidades remanescentes dos quilombos sobrevivem até os dias de hoje em todo o território brasileiro. Ações governamentais e políticas públicas voltadas à sustentabilidade ambiental, social e cultural dos quilombolas, e a demarcação de terras buscam compensar “a injustiça histórica” cometida contra a população negra no Brasil e preservar o patrimônio material e imaterial.

Rebeliões Diversas revoltas populares ocorreram na virada do século XVIII para o XIX, tanto no Brasil quanto em Cuba, Haiti e Jamaica, países onde se concentravam grande população escrava. As rebeliões ou conspirações no Brasil foram promovidas principalmente pelos nagôs, haussás, jejes e tapas, na Bahia e em estados onde se concentravam grandes populações escravas. Tinham cunho de lutas de classe e emancipatórias (escravos x senhores), étnicas (africanos x crioulos x brancos) e/ou religiosas (catolicismo x islamismo). A Conjuração Baiana, ou Revolta dos Alfaiates, foi a precursora das revoltas que ocorreriam ao longo do século XIX. Aconteceu em Salvador, em 1798. Pregava ideais iluministas, dentre os quais


a independência da Bahia, a igualdade das raças e a libertação Movimento abolicionista dos escravos. Contou com a participação de maçons, artesãos brancos, escravos e libertos negros. O movimento foi contido Os escravos se rebelaram no Haiti em 1791, ocorrendo a indepelas autoridades antes de sua deflagração. pendência em 1804. No Chile, os escravos foram libertados em Na noite de corpus-christi de 1807, rebeldes pretendiam incendiar 1823. No México, em 1829. Na Venezuela e no Peru, em 1854. Nos edifícios públicos em Salvador, empossar um novo governador, enve- Estados Unidos, em 1865. Em Cuba, em 1886. O Brasil foi o último nenar os brancos e juntar-se a revoltosos em Pernambuco. A revolta país a abolir a escravidão, em 13 de maio de 1888. foi descoberta na véspera e seus líderes foram presos ou degredados. Porém o movimento social para a libertação dos escravos A revolta dos Malês ocorreu em Salvador, em 1835. Foi prota- no Brasil iniciou-se muito antes. A partir do início do século gonizada por cerca de 600 escravos haussás e nagôs, de origem XIX, devido às pressões de alas progressistas da sociedade e islâmica. Os rebeldes visavam a libertação dos escravos e a im- de abolicionistas internacionais, foram promulgadas leis e plantação de uma monarquia muçulmana. A revolta foi controlada firmados tratados para a extinção gradual da escravidão nas pelas autoridades, com saldo de 70 mortos. terras brasileiras. Em Minas Gerais, ocorreu a revolta das Carrancas, em 1833. Em 1810, o Tratado de Aliança e Amizade entre Portugal e InPretendia libertar os escravos da região. Foi rapidamente controlada. glaterra estabelecia restrições ao tráfico. Em 1831 foi promulgada a Em 1835, em Vassouras, no Rio de Janeiro, ocorreu a revolta Lei Feijó (conhecida como “lei para inglês ver”, por sua ineficácia) de Manoel Congo. Iniciou-se com a fuga de mais de 200 escravos que considerava livres todos os africanos introduzidos no Brasil de fazendas da região. Foi dominada pelas autoridades e Manoel a partir da data da assinatura daquela lei. A partir da 1ª metade do século XIX a pressão internacional Congo, o líder, foi condenado à forca. A Balaiada ocorreu no Maranhão, em 1838. Mais de 200 ne- intensificou-se, provocando a aceleração do processo de libertação gros se estabeleceram em uma fazenda às margens do Rio Preto. dos escravos. Artistas, intelectuais e lojas maçônicas engajaram-se Assaltaram fazendas, assassinaram feitores, roubaram armas, aos movimentos populares, apoiados pela imprensa abolicionista. munições e libertaram escravos. Foi debelada em 1841. Em 1850 foi promulgada a Lei Eusébio de Queiroz, proibindo Dezenas de outras revoltas aconteceram em todo o território o comércio de escravos para o Brasil. Em 1869 foi aprovada lei que brasileiro. A maioria não passava de conspirações e eram rapi- proibia o leilão público e a venda separada de casais escravos. Em damente debeladas. No entanto, não deixavam de demonstrar a 1871 foi decretada a Lei do Ventre Livre, pela qual eram considerainsatisfação dos escravos e a vontade de obter a liberdade. dos livres os filhos de escravos nascidos após a sua promulgação. 17


Em 1885, foi promulgada a Lei Saraiva-Cotegipe, ou dos Sexagenários, que libertava escravos com mais de 60 anos de idade, desde que os proprietários fossem indenizados. Finalmente, a abolição definitiva foi proclamada pela Lei Áurea em 1888. A maioria dessas leis trouxe poucas melhoras às condições dos negros, pois elas eram facilmente burladas pelos proprietários e traficantes de escravos. Além disso, não houve política social ou agrária para inserir os escravos libertos no processo produtivo. Após o ato formal da abolição, a situação dos ex-cativos piorou. Apesar de livres, eles foram abandonados à própria sorte, sem a posse da terra, sem escolas, assistência social, hospitais, perspectivas de trabalho ou qualquer outro balizador de igualdade e cidadania.

Conclusão Mesmo despojados de todos os vínculos que os ligavam às suas origens no continente africano; mesmo dizimados e expropriados pelo tratamento desumano dos traficantes, dos comerciantes e dos senhores de escravos; mesmo negligenciados e abandonados à própria sorte pelo Estado após a libertação; mesmo discriminados até os dias atuais, os africanos trazidos para o Brasil e seus descendentes mantiveram as bases das estruturas culturais e religiosas, recriaram identidades, adaptaram, assimilaram, transformaram e ressignificaram costumes, cultura, religiosidade na nova terra, atuando intensamente na formacão e na identidade cultural brasileira com suas tantas manifestações, dentre elas o candomblé, objeto de estudo deste livro. 18

Fontes consultadas: Walmyra Albuquerque e Walter Fraga Filho, Uma história do negro no Brasil. Roger Bastide, Estudos afro-brasileiros. Júlio Braga, Sociedade Protetora dos Desvalidos. Taynar de Cássia, Movimento negro de base religiosa. Robert Conrad, Tumbeiros. Sheila Faria, Identidade e comunidade escrava. Bóris Fausto, História do Brasil. Jacy Ferraz, Abolição no Brasil. Rafael Marquese, A dinâmica da escravidão no Brasil. Regiane Mattos, História e cultura afro-brasileira. Inês Côrtes Oliveira, Quem eram os negros da Guiné?. Luís Nicolau Parés, A formação do candomblé. Antônia Quintão, As irmandades de pretos e pardos; Irmandades negras. Lucilene Reginaldo, Os rosários dos angolas. João José Reis, Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras; Quilombos e revoltas escravas no Brasil. João José Reis e Flávio Gomes, Liberdade por um fio. Revista de História da Biblioteca Nacional. Renato da Silveira, Nação africana no Brasil escravista. Pierre Verger, Fluxo e refluxo; Orixás.


19


NAÇÕES


N

as ciências sociais, o termo “nação” designa um grupo social que compartilha ascendência, língua, ideologia, instituições, hábitos, história, economia, etc., a ponto de se distinguir pela homogeneidade. As populações africanas escravizadas entre os séculos XVI a XIX pertenciam a grupos étnicos ou socioculturais específicos tais como os minas, angolas, jejes, cabindas, nagôs, quetos e muitos outros. No entanto, durante a escravidão, a classificação por nações firmou-se a partir de estereótipos arbitrários, genéricos e apressados, impostos pelos agentes envolvidos direta ou indiretamente no tráfico. Além da origem étnica e região geográfica, a nação dos cativos podia ser definida pelo grupo linguístico ou cultural, pelos portos de embarque, pelos mercados de escravos na África, pelas rotas do tráfico, por características físicas e morais, ou mesmo pela especulação do preço que podiam alcançar nos locais de destino. A classificação ocorria durante a elaboração das listagens de embarque ou no batismo, antes ou depois da compra. O traficante ou o proprietário dava ao escravo nome cristão seguido do epíteto de sua presumida procedência e do nome de seu proprietário: fulano, da nação monjolo, escravo de sicrano. A evidência da imprecisão da classificação por nações pode ser observada em vários exemplos. No princípio do tráfico, os escravos eram conhecidos pelo epíteto genérico “guiné”, região que abrangia toda a costa ocidental da África. Até o início do século XIX, na Bahia, o termo “mina” designava qualquer escravo embarcado na Costa da Mina, Costa do Ouro e Golfo do Benin, independentemente de sua etnia. No Rio de Janeiro e em Minas

Gerais, “mina” era a denominação dos povos do Benin, por sua vez chamados de “jeje” na Bahia. A partir da segunda metade do século XIX, “mina” discriminava os escravos islamizados, falantes da língua árabe. Outro exemplo são os iorubás. Na África, até o século XIX, “iorubá” era o termo com o qual os haussás designavam os povos oió (egbás, quetos, oiós, ifés, ijebus, ijexás, igbominas, etc.), que habitavam o reino do Daomé e Egbado, no sudoeste da atual Nigéria e sudeste da atual República do Benin. No Brasil, ficaram conhecidos como nagôs, epíteto pejorativo dado aos iorubás pelos fons. A movimentação de escravos foi intensa e contínua por quase quatro séculos. Os agrupamentos ou reagrupamentos por nações foram reelaborados, reincorporados e reinventados pelos próprios escravos no território brasileiro de modo menos superficial que as categorizações feitas pelos traficantes. Os escravos identificavam-se entre si pela língua e por afinidades culturais ou religiosas. Criaram novos vínculos sociais e familiares decorrentes de casamentos interétnicos, relações de amizade, compadrio e parentesco e pela participação nas irmandades de pretos. Aquelas denominações de nação atribuídas no circuito do tráfico terminaram por ser assumidas como verdadeiras no processo adaptativo às novas condições. O termo “nação” perdeu o sentido étnico para se tornar um conceito teológico. Passou a designar o conjunto de indivíduos que cultuam tradições religiosas e divindades associadas a determinada origem africana, e que se definem como continuadores dessas práticas e tradições. Os limites étnicos, geográficos ou de 21


parentesco biológico deram lugar ao parentesco de santo. Nação passou a ser o padrão ideológico e ritual dos terreiros de candomblé. As nações sociorreligiosas agrupam-se em três grandes modelos: iorubá (das nações queto, nagô, ijejá) que cultuam as divindades denominadas orixás; jeje (das nações mahi, mudubi, mina), que cultuam os voduns; banto (das nações angola, congo), que cultuam os inquices. Tão importante quanto elas, é a nação de caboclo, originada no território brasileiro, que cultua os caboclos, chamados de “donos da terra” ou encantados. Ocorreram intercâmbios e adaptações aos modelos originais em maior ou menor intensidade. Um exemplo são as trocas culturais e religiosas entre os iorubás e seus vizinhos jejes, ainda na África, e praticadas no modelo ritualístico de alguns terreiros de candomblé denominados “jeje-nagô”.

A nação Jeje De acordo com a maioria dos estudiosos, o termo “jeje” significa “estrangeiro”. Era um epíteto pelo qual os iorubanos designavam o povo do sudoeste do Benin e do Togo Oriental. Originalmente na África, o termo denominava um grupo étnico minoritário, provavelmente localizado na cidade de Porto Novo, no atual Benin. Nos séculos XVIII e XIX, a definição expandiu-se (em decorrência de matrimônios interétnicos, migrações forçadas, tráfico interno de escravos, etc), incluindo grupos falantes dos dialetos ewe, gen, aja e fon, como os que habitavam a região da Costa da Mina (região da costa da África Ocidental onde se 22

localizava o antigo reino do Daomé, atualmente Togo, República do Benin e o sudoeste da Nigéria). Durante o ciclo da Costa da Mina, no século XVIII, o fluxo de escravos jejes intensificou-se. A maioria dos jejes concentrava-se em Salvador e Cachoeira, na Bahia (na produção de tabaco cultivado no recôncavo baiano), e em São Luís do Maranhão. No início do século XIX a população jeje reduziu-se, a ponto de quase desaparecer. Ao mesmo tempo, houve uma grande expansão dos nagôs: O número de negros jejes, ewes ou evés está hoje [em 1932] em número muito reduzido na Bahia. Não possuem mais canto ou sítio especial de reunião e são encontrados disseminados pela cidade, uns no Campo Grande, outros na rua da Poeira, alguns no comércio da Cidade Baixa ou na Baixa do Sapateiro. Os dois sexos acham-se mais ou menos na mesma proporção. Conheço alguns do Daomé, mas quase todos são do litoral, de Ajuda ou Whydah, do Grande e Pequeno Popó, de Agbomi, Kotonu. Dos negros centrais, muitos dizem ser Efan, mas são muito diferentes dos daomeanos e têm por tatuagem característica uma queimadura na fronte. Outros são mahis, pequeno povo situado no norte do Daomé e por isso cruamente perseguido. Duas famílias mahis residiam na ladeira da fonte de São Pedro e hoje reduzidas a um só velhinho, forneceram-me grande parte de cópia das informações que tenho sobre a colônia jeje na Bahia. (Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil).


No candomblé, o grupo jeje subdivide-se nas nações jeje-mahi (ou marrim), jeje-savalu, jeje-dagomé (ou jeje-dahomé), jeje-mundubi (ou mudubi) na Bahia, e jeje-mina e jeje-mina-popo no Maranhão. Mesmo com o aumento da popularidade e a ascensão dos candomblés queto-nagôs, e a redução drástica da população de escravos de origem jeje no princípio do século XIX, os jejes tiveram enorme importância na formação das religiões afro-brasileiras: contribuíram com características específicas de ritos iniciatórios, fixação e culto de várias divindades em espaço e rito únicos, nomenclatura de artefatos, cargos hierárquicos, procedimentos rituais, e assimilação de divindades de outras nações ao próprio panteão.

Fontes consultadas: Mary Karash, Minha nação. Vivaldo da Costa Lima, O conceito de nação nos candomblés da Bahia. Lorand Matory, Jeje: repensando nações e transnacionalismo. Regiane Mattos, História e cultura afro-brasileira. Anderson Oliva, A invenção dos iorubás na África Oriental. Inês Côrtes Oliveira, Quem eram os negros da Guiné?. Marília Oliveira e outros, Candomblé, natureza e sociedade. Luís Nicolau Parés, A formação do candomblé. Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil. Renato da Silveira, Do calundu ao candomblé. Mariza de Carvalho Soares, Mina, Angola e Guiné.

23


RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS


N

o continente africano, cada família, clã, cidade, grupo étnico ou mesmo um país inteiro cultuava uma divindade específica. Elas eram inúmeras e possuíam características diferenciadas em cada região. Representavam elementos da natureza, como tempestades, raios, trovões, rios, lagos, matas, montanhas, mares – os voduns, orixás e iquices – e/ou eguns ou egunguns, ou seja, antepassados, espíritos ancestrais e homens ilustres, relacionados à estrutura da sociedade, à ética e à disciplina moral do grupo. Como exemplos: o orixá Xangô, um antepassado mítico iorubá, era cultuado na cidade de Oyó; Iemanjá, divindade das águas, era reverenciada na região de Egbá; Ogum, dos metais, em Ekiti e Ondô; Oxum, divindade do rio que leva seu nome, era cultuada em Ijexá e Ijebu; Logunedé em Ijexá; Oxalufon em Ifé; os criadores do mundo Mawu e Lissá, juntamente com o voduns do trovão Hevioso e o vodum-serpente Dan, eram cultuados pelos jejes em Abomey; na região dos hulas cultuavam-se voduns do mar; em Uidá, do trovão, e assim por diante. Podiam ocorrer intercâmbios culturais e religiosos entre grupos étnicos vizinhos, devido a alianças políticas, casamentos intergrupais, relações comerciais, migrações e guerras. No Brasil, as religiões de origem africana não se formaram pela transferência direta e linear dos cultos e rituais trazidos pelos escravos. Os sistemas religiosos, a liturgia e as divindades das diferentes nações reorganizaram-se entre si e adaptaram-se ao modelo das religiões do colonizador europeu (inicialmente o catolicismo e mais tarde a maçonaria e o espiritismo kardecista), e ao modelo e elementos rituais dos indígenas.

Como já foi dito, a população escrava trazida para o Brasil era cultural e religiosamente muito heterogênea. As identidades originais dos escravos perderam-se, os vínculos familiares e tribais romperam-se e as bases sociais e religiosas originais fragmentaram-se. Cada escravo trouxe consigo apenas a memória e a tradição religiosa e rudimentos de ritos e doutrinas. Cultos como o dos antepassados eguns ou egunguns iorubás quase desapareceram ou sobreviveram marginalmente (restam poucos terreiros na ilha de Itaparica, na Bahia). Os cultos dos voduns, orixás e inquices (vinculados aos fenômenos da natureza ou à manipulação mágica do mundo), talvez por serem mais genéricos, foram ressignificados e se expandiram. As divindades passaram a ser cultuadas por cada adepto em um altar e espaço ritual onde se agrupavam com várias outras. A reorganização das diversas modalidades rituais trazidas da África pelos escravos é bem representada na fala do xicarangomo Esmeraldo Emetério de Santana, líder espiritual do Tumba Junçara, terreiro de candomblé angola na Bahia: Foi assim que eles fizeram. Misturaram, porque eles, na senzala, tinham, ali, de todas as “nações” e, quando era possível, eles faziam qualquer coisa das obrigações deles, então cada um pegava um pedaço, faziam uma colcha-de-retalhos, um cozinhava isso, outro cortava aquilo, outro pegava, porque eles tinham tempo limitado para tal e faziam. A mesma coisa fez-se no cântico. Um, “eu sei tal cantiga” outro “eu sei tal”, e todos cantavam, e então o “santo” aceitava, e não ficou 25


somente uma nação para fazer aquele tipo de obrigação. Era a mistura, como já disse, a milonga. (Vivaldo da Costa Lima e outros, Encontro das nações de candomblé).

Designações O termo “religiões afro-brasileiras” é bastante genérico. Designa todos os cultos de matriz africana recriados ou readaptados nas diferentes regiões do Brasil. Apesar das diferenças, todos possuem características estruturais que possibilitam sua identidade, tais como a possessão do adepto pela divindade, os aspectos oraculares, a intervenção de um mensageiro que faz a ponte entre o humano e as divindades (denominado Exu, Bara ou Legbara), a invocação das divindades por meio de cânticos acompanhados por instrumentos de percussão ou palmas, as danças rituais, dentre outras. Os cultos receberam denominações conforme com os locais de origem: os xangôs de Pernambuco, Alagoas e Sergipe; os terreiros de mina, o terecô e o tambor de mina no Maranhão e no Pará; o babassuê no Pará; o catimbó, a jurema e o xambá na Paraíba, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte e no Ceará; os batuques do Rio Grande do Sul; o saravá em Mato Grosso; a umbanda e a macumba no Rio de Janeiro e nos demais estados da região Sudeste; e o candomblé, o mais difundido deles, originário da Bahia e largamente disseminado em todo o território brasileiro. 26

Sincretismo Sincretismo é o processo pelo qual doutrinas, concepções, crenças, teses ou ideias heterogêneas são reunidas ou amalgamadas, por semelhanças ou equivalências, em um processo de interação cultural. É o resultado de um processo vivo, dinâmico, contraditório de reelaboração muito diferente do sentido pejorativo que alguns estudiosos concebem, como “mistura confusa e disparatada”, “aglomerado indigesto”, a “bricolagem”, impostos pela classe dominante. Desde o princípio as religiões afro-brasileiras se fizeram sincréticas, em maior ou menor grau. Em um país onde o catolicismo era a única religião tolerada, era indispensável ao escravo (desprovido de identidade social) ser católico. Ao mesmo tempo era essencial preservar a identidade religiosa africana original. As manifestações da religiosidade dos escravos somente eram toleradas quando “disfarçadas” em festividades relacionadas às efemérides e aos santos católicos, promovidas pelas irmandades, ou nos chamados “batuques” nos dias de folga. Para tal, estabeleceram-se paralelismos entre as características do culto a determinados santos e santas católicos e as características das divindades africanas. As irmandades tiveram forte influência no processo de sincretismo. As atividades das irmandades eram incentivadas pelas autoridades do Estado e as religiosas. Nelas, era possível a convivência entre o catolicismo oficial e as formas de fé ancestrais afrodescendentes. Os batuques eram divertimentos organizados pelos escravos nos dias de folga. Nesses eventos comemorativos católicos era permitido aos escravos dar vazão à religiosidade original sob o dis-


farce do festejo aos santos. Os batuques também eram encorajados pelas autoridades, que viam neles um espaço de tolerância frente ao sistema escravagista. Como descreve Pierre Verger: Quando o senhor passava ao lado de um grupo no qual eram cantados a força e o poder vingador de Sango, o trovão, ou de Oya, divindade das tempestades e do rio Níger, ou de Obatala, divindade da criação, e quando ele perguntava o sentido daquelas cantigas, respondiam-lhe sem falta: “Yoyo, adoramos à nossa maneira e em nossa língua São Jerônimo, Santa Bárbara ou o Senhor do Bomfim” (Pierre Verger, Notas sobre o culto dos orixás e voduns) Mãe Stella de Oxossi, ialorixá do templo do Ilê Opô Afonjá, de Salvador, explica como se deu a mistura dos cultos aos santos católicos e às divindades africanas: Naquele tempo, ser da Igreja Católica era ter status, porque quem mandava era o branco e essa era a religião do branco. Daí foram fundadas as irmandades, como a do Rosário dos Homens Pretos, a Irmandade da Barroquinha e outras mais, onde a mulher negra podia fazer os seus cultos. Era proibido adorar os orixás. Quem era espiritualizado precisava encontrar qualquer coisa espiritual para se apegar e foi por isso que surgiu o sincretismo, quando se faziam as coisas meio mascaradas. Se adorava o orixá de uma forma velada, como se estivesse cantando para os santos.

São muitos exemplos do processo sincrético. Na Casa das Minas do Maranhão, considerado o terreiro de candomblé jeje mais tradicional, alguns voduns “adoram” determinados santos católicos. Os candomblés de caboclo, espalhados por todo o território brasileiro, cultuam divindades africanas, santos católicos e espíritos de indígenas. A umbanda readaptou e sintetizou o panteão das divindades africanas e incorporou divindades e rituais indígenas, características de santos do catolicismo e da doutrina do kardecismo.

Reafricanização De acordo com o pesquisador Reginaldo Prandi, as religiões afro-brasileiras formaram-se no decorrer de três períodos ou momentos históricos: sincretismo, “branqueamento” e dessincretização ou reafricanização.

Sincretismo O período do sincretismo ocorreu do princípio do século XIX até o início do século XX. Como já foi dito, a identificação de divindades africanas com os santos católicos era uma forma de resistência ou uma maneira do negro, mesmo após a abolição da escravidão, compartilhar necessidades aparentemente contraditórias: inserir-se na sociedade branca e católica sem perder seus vínculos religiosos originais.

27


Branqueamento O segundo período iniciou-se com o surgimento da umbanda, por volta de 1920, no Rio de Janeiro. A umbanda nasceu como uma “religião universal”, ou seja, sem limites geográficos, de cor ou classes sociais. Formou-se por um verdadeiro processo de bricolagem europeia, africana e indígena. A filosofia kardecista foi adaptada no que se refere à intervenção dos espíritos no mundo terreno. O canto e a dança dos cultos de origem africana foram mantidos, porém eliminando-se os ritos sacrificiais. O panteão de divindades foi reduzido e o rito de iniciação simplificado, como tentativa de apagar a “matriz negra herdada do candomblé”. Por fim, espíritos de índios e escravos (os caboclos e os pretos-velhos) e dos exus e pombas-giras foram acrescentados ao culto. A umbanda disseminou-se rapidamente pelo Brasil, inclusive por países da América do Sul. Sua característica universal, aliada à prática ética afastada do candomblé e bem próxima do catolicismo e do espiritismo kardecista, arrebanhou muitos adeptos, popularizando-se nas diversas camadas sociais.

Dessincretização e (re)africanização No fim da década de 1960 e início dos anos 70 ocorreu em todo o Ocidente o fenômeno social denominado “contracultura”. No Brasil, a juventude intelectualizada rebelou-se contra os padrões culturais estabelecidos, inspirada nos movimentos culturais de 1968 ocorridos na Europa e na América do Norte. Preconizava-se 28

o exótico, o diferente, as civilizações orientais, o transcendentalismo, o ocultismo e a busca das origens. No caso brasileiro as origens eram as manifestações culturais do negro e do indígena. O candomblé entrou em evidência. Deixou de ser uma religião étnica, basicamente restrita aos descendentes de escravos, tornando-se uma religião universal. Expandiu-se da região Nordeste (Bahia e Pernambuco) para as demais regiões, em especial a Sudeste. Adeptos da umbanda, que até aquele momento buscavam apagar seus vínculos com as origens, reaproximavam-se do candomblé em busca das suas “verdadeiras raízes”. Pais e mães-de-santo empreendiam viagens à Bahia ou à África para retomar a conexão com a origem, redescobrir as tradições, encontrar a pureza da religião, reaprender a língua e a mitologia das divindades e abandonar as práticas e crenças ligadas ao catolicismo. O movimento atingiu seu ápice em 1983. As mães-de-santo dos cinco terreiros de candomblé mais tradicionais da Bahia (Mãe Stella, do Opô Afonjá; Mãe Menininha, do Gantois; Mãe Olga, do Alaketo; Mãe Tetê, da Casa Branca; e Doné Nicinha, do Bogum), assinaram um manifesto contra o sincretismo das religiões afro-brasileiras. O documento preconizava a dissociação dos santos católicos às divindades de origem africana. Além disso, o manifesto reivindicava para o candomblé a condição de religião e propunha o ensino da língua iorubá nas escolas. Entretanto, após alguns anos, verificou-se que apenas Mãe Stella manteve o propósito de romper com a tradição brasileira para recuperar a religião praticada pelos ancestrais da África, conforme o manifesto de 1983. As ialorixás Olga, Menininha e


Tetê, e Doné Nicinha optaram por manter a tradição sincrética, replicando a religião praticada pelos fundadores das respectivas casas na Bahia.

Conclusão

jeje-nagôs da Bahia. Agnes Mariano, entrevista com Mãe Stella do Opô Afonjá. Aislan Melo: Reafricanização e dessincretização do candomblé. Soraya Mesquita, Gaiaku Luiza. Marília Oliveira e outros, Candomblé, natureza e sociedade. Reginaldo Prandi, Herdeiras do axé; Hipertrofia ritual das religiões afro-brasileiras; As religiões afro-brasileiras e seus seguidores; Referências sociais das religiões afro-brasileiras. Juana Elbein dos Santos, Os nagôs e a morte. Pierre Verger, Orixás; Notas sobre o culto dos orixás e voduns.

Nas palavras do antropólogo Sérgio Ferretti, não existe religião pura. A pureza seria apenas uma construção ideológica. Nas religiões afro-brasileiras, alguns sistemas originais perderam-se. Outros foram reconstruídos ou recriados em processos de aculturação, transculturação, reterritorialização, ressignificação, reorganização e readaptação aos elementos alienígenas do catolicismo, do kardecismo e até da maçonaria, da classe dominante. Buscar a pureza das religiões afro-brasileiras ou resgatar a tradição perdida é uma tarefa inútil. A pureza está na multiplicidade e riqueza de vertentes, sistemas, expressões e formas de cultuar santos, voduns, inquices, orixás, caboclos, encantados, egunguns ou qualquer outra manifestação que represente a capacidade dos escravos e seus descendentes de preservar e manter vivos, durante quase quatro séculos de cativeiro, os vínculos com a África mítica e primordial.

Fontes consultadas: Walmyra Albuquerque e Walter Fraga Filho, Uma história do negro no Brasil. Rita Amaral e Vagner Silva, Religiões afro-brasileiras e cultura nacional. Márcio Carmo, Relações lexicais, interdiscursividade e representação. Edison Carneiro, Candomblés da Bahia. Marcos Carvalho, Gaiaku Luiza. Josildeth Consorte, Sincretismo ou antissincretismo? Sérgio Ferretti, Querebentan de Zomadonu; Sincretismo afro-brasileiro e resistência cultural. Vivaldo da Costa Lima, O candomblé na Bahia na década de 1930; A família de santo nos candomblés

29


ORIGENS DO CANDOMBLÉ


C

andomblé é um termo de origem banto. Designa o conjunto de ritos de grupos religiosos caracterizados por um sistema de crenças em divindades chamadas de voduns, orixás, santos, inquices ou caboclos. Define também o lugar onde são realizadas as cerimônias desses cultos. O candomblé envolve processos rituais de adivinhação, iniciação, sacrifício, cura e celebração. As divindades manifestam-se nos iniciados por meio do fenômeno da possessão ou transe místico. Não há equivalência africana ao modelo do candomblé praticado no Brasil. O candomblé formou-se aqui pela interação cultural, étnica, racial e social, inicialmente entre as nações dos próprios africanos e depois com os ritos, cultos e crenças do colonizador europeu e dos nativos da terra. As divindades que eram cultuadas na África individualmente por famílias, clãs, vilas ou cidades foram reunidas e cultuadas em espaço único no Brasil. O modelo de agrupamento de divindades no candomblé pode ser explicado por teorias que se interrelacionam: a) as condições socioculturais às quais os escravos foram submetidos e que foram impostas pelo sistema escravista diante da heterogeneidade da população cativa; b) a assimilação do modelo da igreja católica de culto aos diversos santos; c) a adequação de um modelo já existente no continente africano trazido pelos jejes. O grupo iorubá cultua os orixás. É formado por diversas nações: queto ou nagô, efã, ijexá, eba, oió-ijexá, mina-nagô e xambá. O grupo jeje subdivide-se nas nações mahi ou mahin, mina, mundubi, savalu. O grupo banto compreende as nações angola, moçambique, quicongo, quimbundo. Os bantos assimilaram o

panteão dos orixás ao panteão dos seus inquices e deram origem aos candomblés de caboclo. As nações de candomblé distinguem-se entre si pelo panteão das divindades e por particularidades rituais, tais como as línguas utilizadas nos cânticos, os ritmos, a maneira de tocar os instrumentos de percussão, as danças, as oferendas alimentares, etc. Porém identificam-se por diversas características rituais, como: • • • • • • • • •

a configuração espacial e a arquitetura do local de culto; a realização de festas públicas; a dança em círculo, no sentido anti-horário; os instrumentos de percussão; o recolhimento no processo de iniciação; as obrigações periódicas após a iniciação; as oferendas sacrificiais; a transmissão oral dos fundamentos ou preceitos; a constituição de laços familiares espirituais.

Calundu Os primeiros cultos de origem africana surgidos no Brasil tinham características domésticas. Sua função era essencialmente terapêutica e oracular. Eram denominados por expressões genéricas pouco precisas como “candonga” ou “milonga”, que designavam feitiçaria. Os calundus distinguiam-se desses cultos. O termo “calundu”designa práticas religiosas específicas, com características extra-domésticas e organização hierárquica rudimentar. 31


Os calundus teriam surgido dentro das irmandades de pretos, ou pelo menos articulavam-se intimamente com elas. Apesar de ainda não se realizarem em templos próprios (as festas aconteciam em residências de pessoas importantes da comunidade ou em locais especialmente preparados), os calundus possuíam calendário litúrgico, estrutura hierárquica incipiente, rituais sistematizados, fundamentos de culto à divindade assentados em altar. Possivelmente os participantes eram iniciados pelo sacerdote ou calunduzeiro, que acumulava as funções de oficiante, de cura e adivinhatórias. Os calundus atendiam às necessidades espirituais e de saúde da população. A função de cura do calunduzeiro, associada ao seu prestígio e à aprovação nas irmandades, garantia o convívio pacífico com a sociedade da época. Assim os calundus foram progressivamente se legitimando e se institucionalizando, tornando-se mais complexos, estabelecendo relações intergrupais, até aproximarem-se do modelo do candomblé, surgido em fins do século XVIII ou no princípio do século XIX: De um estágio inicial, em que “fragmentos de cultura religiosa” foram retomados e postos em prática por pessoas carismáticas que atuavam de uma forma relativamente individual e independente (em interações pessoais, visando principalmente a fins de cura e adivinhação), passou-se pela formação das primeiras congregações religiosas de caráter familiar ou doméstico, geralmente dedicadas ao culto de uma só divindade, até se chegar à formação de congregações extrafamiliares, socialmente mais complexas nas suas 32

estruturas hierárquicas e práticas rituais, que com o tempo chegaram a funcionar com certa estabilidade em espaços próprios, com um calendário litúrgico recorrente e dedicadas ao culto de uma pluralidade de divindades “assentadas” em altares ou espaços sagrados individualizados (Luís Nicolau Parés, A formação do candomblé).

Primeiro candomblé A Casa Branca do Engenho Velho da Federação ou Barroquinha é considerada, tanto pela tradição oral quanto pelos estudiosos, o primeiro candomblé no Brasil. Teria se originado de um calundu que funcionava na casa de Iyá Adetá, africana pertencente à família real de Ketu, consagrada ao orixá Oxossi, em local próximo à capela de Nossa Senhora da Barroquinha. O calundu era frequentado por africanos de origem jeje e nagô. Com a vinda de grandes quantidades de escravos nagôs para a Bahia, em fins do século XVIII, o calundu de Iyá Adetá expandiu-se. Foi necessário criar um espaço apropriado para abrigar os novos adeptos e instalar o terreiro. Arrendou-se, então, um terreno adjacente à capela da Barroquinha, pertencente à irmandade de Nosso Senhor dos Martírios dos jejes. Ao mesmo tempo, a irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, chefiada por mulheres queto-nagôs libertas, também se instalou na capela. As irmandades de pretos jejes e quetos e o calundu de Iyá Adetá compartilharam a Barroquinha por muitos anos. No início


do século XIX, Iyá Nassô, Iyá Akalá e Baba Assiku, sacerdotizas e sacerdote membros da realeza de Ketu assentaram novas divindades no calundu de Iyá Adetá. Afirma-se, inclusive, que outros representantes de escalões superiores dos estados iorubás vieram em missão secreta para organizar os cultos assentados. Foi assim que o calundu de Iyá Adetá transformou-se no Axé Airá Intilié, um espaço de práticas rituais complexas, onde pela primeira vez celebravam-se simultaneamente divindades diferentes no mesmo espaço de culto. Porém, o recrudescimento da perseguição policial aos africanos, libertos e descendentes, muito comum naquela época, fez com que o Axé Airá Intilié se mudasse diversas vezes, estabelecendo-se em vários lugares de Salvador, até se instalar definitivamente no Engenho Velho da Federação, onde funciona até hoje com o nome de Ilê Axé Iyá Nassô, nome de uma de suas fundadoras. O Gantois (Ilê Iyá Omin Axé Iamassé) e o Ilê Axé Opô Afonjá, considerados dois outros terreiros mais tradicionais da Bahia, originaram-se de dissidências internas do Ilê Axé Iyá Nassô.

Bantos, jejes e iorubás A grande maioria dos estudiosos e a tradição religiosa consideram o grupo iorubá (nagô-queto) o de maior influência na formação das religiões afro-americanas. Estatísticas demonstram que, em 1998, 56,4% dos terreiros de Salvador declaravam-se queto, contra 27,2% de angolas e apenas 3,6% jejes. Em 2006/2007, o percentual de terreiros queto elevou-se para 64%.

Diversos eventos históricos interrelacionados, tais como a disseminação da população banto nas áreas rurais no início da colonização, as grandes levas de nagôs nas últimas décadas do século XVIII e a diminuição da população jeje no fim do século XIX são apontados como causas da predominância dos ritos nagôs nos candomblés atuais. Os escravos do grupo banto foram os primeiros a chegar. Espalharam-se pelo território brasileiro em pequenos grupos, a maioria em áreas rurais. Por isso, apesar da grande quantidade numérica, os sistemas religiosos bantos diluíram-se. Embora tenham mantido a língua ritual e algumas divindades, os candomblés bantos adotaram o panteão dos orixás e incorporaram muitas práticas oraculares e iniciáticas iorubás. Além disso, o culto aos inquices relacionava-se aos ancestrais da terra, representados no Brasil pelos espíritos indígenas, que foram reconfigurados nos caboclos. Os jejes vieram para o Brasil antes dos nagôs. Trouxeram sua organização ritual, fundamentada em uma estrutura eclesial ou conventual com altares fixos, hierarquia sacerdotal e ritos iniciáticos complexos. Esses elementos influenciaram fortemente a formação dos calundus e candomblés. Quando os nagôs começaram a chegar no final do século XVIII, já encontraram os cultos relativamente estruturados. A quantidade de terreiros jejes e nagôs equivalia-se em todo o período anterior à abolição. No entanto, como se viu no capítulo anterior, no mesmo período em que chegaram as grandes levas de nagôs, a população de jejes tinha se reduzido drasticamente. 33


Os nagôs foram os últimos escravos a se estabelecerem no Brasil. No século XIX eram a maioria da população. Seus cultos equiparavam-se aos dos jejes (e talvez aos bantos) em termos numéricos. Alguns líderes religiosos nagôs mantinham intenso relacionamento com a elite negra de viajantes transatlânticos, que nessa época comerciavam em territórios predominantemente iorubás. Realizavam-se inúmeras viagens de intercâmbio daqueles líderes ao continente africano, visando reciclar os saberes e a tradição. Ganhavam assim mais visibilidade, prestígio e legitimidade social. Outro fator da “nagoização” do candomblé foi a presença, a partir de 1930, de celebridades nacionais – escritores (Jorge Amado, Antônio Olinto), cantores e intérpretes (Dorival Caymi, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethania, Caetano Velloso), artistas plásticos (Carybé, Mário Cravo), jornalistas (Muniz Sodré) e cientistas sociais (Vivaldo da Costa Lima, Pierre Verger, Roger Bastide, Juana Elbein dos Santos, Raul Lody) e tantos outros – que consideravam o Ilê Iyá Nassô, o Gantois e o Ilê Axé Opô Afonjá como únicos e verdadeiros repositórios da pureza da tradição, ícones de resistência cultural e orgulho da identidade afrodescendente, em detrimento às práticas das demais nações.

Conclusão A questionada supremacia iorubá e a popularidade dos orixás nos atuais candomblés deveram-se em muito à constante exposição dos candomblés nagôs e quetos pelos meios de comunicação, desde a década de 1930. Representantes das classes intelectuais e 34

artísticas do país elegeram os iorubás como detentores da pureza e tradição dos cultos africanos, subestimando a participação das demais nações. Estudos acadêmicos nas últimas décadas vêm revertendo essa visão etnocêntrica ao demonstrar a importância fundamental dos jejes na atual configuração do candomblé. Deve-se aos jejes o modelo de organização eclesial do grupo religioso, aspectos específicos dos ritos de iniciação, os altares fixos e principalmente a celebração conjunta de divindades. A contribuição das nações do grupo banto também foi grande. No entanto, talvez por sua adaptação ao panteão dos orixás iorubás e a aproximação aos candomblés de caboclo, o estudo acadêmico das práticas dos bantos foi relegado a segundo plano. A escassez de bibliografia sobre o assunto dificulta apontar-se a verdadeira importância das nações angola, cambinda, moçambique, monjolo e quicongo na formação do candomblé. O candomblé formou-se pela fusão, aculturação, adaptação e ressignificação de vertentes religiosas diversas. Aspectos rituais desses grupos foram preservados e ao mesmo tempo diferenciados nas modalidades de cultos, de cada nação, que os compõem, independentemente da supremacia numérica ou popularidade. As especificidades de cada nação servem para evidenciar a riqueza da cultura e da religião popular surgida no Brasil.


Fontes consultadas: Rita Amaral, Xirê!. Renato Botão, Volta à África. Edison Carneiro, Candomblés da Bahia. Marcos Carvalho, Gaiaku Luiza. Vivaldo da Costa Lima, O candomblé na Bahia na década de 1930. Raul Lody, Espaço, orixá, sociedade. Luís Nicolau Parés, A formação do candomblé; Antes dos orixás. Reginaldo Prandi, As religiões afro-brasileiras e seus seguidores; Religião e sincretismo em Jorge Amado; Herdeiras do axé. João José Reis, Bahia de todas as Áfricas. Juana Elbein dos Santos, Os nagôs e a morte. Renato da Silveira, Do calundu ao candomblé. Pierre Verger, Notas sobre o culto dos orixás e voduns; Orixás.

35


CANDOMBLÉS JEJES


O

s jejes cultuam divindades chamadas voduns. Os voduns representam forças da natureza e antepassados humanos divinizados. Possuem características diferenciadas dos orixás iorubás. A religião dos voduns expandiu-se pelas Américas, especialmente no Haiti e em Cuba. No Brasil, os candomblés jejes concentraram-se em maior número na Bahia e no Maranhão. Até o final do século XVIII, vodum era o termo utilizado na Bahia para designar as divindades dos cultos afro-brasileiros. Porém, as divindades passaram a ser conhecidas como orixás quando os cultos jejes perderam visibilidade para os nagôs. O culto aos voduns teve papel essencial na formação do candomblé. Deve-se a eles o modelo de organização eclesial ou conventual do grupo religioso, a instalação de altares fixos em espaços sagrados e a reunião e a celebração de divindades múltiplas, inclusive de outras nações, no mesmo espaço ritual. Inúmeros termos jejes são utilizados pelos candomblés de outras nações: “dofono”, “dofonitinha”, “fomo”, “fomotinha”, “gamo”, “gamotinha”, “domo”, “domotinha”, “vito”, “vitotinha” definem ordem de entrada dos iniciados no “rundeme” (local onde ocorre a iniciação); “peji” é o altar das divindades; “pejigã” é o ogã responsável pela manutenção do peji; “assém” é o assento ou assentamento do axé; “amassi” é o ritual de maceração das folhas; “rum”, “rumpi”, “runlé” ou “lé” são os tambores sagrados; “gã” é a sineta; “decá” é a obrigação que confere o status de senioridade ao iniciado, dentre muitos outros. Os primeiros candomblés da nação jeje de que se tem notícia surgiram na Bahia. Foram eles: o Zoogodô Bogum Malê Rundô

e o Pó Zerrém, em Salvador; em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, surgiu o Bitedô, no início do séc. XIX, que deu origem ao candomblé da Roça de Cima e o Seja Hundé, ou Roça de Baixo. Outro importante núcleo de preservação das tradições jejes da nação mina é o Querebentan Zomadonu, ou a Casa das Minas, em São Luís, no Maranhão. Além dos mais conhecidos terreiros mina e mahi do Maranhão e da Bahia, existem candomblés jejes tradicionais de outras origens étnicas como o Cacunda de Yayá (Axé Kpo Egi), da nação jeje-savalu em Salvador; o candomblé do Pinho (Hunkpame Dahomey), do grupo jeje-dagomé, em Maragogipe; o Poço Béta, da nação mina-popo, em Salvador; o Kpodaba e o Séja Nassó, no Rio de Janeiro, e muitos outros. As nações do grupo jeje identificam-se entre si por compartilharem, além da língua ritual (cânticos, preceitos, saudações e terminologia), o culto aos voduns e a um conjunto de divindades “transétnicas”, ou seja, de origem iorubá. Ao mesmo tempo, diferenciam-se em aspectos litúrgicos, tais como especificidades das divindades, ritmos de tambor, danças, vestuário ou processo de iniciação. Em fins do século XVIII e início do século XIX, a quantidade de terreiros jejes equiparava-se aos nagô-queto na Bahia. Atualmente eles são minoria. Em Salvador, cidade onde se concentra o maior número de casas de candomblé do Brasil, dos 1.410 terreiros mapeados em 2006, apenas 2,1% declararam-se jejes. Desses, foram localizadas sete casas jeje-savalu, apenas uma jeje-mina e nenhuma jeje-mudubi ou mahi. Grande parte dos terreiros se au37


todefiniam em classificações mistas, tais como angola-jeje-queto, caboclo-jeje, jeje-nagô-queto, jeje-mahi-savalu, etc. A riqueza de combinações das nações dos terreiros baianos permite compreender a interpenetração religiosa ocorrida em razão do intercâmbio entre especialistas religiosos e práticas rituais de uma casa para a outra, e a possibilidade de um indivíduo ser parcial ou sucessivamente iniciado em terreiros de diversas ascendências. A história da formação dos primeiros candomblés é baseada em grande parte na transmissão oral, feita por especialistas da tradição jeje. Pais e mães-de-santo, vodunsis, ogãs, humbonos, antigos frequentadores, são ou foram as fontes mais ricas de informações. No entanto, os pontos de vista podem divergir, pois dependem exclusivamente da memória dos informantes. Quando possível, os pesquisadores confrontam os depoimentos com dados obtidos em documentos históricos como notícias de jornais da época, testamentos, cartas de alforria ou relatórios de ocorrências policiais. Porém, nem sempre as contradições ou a imprecisão dos dados são elucidadas.

JEJE NO MARANHÃO O Maranhão é considerado o maior centro de preservação da tradição jeje-daomeana no Brasil. Lá, o culto aos voduns recebeu o nome de tambor-de-mina. As entidades incorporadas pelos iniciados são os voduns ou encantados. O catolicismo é muito presente. Os terreiros considerados repositório da tradição do 38

tambor-de-mina no Maranhão são a Casa de Nagô, de origem iorubá (onde se cultuam voduns, orixás e encantados), o Querembentã de Zomadonu, ou Casa das Minas, da nação jeje, e a Casa de Fanti-Ashanti. A Casa das Minas e a Casa de Nagô teriam sido fundadas antes da abolição da escravatura. A Casa de Fanti-Ashanti, na primeira metade do século XX.

Casa das Minas A Casa das Minas foi fundada pela rainha Nã Agotimé, batizada com o nome de Maria Jesuína. Nã Agotimé era viúva do rei Agongonu (ou Agonglô) e mãe do rei Guezô, do Daomé. Foi feita prisioneira de guerra e vendida como escrava. A organização dos cultos do Querebentã de Zomadonu é complexa. O panteão dos voduns é numeroso e reúne-se em três grupos principais que englobam cinco famílias: a família real ou de Davice, chefiada pelo vodum Zomadonu, o dono da Casa das Minas; a família de Dambirá; a família de Queviossô; as famílias de Savaluno e de Aladonu, hóspedes das primeiras. Na Casa das Minas evita-se pronunciar o nome das divindades e não se cultuam os encantados e os caboclos. O culto a Legba (equivalente a Exu dos nagôs) é secundário. Somente as mulheres dançam e incorporam as divindades. Os homens exercem funções relacionadas à música e aos sacrifícios de animais.


Casa Fanti-Ashanti

Bogum

A Casa Fanti-Ashanti pertence à nação jeje-nagô. Foi aberta com o nome de “Tenda de São Jorge Jardim de Ueira” em 1958, por Euclides Ferreira, ligado ao Terreiro do Egito, de matriz mina-fanti-ashanti. Durante a trajetória como sacerdote por mais de 40 anos, Pai Euclides ligou-se a terreiros de Xangô de Pernambuco, adotou várias características de culto da Casa das Minas e da Casa de Nagô, além de elementos dos candomblés queto e angola da Bahia. A partir de 1980 a casa passou a ser conhecida também como continuadora da tradição jeje-daomeana no Brasil.

O Zoogodô Bogum Malê Rundô, do Engenho Velho da Federação, em Salvador, é considerado pela tradição oral o candomblé jeje mais antigo de que se tem notícia. Não há registros de sua fundação, que pode ter ocorrido entre fins do século XVIII e a primeira metade do século XIX. Ludovina Pessoa, uma crioula liberta, descendente de família nobre africana e pertencente à irmandade da Boa Morte, teria participado da fundação do Bogum, junto com outros especialistas religiosos e negros malês, adeptos do islamismo. Ludovina teria sido também responsável pela fundação de outros candomblés da nação jeje na Bahia. Após o falecimento de Ludovina, o Bogum ficou fechado por vários anos. Na primeira década do século XX, as atividades foram retomadas sob a chefia de Valentina, com a ajuda do ogã Manoel da Silva. Seguiram-se na sucessão Gaiaku: Maria Emiliana de Piedade, consagrada ao vodum Agué, de 1937 até 1950; Maria Romaninha, do vodum Kposu, de 1953 a 1956; Mãe Runhó, de Sogbo, entre 1960 e 1975; Doné Nicinha, de Loko, filha carnal de Mãe Runhó, de 1978 a 1994 (Doné Nicinha foi uma das signatárias do documento para a reafricanização do candomblé, em 1983). Com o falecimento de Doné Nicinha, o Bogum encerrou suas atividades durante sete anos, voltando à atividade em 2002 sob o comando da vodunsi Zailde, conhecida como Índia de Azonsu, sobrinha de Doné Nicinha e neta de Mãe Runhó.

JEJE NA BAHIA Salvador e Cachoeira concentram a maioria dos terreiros jejes no Brasil. Neles são cultuados três grandes famílias ou panteões liderados pelos chamados “reis da nação jeje”: Bessen chefia a família da serpente do arco-íris Dan; Sogbo, a família do trovão e do mar, de Hevioso ou Kaviono; e Azonsu, o vodum da varíola, é o chefe da família de Sakpata. A precedência entre eles varia de acordo com os terreiros: no Seja Hundé de Salvador, a primazia é de Bessen; no Humpame Huntolóji, de Cachoeira, é Sogbo seguido de Bessen e Azonsu. Da mesma forma que no Maranhão, junto às famílias dos voduns são cultuados alguns orixás nagôs, especialmente as iabás, ou orixás femininos. Esse panteão misto é denominado “nagô-vodum”.

39


Pó Zerrém O Pó Zerrém foi um terreiro de candomblé jeje-mudubi, vizinho ao Bogum e ao Ilê Iyá Nassô. Nada se sabe a respeito de sua origem ou de seus fundadores, provavelmente africanos. Acredita-se que o Pó Zerrém seja mais antigo que o Bogum. O terreiro era consagrado ao vodum-pantera Kpo. Nele, provavelmente, cultuavam-se os eguns, ou espíritos dos mortos. Seu dirigente mais famoso foi Tata Aprígio de Sogbo, que teria atuado na última década do século XVIII. O Pó Zerrém deixou de funcionar por volta de 1945. As terras foram vendidas e a região foi urbanizada.

Bitedô O Bitedô teria surgido no bairro da Recuada, área periférica de Cachoeira, em local onde existiu um quilombo chamado Obá Tedô, no início do século XIX. No Bitedô teriam sido plantados os primeiros fundamentos jejes de Cachoeira, por mulheres da Irmandade da Boa Morte juntamente com africanos de origem malê. O terreiro era comandado pelo africano Kixareme (ou Tixareme), consagrado ao vodum Azonsu. Em 1876, em razão da construção de um viaduto que cortava suas terras, as atividades do Bitedô foram encerradas.

Roça de Cima Após o fechamento do Bitedô, Kixareme e Ludovina Pessoa fundaram nas redondezas de Cachoeira o candomblé conhecido como Roça 40

de Cima. Com a morte dos fundadores, Zé do Brechó, pertencente à emergente elite negra de Cachoeira, adquiriu as terras e garantiu a continuidade das atividades da Roça de Cima. Após o falecimento de Zé do Brechó, em 1902, o terreiro fechou. Segundo Gaiaku Luiza, na Roça de Cima praticava-se o candomblé jeje-mudubi. A Roça de Cima mantinha relações estreitas com o Bogum, de Salvador. O terreiro de Cachoeira praticava o mesmo modelo de candomblé do Bogum e era considerado uma “filial” desse. Na Roça de Cima, Ludovina Pessoa, talvez com a ajuda de Zé do Brechó, iniciou as mães-de-santo que vieram a liderar os candomblés mais importantes da nação jeje, como Maria Agorensi e sinhá Abalhe (ou Abali), do Seja Hundé, Mãe Romaninha e Mãe Emiliana, do Bogum.

Ayionó Huntolóji O Ayionó Huntolóji foi fundado em 1952, por Gaiaku Luiza, na periferia da cidade de Cachoeira. No Huntológi, pratica-se o candomblé jeje-mahi. Primeiramente Gaiaku Luiza foi consagrada a Oiá no candomblé queto, e depois no jeje do Bogum, por Kposúsi Romaninha. Gaiaku Luiza foi uma das poucas vodunsis que ousaram abrir uma roça de candomblé jeje em uma época em que a sucessão naquelas casas dava-se apenas pela transmissão hierárquica de cargos. O Huntolóji foi fundado com a autorização e a participação de Kposúsi Romaninha.


Kwe Seja Hundé

JEJE NO RIO DE JANEIRO

O Seja Hundé, também conhecido como Roça do Ventura ou Roça de Baixo, foi fundado por volta de 1890 em terras vizinhas à Roça de Cima, por Gaiaku Maria Ogorensi, ajudada por sua mãe-de-santo Ludovina Pessoa. Gaiaku Maria Ogorensi era consagrada ao vodum Bessen e fazia parte da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Auxiliaram-na nas atividades do terreiro, suas irmãs-de-santo sinhá Abalhe, de Bessen e Maria Romaninha, de Kposú, do Bogum. Após o encerramento das atividades, os membros da Roça de Cima juntaram-se ao Kwe Seja Hundé. Gaiaku Maria Ogorensi faleceu por volta de 1920. O terreiro ficou fechado até a década de 1930, quando sinhá Abalhe assumiu a direção e recuperou o prestígio do Seja Hundé. Foram iniciados inúmeros barcos de vodunsi, dentre eles o famoso Antônio Pinto de Oxum, também conhecido como Tata Fomotinho, responsável por levar o jeje para o Rio de Janeiro. Também foram confirmados ogãs e equedes, tais como Ogã Boboso e Ogã Bernardino, importantes fontes orais da tradição jeje da Bahia. Sinhá Abalhe chefiou o Seja Hundé até 1950, sendo sucedida por sua filha-de-santo Gaiaku Pararasi, que faleceu em 1969 e Gaiaku Vivi Aguessi, sobrinha carnal e filha-de-santo de Maria Ogorensi. Atualmente o Kwe Seja Hundé é dirigido por Gamo Lokosi, filha-de-santo de sinhá Abalhe, consagrada ao vodum Loko.

A tradição jeje no Rio de Janeiro é mais recente que na Bahia ou no Maranhão. O Kwe Kpodabá foi fundado na metade do século XIX por uma africana vinda do Benin. O Kwe Séja Nassó, conhecido por ter iniciado grande número de pais e mães-de-santo de terreiros em todo o Brasil, foi fundado em 1930 por Tata Fomotinho, filho de Gaiaku Maria Ogorensi, do Seja Hundé, de Cachoeira. Os demais terreiros, como os de Djalma de Lalu, Pai Zezinho de Boa Viagem, Jorge de Iemanjá e Tia Belinha, bem como outras casas conhecidas em São Paulo e em outras cidades, surgiram a partir da década de 1960.

Kwe Kpodabá O primeiro kwe jeje de que se tem notícia no Rio de Janeiro é o Kwe Kpodabá, de origem jeje-fon. Foi fundado no bairro da Saúde, em torno de 1851, por Gaiaku Rosena, nascida em Allada, no Benin, e consagrada ao vodum Bessen. O Kwe foi herdado por sua filha-de-santo Untinha de Oiá, que transferiu a casa para o bairro Coelho da Rocha. Com o falecimento de Mejitó Untinha, Glorinha de Toqueno (ou de Oxum) assumiu o Kwe. Foram iniciados poucos vodunsis. Atualmente funciona no bairro Abolição.

Kwe Séja Nassó O Kwe Séja Nassó foi fundado por Antônio Pinto de Oliveira, conhecido como Tata Fomotinho, nas primeiras décadas do século 41


Conclusão XX, no bairro de Santo Cristo. Depois se transferiu para o bairro de Madureira, para finalmente instalar-se em São João de Meriti. Tata Fomotinho de Oxum Deuí é o primeiro vodunsi do sexo masculino iniciado no Brasil. Conta-se que ele “caiu” no santo ao visitar uma fonte consagrada a Oxum no Seja Hundé, em Cachoeira, onde somente mulheres eram iniciadas. Gaiaku Maria Ogorensi foi obrigada a quebrar a tradição e recolher Antônio em um barco formado por oito iaôs. O epíteto “Tata” foi dado em razão de Antônio ter atuado como pai-pequeno na casa de candomblé de Manuelzinho de Oxossi, de nação angola (Tata significa “pai” em banto). Tata Fomotinho iniciou dezenas de barcos e filhos-de-santo. Foi o responsável por diversas inovações nos ritos, dentre elas a instituição do “hudjé” ou “decá” e a permissão para o ebomi ou a ebami (com mais de sete anos de iniciados) abrirem nova casa. Alguns vodunsis inciados por Tata Fomotinho tornaram-se tão célebres quanto ele, e abriram casas de candomblé no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e outras capitais brasileiras: Jorge de Iemanjá fundou o Kwe Ceja Tessi; Pai Zezinho da Boa Viagem fundou o Terreiro de Nossa Senhora dos Navegantes; Tia Belinha fundou a Colina de Oxossi. Além desses, Amaro de Xangô, Djalma de Lalu, Jorge de Oxóssi, Orlando de Omolu, Jorge de Omolu, Durval de Logun, Joana de Ogum, Petronílio de Oxossi, Luiza de Oxum, Fernando de Oxaguian, Cavalcante de Oxalá e João d’Ogum.

42

Os jejes tiveram forte influência na formação do candomblé praticado atualmente no Brasil. Os cultos jejes predominaram por um longo período histórico. A partir do início do século XX, os terreiros de tradição jeje quase desapareceram devido a vários fatores, tais como o rigor na transmissão dos preceitos, a longa duração da iniciação dos vodunsis, a estrutura hierárquica basicamente familiar, as dificuldades na transmissão do decá e o falecimento dos últimos líderes religiosos de origem africana. Além disso, a partir de 1930, houve um processo de hegemonização dos candomblés de origem iorubá, causado em grande parte pela influência de artistas, intelectuais e estudiosos que promoveram cultos e casas queto-nagô em detrimento das demais nações, em especial os jejes e os angolas. No entanto, a tradição jeje sobreviveu na Bahia, Maranhão, Rio de Janeiro e em outras cidades e capitais brasileiras. Estudos, principalmente a partir dos anos 80/90 do século XX, vêm resgatando a riqueza e a importância dos ritos jejes na formação do candomblé e, consequentemente, o ressurgimento da nação.

Fontes consultadas: Roberto Canduru, Das casas às roças. Marcos Carvalho, Gaiaku Luiza. Mundicarmo Ferretti, Pureza nagô e nações africanas no tambor de mina do Maranhão. Sérgio Ferretti, Querebentan de Zomadonu; A terra dos voduns; Sincretismo afro-brasileiro e resistência cultural. Melville Herskovitz, O panan, um rito religioso de transição afro-baiano. Luís Nicolau Parés, Antes dos orixás; A formação do candomblé. Reginaldo Prandi, Nas pegadas dos voduns; Linhagem e legitimidade no candomblé paulista. Juana Elbein dos Santos, Os nagôs e a morte. Ordep Serra, Terreiro do Bogum.


43


VODUNS, ORIXÁS, INQUICES


A

s divindades das religiões de origem africana são conhecidas como voduns, orixás ou inquices, conforme a área geográfica onde eram cultuadas no território africano ou a nação de candomblé no Brasil. De maneira geral, as divindades representam aspectos da natureza ou antepassados de um clã, cidade ou família em particular. É erro comum tratar voduns, inquices e orixás como se fossem as mesmas divindades com nomes distintos. Apesar das semelhanças, cada uma possui as características de personalidade próprias dos seus elementos naturais, além de cores, vestes, músicas, alimentos, bebidas, maneiras, preceitos, origem e cultos diferenciados. Os orixás são de origem iorubá, grupo étnico que envolve populações que vivem nas regiões ao sudoeste da Nigéria e sudoeste do Daomé. Os voduns são cultuados pelos povos do grupo linguístico ewe-fon, estabelecidos no médio Daomé. Os inquices são as divindades dos povos de origem banto, das regiões de onde se situam Angola, Congo e Moçambique. Os voduns, inquices ou orixás manifestam-se nos iniciados pela incorporação ou transe ritual. Cada pessoa pertence a uma divindade. Pelo oráculo do jogo de búzios o pai ou a mãe-de-santo descobre a qual divindade a pessoa pertence e se a divindade deseja que a pessoa seja capacitada a incorporá-la, após o processo de iniciação.

Inquices Banto é o grupo étnico formado por povos oriundos de regiões da África Austral (dos antigos reinos do Congo, Angola, Luba, Kuba, Lunda, Loango, Matamba, Kakongo e outros) falantes das

línguas quicongo, quimbundo e umbundo. Angola e Congo são as principais nações dos candomblés bantos. Durante o período de formação das religiões afro-brasileiras, o sincretismo ocorreu com maior intensidade entre os bantos, em dois níveis: o primeiro, comum às demais nações, consistiu na identificação dos inquices com os santos do catolicismo; o segundo foi a assimilação do panteão dos orixás iorubás. A identificação ocorreu em nível tão profundo que os inquices passarem a ser conhecidos pelos nomes dos orixás. No entanto, a partir do manifesto de reafricanização ocorrido na década de 1980, os candomblés bantos retomaram a busca das origens e dos vínculos perdidos. Alguns inquices bantos (e sua equivalência aos orixás) são: Aluvaiá, Bombojira, Pambujira, Tibiriri ou Mabilá (Exu) é o mensageiro, o senhor das encruzilhadas, guardião dos caminhos e da comunicação. Intermedia o contato entre os humanos e os outros inquices. Protege a comunidade. Bombojira é o aspecto masculino e Pambujira ou Panjira, o feminino. Incosse ou Roximucumbê (Ogum) é o senhor dos caminhos, do ferro, da guerra e da tecnologia. Mutalacombô, Mutalambô, Amboabilá, ou Tauami (Oxossi) é o senhor da caça e responsável pelo alimento do mundo. Gongombila (Logunedé) é o senhor da pesca. Filho de Mutacalombô e Dandalunda. É também caçador. Zaze, Tariazaze, Kibuko, Panzu, Cassubenganga, Cambalaguanje, Lubandô ou Tata Mwilo (Xangô) é o senhor do trovão e do raio, do equilíbrio, do cosmo e da justiça. 45


Caiangô ou Matambá (Iansã ou Oiá) é a senhora dos ventos, das tempestades e dona dos eguns. Alimenta-se de acarajé, alapatá, acaçá vermelho e aburá. Tempo ou Quitendu (Iroco) é considerado o rei da nação angola. É o senhor do tempo, das estações e da atmosfera. Ligado ao culto das árvores e dos antepassados. Recebe oferendas ao pé da gameleira, jenipapeiro ou cajazeira. Veste palha-da-costa. Os colares são diloguns rajados de preto e marrom. Durante as festas de Tempo bebe-se a meladinha, feita com cachaça, mel de abelha, erva-doce, gengibre e canela. Seu instrumento simbólico é uma grelha de ferro com três pontas de lança. Caviungo, Kingongo, Nsumbu, Kassumbecá, Alojê ou Intoto Asabá (Omolu, Xapanã ou Obaluaê) é o senhor da terra e das doenças de pele contagiosas, da varíola, das febres, da cura dessas doenças e da morte. Intoto é relacionado à terra e ao reino dos mortos. Catendê (Ossaim) é o senhor das folhas, da agricultura e da ciência. Conhece os segredos das ervas medicinais. Dandalunda, Dandaluná, Caiá ou Caialá (Iemanjá) é a senhora das águas do mar. Taraquizunga ou Rodialonga (Nanã) é a senhora da lama e dos pântanos. É a divindade mais velha e mãe das cabeças. Angorô, Angolô ou Hongolo (Oxumaré) é um ancestral mítico. Teria sido o primeiro rei de Luba. É cultuado como o dono da chuva (as águas do céu) e do arco-íris. Adquire personalidade alternadamente masculina e feminina. É identificado com a serpente de duas cabeças. Representa a ligação entre o céu e a terra. É o senhor 46

da transformação e das raízes. Angoroméa é o aspecto feminino. Vunje ou Funzá (Ibeji) é o inquice mais jovem. Representa a felicidade e a juventude. Toma conta dos inciados recolhidos. Seus objetos são guardados aos pares. Protege e faz com que nasçam os gêmeos, ou os impede de nascer. Lemba, Lembadilê, Canjanje ou Lembaranganjê (Oxalá) é o senhor da criação. Lembaringanga é Lemba na fase jovem e Lembafurama na velhice. Remakalungá (Oxaguiã) é um inquice intermediador entre os vivos e os mortos. Também associado aos casamentos. Samba, Quissimbi ou Quissambo (Oxum) é a senhora das águas doces, rios, lagos, cachoeiras e lagoas. Inquice da fertilidade e da fecundação. Às vezes é confundida com Dandaluná.

Orixás Os orixás representam forças da natureza (raios, trovões, ventos, tempestades, água, fogo, fenômenos naturais) e, ao mesmo tempo, seres humanos (reis, rainhas, heróis) divinizados que de alguma forma controlavam aquelas forças. Alguns assistem as atividades humanas primordiais (caça, agricultura, guerra) e outros as doenças, a cura e a morte. O mesmo orixá pode apresentar-se de formas diversas, ou “qualidades” específicas. As qualidades, em termos gerais, representam segmentos de sua própria biografia ou locais onde era cultuado daquela forma. Os orixás do candomblé são:


Exu ou Elegbara, mensageiro dos orixás e guardião dos templos, mercados, casas ou cidades. Representa o princípio de comunicação e expansão. Revelou a arte da adivinhação aos homens. Exu mora nas encruzilhadas, nas aberturas, nas entradas, nas soleiras das portas e nos cantos. É representado por um símbolo fálico de grandes proporções, um montículo, ou uma bola de terra ou argila misturada com cal fincada com ferros pontiagudos, geralmente disposta na entrada do terreiro. As vestimentas são nas cores vermelho e preto, assim como os fios de conta. A Exu são feitas as primeiras oferendas de pipocas, farofa, azeite-de-dendê, mel, cachaça, fumo, água, bodes e galos. Com isso, ele faz a comunicação com os orixás e não perturba a festa. Existem dezenas de qualidades de Exu. O dia da semana é a segunda-feira. A saudação de Exu é Laroiê! Ogum, o guerreiro, é a divindade dos ferreiros, dos agricultores e da tecnologia. Dança empunhando uma ou duas espadas chamadas gubassá e gudaglô, que abrem caminho entre os inimigos. Mora no mato a céu aberto. É o segundo orixá a ser saudado. É representado por ferramentas de ferro forjado, enfileiradas (em números de 7, 14 ou 21), presas em uma haste de ferro. Também representam Ogum as franjas de folhas de dendezeiro desfiadas, chamadas mariwô. Ele dança empunhando a espada, como se guerreasse. As roupas usadas por Ogum são azul-escuro, às vezes com branco. As contas são azul-escuro ou verde, translúcidas. Os alimentos são inhame assado, feijão-fradinho e preto, acarajé ou feijoada em algumas nações. Os animais são o bode, a galinha d’angola e o cão. O dia da semana é terça-feira. Existem pelo menos sete qualidades de Ogum. A saudação de Ogum é Ogunhê!

Oxossi, divindade dos caçadores, filho de Iemanjá. Também conhecido como Odé. É o orixá da fartura. No Brasil é considerado irmão de Ogum e Exu, e rei de Queto. Habita as matas. Carrega arco e flecha em ferro forjado denominado ofá e o eruquerê, feito com os pelos da cauda de boi, cavalo ou antílope. Os movimentos na dança reproduzem uma caçada. As roupas são da cor azul e verde-claro. O colar é feito de contas da cor azul-esverdeado. O dia da semana é quinta-feira. Os alimentos são axoxó, feijão-fradinho torrado, feijão preto com miúdos de carne, arroz, bode, porco, galo e galinha d’angola. A saudação é Okearô! Logunedé, outro orixá caçador. Filho de Oxossi e Oxum. Vive a metade do ano sobre a terra alimentando-se de caça e a outra sob as águas de um rio, comendo peixe. Usa ofá e abebê de latão. Veste amarelo e azul. Os colares são de miçangas leitosas azuis e amarelas alternadas. Os alimentos são axoxó, omolocum, inhame, milho branco. O animal é um bode castrado chamado odá. O dia da semana é quarta-feira. Saudação: Logun! Ossain ou Ossanhe, orixá das plantas medicinais e litúrgicas. É imprescindível em todas as cerimônias. Ossain vive no mato. O símbolo de Ossain é uma haste de ferro com um pássaro na extremidade entre seis setas em forma de leque. Raramente é incorporado. Dança pulando em um pé só. As roupas são das cores verde, rosa, amarelo, marrom, verde e rosa ou vermelho e azul. Usa uma coroa de fitas nas cores do arco-íris. Os adeptos usam colares de contas leitosas listradas de verde e branco ou vermelho e azul. Ossain usa dois brajás de búzios cruzados no peito e pulseiras também de búzios. As oferendas são bodes, 47


galos e pombos. Os alimentos são feijão, farofa, milho verde com mel e azeite. O dia da semana é segunda-feira ou quinta-feira. A saudação de Ossain é Euê-o! Oxumaré, o orixá do arco-íris. É de origem jeje. Representa o movimento e a riqueza. Preside o bom tempo. É ao mesmo tempo masculino e feminino. Traz na mão uma serpente de ferro. Dança apontando alternadamente o céu e a terra. As contas são verdes e amarelas. Carrega o ibiri, uma espécie de vassoura de folhas de palmeira ou uma serpente de ferro forjado. O dia da semana é terça-feira. As comidas são pipoca, feijão com milho, camarões cozidos em azeite-de-dendê e cebola. Os animais são bode, galo e galinha d’angola. A saudação é Arroboboi! Omolu, Obaluaê ou Xapanã, a divindade da varíola e das doenças contagiosas. É o dono da terra. É um orixá de origem jeje, como Nanã e Oxumaré. Está relacionado com todos os tipos de males físicos e suas curas. É associado aos cemitérios, solos e subsolos. A vestimenta de Omolu é o filá, feito de palha que lhe cobre o corpo e o rosto. Traz na mão uma espécie de vara decorada com palha da costa, búzios ou pequenas cabaças, denominada xaxará. Dança com as mãos para o chão, o corpo curvado, cambaleando. Os adeptos usam dois tipos de colares: o lagidibá, feito de pequenos discos pretos enfiados e um colar de contas marrons e pretas, além de brajás de búzios. As comidas são o aberém, carne de bode, galos e pipoca. O dia da semana é segunda-feira. A saudação de Omolu é Atotô! Nanã Buruku, conhecida como “a mãe mais velha das águas”. É mãe de Omolu. Divindade das chuvas, das águas paradas dos 48

lagos e dos pântanos. Sua origem também é jeje. Carrega o ibiri, bastão enfeitado com fitas e búzios. Dança como se carregasse uma criança nos braços. As roupas são das cores branco e azul-escuro. Os colares usados pelos adeptos de Nanã são de contas brancas com listras azuis, além de brajás de búzios. O dia é segunda-feira ou sábado. As oferendas são cabras e galinhas d’angola. As comidas são o anderé, milho branco, inhame, acaçá, aberém, pipocas, mugunzá e pratos preparados com quiabo. Sua saudação é Saluba! Iemanjá, a divindade dos grandes rios e das águas salgadas. É considerada mãe de muitos orixás. Representa a gestação e a procriação. Frequentemente é simbolizada como uma sereia. Traz um abebê em forma de peixe e usa pulseiras de metal prateado. O axé de Iemanjá é assentado sobre pedras marinhas e conchas guardadas em porcelana azul. As roupas são brancas ou da cor rosa e azul-claro. Os colares dos adeptos são de contas de vidro transparentes. As oferendas são carneiro, pato e pratos à base de milho branco, azeite, sal e cebola. Dança representando o movimento das ondas e das águas agitadas. O dia da semana é o sábado. Saudação: Odoiá! Xangô, o deus do raio, do trovão e da justiça. É um rei antepassado mítico dos iorubás. É filho de Iemanjá e Oranian ou de Oxalá. Carrega um machado de duas lâminas estilizado chamado ossé, feito de cobre. Dança com os braços retos e as mãos para cima ou simulando tirar pedras de raio da sacola (labá) e jogá-las ao chão. Os adeptos usam colares de contas vermelhas e brancas. A principal comida de Xangô é o amalá. Os animais são galo, carneiro e cágado. Existem 12 qualidades de Xangô. Sua saudação é Kaô cabiecile!


Iansã ou Oiá, originária do rio Níger na África. Foi outra esposa de Xangô e companheira dele nas guerras. Divindade dos raios, dos ventos e das tempestades. Domina os eguns (espíritos dos mortos) e os transporta ao outro mundo. Dança com os braços estendidos, como que afastando alguma coisa de si. Os símbolos de Iansã são um alfanje e um eruexim com cabo de cobre, e chifres de búfalo. As cores das vestes são vermelho e branco. Os colares de Oiá-Iansã são de vidro da cor grená. Usa pulseiras largas e colar de balangandãs em cobre. As comidas são acarajé e amalá. Os animais são a cabra, a galinha e o conquém. O dia da semana é quarta-feira. São ofertadas cabras. Saudação: Eparrei! Obá, divindade do rio Obá, na Nigéria. Foi uma das três esposas de Xangô. Usa espada e escudo de cobre ou o ossé utilizado por Xangô. Dança cobrindo a orelha esquerda com a mão. Veste vermelho, branco, e, às vezes, amarelo. As contas são amarelo-vermelho leitosas, alternadas. Dia da semana: quarta-feira. A comida é abará ou acarajé com amalá, feijão-fradinho, farofa de azeite e ovos. Os animais são cabra, galinha, pata, conquém. Saudação: Obá-xireê! Euá, orixá do rio e da lagoa Iewa, na Nigéria. É uma iabá guerreira. Tem poucos filhos. Em alguns terreiros é considerada irmã de Iansã e em outros uma cobra, esposa de Oxumaré. Em outros, ainda, é confundida com Oxum. O símbolo é um arpão, uma cobra ou o tacará e uma espada. Usa roupas nas cores vermelho e branco e colares de contas vermelhas e amarelas. As comidas são milho pilado com coco ralado, batata doce, banana frita. O dia da semana é sábado. Saudação: Riro!

Orixá Nanã

Orixá Iansa

Oxum, divindade do rio Oxum, em Ibadan. Orixá das águas doces, da riqueza, da beleza e da fertilidade. Foi a segunda esposa de Xangô. Carrega um leque de cobre na mão, que também funciona como espelho, chamado abebê, e uma espada. O dia da semana é o sábado. São oferecidos a Oxum omolucum, adun, cana e uado, prato feito com pipocas moídas com dendê e mel ou açúcar. Animais: cabra, galinha, pata, conquém. A dança de Oxum é sedutora. Abana-se com o abebê na mão direita, imita uma mulher faceira banhando-se no rio, penteia-se, etc. Usa roupas e contas amarelo-dourado e um colar de balangandãs em latão, além de um argolão e pulseiras do mesmo metal. Saudação: Oraieiê-ô! Ibeji, gêmeos que representam o princípio da dualidade. Em alguns candomblés não são considerados orixás. São os protetores dos gêmeos e dos partos múltiplos. Os Ibeji não incorporam. O símbolo é um cetro duplo, com duas cabacinhas e palma, feito 49


em metal prateado. Gostam de brinquedos. O dia da semana é domingo. As cores das roupas variam entre verde, rosa e vermelho. Os adeptos usam colares de contas vermelhas e verdes. Comem caruru, vatapá, bolos, doces, balas. O animal é a galinha. Saudação: Beje-orô! ou Iaó! Iroco, orixá-árvore de origem nagô. Reside na árvore africana chamada irokò, substituída pela gameleira branca no Brasil. A árvore é amarrada com uma faixa de tecido branco, chamada ojá e as oferendas são depositadas entre as raízes aparentes. Relaciona-se às doenças e ao poder de cura. Os adeptos usam roupas brancas. Os colares são da cor cinza. Uma bengala e um espanador de palha-da-costa representam os instrumentos simbólicos. O alimento é o ajabô, feito com quiabo e mel. Incorpora raramente e dança de joelhos. O dia da semana é terça-feira. Saudação: Iroco-i-só! Oxalá, Orixalá ou Obatalá, deus da criação. Filho de Olorum, o deus supremo. Governa o mundo. É considerado o rei dos Igbôs. Assume duas formas: Oxaguiã, um guerreiro jovem e cheio de nobreza e Oxalufã, um velho que dança quebrando o corpo, joelhos flexionados, apoiado em um cajado chamado paxorô. Oxalufã é patrono da fecundidade. É uma divindade purificadora. A cor de Oxalá é o branco para tudo: roupas, colares, alimentos, metais, animais, etc. Os alimentos são acaçá de arroz, mel, milho branco, farofa, inhame, mugunzá. Os animais são cabra, galinha, pombos e caracóis. O dia da semana é sexta-feira. Oxalá é o último a ser louvado nas cerimônias. Possui dezesseis qualidades. Saudação: Epa babá! 50

Voduns Diferentemente dos orixás iorubás, na África os voduns daomeanos eram cultuados em grupos ou panteões. Os voduns são divididos em três categorias: 1) os ancestrais divinizados, conhecidos como hennu-voduns; 2) as divindades ou forças de caráter pessoal, como Fa e Legba; e 3) as “grandes divindades”, ou “divindades públicas”, que formam quatro grupos principais: o panteão celeste de Mawu-Lissá; o panteão da terra de Sakpata; o panteão da serpente de Dan; e o panteão do trovão e do mar, de Hevioso. Divindades de outras nações são agregadas ou formam um panteão especial, como o caso do jeje-nagô, na Bahia. A seguir a descrição dos voduns das famílias comumente cultuadas nos candomblés jejes: Legba, ou Legbara é o filho caçula de Mawu e Lissá. Ele abre caminho para os demais voduns atuarem. É um intermediário entre os homens e as voduns. Representa a sexualidade. Os iniciados de Legba usam um saiote feito de ráfia, sob o qual carregam um falo esculpido em madeira. Carregam também um espanta-moscas. Togun é um vodum guerreiro. É dono dos metais e dos objetos cortantes confeccionados com ferro e aço. Está sempre acompanhado por Legba. Existem vários voduns da linhagem de Togun. As contas são da cor azul-escuro ou azul-escuro e branco, mas podem variar entre o vermelho e o branco. É associado ao número três. Existem vários voduns da linhagem de Togun. Os dias da semana são segunda-feira ou terça-feira.


Vodum Azauani

Vodum Togun

Gu é o vodum da guerra, da metalurgia, da cirurgia e das escarificações. Tem origem iorubá. Carrega dois sabres: na mão direita, o gubassá, adornado com desenhos místicos, utilizado em diversos rituais, incluindo o culto de Fa para abrir caminho para o mundo dos espíritos; leva o gudaglô na mão esquerda, para defender os filhos dos inimigos. Otolu é um vodum caçador, antepassado mítico da cidade de Savalu. É responsável pela fartura de alimentos. Protege os iniciados quando esses entram na mata, na cerimônia do gra. Azacá é um vodum caçador, da família de Sakpata. É considerado o vodum da agricultura. Usa arco e flecha. As oferendas são bolos de milho, pipoca, frutas, porco, cereais. A cor é o azul. Kpo ou Kposu é o vodum-pantera. É o mais velho da família de Hevioso. É associado à fitolatria. Dança com os dedos em forma de garra e carrega o abagri. Veste uma roupa de palha tingida, trançada com guizos e búzios. Às vezes, é considerado pai de Sogbo. Aizan é um vodum considerado dono dos mercados e dos Vodum Togun

51


Máscara do vodum Bessen Vodum Bessen

espaços públicos e da comunicação. É representado por um montículo de terra coberto de palmas verdes e desfiadas de dendezeiro. Agué é um vodum caçador. Protege as florestas e os animais, nos quais pode se transformar. É o senhor das folhas. Veste roupa de palha tingida com pequenas cabaças. Sakpata é o vodum da terra e da varíola. Usa palha da costa em suas vestimentas e tecidos estampados sob a palha que lhe cobre o corpo. Gosta de búzios e guizos. Carrega o xaxará, brajás e o laguidibá. Seu colar é feito com chifres de búfalo. Alimenta-se de pipocas, que representam as doenças eruptivas de pele. Azansu ou Azonsu é outro vodum da varíola e das doenças contagiosas com características semelhantes a Sakpata. Também veste a roupa de palha que lhe cobre todo o corpo e rosto, para esconder as chagas e as deformidades da doença. A vestimenta traz também pequenas cabaças penduradas onde estariam guardados os remédios. Carrega o xaxará e o laguidibá. Moscas, mosquitos e besouros são associados a Azonsu. Avimajé é um vodum jovem da família de Sakpatá. É ligado ao tempo. Encaminha as almas para o céu. Usa palhas tingidas de vermelho-claro. Carrega o xaxará. Tohossu é o vodum protetor dos portadores de deficiência. Pertence à linhagem do Rei Akaba, do Daomé. Vive em um reino sagrado subaquático junto com os antepassados. A primeira criança nascida com problemas na formação física foi Zomadonu, que de comanda o grupo de Tohossou. Dan ou Dangbe é a serpente sagrada do Daomé. Encabeça uma família de voduns-serpentes chefiada por Bessen. Os símbolos de 52


Vodum Bessen

Dan são o arco-íris, a serpente píton, uma espécie de ferramenta chamada draka, e um sabre chamado takara. O principal atinsá de Dan é denominado Dangbi, o local onde o arco-íris encontra-se com a terra. Danbala é outro vodum-serpente. Representa o arco-íris do oceano. Move-se entre as águas e a terra, unindo os dois e gerando a vida. Bessen é o rei da nação jeje e o chefe da família de Dan. É o vodum da riqueza, da fortuna e da prosperidade. Imprime movimento ao mundo e faz frutificar a vida. É representado pelo arco-íris. Sua saudação principal é Arrobobo!, que significa “salve o rei-cobra”. Bessen também carrega a draka e a takara ou hungo. Usa muitos colares e brajás de búzios. Sua dança imita os movimentos de uma serpente. Bossalabê ou Bossá é um vodum feminino, irmã gêmea de Bossucó. Mora nas águas doces. É alegre e faceira. Bossucó é um vodum masculino, irmão gêmeo de Bossalabê. Nanã é considerada a Grande Mãe. É a senhora da lama. Associa-se à agricultura, à fertilidade e aos grãos. Representa a vida e a morte. Recebe os mortos e os prepara para o renascimento. Hohô ou Ahô são voduns gêmeos protetores dos gêmeos. Não são iniciados em vodunsis. Sogbô é o chefe da família do trovão e do mar. Utiliza-se do trovão para alertar os homens sobre a insatisfação dos voduns julgadores e sobre o castigo decorrente dos julgamentos. Usa o abi, espécie de saiote feito de palha da costa tingido e uma coroa da mesma palha, com búzios e guizos. Veste um avental pequeno chamado honogô e carrega o abagri, um machado zoomorfo. 53


Vodum Anaê

54

Heviossô é da família dos voduns do trovão. É o vodum dos raios, dos trovões e da justiça. Seus raios destroem cidades inteiras e fulminam os inimigos. Dá a chuva e o calor que tornam a terra e os homens férteis. Averekete é filho de Agbé e Naeté. Habita a arrebentação marinha. Tem função semelhante à de Legba, como mensageiro entre os homens e as divindades do mar. Veste saia comprida e chapéu de palha tingida. Carrega um anzol e o abagri. Aziri-Tobosi é o vodum das águas doces. Às vezes é confundida com o orixá Oxum, a rainha dos rios. Usa contas amarelas e muitos búzios. É simbolizada por borboletas. Naê ou Anaê designa um grupo de divindades femininas das águas doces ou oceânicas. As Naês são vaidosas e exigentes. Algumas são guerreiras, outras caçadoras. Gostam de ficar à beira dos lagos ou de caminhar pelas matas, praias e lagoas. Outras preferem as profundezas das águas. Na África são frequentemente representadas por sereias. Gbe ou Agbe é um vodum do mar, rei ancestral de Oyó e Tado. Os artefatos são búzios e conchas marinhas. Carrega o abebê. Aveji é um vodum guerreiro ligado às tempestades, raios, furacões, redemoinhos, ciclones, maremotos, tufões e erupções vulcânicas e aos ancestrais guerreiros. Tem poderes no reino dos mortos. Usa o eruexim, uma espada curta, com lâmina em forma de meia-lua, e um chicote e chifre de búfalo. Avejidã pode pertencer à família de Dan ou à de Hevioso. Mawu é o princípio feminino criador do mundo, juntamente com o masculino Lissá. Engendrou os voduns para controlar os elementos da natureza. Depois que criou os homens, as enfer-


midades e as atividades que os acompanharam (a pesca, a caça), determinou aos voduns que as administrassem. Lissá é o princípio masculino criador do mundo juntamente com Mawu. Lissá molda o homem e Mawu concede-lhe o erin (a respiração). Julga, castiga e corrige os homens errados, fazendo cumprir as leis de Mawu. Agassu é um vodum ancestral que representa a linhagem real do Reino do Daomé. É o herói mítico que fundou a linhagem dos filhos do leopardo. Aguê é o vodum que representa a terra firme e o deserto. Não tem culto individualizado nem vodunsis. Ajautó, Juntó, Jauntó ou Ujauntó é um vodum feminino sem adeptos consagrados. Preside um importante ritual de iniciação, chamado “tomar hunvé” ou “tomar ajauntó”. Ayizan é um vodum feminino. É dona da crosta terrestre, dos mercados e dos espaços públicos. O dom da palavra e da comunicação é atribuído a Ayizan. Fa é o vodum da adivinhação e do destino. Loko é o vodum-árvore. É o primogênito dos voduns. É cultuado em toda parte. Os vodunsis de Loko são chamados de Lokosi. Podem habitar diversas outras árvores como a sumaúma, o dendezeiro ou o mamoeiro. No Brasil é representado pela gameleira branca. Veste abi, honogô e carrega o abagri. Odé é um vodum da caça. Seu nome é de origem iorubá. É associado a Oxossi e nos é conhecido como Agangá-Tolu, Ontolu ou Atolu. Possun é um vodum-leopardo que vive no pó e na terra seca. É representado pelo tigre.

Vodum Lissá

55


Panteões As divindades jejes constituem famílias ou grupos denominados panteões, cada um deles governado por um vodum. Os grupos ou famílias de voduns variam de acordo com as regiões de culto na África. Além disso, foram readaptados ou reconfigurados no Brasil. Na Casa das Minas do Maranhão, por exemplo, são cinco famílias de voduns. Na Bahia, três ou quatro, dependendo da nação do terreiro (mahi, mudubi, mina ou jeje-nagô).

Panteão da Casa das Minas do Maranhão

Vodum Gbe

56

A Casa das Minas do Maranhão pratica o candomblé da nação jeje-mina. O panteão dos voduns é formado por cinco famílias: a família real ou de Davice, a de Dambirá, a de Queviossô (ou Quevioçô), a de Savaluno e a de Aladonu. A família de Davice é chefiada por Zomadonu, o dono da Casa das Minas. É composta de voduns pertencentes à família real do Daomé. Os voduns mais conhecidos dessa família são: Naê, a mais velha e ancestral mítica do clã; Toçá, Tocé e Jogoroboçu (ou Bossu), filhos de Zomadonu; Dadarrô, o vodum masculino mais velho e avô de Zomadonu; a princesa Sepazin; o cavaleiro, poeta, músico e boêmio Doçu. A família de Savaluno é hóspede da família de Davice. Dentre eles os irmãos Topa, Agongonô (ou Agongonu) e Zacá; e Jotim, filho de Agongonô. A família de Dambirá representa o panteão da terra e das doenças e curas. Os voduns mais conhecidos são Acossi Sapatá,


que conhece todos os remédios; seu irmão Azile; Azonce e Euá, de origem nagô; Lepon e Poliboji, os voduns velhos; e Boça, irmã de Boçucó, ambos adolescentes. A família de Queviossô é considerada nagô. São divindades mudas. Hospedam a família de Aladonu. Os mais conhecidos são: Nanã, a mais velha; Sobô, considerada a mãe da família; Badé, que representa o corisco; Lissá, o vodum dos astros e do sol; Loco, que representa o vento e a tempestade; Abé, também representante dos astros; Ajanutoi, que não gosta de crianças; e o toqueno Averekete. Os voduns jovens são chamados toquenos. Atuam como mensageiros ou ajudantes de outros voduns. Podem ser masculinos ou femininos. A maioria pertence à família de Davice. As Tobossis também fazem parte do panteão da Casa das Minas. São voduns femininos infantis, meninas princesas do antigo Daomé, consideradas filhas dos voduns. Gostam de brincar e ganhar presentes. Seus trajes são muito elaborados, compostos por saias coloridas, pulseiras feitas com búzio e coral, pano-da-costa colorido e o ahungelê ou tarrafa, uma manta feita com miçangas coloridas e presa ao pescoço, além de vários rosários, fios de contas e colares. Os ritos de iniciação das Tobossis são tão complexos que deixaram de ser realizados na Casa das Minas. Muitos voduns são “devotos” de santos católicos: Doçu adora São Jorge; Nochê Sepazim, o Espírito Santo; Averekete, São Benedito; Polibogi, Santo Antônio, e muitos outros. Todos os voduns subordinam-se a Avievodun, o deus supremo. É distante e inalcançável e não possui culto específico. Orixá Oxossi

57


Panteão jeje-mahi da Bahia

Assentamento

58

Entre os candomblés jeje-mahi da Bahia também há variações na composição das famílias. Os voduns agrupam-se em três ou quatro famílias, justapostas em alguns casos, incluindo as divindades “nagô-vodum”, como as iabás Oiá (Iansã), Oxum, Iemanjá e os orixás nagôs Ogum, Oxossi, Omolu, Nanã, Xangô, Oxalá. As variações ocorrem de terreiro para terreiro. Por exemplo: no Bogum de Salvador cultuam-se três grandes grupos: 1) os “Kaviono”, considerados a família real; 2) os “Voduns”, onde se agrupam divindades da família de Dan e de Sakpata e outros como Tobossi e Agué; e 3) os “Nagô-vodum”, incluindo os orixás femininos e masculinos nagôs. No Seja Hundé e no Huntoloji são cultuadas as famílias mudubis ou de Kaviono, a de Dan e os Nagô-vodum. De forma genérica cultuam-se os três grupos mais importantes, liderados pelos chamados “reis da nação jeje”, descritos abaixo. 1. A família de Dan, chefiada pelo vodum serpente Bessen, a divindade nacional dos mahis. Dan é uma divindade múltipla e poliforme, e designa diversos voduns serpentes. Outros voduns da família são: Danbala; Akassu; Ajaçu; Toquém; Akotoquem, considerado rei e pai de muitos dans; Kasu; Insé; Quenquém; Aidô-wedô; Dambala, esposa de Aidô-Wedô e correspondente ao reflexo do marido nas águas; Jiku, o vodun que mora na parte branca do arco-íris e reina no arco-íris da lua; Bossalabê; Ijikum; Bossucô; Euá. Nos terreiros do Seja Hundé e Huntoloji de Cachoeira é cultuado o vodum Dangbe (Dangibi ou Danjebê), diferenciado de Bessen. Dangbe é um vodum ancestral de origem mudubi.


2. A família de Hevioso ou Kaviono, dos voduns do trovão e dos voduns do mar é chefiada pelo vodum do trovão Sogbo. É conhecida na Bahia por família mudubi. Dentre os voduns do trovão incluem-se os filhos de Sogbo: Badé, jovem guerreiro, e Akolombé, que envia o granizo, faz os rios transbordarem e controla a temperatura do mundo; Ajakata, guardião dos céus; Ahangan; Alasan; Kasu-kasu; Sahô; Adeên, guardião das árvores frutíferas; Aquelê; Bessu; Ozô; Kuntê; Dauri; Jokolatino; Hungbó; o vodum-pantera Kpo; o vodum-árvore Loko; e muitos outros. Alguns voduns do mar são: Hunon, o grande oceano, o maior dos voduns; Naeté, das águas calmas da arrebentação, e seu esposo Hou, reis do mar e pais de Averekete; Agbé; Natê, protetor dos pescadores; Saiô, das marés; Topodum; Tcharrê; Aboê; os gêmeos Dotissê e Sarrô; Abê. 3. A família de Sakpata, das divindades da terra, é chefiada pelo vodum da varíola Azonsu. Outros voduns da família são:Toi Akossu, o mais antigo; Azonce, seu irmão; Abrojevi; Ajonsu; Azonodo; Parara; Avimanje; Dada Lansu; Ajanogu; Jagun. Todos usam roupas de palha e são relacionados às doenças. Os voduns da família de Sakpata desempenham papel importante nas feituras dos iniciados.

Fontes consultadas: Olga Cacciatore, Dicionário de cultos afro-brasileiros. Edison Carneiro, Candomblés da Bahia. Gisèle Crossard, Awo, o mistério dos orixás. Sérgio Ferretti, Querebentan de Zomadonu; A terra dos voduns. Raul Lody, O povo do santo; Espaço, orixá, sociedade. Luís Nicolau Parés, A formação do candomblé. Nunes Pereira, A Casa das Minas. Reginaldo Prandi, Deuses africanos no Brasil contemporâneo; Nas pegadas dos voduns. Pierre Verger, Notas sobre o culto aos orixás e voduns; Orixás. Renato da Silveira, Nação africana no Brasil escravista.

59


ORGANIZAÇÃO, HIERARQUIA, RITUAIS E LITURGIA


A

xé é o princípio vital, o poder, a força mágica e sagrada das divindades cultuadas nos candomblés. O axé pode ser veiculado ou estar contido em locais, objetos, elementos da natureza, animais, vegetais, alimentos ou seres humanos. Os pais ou mães-de-santo são os sacerdotes e autoridades máximas de um terreiro de candomblé. Eles detêm o axé e são responsáveis por sua irradiação, seja pelos rituais, pelas oferendas e sacrifícios, pela manipulação das folhas sagradas, pelo conhecimento e transmissão dos preceitos, pela observação dos deveres e obrigações dos adeptos, pelo contato com os diversos elementos da natureza, pela imposição das mãos, pela saliva, suor ou mesmo pelos gestos e palavras pronunciadas. O espaço físico onde o axé é plantado, alimentado, mantido, desenvolvido e distribuído, denomina-se roça, terreiro, casa ou rumpame, no caso dos jejes. Porém, não é apenas o espaço físico composto pelas construções e pela mata. O terreiro somente se constitui plenamente após o assentamento do axé. Assentar o axé consiste em depositar, em local específico, artefatos, objetos, alimentos, oferendas sacrificiais consagrados à divindade principal, em ritual coordenado pelo sacerdote, detentor e zelador do axé. Depois, as demais divindades são assentadas da mesma forma. Além do espaço físico e dos assentamentos, o axé do terreiro é conservado e expandido pelo grupo de pessoas denominado família-de-santo. É uma espécie de clã que se reúne em torno do pai ou mãe-de-santo, que recebeu o axé de seus antepassados espirituais. A família-de-santo reproduz em termos gerais a estrutura, os padrões hierárquicos, as relações interpessoais e os modelos da família biológica.

O terreiro é o produto da combinação harmônica dos diversos elementos portadores de axé. O axé expande-se e se fortifica com as combinações das qualidades e das significações dos elementos que compõem a casa: o espaço físico, o poder das divindades assentadas, a observação dos preceitos pela família-de-santo, tudo coordenado pelo chefe espiritual.

Terreiro Cheguei ao barracão, amplo e caiado de branco como os outros que conheço, e uma placa esmaltada continha o seguinte letreiro: “Fazenda Ventura”. A ausência de vizinhos próximos fazia com que aquela imensidão de mata evocasse as histórias dos voduns ali venerados há séculos. Comecei observando uma jaqueira, que uns três homens de braços abertos talvez fossem necessários para circundar. Nessa árvore mora Gu, vodum da guerra e das estrelas. Uma cajazeira igualmente grande é o vodum Averequete (...). Um cacto é Aizã (vodum dos mercados). A morada de Loco (vodum do tempo) é uma combinação de pitangueira e cacto. Outra cajazeira é o assento de Sogbô (...). Uma construção de taipa e palha de coqueiro é o peji de Entoto (vodum da terra). Um pouco mais afastados, estão alguns quartos, que recebem os visitantes e filhos do terreiro no período das festas, além de uma cozinha dedicada à culinária sagrada dos voduns. 61


Em um pequeno rio estão os assentamentos de Aziri e Nanã, voduns das águas. No meio da mata, os de Avissaje e Possu, voduns da terra. O despojamento das construções e a natureza generosa garantiram uma emoção muito forte em presenciar um pouco de um terreiro tão tradicional, dono de uma cultura invejável. Os animais soltos na roça, como galos, galinhas e cabritos, contribuíam para uma melhor relação dos homens com as coisas da natureza. (Raul Lody, trecho de nota em Candomblés da Bahia, de Edison Carneiro). A longa citação acima descreve a visita de Raul Lody a um dos rumpame jeje mais tradicionais da Bahia. O texto espelha a configuração espacial padrão da maioria dos terreiros de candomblé. Mas além do aspecto técnico, traduz a emoção muito forte sentida pelo autor, semelhante à de quem entra pela primeira vez no espaço sagrado. O terreiro é o templo do candomblé. É um microcosmo autônomo, onde estão fixados os assentamentos das divindades, que concentram e irradiam a força mágico-sagrada do axé. As divindades do candomblé são manifestações dos elementos naturais. O contato com a natureza é imprescindível. “Sem natureza não há candomblé” é uma expressão corrente entre o povo-de-santo. Por isso, a maioria dos terreiros, em especial os jejes, localiza-se em regiões periféricas dos centros urbanos. Tradicionalmente os terreiros ocupam grandes áreas. Organizam-se a partir de dois tipos básicos de espaço: uma área de 62

construções públicas e privadas, e a “mata”, área verde onde estão as árvores sagradas, os assentamentos de algumas divindades, as plantas de uso medicinal e rituais, as fontes de água. Cada terreiro adapta-se às suas particularidades, que variam desde a topologia (no alto de uma colina, no flanco de uma elevação), até a localização (em área predominantemente urbana) ou às condições socioeconômicas da comunidade. As edificações têm funções religiosa e comunitária. São dispostas segundo modelo semelhante na maioria das casas: as edificações de caráter religioso são o assentamento de Legba/ Exu, em uma pequena construção próxima à entrada; o barracão, onde se realizam as festas públicas; os pejis ou assentamentos das divindades; as camarinhas, runcós ou rundemes, quartos onde os abiãs são recolhidos para a iniciação; a cozinha ritual; e a casa de caboclo. A área comunitária é composta pela sala ou copa, banheiros, cozinha do dia-a-dia, despensa, área de serviço, dormitórios e residência do pai ou mãe-de-santo e/ou de integrantes do grupo. O espaço intermediário entre as construções e a área verde é ocupado por árvores sagradas próximas aos pejis, em áreas destinadas ao cultivo das ervas litúrgicas e medicinais e nos viveiros para a acomodação dos animais destinados aos sacrifícios. A área verde, também chamada de “mata”, é de acesso mais restrito. Nela encontram-se atinsás, alguns assentamentos, plantas de uso ritual e em muitos casos, a fonte, local dos banhos de abô (infusão com folhas sagradas), ou onde é coletada a água para as lavagens rituais ou para o consumo na roça.


Assentamento

Cabaça

Barracão

Pejis

O barracão é a maior construção do terreiro. Nele realizam-se as festas públicas. É dividido em áreas funcionais bem delimitadas: o centro é destinado às danças; em um dos cantos ficam os atabaques; as cadeiras dos convidados e de autoridades religiosas convidadas são distribuídas próximas à cadeira do chefe espiritual do terreiro; e o lugar destinado ao público em geral. Além da entrada principal, o barracão possui ligação interna para os rundemes, a cozinha ritual e os pejis, com acesso restrito aos membros da casa.

Peji é o santuário onde o axé foi fixado, e é guardado e mantido. É o centro espiritual do terreiro. Conjuga-se às demais construções por determinados padrões arquitetônicos. Alguns pejis são externos, em locais apropriados da natureza: em determinadas árvores ou pedras, na mata, próximo à água, etc. Os pejis podem ser individuais ou abrigarem diversas divindades no mesmo espaço. No peji realizam-se os ritos. As oferendas e sacrifícios permanecem no peji por alguns dias, após os quais são retirados, quando então o espaço passa por uma limpeza também ritual chamada ossé.

63


Filhos-de-santo No candomblé as divindades estabelecem contato com os homens por meio da incorporação. O vodum, orixá ou inquice escolhe e determina aqueles que serão instrumento ou veículo da comunicação. O escolhido passará por diversos ritos iniciáticos a fim de aprender os preceitos necessários para receber a divindade. A escolha da divindade é anunciada por meio de sinais particulares: sonhos, visões, doença, objetos surgidos de maneira inusitada, e muitas outras. Ou então quando o candidato “bola” (entra em estado de transe) durante a festa da divindade. Cabe ao pai ou mãe-de-santo interpretar esses sinais por meio do jogo de búzios e dar início, se for o caso, ao processo de iniciação. A vontade da divindade deve ser atendida sempre. Do contrário, ocorrem sanções, problemas relacionados à vida financeira, afetiva, à saúde, trabalho ou até mesmo a morte do escolhido ou de pessoas próximas a ele. Após iniciado, o compromisso é obrigatório e indiscutível. Cada iniciado só pode receber a divindade para a qual foi preparada nos ritos de iniciação. Durante a permanência no terreiro, o filho-de-santo passa por uma série de estados ou graus de iniciação. A cada estágio o iniciado recebe um nome diferente, de acordo com o nível de especialização.

Cargos, funções e hierarquia O líder máximo de um candomblé é conhecido como pai ou mãe-de-santo. Eles são os chefes da família espiritual e centrali64

zam todas as atividades da casa. Detêm o maior conhecimento e experiência e possuem o axé mais poderoso e atuante. Herdaram ou assentaram toda a força material e espiritual do terreiro e por isso são responsáveis por zelar e preservar o axé. A autoridade do pai ou da mãe-de-santo é máxima e é superada apenas pela das próprias divindades. No candomblé queto-nagô, é chamado babalorixá, se for homem, ou ialorixá, se for mulher. Nos candomblés de angola são tata (pai) ou mameto (mãe) de inquice. Para os jejes da Casa das Minas do Maranhão, é nochê (feminino). A líder do candomblé jeje é chamada de Gaiaku, Doné ou Mejitó. Os títulos relacionam-se com as famílias dos voduns cultuados. Se o sacerdote ou sacerdotisa for consagrado a um vodum da família de Dan, é denominado Mejitó. Se pertencer à família de Kaviono/Heviossô será Doné (feminino) ou doté (masculino). Se pertencer à família dos nagô-voduns, será denominada Gaiaku (sem correspondente masculino).

Segundo grau hierárquico O segundo cargo é o de mãe-pequena ou derê dos jejes. No queto são chamados de babaquequerê (masculino) ou iaquequerê (feminino); em angola, tata ou mameto ndenguê, respectivamente. A derê pode substituir a mãe-de-santo em ocasiões especiais. Enquanto a mãe de santo coordena, a derê acompanha o andamento das cerimônias. Nos candomblés nagô-queto, o cargo de derê equivale à ialaxé, aquela que toma conta do axé. O cargo é temporário, ocupado


por uma ebami após a morte da ialorixá, até que seja definida a sua sucessora. Depois da derê vem o cargo de dagã. A dagã pode substituir qualquer cargo superior da hierarquia e auxiliar, juntamente com a iamorô ou sidagã, na cerimônia do ipadê, feita no início das cerimônias. A responsável pelo preparo e distribuição ritual das comidas e das oferendas, desde o recebimento dos animais após o sacrifício, até servir a comida pronta, é chamada iabassê. É a “senhora da cozinha”.

Ogãs Os ogãs são os cargos masculinos. Existem ogãs confirmados e feitos. Os ogãs não entram em transe. A eles são delegadas importantes funções rituais e administrativas. São escolhidos pela divindade. O posto subdivide-se em vários cargos, tais como pejigã, bajigã, ogã impê, ogã kutó, etc. Cada cargo relaciona-se com funções determinadas no terreiro. Dentre os ogãs confirmados estão o pejigã, o axogã e o alabê. O pejigã é o guardião do peji (altar), e tem o mesmo grau hierárquico que o da ialaxé. O pejigã participa dos sacrifícios. Pode existir também o dogã, equivalente masculino da dagã. O ogã-de-faca, bajigã ou axogã é aquele que “corta” o animal sacrificial. O ogã Ipê cuida dos sacrifícios. Há também o ogã responsável pela pintura corporal dos iaôs. O huntó é o encarregado dos cânticos e dos instrumentos musicais. Equivale ao alabê dos nagôs ou ao cambone dos ban-

Ogãs

65


tos. Ele toca os instrumentos sagrados. Deve conhecer todas as cantigas e os toques. As casas menores não possuem um grupo permanente de tocadores. Geralmente convidam alabês de outras casas para tocar nas festas, a troco de pagamento simbólico. Outros ogãs relacionados à música são o dogã, sidogã, dojã, hosegã. Na maioria das casas, a função de fazer o solo nas cantigas das festas é dos ogãs. O jibonã é considerado um “mestre-de-cerimônias. O cargo pode ser ocupado tanto por homens quanto por mulheres. Nesse caso são chamadas ajibonã.

Equedes

Equede

66

As equedes (ekedjis) são os equivalentes femininos dos ogãs. Apesar de iniciadas para um determinado vodum ou orixá, também não entram em transe nem se vestem como as vodunsis. São preparadas e consagradas para o serviço de todas as divindades. Existem equedes feitas e confirmadas. A diferença é que a equede feita passa pelos ritos de iniciação idênticos aos da iaô e a confirmada por ritos mais simples. Ambas aprendem as práticas do culto da mesma forma que qualquer outro membro do grupo. Elas cuidam do santo, atendem a filha no momento do transe, ajeitam-lhes as roupas, enxugam-lhe o suor do rosto com uma toalha, o símbolo de sua função. Além disso, exercem inúmeras outras funções e trabalhos na casa.


Equede Célia

67


Iaôs e abiãs Após esses cargos, vêm, na hierarquia, os filhos e filhas iniciados, conhecidos como vodunsis no jeje, iaôs para os nagôs ou muzenzas para os bantos. Apesar de não haver diferença hierárquica, nos candomblés jejes as filhas possuem um papel de maior destaque. Elas são uma espécie de “cartão de visita”. Os filhos, nos candomblés tradicionais da Bahia, raramente dançam na roda, a não ser manifestados pelo vodum. Abiãs são os filhos ou filhas-de-santo não iniciados, mas que já passaram por ritos primários, como a lavagem de contas e o bori.

Iaô Ibilé

Saída de iaô

68

Iaô


69


Convidados do caboclo para festa de santo

Festa com ebami Togun

Festividades A festa pública é o evento que dá visibilidade ao candomblé. Diferentemente das obrigações privadas, ela tem caráter de espetáculo. As festas cumprem um calendário ou ciclo anual fixo. Podem ocorrer entre o final de um ano e o início de outro ou ao longo do ano, exceto no período da quaresma. Além do calendário fixo, realizam-se as festas de saída de iaôs, de obrigações de anos, da divindade da casa ou da mãe-de-santo, para os caboclos ou erês e muitas outras. Na festa pública, os filhos-de-santo incorporados pelas divindades dançam paramentados, ao som das canções rituais acompanhadas dos instrumentos de percussão, diante da plateia composta por familiares, frequentadores e convidados de outros terreiros. As festas são precedidas de rituais privados: primeiramente os sacrifícios e as oferendas, quando os alimentos votivos e o animal 70

sacrificado são preparados. Parte da oferenda é depositada no peji ou assentamento e o restante consumido durante a festa. Em seguida ocorre o ipadê. Tem como função homenagear Legba/Exu, para que ele faça a comunicação com as divindades e não perturbe a ordem da festa. Consiste em cânticos e danças em torno da oferenda, que será levada para fora do salão. Então tem início a parte pública da festa, com os toques, as canções e as danças de invocação e a incorporação de todas as divindades, em sequência: o orixá da guerra e dos metais Ogum e os voduns Togun, Gu e Guda; os voduns caçadores Agué e Odé; os voduns da terra e da varíola Sakpata e Azonsu; as iabás Oxum, Iemanjá e Oiá; os voduns do trovão Sogbo, Badé, Loko e Kpo; Bessen e os voduns da família de Dan; a mãe mais velha das águas, Nanã; Lissá e Oxalá.


Jeová

Há um intervalo, onde é servido lanche. Após o intervalo, a divindade principal homenageada e as demais são novamente invocadas a dançar no barracão, agora paramentadas com suas roupas e adereços. Entre as danças, a divindade principal traz parte da oferenda recebida anteriormente – acaçás, aberéns, acarajés – e distribuem aos filhos e filhas, aos ogãs tocadores, às abiãs e ao público assistente. Depois de dançarem por algumas horas, são tocados os cânticos finais, encerrando a festa. Segue-se o ajeum, um jantar oferecido aos membros do terreiro e aos convidados. Os candomblés jejes realizam poucas festas públicas. As principais são o Boitá, geralmente em janeiro, e a fogueira de Sogbo e Badé em junho. O vodum Bessen também tem sua festa anual, cuja data varia em cada rumpame.

Mesa de festa

71


ELEMENTOS DO CANDOMBLÉ Possessão / transe O estado de transe está presente em todo o processo de iniciação. Ocorre a cada vez que o iniciado incorpora a divindade à qual foi consagrado. Por meio dele a divindade adquire o controle sobre o corpo e a mente do iniciado. O controle sobre o fenômeno do transe é obtido através da longa aprendizagem ocorrida durante o período de recolhimento. O iniciado entra em transe ao ouvir as cantigas e os toques dos atabaques de sua divindade. Ocorrem modificações corporais: a postura e a expressão do rosto alteram-se; as pupilas dilatam-se ou se contraem; o pulso acelera-se; a sensação de dor reduz-se. O iniciado torna-se simulacro da divindade.

Sacrifício O sangue dos animais sacrificados alimenta o axé da divindade. Consequentemente o axé é veiculado e distribuído no ritual. O sacrifício é realizado por uma pessoa especializada, chamado de axogã. Cada divindade recebe seus próprios animais, de duas ou quatro patas. O sexo do animal deve ser o mesmo da divindade que o recebe. Variam também a maneira e os instrumentos utilizados nos sacrifícios.

Arranjo votivo

72


Comida votiva

Oferendas As oferendas são alimentos depositados nos assentamentos, no intuito de homenagear, atender alguma determinação, pagamento ou contrapartida à intervenção da divindade na realização de algum desejo ou pedido. O jogo de búzios indica a composição dos ingredientes da oferenda. Cada ingrediente, combinação de ingredientes, ou forma de preparo, tem significado e função específicos.

Instrumentos musicais No candomblé os sons dos instrumentos musicais são condutores de axé. Para isso os instrumentos passam por ritos de consagração e recebem sacrifícios e oferendas regulares. Geralmente são tocados três instrumentos: o agogô, a cabaça ou xequerê e os atabaques.

O som e o ritmo produzido pelos atabaques são considerados uma linguagem que estabelece a comunicação com o mundo das divindades. Como explica Gaiaku Luiza: É através do vento que circula no interior dos tambores na hora do toque que as divindades se manifestam. O elemento rítmico da música é criado pelos atabaques e agogô, e nos cantos se expressa o elemento melódico (Marcos Carvalho, Gaiaku Luiza). Existem três tipos de atabaques: rum, o maior; rumpi, o médio; e runlé ou lé, o menor. São percutidos com as mãos ou com varetas chamadas aguidavis, feitas de goiabeira, tamarindeiro ou cipó duro. 73


Atabaques

O gã ou agogô é um instrumento de ferro, formado por duas ou três espécies de sinos superpostos e ligados entre si. É percutido com uma vareta também de ferro. O adjá ou adjarin é uma pequena sineta de metal. É formado por uma, duas ou três campânulas compridas. Quando percutido pela mãe ou pai-de-santo ao ouvido do filho ou filha, ajuda na manifestação do vodum ou orixá. O xequerê é uma cabaça comum coberta com uma malha confeccionada com sementes, contas ou búzios. Os diferentes ritmos ou toques são invocações. Cada ritmo tem uma função específica. Os mais conhecidos toques jejes são: o avamunha e o ramunha para a entrada ou saída dos voduns no salão; o adarrum, para induzir a possessão quando as divindades demoram a se manifestar; o sató; o bravum, utilizado como toque de entrada, de saída e para saudações. Toques nagôs-quetos são o alujá, do orixá Xangô, o opanijé de Omolu, o aguerê de Oxossi, o ijexá, de Oxum, e muitos outros. Alguns toques bantos são o barravento, a cabula, o rebate e o congo.

Danças

Adjarin

74

As danças acompanhadas das cantigas e dos instrumentos de percussão são outro meio de invocar e reverenciar as divindades e possibilitar a sua manifestação. Dança-se em círculo, com movimentos basicamente de braços e pernas para o centro do círculo. Os iaôs são dispostos em ordem de senioridade. O repertório de danças no candomblé é extenso. Varia de acordo


saudações e em tantas outras designações, desde a terminologia ritual e hierárquica até a designação de animais, alimentos ou objetos sagrados. É impossível manter conversação na língua do candomblé. A eficácia das palavras não está no significado perdido, mas na pronúncia correta no momento adequado do rito.

Vestuário Atabaque tocado dom aguidavi

com o toque diferenciado dos atabaques. Obedece a uma ordem denominada xirê nos candomblés quetos. Dançam-se duas ou três cantigas para cada divindade. As divindades manifestadas têm a sua maneira própria de dançar e possuem coreografias diferentes.

Língua A língua original das diversas etnias africanas foi perdida com a diáspora, durante os séculos da escravidão e com o passar das gerações após a libertação. Conservaram-se, no entanto, um vocabulário próprio, frases ou textos nas cantigas dos rituais, formada por diversas línguas de origem iorubá, expressões jejes e a milonga dos bantos. Esse repertório de palavras e expressões é utilizado nos cantos de louvação das divindades, cantigas, rezas, bênçãos,

No dia a dia, as mulheres no candomblé usam roupas simples, chamadas “roupas de ração”. Geralmente são brancas, confeccionadas de algodão ou morim. Compõem-se de saia comprida rodada, camisu, calçolão (bermuda larga amarrada à cintura por um cordão), pano-da-costa e o ojá (tira de pano enrolada na cabeça). Os colares de contas geralmente estão dentro da roupa, em contato com a pele. Nas festas públicas as iaôs ou vodunsis dançam com o mesmo tipo de roupa, porém mais elaborada, como saias estampadas mais rodadas e volumosas, nas cores das divindades, sobre várias anáguas, camisus bordados ou rendados, e sempre descalças. As roupas da mãe-de-santo são mais elaboradas. As saias são bordadas de richelieu e os turbantes (torço ou ojá) são bordados, ornamentados e presos por grandes laços. A bata é usada por cima do camisu e sandálias. O corte das vestimentas masculinas é mais simples. Os homens vestem túnicas ou camisetas e calça. Nas festas usam túnicas longas bordadas, em estamparias nas cores das divindades e equetés. 75


Além das roupas comuns existem as vestimentas e as insígnias das divindades. Como tudo no candomblé, a confecção e o uso obedecem a um rigoroso complexo de indicações técnicas, materiais e regras religiosas. São cuidadosamente guardadas nos pejis e utilizadas em ocasiões especiais como as festas públicas.

e favas, milho, farinhas, ovos, verduras, gergelim, amendoim, frutos como o melão, melancia e uma infinidade de ingredientes e temperos são largamente utilizados.

Alimentos

Folhas, raízes, caules, sementes e cascas são preparados nos mais variados processos – secos, torrados, moídos, em infusão, utilizados em banhos, lavagens e bebidas, como ingredientes em quase todas as atividades de um terreiro. Como os alimentos, cada erva ou folha é sagrada e está vinculada aos rituais ou à divindade a ela relacionados.

O termo “comer” tem o significado de oferenda. Tudo “come” em um terreiro de candomblé: as divindades, a cabeça do iniciado, os assentamentos, os objetos pessoais de rito, o próprio espaço do terreiro. Para o estudioso Raul Lody, comer equivale a zelar, manter os princípios que fazem o próprio axé, enquanto a grande unidade, a grande conquista do ser religioso do terreiro. O corpo e o espírito são alimentados. O alimento é um importante veículo para a transmissão e distribuição do axé. Estabelece e reforça os vínculos com a ancestralidade, as divindades e os membros do terreiro. A preparação dos alimentos é ritual. A cozinha e os utensílios nela organizados são considerados sagrados. A manipulação dos alimentos obedece preceitos, interdições e regras. Todos os detalhes são considerados: a forma dos tubérculos, o tipo e o tamanho dos cortes, as partes do animal sacrificado, a combinação dos ingredientes e temperos, os procedimentos ou as palavras pronunciadas durante ao preparo. O azeite-de-dendê é a base para a quase totalidade dos pratos. Moluscos, peixes, camarões secos, quiabo, inhame, cebola, feijões 76

Folhas

Quizilas Quizilas são o conjunto de tabus ou proibições - gestos, alimentos, comportamentos, hábitos de higiene, vestimentas, e uma infinidade de outras - impostas ao abiã/iaô para que esse não contrarie os fundamentos e preceitos da divindade e da casa onde foi iniciado e, assim, seja protegido de influências negativas e maléficas.

Rituais de Iniciação Os ritos de iniciação ou feitura são aqueles nos quais a pessoa é preparada para incorporar a divindade. São considerados uma ruptura com o passado do candidato, que morre simbolicamente para renascer sobre a proteção da divindade. A iniciação ocorre


em etapas com aspectos rituais diferenciados, de acordo com a nação do candomblé. A divindade escolhe o candidato conforme os sinais mencionados anteriormente. A mãe-de-santo joga os búzios para confirmar a escolha. Então confecciona o fio de contas apropriado, que passará pelo ritual da lavagem. Em seguida é dado o bori. A passagem por esses ritos iniciais transforma o aspirante em um abiã.

Lavagem das contas O colar de contas é o símbolo da ligação entre a divindade e o abiã. É confeccionado com contas de vidro, sementes ou corais nas cores e formatos de cada divindade. A confecção envolve vários rituais e preceitos: a quantidade, a combinação das cores e a disposição das contas, a forma de ser fechado, a quantidade de voltas. O colar somente pode ser usado pelo filho-de-santo e não pode ser tocado por outra pessoa. A lavagem das contas é um rito de “energização” ou transmissão de axé. O colar permanece por um período no peji, recebe sacrifício, para depois ser banhado em água lustral, infusão de folhas e sabão-da-costa. Somente depois desse período passa a ter significado religioso.

Bori

(ori odê). É o segundo estágio para a iniciação. A principal função do bori é equilibrar os elementos da cabeça, a fim de fortalecer o espírito e a identidade do iniciado. Por isso o bori pode ser dado em qualquer pessoa, independentemente da criação de vínculo com a religião. O sociólogo Roger Bastide descreve um bori: “A pessoa que a faz realizar senta-se numa esteira recoberta de pano branco, com o torso nu e uma simples toalha nos ombros. O sacerdote, igualmente vestido de branco para a circunstância, consulta primeiramente os obis, para conhecer a vontade dos deuses. Se estes aceitarem a cerimônia, começará por recitar, ‘em língua’, as fórmulas consagradas, pedindo a bênção dos orixás e das almas dos antepassados. (...) Enquanto os assistentes entoam cânticos apropriados, diversos alimentos são preparados: parte será oferecida ao orixá ‘dono da cabeça’, outra aos mortos, outra será disposta sobre a cabeça de quem faz realizar o bori, e a última enfim será cozida para a refeição final (...). A cerimônia termina por nova consulta aos obis, a fim de saber se os deuses estão satisfeitos e aceitam o ritual celebrado, sendo então consumida a parte das oferendas que foi cozida. O paciente (...) deve ficar a noite toda no terreiro, conservando na cabeça pequena parte dos alimentos para que o orixá tenha tempo de comê-los”.

A cabeça é a parte do corpo onde a divindade será fixada pela “mão” do pai ou mãe-de-santo. Bori é o rito de “dar de comer à cabeça” 77


Iniciação Depois da lavagem de contas e do bori ocorre a iniciação propriamente dita. O candidato é despojado de suas roupas, banhado em água lustral, ao ar livre. É recolhido a um aposento especial no barracão, chamado de quarto de santo (rundeme, runcó ou camarinha), onde ficará vários dias em estado letárgico de transe entre a possessão pela divindade e pelo erê, entidade de caráter infantil que acompanha o vodum. O candidato permanecerá isolado por um tempo que pode variar de sete a vinte e um dias. Nos primeiros candomblés o recolhimento podia estender-se de seis meses a um ano. Nesse período a divindade será gradativamente fixada na cabeça do filho ou filha. O abiã tomará banhos de ervas de madrugada; receberá sacrifícios de animais; será depilado ou raspado; receberá na pele marcas de caráter sagrado; o corpo será pintado; entrará em contato com os fundamentos religiosos, aprenderá as obrigações; ensaiará os cânticos e danças; aprenderá a alimentar a divindade; receberá o quelê, colar ou pulseira feita de palha da costa trançada, a ser usado após a iniciação. Depois de iniciado, o abiã passa a se chamar iaô. É apresentado em uma festa pública, onde anuncia o novo nome recebido (huin no jeje ou orunko no queto), pelo qual será chamado por todos os outros membros da casa. Nas casas mais tradicionais, o iaô é tratado por esse nome até a obrigação dos sete anos. Após isso, passará a ser denominada ebami, se for mulher, ou ebomi, homem. Somente após as obrigações dos sete anos é que a ebami estará preparada para alcançar outros postos na hierarquia da casa. No caso dos jejes, receberá o colar de contas denominado hunguelê/hunjebe. 78

A iniciação nos candomblés jejes ocorre com menos frequência que nos nagôs. Uma característica dos jejes é iniciar poucos barcos. Isso se dá para que os segredos do culto não sejam disseminados em demasia. A tradição da Casa das Minas do Maranhão é mais restrita ainda. Há largos intervalos de anos entre a formação dos barcos.

Barco A iniciação é feita coletivamente, ou seja, vários abiãs são recolhidos e feitos ao mesmo tempo. Este grupo é denominado barco. A ordenação do barco é o início da definição da hierarquia e senioridade entre os filhos-de-santo. Após recolhidos, os noviços são incitados a “bolar” no santo, por meio de cantigas de invocação. A ordem em que os candidatos incorporam será a mesma da entrada no rundeme, conforme as seguintes denominações: • Dofono • Dofonotinha • Fomo • Fomotinha • Gamo

• Gamotinha • Vimo • Vimotinha • Domo / Trimo • Domotinha / Trimotinha


Ao final, os iniciados passam a ser irmãos de barco. Nos candomblés jeje, os barcos são formados geralmente em números ímpares. É frequente também o barco de um só aspirante. Quando ocorre, é chamado hunvá.

Oralidade Os fundamentos durante o processo de iniciação e em diversos outros momentos da formação da vodunsi são transmitidos oralmente. A linguagem oral é associada a um complexo sistema de gestos, expressões, movimentos corporais. Cada palavra proferida é única. A fórmula verbal apropriada, pronunciada em um momento preciso, induz à ação. A palavra conduz e transmite o axé.

Ritos paralelos No período de iniciação a vodunsi passa por diversos atos ou obrigações, ou ritos paralelos, tais como o sarapokan e o gra. O sarapokan ou sapokan ocorre alguns dias após a entrada no rundeme, antes da raspagem. O iniciado entra no salão manifestado no vodum e dança de forma desgovernada, ao som dos atabaques. O rito simboliza a superação das primeiras provas da iniciação. É a formalização da entrada da vodunsi na iniciação e a aceitação por parte da família. O gra acontece no último período de iniciação nos candomblés jeje e angola. Consiste em uma “prova” externa em que o iniciado incorpora o gra, um espírito elementar violento da natureza. A

prova consiste em o candidato passar entre três e sete dias no mato, sendo vigiado de longe pelos ogãs ou equedes. O iaô fica agressivo e tenta matar a mãe-de-santo. Quando aproxima-se da casa, ele é provocado e excitado pelos filhos-de-santo. Antigamente o gra durava três dias. O tempo de duração foi reduzido para algumas horas. Alguns terreiros realizam o gra apenas simbolicamente, com um ebó.

Saída Finalizando o ciclo iniciatório, há o rito de saída. É quando a iaô demonstra tudo o que aprendeu durante o recolhimento e expressa publicamente o vínculo criado com a divindade. A festa é dividida em três etapas: 1) a saída do rundeme, quando os iniciados vestem-se de branco ou com as cores da divindade, com a cabeça raspada e descoberta, portando as insígnias e pintados com os sinais de seus inquices, orixás ou voduns; 2) quando os iniciados saem vestidos com as roupas específicas das divindades; 3) quando o nome dado pelo orixá, vodum ou inquice é pronunciado pelo iniciado, em voz alta, para todos os assistentes, que saúdam entusiasticamente o novo filho da casa. Ao final da festa da saída é realizado um banquete comunitário.

79


Saída de iaô

Voduns Bossalabê e Aveji

80

Vodum Aveji dando o huinin acompanhado de Pai Maximiniano


Vodum Aveji

81


Erês

Quitanda das iaôs (ou dos erês)

Os erês são entidades ou espíritos de caráter infantil que os iaôs incorporam durante o recolhimento e no período subsequente. Trazem mensagens da divindade do recém-iniciado. Chegam logo após terminado o transe do vodum. Os erês acompanham o iniciado por toda a sua vida, e voltam a incorporar em momentos ou rituais específicos. Cada divindade tem seu erê. O erê é o intermediário entre a pessoa e a sua divindade. Age como uma criança, gosta de brincadeiras, fala em uma linguagem caraterística. O iniciado aprende com ele fundamentos da religião, como as danças e os ritos específicos de seu vodum ou orixá. Mejitó Edanken descreve como foi o primeiro contato com seu erê, aos quatro anos de idade:

A quitanda das iaôs ou dos erês é outro rito comum aos jejes e angolas. Assemelha-se ao panan dos quetos. Possui caráter lúdico. Depois de alguns dias após a saída, os iaôs incorporados por seus erês simulam situações onde reaprendem as atividades cotidianas. Os erês brincam com instrumentos e ferramentas, fingindo passar roupa, costurar, cozinhar; escolhem cônjuges entre os assistentes; negociam preços e vendem alimentos ou frutas; defendem seus bens enquanto a plateia tenta roubá-los; quando flagram um furto, batem no ladrão com um cipó.

Ele vinha nos meus sonhos, um menino preto, careca, ele falava: “uma hora eu vou te pegar”. Eu achava engraçado porque ele falava assim: “meu du menivo, eu vavo te pegavo”. Na minha família não tinha ninguém que pudesse me esclarecer, todos com formação cristã tradicional, não tinha para onde recorrer. Essas coisas só me foram respondidas muito tempo depois. Só depois que já tinham me raspado, eu já tinha passado pelos banhos lustrais, pelos rituais, já tinha passado por tudo, o santo já tinha ido para o salão, dado o nome foi aí que eu senti que alguma coisa me pegava, mas eu não sabia o que era aí foram me explicar que eu tinha um erê e que ele se chamava “Veneno”.

82

Senioridade O aprendizado prossegue por toda a vida do iniciado. No decorrer do tempo, serão realizadas várias obrigações, após um, três, cinco, sete e vinte e um anos da iniciação. Aos sete anos a ebami obtém a sua maioridade espiritual. Pode ser escolhida para desempenhar funções especializadas no terreiro. Em alguns casos, estará apta a receber o decá, título e objetos rituais específicos que lhe conferem o direito de abrir um novo terreiro e iniciar os seus próprios filhos-de-santo. Para os jejes não há esse momento específico. A fundação de um novo terreiro depende da vontade expressa dos voduns, e somente ocorre quando a vodunsi está devidamente preparada, independentemente do tempo de senioridade, porém nunca menor do que os sete anos.


Ritos fúnebres

Fa

No candomblé a morte não significa extinção total. Morrer é uma mudança de estado, de plano de existência e de status. Para os africanos, os ritos mortuários são de importância essencial. O último rito é o sirrum ou zerrin dos jejes (conhecido pelos nagôs como axexê). É feito para que a divindade possa desligar-se da cabeça da ebami ou vodunsi. Tem também a intenção de encaminhar o espírito do adepto para o mundo dos mortos, com o objetivo de conscientizá-lo da morte. O rito fúnebre assemelha-se ao da iniciação. As insígnias e os adornos da divindade são colocadas junto ao defunto. O sirrum varia em duração e complexidade de acordo com o grau de senioridade.

Fa é o nome da divindade que preside os oráculos dos jejes. Para os iorubás é Ifá. Opelê é o instrumento de Fa. Trata-se de um colar feito com uma quantidade determinada de búzios ou sementes. Atirado ao chão, conforme a posição que caia, determina um significado futuro.

Oráculo A divindade a qual pertencerá o iniciado é confirmada por meio do oráculo. O oráculo pode ser consultado também para a solução de problemas do consulente, para esclarecer a vontade das divindades manifestada em sonhos, pressentimentos ou para compreender ocorrência extraordinária do terreiro. A função oracular é exercida pelo babalaô, o sacerdote de Fa, a divindade do oráculo. Atualmente alguns chefes de terreiros a desempenham.

Babalaôs Babalaô e/ou oluô é o sacerdote de Fa. É um cargo somente ocupado por homens. Os babalaôs são consultados pelas mães-de-santo para confirmar a divindade do filho ou filha a ser iniciado. Cabe a eles predizer o futuro e determinar regras de conduta para os terreiros.

Jogo de búzios O opelê ou rosário de Fa foi substituído pelos búzios soltos, jogados em uma peneira ou bandeja. Também se utilizam outros materiais como as sementes de obi ou de orobô. Passou a ser jogado por mulheres, as mães-de-santo. As inúmeras combinações dos búzios lançados traduzem as palavras de Fa. Joga-se com oito, dezesseis ou vinte e um búzios. Há búzios abertos e fechados. Cada combinação entre eles traduz um odu. Para cada odu há uma quantidade específica de histórias pelas quais a resposta pode ser interpretada. São 16 odus principais

83


que combinados totalizam 256. Cada uma desses 256 direciona a interpretação por meio de lendas específicas. O jogo de búzios precede a quase totalidade das atividades de um terreiro de candomblé, desde a confirmação da divindade do iniciado até a tomada de decisões, a realização das festas, a composição das oferendas e dos sacrifícios e a posterior aceitação desses pela divindades.

Fontes consultadas: Roger Bastide, O candomblé da Bahia. Júlio Braga, Prática divinatória e exercício de poder. Olga Cacciatore, Dicionário de cultos afro-brasileiros. Edison Carneiro, Candomblés da Bahia. Marcos Carvalho, Gaiaku Luiza. Gisèle Crossard, Awo, o mistério dos orixás. Melville Herskovits, O panan, um rito religioso de transição afro-baiano. Vivaldo da Costa Lima, A família de santo nos candomblés jejes-nagôs da Bahia. Raul Lody, O povo de santo; Santo também come; Espaço, orixá, sociedade. Marília Oliveira e outros, Candomblé, natureza e sociedade. Luís Nicolau Parés, A formação do candomblé. Nunes Pereira, A casa das Minas. Reginaldo Prandi, Herdeiras do axé; Deuses africanos no Brasil contemporâneo. Juana Elbein dos Santos, Os nagôs e a morte. Renato da Silveira, Nação africana no Brasil escravista. Pierre Verger, Notas sobre o culto aos orixás e voduns; Orixás; Saída de iaô.

84


85


KWED’BESSENKEN


O

Kwed’BessenKen ou Chácara Arco-Íris foi fundado em 1995. Situa-se no município de Santo Antônio do Descoberto, em Goiás, distante 70km de Brasília. O acesso pode se dar pela BR 060, até a Cidade Eclética, ou pela BR 070, que liga o Distrito Federal a Águas Lindas de Goiás. A roça ocupa a área de seis hectares. É banhada pelo córrego dos Macacos, que deságua no rio Areias, afluente do rio Corumbá. Possui infraestrutura básica (instalações hidráulicas, elétricas, telefone e internet), poço artesiano, gerador, reservatórios de água e antena parabólica. As construções distribuem-se em uma encosta, de onde se descortina o horizonte típico do Planalto Central. São de alvenaria, pintadas de branco, piso e paredes revestidos. A edificação principal rumpame conjuga espaços sagrados e de convívio. Nela está o barracão, onde são realizadas as danças e as cerimônias públicas. O salão é ligado à área interna por dois corredores. O primeiro corredor dá acesso ao kwe Lissá, a dois rundemes (quartos destinados ao recolhimento nos ritos de iniciação) e a um tó (local de banhos rituais). O segundo corredor dá acesso ao dangbe, a um cômodo onde se guardam as roupas e artefatos rituais, à despensa, às cozinhas rituais (equipadas com fogão industrial, freezers e geladeiras) e à área de convívio. A construção é ladeada por uma larga varanda, que liga externamente os cômodos da área de convívio: copa para a refeição dos frequentadores, despensa, cozinhas, banheiros para adeptos e visitantes, área de serviço e lavanderia (onde são passados e engomados os trajes rituais).

Em torno da edificação são distribuídos kwes separados, chamados de aldeia, composta por assentamentos consagrados às diversas divindades. Em torno dos pejis há várias árvores sagradas. Próximo à aldeia ergue-se outro tó. A cerca de 100 metros da casa principal, ergue-se outra construção, pouco menor, também composta de espaços sagrados e sociais conjugados, porém incomunicáveis entre si: a “senzala” (onde os adeptos pernoitam durante os períodos de festa ou de obrigações prolongadas), a casa do caboclo Jetuá, a sala de espera e o kwe de Legba. A casa do caboclo é sombreada por uma árvore da jurema e outros arbustos e plantas medicinais e de uso ritual. A varanda é decorada com elementos característicos: cascos e peles de animais silvestres, plantas nativas e o couro curtido do boi sacrificado na festa anual do caboclo. O interior da casa do caboclo é formado por uma sala retangular, em cujo centro encontra-se o seu assentamento. Em um dos lados ergue-se o altar, contendo, além dos objetos rituais (taças, copos, alguidares, candelabros, etc), imagens de santos católicos (Santo Antônio, Nossa Senhora da Conceição e São José) e imagens de ciganos e caboclos de pena. Próximo ao altar, encontram-se diversos galões contendo beberagens e infusões preparadas pelo encantado. Nas outras laterais da sala são dispostos bancos de cimento, onde os visitantes aguardam atendimento. Ao fundo da sala há uma pequena cozinha. Outra edificação abriga o salão comunitário, onde são realizados eventos de cunho social (festa das crianças), a festa do caboclo. 87


No local são também servidos os jantares após as cerimônias públicas. Contém churrasqueira, fogão de lenha, instalações de cozinha, banheiros e depósito. No terreno distribuem-se ainda a casa do caseiro, a residência da mãe-de-santo, os viveiros, independentes da estrutura arquitetônico-religiosa do terreiro. A área verde corresponde aos atinsás e às plantas rituais, espalhados pela área de circulação do rumpame, porém mais afastados das construções. Os atinsás são cercados e ligados uns aos outros por calçamento. Desce-se a encosta por um caminho íngreme de aproximadamente 500 metros até uma nascente que forma um poço cercado de árvores. Mais abaixo, no limite do terreno, encontram-se a mata ciliar e o córrego, de acesso restrito aos filhos da casa, onde ocorrem rituais e cultos a determinadas divindades.

88


Construção do rancho

Construção do rancho

Ritual externo

Rancho do Boiadeiro no início da roça

89


Senzala, casa caboclo e kwe Bara

90


vista parcial do Kwed’BessenKen

91


CABOCLOS


O

s caboclos, ou encantados, são espíritos dos ancestrais que povoavam o território brasileiro antes da chegada do europeu e do escravo africano. Eles representam o ideal do orgulhoso nativo brasileiro, uma espécie de herói, símbolo de resistência, protótipo daquele que não se deixou escravizar. Estão presentes na grande maioria das manifestações religiosas de origem afro-brasileira: no terecô e no tambor-de-mina do Maranhão, no jarê da Chapada Diamantina, nos catimbós da Paraíba e Pernambuco, nos xangôs e xambás de Pernambuco, na macumba do Rio de Janeiro e região Sudeste, na umbanda e no candomblé. No candomblé há inclusive a nação de caboclo, com ritos e práticas próprias. Porém, neste estudo serão abordados apenas aspectos relacionados às características, às festas, à presença e atuação dos caboclos ou encantados nos terreiros de candomblé e no Kwed’BessenKen. Em termos bastante simplificados, pode-se afirmar que o culto aos caboclos originou-se de dois estágios ou níveis de sincretismo, indissociáveis e simultâneos, entre os cultos de origem africana, a cultura indígena e o catolicismo europeu. O primeiro nível ocorreu pela assimilação, pelos escravos de origem banto, das práticas religiosas e rituais indígenas. Os bantos foram os primeiros escravos trazidos para o Brasil e destinados às áreas rurais, com o objetivo de desbravar e povoar o território. Isso possibilitou maior contato com os indígenas. As tradições religiosas dos bantos e suas divindades eram fixadas à terra africana. Impossibilitados de transferirem as divindades

para a nova terra, adaptaram as suas crenças à religiosidade e às práticas dos índios. O segundo nível ocorreu com o catolicismo, a religião oficial imposta pelo colonizador português, conforme descrito anteriormente. O catolicismo no culto aos caboclos é reafirmado na assimilação de símbolos como a cruz; nos altares com imagens e a devoção das entidades aos santos; e nas orações, bênçãos e louvações proferidas pelos encantados nas práticas rituais católicas (a reza do terço e a ladainha para Nossa Senhora, como ocorre na madrugada do dia da festa do caboclo no Kwed’BessenKen). Mejitó Edanken explica: As pessoas perguntam [ao caboclo da casa]: mas o senhor é espírito?, sou espírito, mas sou católico. Ele reza o terço, a novena, ele é devoto de Nossa Senhora da Conceição e de Santo Antônio, junho é o mês em que se fazem as obrigações para Bessen. Mas no dia 13 de junho nos apertamos porque temos que fazer o pãozinho dele, ele gosta que se reze para Santo Antônio, no dia 8 de dezembro rezamos um terço para Nossa Senhora da Conceição, ele oferece um caldo para os filhos, sempre tem amigos, clientes. Ele é católico, ele deixa isso muito claro para todos, ele não abre mão disso, ele reza os cânticos dele, bem brasileiro. Apenas alguns poucos candomblés jejes e nagô-queto, considerados mais tradicionais, são reticentes. Restringem a participação pública no culto dos caboclos ou mesmo afirmam não 93


cultuá-los, pois, segundo os representantes daqueles terreiros, os caboclos não faziam parte da tradição africana. Tal fato não ocorre no Kwed’BessenKen: Apesar de não estar ligado diretamente ao culto religioso do candomblé jeje, Bessen, o vodum dono da casa, autorizou a presença do caboclo na chácara onde foi construída sua casa, sua Jurema foi plantada e todos os seus “apetrechos” apartados. O caboclo atende os necessitados, auxilia os filhos da casa, ensinando e dando conforto a todos que o procuram. Ele está presente na chácara Arco-Íris desde a sua fundação. (...) Tem essa parte do rumpame que é isolada para ele, ele toca a encantoria dele, tem as juremas dele, tem as coisas dele, o cachimbo, tem a casa independente, e tudo com o aval de Bessen, pois sem isso eu não faria, não teria nem como fazê-lo, o máximo que eu poderia fazer era arriar umas comidas, mas não teria condições de fazer nada além disso, porque o dono da minha cabeça é Bessen, jamais o caboclo passaria na frente de Bessen. (Mejitó Edanken).

Tipos de caboclos e encantados Os caboclos possuem designações ou características que variam de acordo com a modalidade de culto ou região geográfica 94

onde são cultuados. Podem ser de origem indígena pura - os caboclos de pena; mestiços, como os boiadeiros; ou marujos ou marinheiros, trabalhadores de embarcações que navegavam no litoral brasileiro. Existem ainda entidades de outras origens como os encantados e mestres dos catimbós da Paraíba e em Pernambuco, muitos deles representados por caboclos de pena, boiadeiros ou marujos.

Mestres Os mestres eram originalmente espíritos de índios, brasileiros mestiços e brancos. Dentre eles, os espíritos dos primeiros líderes dos catimbós paraibanos ou pernambucanos. São entidades que adquiriram muita sabedoria e conhecimento, em vida ou após a morte. Existem vários mestres e mestras, cada um responsável pelas diversas atividades humanas. São associados às cidades ou aos reinos da Jurema, às plantas sagradas (a juremeira, o angico e outras árvores da caatinga), ou ainda podem ser representados por algum animal da fauna nordestina.

Encantados Encantados são personagens lendários que passaram da vida terrena ao plano espiritual por meio de encantamento. Possuem características de personagens de lendas e mitos europeus, da idade medieval (reis, rainhas, sultões, príncipes, princesas, nobres, caçadores, guerreiros), pescadores, índios, feiticeiros, mestiços,


marinheiros ou animais míticos como o boto ou o martim-pescador. Alguns vieram de lugares distantes ou imaginários, como Portugal, Vizala, Áustria, Turquia ou Hungria. Os encantados formam extensas famílias, compostas por membros com características peculiares nas casas onde são cultuados: família do Lençol, da Turquia, da Bandeira, da Gama, da Baía, do Boto, da Mata, de Codó (cujo líder é Légua-Boji, o caboclo boiadeiro do Kwed’BessenKen), e dezenas de outras. Há uma infinidade de encantados que se manifestam como caboclos.

Marujos ou marinheiros São encantados que possuem características ou atributos de entidades do candomblé, como os eguns (espíritos dos mortos), Exu ou Legba (orixá ou vodum mensageiro). São de origem mais recente, já adaptados às atividades urbanas ditas “civilizadas”. Os movimentos dos marujos ou marinheiros são bamboleantes, causados pelo movimento das embarcações oscilando sobre as ondas. Os encantados são entidades mundanas, mulherengos, gostam de vinho, cachaça ou cerveja. Assemelham-se aos caboclos pelo gosto de conversar, aconselhar e solucionar problemas dos presentes. Ao mesmo tempo, diferenciam-se deles pelo uso de vocabulário debochado e às vezes vulgar. O conhecimento espiritual e sobre as aflições dos vivos foi adquirido pelos marujos nas viagens marítimas pelo litoral brasileiro, que lhe possibilitaram o convívio com índios e negros.

Caboclos de pena Os caboclos de pena são espíritos de índios, considerados os verdadeiros donos da terra. Vivem e desempenham seus trabalhos nas matas e gostam de caçar e pescar. As vestimentas são compostas de cocares e saiotes de penas e peles, colares feitos com dentes de animais, escamas de peixes, frutos secos, sementes e contas (olho-de-boi, lágrima-de-santa-maria), palha e folhas. Carregam flechas, arcos, lanças e machadinhas. Geralmente os caboclos de pena usam nomes de suas tribos de origem: Tupi, Guarani, Janaúba, Jurataí, Amoriganga, Jurema, Oniboiá, Araribóia, Eru, Tumbacé, Tupigoiá, Aimoré, Neive, Tupiara, Caipó, Caeté, Tansagem, Jitirana, Quibanarana. Outros recebem nomes em português, ligados a apetrechos indígenas ou elementos da natureza: Pedra Preta, Serra Grande, Serra Preta, Pena Branca, Pena Vermelha, Cana Verde, Pena Verde, Sete Flechas, Rei das Ervas, Flecha Negra, Flecheiro, Cobra Coral, Nuvem Branca, Rompe Nuvens, Estrela D’Alva, Raio do Sol.

Caboclos capangueiros ou boiadeiros São aqueles que desempenham atividades voltadas ao pastoreio do gado. São fruto da miscigenação entre índios, negros e europeus. Representam o sertanejo nordestino, acostumado a lidar com o gado e enfrentar as agruras da seca. Os boiadeiros são valentes, destemidos e muito ligados às tradições católicas e às normas, regras e valores morais. Vocabulário, hábitos, maneiras, lendas,

95


96


Caboclo Jetuá e ogã

músicas e danças – tudo é relacionado às atividades do pastoreio. Trajam roupas de couro cru, ou detalhes em couro, facão embainhado, canivete e o tradicional chapéu de couro. Seu grito é o aboio. São conhecidos por nomes relacionados às atividades pecuárias ou a regiões geográficas onde essas atividades predominam: Boiadeiro, Capangueiro, Gentileiro, Mineiro, Trovezeiro, Juremeiro, e assim por diante. Na chácara Arco-Íris, atende o boiadeiro chamado Caboclo Jetuá. O caboclo foi herança do pai carnal da Mejitó Edanken. Ele a acompanha desde os nove anos de idade. Os caboclos e as caboclas usam o ojá amarrado à altura do busto ou cruzado no peito, calçolões ou bombachas. As caboclas usam saia arregaçada, com as pontas da barra presas na cintura, e ojá. Apresentam-se bem cuidadas, vaidosas e delicadas. Todas também têm seu grito ao incorporar. Dançam os mesmos ritmos de toques, semelhante aos caboclos. As caboclas mais conhecidas são Jurema, Camaceti, Jupira, Menina, Estrela Dourada, Indaiá (uma índia tapuia que dança com água), dentre outras. Os caboclos manifestam-se em duas ocasiões distintas: nos toques (ou giras) e em sua festa anual. Os toques são cerimônias públicas periódicas (geralmente ocorrem a cada 15 dias) em que eles vêm para trabalhar, para dar consulta aos necessitados. As festas, também públicas, são realizadas para homenageá-los, para que eles dancem e convivam com os devotos e amigos. Caboclos são entidades distintas dos orixás, voduns e inquices. Diferentemente das divindades, que raramente ou nunca se dirigem às pessoas, os caboclos brincam, gostam de cantar, dançar

e conversar. Estão sempre dispostos a fazer caridade e a trabalhar pela felicidade das pessoas. Falam com todos que os procuram para resolver problemas, gostam de ouvir os necessitados. Utilizam-se de uma linguagem acessível, de fácil entendimento. As cantigas são simples, sugestivas, mencionam as matas, utilizam termos e expressões originados do imaginário popular, do catolicismo tradicional e são sempre cantadas em português: Ele gosta de samba de roda como todo bom boiadeiro, como toda pessoa de encantaria, de samba de crioula, coco, porque isso é Brasil, ele é Brasil, é um típico brasileiro, as pessoas deviam entender que isso é o espírito brasileiro, ele tem história tem a energia, o vibratório, a essência dele é da espiritualidade, mas ele tem que ter essa personalidade, o fato dele manter a ligação ao catolicismo, de rezar o terço, de fazer garrafadas que é uma coisa cultural, de índio, de barro, de cachimbo, de flecha, de cabaça. Isso é boiadeiro, isso é caboclo, isso é caboclo de pena, é caboclo da mata, isso é jurema, isso é religiosidade, isso é Brasil, isso é tradição. (Mejitó Edanken). Os caboclos e os voduns, orixás ou inquices, atuam em esferas diferentes em um terreiro. O caboclo não se mistura às divindades que, por sua vez não se manifestam no toque dos caboclos. Há um respeito aos limites e às diferenças. Ao mesmo tempo, o caboclo tem participação ativa no terreiro, gerindo até sobre aspectos materiais: 97


Cabocla

98

Caboclo JetuĂĄ, Bete de XeroquĂŞ e filhas-de-santo


Acho muito boa a relação dele com o todo, com os voduns. Ele é uma entidade que quando os meninos [os filhos-de-santo] estão de resguardo, de ebó, de quelê, de feitura ele não se aproxima, fica lá na varandinha da casa dele, olhando. (...) Ele tem a casa dele, tudo que ele faz, que lhe é oferecido ou quando ele é agraciado, as pessoas sempre perguntam o que ele quer e ele diz “eu sou morto, não preciso de nada”. Mas algumas coisas foram feitas por intervenção dele, a varanda do kwe-vodum quem deu foi ele, o poço artesiano que tem na roça ele que ganhou, ele trabalhou e a pessoa perguntou o que ele queria, então ele pediu o poço e a pessoa deu. (...) Quando a gente toca candomblé, muita gente vem convidada pelo caboclo, os clientes, os amigos dele. Ele mesmo convida as pessoas para a festa de Bessen, para a festa de Gbe. Ele é meio “marqueteiro”, meio “promoter”. Ele convida e as pessoas vêm, acham interessante, uns vêm pela festa, porque acham bonito, e depois vão embora, outros vêm e ficam amigos da casa, outros ainda vêm porque têm um caminho a trilhar, todos têm um motivo, muitos vêm por causa do caboclo. (Mejitó Edanken).

Os caboclos possuem assentamentos geralmente ao ar livre, próximos às árvores ou em uma casa ou choupana. Em alguns terreiros ficam próximos ao assentamento de Exu ou Legba. Na casa do caboclo encontram-se os seus objetos rituais. Há sempre o altar com imagens de santos católicos, crucifixos, junto com outros objetos ou artefatos próprios do culto ou de uso: flechas, otás, quartinhas, jarras, coités, copos, velas, ferramentas, máscaras, cocares, arreios, laços. Os caboclos são profundos conhecedores dos segredos das matas, das ervas e das raízes. Receitam remédios, banhos medicinais e realizam benzeduras com esses ingredientes. Conhecem as ervas e sua utilização na medicina mágica, através de banhos, defumadores, pós, garrafadas e outros preparados. São conhecedores especialistas em folhas e raízes. Esse fato os associa, às vezes, às divindades caçadoras e às das matas e do candomblé. O culto aos caboclos não requer processo de iniciação. As pessoas podem receber o encantado sem nenhuma preparação preliminar. O caboclo geralmente vem “por herança”, ou seja, por transmissão, do pai ou mãe-de-santo para algum filho ou mesmo de algum familiar. Em algumas casas, não obrigatoriamente, ocorre o batismo do caboclo que passou a ser recebido pelo filho-de-santo com banhos, “juremação” dentre outros ritos. O mesmo caboclo não incorpora simultaneamente em vários filhos.

99


Festa do Caboclo

Matança do boi do caboclo

100

As festas de caboclo são precedidas de cerimônia de matança. Oferecem-se a ele bois, ovelhas ou novilhos, que são preparados e posteriormente servidos aos presentes. O próprio caboclo é o oficiante do sacrifício. As oferendas dos caboclos não levam sal nem azeite de dendê como as da maioria dos voduns, orixás ou inquices. A carne não deve ser cozida, mas assada. Os filhos-de-santo enfeitam o barracão, forrando o teto com bandeirinhas de papel. Distribuem pequenos arranjos de frutas – bananas, melões, abacaxis, laranjas, mangas. Dispõem no centro do salão um grande pote de cerâmica envolvido em um ojá colorido e decorado com laços de fita e frutos contendo a jurema, distribuída aos presentes em copos ou cuias por uma filha-de-santo. A festa inicia-se com a procissão de iniciadas descalças espalhando folhas sagradas pelo caminho entre a casa do caboclo e o salão onde se realizará a festa. O chão do salão também está coberto de folhas. Os ogãs do terreiro ou alguns convidados tocam os instrumentos de percussão: o xequerê, a maraca, o agogô, o caxixi e às vezes violas. Os atabaques enfeitados com ojás são tocados à mão, como nos candomblés angola. A festa do caboclo Jetuá de 2012 contou com a presença de violeiros, que cantaram e tocaram modas de viola do agrado do caboclo. O caboclo saúda os presentes. Puxa cantigas em forma de responsório (o caboclo canta um verso e as pessoas respondem em seguida). As cantigas contam fatos da história mítica do caboclo, ou


são saudações e louvações sobre as coisas e lugares da natureza ou do território brasileiro. Sempre mencionam Jesus Cristo, o santo de devoção do caboclo ou outros santos católicos. Os caboclos cantam ainda galanteios às representantes do sexo feminino presentes na festa. As letras são em português ou com palavras em dialeto africano, ou corruptelas de termos originais: Caboclo de Mainganga É um Táta ê mê Ele é da Mainganga É um tata ê mê Caboclo da Mainganga É Oiá a motamba Ele é um Táta ê mê Além do aspecto lúdico, as cantigas de caboclo têm funções espirituais específicas. Funcionam como bênçãos ou rezas coletivas de aconselhamento, de esclarecimento, de purificação. Ao cantar, o caboclo faz previsões ou destina “mensagens” de conteúdo moral a alguém presente ou à audiência em geral. Essas mensagens são denominadas sotaques. O caboclo brinca com a assistência, canta e tira as pessoas para dançar ao som do samba. Interage com os presentes aconselhando, fazendo chistes, cantando sotaques, oferecendo bebida, sempre muito cordial. A maneira de dançar varia de acordo com sua linha ou tribo: se for um caboclo de pena, dança imitando gestos de caça; se

Couro de boi do caboclo

101


Festa de caboclo no início da roça

Festa de caboclo

Caboclo Sultão das Matas e equede

Festa de caboclo

102


Caboclo Jetuรก

103


for boiadeiro ou capangueiro, dança como se tangesse boiadas e entoa aboios. O corpo e os braços estendidos inclinam-se para a frente, em movimentos de vai e vem. Os pés acompanham o movimento dos braços. Quando algum convidado incorpora seu caboclo, é levado ao quarto do dono da casa para ser vestido e paramentado. Ou então um filho-de-santo da casa prende o ojá ao tronco do caboclo e tira-lhe os sapatos, pois os caboclos gostam de ficar descalços. Quando há mais de um caboclo no barracão, a festa fica mais animada. Mas a ordem é mantida. Eles respeitam-se entre si e se fazem respeitar pelos presentes. São jocosos, porém muito educados e formais. Eles disputam entre si a melhor performance nas danças ou no desafio de cantigas, semelhante aos cantadores nordestinos. A certa altura, o caboclo dono da festa convida as filhas de santo, os presentes ou os outros caboclos, para dançar sobre uma vara de madeira, ou uma corda estendida no chão, em frente aos atabaques. Todos devem pular de um lado ao outro da vara, em ritmo acelerado, sem tropeçar ou mover o objeto do chão. A comida da festa é simples e farta. É preparado e servido churrasco. Acompanha arroz, feijão tropeiro, farofa e outros pratos regionais. Bebe-se cerveja, aluá ou jurema. As frutas que faziam parte da decoração são distribuídas entre os presentes. A bebida sagrada dos caboclos é a jurema. Além dela, bebem aluá, “meladinha”, cauim, macaia, vinho ou cerveja, servidos em cuias chamadas coités ou em copos especiais, confeccionados em alumínio ou chifre de boi. 104

Os caboclos gostam de fumo de rolo, cigarros de palha ou comercializados, ou ainda charutos. A fumaça expelida lançada aos presentes é uma forma de trazer bons fluidos, a fim de afastar as influências negativas que por acaso estejam perturbando a vida material ou espiritual. A festa pode durar várias horas. No final, o dono da festa agradece a presença de todos e despede-se com uma cantiga de agradecimento. A festa não foi somente canto e dança. Os caboclos estiveram na terra também para trazer mensagens, (...) ensinaram beberagens para vários males, assim como deram conselhos a muitos, estabelecendo um laço de confiança para que se perpetue a sua imagem de pai e protetor. Mas, sobretudo dançaram, porque é dia de festa, não de trabalho. Há um clima geral de alegria e um sentimento compartilhado de missão cumprida. (Reginaldo Prandi, Candomblé de Caboclo em São Paulo). Um grande número de pessoas comparece à festa anual do caboclo Jetuá. Dentre eles um grupo folclórico formado por habitantes de Santo Antônio do Descoberto. Rezam o terço na alvorada (madrugada que precede a festa), cantam e dançam catira e as outras danças puxadas pelo caboclo: Eles dançam catira, vêm com chapeuzinho enfeitado, eles são todos católicos, mas todos vêm rezar com boiadeiro, todos participam do churrasco, o caboclo Jetuá canta, faz a catira


e depois diz, agora é a minha vez, ele vai para o samba de roda, os ogãs batem o tambor ele cai com o samba de crioula e fica aquela festa onde todos participam, todos dançam, o católico dança, o ateu dança fica aquele clima de amizade, eles se congregam, eles se agregam. (Mejitó Edanken). Jurema

A Jurema A jurema é a bebida dos caboclos. É confeccionada com folhas e a entrecasca da juremeira, a árvore sagrada dos encantados. A bebida também leva folhas como o angico, o cipó-caboclo, cipó-cravo. É produzida em grande quantidade para a festa, e reservada em um pote de barro, colocado em um lugar de destaque, coberto por tecido colorido, sendo servida aos convidados em pequenas doses por uma equede ou filha-de-santo da casa. A jurema é uma árvore característica da caatinga nordestina, com propriedades psicoativas. É o símbolo de uma prática religiosa de tradição indígena, onde é utilizada uma bebida sagrada, chamada Jurema, feita com a casca, o tronco ou as raízes da árvore. A jurema é muito vasta porque se tem a pajelança, tem a jurema que é uma bebida feita da árvore, e temos a jurema preta e a branca, chamada “vinho de jurema”; pega-se a casca e bate-se, aí ela solta uma coloração vermelha que dá o tom de vinho, então quem bebe a jurema dele acha que tem vinho, na realidade, não tem, é o curtir das ervas, assim como nós

Porrão de jurema

105


Ă rvore da jurema

106

Arranjo na jurema


no candomblé temos o aluá, eles têm a jurema, têm muitas religiões que fazem suas bebidas sagradas, os chás feitos com cipós, etc. (Mejitó Edanken). O culto da jurema é fruto do sincretismo da cultura indígena com elementos de magia europeia, do catolicismo e da matriz africana. A partir dessa mistura formou-se o catimbó, que utiliza a jurema como bebida ritual. A partir de meados do século XX, elementos da umbanda foram associados ao culto. Ao mesmo tempo, o culto expandiu-se do agreste da Paraíba e de Pernambuco para as grandes cidades e região sudeste. Posteriormente, com a reafricanização ocorrida na década de 1980, passou a ser incorporada aos candomblés, no culto dos caboclos:

Fontes consultadas: Roger Bastide, Catimbó. Maria Lúcia Brandão e Luís Felipe Rios, O catimbó-jurema do Recife. Edison Carneiro, Candomblés da Bahia. Almiro Miguel Ferreira, Candomblé de caboclo. Raul Lody, O povo do santo. Luís Nicolau Parés, A formação do candomblé. Reginaldo Prandi, Nas pegadas dos voduns; Encantaria brasileira; A dança dos caboclos. Reginaldo Prandi e outros, O candomblé de caboclo em São Paulo. Carmem Ribeiro, Religiosidade do índio brasileiro no candomblé da Bahia. Idalina Santiago, A jurema sagrada da Paraíba. Jocélio Teles dos Santos, O dono da terra. Jocelino de Shapanan, Entre caboclos e encantados.

A jurema é a pajelança, é a riqueza de rezar com o sincretismo católico, com a fé cabocla, com a mistura das influências dos africanos, com ervas, é uma coisa muito rica, muito bonita. (Mejitó Edanken). O ritual de preparo da jurema é mantido em segredo. É o próprio caboclo incorporado na mãe-de-santo que prepara a bebida. A raiz ou a casca é raspada e macerada e diluída em água, junto com mel, outras ervas e folhas, em recipiente feito de barro. Cantam-se louvações e orações católicas. Finalmente, é enterrada para fermentação.

Toté de caboclo

107


FESTA DAS CRIANÇAS


Ibeji Os Ibeji são orixás infantis gêmeos, de origem nagô, popularmente conhecidos como Dois-dois, Meninos ou Crianças. Possuem semelhança com o vodum Hoho, dos jejes. No processo sincrético foram associados aos santos católicos Cosme e Damião. Segundo a mitologia iorubá, Ibeji são filhos de Xangô e Iansã. Foram abandonados pela mãe e criados por Oxum, que os considera seus próprios filhos. Os Ibeji regem a infância e o ciclo da fertilidade e da fartura. Seu aspecto infantil faz com que sejam confundidos com os erês. Eles possuem muitos simpatizantes e devotos em todo o Brasil. No mês de setembro, próximo ao dia de São Cosme e São Damião, os Ibeji são homenageados com uma grande festa doméstica, comunitária ou religiosa (nos terreiros de candomblé) denominada de “caruru dos meninos”. Como o próprio nome diz, é preparado nos terreiros um caruru com todos os rigores e preceitos. A cerimônia inicia-se com cânticos para convidar os Ibeji a tomar parte na festa. A certa altura, a gamela contendo o alimento é trazida ao centro do salão ou no quintal, sobre uma esteira. As crianças sentam-se no chão e são convidadas a comer. Depois de encerrado o ritual, são distribuídos balas e doces. Começa então a confraternização geral com comidas, cantos e danças, sem caráter religioso. Os presentes sentam-se à mesa, comem e bebem, além do caruru, outros pratos como vatapá, feijão fradinho, abará, acarajé, xinxim de galinha, acaçá, banana-da-terra em azeite de dendê, milho branco, inhame, farofa de azeite de dendê com camarão, pipocas, roletes de cana, pedaços de coco, aluá e muitos outros. Ação social

109


Primeira ação social

110


Festa das crianças No mês de setembro, é tradição da Chácara Arco-Íris realizar a festa das crianças. Trata-se da ação social para a comunidade mais importante, ou de maior vulto, realizada na casa. São desenvolvidas atividades lúdicas, educacionais, há distribuição de roupas e alimentos, corte de cabelo, acupuntura, reiki e muitas outras. No depoimento de Mejitó Edanken e de Pai Pinha, a seguir, a festa é descrita com detalhes. Ambos fazem questão de destacar o cunho de ação social, não se tratando de comemoração vinculada aos santos gêmeos Cosme e Damião, nem relacionada aos orixas Ibeji ou ao vodum Hoho, que possuem cultos próprios no rumpame: Um dos marcos da chácara é esta festa, que já passou a ser uma tradição, com o passar do tempo foi incluída no calendário, pois até então era uma coisa pequena, que se fazia entre casais que frequentavam a chácara e que tinham filhos pequenos, quando estávamos construindo a chácara, nos finais de semana, e uma destas festas coincidiu com o último sábado do mês de setembro, e assim começou. Esta festa existe por causa desse segmento e a cada ano se faz uma festa melhor, isso é muito significativo para a região, onde não existe nada no lado social. A primeira festa que fizemos tinha mais ou menos trinta e cinco crianças, hoje tem criança que nós vimos nascer. Muitos foram embora porque cresceram, casaram. Em 2008, tivemos em torno de cem crianças, e esse número vem aumentando ano a ano, desde 2010 nós conseguimos um ônibus que busca as crianças e depois leva de volta quando a festa acaba.

Caruru de Hoho no início da roça

(...) No mês de setembro tem a festa das crianças onde a chácara fica aberta das 9 até às 16 horas com tudo voltado para as crianças. Montamos um parque, servimos pizza, crepe, cachorro quente, pipoca, refrigerante, doces, bolo, temos o corte de cabelo, animadores, atividades artísticas, tudo isso integra a ação social. No início, as crianças vinham em um caminhão-caçamba de um amigo da casa, elas moram a dez, quinze quilômetros da chácara e vêm para usufruir e participar da festa. Nós fazemos o caruru antes, mas é um ritual interno, só com os filhos-de-santo.

Fontes consultadas: Raimundo Áquila, A espetacularidade ritual do caruru de Cosme e Damião. Roger Bastide, O candomblé da Bahia. Edison Carneiro, Candomblés da Bahia. Raul Lody, O povo do santo; Santo também come. Depoimentos de Mejitó Edanken e Pai Pinha.

111


Ação social

112


Ação social

113


HISTÓRIA DO KWED’BESSENKEN


Formação dos candomblés no DF Durante os primeiros anos após a fundação de Brasília, houve grande afluxo de religiões e cultos de origem afro-brasileira trazidos pelos candangos (operários que vieram trabalhar na construção da cidade), principalmente da região Nordeste, e pelos funcionários públicos transferidos da antiga capital, o Rio de Janeiro. Entre as décadas de 1960 e 1980 fundaram-se em profusão centros espíritas, terreiros de umbanda, macumba, tambor-de-mina, omolocô e candomblé, tanto nas cidades satélites quanto na região do entorno do DF. Inicialmente a maioria dos cultos era da umbanda vinda do Rio de Janeiro. Funcionavam de forma embrionária nas residências ou apartamentos. Somente a partir da década de 1970 os candomblés começaram a chegar no Distrito Federal arrebanhando muitos adeptos da umbanda. Com o crescimento urbano e a expansão dos cultos, surgiu a necessidade de haver espaços mais adequados para a prática dos ritos vinculados à natureza. Os terreiros foram sendo transferidos para áreas periféricas, em chácaras nas cidades-satélites e entorno, nas regiões limítrofes do DF (Valparaíso de Goiás, Águas Lindas de Goiás, Santo Antônio do Descoberto, Planaltina de Goiás, Alexânia, Luziânia e outras). Uma peculiaridade do candomblé brasiliense foi a presença de pais e mães-de-santo, de terreiros tradicionais das outras cidades, que vinham a Brasília para plantar axés e assentamentos, colaborar na fundação dos terreiros locais, participar da feitura de

Mejitó Edanken

115


Mejitó Edanken em obrigação

116


iaôs ou de obrigações de anos de filhos, retornando depois para suas cidades de origem. A multiplicidade de origens dos cultos trazidos pelos fundadores da cidade, a influência dos pais e mães-de-santo de outras cidades nos primórdios, e os intercâmbios e colaborações entre líderes e autoridades espirituais das casas de diversas origens, possibilitaram o surgimento de um candomblé com características próprias no Distrito Federal.

Legitimação Um fenômeno corrente no candomblé é a busca de legitimação das origens e das práticas por parte dos pais e mães-de-santo. É importante deixar claro: a origem iniciática, o pai ou mãe espiritual, quem foi o pai ou a mãe-criadeira na iniciação, quem participou das obrigações, os parentescos-de-santo, enfim, quais as testemunhas da trajetória espiritual. Quanto mais próximo das origens (geralmente os tradicionais terreiros do Rio de Janeiro, Bahia ou Maranhão), mais reconhecimento do axé da casa: Na minha adolescência tomei minhas obrigações, meu santo ficou comigo, todo o meu carrego ficou comigo, e comecei a sentir saudade, sentir falta de ter uma família espiritual. Então resolvi procurar o povo. Muitos tinham mudado de água, mudado de religião para procurar seus caminhos, outros tinham falecido. A única que eu encontrei porque eu sabia quem era, foi o falecido João Dofono, e o Espanhol de

Odé, que foi feito por João Dofono, que participou da festa dos meus 15 anos de idade, da minha relação social. O Kwed’BessenKen é um dos poucos terreiros de candomblé da nação jeje-mahi existentes no Distrito Federal. Sua fundação é relativamente recente, em 1995. A raiz genealógica da Chácara Arco-Íris é o Kwe Séja Hundé, da cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano. A Mejitó do Kwed’BessenKen é filha espiritual do pai-de-santo de João d’Ogum, feito por Tata Fomotinho (do Kwe Séja Nassó, no Rio de Janeiro), que por sua vez foi iniciado por Maria Ogorensi, do Séja-Hundé, de Cachoeira, na Bahia.

História e fundamentos do Kwed’BessenKen A partir dos depoimentos da Mejitó Edanken, de seu esposo Expedito, e do Ogã huntó Rubinho (filho-de-santo do Sr. Amazonas) procurou-se traçar a história e os fundamentos do Kwed´BessenKen.

Mejitó A Mejitó Edanken (Cliciane Gomes) nasceu em Brasília (DF), em 1968. Foi batizada em Uberaba (MG), onde residia parte de sua família, praticante da religião católica. O pai, por motivos de saúde, passou a frequentar uma casa de origem jeje-nagô, onde foi iniciado. O primeiro contato de Cliciane com a espiritualidade ocorreu aos dois anos de idade. Eram visões e antecipações, tratadas pela


família como distúrbios de origem física ou psicológica. Aos quatro anos adoeceu. O estado de saúde agravou-se. Ficou impossibilitada de se locomover. Foi examinada por diversos médicos, sem resultado. Após tratamento médico longo e ineficaz, foi levada pelo pai à casa de Doté, chefiada pelo zelador João D’Ogum (Ofaripeju). Cliciane foi recolhida sozinha, aos quatro anos, sendo considerada uma iaô hunvá: Meu pai viu uma mulher toda vestida de branco, ela pediu que ele trouxesse água do mar e água de cachoeira e que colocasse essas águas numa certa posição na direção da minha cabeça embaixo da minha cama numa hora exata, aí meu pai perguntou: “e o que é mais que eu faço?” ela respondeu: “na hora certa você vai saber”. Ele fez tudo e foi quando eu tive o meu primeiro barravento, foi o primeiro toque de santo, foi quando não teve jeito e aconteceu a história de Veneno [seu erê] e eu fiz santo e, nunca mais tive nada.

Iniciação

Equede Laura

118

Cliciane cumpriu resguardo por nove meses, na residência dos pais, em Brasília, sem contato com a família-de-santo, acompanhada por Rejane de Bessen, sua mãe-criadeira. (Rejane é filha da falecida Maria de Ogum, de Gurupi, no estado de Tocantins). Deu sequência às obrigações, até se tornar uma Ebami, aos 11 anos, e receber os direitos de mãe-de-santo. Seguiu o ciclo de obrigações,


acompanhada pela mãe-criadeira. Quando João D’Ogum faleceu, Cliciane permaneceu sob os cuidados da ebami Rejane e pejigã Oliveira (Tenente Oliveira): Depois do falecimento do meu pai, eu me afastei e perdi o contato com essas pessoas, eu só tinha contato com pejigã e com a minha Derê, eu estava protegida, porque ela é uma ebami, ele era um pejigã raspado que podia dar todas as minhas obrigações com o respaldo dessa ebami, tanto que até hoje as pessoas perguntam: seu pai morreu, quem plantou seu axé? O pejigã do meu pai estava vivo quando eu plantei o axé em 1995, ele e a Derê fizeram tudo. No final da adolescência, ela sentiu necessidade de reencontrar a família espiritual. Porém, não obteve sucesso pois ninguém a reconhecia. Segundo ela, até hoje isso acontece: e para não restar dúvida quanto à sua identidade, é preciso dizer sua suna/hunuin.

Pai Lilico, vodum Togun e Mejitó Edanken

Quando eu chegava e falava quem eu era eles riam na minha cara, porque não acreditavam, diziam “Bessenzinha [epíteto dado à Mejitó Edanken na casa de seu pai-de-santo] morreu”, “você não pode ser Bessenzinha ela era assim, era assado”, dos quatro para os dezesseis, até hoje, tem gente que me encontra e ainda duvida. Mejitó Edanken enumera várias autoridades do candomblé brasiliense que a acompanharam na trajetória do Kwed’BessenKen, 119


dentre eles Pai Tito de Omolu (falecido em 2007), do Ilê Axé Baraleji, tradicional terreiro de candomblé nagô brasiliense. Depois que meu pai espiritual faleceu e eu continuei sozinha, fui procurar outras pessoas, encontrei pessoas que não eram da minha família de axé, como Manoelzinho de Oxum e Tito de Omolu, infelizmente falecidos. Tito de Omolu ou Baraleji me viu ser feita no santo, acompanhou muita coisa minha, era amigo de meu pai, frequentava a nossa casa, era mais íntimo do que só axé. Tito me apresentou a sociedade da casa dele, os filhos mais velhos dele sabem disso. (...) Elvira de Boiadeiro, ela tocava a casa fazendo acarajé, lutando de um lado e de outro, muita gente velha em Brasília passou pela mão dela, hoje tem a filha dela, Elvirinha que toca a casa com muita responsabilidade; Maximiliano de Logunedé, que saiu da mão de Helena do Bode, as primeiras obrigações que ele tomou foi com Zé das Flores e essas pessoas mais antigas; Tenente Oliveira, que era o pejigã da casa de meu pai; tem Rita e outras pessoas que não arrisco a falar o nome para não esquecer alguém e magoar, e mais pessoas de fora de santo. (...)

120

Ogã Bobosa, do Ceja Hundê, foi muito amigo de meu pai, deu muita assistência, porque meu pai era jeje, o Tito acompanhou tudo isso, o Ogã Bobosa ajudou muito meu pai aqui. (...) Maximiliano está em Planaltina, hoje tem as filhas que são ebami e tocam tudo, têm os seus direitos, Ebami Leninha, ebami Márcia, e a esposa dele, D. Laura, uma equede com mais de 40 anos de confirmada de Oxalá, uma mulher que enrola um acaçá, que faz um ebó com maestria, que bota muito zelador e muita ebami no chinelo, uma mão delicada como uma pluma para arriar um acaçá, sabe fazer de Bara a Oxalá, qualquer ajeuntó, qualquer leri, qualquer comida de santo de tanto acompanhar com dedicação o marido.

Algumas referências: Pai Lilico lidera o Ilê Axé Orixá Deuí, terreiro de tradição queto, no setor de chácaras de Sobradinho II. Iniciou as atividades em 1967, em local onde hoje se encontra a cidade de Águas Claras. Mudou-se para Sobradinho em 1974, onde permanece até hoje. Elvirinha, filha de Mãe Elvira, lidera o Ilê Axé Logum Cetomi, oriundo de Salvador e trazido para Brasília em 1972. O terreiro funciona em Arniqueiras, região administrativa de Taguatinga. Pai Tito de Omolu liderou o Axé Baraleji até 2007. O axé iniciou


suas atividades em 1973, em Taguatinga. Desde 1982, funciona em Santo Antônio do Descoberto. Segue a tradição queto.

desde a construção, a planta do barracão nada foi tocada sem compromisso, sem responsabilidade, todas as árvores que foram plantadas, todas as edificações, tudo foi orientado.

Terreiro As revelações espirituais e a idealização do Kwed’BessenKen iniciaram-se em 1992. Em 1993 o terreno foi doado e, em 1995, cercado. Os mourões foram doados por um amigo e pelo primeiro pejigã da casa. Então o axé foi plantado (os fundamentos, eira, beira, cumeeira, portão, enfim, as coisas tradicionais). Em 1996 iniciou-se a construção da casa do caseiro, que se tornou o ponto de apoio para as obras subsequentes. Em seguida, foram construídos a casa do caboclo Jetuá, com tijolos feitos por voluntários evangélicos, o Kwe Bara e o Kwe Vodum, e, finalmente, o rancho. Mejitó Edanken descreve o início da construção: Um grande amigo levou o primeiro piquete para que fizéssemos a cerca, ele conhecia a região por já ter trabalhado no local. A região não tinha nada para oferecer na época, tudo partiu do terreno bruto, só mato, cascalho. A medição foi feita com uma trena de 5 metros, num terreno de 50 mil metros quadrados. Desde o primeiro piquete até o primeiro poste, para erguer a cerca, e a primeira muda de árvore, foi tudo feito por nós, fomos taxados de loucos por termos ido fazer uma roça naquela local, mas hoje foi provado que à parte da loucura tinha uma parte de fé, de acreditar, de querer montar uma história, sempre com orientação dos voduns,

Preconceito Pai Pinha descreve o grande preconceito enfrentado na ocupação do espaço: Quando começamos a levantar a edificação e o caboclo começou a atender na região, as pessoas nos rotulavam de “centro de macumba”. O povo antigo daquela região não sabia o que era uma casa de candomblé, uma casa de axé, então isso gerou muita curiosidade e, às vezes, o medo das pessoas chegarem até lá, as pessoas tinham medo porque não conheciam. Mas como pegamos situações em que o caboclo fez partos, fez garrafadas, curou pessoas de cobreiros, de mau-olhado com orações, com a convivência e com a organização, as pessoas assimilaram que lá é um lugar que faz a caridade sem cobrança. Além disso, com as ações sociais e as festas das crianças, fomos quebrando esse estigma, fomos, aos poucos, ganhando a confiança e o respeito, as pessoas foram olhando a Chácara Arco Íris com outros olhos.

121


Os primeiros filhos-de-santo

Vodum Gbe com o humbono da casa e ogã

Como já foi dito anteriormente, nos candomblés jejes a pessoa somente era recolhida para os ritos de iniciação quando “caía” no santo, aos pés de um atinsá ou nas festas para a divindade. O “caminho de santo” já estaria predestinado e determinado pela vontade do vodum que trouxe a pessoa até a casa. As pessoas vieram ao Kwed’BessenKen por indicação de filhos mais antigos, para “mudança de água” ou então para consultar o caboclo Jetuá, como explicam Pai Pinha e Mejitó Edanken: Temos consciência que no caminho espiritual a pessoa tem passe livre, e o próprio vodum quando acha que é a hora e o local, ele traz a pessoa. As pessoas chegam lá já com tudo praticamente definido, elas sabem o que querem, elas vêm buscar o que a casa tem para oferecer, as que realmente têm caminho de santo ficaram, outras fizeram o que precisavam e se foram, outras continuam frequentando sem criar vínculo com a religião, por amizade. (...)

Mejitó Edanken, Tejiboji, Kossiaian e Nôia

122

A primeira coisa que o zelador tem que fazer é saber para que a pessoa chegou na sua casa. Se ela está precisando de ajuda, se está tendo influências negativas então fazemos o ebó, se é um problema de caminho, ou se é um problema de santo, se resolve. Têm pessoas que chegam na casa de santo


Com a casa ainda em obras, em 1997 foi recolhido o primeiro filho-de-santo do Kwed’BessenKen, um pejigã. A feitura teve a participação de membros de outro terreiro:

Pai Pinha e Dalila

para ser seu amigo, têm outras que chegam para fazer o santo e ficar por um período. Têm pessoas que o caminho delas é só para passar pela casa e acabou. Se o zelador for uma pessoa coerente ele não dirá que aquele filho foi embora, mas sim que ele viveu o que tinha que viver, a pessoa está bem, trabalhando, seguindo a vida dela, mas o que aquela criatura deixou na casa foi a história dela. Quem foi, deu o que podia e recebeu o que merecia. Os primeiros filhos-de-santo foram iniciados por Mejitó Edanken, aos 16 anos: Eu tinha pedido a Bessen que me deixasse estudar, casar e amadurecer. Eu era muito nova, quando eu fiz o Zé Carlos eu tinha dezesseis anos, ele é o ebomi mais velho, a minha casa nasceu com ele, meu filho está até hoje dentro da casa, depois vem Dalila, a menina de Iatogum. Eu fiz eles com a Derê e pejigã Oliveira, fiquei desorientada porque eles me jogaram no fogo, eu agradeço a eles por isso.

Quando eu fiz o primeiro pejigã da casa (Marcelo, Runhó Obá, pejigã de Bessen), já havia a estrutura do barracão e da cozinha. O piso do salão foi colocado durante o recolhimento dele, para ele sair. Ainda não tinha nem porta, mas ele saiu, com tudo que tinha direito. Ele saiu no dia 20 de dezembro de 1997. O falecido Padre, também filho de Seu Lilico, de Oxum, foi o pai-pequeno de Marcelo. Os outros meninos que eu fiz Igiodá, Oyaponifé e Kaionidê, também com o apoio de Seu Lilico. Agradeço a Seu Lilico porque quando eu comecei tudo eu estava muito perdida, me bloqueei tanto que tinha coisas que eu não lembrava, graças a Deus e a Seu Lilico que me deu apoio. Seguiram-se muitos outros. Cada um com sua história: Certo dia chegou lá um grupo de uns vinte escoteiros. Eles acamparam na beira do rio. Eles pediram água, nós demos e avisamos que era perigoso acampar, porque tinha chovido muito na cabeceira do rio. Mas eles desceram assim mesmo, montaram o acampamento. De madrugada, começou a chover forte. A chuva levou as barracas, levou as mochilas, levou tudo dos escoteiros. Eles subiram e nós demos guarita para eles no rancho. Nós abrigamos os meninos. Dentre eles 123


Mãe Rai

estavam Auro, que é Ibilé, e Rodrigo, que hoje é Ijiodá. Auro tinha 16 anos. Hoje ele continua na roça. Míriam (Oyá Ponifé) morava na Cidade Eclética. Ela frequentava outra casa, onde o caboclo havia lhe dito que o lugar dela não era lá. Ela chegou na chácara em 1999, por intermédio de um cliente do caboclo Jetuá. Da primeira vez que ela veio, não foi atendida pelo caboclo. Nem na segunda. Na terceira vez ela bolou no meio do quintal. Ela foi feita no mesmo tempo que Ijiodá.

Kaionidê veio em 2000, com problemas de coluna. Ele era carroceiro. Foi trazido por uma amiga da casa. Ele fez as coisas, tomou garrafada, depois que melhorou ele fez o santo. Atualmente não pertence mais à casa. Tegi-Bogi chegou na casa em 2002, trazido por meu filho mais velho, o primeiro, José Carlos, filho de Olissa. A outra ebomi mais velha é Togun-Baraleuá, a ebami Ilka [falecida em 2011]. Ela mudou água em minha casa, em 2001. Nós fomos apresentadas no Rio de Janeiro, por seu Lilico. Depois que ela tomou as obrigações de sete anos no Morro do Engenho, sua mãe-de-santo faleceu, sendo desfeita a casa. Ilka tomou quatorze anos comigo. Mudou água, mudou tudo, ela era ebami, é minha filha. Ejanu chegou na roça com 16 anos, em 2003. Foi a primeira Aziritolá da minha casa. Saiu no dia 12 de junho, no dia dos namorados. Depois veio Togun Orijipá, em 2005, que é o pejigã de Gbé. Em seguida vieram Tegi-Bogi e Kosiaian . Sodiará e Kpe-Izo são barcos. Kpe-Izo entrou para fazer santo junto com Sodiará porque Sodiará era uma menina de 11 anos, chegou em minha casa e com menos de 6 meses foi feita – ela chegou em setembro e em abril ela saiu de santo. Eu me documentei juridicamente, expus aos pais dela a necessidade de se fazer a obrigação. Foram iniciadas em 2008, ano em que também foi feito o Ogã Olutojohun’Sala. Em 2009 foram feitos vários filhos: Ejonolá, Didara-Ijulilê, Togun-Alossi e outros.


sentido de ampliar, de incrementar e não só para dizer que eu sou melhor zelador porque tenho nível superior. (...)

Sará de caboclo com Ijiodá e Oyáponifé, no início da roça

Estudos, formação Ao mesmo tempo em que cuidava da roça e dos filhos-de-santo e das filhas carnais, a Mejitó estudou, viajou a Cuba, de onde trouxe informações sobre Lucumi, e ao Benin, na África, em busca das origens do candomblé de nação jeje. Abandonou a carreira no serviço público para dedicar-se à religião: Eu procuro me inteirar das minhas coisas junto ao que eu acredito, à filosofia de vida, à prática disso, à tradição, porque se você não tem tradição você não tem raiz, se você não tem raiz você não é nada, você precisa ter um direcionamento, você precisa ter uma base, porque senão não justifica seu objetivo. O estudo, o diploma, é necessário sim, mas nesse

Tito [Pai Tito de Omolu, do Axé Baraleji] me ajudou muito com os seus conhecimentos. Mantenho contato com a faculdade de Ibadã até hoje, tenho dicionários, quando fui a Cuba trouxe algumas coisas de Lucumi, sempre foi um estudo solitário e as pessoas ficam me perguntando se fotografei, eu ia buscar coisa de santo, eu não ia ficar fotografando, não estava fazendo turismo, eu nem me preocupava, eu estava preocupada era com o que eu ia pesquisar. (...) O maior título que eu carrego é ter meu pai dentro de mim, é estar fazendo isso, lembrando dessas pessoas, esse é o verdadeiro título, essa é a verdadeira nobreza, é olhar na carinha dos meus filhos cada vez que sai um iaô, um ogã, os olhinhos deles brilhando, eles vêm me abraçam e dizem “mãe, foi lindo, foi bom”, vê-los trabalhando, vê-los estudando, vê-los com as esposas, com seus filhos dentro do axé do meu pai. Esse, eu acho que é o melhor título, ninguém me tira, eles estão lá para renovar a história, a minha fé, a fé do meu marido.

125


(...) Você vira psicóloga, você vira enfermeira, você vira engenheira, você vira arquiteto, porque casa de santo é isso mesmo, você costura, você cozinha, você constrói, você troca lâmpadas, você pinta, é a qualidade que o axé te dá, de você aprender, e o que você aprende dentro do axé, você pode levar para fora, mas o que você aprende fora do axé muitas vezes não cabe lá dentro.

Pai Pinha

Obrigação de Pai Pinha, com o vodum Vodunjó e Ebami Jussara ao fundo

O Kwed’BessenKen é coordenado espiritualmente pela Mejitó Edanken, com a colaboração de seu esposo, Expedito, mais conhecido como Pai Pinha. De acordo com as suas palavras: Nasci de um ventre espírita, acompanhei minha mãe num centro de umbanda dos sete aos quatorze anos. Minha mãe era zeladora nesta casa e por não aceitar determinadas coisas contra o que ela praticava, ela se afastou e seguiu a vida dela de forma independente, passou a atender em casa, ela trabalhava com um preto velho e com um caboclo. (...)

Lea Amarante

126


Festa

mediúnica que se manifestava e realizada o atendimento eu acompanhei minha mãe dessa forma, as entidades dela viravam para trabalhar e nós dávamos o suporte. Quando eu estava com 21 anos minha mãe faleceu e, daí em diante, fiquei quieto, fiquei só. De lá para cá toquei a minha vida, estudei, me tornei funcionário público, me casei e venho buscando a minha história espiritual desde 1996, quando fui confirmado ogã na casa de Oxum Deui por Seu Américo Neves, conhecido como Seu Lilico de Oxum, meu zelador e Mãe Rai. (...)

Ebomi Eleno de Lufã

Não dei continuidade ao trabalho junto com minha mãe porque ela passou a atender em casa, não tinha a obrigação de ficar dentro de um terreiro, quando as pessoas a procuravam, como ela não tinha o dom do jogo, mas tinha a parte

O caboclo dele [de Seu Lilico de Oxum] me fez algumas revelações, isso no ano de 1995. Em 1996 as revelações se concretizaram, foi quando se deu todo o meu segmento na história de santo, me foram reveladas determinadas situações de cunho espiritual por este caboclo, Seu João Chapéu de 127


Couro, e aí dei continuidade ao que era meu caminho, me preparei para fazer todas as obrigações na casa dele e saí confirmado como ogã de Oxum. (...) Fui confirmado na casa de Seu Lilico como ogã e no dia da despedida do Axé de Oxum o dono da Chácara Arco-Íris, Bessen, manifestou-se e fez alguns atos dentro do Axé de Oxum Deui e me deu o segundo cargo, me dando assim o direito de acompanhar minha esposa dentro do axé dela, hoje eu tenho o direito dado por Oxum, que foi uma coisa feita com responsabilidade, feita com os fundamentos por quem tinha que saber. Foi um ato transparente, pessoas velhas de santo do axé de Seu Lilico estavam presentes e vivenciaram o momento em que o santo me deu o segundo cargo, é por isso que eu tenho o direito de estar dentro desta roça também.

Zelador é um ser humano, tem que colocar o pé no chão, chega uma hora em que não é obrigação de santo e ele tem que ter a hora de ficar com a família dele, ter prazer, viajar, conviver na sociedade, ir ao teatro, ir ao cinema, ir a um show de música, tomar porre, passar susto, ser assaltado, porque senão ele não vai entender as pessoas que o procuram, como é que eu vou entender a sua dor se eu não sei nem em que mundo você vive, você vive num mundo separado do meu, como eu vou interagir com um mundo que não me pertence? O zelador tem que permear por vários caminhos, ele não precisa usar droga, ele não precisa se prostituir, ele não precisa ser traficante, bandido, ele não precisa ser nada disso, mas ele precisa saber que isso existe, porque uma hora chega uma pessoa na casa dele que rouba, mas você orienta e, às vezes, ele não está precisando de um ebó, ele está precisando de uma orientação e ele para de roubar. (...)

Fundamentos Para concluir, alguns trechos retirados dos depoimentos de Mejitó, que exemplificam sua visão dos fundamentos da religião, e de sua responsabilidade e obrigação de cultuar, preservar, difundir e transmitir esses ensinamentos aos seus descendentes espirituais, os filhos-de-santo.

128

O zelador tem que dizer não com coerência. Seja coerente, chame o filho, chame seu cargo e diga “meu filho, não por isso e isso, você não nasceu para este caminho seu caminho é outro”, porque o que começa errado termina errado. O filho tem livre arbítrio e eu também tenho, só que eu tenho uma responsabilidade, não posso me eximir, tenho que me posicionar.


(...) Santo de igreja católica está lá que nem uma estátua, tem a história de que ele foi martirizado e acabou, orixá não, ele tem itãs, tem lendas, tem caminhos, tem odus, que dizem para você: “tal odu com esse dá nisso”, eles são vivos, são pé no chão, é uma cultura que existe há 5.000 anos, veio a igreja católica, vieram os romanos, os protestantes e não tiraram os inquices, os voduns, os orixás, todos nós temos o pé na senzala. Eles fizeram a história.

porque sem Deus você não vai a lugar nenhum, não existe igreja, não existe casa de santo, nós que temos consciência e pé no chão sabemos que o vodum só existe porque Deus está acima de tudo.

Depoimentos: Mejitó Edanken, (Cliciane Gomes), Pai Pinha (Expedito Gomes), ambos do Kwed’BessenKen; Pai Maximiniano de Logunedé, do hunutó Rubinho. Fontes bibliográficas: Elenita Rodrigues, Entre o global e o local. Antônio Gomes da Costa Neto, Candomblés de Brasília. IPHAN, Inventário dos terreiros do Distrito Federal e Entorno.

(...) Por que é que eu não posso aprender com o filho de santo? Por que sou Mejitó? Por que sou Gaiaku? Por que sou Iyá? Por que é que às vezes podemos sentir o carinho de uma criança, a pessoa que nem conhecemos diz um bom dia com um sorriso que lava a nossa alma, por que não posso aprender com um filho de santo? Eu sei de tudo? Eu sou o sol? Sou eu quem brilha? Eu não erro? Não me equivoco? (...) É isso que nos glorifica, por acreditarmos nos elementais da natureza, acreditar em Deus acima de tudo. As pessoas acham que a espiritualidade é um vínculo eterno, mas elas têm um vínculo eterno se tiverem Deus acima de tudo, 129


QUADRO COMPARATIVO

O

s quadros comparativos foram muito utilizados em estudos relativamente recentes para demonstrar as similiaridades entre as diversas divindades das religiões afro-brasileiras. A partir da década de 1980, talvez em decorrência do processo de reafricanização, os quadros caíram em desuso. O motivo seria a simplificação e a generalização excessivas e a homogeneização das características individuais e específicas de divindades cultuadas por grupos de origens étnicas, sociorreligiosas, culturais ou geográficas distintas. Apesar disso, a utilização do quadro neste trabalho tem objetivo didático. Busca demonstrar as principais características e as relações interétnicas, sincréticas e aculturativas ocorridas durante o processo de formação das religiões afro-brasileiras. O quadro foi elaborado a partir de estudos sobre o candomblé de sete autores: Pierre Verger, Roger Bastide, Reginaldo Prandi, Olga Cacciatore, Edison Carneiro, Gisèle Crossard - e da Mejitó Edanken. A grafia dos nomes foi transcrita conforme as fontes originais. A utilização dos orixás ao invés dos voduns como parâmetro comparativo decorre da maior familiaridade daquelas designações.

Fontes consultadas: Roger Bastide, Estudos afro-brasileiros. Olga Cacciatore, Dicionário de cultos afro-brasileiros. Edison Carneiro, Candomblés da Bahia. Raul Lody, O povo de santo. Gisèle Crossard, Awo, o mistério dos orixás. Reginaldo Prandi, Herdeiras do axé. Reginaldo Prandi e outros, O candomblé de caboclo em São Paulo.Pierre Verger, Notas sobre o culto aos orixás e voduns; Orixás.


Orixá nagô

Exu **

Ogum **

Oxossi **

Santo católico

Diabo **

Santo Antônio ** São Jorge **

São Jorge ** São Sebastião **

Vodum jeje

Inquice banto

Caboclo

Elegbara ** Bara ** Eleguá ** Legba **

Bombogira ** Aluviá ** Pambujira ** Marabô ** Pavenã ** Lonã (O.C.) Muzila (O.C.) Tibiriri (G.C.) Mabila (G.C.) Tenã (R.B.)

Aluvaiá ** Homem da Rua ** Arranca-Toco (O.C.)

Incossi ** Roximucumbe ** Mucombo (O.C.) Sumbo (E.C.) Sambo Mucumbe (o.f.)

Tambancê ** Jambane (R.B.) Kambamburi (R.B.) Giramundo (R.P.) Sete Léguas (R.P.) Rompe Mato (R.P.) Sete Laços (R.P.) Sumbo Mucumbe (R.L.) Urubatã (R.L.) Pedra Preta (E.C.)

Gongobira ** Mutacalombô ** Tauamin ** Mutalambô ** Gunzá ** Amboabilá (G.C.)

Cabocla Jurema ** Sultão das Matas ** Caboclo das Matas ** Sete Flechas Urubatan Mata Virgem Aimoré (R.L.) Arranca-Toco (E.C.) Boiadeiro (E.C.) Rei das Matas (O.C.) Araribóia (O.C.) Cabocla Jurema (O.C.)

Gun ** Doçu (R.P.) Taboco (R.B.) Tê (R.B.) Togum (M.E.) Gu (M.E.)

Odé ** Azacá (R.P.) Otolu (M.E.)

Mais de 2 coincidências Roger Bastide (R.P.) Reginaldo Prandi (P.V.) Pierre Verger (O.C.) Olga Cacciatori (E.C.) Edison Carneiro (G.C.) Gisèle Crossard (R.L.) Raul Lody (M.E.) Mejitó Edanken (o.f.) Outras fontes **

(R.B.)

131


Orixá nagô

Ossaim **

Oxumaré **

Xangô

Iansã ** Oiá **

**

Santo católico

Vodum jeje

Inquice banto

Caboclo

Santo Onofre (R.P.) São Benedito (O.C.)

Agué (R.P.)

Catendê **

Caapora ** Boiadeiro das Matas (R.P.) Floresta (R.P.) Guarani (R.P.) Dona do Mato (R.L.) Curupira (R.L.) Dona das Folhas (O.C.)

São Bartolomeu **

Dan ** Bessem ** Soboadã ** Aniewô (R.B.)

Angorô ** Hongolo ** Angoroméa **

Cobra Coral Cobra Dourada (R.P.) Caboclo do Arco-íris (o.f.)

Badé ** Heviossô ** Aveji (M.E.) Soboadã (M.E.)

Zaze ** Tariazaze ** Quibukô ** Karabaranguanje ** Kabecilê (R.B.) Kissubangango (R.B.) Npanzu (G.C.) Kassunbengangá (G.C.) Lumbandô (G.C.)

Andoa (R.B.) Andua (R.B.) Pedra Branca (O.C.) Treme-Terra (O.C.) Mata Sagrada (R.P.) Boiadeiro Zamparrilha (R.P.) Corisco (R.P.) Sete Pedreiras (R.P.) Boiadeiro Trovador (R.P.) Caramuru (R.L.)

Bumburucema ** Caiangô ** Matamba ** Capanzo (R.B.)

Senhora do Rio Fundo (R.B.) Andeloá (R.B.) Matamba (O.C.) Jandira (R.L.) Ventania (R.P.) Jupira (R.P.) Zebu Preto (R.P.) dos Raios (R.P.)

São Jerônimo ** São João ** São Pedro **

Santa Bárbara **

Sobô ** Gbe (M.E.) Vodunjó (M.E.) Aveji (M.E.)


Orixá nagô

Santo católico

Vodum jeje

Inquice banto

Caboclo

Obá **

Santa Joana D’Arc ** Santa Catarina (P.V.)

Pena Vermelha (R.P.)

Oxum **

N. Sra. das Candeias ** N. Sra. da Conceição ** N. Sra. dos Prazeres (P.V.) N. Sra. do Carmo (P.V.) Virgem Maria (O.C.)

Aziri-Tobossi ** Navê (R.P.) Navezuarina (R.P.) Iá (R.B.) Aziritolá (M.E.) Anaê (Água doce) (M.E.)

Samba ** Quissambo ** Quissimbe ** Micaia (R.B.) Dandaluna (G.C.)

Sra. dos Altos Montes (R.B.) Jurema (R.L.) Lua Nova (R.P.) Jandaia (R.P.) Estrela Dourada (R.P.) Sultão das Matas (R.P.)

Logunedé **

São Miguel Arcanjo ** Santo Expedito **

Bosso Jara

Gongombira **

Laje Grande (R.P.) Bugari (R.P.)

Euá **

Santa Lúcia (R.P.)

Euá (R.P.)

Iemanjá **

N. Sra. da Conceição ** N. Sra. da Glória ** N. Sra. das Candeias (O.C.) N. Sra. da Glória (O.C.) N. Sra. do Rosário (o.f.) N. Sra. Altos Montes (o.f.)

Agbê (R.P.) Adaunci (R.B.) Obotô (R.B.) Aziri-Tobossi (M.E.) Naê (o.f.)

Dandalunda ** Quissembe ** Caiala (R.L.) Mameto-catumbá (R.B.) Pandá (R.B.) Maiedunda (R.B.) Caiá (G.C.) Caiaiá (G.C.) Micaia (O.C.)

Mais de 2 coincidências Roger Bastide (R.P.) Reginaldo Prandi (P.V.) Pierre Verger (O.C.) Olga Cacciatori (E.C.) Edison Carneiro (G.C.) Gisèle Crossard (R.L.) Raul Lody (M.E.) Mejitó Edanken (o.f.) Outras fontes **

(R.B.)

Janaína ** Aiucá ou Arocá ** Mucunã ** Iara ** Rainha do Mar (R.B.) Sereia do Mar (R.B.) Maria Princesa do Mar (R.B.) Marabô (E.C.) Sete Ondas (R.P.) Indaiá (R.P.) Juremeira (R.P.) Estrela (R.P.) Cabocla Indaiá (O.C.)

133


Orixá nagô

Nanã ** Nanã Buruku **

134

Santo católico

Vodum jeje

Inquice banto

Caboclo

Santana ** Santa Bárbara (O.C.) N. S. das Candeias (O.C.)

Tobossi ** Nanã Yabain (M.E.) Anamburuku (o.f.) Borocô (o.f.)

Taraquizunga ** Rodialonga ** Zumbaranda (R.B.) Ganzumba (R.B.) Caiaia (R.B.) Kere-kerê (E.C.) Matamba

Borocô ** Andeoá (R.B.) Treme Terra (R.P.) Cabocla Camaceti (R.P.) Rei da Hungria (R.P.) Andua (o.f.) Malembá ** Tamutá (R.B.) Caboclo Bom (R.B.) Pedra Branca (R.P.) Pena Branca (R.P.) Lua Branca (R.P.) Águia Branca (R.P.)

Oxalá ** Obatalá ** Orixalá

Senhor do Bonfim ** Jesus Cristo (o.f.)

Lissá (R.B.) Oxocá (R.B.) Oxaocô (R.B.)

Lemba ** Cassumbecá ** Lembadilê **

Oxaguiã (Oxalá Jovem) **

Jesus menino (R.P.)

Lembaringanga **

Oxalufã (Oxalá Velho) **

Jesus crucificado

Lissá ** Mawu (M.E.) Lissá-Guegué (M.E.) Oxocá (o.f.)

Zambi (R.P.) Remakalungá (G.C.) Kanjanjê (G.C.) Lembaranganjê (G.C.) Miemba (o.f.)

Caboclo Bom (o.f.)

Ibeji **

São Cosme (O.C.) São Damião (O.C.)

Hoho (R.B.)

Vunji ** Zin ** Funzá (G.C.) Zimbaianzuzé (R.B.)

Meninos (R.B.)

Iroco **

São Francisco de Assis ** São Sebastião (O.C.) Bom Jesus (R.L.)

Loco **

Tempo ** Catende ** Quitendu **

Juremeiro **

(R.P.)


Orixá nagô

Omolu ** Xapanã ** Obaluaê **

Olorum ** Olodumaré (P.V.)

Orunmilá (P.V.)

Santo católico

Vodum jeje

Inquice banto

Caboclo

São Roque ** São Lázaro ** São Sebastião ** São Bento **

Sakpatá ** Azoani (R.B.) Duzina (R.B.) Acossi (R.P.)

Caviungo ** Cajanjá ** Quincongo ** Burugunço ** Kukete ** Cafunã (R.P.) Nsumbu (G.C.) Kassumbencá (G.C.) Alojê (G.C.) Intoto (G.C.) Assabá (G.C.)

Cobra Cauã (E.C.) Girassol (R.P.) Tupinambá (R.P.) Xapangueiro (R.P.) Cambaí (R.P.) Anhangá (R.L.)

Deus >**

Mawu **

Zambi ** Zambiampongo **

Tupã ** Tairá (R.B.) Zaniapombo ** Salavá (E.C.)

Mais de 2 coincidências Roger Bastide (R.P.) Reginaldo Prandi (P.V.) Pierre Verger (O.C.) Olga Cacciatori (E.C.) Edison Carneiro (G.C.) Gisèle Crossard (R.L.) Raul Lody (M.E.) Mejitó Edanken (o.f.) Outras fontes **

(R.B.)

Fa (P.V.) Nicasse (E.C.) Orunduze

135


CRONOLOGIA DA ESCRAVIDÃO

1533 Chegada dos primeiros escravos ao litoral brasileiro. 1549 Primeiro ato governamental autorizando os senhores a adquirir até 120 escravos por engenho. 1588 Regimento expedido pelo rei de Portugal instruindo o governo geral do Brasil sobre negros armados nos quilombos. 1597 Primeira informação oficial de hostilização a portugueses por parte de quilombolas. 1609 Promulgação de lei, somente cumprida após 1831, declarando livres os índios, após seu batismo. 1615 Chegada ao Brasil da Companhia das Índias, detentora do monopólio da importação de escravos e da exportação de madeiras. 1678 Assinatura de acordo de paz com o quilombo de Palmares. 1682 Carta régia determinando a dominação e captura de negros fugidos pelos chamados capitães-do-mato. 1693 Carta régia recomendando aos governos das províncias brasileiras a não se descuidarem de administrar os sacramentos da igreja católica aos negros recém-importados. 1694 Carta régia disciplinando o sepultamento dos escravos. 1695 Derrota do quilombo dos Palmares e morte de Zumbi. 1696 Carta régia proibindo às escravas o uso de vestido de seda, cambraia e rendas e adornos de ouro e prata nas roupas. 1701 Carta régia ordenando a concessão do sábado livre aos escravos, para que esses pudessem procurar seu sustento. 1711 Carta régia regulando o tráfico interno de escravos. 1722 Oficialização do cargo de capitão-do-mato, responsável por capturar escravos fugidos. 1741 Alvará determinando que fosse marcada a

136

espádua do escravo fugido com a letra “F”. Os reincidentes teriam uma das orelhas cortadas. Na terceira fuga seriam condenados à morte. 1755 Revalidação da lei em favor da liberdade dos índios. 1756 Provisão governamental tornando pública a navegação e o tráfico livre. 1756 Abortada insurreição de escravos, que ocorreria juntamente com as comemorações da semana santa em Minas Gerais. 1757 Autorização para a publicação da obra “Etíope Resgatado”, de autoria do padre Manuel Ribeiro Rocha, que pregava o absurdo da escravidão negra. 1761 Alvará declarando a liberdade dos escravos nos Açores. 1772 Julgamento do escravo fugitivo Somersett, abrindo precedente para que a justiça britânica não mais apoiasse a escravidão. 1773 Assinatura de lei decretando livres os escravos em Portugal. 1791 Início da revolução no Haiti. 1794 Libertação dos escravos no Haiti. 1798 Revolta dos Alfaiates, na Bahia. 1802 Revogação da legislação abolicionista haitiana por Napoleão. 1804 Independência do Haiti. 1807 Aprovação, no Parlamento britânico, do Abolition Act, que proibia o tráfico de escravos na Inglaterra. 1810 Assinatura do Tratado de Aliança e Amizade entre Inglaterra e Portugal, estabelecendo a abolição gradual da escravidão e delimitando as possessões portuguesas na África como únicas que poderiam continuar o tráfico. 1815 Convenção assinada pela Inglaterra e Portugal, assumindo o governo português o compromisso de renunciar ao tráfico de escravos ao norte da linha do Equador. 1818 Alvará declarando libertos os escravos en-

contrados a bordo dos navios que traficassem escravos ilicitamente ao norte do equador. 1822 Independência do Brasil. 1823 Representação elaborada por José Bonifácio à Assembleia Constituinte, iniciando o processo legislativo da emancipação gradual dos escravos no Brasil. 1823 Aprovação da lei que proibia a escravidão no Chile. 1824 Promulgação da Constituição Política do Império do Brasil que, em seu artigo 179, aboliu os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as penas cruéis aos escravos. 1824 Abolição do tráfico de escravos em Pernambuco. 1826 A Inglaterra impõe ao governo brasileiro o compromisso de decretar a abolição do tráfico em três anos. 1826 José Clemente Pereira apresenta à Câmara dos Deputados projeto abolindo o tráfico de africanos. 1829 Decreto do Imperador brasileiro dispondo a execução imediata de escravos condenados por morte aos senhores. 1829 Abolição da escravatura no México. 1830 O Deputado Antônio Ferreira Franca apresenta projeto à Assembleia para acabar com a escravidão em 50 anos. 1831 Promulgação da Lei Diogo Feijó, proibindo o tráfico de escravos no Brasil. A lei declarava livres todos os escravos que entrassem no território ou portos vindos de países estrangeiros. Estabelecia penas para os que transportassem, introduzissem, recebessem ou comprassem como escravos indivíduos declarados livres. O escravo desembarcado seria imediatamente reexportado. A lei foi ignorada e chamada popularmente de “lei para inglês ver”. 1833 Sancionada no parlamento britânico a extinção da escravatura, estendida a todo o império.


1835 Revolta dos Malês, na Bahia. 1835 Publicada lei que determinava pena de morte e suplício, sem qualquer recurso de natureza processual, aos escravos “que matarem de qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem qualquer outra ofensa física ao seu senhor, à sua mulher, a descendentes ou ascendentes que em sua companhia morarem, o administrador, feitor e as mulheres que com eles viverem”. 1838 Enviado destacamento de tropas para Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, para combater escravos aquilombados, chefiados por Manuel Congo. 1838 Início da Balaiada, guerra civil que devastou as províncias do Maranhão, Piauí e Ceará. 1839 O papa Gregório XVIII emite bula papal execrando o escravismo e admoestando os fiéis para que se abstivessem do tráfico de escravos. 1839 Enforcamento de Manoel Congo, líder do quilombo de Vassouras. 1845 Sancionado o Bill Aberdeen (Slave Trade Supression Act), ato do parlamento britânico que proibia o comércio de escravos entre a África e a América e sujeitava os navios brasileiros que traficassem escravos a julgamento pelos tribunais ingleses. 1846 Nascimento da Princesa Isabel, no Rio de Janeiro. 1848 Emancipação dos escravos das colônias francesas, aprovada pela convenção republicana em 1794. 1850 Promulgada a Lei Eusébio de Queiroz, estabelecendo medidas mais rigorosas para a repressão ao tráfico de escravos, apesar da lei que já o proibia, desde 1831. 1853 Promulgado decreto onde foram declarados emancipados, se assim o quisessem, os africanos livres cujos serviços fossem arrematados por particulares. 1854 Projeto de lei proibindo o comércio e trans-

porte de escravos entre as províncias. 1854 Lei Nabuco de Araújo prevendo sanções para as autoridades que encobrissem o contrabando de escravos. 1854 Abolição da escravidão na Venezuela e no Peru. 1860 Decreto proibindo as vendas de escravos por pregão e em exposição pública. 1861 Documento aconselhando aos juízes o limite de 200 açoites como punição aos escravos no Brasil. 1865 Abolição da escravidão em todo o território norte-americano, com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865). 1866 Concedida a liberdade gratuita para cerca de 20.000 escravos designados para lutar na guerra do Paraguai. 1869 Proibida a separação de marido e mulher e de pais e filhos escravos. 1869 Portugal torna ilegal a escravidão, em cumprimento ao decreto de liberdade dos escravos em seus territórios, desde 1854. 1869 Abolição da escravatura no Paraguai. 1871 Morte, aos 24 anos, do poeta abolicionista Antonio de Castro Alves, na Bahia. 1871 Aprovada e sancionada pela Princesa Isabel a Lei Rio Branco, ou Lei do Ventre Livre, que declarava livres os filhos de mães escravas. 1871 Criação de um fundo aplicável à libertação dos escravos. 1871 Libertação de todos os escravos da ordem dos Beneditinos. 1871 Promulgada a Lei do Ventre Livre, concedendo liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data, mas mantendo-os sob a tutela dos seus senhores até atingirem a idade de 21 anos. 1874 Os escravos são emancipados na Costa do Ouro (atual Gana) após a conquista do reino de Ashanti pelos ingleses.

1876 Decreto criando o fundo de emancipação para a alforria dos escravos no Rio de Janeiro. 1880 Fundada no Rio de Janeiro, por Joaquim Nabuco, André Rebouças, Joaquim Serra e outros abolicionistas, a Sociedade Brasileira contra a Escravidão. 1880 Joaquim Nabuco apresenta à Câmara um projeto de lei propondo a abolição da escravidão. 1880 Fundação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão e de seu jornal, O Abolicionista. 1881 Greve dos jangadeiros em Fortaleza, liderados por José do Nascimento, o Dragão do Mar. Os jangadeiros se recusaram a transportar escravos para o sul do Brasil. 1883 Declarados livres todos os escravos do município de Acarape, (hoje Redenção), Icó e Baturité, no Ceará. Em seguida foram libertados os escravos de Fortaleza, Pedra Branca e Viçosa. 1883 Os jornais Dezenove de Novembro, O Paraná e A República, no Paraná, decidem não publicar anúncios de fuga ou venda de escravos. 1883 Publicação de “O Abolicionismo”, de Joaquim Nabuco. 1883 Criação da Confederação Abolicionista - panfleto de André Rebouças, pela abolição imediata e sem indenização. 1884 Libertados escravos em Santa Quitéria, Sobral, Aracati, Russas e União, no Ceará. Libertação total dos escravos no estado. 1885 Primeira libertação de escravos feita por meio do fundo de arrecadação instituído pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro. 1885 Assinada a Lei dos Sexagenários, ou Lei Saraiva Cotegipe, que regulava a extinção gradual do trabalho escravo e declarava livres os escravos com mais de 60 anos. 1886 Extinção oficial do tráfico em Cuba, que passou a receber mão-de-obra chinesa para trabalhar no plantio de cana-de-açúcar. 1886 Aprovado projeto que proibia o açoite no

137


castigo aos escravos. 1887 Representação da Câmara de Nazaré, província de Pernambuco, pedindo leis sobre a abolição imediata da escravidão. 1887 Petição apresentada pelo Marechal Deodoro da Fonseca à Princesa Isabel para que “poupasse o exército da humilhante tarefa de perseguir escravos”. 1887 Fundado por José do Patrocínio o jornal abolicionista Cidade do Rio. 1888 Sancionada pela Princesa Isabel, em 13 de maio, a Lei Áurea, que abolia definitivamente a escravidão no Brasil. 1889 Proclamação da República. 1890 Acordo com a Inglaterra para proibição do tráfico negreiro e abolição da escravatura na Tunísia. 1890 Determinação de Rui Barbosa para a queima de todos os livros e papéis referentes à escravidão no Brasil. 1894 A Inglaterra decreta em Gâmbia a emancipação gradual da escravidão. Os escravos tornavam-se libertos com a morte do senhor ou mediante pagamento. 1897 A escravidão é abolida em Madagascar. Em Zanzibar, a proibição da prática só ocorre em 1909. 1901 A Inglaterra torna a escravidão ilegal no sul da Nigéria. A abolição no norte do país só ocorre em 1936. 1920 Surgimento da umbanda na região sudeste do Brasil. 1928 Abolição da escravidão em Serra Leoa. 1942 Abolição da escravidão na Etiópia. 1956 Com a retomada de sua soberania, a escravidão no Marrocos foi desaparecendo do reino sem uma legislação específica, e a instituição se extinguiu. 1962 A Arábia Saudita abole o status legal da escravidão.

138

1968 Fenômeno social da “contracultura”. Início da popularização do candomblé e da sua expansão do Nordeste para as demais regiões do Brasil. 1980 Na Mauritânia, a lei de 1980 foi a última das quatro tentativas legais de abolir a escravidão no país. Atualmente, ainda há indícios dessa instituição no país. 1983 Assinatura do manifesto contra o sincretismo nas religiões afro-brasileiras pelas mães-de-santo dos cinco terreiros mais tradicionais da Bahia. 1990 A escravidão foi abolida no Sudão na década de 1950, mas a prática foi retomada nos anos 90 com a guerra civil.

Fonte: Alaor Scicínio, Dicionário da escravidão e Revista de História da Biblioteca Nacional.


GLOSSÁRIO

A Abadá vestimenta masculina; túnica larga e bordada. Abagri objeto do vodum Kpo; machado zoomorfo de Sogbo. Abará pequeno bolo de massa de feijão fradinho cozido envolto em folha de bananeira. Abatá tambor horizontal, sobre cavalete, tocado no Tambor de Mina. Abassá ou agbassá barracão de festas do caboclo. Abebê leque de metal amarelo ou espelho. Aberém comida votiva feita de milho cozido enrolado em folha de bananeira. Abi saiote feito de palha tingida vestido por Sogbo; avental de forma triangular usado por Xangô e Omolu. Abiã noviço ou noviça; aspirante que cumpriu apenas os ritos anteriores à iniciação. Abiku criança que morre cedo; natimorto. Abô infusão proveniente da maceração de ervas para banhos rituais e uso geral nos terreiros. Aborô denominação genérica dos orixás masculinos. Aburá comida votiva do inquice Caiangô ou Matamba. Acaçá pequeno bolo de milho branco ou amarelo, ou ainda arroz, ralado ou moído e cozido, envolvido em folhas de bananeira. Acará pequeno bolo feito de feijão fradinho moído, frito em azeite-de-dendê. Acarajé ver acará. Adarrum toque acelerado que provoca o transe nas vodunsis; chamada dos voduns para incorporar. Adê diadema com franjas usado para cobrir o rosto de algumas iabás. Adjá ou adjarin instrumento formado por campânulas compridas, tocado pela mãe-de-santo durante o ritual para invocar a divindade. Ado prato votivo a Oxum. Adun comida ofertada ao orixá Oxum. Afoxé instrumento musical; o mesmo que agé; nome de bloco semi-religioso que sai durante o carnaval da Bahia.

Agé instrumento musical composto por uma cabaça envolta em malha confeccionada com contas, sementes ou búzios; ver xequerê. Agesi pessoa consagrada ao vodum Age. Agô pedido de licença. Agogô instrumento musical composto por uma ou duas campânulas de ferro percutidas por uma haste de metal; o mesmo que gã. Aguidá alguidar. Aguidavi vareta feita de galhos de goiabeira ou outras árvores com a qual são percutidos os atabaques nos candomblés jeje e queto. Ahunguelê manta feita com miçangas usada pelas tobossis. Ajabó comida votiva a Iroco e Oxalufã, feita com quiabo picado e mel. Ajapá jaboti. Ajé ou ajê búzio; riqueza. Ajuntó ou ajotó segundo orixá ou vodum que acompanha o iniciado. Akaká ritmo, toque jeje mahi. Alá pano branco próprio de Oxalá. Alabê chefe dos tocadores de atabaque e encarregado dos cânticos. Alacá o mesmo que pano da costa. Alapatá comida do inquice Caiangô ou Matambá. Alguidar recipiente de barro cozido utilizado nas cozinhas rituais. Aluá ou aruá bebida fermentada de origem indígena, composta de milho moído ou arroz, cascas de abacaxi, gengibre, açúcar ou caldo de cana e limão. Aluja toque para Xangô. Amalá comida votiva a Sogbo ou Xangô, feita com quiabos, azeite de dendê e inhame. Amassi banho ritual purificatório feito com folhas votivas maceradas. Anderé vatapá de feijão fradinho votivo a Nanã. Angola nação de candomblé de origem do grupo banto. Aó bênção.

Apaoká árvore sagrada; jaqueira. Arrebate toque de atabaque para a abertura das festas públicas. Arrobobôi saudação ao vodum Bessen. Assentamento morada e local de culto e veneração das divindades; nome dado a certas pedras que se encontram no peji ou em pequenas construções localizadas na roça; os demais objetos ou elementos da natureza cuja substância e configuração abrigam a força dinâmica de uma divindade. Assento o mesmo que assentamento. Atabaques trio de instrumentos de percussão semelhantes a tambores que orquestram os ritos de candomblé; apresentam-se em registro grave, médio e agudo, sendo chamados respectivamente rum, rumpi e lé. Atacã ver ojá. Atinsá árvore sagrada. Atotô saudação ao orixá Omolu. Avamunha toque de atabaques e agogôs que encerra a festa pública. Axé poder vital, força, energia de cada ser e de cada coisa; objeto ou ser sobre o qual a energia sagrada das divindades é fixada; fundações mágicas da casa de culto. Axexê ritual fúnebre. Axogum especialista responsável pelos sacrifícios; aquele ou aquela que “corta”; ogã-de-faca. Axoxó comida votiva do orixá Oxossi, feita com milho amarelo e coco. Azê vestimenta ritual feita de palha com franja de búzios. B Babá pai; espírito ancestral; título de oxalá. Babalaô sacerdote de Ifá; babalorixá que pratica adivinhações com búzios. Babalorixá líder máximo de uma casa de candomblé; ver pai-de-santo.

139


Babaquequerê equivalente masculino da iaquequerê; pai-pequeno. Babassuê religião afro-brasileira; denominação de candomblé no Pará. Baixar ato da incorporação da divindade no iniciado. Bajigã título honorífico; ogã que cuida do barracão de festas ou dos sacrifícios. Balagandã ornamento de prata ou cobre, composto por vários amuletos, utilizado como adereços do orixá Iansã. Banhos ver amassi. Banzo nostalgia mortal que atacava os negros trazidos escravizados da África. Barco grupo de iaôs recolhido ao mesmo tempo para iniciação. Barracão local do terreiro onde ocorrem as festas públicas. Barravento estado de perturbação e ansiedade que domina o filho ou filha-de-santo antes de bolar. Batá tambor de duas membranas usado pendurado ao pescoço do tocador. Batucajé som dos atabaques durante as danças. Batuque nome genérico para as danças de origem africana; designação de cultos afro-brasileiros no Rio Brande do Sul. Bejê-orô saudação a Ibeji. Bioco Tipo de chapéu com franja de palha usado pelo orixá Xapanã. Boitá obrigação jeje onde há uma procissão de voduns, vestidos de branco, em torno das árvores sagradas. Bolar no santo entrar em transe de incorporação pela primeira vez, antes da iniciação. Bori sacrifício para “alimentar a cabeça”; ritual terapêutico; juntamente com a lavagem de contas, abre o ciclo iniciático. Borozã dança litúrgica. Brajá colar de búzios usado por diversas divindades. Bravun ritmo, toque. Búzios tipo de concha de uso corrente no candomblé na confecção de vestimentas, adereços, instrumentos musicais; utilizados também no sistema adivinhatório; cauri.

Caboclo espírito ancestral de indígenas ou mestiços brasileiros cultuados nos candomblés e na umbanda; geralmente representado por índios ou boiadeiros; ver encantados. Camarinha o mesmo que quarto de santo. Cambondo tocador de atabaques nos candomblés de angola. Candomblé designação genérica de cultos afro-brasileiros. Canjerê o mesmo que macumba. Canzoá ou canzuá terreiro, local, salão onde se realizam cerimônias afro-brasileiras de origem banto; terreiro de caboclo. Carrego obrigação que foi cumprida; utensílios, objetos, conjunto de coisas que foram despachadas. Caruru comida votiva de Ibeji feita de ervas batidas, frango, quiabo e outros legumes, camarões, peixe, azeite-de-dendê e muitos temperos, coberto com farofa e ovos cozidos. Casa-de-santo espaço onde se reúnem os adeptos do candomblé para cultuar as divindades. O mesmo que ilê, axé, roça, rumpame. Catimbó culto de origem afro-brasileira resultado da fusão entre práticas mágicas europeias, africanas e indígenas. Cauim bebida de caboclo feita com mel, cachaça, rapadura e urucum moído. Cauri ver búzios. Caxixi chocalho confeccionado com cabaça e vime trançado contendo sementes ou seixos no interior. Chibarro bode. Colonfé ou acolonfé bênção para os filhos-de-santo. Confirmação cerimônia pela qual o ogã ou o equede escolhidos pela divindade são consagrados no cargo. Confirmado pessoa que passou pela confirmação. Congo nação de candomblé do grupo banto. Conquém galinha d’angola. Crioulo escravo filho de escravos nascido no Brasil. Cutó ogã que toca o gã e dirige os atabaques.

C

Dagã vodunsi responsável pela cerimônia do padê, o despacho de Legba (Exu). Dangbi árvore sagrada do vodum Bessen; local onde o arco-íris encontra-se com a terra. Dar comida à cabeça cerimônia propiciatória,

Cabaça fruto da cabaceira; utilizado na confecção de instrumentos musicais, vestimentas e insígnias de divindades.

140

D

sacrificial e purificadora que antecede a iniciação; bori. Decá obrigação que confere senioridade após 7 anos de iniciado, onde são passados os instrumentos sagrados para a feitura de santo. Dendê óleo obtido da palmeira denominada dendezeiro usado na cozinha ritual dos candomblés. Derê mãe-pequena; a segunda na hierarquia do terreiro. Defumador composto de essências aromáticas, folhas e cascas, usado ritualmente em fumigações propiciatórias e terapêuticas. Dendê palmeira de origem africana; o óleo, as folhas e as sementes são grandemente utilizadas nos candomblés. Despacho oferenda a Exu ou Legba ou a outras divindades. Dijina nome iniciático dos filhos-de-santo nos candomblés do grupo banto. Dilogun tipo de jogo adivinhatório com búzios. Dobalé ou dobale cumprimento de iniciados a divindades femininas diante de lugares consagrados ao culto, do pai ou mãe-de-santo ou autoridades religiosas. Doburu pipoca. Dofona primeira posição de entrada no barco ou grupo de iniciação. Dofonitinha segunda posição no barco ou grupo de iniciação. Domo nona posição no barco ou grupo de iniciados. Domutinha décima posição no barco. Doné mãe-de-santo no jeje, cujo vodum pertença à família de Hevioso. Doté masculino de Doné. Draka espécie de sabre do vodum Bessen. E Ebami pessoa iniciada no culto; título adquirido após a obrigação de 7 anos; equivalente a vodunsi. Ebiri espécie de vassoura de folhas de palmeira carregada pelo orixá. Ebô alimento de uso ritual. Ebó oferenda, sacrifício; usa-se também trabalho, despacho. Ebomi masculino de ebami. Ecodidé papagaio da costa; a pena vermelha é utilizada nos rituais de iniciação.


Efã uma das nações de candomblé de origem iorubana ou jeje-nagô. Efun substância branca, calcária, de significação especial para a feitura dos santos das iaô. Egum ou egun espírito dos mortos. Egungun eguns ancestrais; cultuados especialmente em terreiros situados na Ilha de Itaparica, na Bahia. Ekó massa preparada com milho branco. Elu espécie de planta ritual; nome de tambor dos bantos. Encantado ser animado de poderes sobrenaturais que habita a Terra ou o céu; designação genérica das entidades cultuadas nos candomblés de caboclo. Encantoria forma de pajelança afro-ameríndia, praticada no norte e nordeste brasileiro; culto a diversas divindades de origens africanas, indígenas, católicas e especificamente brasileiras, como os encantados e os caboclos. Eni esteira de palha utilizada pelos neófitos durante o período da iniciação; Epa-babá saudação a Oxalá. Eparrei saudação a Iansã. Equede cargo honorífico da mulher que serve aos voduns ou orixás sem entrar em transe; equivalente feminino de ogã; encarregada de cuidar dos participantes de danças e cantos rituais incorporados pelas divindades. Equeté chapéu usado por ogãs, zeladores e em alguns casos por iaôs do sexo masculino. Erê divindade auxiliar ao vodum ou orixá; estágio de transe atribuído a um espírito-criança. Eru espanta-mosca. Eruexim eru de Iansã. Erugim adaga em forma de meia-lua do vodum Avejidã. Eruquerê eru utilizado pelo orixá Oxossi. Esteira ver eni. Ewe folha. F Fa divindade que preside os vaticínios; o jogo adivinhatório feito com búzios; o mesmo que ifá. Família de santo termo usado para designar laços de parentesco religioso entre fiéis do candomblé. Fanti-ashanti grupamento étnico-linguístico originário da Costa do Ouro, atual Gana; também

denominados minas. Feito iniciado; pessoa que passou pelos ritos de iniciação. Feitura processo de iniciação que começa com a reclusão do iniciado, sua preparação nos fundamentos da religião, a depilação e pintura corporal, a consagração da cabeça e apresentação pública ou saída de santo, onde o iniciado proclama seu novo nome sagrado. Filá fios de conta ou palha que cobre o rosto dos orixás femininos. Filho-de-santo afiliado ao candomblé. Firma fecho de colar em forma cilíndrica. Fomo terceira posição no barco ou grupo de iniciados. Fomutinha quarta posição no barco. Fon subgrupo da nação jeje; uma das línguas faladas pelos jeje. Fundamento base, origem ritual religiosa; conhecimento iniciático. Funfun branco. Fuxico-do-santo mistério e particularidades de determinados ritos ou divindades. G Gã instrumento musical; sino sagrado; agogô. Gaiaku mãe-de-santo consagrada no jeje. Gameleira árvore sagrada do vodum Loko. Gamo quinta posição no barco ou grupo de iniciados. Gamutinha sexta posição no barco. Ganzá espécie de chocalho feito com folha-de-flandres contendo seixos ou pedaços de chumbo. Garrafada bebida ou banho medicinal contendo plantas diversas imersas em álcool. Gra espírito elementar da natureza que a vodunsi incorpora, durante o período de iniciação, antes de receber a sua divindade; denomina também o ritual. Gubassá Arma em forma de espada. Gudaglô Arma em forma de punhal. Guguru pipoca.

H Hamunia ver avamunha. Honogô espécie de avental usado pelos voduns da família do trovão e do mar.

Huim cerimônia final dos ritos de iniciação, conhecida como “dar o nome”. Humbono primeiro filho-de-santo raspado, independentemente da iniciação individual ou no barco. Hungo espécie de sabre que o vodum Bessen carrega. O mesmo que takara. Hunsó nome genérico do segundo cargo na hierarquia dos candomblés jejes. Hunvé ritual que ocorre durante a iniciação, ligado ao vodum Ajautó. Hunutó pai; ogã tocador de tambor; ver alabê. I Iá mãe. Iabá designação genérica do grupo formado pelas divindades femininas (orixás ou voduns); designa também as iniciadas consagradas a essas divindades. Iabassê especialista responsável pelo preparo e distribuição ritual das comidas e das oferendas às divindades, desde o recebimento dos animais, após o sacrifício, até servir a comida pronta; senhora da faca. Iá-efun especialista responsável pela aplicação das pinturas corporais nos ritos de iniciação. Ialaxé mãe do axé; mãe-de-santo; zeladora. Ialorixá mãe-de-santo; principal sacerdotisa da casa de santo. Iá-nassô sacerdotisa do orixá Xangô. Iaô denominação dos filhos-de-santo iniciados que ainda não completaram o período de sete anos da iniciação. Iaó saudação a Ibeji. Iaquequerê o mesmo que mãe-pequena. Iatebexê tem função de fazer o solo nas cantigas das festas. Ibá representação da divindade como louças, madeira, tabatinga. Ibiri cetro em forma de arco, de fibras das folhas do dendezeiro com búzios, utilizado por Nanã. Iché prato feito com miúdos recheados de animais sacrificados. Ifá ver fa. Igba colar de balagandãs usado pelas iabás. Igbi caracol comestível votivo a Oxalá; “boi de Oxalá”; designa também tipo de toque a esse orixá. Ijexá nação de candomblé do grupo iorubá.

141


Ilá grito de orixá; identificação sonora e particular da divindade. Ilê ver casa-de-santo. Ilu ritmo de atabaques para Odé; tambor. Impê ogã colaborador nos sacrifícios. Iniciação ritos nos quais o iniciado identifica-se com a divindade, é preparado para ser incorporado por ela; período onde são transmitidos os fundamentos da religião. Iniciado pessoa que passou pelos ritos de iniciação; feito. Inquice divindade dos candomblés de origem banto. Iorubá grupo cultural que habitava o reino de Ketu, nos atuais Nigéria e Benin. Ipeté comida ritual preparada com inhame cozido. Irmandade associação religiosa de leigos que se reuniam para promover o culto a um santo, independente do clero; peça importante na origem do sincretismo religioso dos cultos afro-brasileiros. Irmão-de-axé relação de parentesco religioso entre os membros de uma mesma casa-de-santo. Iroco-i-só saudação a Iroco. Itá pedra sagrada; assentamento. Itãs conjunto de lendas e histórias passados de geração a geração pelos povos africanos. J Jeje povo habitante da margem oriental do rio Ouemé, na área de Adjatché (Porto Novo) ou entre Pobé e Ketu; nação de candomblé originária de grupos étnicos habitantes do antigo Daomé. Jeje-nagô candomblé de predominância iorubá e muitos aspectos jejes. Jibonã ou ajibonã pessoa encarregada de apoiar, zelar, ensinar e patrocinar o abiã durante a iniciação; puxa a iaô na saída do barco. Jogo de búzios vaticínio com búzios, ligado ao Ifá, feito pelo chefe do terreiro. Juntó segunda divindade da pessoa. Jurema planta das leguminosas, comum no Nordeste brasileiro, com propriedades psicoativas, considerada sagrada em alguns cultos religiosos ligados à encantaria; tradição sincrética religiosa de origem indígena, com elementos do catolicismo europeu, das divindades africanas e indígenas.

142

Juremeiro praticante do culto da jurema. K Kaô-Cabecile saudação ao orixá Xangô. kwe o mesmo que casa; construção. L Labá bolsa onde o orixá Xangô carrega as pedras de raio. Lagidibá colar usado pelos adeptos do orixá Omolu, confeccionado de pequenos discos pretos. Laroiê saudação ao orixá Exu. Lavagem termo genérico para designar banhos lustrais. Lavagem de contas lavagem ritual de colares relacionados às divindades, a serem usados pelo iniciado. Lé atabaque pequeno; o mesmo que runlé. Logun saudação ao orixá Logunedé. M Macaia bebida feita com aguardente e ervas curtidas, tomada nas festas de caboclo. Macumba designação genérica para os cultos sincréticos afro-brasileiros como a umbanda e o candomblé; termo depreciativo, sinônimo de feitiço. Mãe-criadeira pessoa iniciada que supervisiona e ajuda na iniciação. Mãe-de-santo ver ialorixá. Mãe-pequena título honorífico feminino correspondente à segunda pessoa na ordem hierárquica de uma casa-de-santo; equivalente masculino a pai-pequeno. Mahi ou marrim povo e língua falada ao norte de Abomey, no Benin; subgrupo da nação de candomblé jeje. Maiongá banho matinal nos ritos de iniciação. Malê nome genérico dos escravos de origem muçulmana. Mameto mãe nos candomblés angola e congo. Mametô ndengue chefe do terreiro angola; mãe-de-santo. Mapô ou amapô órgão sexual feminino. Marivô ou mariwo folha de dendezeiro desfiada. Marujo encantado dos candomblés de caboclo.

Matança sacrifício de animais. Mehuntó pai-pequeno no jeje. Mejitó cargo feminino máximo da mãe-de-santo de um terreiro jeje consagrada a vodum da família de Dan. Meladinha bebida feita com cachaça, mel-de-abelha, erva-doce, gengibre e canela, tomada nos candomblés de origem banto, e de caboclo. Meninas ver tobossi. Meninos Ibeji. Midubi, midubim ou modumbi nação do grupo jeje; voduns da família de Quevioçô na Casa das Minas; amendoim. Mina grupo étnico de Gana; ver fanti-ashanti. Mina-jeje candomblé do subgrupo mina, da nação jeje. Mocó cesto. Mojubá louvação às divindades ou ancestrais. Mudar de águas mudar de casa de candomblé; seguir novas orientações religiosas. Mudubi toque próprio dos voduns da família de Hevioso. Mugunzá prato feito com milho branco seco cozido em leite de coco ou de vaca, temperado com açúcar e canela; prato votivo a Nanã em algumas nações. N Nação local geográfico de origem de um grupo étnico; grupo étnico com tradição cultural ou linguística comuns; grupo religioso de candomblé com características distintas, originadas das várias regiões africanas. Nagô termo genérico que define diversos grupos étnicos falantes da língua iorubá. Nochê título de tratamento na Casa das Minas; mãe. O Obá-xireê saudação a Obá. Obé faca utilizada nos sacrifícios. Obi noz de cola, fruto africano de uso como oferenda e práticas divinatórias. Obrigação cerimônia interna que o iniciado deve realizar em períodos regulares, para sua divindade; ebó. Odá bode castrado, animal votivo ao orixá Logunedé.


Odoiá saudação a Iemanjá. Odu pronunciamento oracular resultante de prática divinatória de Ifá. Ofá artefato de ferro fundido, representando o arco e flecha do orixá Oxossi. Ogã título honorífico conferido aos beneméritos da casa-de-santo; homem que ocupa cargo administrativo ou ritual. Ogã-de-salão encarregado do barracão. Ogô bastão com formato fálico do orixá Exu. Ogunhê saudação ao orixá Ogum. Ojá ou oujá tira de pano, nos trajes rituais do candomblé geralmente amarrada no peito ou na cabeça do filho ou filha de santo. Ojê tipo de embornal feito com chifre, usado por Oiá. Okearô saudação ao orixá Oxossi. Oluô sacerdote de ifá; título de jogador de búzios. Omolocô rito com influências do candomblé angola e da umbanda; umbanda traçada. Omolucum prato feito com cebolas, feijão-fradinho, sal e camarões, ofertado a Oxum. Opanijé toque para Obaluaê. Opaxorô o mesmo que paxorô. Opelê colar aberto confeccionado com sementes e utilizado como instrumento divinatório do Ifá. Opô pilastra central. Oraieiê-ô Saudação a Oxum. Ori cabeça; alma que habita a cabeça; inteligência. Oriki conjunto de orições; saudação. Orixá Divindade iorubá ou nagô; representam antepassados, reis ou heróis ou elementos da natureza; também chamado de santo. Orobô fava sagrada utilizado em rituais. Orucó ou Oruncó o mesmo que djina. Orun céu das diversas nações iorubás. Ossé ritual de limpeza nos candomblés de origem iorubá. Otá pedra sagrada onde é fixado o axé do orixá, ou seu assentamento principal; o mesmo que itá. Oxé ou Ossé machado de lâmina dupla feito de cobre, ferramenta do orixá Xangô. Oxu topo da cabeça; massa ritual colocada no topo da cabeça durante o processo de iniciação. P Padê rito propiciatório que ocorre antes do início das cerimônias públicas ou privadas dos candomblés e da umbanda; oferenda a Exu para

que ele não perturbe a festa e faça o contato com as divindades. Pai-de-santo sacerdote, chefe de culto; babalorixá. Pajelança manifestação de rituais dos povos indígenas brasileiros; manifestação religiosa de característica curativa, não-indígena, difundida na Amazônia e no Nordeste do Brasil, que combina elementos do catolicismo popular, das culturas indígenas, religiões afrobrasileiras, medicina rústica e de outros componentes da cultura e da religiosidade popular. Palha-da-costa fibra vegetal utilizada nas indumentárias e montagens de assentamentos no candomblé. Panan ritual realizado após a saída do iaô com a finalidade de reaprender as atividades do dia-a-dia. Pano-da-costa pano proveniente de tecelagem artesanal, originalmente feito na Costa da África, que compõe o traje religioso feminino. Paxorô cajado ritual de Oxalufã. Peji altar ou quarto sagrado onde ficam os assentamentos, as insígnias, as pedras votivas, armas e demais objetos simbólicos da divindade e recipientes contendo as oferendas. Pejigã ogã encarregado da manutenção do quarto de santo, ou peji; também pode ser um dos assistentes do chefe de culto durante as cerimônias realizadas no peji. Plantar axé plantar as árvores atribuídas às divindades, na área do terreiro; enterrar, em locais determinados da roça, atributos sagrados dessas divindades. Povo-de-santo designação coletiva dos filhos-de-santo de todos os candomblés. Preceito rigor e regra ritual do candomblé. Preto velho tipo de entidade característica dos cultos de umbanda que representa os espíritos de negros escravos notáveis por sua humildade, sabedoria e poder mágico. Q Qualidade variável da personalidade mística da divindade; designação genérica dada aos vários nomes atribuídos à divindade. Quartinha recipiente de barro ou louça para guardar líquidos para as divindades. Quarto-de-santo local onde ocorre o processo de iniciação; o mesmo que rundeme, camarinha ou runcó.

Quebrado ritmo, toque jeje. Quelê ou kelê colar usado pelos iniciados como sinal de sujeição à divindade, feito de contas, búzios e outros materiais. Querebentã casa de candomblé jeje-mina. Queto nação de candomblé de origem iorubana. Quicongo língua africana do grupo banto. Quimbundo língua africana do grupo banto. Quitanda de iaô rito que ocorre ao fim do período de iniciação. Quizila interdito ritual; tabu da divindade. R Raspado pessoa que passou pelos ritos de iniciação; abiã. Raspar depilação que ocorre durante a iniciação; por extensão, iniciar. Rebate ritmo litúrgico nos candomblés angola. Receber transe místico onde a divindade toma o corpo do iniciado. Resguardo período que segue diretamente a obrigação ou qualquer outro ritual individual, que pode variar entre 3 e 21 dias, quando o iniciado deve abster-se de diversos hábitos mundanos tais como: fumar, ter relações sexuais, comer certos alimentos, etc. Richeliê tipo de bordado de origem francesa. Roça casa-de-santo; terreno que comporta as diversas construções do terreiro, geralmente situado em área com muito verde. Rodante membro do candomblé pelo qual a divindade se manifesta; pessoa que entra em transe da divindade. Rum atabaque grande. Rumbê educação espiritual. Rumpame o mesmo que terreiro, roça. Rumpi atabaque médio. Runcó ou roncó aposento destinado à reclusão dos neófitos durante o processo de iniciação; camarinha; axé. Rundeme o mesmo que runcó nos candomblés jejes. Runjeve ou Runjebe colar de contas usado pelas vodunsis após sete anos de iniciadas. Runlé atabaque pequeno; le.

143


S Sabaji quarto sagrado onde fica o assentamento do santo do chefe do terreiro jeje-nagô. Sabão da costa espécie de sabão preto usado para fins mágicos e ritualísticos, vindo da costa da África. Sacudimento cerimônia de purificação de pessoas ou ambientes. Saída de santo festa pública para apresentação do iaô ao final dos ritos de iniciação. Saluba saudação ao orixá Nanã. Santo orixá, vodum ou inquice. Sapocã ou sarapokan cerimônia jeje que ocorre durante a iniciação. Sató ritmo jeje. Sequerê instrumento de percussão formado por uma cabaça e adornos de contas ou búzios. Sidagã mulher responsável pelo padê de Exu. Sirrum o mesmo que zerrim. Rito fúnebre. Asesé para os nagô. Sotaque canção de caboclo, com segundas intenções. Suna reza ou oração específica do vodum que rege a cabeça da pessoa. Suspensão ato público no qual a divindade mostra que escolheu a pessoa para ocupar cargo sacerdotal no terreiro. Suspenso pessoa escolhida pela divindade para exercer cargo sacerdotal. T Tacará arma sagrada do vodum Bessen, também usada pelo orixá Euá; o mesmo que humbo. Tambor-de-mina designação de candomblé no Maranhão. Tata pai, no candomblé angola. Tata cambone tocador de atabaque nos candomblés angola. Tata ndenguê chefe do terreiro de candomblé angola; pai-de-santo. Terecô culto afro-brasileiro no interior do Maranhão. Terreiro local onde são instalados as construções e os espaços rituais do candomblé; o mesmo que casa, roça, rumpame. Tó local onde os adeptos tomam os banhos purificadores.

144

Tobossi espírito feminino infantil; princesas, meninas, sinhazinhas na Casa das Minas do Maranhão. Tomar hun dançar incorporado no vodum. Toque sequência musical com características peculiares à nação ou à divindades específicas; cerimônia ritual pública dos candomblés. Toqueno ou Toquém designa um grupo de voduns mensageiros, espécie de auxiliares de outros voduns na Casa das Minas do Maranhão. Torço turbante. Toré designação de cultos afro-brasileiros em Sergipe. Tumbeiro navios de tráfico. U Umbanda religião afrobrasileira formada por elementos do candomblé, do catolicismo e do espiritismo kardecista.

Xinxim comida preparada com galinha desfiada, azeite de dendê e condimentos de Oxum. Xirê conjunto das danças rituais na festa do candomblé. Z Zan esteira de palha. Zandró reunião de rezas e cantigas. Invocação ou chamada do vodum antes do começo de uma festa. Cerimônia realizada no barracão em que as vodunsi, sentadas em esteiras, cantam e oferecem alimento aos atabaques e gan. Zelador cargo temporário ocupado por uma ebomi após a morte da ialorixá, até que seja definido a sucessão. O termo vem se generalizando, denominando também pai-de-santo. Zerrim cerimônia fúnebre. Ver Sirrrum.

V Vatapá comida feita com fubá ou farinha, leite de coco, azeite de dendê, camarão e pimenta. Vimo sétima posição no barco ou grupo de iniciados. Vimotinha oitava posição no barco. Virar entrar em estado de transe; incorporar a divindade. Vito nona posição no barco ou grupo de iniciados. Vitotinha décima posição no barco. Vodum divindades cultuadas pelos jejes. Vodunsi pessoa iniciada para incorporar os voduns; ver iaô. Vumbe falecido, morto. X Xambá antiga nação de candomblé surgida em Alagoas, de predominância iorubana. Xaorô pulseira trançada de palha da costa com guizo usada pelo iniciado presa ao tornozelo. Xaxará ferramenta ritual de Omolu, feita de palitos de dendezeiro, palha da costa, búzios, contas, pequenas cabaças e couro. Xequerê instrumento musical composto por cabaça envolta em malha de búzios ou contas. Xerê chocalho de metal do orixá Xangô.

Fontes consultadas: Roger Bastide, O candomblé da Bahia. Olga Cacciatore, Dicionário de cultos afro-brasileiros. Pai Cido de Oxum, Candomblé, a panela do segredo. Gisèle Crossard, Awô, o mistério dos orixás. Sérgio Ferretti, Querebentan de Zomadonu. Raul Lody, Espaço, orixá, sociedade. Reginaldo Prandi, Os candomblés de São Paulo. Arno Vogel e outros, Galinha d’angola.


BIBLIOGRAFIA

ALBUQUERQUE, W; FRAGA FILHO, W. Uma história do negro no Brasil. Salvador (BA)/Brasília(DF): Centro de Estudos Afro-Orientais/Fundação Cultural Palmares. Disponível em: <http://www.ceao.ufba.br/2007/livrosvideos.php>. Acesso em 09.03.2012. AMARAL, Rita. Xirê! O modo de crer e de viver no candomblé. São Paulo (SP): Pallas Editora. 1a. Edição. 2005. AMARAL, R; SILVA, V. Religiões afro-brasileiras e cultura nacional: uma etnografia em hipermídia. In: Revista Pós Ciências Sociais. v. 3, n. 6. 2006, pp. 107/130. São Luís (MA). Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/da/vagner/publica.html>. Acesso em 02.03.2012. ÁQUILA, Raimundo. “A espetacularidade ritual do caruru de Cosme e Damião: uma visão etnocenológica”. In: Revista Eletrônica Núcleo Transdisciplinar e Espetacularidade. Disponível em <http://www.nucleo.ufal.br/nace/frame/artigos/004.pdf>. Acesso em 11.01.2010. ARAÚJO, Alceu Maynard. Medicina Rústica. São Paulo (SP): Companhia Editora Nacional. Instituto Nacional do Livro. 2ª edição. 1977. BARROS, Elizabeth Umbelino. Línguas e linguagens nos candomblés de nação angola. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo (SP). Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/ disponiveis/8/8139/tde-27112009-102203/en.php>. Acesso em 17.04.2011. BARROS, José Flávio Pessoa de. “As comunidades religiosas

negras do Rio de Janeiro (RJ): de suas origens à atualidade”. In: Revista Acervo do Arquivo Nacional, v. 22, n. 2, jul/dez, 2007. Disponível em: <http://www2.an.gov.br/seer/index.php/info/ article/view/59>. Acesso em 16.04.2012. BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia. Rito nagô. São Paulo (SP): Coleção Brasiliana. Companhia Editora Nacional. 1978. _______________. Estudos Afro-brasileiros. Editora Perspectiva. 1ª edição. São Paulo (SP). 1983. _______________. “Catimbó”. In: Encantaria Brasileira: O Livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. PRANDI, R. (Org.). Rio de Janeiro (RJ): Pallas Editora. 1ª Edição. 2004. BRAGA, Julio Santana. “Prática divinatória e exercício de poder: o jogo de búzios nos candomblés da Bahia”. In: Revista Afro-Ásia. CEAO/UFBA. n. 13, 1980. Disponível em: <http://www. afroasia.ufba.br/edicao.php?pagina=2> . Acesso em 30.05.2012. _______________. Sociedade Protetora dos Desvalidos: uma irmandade de cor. Salvador (BA): Editora Ianamá. 1ª edição. 1987. BRANDÃO, Maria do Carmo. RIOS, Luís Felipe. “O Catimbó-Jurema do Recife”. In: Encantaria Brasileira: O Livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. PRANDI, R. (Org.). Rio de Janeiro (RJ): Pallas Editora. 1ª Edição. 2004. CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de cultos afro-brasileiros. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária. 3a edição. 1977. CANDURU, Roberto. “Das casas às roças: comunidades de candomblé no Rio de Janeiro desde o fim do século XIX”. In: Topoi, 145


v. 11, n. 21, jul/dez, 2010. Disponível em: <http://www.revistatopoi. org/numeros_anteriores/topoi21.htm>. Acesso em 16.04.2012. CARMO, Claudio Márcio. Relações lexicais, interdiscursividade e representação: o sincretismo e a questão racial em corpus de jornais e revistas brasileiras. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em <http:// ged1.capes.gov.br/Capes Processos/919231-ARQ/919231_5.PDF>. Acesso em 06.03.2012. CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. São Paulo (SP): Martins Fontes. 9ª edição. 2008. CARVALHO, Marcos. Gaiaku Luiza e a trajetória jeje-mahi na Bahia. Rio de Janeiro (RJ): Pallas. 1a Edição. 2006. CASCUDO, Luís da Câmara. Meleagro. Rio de Janeiro (RJ): Agir. 2ª edição. 1978. CASSIA, Taynar de. “Movimento negro de base religiosa: a irmandade do Rosário dos Pretos”. In: Caderno CRH, Salvador, n. 34, p. 165-179, 2001. Disponível em <www.cadernocrh.ufba. br/include/getdoc.php?id=954&article=163&mode=pdf>. Acesso em 21.01.2009. CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo (SP): Brasiliense. 1ª edição. 1985. CONSORTE, Josildeth Gomes. “Sincretismo ou antissincretismo? Aspectos políticos e religiosos da construção de uma identidade negra na diáspora”. In: BARRETTI, A. (Org). Dos yorùbá ao candomblé kétu: origens, tradições e continuidade. São Paulo (SP): EDUSP. 1ª. Edição. 2010. 146

CROSSARD, Gisèle Omindarewá. Awo: o mistério dos orixás. Rio de Janeiro (RJ): Pallas. 2ª edição. 2006. DRESCHER, Seymour. “A abolição brasileira em perspectiva comparativa”. RODRIGUES, J. (Trad.). In: Hispanic American Historical Review. 1988. Disponível em: <http://www.ifch. unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/77>. Acesso em 02.12.2012. EYIN, Pai Cido de Osun. Candomblé, a panela do segredo. São Paulo (SP): Saraiva. 1ª edição. 2008. FARIA, Sheila de Castro. “Identidade e Comunidade escrava: um ensaio”. In: Tempo, vol.11, n.22, 2007, p.122-146. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v11n22/v11n22a07.pdf>. Acesso em 02.12.2012. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo (SP): Edusp. 1996. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo (SP): Nova Fronteira. 2ª. edição. 1995. FERRETTI, Mundicarmo. “Pureza nagô e nações africanas no Tambor de Mina do Maranhão”. In: Ciências Sociais e Religião. Ano 3, n. 3, 2001. Porto Alegre (RS): Disponível em: <http:// gurupi.ufma.br:8080/jspui/browse?type=author>. Acesso em 16.04.2012. FERRETTI, Sergio F. Querebentan de Zomadonu: Etnografia da Casa das Minas. São Luís (MA): Universidade Federal do Maranhão. 1ª edição. 1985. _______________. “Sincretismo afro-brasileiro e resistên-


cia cultural”. Mesa Redonda Reafricanização e Sincretismo. V Congresso Afro-Brasileiro. Salvador (BA): 1997. Disponível em: <http://www.divinoemaranhado.art.br/pag/grl/grl_04. php?asel=002>. Acesso em 15.12.2011. _______________. A Terra dos Voduns. 2006. Disponível em: <http://www.repositorio.ufma.br:8080/jspui/handle/1/300>. Acesso em 02.04.2009. FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. Porto Alegre (RS): Mercado Aberto. 3ª edição. 1991. GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades fugitivas no Brasil. São Paulo (SP): Editora Unesp. 2005. HANDLER, Jerome; TUITE Jr. Michael. The atlantic slave trade and slave life in the Americas: a visual record. Disponível em <http://hitchcock.itc.virginia.edu/Slavery/index.php>. Acesso em 31.12.2009. HERSKOVITZ, Melville. “O panan, um rito religioso de transição afro-baiano”. In: MOURA, C. (Org.). Somavó, o amanhã nunca termina: novos escritos sobre a religião dos voduns e orixás. São Paulo (SP): Empório de Produção. 2005. IPHHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Superintendência do IPHAN no Distrito Federal. Inventário dos terreiros do Distrito Federal e Entorno: 1ª fase. Brasília (DF): 2009. KARASH, Mary. “Minha Nação: Identidades escravas no fim do Brasil Colonial”. In: Brasil: Colonização e Escravidão. SILVA, M. (Org.). Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira. 1ª edição. 1999.

LIMA, Fabio. Candomblé: na encruzilhada da tradição e da modernidade. Disponível em <http://www.lpp-uerj.net/ olped/documentos/1273.pdf>. Acesso em 20.11.2008. LIMA, Vivaldo da Costa. “O conceito de nação nos candomblés da Bahia”. In: Afro-Ásia, CEAO/UFBA, n. 12, 1976. Disponível em: <http://www.afroasia.ufba.br/edicao.php?codEd=73>. Acesso em 06.12.2011. _______________. A família de santo nos candomblés jejes-nagôs da Bahia: um estudo de relações intergrupais. Salvador (BA): Editora Corrupio. 2ª edição. 2003. _______________. “O Candomblé da Bahia na década de 1930”. In: Estudos Avançados. v.18, n.52. São Paulo (SP): 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000300014&script=sci_arttext>. Acesso em 13.03.2012. LIMA, V.; REGIS, O.; SANTANA, E.; CARVALHO, J.; FERREIRA, A.; BARBOSA, L. Nações de Candomblé. Encontro de nações de candomblé. Salvador (BA): Centro de Estudos Afro-Orientais. Inamá/Universidade Federal da Bahia. 1981. LODY, Raul. Espaço-Orixá-Sociedade: Arquitetura e liturgia do Candomblé. Salvador (BA): Edições Ianamá, 2ª edição, 1984. _______________. O povo de santo: religião, história e cultura dos orixás, voduns, inquices e caboclos. São Paulo (SP): Martins Fontes. 2006. _______________. Santo também come. Rio de Janeiro (RJ): Pallas. 2004. MAESTRI, Mário. Breve história da escravidão. Porto 147


Alegre (RS): Editora Mercado Aberto. 1ª edição. 1987. MARIANO, Agnes. Entrevista com Mãe Stella de Oxóssi. 2001. Disponível em: <http://historiasdopovonegro.wordpress. com>. Acesso em 06.03.2012. MARQUESE, Rafael de Bivar. “A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX”. In: Novos Estudos. Cebrap. 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002006000100007&script=sci_ arttext>. Acesso em 02.12.2011. MATORY, J. Lorand. “Jeje: repensando nações e transnacionalismo”. In: Mana v.5, n. 1, 1999. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext &pid =S010493131999000100003>. Acesso em 15.10.2008. MATTOS, Regiane A. História e Cultura afro-brasileira. São Paulo (SP): Editora Contexto. 1ª edição, 2007. MELO, Aislan Vieira de. “Reafricanização e dessincretização do candomblé: Movimentos de um mesmo processo”. In: Revista Anthropológicas, ano 12, v. 19, 2008. Disponível em: <http:// www.ufpe.br/revistaanthropologicas/index.php/revista/article/ download/101/98>. Acesso em 06.03.2012. MENEZES, Jaci Maria Ferraz. “Abolição no Brasil: a construção da liberdade”. In: Revista Histedbr On-line, n. 36, 2009. Campinas. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp. br/revista/edicoes/36/art07_36.pdf>. Acesso em 02.12.2012. MESQUITA, Soraya. Gaiaku Luiza: força e magia dos voduns. Salvador (BA): Documentário em VHS. 52 min. Instituto de Radiofusão do Estado da Bahia. 2004. 148

MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (org). Somavó. O amanhã nunca termina. Novos escritos sobre a religião dos voduns e orixás. São Paulo (SP): Empório de Produção e Comunicação. 2005. NETO, Antonio Gomes da Costa. Candomblés de Brasília: contribuição aos estudos dos rituais afro-brasileiros no Distrito Federal. 2006. Disponível em: <http://www.palmares. gov.br/?page_id=713>. Acesso em 10.05.2012. OLIVA, Anderson Ribeiro. “A invenção dos iorubás na África Oriental: reflexões e apontamentos acerca do papel da história e da tradição oral na construção da identidade étnica”. In: Estudos Afro-Asiáticos, v. 27, 2005. Disponível em: <http://repositorio. bce.unb.br/handle/10482/6223>. Acesso em 02.12.2011. OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes.” Quem eram os negros da Guiné”? A origem dos africanos na Bahia. In: Afro-Ásia, CEAO/ UFBA, n. 19/20, 1997. Disponível em: <http://www.afroasia.ufba. br/edicao.php?codEd=69>. Acesso em 07.12.2011. OLIVEIRA, M.; OLIVEIRA, O.; OLIVEIRA, C.; PINHEIRO, G. “Candomblé, natureza e sociedade: reinvenção da África mítica no Brasil”. In: II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte. 2010. Disponível em <http:// www.sbsnorte2010.ufpa.br/site/anais/ARQUIVOS/GT15-358376-20100831211944. pdf>. Acesso em 21.11.2011 PARÉS, Luis Nicolau. “Antes dos orixás”. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Edição 6. Dezembro, 2005. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/revista/ edicao/6>. Acesso em 22.01.2009.


_________________. A Formação do Candomblé: História e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas (SP): Editora Unicamp. 2ª Edição. 2007. _________________. “O mundo atlântico e a constituição da hegemonia nagô no candomblé baiano”. In: Revista Esboços. v. 17, n. 23, 2010. Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/issue/ view/1446/showToc>. Acesso em 13.03.2012. PEREIRA, Nunes. A Casa das Minas: culto dos voduns jeje no Maranhão. Petrópolis (RJ): Vozes. 2ª edição. 1979. PRANDI, Reginaldo. “Linhagem e legitimidade no candomblé paulista”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, Anpoc, n. 14, 1990. Disponível em: <http://www.anpocs.org.br/portal/ content/view/128/54>. Acesso em 17.04.2011. _________________. Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo (SP): Hucitec. 1991. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi>. Acesso em 16.03.2012. _________________. Herdeiras do axé. Sociologia das religiões afro-brasileiras. São Paulo (SP): Hucitec. 1996. _________________. “Referências sociais das religiões afro-brasileiras: sincretismo, branqueamento, africanização”. In: IV Jornadas sobre Alternativas Religiosas en Latinoamerica. Associación de Cientistas Sociales de la Religión en el Mercosur. 1997. Disponível em: <http://www.naya.org.ar/congresos/contenido/religion/12.htm>. Acesso em 11.11.2011. _________________. “Hipertrofia ritual das religiões afro-

-brasileiras”. In: Novos Estudos Cebrap, n. 56, 2000. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi/hipertro.rtf>. Acesso em 15.01.2012. _________________. “As religiões afro-brasileiras e seus seguidores”. In: Civitas: Revista de Ciências Sociais. v. 3, n.1, jun, 2003. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/sociologia/ prandi/seguidor.doc>. Acesso em 20.11.2008. _________________. “O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso”. São Paulo (SP): In: Estudos Avançados. v.18, n.52, 2004. Dossiê Religiões no Brasil. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-40142004 000300015&nrm=iso&lng=en& tlng=pt>. Acesso em 15.11.2008. _________________. “Nas pegadas dos voduns: um terreiro de tambor-de-mina em São Paulo”. In: MOURA, C. (Org). Somavó, o amanhã nunca termina: novos escritos sobre a religião dos voduns e orixás. São Paulo (SP): Empório de Produção. 2005. _________________. “Religião e sincretismo em Jorge Amado”. In: Schwarcz, L.; Goldstein, I. (Org.). O universo de Jorge Amado. São Paulo (SP): Companhia das Letras, 1ª edição. 2009. Disponível em: <http://www.companhiadasletras.com. br/sala_professor/detalhe.php?id=2>. Acesso em 13.03.2012. _________________. “A dança dos caboclos: uma síntese do Brasil segundo os terreiros afro-brasileiros”. Disponível em <http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi>. Acesso em 08.04.2009. 149


Prandi, R.; VALLADO, A.; SOUZA, A.; SOUZA, P. “Candomblé de caboclo em São Paulo”. In: Encantaria Brasileira: O Livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. PRANDI, R. (Org.). Rio de Janeiro (RJ): Pallas Editora. 1ª Edição. 2004. QUEIROZ, Suely R. Reis de. A abolição da escravidão. Coleção Tudo é História. São Paulo (SP): Brasiliense. 1ª edição. 1981. QUINTÃO, Antônia Aparecida. “As irmandades de pretos e pardos em Pernambuco e no Rio de Janeiro na época de D. José I: um estudo comparativo”. In: SILVA, M. (Org). Brasil: Colonização e Escravidão. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira. 1ª edição. 1999. _________________, Irmandades Negras: outro espaço de luta e resistência (São Paulo: 1870-1890). São Paulo (SP): AnnaBlume. 1ª edição. 2002. REDIKER, Marcus. O navio negreiro: uma história humana. São Paulo (SP): Companhia das Letras. 2011. REGINALDO, Lucilene. Os rosários dos angolas: irmandades negras. Experiências escravas e identidade africanas na Bahia setecentista. Campinas (SP). 2005. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/pos/historia/index.php?texto=te ses_2005&menu=menuteses>. Acesso em 05.12.2011. REIS, João José. “Quilombos e revoltas escravas no Brasil”. In: Revista USP, 28, dez/fev 1995/1996. Disponível em: <http:// www.usp.br/revistausp/28/SUMARIO-28.htm>. Acesso em 13.04.2012. _________________. “Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras no tempo da escravidão”. Rio de Janeiro (RJ): 150

In: Tempo. v. 2, n. 3, 1996. Disponível em: <http://www.historia. uff.br/tempo/site/?cat=31>. Acesso em 12.12.2011. _________________. “Bahia de Todas as Áfricas”. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano I, n. 6, 2007. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/ capa/bahia-de-todas-as-africas>. Acesso em 22.01.2009. _________________. A morte é uma festa. Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo (SP): Companhia das Letras. 2009. REIS, J.; GOMES, F. (Org.). Liberdade por um fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo (SP): Companhia das Letras. 2008. RIBEIRO, Carmem. “Religiosidade do índio brasileiro no candomblé da Bahia: influências africanas e europeia”. Salvador (BA): In: Revista Afro-Ásia, CEAO/UFBA, n. 14, 1983. Disponível em: <http://www.afroasia.ufba.br/edicao.php?codEd=71>. Acesso em 06.05.2012. RODRIGUES, Elenita. “Entre o global e o local: discurso, tradição e identidade no candomblé de Brasília”. VIII Congresso luso-afro-brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra. 2004. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/programa/sessao18. html>. Acesso em 13.05.2012. RODRIGUES, Nina. Os Africanos no Brasil. São Paulo (SP): Madras. 2008. SANTIAGO, Idalina Maria Freitas Lima. “A Jurema sagrada da Paraíba”. In: Qualit@s Revista Eletrônica. 2008. Disponível em: <http://revista.uepb.edu.br/index.php/qualitas/article/


viewFile/122/98>. Acesso em 26.10.2009. SANTOS, Jocélio Teles dos. O dono da terra: o caboclo nos candomblés da Bahia. Salvador (BA): SarahLetras. 1995. _________________. (Coord.). Mapeamento dos terreiros de Salvador. Salvador (BA): CEAO/UFBA. 2008. SANTOS, Juana Elbein dos. Os nagôs e a morte: pàde, àsèsè e o culto égun na Bahia. Petrópolis (RJ): Vozes. 5a edição. 1988. SCISINIO, Alaor Eduardo. Dicionário da escravidão. Rio de Janeiro (RJ): Editora L. Christiano. 1ª edição. 1997. SENNA, Ronaldo de Salles. “Jarê, a religião da Chapada Diamantina”. In: Encantaria Brasileira: O livro dos mestres, caboclos e encantados. Org. PRANDI, R. Rio de Janeiro (RJ): Pallas Editora. 1ª Edição. 2004. SERRA, Ordep. Terreiro do Bogum - Zoogodô Bogum Malê Rundó: laudo antropológico. 2008. Disponível em: <http://ordepserra.wordpress.com/estudos/laudos/>. Acesso em 16.04.2012. SHAPANAN, Francelino de. “Entre Caboclos e Encantados: mudanças recentes em cultos de caboclo na perspectiva de um chefe de terreiro”. In: Encantaria Brasileira: o Livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. Org. PRANDI, R. Rio de Janeiro (RJ): Pallas Editora. 1ª Edição. 2004. SILVEIRA, Renato da. “Do calundu ao candomblé”. In: Revista de História, edição nº 6, dezembro, 2005. Disponível em <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/do-calundu-ao-candomble>. Acesso em 01.04.2009. _________________. “Nação africana no Brasil escravista:

problemas teóricos e metodológicos”. In: Revista Afro-Ásia, CEAO/UFBA, n. 38, 2008. Disponível em <http://www.afroasia. ufba.br/edicao.php?codEd=92>. Acesso em 05.12.2012. SOARES, Mariza de Carvalho. “Mina, Angola e Guiné: Nomes d’África no Rio de Janeiro Setecentista”. In: Revista Tempo, v. 3, n.6, dez/1998. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/ tempo/site/?cat=34>. Acesso em 05.04.2012. TROI, Marcelo de. “Três nações, um povo só”. In: Raça Brasil. São Paulo (SP): Escala. Edição especial de novembro. 2008. VERGER, Pierre. Notas sobre o culto dos Orixás e Voduns. São Paulo (SP): Edusp. 2ª Edição. 2000. _________________. Orixás: Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. Salvador (BA): Corrupio. 6ª edição. 2002. _____________. Fluxo e Refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos. Salvador (BA): Corrupio. 4ª edição. 2002. _____________. Saída de Iaô: cinco ensaios sobre a religião dos orixás. Salvador (BA): Fundação Pierre Verger / Axis Mundi. 2002. VOGEL, A.; MELLO, M.; BARROS, F. Galinha d’angola. Iniciação e identidade na cultura afro-brasileira. Rio de Janeiro (RJ): Pallas. 2001.

151





Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.