Espaços de Formação

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Anais

Espaços de Formação Organizadores

Maria Auxiliadora Corassa Maria Gorete Dadalto Gonçalves Moema Martins Rebouças

VIII Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte III Encontro do Pólo Arte na Escola/UFES





Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação em Educação

ANAIS

VIII Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte III Encontro do Pólo Arte na Escola/UFES

Espaços de Formação Maria Auxiliadora Corassa (org.) Maria Gorete Dadalto Gonçalves (org.) Moema Martins Rebouças (org.)

Vitória 2009


Reitor Rubens Sergio Rasseli Diretora do Centro de Educação Maria Aparecida Santos Corrêa Barreto Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Denise Meyrelles de Jesus Projeto Grágico Glauco Gomes e Maria Martins Capa Glauco Gomes Diagramação Maria Martins Impressão GM Gráfica & Editora Ltda

Espaços de Formação. VIII Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte e III Encontro do Pólo Arte na Escola/UFES Maria Auxiliadora Corassa (org.) Maria Gorete Dadalto Gonçalves (org.) Moema Martins Rebouças (org.) Vitória: Editora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo ISSN 1. Arte na Educação - Seminário I. Título CDU 37.02:7


Sumário

Apresentação Comunicações A Fotografia como Lembrança Escolar: Parecer e Ser

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Adriana Rosely Magro Larissa Fabricio Zanin

Os sinos do convento de São Francisco de Vitória: Porque Comunicar é Preciso

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Andrea Aparecida Della Valentina

A Formação de Professores de Anos Iniciais para o Trabalho em Contexto Intercultural: Um Estudo a partir da Licenciatura em Pedagogia em Três Modalidades

27

Andréia Weiss

Reflexão sobre a Formação-Ação do Pedagogo Anos Iniciais e as Artes Visuas: UFSM/RS

35

Andréia Weiss Ana Luiza Ruschel Nunes

Falando de Criatividade

43

Ângela Cristina Altoé

Mediação: Arte, Cidade, Oceano e Público 8ª Bienal do Mar - A Cidade como Espaço da Arte

54

Aparecido Jose Cirilo Erly Vieira Jr Célia Ribeiro Neusa Mendes

A Sala de Artes na Escola Tão Tão Distante: Uma Experiência de Currículo Realizado no Cotidiano, ou Educação e Felicidade é Possível

62

Djenane Soares Alves

Brincando com o Artista Reuto Fernandes

76

Elvira A. Xavier Gomes de Castro

Na Ciranda da Arte Capixaba: Diálogos, Brincadeiras e Leitura de Imagens Érika Sabino de Macêdo Priscila de Souza Chisté

84


Mapas Mentais e Paisagens: entre Desenhos e Narrativas

93

Fátima Nader Simões Cerqueira

As Aulas de Arte como Espaço de Estranhamento: O Processo de Criação e a (Des) Construção da Leitura de Imagens

102

Fernanda Monteiro Barreto Camargo

A Educação no Âmbito dos Produtores de Imagens: Reflexões sobre os Publicitários em Formação

112

Flávia Mayer dos Santos Souza

A Internet nas Artes Visuais

122

Ivan Nyls Ribeiro Lana

Projeto A Cidade Que Mora Em Mim: Percurso Animado

132

Jaqueline do Nascimento Leandro Macedo

Nice Nascimento Avanza: do Imaginário à Materialidade Pictórica

142

Juverci Fonseca Bitencourt

Mãos que Tecem Saberes: Trabalho Manual como Construção de Conhecimento

152

Leila Patricia Silva de Oliveira Lili Rose Caetano Rizzolli

Que se Abram as Cortinas! A Escola de Teatro e Dança FAFI: Espaço de Formação Humana, Artística e Cultural

165

Lilian Pereira Menenguci

O Ensino de Arte em uma Escola Técnica: Possibilidade e Desafios no Contexto da Educação Profissional

173

Luciana Lima Batista Verônica da Silva Cunha Cavati

Vídeos Tutoriais no Site You Tube: Novas Formas de Conexões de Sentido e Aprendizagem na Web 2.0.

181

Luciana de Assis Gama

A Prática Reflexiva no Museu de Arte: Um Espaço não Formal de Experimentação Educacional

188

Maria Clara Martins Rocha

A Experiência Estética na Arte Contemporânea

195

Maria da Penha Fonseca

A Mosaicista Freda Cavalcanti Jardim e o Ensino da Arte

209

Myriam Fernandes Pestana Oliveira

Poética de Maureen Bisilliat em Jubiabá Ricardo Ramos Costa

215


A Arte Através da História da Escrita nas Séries Iniciais

223

Sonia Maria de Oliveira Ferreira

Visualidade Cotidiana e Meio Ambiente Urbano: Espaço de Formação Pública

228

Tânia Regina Alves do Carmo

A Formação e a Prática Cotidiana do Professor de Arte numa Perspectiva Emancipatória como Valorização da Racionalidade Estética Expressiva

232

Vera Lúcia de Oliveira Simões

Relatos de Experiência A Obra de Arte e o Cotidiano do Aluno

245

Denize Costa da Silva Aguiar

Viajando com Volpi

249

Ivana de Macedo Mattos

Um Olhar Figurativo e Abstrato sobre a Arte e Cultura Serrana

251

Leila Patrícia Silva de Oliveira

É “Nóis” na Foto!

253

Luciano de Oliveira

Olhos Atentos às Linguagens Híbridas da Arte Contemporânea

256

Maria Angélica Vago Soares

Impressões em Defesa da Vida - Artes Visuais: Xilogravura

261

Maria da Penha Fonseca

Arte e Patrimônio

263

Maria da Penha Fonseca Beatriz Rabello

“Clipando” Relato de Experiência Educativa

267

Priscila Lorena Valadão

Falando de Flores

274

Tânia Monnerat

Olhares Adolescentes sobre as Diferenças do/no Cotidiano Escolar

277

Vera Lucia de Oliveira Simões

Arte na Modalidade Eja Dayse Roberts Lima Freire

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Apresentação

Acompanhamos o crescimento e o fortalecimento da educação da Arte em todo o Brasil, e o Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte tem contribuído ao investir desde 1993, na formação continuada dos profissionais desse ensino em nosso estado. A cada seminário, por meio da publicação dos anais é traçado um esboço dessa educação da arte em diálogo e consonância com outras problemáticas pesquisadas em outras instituições, bem como a reflexão de pesquisadores sobre questões que envolvem a relação da arte e seu ensino em todo o Brasil. Em 2005 e 2007 a publicação foi avaliada pela CAPES como qualis A (de evento regional), e tem como editora o Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES/PPGE, atestando a seriedade acadêmica dos debates realizados e posteriormente publicados. A cada edição atestamos o aumento das inscrições de pesquisas e de relatos de experiência, sendo que estas extrapolam os limites de nosso estado, o que evidencia o alcance desse evento a um âmbito mais extenso que as fronteiras estaduais. É o perfil de um educador em constante formação e que busca qualificar as suas intervenções educativas. O evento deste ano conta com a participação dos professores do Grupo de pesquisa GEPEL(Grupo de pesquisa de Educação e Linguagens) coordenado pela Prof.Dra.Moema Martins Rebouças da UFES, e composto dos pesquisadores:Ana Luiza Ruschel-UFSM;Leda Guimaraes-UFG;Rosa Iavelberg-USP; Cesar Cola-UFES e Gerda Forste-UFES,que possibilita ampliarmos ainda mais o debate em torno da temática “Espaços de formação e de práticas docentes em arte”. Como os espaços de formação são múltiplos, convidamos pesquisadores de outras cinco instituições e incluímos a educação musical e o Museu de Arte. A programação ficou organizada como se segue: no dia 23 a mesa redonda debatendo a Formação e Praticas da Música, com os professores Darcy Alcântara da Prefeitura Municipal de Vitória e Heraldo S.Filho e Pedro Francisco Mata Júnior da Faculdade de Música do Espírito Santo. No dia 24, a discussão é Arte e tecnologia com a participação de Ana Luíza Ruschel Nunes da Universidade Estadual de Ponta Grossa e Analice Dutra Pillar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No dia 25, a apresentação de duas mesas redondas: A Formação em Arte na PósGraduação, com Rosa Iavelberg e as doutorandas do PPGE/UFES Andreia Weiss, Larissa Zanin e Vera Simões, e a segunda com o tema Museu como espaço educativo com as convidadas Sandra Ramalho e Oliveira da Universidade Estadual de Santa Catarina e a diretora do Museu Dionísio del Santo, Leila Horta. No dia 26 as coordenadoras e professoras de curso a distância Leda Guimaraes da Universidade Federal de Goiás e Maria Gorete Dadalto Gonçalves da Universidade Federal do Espírito Santo debatem o Ensino de Artes Visuais na modalidade aberta e á distância. Ampliamos o evento e incluimos os alunos e tutores do curso na moda-

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lidade aberta e a distância. Entre esses alunos estão professores que atuam nas escolas estaduais nas aulas de Arte da educação básica. As fronteiras novamente foram rompidas, do espaço do cine Metrópolis da UFES, que tão bem nos acolhe, por meio de transmissão direta o seminário abrangerá todo o nosso estado, e da publicação, outros espaços e tempos. Esta publicação é restrita aos trabalhos inscritos, desse modo as comunicações antecedem os relatos de experiência e ambos se encontram apresentados em ordem albabética. Ressaltamos que os textos aqui publicados, encontram-se em conformidade aos que nos foram encaminhados pelos autores. Agradecemos a todos que colaboram na realização deste evento como a equipe de monitores:Pólo Arte na Escola/UFES, os alunos da graduação do curso de Licenciatura em Artes Visuais e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, e ainda à Pró-Reitoria de Extensão, à FACITEC e FAPES que destinaram recursos para viabilização desta publicação. Vitória, maio de 2009 Profa. Dra. Maria Auxiliadora Corassa Profa. Dra. Maria Gorete Dadalto Gonçalves Profa. Dra. Moema Martins Rebouças

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Comunicações



A Fotografia como Lembrança Escolar: Parecer e Ser Adriana Rosely Magro Larissa Fabricio Zanin Doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufes A imagem fotográfica é carregada de estratégias enunciativas com o intuito de fazer crer ao leitor que é um simulacro da realidade que apresenta. Estas estratégias que nos fazem acreditar no discurso enunciado são definidas pela semiótica como contrato fiduciário. Segundo Greimas e Courtès (2008; p.208) “[...] contrato fiduciário põe em jogo um fazer persuasivo de parte do destinador e, em contrapartida, a adesão do destinatário: dessa maneira, se o objeto do fazer persuasivo é a veridicção (o dizer verdadeiro) do enunciador, o contra-objeto, cuja obtenção é esperada, consiste em um crer-verdadeiro que o enunciatário atribui ao estatuto do discurso enunciado[...]”

A fotografia é compreendida historicamente como um simulacro do mundo do natural. Desde a criação da câmara escura, o homem utiliza o auxilio tecnológico para a formação de imagens que se assemelhem ao real. Com a invenção da fotografia a produção da imagem semelhante real torna-se fato e sem a necessidade da mão do homem para elaborá-la. A fotografia passa ser vista no senso comum como um meio pelo qual é possível reproduzir com fidelidade o mundo natural, sem a construção do homem, apenas a partir dos princípios químico e físico. A fotografia assume o caráter de “verdadeiro” e passa a ser associada como a reprodutora da realidade, como afirma Dubois (2006, p. 27). [...] a fotografia nelas é considerada a imitação mais perfeita da realidade. E, de acordo com os discursos da época, essa capacidade mimética procede de sua natureza técnica, de seu procedimento mecânico que permite fazer aparecer uma imagem de maneira “automática”, “objetiva”, quase “natural” (segundo tão somente as leis da ótica e da química), sem que a mão do artista intervenha diretamente.

Entretanto, o olhar fotográfico é construído a partir de escolhas. Estas escolhas podem se dar a partir do enquadramento, recortes, ajustes focais, iluminação, cenografia, entre outros detalhes que fazem com que ela não seja a reprodução do mundo natural, mas apresente traços da realidade que apresenta. O enunciador coloca-se como manipulador dos discursos enunciados levando o enunciatário a crer nos valores ali colocados. Trata-se de um discurso que produz um efeito de verdade, construído para fazer parecer

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verdade. Nesse sentido afirma Landowski (2002, p. 165-166) [...] “os sujeitos enunciantes”, ao enunciar (isto é, entre outras coisas, ao produzir “textos”), constroem o mundo externo enquanto mundo significante [grifos do autor]. Correlativamente, apreender o sentido de um discurso enunciado, o “ler”, será refazer o mesmo percurso em sentido inverso, remontando, se assim se pode dizer, do plano discursivo manifesto em direção às operações semióticas que sua produção pressupõe, e que, uma vez o enunciado produzido, o torna interpretável.

No caso da fotografia ao fazer escolhas o enunciador estabelece um fazer persuasivo, fazendo o enunciatário crer em sua proposta e, em sua interpretação, acredita na verdade do discurso que lhe foi apresentado. O contrato recebe esta denominação por ser estabelecido com base na confiança e crença. Desse modo, este trabalho tem sua origem nos debates sobre o “contrato de veridicção”, que em si pretende estabelecer uma convenção fiduciária entre o enunciador e o enunciatário. O estatuto veridictório quer dizer verdadeiro o discurso enunciado, assim que se estabelece esse contrato quer-se instaurar uma evidência, uma certeza imediata que deseja um fazer-crer do enunciador e um crer, um fazer interpretativo, da parte do enunciatário. Porém pretendese nesta esteira, avançar na ordem da significação que ultrapassem o fazer crer do contrato fiduciário. Porém, o contrato fiduciário quer fazer-crer, o que não significa se fechar em realmente ser o que se apresenta. Desta feita, o percurso metodológico aqui adotado, percorre pelo semi-simbolismo nas relações entre os planos de expressão e conteúdo que o caracteriza. As imagens analisadas aqui são consideradas um sistema semi-simbólico em que não há essa correspondência internamente termo-a-termo, bem como outras linguagens não verbais. Essa escolha metodológica permite uma outra possibilidade de leitura para além daquela dada pelo contrato de fidúcia. A partir da semiótica discursiva pretendemos elucidar estas estratégias enunciativas do discurso enunciado nas fotografias de lembrança escolar. Uma das razões de pesquisar semiótica é interrogar situações do mundo e, fazer-ver num quadro geral, o campo de significação que se encontra a manifestação em estudo. Os efeitos de sentido podem ser os mais diversos dependendo do escopo teórico do analista, mas nada absurdamente distante dos planos de expressão e de conteúdo imanentes na própria manifestação analisada. Nosso estudo será de base analítica, compreendendo a imagem como um todo de sentido. Assim a fotografia será analisada pela sua apresentação visual. Para compreender o texto como objeto de significação é necessário que se faça a análise interna do texto, e para compreendê-lo como objeto de comunicação é preciso fazer a análise externa. Assim, o texto só pode ser concebido dentro dessa dualidade.

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Logo, o estudo do texto só pode ser entrevisto como o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores contextuais ou sócio-históricos de fabricação de sentido. Assim, a semiótica procura conciliar as análises internas e externas do texto, buscando explicar o que o texto diz e como faz para dizer o que diz. Examina a organização do texto e seus mecanismos de enunciativos de produção e de recepção. Para a semiótica o texto pode ser verbal ou não-verbal. Pode ser oral, escrito, visual, gestual, imagético ou sincrético. Para a compreensão do sentido do texto a semiótica propõe a análise dos seus mecanismos internos e externos. A análise interna ou seja a análise do plano de conteúdo e a análise externa, o plano de expressão. A semiótica propõe a análise desses dois planos de forma individualizada, tantos nos textos escrito, considerados sistemas simbólicos, onde a relação entre os dois planos é estabelecida isoladamente. A análise do plano de conteúdo é concebida a partir do percurso gerativo de sentido proposto por Greimas. A partir daí estamos analisando apenas o seu discurso, ou seja, o conteúdo imerso no texto. Dentro do percurso são estabelecidas três etapas onde cada uma é descrita independentemente, mas o sentido do texto depende da relação entre as três etapas ou níveis, que vão das estruturas mais simples às mais complexas. O primeiro nível é chamado de nível fundamental e compreende as categorias semânticas que ordenam os diferentes conteúdos do texto. As categorias semânticas estabelecem-se por oposições que tenham algo em comum, que possuam relação de contrariedade. Ex.: vida /versus/ morte; masculinidade /versus/ feminilidade. O segundo nível do percurso gerativo de sentido é denominado de nível narrativo e define-se pela transformação de estado do sujeito. A transformação de estado do sujeito se dá em quatro fases: manipulação, competência, performance e sanção. O terceiro nível do percurso gerativo de sentido é chamado de nível discursivo. É nele que as formas abstratas do nível narrativo são concretizada por meio de figuras e tematização. No plano de expressão (visual, verbal ou sincrético) o texto volta a ser rediscutido em seu processo de significação e observado como objeto de comunicação. Neste momento perceberemos como a significação é expressa pela materialidade, cor, formas no espaço de maneira a comunicar a mensagem. A análise do plano da expressão acontece na medida em que se dá a descrição dos seus elementos constituidores, e a eles, aplicamos os categorias plásticas que são: cromático, eidético, topológico e matérico. Identificadas as categorias de cada formante, que se dá em contrariedade na formação do nível profundo da expressão, considerando o percurso gerativo de sentido, deve-se ainda estabelecer as combinações dessas categorias em combinações maiores. Em composições plásticas as relações de sentido são estabelecidas a partir do plano de expressão (significantes) que se relaciona diretamente ao

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plano de conteúdo (significado). “A linguagem pictórica se constrói a partir de uma peculiar semiose que se estabelece entre os dois planos constituintes de sua estruturação, a saber, o plano de expressão e o plano de conteúdo” (OLIVEIRA, 2004, p. 116). O conteúdo, na fotografia, está manifestado na organização das figuras do espaço, nas expressões, no gestual e nas escolhas de enquadramento. Esse texto visual é estruturado pelo enunciador de modo a produzir significado para o enunciatário, ou leitor, da fotografia. A fotografia, objeto desse estudo, é um texto visual. Os textos visuais estão inclusos nos sistemas semi-simbólicos. O semi-simbolismo pertence ao sistema semiótico solicitando do analista tomar em analise separadamente os planos de expressão e conteúdo impedindo assim qualquer redução da manifestação textual, mas que, por outro lado, foca uma analise da manifestação textual, permitindo que também outros analistas, para além do plano da expressão, construam outras análises. Nesta afirmação de Rebouças (2003, p.13) “não existe um direcionamento para o olhar, como na escrita, indicando que começamos da esquerda para a direita, do alto para baixo, da parte para o todo. A maneira de ver, de conduzir o olhar pela plástica da obra é, como a obra, uma construção”

Finalmente, o texto visto em sua totalidade, formando um conjunto sincrético, terá a semiótica greimasiana, especialmente a sociossemiótica, como escopo necessário para a apreensão dos mecanismos discursivos contidos no texto a ser analisado. Para a sociossemiótica, a práticas sociais, ou seja, fazeres do cotidiano, estilos de vidas, a vida social em si nas suas mais diversas formas de apresentação, são processos significantes. Essas práticas são estabelecidas pelos atores sociais através dos regimes de visibilidade: poder, querer, dever, saber ver e ser visto e querer, dever, saber, poder “ver”, respectivamente os actantes que são vistos vêem e os que vêem. (LANDOWSKI, 1992).

A Lembrança Escolar Denominamos aqui de fotografia de lembranças escolares as imagens, feitas na maior parte por fotógrafos profissionais, que tenham como objetivo registrar um período da criança na escola, geralmente aquele correspondente a finalização de uma etapa da educação formal. Estas fotografias apresentam intencionalidades de fazer crer ao enunciatário de que se trata de um momento solene, significando-o a partir dos elementos ali presentes a conclusão de uma etapa escolar, a consolidação sdo saber, fazendo parecer “verdadeiro” o discurso que apresenta. Neste sentido afirma Rebouças (2001, p.137) “Como não se trata da produção de um discurso “verdadeiro” pelo sujeito da enunciação, mas de um discurso que produza um

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efeito de “verdade”, ele tem de ser construído para fazer-parecerverdade, sendo assim, a sua função não é de dizer- verdade, mas de parecer-verdade. Desse modo, o discurso constrói sua própria verdade, não existindo uma verdade discursiva mas um parecerverdadeiro. Para que se estabeleça o contrato, o enunciador deverá empregar meios de persuasão para que o enunciatário, em seu fazer interpretativo, encontre as marcas da veridicção e reconheça-as. Nesse movimento, o enunciatário deverá se valer de “contratos de veridicção anteriores, próprios de uma cultura, de uma formação ideológica e da concepção[...]”

São as marcas da enunciação que pretendemos encontrar e a partir dela elaborar uma análise de uma fotografia de lembrança escolar, encontrando os contratos de veridicção estabelecido pelo enunciatário.

Fonte: Arquivo Pessoal 1

A fotografia apresenta um retrato de uma menina sentada a mesa rodeada de objetos que remetem a vida estudantil. Em primeiro plano uma menção à série cursada pela aluna (4ª série), ou seja, uma referência à etapa concluída, o antigo ensino primário. Do lado esquerdo da imagem temos uma referência à cidade onde provavelmente a foto foi feita, a bandeira do Brasil, a data e o número da sala de aula. Ao fundo apresentam-se parte da bandeira do Brasil, a palavra Brasil repetida duas vezes e uma forma geométrica. A fotografia é em preto e branco, uma característica das fotografias da época. Revela-se na imagem o discurso da educação e nacionalismo. O enunciador manipulador ao propor o cenário para este retrato revela um querer mostrar a importância da etapa educacional concluída pela menina e a relação do Estado com essa formação. O tema escola aparece figurativizado pelo livro, colocado abaixo das mãos da menina, e ao lado direito e ao fundo da imagem, o tema nacionalismo aparece figurativizado pela bandeira nacional e pelas pela palavra Brasil. 1

A proprietária da imagem cedeu direitos sobre ela.

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Há um sujeito (menina) em conjunção com o objeto valor (formação escolar). No discurso apresentado pelo enunciador o sujeito faz crer ao destinatário em sua posição no retrato. As mãos sobre o livro leva o destinatário, em seu fazer interpretativo, crer ser verdade o discurso apresentado. A fotografia passa a ser afirmação da formação escolar do sujeito, e também uma presentificação da situação apresentada. Ao apoiar as mãos sobre o livro, o sujeito aparenta um poder sobre esse objeto, reforçando o contrato fiduciário da imagem que no faz parecerverdade o domínio do sujeito em relação ao objeto livro (saber). O enquadramento proposto pelo enunciador nos coloca em contato direto com o sujeito apresentado, que nos olha de frente e nos apresenta sua formação (4ª série). A partir dos elementos que compõem o cenário da fotografia reconhecemos a alusão ao mérito do estado na conquista do sujeito apresentado. A repetição da bandeira e das palavras Brasil afirmam este discurso. As fotografias de lembrança escolar são comuns até hoje, principalmente as que remetem a conclusão de etapas da vida estudantil. Durante muitos anos eram comuns os retratos de conclusão da educação primária, hoje correspondente a primeira etapa do ensino fundamental. Ao buscar o contexto no qual a fotografia foi produzida, temos a marca 1978 como direcionamento. Período final da ditadura militar e início do processo de democratização do Brasil com o fim do AI-5. Compreende-se a partir daí a presença da bandeira e da palavra Brasil no cenário da fotografia. Este tipo de fotografia apresenta uma oposição básica ausência/presença. A imagem presentifica o momento ausente construindo uma verdade discursiva, um parecer-verdadeiro. A partir do elemento de persuasão apresentados na imagem, tal qual os livros e a própria placa com referência à série concluída, o enunciatário encontra as marcas da veridicção e as reconhece. É um simulacro da realidade. É o momento de formação. Referências BARROS, Diana de. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 2001. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Papirus, 2006. FIORIN, José Luiz. A noção de texto na semiótica. Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 23. Porto alegre: UFRGS, 1995. GREIMAS, A. J.; Courtés, J. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2008. _______. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1997. LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro. São Paulo; Perspectiva, 2002. _______. A sociedade Refletida: ensaios de sociossemiótica. São Paulo: Educ/ Pontes, 1992. OLIVEIRA, Ana Claudia (org). Semiótica plástica. São Paulo: Hackers Editores, 2004. REBOUÇAS, Moema M. O discurso modernista na pintura. Lorena: CCTA, 2003. _______.Contratos na Pintura: O caso Volpi. In: Galáxia: revista transdisciplinar de comunicação, semiótica, cultura / Programa Pós-Graduado em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. — n. 2 (2001). — São Paulo : EDUC, 2001, p. 137.

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Os Sinos do Convento de São Francisco de Vitória: Porque Comunicar é Preciso Andrea Aparecida Della Valentina Mestranda em Artes na UFES Os instrumentos musicais estiveram ao longo da história da civilização a serviço das “vozes humanas”, emitindo sinais de comunicação, inicialmente batendo nas árvores ocas para transmitir mensagens para longe; a época dos tambores veio depois, quando se aprendeu a tratar as peles dos animais, passando para os pratos e posteriormente para os sinos de metal, que pouco a pouco passaram a ser mais elaborados1. Os sinos também fazem parte dos ritos cristãos. Entretanto, antes da apropriação e uso sagrado dos sinos nas igrejas cristãs, eles já eram usados em muitas outras religiões2. Em Atenas, por exemplo, os sacerdotes do culto a Prosérpina chamavam o povo com campainhas para o sacrifício e honra a ela3. Os sacerdotes judaicos davam de uma alta torre o sinal para começar o sábado. Com o surgimento de grandes construções para o culto, a exemplo das basílicas constituídas a partir do século VI 4, encontram-se campanários fazendo parte do corpo de sua arquitetura. Na era cristã, a primeira referência a sino em uma construção ocorre em torno do ano 515, em carta de um diácono de Cartago. No século VIII, o papa Estevão II fez edificar na basílica de São Pedro, anterior à atual, também um campanário5. É importante lembrar, contudo, que não havia apenas sinos nas construções, mas também havia os pequenos, portáteis. Nas catacumbas e em cemitérios foi encontrado grande número de campainhas e sininhos, com freqüência de prata, muitas vezes presos a uma argola de bronze ou ferro6. Muitas vezes eles eram usados como ornamentação das vestes, a exemplo de uma passagem de Êxodo: Em volta de toda a orla inferior entremeadas de campainhas de ouro: uma campainha de ouro em todo o contorno inferior do manto. Aarão será vestido revestido deste manto quando exercer suas funções, a fim de se ouvir o som das campainhas, quando entrar no santuário, diante do Senhor. (Ex 28, 33-35)

FÉRON, José. Uma Orquestra e seus instrumentos. São Paulo: Augustus, 1993. p. 49. JOHNSTON, R. J. A place for everything and everything on its place. Transactions of the Institute of British Geographers 16/2, 1991, p. 131-147, p. 133. 3 REUS, João Batista. Curso de Liturgia. Petrópolis: Vozes. 1944, p. 100. 4 HEINS-MOHR, Gerd. Dicionário dos símbolos. Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994. p. 360. 5 SALES, D. Eugênio de Araújo. Voz do Pastor. O toque dos sinos. Disponível em www.arquidiocese .org.br / páginas/v0312199.htm. Acesso em 23 de Dezembro de 2006. 6 HEINS-MOHR, 1994, p. 360. 1 2

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Entretanto, o que nos interessa é estudar os sinos do convento de São Francisco de Vitória-ES e, nesse sentido, cabe sublinhar o papel importante que desempenharam as ordens monásticas na difusão de seu uso em edificações, associando a função de comunicação à de marcação de horas, dessa forma, os sinos tomam parte nos rituais cristãos: “É conveniente que todas as igrejas tenham seus sinos, com os quais se convidam todos os fiéis para os diversos ofícios e demais atos religiosos”7. Além do uso religioso, como dissemos anteriormente, os sinos foram usados desde cedo como forma de comunicação à distância. Ainda na Antiguidade, além dos chineses, tidos como seus inventores, babilônios, gregos e romanos conheciam a campa e a campainha, e se serviam delas para o uso doméstico: chamar os operários para o trabalho e o público para os banhos, acordar os escravos pela manhã; público: nas guerras, por exemplo8. No Brasil, a tradição portuguesa do dobre dos sinos anunciava os principais acontecimentos da cidade: nascimentos, mortes, incêndios, invasões, festas religiosas, dias santos entre muitos outros9, podendo variar de lugar para lugar, adaptado aos costumes locais. As badaladas dos sinos se tornaram o mais importante meio de comunicação de vilas e povoados, era pelo toque do badalo no metal que a população sabia das notícias. Aos poucos, devido ao crescimento das tecnologias de comunicação e informação, eles caíram em desuso, passando então a noticiar apenas fatos relativos à Igreja. Em lugares diversos e situações diferenciadas, criou-se uma linguagem dos sinos, decodificada por aqueles a quem eram dirigidas. Algumas vezes eles soam em um conjunto harmônico, conhecido como carrilhão, ou em manifestações isoladas, como nos campanários ou torres. Na cidade de São João Del Rei, os sinos ainda na atualidade articulam uma linguagem e uma forma de comunicação nascidas no tempo da colônia e aperfeiçoadas no século XIX. Seu repertório faz parte da vida da cidade, preservando o anúncio em tempo real de fatos que não encontram registros em outros meios de comunicação, tradicionais e avançados. Em sua maioria são toques religiosos, contudo, existem discursos sonoros com finalidade social e até de defesa civil. Alguns dos toques são: Ângelus, a Senhora é morta, toques de finados, toques de missa, toque dos Passos, toques fúnebres, toques de agonia, toque de razouras e procissão10. Foram feitas codificações de alguns toques, dobres e repiques nos últimos anos por pesquisadores, contudo, nada substitui a grande sabedoria que está restrita à memória dos velhos sineiros, que cada vez mais encontram difiSALES, D. Eugênio de Araújo. Voz do Pastor. O toque dos sinos. Disponível em www.arquidiocese .org.br / páginas/v0312199.htm. Acesso em 23 de Dezembro de 2006. 8 Ver, entre outros, STARMER, W. W. Bells and bell tones. Proceedings of the Royal Music Association 28, 1901-1902, p. 25-44, p. 26. 9 “Sinos infernizam as cidades”. Disponível em www.rio.rj.gov.br/rio_memoria/1833.htm. Acesso em: 5 de Janeiro de 2007. 10 MACHADO, Jairo Braga. Linguagem dos toques de sinos de São João Del Rei. Disponível em: www. ufsj.edu.br/Pagina/semanalabdoc/resumos_das_palestras.php. Acesso em 27 de maio de 2007. 7

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culdades em subir às torres centenárias para transmitir o conhecimento aos novos aprendizes. Tradicionalmente, os sinos eram fabricados reunindo-se chapas de metal, sendo mais tarde produzidos através da fundição11. Os tamanhos são variados e o material também, podendo-se optar pela mistura de materiais para se alcançar uma sonoridade exclusiva. Em geral, o cristianismo dava preferência ao bronze, porque na tradição judaico-cristã seu som significava a repercussão da presença de Deus12 - afinal, não se pode esquecer que, etimologicamente, sino deriva de signum, sinal. O valor do sino é, portanto, em geral elevado. Além do bronze, alguns contêm inclusive liga de ouro na sua composição. Sendo assim, em alguns locais, várias pessoas da cidade se uniam para doar não somente objetos às suas igrejas, mas também sinos. Assim acontecia em Ouro Preto, Minas Gerais. Os doadores se tornavam “padrinhos” dos sinos e faziam até mesmo um batizado. Quanto aos nomes escolhidos para os sinos, eles são sempre bíblicos, como exemplo, Jerônimo (principal da matriz do Pilar), Elias (principal da igreja do Carmo, e o maior da região), Ivo (da torre do relógio da igreja de Santa Efigênia), Antão (principal da Igreja das Mercês e Perdões), entre outros13. É possível observar nestes atos o grau de humanidade atribuído aos sinos, diante de tamanha importância de seu uso. As irmandades também desempenhavam esta função de patrocinar sinos para as igrejas. Assim, em Vitória, a Irmandade de São Benedito instalada no convento de São Francisco era proprietária de vários pertences deste convento, dentre os quais dois dos três sinos de bronze: o “grande” e o “pequeno”. O sino “meião” era da Ordem Terceira da Penitência, como informa um documento da irmandade, pois, em anos anteriores, o “grande” que pertencia ao convento, fora quebrado, e para não achar-se em falta a Irmandade mandou vir ella do Rio de Janeiro, no ano de 1858, um outro para substituí-lo14.

No lado direito do frontispício do convento, tem-se duas aberturas para os sinos (o “meião” e o “grande”) com verga em arco pleno. O que restou da antiga torre é emoldurada por cunhais salientes, além da cornija que é coroada por um frontão em estilo barroco. O Catálogo de Bens Culturais nos informa ainda da existência de “um nicho central em arco pleno”, ladeado de dois corruchéus15. Com relação ao nicho central citado, se trata do local REUS, 1944, p. 101. PASTRO, Cláudio. Arte Sacra. São Paulo: Loyola, 1993. p. 83. MONTEIRO, Aline. Disponível em: www.ouropreto.com.br/NOTICIAS.ASP?cod=607. Acesso em: 3 março de 2007. 14 Inventário das alfaias pertencentes ao “Convento”, “Nossa Senhora da Conceição” e Irmandade de São Bendito. 20 de Dezembro de 1900. Feito por Alexandre Moniz Freire; Relação dos Santos, Imagens e alfaias existentes no Convento de S. Francisco, feita perante a comissão reorganizadora da Irmandade de São Francisco em 11 de Julho de 1906. Cúria Metropolitana. 15 Catálogo de bens culturais, 1991, p. 144. Em relevo está inscrita a data 1784, sendo provavelmente a data da reforma que lhe deu aspecto barroco. 11 12 13

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dedicado ao “santo do relento” (a exemplo da imagem de Santo Antônio no convento a ele dedicado no Rio de Janeiro16), que em algum momento dali foi retirado, talvez quando a torre foi demolida. Atualmente, ali se encontra o sino “pequeno”, do qual falaremos mais adiante. O sino “grande” e o “meião” não possuem inscrição. O menor traz a inscrição: “José Maria JHS –1781. Ecce crucem domini fugite parrtes adversae. Joannes Ferreira Lima me fecit. Bracharae”17: “José Maria JHS, 1781. Eis a cruz do Senhor que afugenta os adversários. João Ferreira Lima me fez. Braga – Portugal”. Essa inscrição é interessante, pois traz, além do nome do sino, seu fabricante, procedência e data. Este sino está desaparecido, e mais adiante voltaremos a falar sobre ele. Quanto à linguagem dos sinos, não sabemos se ela existiu ou não em Vitória. Entretanto, narra uma lenda que o guardião do convento de São Francisco, frei Manuel do Espírito Santo, quando da invasão holandesa em Vitória em 10 de março de 1625, teve a idéia de, em certo momento da luta, subir na torre sineira da matriz e repicar festivamente os sinos, anunciando dessa forma a vitória. Os defensores passaram a cantar vitória e os holandeses fugiram18. Este sino faz parte, atualmente, do acervo do IPHAN-ES. Agora não mais de forma lendária, encontra-se em um periódico da cidade uma declaração pública a respeito do incômodo dos toques dos sinos da cidade. Attenção. Pede-se ao revd. Sr. Vigário que faça acabar o péssimo gosto de dobrarem horas inteiras os sinos de sua matriz. He uma coiza incommoda, e até prejudicial. Por cauza de alguns cobres que lucrão os sineiros, não se deve incomodar uma cidade inteira. Igual pedido fazemos aos demais administradores de irmandades e capellas. O Sr vigário, que he moço, hade concorrer para que se destruão estas antigualhas impróprias dos tempos em que vivemos. Os dobres de sinos, acreditem os carolas, não levaõ a alma ao céo, se não tem ellas sido puras e virtuosas. No tempo do Cholera morbus acabou-se com tão incomodo a usança; não sabemos porque tornou-se hoje a reviver, apezar dos males que cauza, e da nenhuma utilidade que presta. Seremos attendidos? Um velho christão19.

Não sabemos de que forma se conduziam tais repiques dos sinos, se eles eram usados exclusivamente pela Igreja ou não. O leitor deixa claro sua indignação, quando escreve que os sinos eram “dobrados” por “horas inteiras.” Por horas inteiras acreditamos ser um pouco exagerada a descrição usada pelo leitor, entretanto, ele nos traz informações interessantes, como RÖWER, Basílio. O Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 260-261. RÖWER, Basílio. Páginas de História Franciscana. Petrópolis: Vozes. 1957, p. 56. 18 Ibid., p. 38. 19 Correio da Victoria, Vitória, 26 mar. 1859, p. 4. 16

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o fato de que os sineiros eram pagos à parte – o que segundo ele trazia o interesse no toque constante. Além disso, apesar de reclamar especificamente da Matriz, o “velho christão” deixa entender que outras igrejas também possuíam sinos, e que estes eram igualmente bastante utilizados. Outro dado bastante relevante é o das funções dos sinos. O leitor deixa claro que para ele – e talvez para muitos, já que há mais reclamações em outras edições – os sinos não tinham utilidade, nem mesmo religiosa: afinal, segundo eles, os sinos não levam “ao céo”. E ele também indica que na época da epidemia de cólera os sinos deixaram de ser utilizados – talvez pelo excessivo toque, dada a quantidade de mortos. Alguns anos depois, encontramos outro protesto em jornal contra os sinos: Os sinos... Continuam a perseguir-nos, sempre que podem os ouvidos esses eternos inimigos do socego, da reflexão e do estudo. Já d’aqui declarammos-lhes guerra uma vez, mas não há quem providencie a respeito20.

Mesmo contra os sinos do convento de São Francisco há reclamações, sendo vistos como o único incômodo das festas lá realizadas: No sábado, domingo e na segunda-feira tiveram lugar as festas annunciadas. O movimento até aqui tem sido pouco notável. O convento ostenta-se em todo o seu explendor. Resta a segunda festividade, a do popular são Benedito, que por certo attrairá maior concorrência. Há só um sendo em tudo isso – é o sino, o sino, o inimigo implacável dos tympanos de nossos ouvidos21.

Entendemos que essa pode não ser a impressão compartilhada por todos os moradores da cidade, entretanto, há que se lembrar que havia aproximadamente onze sinos no centro histórico da cidade, distribuídos pela igreja matriz, igreja de São Gonçalo, igreja de São Tiago, igreja da Misericórdia, capela do Carmo, capela de Santa Luzia, igreja do Rosário, além dos três sinos do convento de São Francisco. Se todos fossem tocados ao mesmo tempo, em meio ao silêncio, de fato isso poderia causar incômodo. E isso não se restringia a Vitória. Em 1833, a Comissão de Salubridade da Sociedade de Medicina de São Paulo elaborou um relatório sobre o abuso dos toques de sinos e o mal que causava à saúde22. Dizia o parecer que eram muitas as doenças que acometiam a população submetida a repiques de sinos, insuportáveis quando duram mais de cinco minutos. No caso de Vitória, pelo menos, a hierarquia da Igreja interveio nessa discussão. Especificamente em relação ao convento de São Francisco, o primeiro bispo de Vitória, D. João Batista Correia Nery, através de uma A Província do Espírito Santo, Vitória, 8 dez. 1882, p. 3. A Província do Espírito Santo, Vitória, 30 maio 1882, p. 1. 22 “Sinos infernizam a cidade”. Disponível em www.rio.rj.gov.br/rio_memorial/1833.htm. Acesso em 1 de fevereiro de 2007. 20 21

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Portaria dirigida ao então secretário da Irmandade de S. Benedito do convento de São Francisco, declarava ser proibido o toque de sinos depois das nove horas da noite23. Cinco anos depois, em 1905, D. Fernando de Souza Monteiro emitia portaria ao Sr. João Vicente da Boa Morte, então secretário da irmandade de S. Benedito, renovando a Portaria de 190024. É possível que os sinos do convento de São Francisco tocassem de forma desordenada pelos devotos de São Benedito, obrigando os bispos diocesanos a usarem de sua autoridade para contê-los. Outra possibilidade é que esses sinos fossem tocados por pessoas não especializadas, visando apenas o recebimento de pago por esse serviço. Assim podemos ler na já mencionada reclamação de 1882: Infelizmente nós havemos de bradar, mas a população há de continuar a mercê de quanto vadio lembre-se de subir á torre das igrejas para tirar seu ventre de miséria da irritabilidade alheia. Mas, isto é intolerável!25

Não sabemos quantos sineiros existiram na cidade. Temos conhecimento através de Mário Aristides Freire, que a capela primitiva da Ordem Terceira, “com soalho de largas tábuas sobre barrotes, comportava um porão, com duas portas, onde o velho sineiro morava”26. Podemos notar através do desenho de André Carlone, que uma dessas portas tinha saída para a Rua Adão Benezath, quase em frente ao edifício D. Fernando, e não sabemos quando, nem por que motivo ela foi fechada. Mas é importante observar que apesar das reclamações e das medidas contra o uso excessivo dos sinos, não houve simplesmente sua abolição. O segundo bispo de Vitória, D. Fernando de Sousa Monteiro, no ano de 1903, diante do anúncio da morte de Leão XIII e da eleição de Pio X, ordenou que se devessem “repicar os sinos durante três dias em signal de festa e alegria pela graça que Deus acaba de fazer-nos”27. De toda forma, como podemos ver, em Vitória, no século XIX, não encontramos registros saudosos dos toques dos sinos. Parece-nos que provavelmente não existia uma tradição dos seus repiques, ou um descompasso na sua utilização exagerada. Eles mais pareciam irritar alguns moradores. Não sabemos com que freqüência e diante de quais motivos, além dos religiosos, eles eram acionados. Mas seguramente eles o eram também para avisar um perigo, efetuando, assim, um ato de utilidade pública. Isso

Livro de Provisões N. 01 (1897 – 1909). 02 de Janeiro de 1900. p. 153. Cúria Metropolitana. Livro de Provisões (1897-1909) em 02/01/1905. p. 153. Cúria Metropolitana. 25 A Província do Espírito Santo, Vitória, 8 dez. 1882, p. 3. 26 FREIRE, Mário. A Ordem Terceira da Penitência em Vitória. Revista Vida Capixaba. Mar. 1954. sp. 27 Tombo Catedral Paróquia Nossa Senhora Conceição Prainha. p. 57 e 57v. Cúria Metropolitana. 23

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ocorreu, por exemplo, na madrugada do dia 25 de junho de 1867, quando a população foi avisada de um incêndio na residência do Dr. Ernesto Mendo através dos toques dos sinos das igrejas e ainda pelo “toque de rebate” dos tambores do quartel. Acionada a Marinha, o incêndio foi combatido28. O convento franciscano de Vitória perdeu sua função ao longo dos anos. Contudo, seus sinos de bronze, que já badalaram em festas religiosas e profanas, saudando a passagem de procissões, fazendo parte da sonoridade da cidade, resistiram ao tempo. A torre sineira, depois de 1926 foi em parte demolida; dos sinos permaneceu o “meião” e o “grande” por vários anos. O “meião” (da Ordem Terceira da Penitência) permanece ainda hoje no seu local original; quanto ao sino “grande”, que estava quebrado (da Irmandade de São Benedito-1858), foi substituído por um novo em 2007, enquanto o antigo será exibido no museu da Cúria Metropolitana. Do sino “pequeno”, não temos notícias do seu paradeiro29. Com a demolição de parte da torre sineira, ele deve ter sido perdido, uma vez que o lugar que ele ocupava passou a não mais existir. No entanto, em 2007 a administração da Cúria Metropolitana adquiriu um novo sino “pequeno”, que foi abençoado em 20 de Dezembro daquele ano pelo cônego Maurício da Silva Pereira30, para ser colocado no antigo nicho do santo do relento. Em relação ao novo, foi mantida a tradição de impressões em relevo. Ele possui inscrita a frase escolhida pelo cônego Mauricio “Laudate Dominum Omnes Gentes”, “Louvai ao Senhor Todos os Povos” (Sl 117). Proveniente de São Paulo, nele também está inscrito “ANGELI”, em referência ao seu fabricante, e “outubro de 2007”, data de sua fabricação. Pesando 56 quilos e medindo 45 cm de diâmetro, seu toque emite a nota “Sol”. Ele completa, assim, os dois sinos maiores, que possuem, respectivamente, 210 quilos e 71 cm de diâmetro e 310 quilos e 79 cm de diâmetro, e emitem a nota “Dó” e a nota “Si”31. Essa política de restauração do patrimônio e das tradições da Igreja no Espírito Santo teve continuidade com a retomada do uso dos sinos no convento de São Francisco, em sua composição original. Mesmo sem a presença do tradicional sineiro, já que agora os sinos são eletronicamente acionados ao meio dia e às dezoito horas da tarde, seus toques têm duração de um minuto. Até o momento não há registros de reclamações por seus toques – o que se compreende facilmente em função do próprio volume maior de ruídos

Jornal da Victoria, Vitória, 26 jun. 1867, p. 3. Informações cedidas pelo administrador da Cúria, Sérgio Murilo Lopes, em entrevista dia 17/12/2008. 30 Essa Bênção, que pudemos presenciar, se deu de forma tradicional, seguindo o Ritual de Bênçãos da Igreja. A cerimônia contou ainda com a presença do administrador da Cúria Metropolitana Sérgio Murilo Lopes, da chefe de documentação da Mitra Arquidiocesana Giovanna Márcia Valfré, do funcionário Benedito de Souza, além do sineiro, Sr. Francisco de Assis de Carvalho e seu auxiliar, que imediatamente após a Bênção conduziram o sino por cordas, auxiliados pelos andaimes até seu lugar ao alto da antiga torre sineira, e programaram os toques eletronicamente. 31 Informações dadas pela “Fundição Artística Paulistana Ltda” fabricante dos sinos. Site:www. fartirticapaulistana.com.br. Acesso em 28 de dezembro de 2008. 28 29

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na cidade. Dessa forma, os sinos podem cumprir seu papel – não mais de chamar os fiéis, ou avisar de perigos, mas de manter um vínculo do presente com o passado, contribuindo para a preservação da identidade local. Acreditamos que os sinos do convento de São Francisco de Vitória selam um envolvimento afetivo no que tange à preservação da memória da cidade para além do seu aspecto histórico cultural. De forma a sistematizar os conhecimentos sobre este Patrimônio Histórico e trazer a discussão para dentro da sala de aula, envolvendo diferentes áreas, como música, arte e história, propomos como atividade escolar uma visita ao frontispício do convento franciscano de forma a “escutar” o badalar dos três sinos. Em sala de aula, é possível confeccionar sinos com garrafas de refrigerante, e no lugar do badalo, inserir tampas amassadas ou guizos. E esses sinos assim confeccionados poderiam, pelo menos uma vez por semana, “substituir” o tradicional “sinal” da escola, como o do recreio ou o da saída, de forma a entender mais de perto esse tipo de comunicação tradicional.

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A Formação de Professores de Anos Iniciais para o Trabalho em Contexto Intercultural: Um Estudo a partir da Licenciatura em Pedagogia em Três Modalidades Andréia Weiss Profª. Msc DTPE – UFES/ES Doutoranda PPGE/UFES

Introdução A escolha por esta linha de investigação vem de encontro com a trajetória da pesquisadora, na qual, no decorrer da graduação e no mestrado, investigou o conhecimento e a formação de pedagogos para a atuação com o conhecimento de Artes. Os dados encontrados na dissertação “As Artes Visuais na Formação e Ação de Professores – Anos Iniciais: Um Olhar no Curso de Pedagogia – CE/UFSM”, realizada de 2002 a 2003, trouxeram algumas inquietações, visto que “No momento da atuação dos acadêmicos em formação inicial, no estágio supervisionado, prevaleceu a utilização da arte como instrumento pedagógico, pautando-se em técnicas e num fazer sem reflexão e sem relação com as outras áreas do saber [...]” (WEISS; NUNES, 2006, p. 319). Essa percepção me angustiou e me angustia, o que me leva a questionar como os profissionais formados nos Curso de Licenciatura em Pedagogia Presencial, Curso de Licenciatura em Pedagogia da Terra e o Curso de Licenciatura em Pedagogia/EAD da UFES, utilizam, reelaboram ou lidam com o conhecimento de Artes Visuais, visualizando os diferentes espaços e respeitando estas diferenças e sujeitos que dela fazem parte no decorrer da atuação.

A Construção Teórica Os Cursos de Licenciaturas vem a alguns anos se estruturando, entre eles os Cursos que formam os licenciados em Pedagogia1, iniciando com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96 e culminando com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia. A LDB 9.394/96 traz em seu texto a necessidade da formação superior para o exercício na Educação Básica e, ainda, chama a atenção para o fato de QUE “[...] § 2º O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” (BRASIL, acesso em 8 ago. 2008a). Os Cursos de Pedagogia já traziam disciplinas voltadas para o Ensino da

Desde a inserção das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia, o pedagogo será formado para atuar tanto nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental como na Educação Infantil (BRASIL, acesso em 8 ago. 2008b). 1

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Arte2, mas a partir desta reformulação e das Diretrizes Curriculares3, ocorreu uma preocupação com esta formação para o pedagogo. Esta preocupação com a formação do pedagogo está presente no Centro de Educação da UFES através do Curso de Licenciatura Plena de Pedagogia presencial, do Curso de Licenciatura Plena de Pedagogia da Terra e Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia/EAD. Estes cursos são pontos marcantes na trajetória educacional do Centro de Educação, sendo necessário investigar como estas formações se configuram nos diferentes espaços escolares. O Curso de Pedagogia Presencial em 1975 formava o Supervisor, o Administrador Escolar e o Orientador; mas na década de 90, passou por uma reformulação curricular que enfatizou a formação dos professores de Educação Infantil e Series Iniciais do Ensino Fundamental (FORESTES, acesso em 20 ago. 2008). Na atualidade já se discuti a formação do Pedagogo frente as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia (BARRETO; AZEVEDO, acesso em 1 set. 2008). Já a Pedagogia da Terra4, de acordo com Foerste (acesso em 20 ago. 2008, p. 3), nasce da necessidade de formar os docentes que atuam nos assentamentos sendo [...] criado no final de 1999 pela parceria entre o Movimento Sem Terra/Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo – MST/CIDAP, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – INCRA/PRONERA e Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

Neste curso as disciplinas, os professores e os alunos dialogavam, refletiam e cresciam com os sujeitos participantes de uma realidade diferente do que era trabalhado no Centro de Educação da UFES, a do campo e a dos assentamentos. Justamente por esta particularidade é que algumas modificações na grade curriculares do curso de fizeram necessárias, integrando ao contexto as disciplinas de “[...] Alternativas da Educação no Campo; A Questão Agrária no Brasil; Educação para o Cooperativismo no Campo e Trabalho de Conclusão de Curso [...]” (FOERSTE, acesso em 20 ago. 2008, p. 4). Outra modalidade de ensino na UFES que vem se solidificando é a Pedagogia a Distância. Em 2001, o Curso de Pedagogia a Distância (Pedagogia/EAD) iniciou suas atividades. Esta proposta “[...] foi destinado à 2 Algumas instituições ofertam uma disciplina com todas as linguagens (Artes Visuais, Música e Arte Cênica) enquanto que outras instituições ofertam uma disciplina para cada uma das linguagens citadas. 3 “[...] Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: [...] VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano [...] (BRASIL, p. 2, acesso em 8 ago. 2008b). 4 A primeira Turma de Pedagogia da Terra iniciou em 1999 e a segunda turma em 2003, a terceira turma de Pedagogia da Terra está em vias de negociação para o seu início.

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formação docente em serviço, tendo como objetivo geral a contribuir para a compreensão do processo educativo escolar em suas múltiplas interrelações: pedagógica, históricas, sociais, econômicas, políticas e culturais [...] (MORETO, acesso em 20 ago. 2008). Ou seja, esta formação se configura num diálogo entre os sujeitos que já possuem uma experiência docente de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental e os conhecimentos acadêmicos que trazem novas percepções, concepções e teorias. Ampliando o diálogo entre as diferentes realidades e vivências do ser professor. Ainda: [...] a UFES estruturou o Curso de Pedagogia/EAD combinando as modalidades de Ensino a Distância e Presencial numa prática bimodal ou semipresencial, sendo um terço das atividades acadêmicas presenciais e que busca proporcionar uma formação teórica de qualidade, na relação teoria/prática, no interior da experiência docente por meio da formação em serviço (MORETO, 2006, p. 146)

A partir destas três percepções quanto a formação do Pedagogo, o espaço para as particularidades dos currículos devem ser respeitadas e dialogadas para que a realidade entre teoria e prática seja perceptível, compreendida e analisada a partir dos diferentes contextos e culturas que envolvem a formação e atuação destes pedagogos. Dessa forma não podemos deixar de refletir quanto ao currículo destes três cursos de Pedagogia, lembrando o que Tourinho (2005, p. 109) pensa, que “Estudar o currículo significa repensar categorias e conceitos que orientam o pensamento educacional e problematizar processos que acontecem – ou não – nas escolas e nas salas de aula [...]”. Esta necessidade está presente no currículo realizado defendido por Ferraço (2005), que necessita ser refletido, integrado com as necessidades profissionais e sociais e posto em ação. Esta preocupação está presente na grade curricular do Curso de Licenciatura em Pedagogia Presencial, Curso de Licenciatura em Pedagogia da Terra e Curso de Licenciatura em Pedagogia/EAD da UFES5 que oferece a disciplina de Arte Educação para os acadêmicos, demonstrando a importância desta disciplina para o Ensino Fundamental. Sendo, dessa forma, pertinente refletir e discutir como este educador foi formado mediante os conhecimentos de Artes Visuais, quais os conteúdos que compõem a disciplina, qual a abordagem metodológica, os matérias e recursos, quais concepções, percepções permearam esta formação nas diferentes graduações de Pedagogia ofertadas pela UFES. Enfim, esses pontos são pertinentes a cada um dos cursos de formação que serão pesquisados. 5 A Pedagogia a Distância já iniciou as discussões para o oferecimento de novas turmas para 2009, no qual será realizado o processo seletivo nos vários pólos. Contudo, esta investigação direciona-se aos egressos e sua práticas, buscando estabelecer relação/avaliação a partir do currículo desenvolvido.

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Lembrando que esta formação necessita de coerência quanto ao ensino de arte, pois este deve: [...] além de transmitir um saber artístico acumulado pela humanidade, isto é, um conteúdo específico sobre esta área do conhecimento deve transmitir também um conteúdo ou um saber pedagógico implícito, veiculado através de uma forma explicita e contextualizada. Articulando, assim, uma compreensão entre seu conteúdo de ensino e a prática social, enquanto pressupostos da educação, e, esta como pressuposto da prática social (NUNES, 1990, p. 112)

Visão que busca romper com o ensino técnico e tradicional da Arte vislumbrando o contexto em que se formaram os licenciados em Pedagogia e a realidade escolar em que se encontram. Levando a percepção de que “[...] a arte é utilizada como instrumento de questionamento e contestação da realidade, como elemento de produção cultural, como instrumento de mediação da socialização humana, como elemento capaz de estabelecer a dialética entre razão e sensibilidade [...]” (ANGHINONI, 2006, p. 30) Se amparando na percepção de Hernández (2000, p. 129) de que “Há uma ponte entre duas práticas sociais: a arte e a educação [...] A arte é uma forma de conhecer e representar o mundo. A educação organiza o conhecimento privado em relação as formas públicas de representar o mundo [...]”. O pedagogo, dessa forma, é o mediador da cultura existente no espaço escolar aliando a Educação e a Arte, a partir da reflexão, da multicultura, possibilitando a representação do mundo a partir destas duas realidades (FOERSTE, 2004). Visto que o Curso de Pedagogia visa a formação de professores para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e possui um currículo que abrange os conteúdos pedagógicos e específicos das várias áreas de conhecimento que compõem o corpo desta área. Dessa forma, existe uma preocupação que estes sejam trabalhados interdisciplinarmente e imbricados com o contexto escolar que estes educadores encontrarão, em especial o Ensino da Arte. Mas um ensino diferente do que está posto, um ensino que é defendido por Richter (2004, p.169), onde “[...] Precisamos de um ensino da Arte na qual as diferenças culturais sejam vistas como recursos que permitam ao indivíduo desenvolver seu próprio potencial humano e criativo, diminuindo o distanciamento existente entre Arte e vida”. Dessa forma, o pedagogo parte de uma formação inicial que se tornará continuada, buscando o que Hernandez (2005) defende, um diálogo entre todas as partes que compreendem o ser docente, que é a escola, a realidade, a cultura, as diversidades, a universidade que culminará na sua atuação em sala de aula. Essa atuação é concebida como a prática pedagógica que se configura na ação do professor no espaço/cotidiano escolar a partir do contexto entre teoria e prática, evidenciando a realidade e as suas relações com o espaço escolar (ANGHINONI, 2006).

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E é nos diferentes espaço escolares6 que os licenciados em Pedagogia Presencial, Pedagogia da Terra e Pedagogia/EAD, transformam os conhecimento construídos através da disciplina Arte Educação em ação, visto que é “[...] na escola que oferecemos oportunidades para que crianças e jovens possam efetivamente vivenciar e entender o processo artístico e sua história [...]” (FERRAZ; FUSARI, 1999, p. 19) Que por sua vez está atrelado a proposta pedagógica, que também se ampara na realidade e no momento histórico, nos sujeitos e nas identidades que formam o espaço escolar e a sala de aula. Isto é o que se almeja a medida que os licenciados vão se construindo como sujeitos – docentes, independentes do espaço que irão atuar (WEISS, 2004; GHAUTHIER, 1998; ANGHINONI, 2006; FOERSTE, 2004). Ainda é [...] evidente a necessidade de se entender a formação e a ação profissional do professor, sua preparação e ação docente, para e no magistério dos anos iniciais, como um processo complexo que extrapola o domínio técnico de conhecimento dos vários campos do saber que compõem esse nível de escolarização [...] (BELLOCHIO, 2004, p. 79-80).

Para tanto, necessitamos estar atento para esta formação e atuação de forma “[...] que os conhecimentos técnicos exigidos para a ação pedagógica do professor desse nível de ensino não podem cair no senso comum reducionista, de minimização de conteúdos [...] (BELLOCHIO, 2004, p. 80). Que a sua formação, mesmo que muitas disciplinas que auxiliam na sua fundamentação teórica sejam somente de 60 horas, como é o caso das Artes, seja voltada para a relação teoria e prática, mas que se perceba também como pesquisador crítico da sua atuação. Evitando, assim, o aproveitamento errôneo do conhecimento artístico, de forma que não se use mais as Artes para organizar festas ou confeccionar cartões. Ela é área de conhecimento e necessita ser trabalhada, já que “Arte tem conteúdo, assim como todas as outras disciplinas, e esse conteúdo deve ser respeitado e estimulado, tanto quanto os outros” (BARBOSA, 2002, p. 109-110). Para que essa compreensão seja perceptível na ação dos pedagogos, uma das possibilidades é o conhecimento do ofício docente que Gauthier (1998) defende. Este ofício está focado no ser docente e na sua atuação, onde se evidencia e se concretiza pela comunhão de seis saberes que são “[...] os saberes disciplinares (matéria); curriculares (programa); ciências da educação; tradição pedagógica (uso); experienciais (jurisprudência particular) e os de ação pedagógica (repertório de conhecimentos de ensino) [...]” (WEISS, 2004, p. 198). 6 É importante frisar que o espaço escolar é fundamental para o professor e este deve ser respeitado, conhecido, vivenciado, construído a partir das suas singularidades e particularidades que envolvem o social, o cultural, o político, o educacional, evidenciando sua realidade dialética.

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Muitos destes saberes são compreendidos no decorrer da formação acadêmica de forma que realizem uma vinculação com a realidade da escola, visando o desenvolvimento destes alunos de uma forma crítica e que compreendam e gostem da arte a partir desta perspectiva. Indo ao encontro do alerta que Barbosa (1991, p.4) realiza, “Não esquecendo que arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é continuo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano”.

Os Objetivos A pesquisa pretende investigar e refletir sobre a prática pedagógica em Artes Visuais dos pedagogos formados no Curso de Licenciatura em Pedagogia Presencial, Curso de Licenciatura em Pedagogia da Terra e Curso de Licenciatura em Pedagogia/EAD da Universidade Federal do Espírito Santo.

Metodologia Da Pesquisa Esta pesquisa está amparada no método dialético, aportado pela visão crítica, ainda na pesquisa histórica, bibliográfica, documental, de campo, de cunho descritivo, interpretativo e sua análise será qualitativa. Sujeitos e Espaço da Pesquisa: Os sujeitos participantes da mesma serão: um (1) pedagogo formado no Curso de Pedagogia Presencial da UFES, (1) pedagogo formado no Curso de Pedagogia da Terra da UFES e (1) pedagogo formado no Curso de Pedagogia/EAD pela UFES que atuam nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental e, no caso do Licenciado pela Pedagogia da Terra, que atue no assentamento do MST. Técnicas e Instrumentos de Coleta de Dados: • Entrevista Semi-Estruturada: serão utilizados com os sujeitos a fim de investigar de forma detalhada a trajetória acadêmica e profissional desses professores que foram alunos dos cursos investigados. Não esquecendo que a entrevista semi-estruturada é a mais aconselhável para a área da educação, pois ela “[...] se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações” (LÜDKE; MENGA 1986, p. 34), permitindo que toda informação seja gravada e utilizada para a análise. Também participarão da entrevista os professores responsáveis pela elaboração dos programas da Disciplina Arte na Educação e que ministraram a disciplina nos Curso de Pedagogia Presencial, no Curso de Pedagogia da Terra e no Curso de Pedagogia/EAD. • Análise Documental: Estará embasada na análise da legislação que orientam e orientaram a formação do Licenciado em Pedagogia Presencial; Licenciado em Pedagogia da Terra e Licenciado e Pedagogia/EAD pela Universidade Federal do Espírito Santo. • Observação Participante: A observação participante ocorrerá nas salas de aulas dos sujeitos participantes. Ainda, os sujeitos da pesquisa es-

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tarão cientes da presença do pesquisador e dos objetivos desejados com este estudo, visto que “O “observador participante” é um papel em que a identidade do pesquisador e os objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o início [...]”, como definem Lüdke e Menga (1986, p. 29). • Diário de Campo: o diário de campo será o suporte de todas as observações da atuação dos sujeitos; bem como das reflexões e apontamentos da pesquisadora. Este é um recurso que auxilia no decorrer da coleta de dados, visto que O diário de campo é pessoal e intransferível. Sobre ele o pesquisador se debruça no intuito de construir detalhes que no seu somatório vai congregar os diferentes momentos da pesquisa. Demandando um uso sistemático que se estende desde o primeiro momento da ida ao campo até a fase final da investigação (NETO, 2000, p. 63-64)

Conclusões Este trabalho em condição de pesquisa em andamento, ainda não tem respostas delineadas. Referências ANGHINONI, Sara Joana. Práticas pedagógicas na educação infantil e a visualidade contemporânea. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2006. BARBOSA, Ana Amália Tavares Bastos Barbosa. Interdisciplinariedade. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002. p. 105-110. BARRETO, Maria Aparecida Santos Corrêa; AZEVEDO, Vanessa Oliveira de. As diretrizes curriculares nacionais e o curso de Pedagogia da UFES: dilemas para a construção de práticas educacionais da/para a educação inclusiva. Disponível em: < http://www.isecure.com.br/anpae/267.pdf>. Acesso em: 1 set. 2008. BELLOCHIO, Cláudia Ribeiro. Professor de anos iniciais de escolarização e a educação musical escolar: discutindo formação e práticas educacionais. In: CÔRREA, Ayrton Dutra. Ensino de artes: múltiplos olhares. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2004. p. 73-140. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L9394.htm>. Acesso em: 8 ago. 2008a. BRASIL. Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em: 18 de ago. 2008b. FERRAÇO, Carlos Eduardo. Currículo, formação continuada de professores e cotidiano escolar: fragmentos de complexidade das redes vividas. In: _____ (org.). Cotidiano escolar, formação de professores(as) e currículo. São Paulo: Cortez, 2005. p. FOERSTE, Erineu. Pedagogia da Terra: um estudo sobre a formação superior de professores do MST. Disponível em: < http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt08/ t084.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2008.

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FOERSTE, Gerda Margit Schütz. Leitura de imagens: um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004. GAUTHIER, Clemente et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisa contemporânea sobre o saber docente. Trad. Francisco Pereria. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1998. LÜDKE, Marli; ANDRÉ, Menga. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1996. ________. Formação de professores de séries iniciais do ensino fundamental na modalidade de educação aberta e a distância: um estudo sobre parceria entre professores da escola básica e professores da universidade. 287 p. Dissertação (Mestrado em Educação UFES). Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006. MORETO, Charles. Parceria no engendramento de uma educação sem distâncias: a experiência da UFES no Curso de Pedagogia/EAD. Disponível em: < http:// www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/posteres/GT08-1971--Int.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2008. NETO, Otávio Cruz. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 17. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 51-66. NUNES, Ana Luiza Ruschel. Pressupostos teóricos para o ensino das artes plásticas na escola brasileira. 1990. 187 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1990. RICHTER, Ivone Mendes. A pluralidade cultural e o ensino de Arte. In: CÔRREA, Ayrton Dutra. Ensino de artes: múltiplos olhares. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2004. p.141-173. TOURINHO, Irene. Perguntas que conversam sobre educação visual e currículo. In: OLIVEIRA, Marilda oliveira de; HERNANDEZ, Fernando. A formação do professor e o ensino das artes visuais. Santa Maria: UFSM, 2005. p. 107-118. WEISS, Andréia. As artes visuais na formação e ação de professores – anos iniciais: um olhar no curso de pedagogia – CE/UFSM. 2004. 299 p. Dissertação (Mestrado em Educação UFSM). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2004. WEISS, Andréia; NUNES, Ana Luiza Ruschel. As artes visuais e a formação do pedagogo - anos iniciais: uma investigação no curso de Pedagogia - CE/UFSM. Educação, v.31, p. 305-321, 2006.

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Reflexão sobre a Formação-Ação do Pedagogo Anos Iniciais e as Artes Visuas: UFSM/RS Andréia Weiss Profª. Msc DTPE – UFES/ES Doutoranda PPGE/UFES Ana Luiza Ruschel Nunes Profª. Drª. do Curso de Licenciatura em Artes Visuais Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG

A Pesquisa A pesquisa se propôs a realizar uma reflexão crítica de como ocorria a formação inicial do professor dos Anos Iniciais em relação ao Ensino das Artes Visuais, tendo em vista sua atuação no Ensino Fundamental através do Estágio Supervisionado, levantando discussões sobre a atual formação dos profissionais da Educação – Anos Iniciais, na Disciplina de Metodologia das Artes Plásticas no Curso de Pedagogia do Centro de Educação (CE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A fim de proceder a presente investigação, delimitou-se o contexto investigativo inicialmente no Curso de Pedagogia – Anos Iniciais, do Centro de Educação da UFSM – Disciplina de Metodologia do Ensino das Artes Plásticas no Currículo por Atividades (MEN 342) e no Laboratório de Ensino das Artes Plásticas e, posteriormente, nas escolas municipais e estaduais do município de Santa Maria/RS, nas quais os sujeitos da pesquisa realizaram os estágios supervisionados. Neste ínterim, os sujeitos envolvidos na pesquisa foram: duas professoras responsáveis pela Disciplina de Metodologia das Artes Plásticas no Currículo por Atividades, sendo uma professora substituta, Mestre em Educação, Licenciada em Educação Artística, sendo a outra professora adjunta Doutora em Educação e Arte, Licenciada em Educação Artística. Além disso, vinte e três acadêmicos matriculados na referida disciplina, no 5º semestre do curso de Pedagogia, do primeiro semestre letivo de 2002, e dentre esses, a escolha de forma aleatória de 15 acadêmicos, os quais se encontravam, no segundo semestre letivo de 2003, em estágio supervisionado. Para tanto, a pesquisa se baseou numa abordagem qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), revelando-se descritiva, com o encontro de um ambiente rico em informações. Ressalte-se que aqui não coube quantificar as informações, até porque a preocupação foi, in limine, com o processo e não com o produto ou resultados fechados. No processo da coleta de dados se utilizou dos seguintes instrumentos: análise documental e bibliográfica, observação livre (no 1º semestre de 2002, na disciplina MEN 342 e, tendo sua continuidade no 2º semestre de 2003, quando os acadêmicos realizavam o estágio curricular supervisionado em treze escolas públicas (estaduais e municipais) do município de Santa Maria/ RS, juntamente com o diário de campo, a entrevista semi-estruturada (todos

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os sujeitos participantes foram entrevistados na tentativa de vislumbrar a compreensão que cada um possuía dessa área do conhecimento, bem como suas expectativas em relação à mesma) e o portfólio. O método dialético (BROHN, 1979) fundamentou a pesquisa por propiciar uma interação do todo, sem que nenhuma parte do processo fosse perdido. Assim, levou-se em consideração a realidade dos acadêmicos em relação ao ensino das Artes Visuais no curso de Pedagogia no Brasil, num ir e vir, analisando historicamente e criticamente a constituição desses cursos.

As Categorias de Análise Partindo desse embasamento, construíram-se categorias de investigação que nortearam a pesquisa e sua posterior análise. Desse modo, procurou-se alcançar o conceito que abrangeu o todo presente na pesquisa, visto que na mesma encontravam-se várias informações/significações, sendo selecionadas as de maior importância (GOMES, 2000). Destarte, foram estruturadas as categorias que nortearam a pesquisa da seguinte forma: Saberes de Formação Pedagógica; Saberes de Formação Específica em Artes Visuais e Prática Educativa para a Docência em Artes Visuais nos Anos Iniciais. Acredita-se que, em se tratando de formação de professores, faz-se necessária, como conhecimento, a aprendizagem dos “Saberes de formação pedagógica”, tendo como categorias para investigar estes saberes as questões que envolvem o planejamento, a avaliação, o conteúdo, a metodologia, a relação professor e aluno, já que esses deveriam ser ensinados/ aprendidos na disciplina MEN 342, atrelados, pois, os conhecimentos de artes visuais lecionados e/ou construídos com os acadêmicos, futuros profissionais da educação. Não esquecendo que não há educação nem ensino de artes visuais se não houver conhecimento do saber artístico, em suma, o que vai ser ensinado. Assim, o professor carece compreender e saber os saberes da arte, os fundamentos do desenho das artes visuais, a história da arte erudita e popular, o desenvolvimento gráfico-plástico infantil e do adolescente, o conhecimento das ferramentas, suportes técnicos e materiais expressivos, ou seja, as ferramentas de expressão em arte, e ainda, sem dúvida, da própria concepção de arte. São, portanto, saberes esses fundamentais para o ensino das artes visuais no Curso de Pedagogia, visando à formação do professor - pedagogo na disciplina MEN 342, dando corpo à segunda categoria de análise: “Saberes de formação específica em artes visuais”. Rememora-se o fato de que os “Saberes de formação específica em artes visuais” estão entrelaçados aos “Saberes de formação pedagógica”, bem como à “Prática Educativa para a Docência em Artes Visuais nos Anos Iniciais”, em uma associação dessas três categorias, desde o planejamento até a atuação, visando “[...] que aproxime os estudantes do legado cultural e artístico da humanidade, permitindo, assim, que tenham conhecimento dos aspectos mais significativos de nossa cultura, em suas diversas ma-

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nifestações” (FUSARI; FERRAZ,1999, p. 49). Nesse ínterim, a “Prática educativa para a docência em artes visuais” visava demonstrar que a experiência educativa é a própria ação educativa do professor, sua didática na ação de ensinar/aprender a construir o conhecimento em arte no cotidiano de sala de aula, sendo o ‘reflexo’ da formação inicial, dando visibilidade aos “Saberes de formação pedagógica e aos Saberes de Formação específica em artes visuais”, pesquisando a forma como o futuro profissional dos anos iniciais inter-relaciona esses conhecimentos.

Analisando os Dados Em seguida, realiza-se uma análise crítica a partir dos dados coletados no decorrer da pesquisa, identificando e compreendendo como aconteceu a aprendizagem do ensino da arte para atuar nos anos iniciais do ensino fundamental. Num primeiro momento foi resgatado o contato que os acadêmicos possuíam com as Artes, no decorrer de sua vida escolar, os relatos evidenciaram que: Muito pouco, basicamente pintura e fora disso não me recordo de nada (fala do acadêmico em formação inicial nº 2) Não foram muitas [...] deixa eu ver, eu tive só 7ª e 8ª Educação Artística e eu não gostava muito, [...] há tem que fazer um desenho livre e quem não sabia desenhar fazia um desenho feio e ficava meio traumatizado de desenhar um desenho feio, né, então não tinha muita criatividade, muita coisa diferente (fala do acadêmico em formação inicial nº 14)

Vivências que se repetiram na maioria das falas, e que vêm ao encontro com que Barbosa (1991) alertava, ou seja, que as artes, por muito tempo e quem sabe ainda um pouco nos dias atuais, carregaram a percepção de um fazer por fazer, uma falta de estruturação e planejamento direcionado aos anos iniciais, privilegiando a técnica. Representando um desafio para os professores formadores, trabalhar com uma área de conhecimento que já possui um ranço anterior, de uma vivência escolar não tão agradável, mas que é parte fundamental para a inter-relação com as outras áreas do saber. Já com as professoras formadoras, realizaram-se alguns questionamentos, entre eles: “Qual a sua concepção de conteúdo que compõem o programa da disciplina?”, temos os seguintes depoimentos: Bom na minha concepção tem dois tipos de conteúdo, tem aquele conteúdo mais formal que é a história da arte, toda a construção histórica, os elementos estruturais, a linha, o ponto, a forma, a cor e tudo isso remete ao conhecimento, isso remete hââã, é um conteúdo formal que se ensina, e ele é mensurável, você pode

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medir, pode avaliar, tu sabe ou não sabe, e tem aquele conteúdo informal que é a vivência que tu traz de casa, a pintura, né, os tipos de pinturas, é um conteúdo, o conteúdo informal é o que cada aluno traz, né, a experiência que cada um traz, então é um conteúdo que se traz e a arte trabalha isso mais do que nunca (fala professora “X”) Minha concepção de conteúdo, bem o conteúdo é muito amplo, né, bastante aberto, e acho que ele engloba o necessário, claro que o professor vai fazer as suas adaptações, né. Por exemplo, nos trabalhamos com a natureza, função e objetivo das artes na escola, eu acho isso super importante, nós trabalhamos com a questão do profissional, o professor de arte e o artista plástico, essa contraposição, nós trabalhamos também com a questão do trabalho na escola, como se dá esse desdobramento, e uma coisa que um tópico que os alunos pediram esse semestre que não estava, e dois grupos da Pedagogia, tanto de séries iniciais como de pré-escola, e a gente vai trabalhar, é o estudo da cor, eles acham super importante como a criança trabalha com a cor, então eu acho que é um conteúdo assim que é flexível e é possível a gente adaptando né, e a História da Arte que vem logo a seguir (fala da professora “y”)

Percebe-se nas falas transcritas que há uma consciência entre o conteúdo a ser aprendido na universidade e sua relação com a realidade do acadêmico em formação inicial. Entretanto, a atuação dos mesmos não evidenciou plenamente isso, de forma que na prática pedagógica não se conseguiu estabelecer um vínculo teórico - prático, ou seja, a sua concepção não se manifestou na sua prática, enfocando apenas o saber formalista da arte, portanto, de uma arte ainda dentro da concepção moderna, não conseguindo chegar a questão pós-moderna. Consequentemente, a professora teve que ensinar de uma forma vertical os fundamentos da linguagem visual, mais fortemente a questão da composição. Desse modo, detectou-se também que a técnica era ensinada, mas desvinculada dos conteúdos formais, prevalecendo a técnica sobre a técnica, a expressão pela expressão, não havendo, portanto, uma leitura e/ou releitura do trabalho do aluno em relação a temática que aí estava embutida, ocorrendo, em razão disso, uma experiência e vivência fragmentada sem saber o porquê e como trabalhar isso nos anos iniciais, o que por si só não basta para a formação dos futuros professores, evidenciada nas falas transcritas dos acadêmicos. Os conteúdos vistos foram primitivo, idade primitiva, a gente teve uma visão das escolas, e eu acho que, uma visão um pouco pequena sobre um pouco de artes plásticas e conteúdo, a gente teve o básico do básico, particularmente não causou aquele impacto de pesquisa em nós, de descobrir o que era a arte, de ter interesse.

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Conteúdo foi um pouco, foi bom, mas faltou alguma coisa para dar o tcham, foi desenvolvida de uma maneira média, conteúdo pouco, curto, não que a gente queria um conteúdo extenso, mas teve conteúdo que não despertou buscar algo (fala do acadêmico em formação inicial nº 16 (professora “X”)) Ela trabalhou as escolas na questão da arte a escola tradicional, escola nova, escola tecnicista. Na história da arte, embora não tenha pego toda a história da arte, algumas coisa ela deixou claro, mas o renascimento acho que deveria ser trabalhado, nem que fosse rapidinho [...] no trabalho dela, como essa última matéria sobre a arte contemporânea, acho que ninguém entendeu o que é arte contemporânea, porque ela soltou cada um com um pintor ou um artista da época, e aquela pessoa só ficou com aquele né, não houve nenhuma discussão, nenhum seminário, não ocorreu a troca (fala do acadêmico em formação inicial nº 1 ( professora “Y”))

O conteúdo das aulas desenvolvidas pelos professores formadores foram, segundo a percepção dos acadêmicos, uma combinação de tendências e de partes que pareciam não fazer parte integrante do todo, ficando meio desconectado com a realidade escolar que passariam no momento do estágio supervisionado. Além disso, os professores que atuaram com a docência na disciplina MEN 342, no Curso de Pedagogia, revelaram reflexos da sua formação inicial, manifestada na sua ação da prática educativa no exercício da docência do ensino superior, prevalecendo, predominantemente, a aplicação de técnicas sobre técnicas, ainda, um ensino pragmático dentro de uma abordagem veiculada pela razão instrumental. Ensinam o fazer teórico sem o refletir o contextualizar. Está longe, neste contexto investigativo a concepção de arte como cultura, conhecimento e como expressão pela reflexão. No momento que cruzamos as falas das professoras e os acadêmicos participantes, podemos constatar que existe consciência entre o conteúdo a ser aprendido na universidade e sua relação com a realidade do acadêmico em formação inicial; contudo, a atuação com os mesmo não evidenciou plenamente isso. No decorrer das observações, algumas aulas da professora “X” foram vistas como uma certa obrigatoriedade. Não ocorrendo uma relação mais profunda entre o conteúdo formal e o informal, permanecendo uma atuação descompromissada com o saber ser professore, não instigando a formação de um educador, ficando a maior parte do tempo na unidade cinco do programa (materiais e técnicas de artes plásticas). O que de certa forma, trazia um esvaziamento na disciplina que poderia ser relevante para a formação dos futuros professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Isso porque as aulas estavam baseadas em técnicas de como fazer e não de como essas seriam num contexto que envolvesse os conteúdos a serem trabalhados na escola, podendo ser através de temáticas ou eixos problematizadores, através de Projetos de Trabalhos, ou seja, o que

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se evidenciou foi um ensino de um conteúdo formal clássico moderno. Quanto à análise da atuação dos acadêmicos no decorrer do seu estágio supervisionado, isto é, na Prática Educativa para a Docência em Artes Visuais nos Anos Iniciais, poder-se-ia apontar que os planejamentos não possuíam objetivos, procedimentos metodológicos e materiais evidenciando uma aula de artes, sendo o planejamento de arte como um instrumento, sem ser um conhecimento a ser ensinado. Na verdade não havia um planejamento em arte, mas apenas uma atividade para reforçar ou ensinar um conteúdo de outra área. Não aparecia nesse planejamento, o que ensinar, como ensinar, nem sequer referência bibliográfica. Em relação ao ensino das artes, não foi delimitado um conteúdo específico sobre esse saber na atuação, o que ocorreu foi a simples utilização da arte como instrumento pedagógico a serviço de outras disciplinas. Não houve uma transposição dos conteúdos aprendidos na academia para os conteúdos que englobam os anos iniciais. Ocorrendo na escola de que o acadêmico usava a técnica pela técnica e isso implicou que essa técnica e essa expressão (por desenho, pintura,..) estavam a serviço de uma temática de outra disciplina ou conteúdo de outra área do saber. O que torna problemática essa questão é o fato que os saberes da arte e da sua expressão ficavam à margem do processo de aprendizagem pelos acadêmicos, as poéticas são secundarizadas e o aluno perde a autonomia de sua criação porque reproduz conhecimento em sua formação, repetindo isso na sua atuação. Outro ponto que chamou a atenção foi a continuidade da ligação das Artes com as datas comemorativas, que fazem parte do calendário escolar. E essa forma de trabalhar com o conhecimento de artes visuais se repetiu em outras observações, revelando-se mais como um instrumento pedagógico do que um conhecimento a ser aprendido, experênciado, compreendido críticamente. Porém isso não foi compreendido como um problema por parte dos acadêmicos, foi, muitas vezes, visto ingenuamente como uma dificuldade em trabalhar com as artes visuais, de como utilizá-la em sala de aula, realizando associações ingênuas com os conteúdos, e aí novamente vem a questão problematizadora: onde está a formação inicial? Evidenciou-se, em muitos aspectos, que a metodologia utilizada pelos acadêmicos em relação ao ensino das artes visuais se baseou na livreexpressão pela livre-expressão. Em alguns momentos, ocorreu a cópia, gerando uma expressão estereotipada, não havendo a mediação do professor com a criança, entre os formantes plásticos e o nível de desenvolvimento, o significado, e a compreensão da arte.

Algumas Considerações Infere-se que o Curso de Pedagogia -CE/UFSM teve sua origem em 1965. Nesse curso, a inclusão da Disciplina de Metodologia de Ensino das Artes Plásticas no Currículo por Atividades, ocorreu em 1984, em decorrência da reforma curricular, permanecendo a mesma até a conclusão desta pesquisa. Entretanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Lei

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nº. 9394, de dezembro de 1996, e as políticas públicas atuais, exigiram das instituições de ensino superior a se adequarem à nova legislação no campo educacional. A partir deste contexto, criou-se um projeto pedagógico1 do curso de Pedagogia na UFSM - Santa Maria /RS. Denota-se que o tempo destinado ao ensino da disciplina de Artes Visuais na formação inicial no Ensino Superior (Curso de Pedagogia – UFSM) é restrito (60 horas aula) para aprender o saber disciplinar e ter a compreensão dos saberes pedagógicos para o ensino de Artes Visuais, bem como para vivenciar teórica e metodologicamente os saberes da Arte, em sala de aula. Mesmo assim, infere-se que adotar a disciplina de Artes Visuais no currículo é algo essencialmente positivo, embora apontando lacunas que podem ser diminuídas. Também se verificou que os acadêmicos trazem consigo estereótipos e modelos de como ensinar e de como ser professor de Artes, baseados em suas vidas escolares e em suas vivências em Arte. Da mesma forma, constatou-se que esses “modelos” foram incorporados pelos acadêmicos, cujos pressupostos teóricos têm base predominantemente na perspectiva tradicional de educação e, sem dúvida, na perspectiva formalista da arte, como na tendência escolanovista, que se utiliza da livre-expressão pela livre-expressão, na qual o professor apenas é um orientador do trabalho e não um mediador do processo de conhecimento que o aluno em formação inicial traz de seu processo cultural vivido e de suas trajetórias e experiências de vida profissional e/ou pessoal. Ainda, desconsidera os saberes que se engendram na gestão do espaço escolar tanto em relação aos conhecimentos disciplinares em arte, quanto na organização do trabalho educativo na escola. Em relação aos conteúdos trabalhados na disciplina MEN 342, revelaram-se desvinculados da realidade dos acadêmicos em formação inicial, bem como com a realidade escolar, permanecendo uma visão escolanovista e tecnicista (aprender a fazer e aprender pela experiência), pontuando, dessa forma, os saberes pedagógicos que os acadêmicos aprenderam na academia. No momento da atuação dos acadêmicos em formação inicial, no estágio supervisionado, prevaleceu a utilização da arte como instrumento pedagógico, pautando-se em técnicas e num fazer sem reflexão e sem relação com as outras áreas do saber. Essa constatação vem confirmar a formação que os acadêmicos receberam, que não foi voltada para a formação de professores de anos iniciais, na qual irão trabalhar sua interconexão com algumas áreas do saber, inclusive com o conhecimento de artes visuais, até mesmo porque seus professores formadores não possuem os saberes nem a formação inicial de professor pedagogo (disciplinar em diversas áreas necessárias ao conhecimento da cultura da infância, curricular, das ciências da educação, da tradição pedagógica, experiências e da ação pedagógica). Possuem muito 1

Para maiores informações acessar a página http://w3.ufsm.br/pedagogia/

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pouco da formação inicial e continuada para atuar com os anos iniciais. Entretanto, é positivo terem a formação específica (artes visuais) para estar realizando a melhor formação para o ensino das artes visuais, mas ter tais conhecimentos não bastam por si só para a formação inicial do professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Percebeu-se, e um dos professores formadores reconheceu, não existir formação suficiente para atuar no curso de pedagogia, e, ainda, que existem especificidades no ensino das artes visuais para os anos iniciais, sendo necessário um currículo mais globalizado e com características peculiares a esse nível na atuação de formadora de formadores pedagogos - anos iniciais. Os saberes de formação específica em artes visuais foram insuficientes para a formação dos acadêmicos em formação inicial, sendo muitos conhecimentos e conteúdos suprimidos no momento da aprendizagem nas aulas na disciplina MEN 342, que somente na atuação com os anos iniciais se tornaram perceptíveis. Concluindo, uma formação que possibilite trabalhar de forma interdisciplinar, consciente e reflexivamente diante das complexidades do mundo atual, exige pedagogicamente uma matriz não mais por disciplina, mas por eixos, projetos, por pesquisa-ação com os conhecimentos em artes visuais com outras as áreas possíveis do saber que integra e não integra o currículo dos anos inicias, e isto apenas dar-se-á com uma reestruturação curricular que privilegie a troca entre a realidade escolar e a universidade via acadêmicos e professores, buscando-se uma nova cultura pedagógica. Cultura essa que olhe para as diferenças culturais e sociais, e que supere, na formação de professores para atuar nos anos iniciais, um ensino da arte apenas formalista da arte, e ainda moderno de ensino de arte e educação, para uma teoria pós - formalista da arte, olhando as diferenças e a alteridade na complexidade da sociedade contemporânea. Referências BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação IOCHPE, 1991. BROHN, J. M. O que é dialéctica? Lisboa: Antídoto, 1979. FUSARI. M. F R.; FERRAZ, M. H. C.T. Metodologia do ensino da arte. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999. GOMES, R.. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, M.C. de S. (org) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 67-80. LÜDKE, M.; ANDRÈ, M. E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

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Falando de Criatividade Ângela Cristina Altoé Universidade Aberta do Brasil – UAB/Linhares Ao iniciar o terceiro milênio, estamos em meio a mudanças aceleradas e radicais em todos os setores da sociedade. Já não podemos dizer que temos de nos preparar para as mudanças aceleradas das tecnologias modernas. A pergunta agora é: como o cidadão ou cidadã irá atuar nesse meio? Qual o perfil do homem e da mulher do século XXI? A autora Guiomar de Melo aborda o tema, projetando os desafios educacionais para o terceiro milênio. Com o uso de um ingrediente que se tornou básico, ao se falar de transito do mundo pós-moderno: a criatividade. “...já se tornou evidente que o conhecimento, a capacidade de processar e selecionar informações, a criatividade e a iniciativa constituem matérias-primas vitais para o desenvolvimento e a modernidade” (MELLO, Guimar Namo, 1995, p.30).

Há um deslocamento do eixo das preocupações. Antes se investiu muito em infra-estrutura, equipamentos e novas tecnologias. Hoje se investe na formação do homem com múltiplas competências, habilidades cognitivas, dominador de conhecimento elaborado e das informações, para que, assim, possa ter condições de produzir resultados efetivos. A autora lembra que esse novo perfil de homem e de mulher não é mais simples peça de uma engrenagem globalizada, mas um cidadão ou cidadã consciente de seu papel social que busca também, a qualificação técnica, será capaz de trazer o equilíbrio entre modernização e desenvolvimento humano, não recorrendo só a fórmulas já testadas. As exigências da sociedade moderna e o crescente desenvolvimento determinam, entre outros fatores, o interesse dos pesquisadores sobre o tema criatividade. É uma necessidade de nosso tempo, desenvolver as potencialidades criativas do homem, já sedimentadas, não só como continuador e potenciador de conquistas, mas como expressão de seu autodesenvolvimento como ser humano. Sem desmerecer a importância que tem o hereditário e o biológico em inúmeras capacidades específicas essenciais para alguns tipos de atividades como a arte e o esporte, é cada vez mais aceito que criatividade, em seus distintos níveis de expressão e na maioria das formas de atividades humanas, não se baseia de forma essencial sobre elementos dessa ordem; e precisamente o psicológico, em conformidade com o desenvolvimento do individuo, em função fundamentalmente das influencias históricas e sócioculturais, com a que interage, o que se constitui em determinantes principais da criatividade. Segundo Marta Martinez Llantada, “na Idade Média, o ideal de homem

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era o guerreiro, na atualidade corresponde à necessidade de inovação e produtividade, do resgate da identidade cultural em função de melhorar a vida e desenvolver a autoestima, a criatividade e o estilo próprio” (1998). Por outro lado, o consumismo, a violência, a discriminação, a indiferença diante das profundas desigualdades sociais, a corrupção e a deterioração das instituições políticas clamam pela formação do ser humano ético e responsável. O que foi exposto até agora deixa claro que não há lugar para o ser humano alienado, “acomodado”, de costas para o futuro e olhar direcionado somente às suas entranhas. O homem e a mulher de agora são chamados a serem criativos, atuantes, competentes, agentes e éticos. A criatividade deve ser entendida dentro desse contexto maior de compromisso com a história. Segundo a autora Albertina Mitijáns Martinez, criatividade “é o processo de descobrimento ou produção de algo novo que responde às exigências de uma determinada situação social, processo este que tem um caráter personológico”. (1995) nessa definição, fica claro que criar algo não é obter algo extraordinário, mas buscar caminhos que dêem respostas aos desafios atuais. Nesse sentido, todos os seres humanos são potencialmente criativos. Para Felipe Chibas Ortiz, criatividade e “compreendida como aquele processo ou faculdade que se expressa através do desbloqueio e expansão das potencialidades do indivíduo, grupo, organização, comunidade ou sociedade em seu conjunto, que permite a formação de objetos, ideias, enfoques, estratégias, problemas e estilos novos e útil para o contexto em que forem criados, facilitando a troca, crescimento e progresso em sentido amplo”. (criatividad e Solud, F. CHIBAS, 1994) – lembra assim que seu peso como valor supremo da cultura e existência humanas e ferramenta para a adaptação e transformação do contexto social. Ortiz coloca a criatividade como elemento capital para esse homem, hoje, reconhecido como animal essencialmente emocional Com o propósito de definir o progresso criativo, a autora Marta Martinez Llantada enriquece e amplia da seguinte forma: “definir o homem como essência criadora equivale a defini-lo como essência histórica e vice-versa. A atividade vital e o trabalho, mediante o qual se autodesenvolve e cria cultura, se vinculada estreitamente com a criação”.(1998) Nesse sentido, o processo criativo expressa a essência sociotransformadora no contexto em que a pessoa está inserida e é aí que o ser humano age e interage produzindo e sendo produzido pela cultura. Segundo a autora, a relação do homem com a realidade integra os elementos intelectuais, emocionais e evolutivos. Nessa afirmação, Marta Martinez Llantada se aproxima do pensamento Vigotskiano, que analisa o processo criador considerando o contexto social e o aspecto interno da personalidade. “...o mundo cultural é um sistema de significado já estabelecidos por outros, de modo que a criança encontra o mundo de valores já dados onde ele vai situar-se. A língua que aprende, a maneira de alimentar-se, o modo de sentar-se, andar, correr, jogar, o tom de voz nas conversas, as manifestações espontâneas, etc. e assim o

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homem se põe à mercê das regras que conduzem, de certa forma, sua expressão”. (ARANHA, p. 6-7).

Diante dessa situação, é evidente que a interação com as condições sociais e culturais, a partir das potencialidades do indivíduo, possibilita um ganho de objetos e de comportamentos criativos. Buscando definir criatividade das crianças, Vigotsky tenta responder à seguinte inquietude: em que se diferencia a imaginação das crianças da imaginação dos adultos, e qual é a linha que se desenvolve na infância? A resposta a essa questão tem como primeira afirmação o fato de que a infância é considerada como o período em que a fantasia se desenvolve mais livremente. Dizia Goete que: “as crianças podem utilizá-las amplamente para o que desejam e essa não-pretensão e a exigência do adulto, se entende frequentemente como liberdade ou riqueza da imaginação infantil, separada de maneira radical e clara das experiências do adulto e de aqui partem também as concepções de que as crianças vivem mundo mais no muito de fantasia que no real”. (Apud, por Vigotsky, 1999).

Há nessa afirmação uma evidência de que a mente imaginativa e a fantasia emergem nas crianças de maneira mais intensa que nos adultos, pois a realidade está longe de situações fantasiosas para elas. Por outro lado, as experiências e relações sociais das crianças são mais simples, o que reforça sua atração por vivências irreais. Nesses termos, a realidade e a imaginação não têm limites, pois ainda não estão influenciadas pelos estereótipos como ocorre com os adultos. A mente é espaço fértil em que o infante planta semente do que não conhece sem ter objetivo de colheita para ele, o futuro é somente uma palavra isso lhe dá liberdade. Na visão de Vigotsky, fantasia e imaginação se manifestam em todos os aspectos da criatividade humana, pois tudo o que o ser humano faz é produto de sua imaginação. Nesse sentido, o autor desfaz a idéia de que a criatividade é privilégio de alguns que têm uma inteligência superior. A criatividade não existe unicamente onde se criam grandes histórias, mas também onde quer que o homem imagine, combine, transforme e crie algo novo, por pequeno que seja em comparação com as obra dos gênios. Ao se ter em conta a existência de uma criação coletiva que une todos estes pequenos elementos da criação individual com freqüências insignificantes por si mesmos, se verá com clareza a enorme parte do todo criado pela humanidade que pertence precisamente ao trabalho de criação coletiva anônima dos inventos. (Vigotsky, p.8, 2000). O ato de brincar, o aqui agora com o lúdico facilita a safra da criatividade. Nesse processo se situa não só o adulto, mas também a criança que monta uma haste de madeira imaginando-se num cavalo, a menina que brinca com a boneca, imaginando ser mãe, etc. São momentos vividos concretamente por meio dos brinquedos, que não são imitações mecânicas, desprovidas

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de significados, o que levaria as crianças a realizar ações manipuladas, que não possibilitam soluções criativas e inteligentes. Vigotsky explica esse processo na vida infantil: “a brincadeira do menino não é uma simples recordação do vivido anteriormente, mas a transformação destas impressões para a formação de uma nova realidade que responda às exigências e inclinações do próprio menino. De igual forma, o desejo das meninas de criar é tão atividade da imaginação como o brincar. (VIGOTSKY, 2000 p.8)

Esse lado imaginativo e criativo da criança está intimamente vinculado à realidade concreta. Nas experiências infantis, o que as crianças escutam ou vêem constitui elementos fundamentais para sua futura ação criativa e para a sua vida presente. No exposto fica claro que a imitação contribui para o desenvolvimento mental das crianças, ou seja, a imitação, nessa perspectiva, não é vista como uma cópia de modelos, senão uma reconstrução individual que é observada nos outros. A atividade imitativa se constitui em oportunidade para que as crianças realizem ações que estão além de sua capacidade que por sua vez, contribui para o seu desenvolvimento. Em qualquer ato infantil existe contribuição pessoal. Para Vigotsky, o processo de imaginação criativa tem fatores psicológicos. O primeiro se refere a sua necessidade de adaptação ao meio. Quanto mais o ser humano se depara com dificuldades, mais precisará ser criativo. Por outro lado, situações que não suscitam desafios, isto é, refletem facilidades de acomodação poderão bloquear qualquer atitude criativa. O fato de mão se adaptar suscita necessidades, aspirações, desejos, sentimentos que põem em ação o processo de imaginação. Por outro lado, a imaginação criativa depende do meio para fluir em toda a sua plenitude, ou seja, as idéias precisam de meios para se materializar. Suponhamos que nas ilhas Samoa nasce uma criança que possui o gênio singular de Mozart: o que pode fazer? O Máximo; ampliar a gama de três ou quatro tons até sete e criar melodias um pouco mais complexas, mas estaria tão incapacitado para fazer uma sinfonia como Arquimedes para inventar a Máquina Eletrodinâmica (VIGOTSKY, 2000 p.25) Segundo o autor, essa necessidade de amparo técnico e social para emergir e realizar sua ação criativa somam-se as condições materiais e psicológicas para seu surgimento e ao fato de que a criação (seja na arte, seja na ciência) é sempre fruto do meio em que vivemos. Sua criação surge da necessidade anterior e própria que se opõe às possibilidades existentes fora dela. Nesse sentido, nascer em um meio que proporciona maior quantidade de informação faz diferença por estarem presentes ali todos os elementos externos importantes. Isso nos leva a concluir que por mais individual que seja qualquer ato criativo há sempre colaborações anônimas importantes que surgem da prática social própria de determinada época histórica e de

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determinados grupos culturais. América Gonzáles, ao abordar o fenômeno como uma concepção integral que dá atenção tanto às funções complexas das personalidades, ao traçar metas de maneira voluntaria e consciente, como a outros processos de caráter menos gerais, ressalta os motivos específicos que impulsionam o inovador a criar os estados de ânimo que se produzem durante este processo. Em seus trabalhos, ele dá um grande peso explicativo ao conceito motivação pessoal, entendido como o prazer e o desfrutar afetivo que provoca no sujeito o processo de criação de algo novo, mesmo quando não chega ao resultado final. (1984-1990) Nos trabalhos de Julián Betencourt, a criatividade se caracteriza como um processo de descobrimento ou produção de algo novo, valioso, original e adequado, que cumpre com as emergências de uma determinada situação social, na qual se expressa o vínculo dos aspectos cognoscitivos e efetivos das personalidades. (BETENCOURT, 1994). Os esforços integradores agrupam autores como Csikszentmihalyi (1990) que propõe uma visão de criatividade como uma função da pessoa, o campo e o sistema de domínio em antecedentes à conduta criativa vista como uma interação complexa da pessoa com o meio ambiente. Levando em conta as mudanças universais é necessária a busca de saídas novas para situações inusitadas. Apesar da diversidade de critério em torno da criatividade, podemos dizer que há congruência dos autores quanto a considerá-la como uma potencialidade da personalidade em que expressam a unidade do afetivo e do cognitivo e que pode ser desenvolvida por meio da atividade da comunicação e da interação com o sistema de influências que atuam sobre o sujeito, não é só isso. Os valores psicológicos e terapeutas da arte são citados desde o inicio da História. Todo individuo necessita expressar-se criativamente, transformando, desse modo, suas idéias, sentimentos e emoções na expressão de alguma forma artística em que encontra satisfação. O impulso faz a autoregulação; é uma necessidade de expressão e se fomenta ao impulso natural de criar, em condições ideais ou relativamente ideais. O crescimento potencial é enorme. Se a criança cresce em um ambiente que favorece a criatividade, continuará motivada por seu impulso de criar. À medida que continua expressando-se criativamente, se converterá em um indivíduo integrado e com funcionamento pleno e mais satisfeita consigo mesma. Ao iniciar o estudo das concepções sobre a essência da criatividade, Martinz Llantada aponta que: “é preciso abordar suas polêmicas fundamentais em torno das contradições: é uma aptidão ou uma capacidade adquirida? Se ensina ou se aprende? Se pode desenvolver extra-curricular ou intracurricular? É uma potencialidade humana ou patrimônio de uma elite? (MARTINEZ, 1999). A tendência que define a criatividade sobre a base da pessoa supõe que não é possível analisar os problemas de seu desenvolvimento a margem da educação da personalidade, mais especificamente dos recursos personológicos que estão na referida base.

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Segundo Albertina Mitjáns, isso tem grande importância do ponto de vista educativo, pois se trata de desenvolver a partir de um conjunto de influências educativas dirigidas e estruturadas, os principais elementos psicológicos que se vão evidenciando como essenciais na regular do comportamento criativo, a saber: motivação, autodeterminação, autovaloração adequada e seguridade, questionamentos, reflexão e elaboração pessoal. Capacidade para estrutura o campo da ação e tomar decisões. Capacidade volitiva para orientação intencional do comportamento. Flexibilidade. Audácia. De fato, as regularidades gerais da personalidade e da criatividade se integram em uma unidade altamente diferenciada no indivíduo criativo e por isso as escolas tem importância vital no cuidar do espaço fértil cerebral das crianças. As potencialidades personológicas para a criatividade não se expressam necessariamente de forma imediata no comportamento humano. Elas aparecem paulatina e progressivamente em cada sujeito, então, que o professor deve conhecer essas potencialidades e a seus alunos para promover seu desenvolvimento de maneira diferenciada. A criatividade como processo distingue um amplo sistema de problema, conotações sociais e influências que se encontram no marco do desenvolvimento da personalidade e do próprio ato criativo. Os critérios de diferentes autores incluem a assistência de problema, campos desconhecidos, lacunas do saber que requerem uma solução, que incluem a reiteração de informação, a explicação do fenômeno e a incorporação de novas idéias. Quanto à definição de criatividade como resultado e como novidade, se pode dizer que todos concordam que todo resultado criativo é novidade. Muitas estratégias para o desenvolvimento da criatividade se apóiam na resolução de problemas. Por isso, não é possível separá-lo para sua análise. O resultado e a culminação do processo que não é novidade eliminam a possibilidade de ser criativo. Portanto, ao professor é imprescindível assinalar a concepção de criatividade a partir dos traços da pessoa como processo, produto, novidade e em correspondência com a situação social que existe, pois existem condicionamentos de caráter meramente social que podem retardar o processo de informação de uma pessoa criadora ou de um resultado. Neste caso, há influência do meio em que a criança se desenvolve, quer seja ele familiar, comunidade e a própria escola. Em um aspecto mais restrito, a criação de climas criativos, sem dúvida, constitui um aspecto vital nessa direção. Vários autores tais como Eunice Soriano, Carl Rogers, Marin Ibáñez e outros, abordam como um determinado tipo de sistema de comunicação favorece a regulação do comportamento criativo. A pessoa está imersa em um sistema de comunicação que reforça ou não, seus traços personológico. Um sistema que não condicione, motivará as pessoas a criarem. Um clima que promova reprodução e conformismo não favorece o desenvolvimento da criatividade. Como se percebe, o enfoque mais integral se orienta no estudo das condições que favorecem o desenvolvimento da criatividade como requisitos básicos, tanto do ponto de vista externo como interno, não só a pessoa, mas

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também de seu contexto social. Nesse caso, se pode deduzir o enfoque histórico-cultural encabeçado por Vigotsky: segundo ele, a apropriação da cultura pelas pessoas, no processo de suas atividades coletivas e a comunicação, ocorrem de formas históricas estabelecidas. Em sua teoria de base materialista-dialética introduz o conceito Zona de Desenvolvimento Próximo; o qual oferece um conceito integral a estudos psicológicos sobre a criatividade. “A zona de desenvolvimento próximo não é outra coisa senão a distância entre o nível de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema com a ajuda de um adulto ou em colaboração com outro companheiro mais capaz.” (VIGOTSKY, 1978)

A análise teórica e a valorização prática levarão o critério de que a criatividade se expressa na essência sociotransformadora do homem, isso não quer dizer que todos os homens sejam criadores, mas que todos podem sê-lo potencialmente. Definir o homem como essência, equivale a defini-lo como essência histórica e vice-versa. A criação é como um meio interno da história do homem que condiciona sua direção progressista. O progresso criador descobre um momento essencial de especificidade da relação humana com a realidade e reflete em todas as esferas da atividade da personalidade. Não é atributo de determinada individuo com altos rendimentos, mas sim uma potencialidade humana, não é ,tampouco, uma atividade genial, ainda que seja genial o descobrimento da criação.

Necessidade Social da Criatividade No campo educacional, tendemos a criar estereótipos conformistas e não pensadores livres, criativos e originais. Dedicamos nosso tempo livre a entretenimentos passivos e a atividades grupais regulamentadas, isentas de toda criatividade. Na vida familiar, encontramos um quadro similar. Existe uma forte tendência ao conformismo e ao estereótipo nas roupas que usamos, nos alimentos que consumimos, nos livros que lemos e nas ideias que sustentamos. E necessário avaliar e elaborar criativamente novos modos de relacionarse com as complexas mudanças sociais, para que a compreensão perdure. Se o homem não conseguir adaptar-se a seu meio de maneira nova, e original e com a rapidez que requer o acelerado avanço da ciência, nossa cultura corre o risco de perder-se. Nossa falta de criatividade não será só a inadaptação individual e as tensões grupais, mas também o caos.

O Processo Criativo Toda criação deve gerar um produto observável. Se bem que as fanta-

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sias podem resultar em muitas novidades. Não e possível defini-las como criativas, a menos que se apresentem como um produto observável, quer dizer, simbolizadas mediante palavras, expressada em um poema, uma obra de arte ou concretizada em um invento. Tais produtos devem ser construídos originalmente. Essa originalidade surge da qualidade singular do indivíduo em sua interação com os materiais de experiências. A criatividade imprime o selo do indivíduo no produto. O processo criativo não se restringe a um conteúdo determinado. Não há diferenças fundamentais entre a criatividade expressada ao pintar um quadro, compor uma sinfonia, criar novos instrumentos para desenvolver uma teoria cientifica, descobrir procedimentos originais no terreno das relações humanas ou elaborar novas formas da própria personalidade. O processo criativo supõe a aparição de um produto original de uma relação que surge por uma parte, da unidade do indivíduo e, por outra, dos materiais, acontecimentos, pessoas ou circunstâncias de sua vida. O produto criativo pode ser aceito por certo grupo em determinado momento, já que do contrário não poderá pretender que a história o julgue como algo criativo. Portanto, o fato de oscilar em as avaliações e também porque muitos produtos criativos seguramente nunca receberão atenção social, desaparecerão sem sequer ter sidos, avaliados. Deve dizer também, que não se estabelecem distinções entre os diversos tipos de criatividade, posto que isso é um juízo de valor, de natureza extremamente variável. A ação da criança que cria, ou de um cientista, ou de um jovem autor que escreve sua primeira novela são todos ações criativas e não há razão alguma para avaliá-los em termos quantitativos.

A Motivação da Criatividade A criatividade responde ao impulso de expandir-se, crescer, desenvolver e amadurecer há uma tendência a expressar-se e realizar-se em todos as capacidades. Isso pode se dar sob estereótipos que negam sua existência, no entanto, existe em todos os indivíduo, é só esperar as condições propícias para liberar-se e expressar-se, ainda que a criação autenticamente significativa, seja uma ideia, uma obra de arte ou um descobrimento cientifico, corre o risco de ser considerada em um primeiro momento como errônea, como ruim ou boba e só depois de algum tempo recebe a avaliação definitiva que a qualifica como contribuição criativa.

Condições Internas da Criatividade Há condições internas do indivíduo que se associam mais com um ato potencialmente criativo e podemos destacar como indicadores da mesma: • Flexibilidade: É a abertura à experiência de cada estímulo que se transmite com maior facilidade sem sofrer deformações pelos processos de defesa dos produtos de estereótipos. O estímulo surge diante do ambiente

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da tarefa e assume o aspecto de um impacto de forma, de cor e som, com livre acesso à consciência. Isso significa que em lugar de perceber categorias pré-determinadas o indivíduo é consciente desse momento. Assim, pode viver muitas experiências que excedem o marco de categorias habituais. Esse último sugere outro modo de descobrir a abertura à experiência; ela significa falta de rigidez, permeabilidade aos limites dos conceitos, crenças, percepções, possibilidade de admitir ambiguidade, capacidade de receber informação contraditória sem sentir-se forçado a pôr fim à situação. É espaço fértil onde o mudar e permitido. • Originalidade: Talvez a condição fundamental da criatividade, seja que a fonte, o lugar dos juízos avaliativos deve residir no indivíduo mesmo. Para o indivíduo criativo, o valor de seu produto não está determinado pelo elogio ou a crítica de outros, mas por ele mesmo. Tenho criado algo satisfatório para mim? Expressa alguma parte de mim mesma: meu sentimento ou pensamento, minha dor ou minha alegria? Essas são as perguntas importantes para o criador. Isso não significa que ignore o julgamento dos outros ou divide dele, mas, implica que a base da avaliação reside nele, em sua própria reação frente ao produto e em sua apreciação desse último. Se a pessoa o sente como uma realização de suas potencialidades, como um processo que se manifesta agora em um produto, este será satisfatório e criativo. • Fluidez: É a capacidade de julgar elementos e conceitos. Com abertura e a falta de rigidez que se mencionam ao falar do primeiro indicador se associa a capacidade de jogar espontaneamente com idéias, cores forma e relações, novas aventuras, combinações de elementos, expressar o ridículo, traduzir uma forma em outra. Desse jogo, surge a intuição e a nova visão. É como se no esbanjar milhares de possibilidades aparecessem uma ou duas formas evolutivas com qualidades que lhes confiram um valor permanente.

O ato Criativo e suas Concomitantes Não podemos formular uma descrição precisa do ato criativo, sendo que sua própria natureza o faz indescritível. Só em um sentido muito geral, podemos dizer, que é a conduta espontânea que vem a surgir em um indivíduo aberto a todas as suas vivencias internas e externas, é capaz de vivências de maneira flexível todo tipo de relações, selecionando a que melhor satisfaz essa necessidade interna, e que estabelece relação mais afetiva com o meio ou a que supõem uma maneira mais sensível e gratificante de perceber a vida. O desejo de comunicar-se é outra experiência que pode acompanhar a criatividade. Todo ser humano deseja compartilhar sua obra, já que desta forma se assegura que pertence a um grupo deseja partilhar com os demais esse novo aspecto da relação entre ele e seu meio.

Condições que Promovem a Criatividade A natureza mesma das condições internas da criatividade implica

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que essas não podem ser forçadas, senão que é necessário potenciá-la espontânea e gradualmente. Há de se estabelecerem as condições externas capaz de estimular e enriquecer as condições internas, criando condições de liberdade e seguridade. Sempre que um professor ou outra pessoa com funções similares sente que o individuo é valioso por direito próprio desenvolvimento, não importa qual seja sua condição ou comportamento atual, estará estimulada a criatividade. Essa atitude só pode ser genuína se captam potencialidades do individuo e depositam uma confiança incondicional. Quando o indivíduo percebe essa atitude, se sente em uma atmosfera de segurança; e pouco a pouco aprende que pode ser ele mesmo, sem ocultar-se, já que se é respeitado e valorizado independentemente do que se faz. Por conseguinte, perde a rigidez, pode descobri o que significa ser ele mesmo, tentando realizar-se de maneira novas e espontâneas, e assim, avançar frente à criatividade. É importante também criar um clima favorável de avaliação externa; não julgar o outro individuo em função de nossos próprios critérios de avaliação, promovendo assim sua criatividade. Para o indivíduo, representa uma liberação encontra-se em um ambiente em que não se lhe avaliam nem se lhe examinam de acordo com padrões externos, senão reconhecendo que o centro da avaliação reside em si mesmo. Outro elemento a entender a conduta e o indivíduo e o indivíduo mesmo, desde seu próprio ponto de vista, entrando em seu mundo, e vendo-o tal como ele se vê, aceitando-o, o que fará sentir-se seguro. Nessa atmosfera, a pessoa pode ser o que guarda no mais profundo de si mesmo; estímulo a abertura e o jogo espontâneo com o conceito e meios que estimulam sua criatividade. Não se quer dizer com isso que a liberdade de expressão e conduta não deve respeitar os limites impostos pela sociedade, ao contrário deve ser totalmente responsável por essa liberdade que promove o desenvolvimento de suas condições internas e, por conseguinte, uma conduta criativa. As crianças necessitam de um programa que as leve a pensar criativamente, que abra novos caminhos de experiências, enriqueça suas idéias e proporcione novas oportunidades de comunicação. Deve permitir que a criança opere, colabore na seleção de temas e formas de expressão. A criatividade não pode ser ensinada, porém, a escola tem a responsabilidade de motivar, liberar, alimentar e guiar as crianças em suas atividades. O professor interessado reconhece que orientar a criança é uma das suas principais funções, e também proporcionar uma atmosfera em que ela tenha tempo, tenha novas experiências que proporcionem novas ideias, que estimulem e ajudem com conhecimento e técnicas necessárias.

Barreiras ou Obstáculos ao Desenvolvimento da Criatividade Há critérios coincidentes denominados “ensino tradicional”, em que o aluno tem um papel fundamental passivo, que não contribui, mas freia o

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desenvolvimento da criatividade. São eles Autoritarismo, normatividade excessiva, conformismo, rigidez, impaciência, temor ao ilógico, temor ao erro, temor ao ridículo, temor aos superiores, falta de constância, dificuldade para isolar problemas, não estabelecer relações causais, incapacidade para definir termos, intuição excessiva, conformar-se com a primeira ideia. Sendo assim, pode-se assentar a natureza criativa da criança, sua possibilidade e vontade de continuar assim assentam-se também o papel da escola e do professor no incentivo a pessoas criativas num mundo que clama por isso. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. Moderna, São Paulo, 1993. BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação Leitura no Subsol. São Paulo, 1995. BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. Ed Ática, São Paulo, 19991. DUARTE. Junior. Fundamentos Estéticos da Educação. Papirus, Campinas, 1998. ESPÍN. Ligia Ruiz y otros. Metodología de La Educación Plástica em La Edad Infantil. Pueblo y Educación, 1991 – La Habana – Cuba. FISCHER. Erneste. A Necessidade da Arte, Zahar. Rio de Janeiro, 1971. FREITAS. Maria Teresa de Assunção. Vygotsky e Bakhhtin. São Paulo, 1994. GARDNER. Howard. Arte Mente e cérebro, TRD. Sandra Costa. Artes Medicas Sul, Porto Alegre, 1999. LLANTADA. Marta Matínez. Criativid y Calidad Educacional de La Maestra em Educación, La Habana. LENCAR. Eunice Soriano. Como desenvolver o Potencial Criador – um Guia para a Liberação da Criatividade m Sala de Aula. Petrópolis: vozes, 1999. LOWENFELD e BRITTRAIN. Desenvolvimento da Capacidade Criadora. Mestre Jon, São Paulo 1977. MARTÍNEZ. Albertina. Criadivid, personalidad y Educación. Pueblo y Educación, La Habana, 1995. MARIN. Rolando Valdes. El Deserrollo Psicolográfico Del niño, Habana, 1979. MOREJÓN. Julián y otros. La criadivid y SUS implicaciones, Academia La Habana 1997. MELLO. Guiomar Namo. Cidadania e Competitividade. Cortez, São Paulo, 1995. PIAGET. J. A formação do Símbolo na Criança, Imitação e Sonho, Imagem e Representação, São Paulo, Zahar , 1978. Rogers. C. Tornar-se Pessoa. Lisboa: Moraes, 1970. TORRANCE. Paul E. Criatividade, Progresso e Potencial. São Paulo, 1976. VYGOTSKY. Lev Semenovich, Psicologia da Arte- tradução Paulo Bezerra. Martins Fontes, São Paulo, 1999. VYGOTSKY. Lev Semenovich, Imaginación y Creación em La Edad Infantil. Pueblo y Eduación, La Habana. VYGOTSKY. Lev Semenovich. A Formação Social da Mente, São Paulo, 1989.

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Mediação: arte, cidade, oceano e público 8ª Bienal do Mar - A Cidade como Espaço da Arte José Cirillo FAPES/LEENA/UFES Neusa Mendes CAPES/PUC-SP/UFES Erly Vieira Jr DCS/UFES Célia Ribeiro Pesquisadora independente

Introdução A proposta: ação educativa na intervenção urbana “8ª BIENAL do Mar”, realizada em 2008/2009 na ilha de Vitória, Estado do Espírito Santo/Brasil, é aberta e em construção. O método: o projeto distancia-se do pragmatismo de René Descarte onde métodos são regras precisas e exatas, e aproxima-se das idéias de Edgar Morin, que não se ocupa em transpor modelos, mas sim potencializar operadores cognitivos, que facilitam a compreensão da complexidade das idéias, porque permite reconhecer, no fenômeno singular, ao mesmo tempo sua originalidade e sua macro-identidade. Assim, criamse métodos permeáveis, tolerantes, fruto da mistura, dos cruzamentos, da mestiçagem, dos acasos, da imprevisibilidade e convoca os fundamentos específicos e gerais organizadores do pensamento - base para as investigações de seus próprios caminhos técnicos e metodológicos no fazer arte, educação e cidadania. O caráter inaugural da 8ª bienal/Salão do Mar reside no fato de se tratar de uma proposição capaz de ser acionada por qualquer área do conhecimento. Evidencia a atuação de um trabalho coletivo e circunscreve: cidade, paisagem, oceano e arte pública. Nessa proposta, a arte pública, esse objeto em rede, resulta de intersubjetividades mais do que a intrasubjetividades na relação com o Mar. Todas as obras públicas que integraram a proposta da 8ª BIENAL foram intervenções temporárias e/ou monumentos móveis, ambas signos deixados na e pela cidade no decorrer de seu envolvimento com dado trabalho de configuração espaço-tempo; essas obras e seu processo de criação constituem uma extensão da própria memória e corpo da cidade e de seus autores, de sua forma de pensar, buscar, sentir e intuir, (des) organizar, encontrar e se perder, confirmando a perspectiva bachelariana de que “toda doutrina da imagem é acompanhada, em espelho, por uma psicologia do imaginante”. Com o projeto educativo constituído por profissionais em diferentes formações (comunicação, educação, artes, arquitetura entre outras áreas do conhecimento) e uma equipe de mediadores que trabalharam com o público, a 8ª bienal do Mar abriu-se para a comunidade da obra; neste sentido, três ações foram elaboradas – uma delas anterior ao próprio edital da mostra: 1)

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Ação cultural – por meio do Laboratório/Workshop: Interterritorialidades – Fronteiras Líquidas. Passagens, Cartografias e Imaginários, ministrado por Lilia Amaral; funda-se na concepção da Arte como Experiência tendo os lugares da cidade (reais e imaginários) como suporte para criações coletivas – inter-ações/atuações/intervenções urbanas, envolvendo artistas e não-artistas. Essa ação destinou-se aos artistas capixabas para que houvesse uma melhor compreensão co conceito de intervenção urbana, de modo a melhorar as condições de competitividade dos artistas capixabas num processo nacional de seleção de projetos para a Bienal. 2) Procedimentos/metodológicos de mediação, ação educativa desenvolvida ao longo da permanência da intervenção urbana contorna o enorme e fundamental problema de pensar a educação como uma atividade humana cercada de incertezas e indeterminações, mas também comprometida com os destinos dos homens, mulheres e crianças que habitam nossa cidade. Buscou as conexões existentes entre obras que dialogam com a complexidade, a dinâmica e a fluidez do espaço público e seus usuários; e finalmente, 3) Formação continuada dos professores da rede pública municipal - encontro de formação e capacitação de professores que buscou, e tem buscado, criar condições para que a ação das intervenções urbanas se tornassem efetivamente integradas à imagem da cidade e de sua identidade.. Talvez seja um tanto precipitado emitir conceitos de valores sobre os quais esse projeto de arte contemporânea privilegiou. Mas é certo que uma das parcelas, mais significativas da população que passava pela Avenida Beira Mar e de seu entorno foram levadas a indagar e transitar no mundo subjetivo da arte, incorporando seu sistema de elaboração e significados. Dentro desse contexto, poder ser sujeito, que é acima de tudo, uma perspectiva de construção coletiva da obra de arte pública. Assim, coordenadores, mediadores e habitantes da cidade, tornam-se todos caminhantes da “8ª BIENAL do Mar”.

A mediação arte x público x cidade A dimensão curatorial da proposta da Bienal levou à uma nova perspectiva de mediação. Os modelos tradicionais não responderiam aos anseios e proposições da mostra, não correspondiam à dinâmica das obras de ocupação da cidade. Que tipos efetivos de mediação um projeto de ação educativa pode oferecer numa exposição de arte realizada ao ar livre, marcada por um forte caráter de intervenção urbana? Como intermediar o processo de produção de sentidos entre público e obra, num contexto em que, diferente do cubo branco do espaço expositivo tradicional (museu/ galeria), os trabalhos surgem como interferências na paisagem cotidiana, sem se anunciar como arte, e assumindo seu caráter transitório e mutável? Foi a partir desse instigante desafio que assumiu-se os riscos de propor uma mediação em processo. Em suas sete primeiras edições, o Salão do Mar manteve suas ações restritas ao espaço expositivo tradicional: as quatro paredes da galeria de artes visuais. Nesse espaço, obras voltadas para a temática do mar dia-

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logavam com o imaginário do público freqüentador do circuito das artes visuais. Ao optar, nessa oitava edição, por selecionar trabalhos de intervenção urbana realizados no centro histórico da ilha de Vitória (reunindo doze artistas, locais e nacionais, e um estrangeiro), a Bienal passou a propor uma outra relação com um público bem mais amplo (a população em geral), pouco habituado aos conceitos que norteiam a produção artística contemporânea, em especial o caráter de intervenção numa paisagem afetiva que é tão cara: os cenários percorridos pelos transeuntes em seu trajeto casa-trabalho-casa, muitas vezes tornados invisíveis dado o ritmo frenético com que se desenrolam certas atividades do cotidiano. Nesse contexto, acaso e imprevisibilidade passaram a ser variáveis centrais: tanto na execução e permanência das obras, expostas tanto a intempéries (mesmo não sendo efêmeras, não é possível precisar sua existirão, bem como as transformações físicas a que estarão submetidas), quanto na reação do público e nos usos e significações que surgem dessa interação – e isso vale tanto para as alterações do uso dos espaços pelos transeuntes, durante o período em que a intervenção ocorre, quanto para as interpretações acerca das obras, uma questão típica da arte contemporânea1. Nesse contexto, o tradicional formato de ação educativa, aquele da visita guiada (com horário marcado) dentro do cubo branco, em que pretende-se poder controlar a interação entre público e obra, com direito a distribuição de catálogo fartamente ilustrado ao final do passeio, parece revelar-se totalmente inoperante. Numa exposição de intervenção urbana, o percurso da obra e suas interações são outras, e a ação educativa também parece carecer de novo formato: a experiência que as obras propõem pede um outro tipo de mediação, muito além de “receitas” ou metodologias já testadas e aprovadas. Verificou-se que, em primeiro lugar, há o desafio de instigar um público que não saiu de casa com a intenção de visitar as obras expostas em pontos de ônibus, praças públicas, calçadas e até mesmo no meio da rua: transeuntes, em sua maioria, o contato com a obra pode tanto durar alguns segundos (um rápido olhar de curiosidade, muitas vezes) quanto os longos minutos da espera do transporte coletivo. Em segundo lugar, exatamente por essa disponibilidade de tempo bastante exígua para se experimentar a obra, como convidar o passante a interagir e ao mesmo tempo transmitir-lhe informações sobre o trabalho ou o artista que assina

1 O estatuto epistemológico da arte contemporânea a afasta da simples compreensão por verossimilhança ou pelo naturalismo imediato das formas e, por mais que haja uma divulgação midiática de grande porte, com outdoors e cartazes anunciando o evento, e diversas reportagens em telejornais locais, o fato de se tratar de uma exposição ao ar livre simplesmente inviabiliza uma eficaz distribuição de folders ou outros materiais de divulgação; não só pelo fato de que a tiragem desse material deveria contemplar as centenas de milhares de passantes durante o período, mas também pela própria natureza epifânica que o contato com as intervenções traz em sua lógica: além de pretensioso, antecipar e explicar a obra ao transeunte reduz a interação com a obra, ou mesmo com o objetivo pensado pelo artista no próprio processo de produção de uma rede de significações, num contato menos “contaminado de informação”.

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sua autoria? – se é que nesse tipo de obra isso é importante ou tangível. Em terceiro lugar, as poucas ações já realizadas no Brasil para mediação de exposições de intervenção urbana de grande porte (como a Bienal do Mercosul, por exemplo) não forneciam parâmetros suficientes para evidenciar alguma metodologia já existente (o que se agravava pelo fato de que nunca havia ocorrido um evento dessa natureza no Espírito Santo). Com base nessas condições, a equipe de mediadores foi formada pelos coordenadores e por um grupo de quinze monitores-intermediadores (em sua maioria estudantes de Comunicação, Artes, Design) que, ao longo da ação educativa configuraram um grande laboratório urbano, a céu aberto, em que eram constantemente experimentadas ações de mediação junto a um grande público que desconhecia conceitos referentes à arte, à arte contemporânea, ao caráter transitório e instigante da intervenção urbana, e ao lugar da arte na multidimensionalidade da paisagem urbana, da imagem da cidade. Por se tratar de um processo em permanente construção, uma série de ações foram testadas durante esse período, de modo a se pensar uma metodologia possível para a abordagem do público pelos mediadores, sempre tendo em vista o caráter reticular (e não tão controlável assim) da própria lógica urbana. A cada dia o grupo concebia, experimentava, registrava (textual, fotográfica e videograficamente) novas estratégias de abordagem, muitas vezes específicas a cada obra, seguindo-se uma avaliação diária de cada ação, de modo a ser possível uma comparação de resultados. E, a partir daí, mensurar o impacto de cada obra no cotidiano da população que transita pelo centro de Vitória, bem como, a partir dos depoimentos do público, tentar vislumbrar algumas interferências iniciais junto ao imaginário que envolve essa região e suas questões.

Alguns percursos possíveis: exemplos de mediação participante No percurso dessa mediação participante, na qual os mediadores mais que proporem ações educativas ao público (transeunte em sua maioria), criavam condições de deslocamento do foco, da intencionalidade desse público em seu percurso pela cidade. Para o desenvolver dessa ação participante, o grupo colocava-se como provocador da formação da imagem mental da cidade que se configurava com as obras em seu percurso de intervenção na paisagem urbana. Entre os treze projetos, evidenciam-se aqueles em que a ação interativa foi mais evidente, destacando esse caráter participante e transformador. No caso dos pontos de ônibus, cujas paredes de vidro traseiras foram tomadas pelas pinturas de Herbert Pablo, dentro da obra Folhetim Sereia, uma série de ações foi realizada tendo como base alguns preceitos do “teatro do invisível”, de Augusto Boal. Misturando-se aos transeuntes anônimos na espera pelo seu transporte, os mediadores puxavam conversa com outras pessoas que porventura estivessem no ponto, ora elogiando o trabalho do artista, ora proferindo insultos indignados, de modo a tentar provocar uma reação desse público e talvez iniciar um debate. As reações ao tra-

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balho variavam da aversão desmedida à “pintura desleixada”, que remetia a pichações, chegando a defesas apaixonadas, associando os trabalhos aos grafites e pinturas murais. Ao final do “teatro”, a equipe revelava sua função e fazia uma breve apresentação do conceito do Salão, informando sobre outras obras localizadas nos arredores (ainda que isso traísse a proposta original de Boal, na qual a invisibilidade deveria ser mantida até o fim: contudo, a ação educativa pede que alguma informação seja transmitida, para instigar o espectador a interagir com outras obras, em ocasiões posteriores). Destaca-se que até o fim do “texto”, vários anônimos parceiros daqueles embates iam embora desconhecendo o fim do enredo – e, conseqüentemente, o fato de ser uma situação provocada com um fim educativo; para esses, eram seus parceiros de espera que se manifestavam sobre a obra que se colocava aos seus sentidos naquele momento de espera pelo transporte e por novas experiências sensórias. A mesma estratégia, inspirada em Boal, serviu para interagir com a obra de Piatan Lube, O caminho das águas, que consistia numa faixa azul traçada por entre calçadas e ruas do centro de Vitória, evocando o antigo percurso da linha do mar (vale lembrar que por se tratar de uma ilha, boa parte de sua área de Vitória resulta de aterros realizados desde o início do século XX). O caminho das águas é uma obra que, pela sua sutileza, está e não está lá: ora imersa no sem-número de signos que preenchem a paisagem cotidiana do centro, tornando-se tão despercebida quanto eles (e confundindo-se à sinalização de trânsito), ora chamando a atenção dos pedestres e instaurando uma dúvida primeira: o que demarca essa faixa azul? A mediação, nesse caso, se configurava na abordagem dos transeuntes, perguntando-os sobre o que ela seria, qual seu trajeto, onde terminaria, se daria para chegar à rodoviária, caso resolvessem segui-la... Curiosamente, algumas explicações surgiram nesse processo, tentando justificar o que seria a tal linha. Algumas, inclusive, afirmadas de forma peremptória, como a de que se tratava da demarcação feita pela PMV para instalação de fiação embutida ou ainda que seria um circuito turístico envolvendo as construções tombadas pelo Patrimônio Histórico e os equipamentos culturais disponíveis na região. À medida que a abordagem realizada pelos mediadores se consolidava, uma série de outras idéias foram surgindo, aproveitando o apelo popular da obra de Piatan: numa delas, o grupo fantasiou-se como turistas/banhistas, seguindo a faixa azul em fila indiana e indagando à população onde estaria o mar – para em seguida distribuírem um folheto informativo, produzido pelo próprio núcleo, confrontando imagens da região atuais com fotografias de quase um século atrás. Era instigante registrar que havia certo espanto em descobrir a cidade pela arte: o centro de Vitória é fruto de uma série de aterramentos, era a conclusão dos traseuntes que se percebiam andando onde outrora fora mar. A ação do homem sobre a paisagem, em uma de suas mais fortes interferências. Aqui, a intervenção de Piatan aponta para uma série de outras intervenções urbanas que, embora não estejam no domínio da arte, participam ativamente da construção de nosso cotidiano, da imagem mental urbana:

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é nessa paisagem oriunda de aterros e outras ações urbanísticas que muitos de nós passaram por momentos marcantes ou esquecidos, ainda que sempre efêmeros (como a própria paisagem o é, por mais que algumas pareçam imutáveis e eternas quando contempladas ou mesmo como as obras de intervenção propostas pela Bienal). As obras, mediadas ou não, eram investimentos afetivos no espaço, na construção de memórias pessoais na dimensão de sua coletivadade. Já para a obra Nós vemos a cidade como a cidade nos vê, de Heraldo Borges, composta por quatro espelhos dispostos um em frente ao outro, a ação partia de uma curiosidade lúdica: muitas pessoas, ainda que a princípio timidamente, entravam no “cubo” de espelhos por curiosidade (ou, em alguns casos, para retocar a maquiagem), os mediadores (desta vez identificados), convidavam os participantes a observarem os detalhes da paisagem urbana refletidos nos espelhos (e que muitas vezes não são percebidos em nosso dia-a-dia). Esse processo de investigação da imagem que se põe diante dos olhos produzia uma série de pequenos deslumbramentos em boa parte do público, principalmente ao perceberem a presença de grandes extensões que aos poucos sofrem a intervenção do homem, como os morros que compõem o maciço central da ilha, ainda coberto por uma pequena mata, aos poucos engolida pelos barracos e casas de tijolos aparentes, ainda sem reboco. Aqui, a câmera de vídeo e a máquina fotográfica por vezes eram entregues às mãos do público, para que cada um registrasse um ponto de vista particular acerca do que os espelhos mostravam. Os recursos audiovisuais também foram bastante presentes em outras ações (como fotos e vídeos para serem postados em sítios na Internet como Flickr e YouTube, por exemplo). No caso do trabalho do Coletivo Maruípe, O retorno do Araribóia (uma réplica da estátua do herói, esculpida na década de 50, por Carlo Crepaz, e posicionada na Avenida Beira-mar, onde começa o centro histórico de Vitória). Essa réplica – com status de obra para quem a via - “perambulou” pelas ruas e pontos históricos do centro da cidade, surgindo a cada dia num lugar diferente. As abordagens ocorreram de duas formas: numa delas, os mediadores saíam com máquinas fotográficas, convidando a população a tirar fotografias ao lado da figura do índio em posição de combate (ainda que seu arco e flecha estejam invisíveis, da mesma forma que não mais existem na estátua original), como se fosse uma instauração irônica de um novo “ponto turístico” (reforçado pela poesia do índio apontar sua arma invisível para monumentos como a estátua do Papa Pio XII ou a sede do governo estadual). Em outra ocasião, já assumido o caráter itinerante da obra, a equipe de mediadores saiu à rua munida de uma câmera de vídeo, registrando depoimentos dos passantes, convidados a “escolherem” locais para os quais o “índio” poderia ser levado no dia seguinte. Tratava-se de uma forma de colocar o público na posição do artista, experimentando, ainda que hipoteticamente, a decisão acerca do destino da obra. Várias outras questões surgiram daí, relativas inclusive ao próprio lugar do índio no Brasil (especialmente os conflitos constantes com a Aracruz Celulose, acusada de invadir terras indígenas no Espírito Santo). Outro fator interessante foi a observação de que a estátua parece

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possuir traços físicos europeus, prática bastante comum na época em que foi esculpida; e ainda, a inesperada rememoração de uma antiga marchinha de carnaval local, intitulada “Bota o índio no lugar”, fazendo referência ao fato de que a estátua, tal qual o próprio herói que lhe inspirou, teve um longo período de nomadismo, sem lugar fixo, transitando, nas décadas de 60 e 70, por diversos pontos da cidade, e até mesmo tendo sido esquecida por alguns anos num depósito da prefeitura, até ser colocada definitivamente no Forte São João. Ao redor desses trabalhos, a ironia de outra obra foi provocativa e instigante. São placas amarelas semelhante àquelas utilizadas para advertência, que à primeira vista se confundem com a sinalização oficial de trânsito. Contudo, outros são os símbolos que elas retratam: menores de rua dormindo ao relento, assaltos à mão armada, lixo sendo jogado pela janela dos carros, carros barulhentos, malabaristas nos semáforos e pessoas urinando na rua. Curiosamente, Jo Name mapeou com precisão alguns pontos em que tais ocorrências eram constantes e ali afixou suas placas (em tamanho um pouco maior que as oficiais), num aparente jogo revelador do caos urbano e das ressignificações que os habitantes (isoladamente ou em grupo) fazem do espaço público cotidiano: uma anti-paisagem, um anti-herói urbano. A obra, intitulada Atenção: Arte, completa-se com algumas placas indicativas, contendo esse mesmo slogan, de modo a sinalizar a localização de algumas das obras da Bienal do Mar. No caso desse trabalho, a abordagem dos mediadores registrou depoimentos curiosos dos transeuntes, assimilando a ironia da obra – uma pessoa chegou a afirmar que ele havia sido vítima de um assalto exatamente onde havia sido afixada a placa correspondente, na Avenida Beira-Mar. Outras se colocavam indignadas com a revelação daquilo que se colocava nas placas, sentiam-se ofendidas por ter seu espaço cotidiano desnudado e exposto como estava.

Algumas considerações Essas são algumas reflexões sobre as mediações com o público propostas e provocadas pelo e com o público ao longo da Bienal do Mar. Os mecanismos de mediação com o espectador tiveram que ser ampliados e construídos ao longo da ação educativa proposta; mesmo os tradicionais, quando usados, tiveram de ser adequados às demandas específicas da Bienal, dentro de uma lógica multitudinal. As tradicionais panfletagens de divulgação privilegiaram os anônimos formadores de opinião, presentes na malha urbana: guardas municipais, garis e vendedores ambulantes, verdadeiros multiplicadores do trabalho junto às dezenas de milhares de freqüentadores diários da região. Também foram realizadas algumas oficinas para a comunidade, em especial estudantes e grupos de terceira idade, sempre buscando contrapor o circuito expositivo oficial (museu, galeria e esculturas em praças públicas) do entorno com as intervenções urbanas, para um grupo cuja grande maioria sequer havia estado em um museu de arte anteriormente. Mais que uma mera visita guiada, nessas oficinas propunha-se a cada participante conceber alguma forma de intervenção

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urbana voltada para a comunidade em que vive, de modo a ampliar toda a discussão de pertencimento afetivo à paisagem urbana que a Bienal do Mar propunha. A proposta dessas oficinas era a formação do grupo na experiência sensória provocada pelas obras, mais que em um possível e limitado investimento numa “releitura” da obra exposta, mesmo porque a obra integrante da mostra não se conformava com o espaço tranqüilo das galerias nem com o conformismo das mediações centradas simplesmente no projeto poético do artista. Evidenciava-se que o projeto do artista era mediado pelo projeto do público e que a obra era resultante de uma interação das imagens mentais subjetivas e daquelas garantidas pela coletividade da paisagem urbana em suas contradições, aparências e presenças.

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A Sala de Artes na Escola Tão Tão Distante: Uma Experiência de Currículo Realizado no Cotidiano, ou Educação e Felicidade é Possível Djenane Soares Alves Mestre em Educação – PPGE/UFES

Introdução Aos alunos foi feita a seguinte pergunta: Você acha a aula de Artes importante? Justifique sua resposta e dê sugestões. Os alunos que participaram da pesquisa foram os de 6º ano, 7º ano, 8º ano, 9º ano do Ensino Fundamental II e 1ª série do Ensino Médio, somando nove turmas. Os alunos foram convidados a participar da pesquisa, e aqueles que não se interessaram por responder às perguntas tiveram a opção de fazê-lo, sendo que as respostas foram anônimas. As respostas foram colocadas em uma urna e somente depois o resultado foi analisado e separado por turmas. Foram escolhidas estas turmas para participarem da pesquisa devido à sua facilidade de expressar opiniões sinceras sem se sentirem intimidados ou envergonhados, pois a adolescência é o início mais simbólico da independência de opinião do ser humano. Eles literalmente falam o que desejam. Nosso objetivo principal foi observar e analisar de perto aquilo que para os alunos acrescenta significado. Por estarmos no ambiente escolar foi inevitável observar também aquilo que para a escola, às vezes, se apresenta como elemento obrigatório, ou seja, tem que ser cumprido, doa a quem doer, ou faça feliz a quem puder, ou o contrário. Neste caso, as aulas de Artes fazem parte do currículo prescrito da Escola Tão Tão Distante – mas alcança na prática do dia-a-dia muito mais do que a prescrição pode dar conta. Sendo assim, nossa pesquisa também toma como referência o Cotidiano (MICHEL DE CERTEAU, 1996) para investigarmos aquilo que acontece dentro da escola, mas que nem sempre se pode ver, não porque seja invisível, mas porque talvez não seja notado. Encontramo-nos com um interesse incomum dos alunos pelas aulas de Artes e pela sala de Artes, sendo este um ambiente constantemente freqüentado pelos alunos e ex-alunos, mesmo que fora dos horários das aulas obrigatórias.

Marco teórico Nossa pesquisa toma por referência os estudos realizados sobre o currículo. Começamos por verificar a etimologia da palavra currículo, segundo Ivor F. Goodson (1995), A palavra currículo vem da palavra latina Scurrere, correr, e referese a curso (ou carro de corrida). As implicações etimológicas são que, com isso, o currículo é definido como um curso a ser seguido, ou, mais especificamente, apresentado. (p.31)

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Diante desta origem da palavra Carlos Eduardo Ferraço (2004) observa que, Ao associarmos currículo a pista de corrida, ficamos limitados a uma visão de currículo que o toma como rota, trajetória, um curso a ser realizado, que pressupõe etapas, seqüências, estágios, séries, níveis, padrões, comportamentos a serem garantidos na realização desse curso ou trajetória (...), nesse caso, é impossível dissociar currículo de prescrição, de receita, de manual, de veículo, de parâmetros norteadores ou algo parecido. Em certo sentido aqui, currículo se confunde ou se reduz a programas, relação de temas, ementas de disciplinas, proposta ou grade curricular, manuais didáticos, ou qualquer outro texto que contenha uma proposta prescritiva de conteúdos e metodologias a ser seguida. (p.95)

Um grande desafio das escolas contemporâneas é tecer alternativas a este significado dado ao currículo. Segundo Inês Barbosa de Oliveira (1995), é preciso compreender o currículo, (...) não apenas como uma lista de conteúdos a serem ministrados a um determinado grupo de sujeitos, mas como criação cotidiana daqueles que fazem as escolas e como prática que envolve todos os saberes e processos interativos do trabalho pedagógico realizado por alunos e professores. (p.9)

Portanto, desperta-nos sempre o interesse um caso como da Escola Tão Tão Distante, pois observamos o currículo como obrigatório diante das posturas dos sujeitos da escola que parecem não demonstrar preocupação ou interesse em saber o que acontece detrás daquela porta, enquanto que para os estudantes, sair da “sua sala de aula”, caminhar livremente pelos corredores e atravessar “aquela porta” se constitui em um percurso repleto de liberdades. Por isto, nos apoiamos principalmente na idéia de Carlos Eduardo Ferraço (2004) a respeito do currículo realizado, como sendo aquele que está presente nas ações que os sujeitos tecem cotidianamente. (...) os sujeitos praticantes produzem, em meio às redes e contextos vividos, diferentes saberespráticas que têm na relação solidária sua expressão mais visível. Os currículos realizados pelos sujeitos praticantes estão encharcados de relações que advogam em favor de princípios de totalidade, coletividade, cooperação e solidariedade. (p.90) (...) colocamos em discussão a idéia que assume currículo como relacionado a tudo o que acontece nas escolas. Ou seja, pensamos currículo como redes de fazeressaberes, produzidas e compartilhadas nos cotidianos escolares, cujos fios, com seus

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nós e linhas de fuga, não se limitam a esses cotidianos, mas se prolongam para além deles. (p.96)

O currículo realizado na sala de Artes na Escola Tão Tão Distante foi o disparador que nos despertou para a pergunta feita aos alunos, pois, se para a sociedade dos adultos, com suas opiniões já formadas a Arte talvez seja um pequeno suplemento, nos interessa saber o que é a aula de Artes para estes sujeitos que estão vivendo suas experiências no hoje, agora mesmo.

Metodologia A metodologia de pesquisa busca problematizar o currículo que acontece dentro do cotidiano. Sendo assim, não ficamos presos a uma só teoria nos beneficiando assim das tessituras que podemos trançar com as redes presentes no dia a dia. Trabalhar com o cotidiano e se preocupar como aí se tecem em redes os conhecimentos, significa, (...) escolher entre as várias teorias à disposição e muitas vezes usar várias, bem como entendê-las não como apoio à verdade mas como limites, pois permitem ir só até um ponto, que não foi atingido, até aqui pelo menos, afirmando a criatividade do cotidiano. (NILDA ALVES, 2001, p.22)

As pistas que Michel de Certeau nos apresenta (1996) a respeito do cotidiano ampliam nosso campo de visão e de entendimento: O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. (p. 31)

O cotidiano é, portanto, o espaço legítimo onde vivemos as coisas miúdas que são muitas vezes desprezadas porque parecem simples demais para serem consideradas. É então, prestando atenção aos indícios deixados pelas grandes coisas que acontecem na escola que chegamos ao dia-a-dia dos sujeitos. Seguindo os fios destas redes tecidas é que nos encontramos com este dia-a-dia onde acontecem as pequenas conquistas. Ainda ao falar do cotidiano, Michel de Certeau (2003) nos lembra que “a ocasião é ‘aproveitada’, não criada” (p. 162). E foi esta ocasião de me encontrar com alunos tão despreocupados em mostrar suas posses e poses e mais envolvidos nos momentos de liberdade que a vida escolar pode

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proporcionar a eles, que motivou a pergunta feita. Ecléa Bosi (1979) fala da pesquisa então não como algo externo, em que o pesquisador apenas observa à distância sem querer interferir na realidade, mas conta que “uma pesquisa é um compromisso afetivo” (p. 2). Ela somente nos motiva porque existe algo na realidade que nos toca, que passa por nós e fica, cria alguma marca, e não somente passa como informações irrelevantes, superficiais que não nos tocam profundamente (JORGE LARROSA, 2004). Desta forma, nenhuma pesquisa é simples, ela sempre nos traz como desafio a complexidade que envolve os sujeitos. Segundo Edgar Morin (1998) A complexidade não tem metodologia, mas pode ter seu método. O que chamamos de método é, um memento, um “lembrete” (...) O método da complexidade pede para pensarmos nos conceitos, sem nunca dá-los por concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para restabelecermos as multidimensionalidades, para pensarmos na singularidade com a localidade, com a temporalidade, para nunca esquecermos as totalidades integradoras (...) A totalidade é, ao mesmo tempo, verdade e não-verdade, e a complexidade é isso: a junção de conceitos que lutam entre si. (p. 192)

Assim, Regina Leite Garcia (2003) nos explica que a prática, para nós, é portanto o critério da verdade; é ela que convalida a teoria. Assim, partimos da prática, vamos à teoria a fim de a compreendermos e à prática retornamos com a teoria ressignificada, atualizada, recriada, dela nos valendo para melhor interferimos na prática. (p. 12)

Então, práticateoriaprática – tudo escrito junto por Regina Leite Garcia, pois é de fato inseparável – se torna o principal critério para irmos à realidade levando nossos conceitos, desconstruí-los diante dessa realidade e ressignificá-los de acordo com a nova realidade que passamos a enxergar, desvelada de pré-conceitos e aberta à imprevisibilidade e à complexidade do cotidiano. Por isso, dizemos que “o preto e o branco” não são as cores que nos permitem captar a complexidade e a riqueza desses processos. Em nossos cotidianos, criamos misturas de cores as mais diversas, de acordo com as possibilidades que cada situação nos oferece. (NILDA ALVES, INÊS BRABOSA DE OLIVEIRA, 2002, p.99)

John Briggs e David F. Peat (2000) dizem que “o caos revela que em vez de resistir às incertezas da vida, devemos aproveitá-las” (p. 19). E se propor

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a ser artista-educadora em uma sociedade que culturalmente desconsidera a Arte como parte relevante da vida cotidiana, é de certa forma ir contra a maré, mas é também aproveitar as pequenas brechas existentes e usar cada segundo que nos oferecem para provocar alguma mudança. “Com freqüência se ouve dizer que criatividade e loucura são muito próximas” (JOHN BRIGGS E DAVID F. PEAT. 2000. p. 23). Talvez esta seja uma das razões pela qual a Arte está relegada a um plano insignificante e não muito sério na nossa sociedade. Compreendida então como importante para sensibilizar o ser humano, desde que seja em dosagens mínimas, para não sensibilizar demais e ousar abrir caminhos diferentes, inovadores, criativos. A criatividade de fato é assustadora, pois é complexa e imprevisível.

Educação e felicidade Mas louco é quem me diz que não é feliz...1

Há algum tempo li em um livro que passou pela minha mão onde um autor fazia a seguinte pergunta: “qual é o objetivo da educação?”, no qual ele mesmo tinha uma resposta: “o objetivo da educação é a felicidade.” Fiquei verdadeiramente tocada com a resposta e a tenho divulgado por onde passo: “O OBJETIVO DA EDUCAÇÃO É A FELICIDADE!” É mesmo uma afirmação que nos faz pensar. Se nos perguntarmos: “de quantos professores de Educação Artística nos lembramos durante o período em que estudamos?”, qual seria a resposta da maioria das pessoas? Tomando como exemplo próprio, ouso responder que não me lembro significativamente de nenhum. Até lembro-me de algumas atividades como: colar algodão na barba do Papai Noel mimeografado no Natal; colar cascas secas de ovos no ovo do coelho da Páscoa; desenhar com linhas usando caneta esferográfica em papel canson que os próprios alunos precisavam comprar. Também me lembro de que a professora de Português dava as aulas de Educação Artística, e que, em outra época, a professora de Matemática e de Ensino Religioso também exerceram essa profissão. Eu não fui feliz. Considerando que nas últimas duas décadas, pelo menos, o governo de uma forma geral tem assumido fortemente o lema “toda criança na escola”, concluímos então que a escola deve ou pelo menos poderia ser um ambiente onde o aprender não se tornasse algo tão obtuso para os alunos. Por que será que as crianças nas idades iniciais gostam tanto de ir à escola e quando já atingem uma certa maturidade para questionar não querem mais estudar e perguntam o porquê de ter que aprender certas coisas e em que eles irão utilizar aquilo na vida? Onde fica a felicidade nesse contexto? Em relação àquelas disciplinas que são “importantes” e que são nume-

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“Balada do louco”, Rita Lee e Arnaldo Baptista.

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rosas na grade curricular obrigatória não há muito o que se questionar, pois somos convencidos desde sempre que elas serão usadas durante toda a nossa vida. Mas a Educação Artística, agora chamada de Arte, ou Artes, não carrega o peso desse argumento. O máximo que ouvimos é que ela é importante para a nossa cultura, para sermos mais sensíveis, ou algo do tipo. Minha experiência anterior no magistério se passara em escolas públicas por seis anos e somente durante um ano em uma escola particular da Grande Vitória. Na rede pública além de toda a precariedade de materiais e de espaço para trabalhar as aulas de Artes, um dos piores agravantes é ouvir constantemente os alunos perguntando, e de certa forma desafiando, para que vai servir para eles a aula de Artes? Na maioria dos casos, a aula se torna um estorvo para os alunos e para os professores que se cansam de tentar persuadir o aluno e se entrega ao “sistema”, tentando se aproximar da importância das outras disciplinas e seguindo o mesmo tipo de metodologia didática delas: trabalhos, provas, textos, etc., o que é uma grande perda de tempo e energia. Torna-se redundante ficar dizendo que a Arte vai torná-lo uma pessoa mais sensível, ou que vai ampliar os conhecimentos dele, ou ainda vai ajudá-lo a desenvolver alguma habilidade, etc., etc., ou que a disciplina é obrigatória na escola e que ele vai ficar reprovado no final do ano se não cumprir com as atividades dele. Na escola da rede particular da Grande Vitória os alunos costumavam “ter sempre razão”, até mesmo interferindo no modo de vestir dos professores. Eles não estavam interessados nas aulas de Artes e não era por precariedade de espaço ou falta de materiais, a pergunta se repetia: para que vai servir para eles a aula de Artes? Enfim, me encontrei com turmas de alunos na Escola Tão Tão Distante que nunca antes havia conhecido: alunos que obedecem as regras (que são muitas), educados, ricos mas não esnobes, reconhecedores da importância da educação, que não questionam a aula de Artes, mas que até gostam dela!!!... Me encontrei no paraíso no meio desses alunos, não poderia deixar passar em branco tal oportunidade.

A aula de Artes na Escola Tão Tão Distante “É aquilo em que a humanidade acredita que modela o mundo e toda a realidade”.2

Esta experiência como artista-educadora na Escola Tão Tão Distante teve muitas singularidades. Foi a primeira vez que trabalhei em uma sala própria para a aula de Artes, com uma grande bancada no fundo da sala com duas pias; cinco mesas grandes com muitos banquinhos; muitas janelas para iluminação natural; diversas prateleiras e armários para

2 BRADLEY, Marion Zimmer. As Brumas de Avalon: a senhora da magia. Livro Um. Tradução de Waltersir Dutra. São Paulo: Nova Cultural, 1989.

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guardar cadernos de desenhos e trabalhos dos alunos. A escola é de fato muito grande. A rotina das aulas consistia em ir à sala de aula das turmas e levar os alunos para a Sala de Arte, onde quase ninguém da administração e coordenação passa por lá. A rotina então acabava aí. Dentro da sala os alunos se sentiam à vontade para sentar à mesa que desejavam, inclusive na “mesa do professor”, pediam para usar os aparelhos eletrônicos (MP3,4,5,6,7,8...) normalmente proibidos em sala de aula, enquanto trabalhavam em suas criações anteriormente propostas para a aula. O ambiente sempre era de conversa, algumas brincadeiras, no geral de descontração e liberdade, embora seja importantíssimo lembrar que TODOS os alunos sempre executavam suas atividades da aula, e os limites extrapolados eram observados pelos próprios alunos que exigiam atenção e punição. As propostas das aulas sempre contavam com a opinião dos alunos, a respeito da viabilidade, do desejo, do interesse, etc., de forma que, a maioria pelo menos, participasse das atividades com boa vontade. O resultado geral da pesquisa onde a pergunta foi: Você acha a aula de Artes importante? Sim: 154 Não: 21 Mais ou menos: 10 • 185 participaram da pesquisa • 60 não participaram (porque não quiseram ou porque faltaram à aula no dia da pesquisa) • Total de alunos: 245 Cada turma respondeu à pergunta e alguns justificaram sua resposta. Vamos analisar um pouco as respostas de cada turma. 6 A e 6 B – Ensino Fundamental SIM

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Sugestões: · pintura: 6 · mosaico: 3 · acabar com a conversa · caricatura · origami As turmas de 6º ano têm em média 11 anos – é o correspondente à 5ª série. São muito questionadores, mas não apresentam propostas, simplesmente questionam. Não têm muita paciência, querem tudo naquele momento, sem precisar esperar. Não são bons ouvintes, querem falar todos ao mesmo tempo e tudo está ruim naquela hora, e logo depois está ótimo. Enfim, é uma idade muito instável, gostam da aula, mas não sabem bem o que querem fazer, porém descobrem logo o que não querem quando estão fazendo. Começamos com desenhos de Mangá. Primeiro os olhos que são a parte mais importante. Nesta etapa vários já desistiram: “é muito difícil”. Quan-

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do tentamos desenhar a cabeça, cabelos, olhos, diversos alunos sentiram muita dificuldade, mas se expressaram como quem tivesse odiado aquele desenho. Ou seja, é difícil para eles assumirem que não conseguem, até mesmo porque eles não se dispõem a tentar várias vezes, tem que dar certo de primeira e como não é possível eles sempre viram a situação contra quem a propôs, no caso a professora. Tivemos que enterrar o Mangá. Algumas dobraduras de origami deram certo, embora se tornasse uma atividade demorada por causa da impaciência. Enquanto alguns aprendiam logo, criticavam quem demorava um pouco mais e sempre virava uma infinidade de críticas e muita conversa até a próxima dobra acontecer. Muitos pediram desenho livre. Sugeri então que poderia ser uma “criação livre” e que eles iriam se auto-avaliar de acordo com o quanto eles haviam se esforçado para fazê-las. Usamos tinta. De uma forma geral, mais brincaram com a tinta e com a experimentação das misturas e “bagunças” do que criaram algo planejado no papel. Estudei em alguns livros a respeito de Arte na Educação Infantil e percebi que todos os autores, mesmo os mais antigos primam a experiência e a experimentação como mais importante do que o resultado final para esta faixa etária. Acabo chegando então à conclusão de que, não somente para as idades iniciais, mas para todas as seguintes, o processo é de fato muito mais importante do que o resultado, a experimentação é muito mais significativa, com a diferença que os mais adolescentes se cobram e são cobrados também pelo resultado, que quando não é satisfatório vai parar imediatamente no lixo. Vejamos o resultado do 7º ano, que corresponde à 6ª série. 7 A – Ensino Fundamental SIM

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Sugestões: · pintura: 7 · atividades mais legais: 4 · esculturas: 2 · desenho livre · releitura de artistas · aula ao ar livre · maquetes É uma turma muito grande e, portanto, muito tumultuada. Foram realizados alguns projetos em parceria com outras disciplinas, como por exemplo, a confecção de capas para livros para as histórias baseadas em fábulas que eles haviam reinventado nas aulas de Produção de Texto. As capas foram feitas com colagens diversas a partir da proposta da história, porém mais de um mês se passou nessa atividade. Enquanto isso, as propostas para aula de Arte especificamente ficavam esperando. Ainda assim, conseguimos realizar alguns trabalhos que a turma toda se interessou em fazer, como uma flor de origami montada com oito

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partes. Os trabalhos foram expostos na parede ao lado da sala da turma e criou um grande colorido, além da satisfação dos alunos em verem seus trabalhos expostos. Também foi realizada uma experimentação com tintas e criação livre que os envolveu no processo muito mais do que no resultado, mas que terminou em certa satisfação de estar fazendo o que deu na telha, embora a maioria sequer quisesse levar o trabalho para casa. É como se aquilo se tornasse uma espécie de segredo, um pacto: o que fizemos aqui fica aqui, não deve nunca ser exposto, ninguém deve saber! As turmas de 8º ano correspondem à 7ª série, com 13 anos. 8 A e 8 B – Ensino Fundamental SIM

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Sugestões: · aula ao ar livre: 3 · desenho livre · argila · sala mais colorida · figura para pintar · ser mais legal Estas turmas já começam a ser um pouco mais pressionadas nas demais disciplinas para obter bons resultados nas avaliações e projetos. Por este motivo, sair da sala de aula é um alívio necessário para eles. Eles também não querem fazer muitas coisas complicadas na aula de Artes, querem mais relaxar, conversar, ouvir música. É necessária certa pressão para que eles façam as atividades, de forma que eles fazem, mas muito lentamente. Realizamos uma atividade de desenho de Tribal, onde além de conhecer um pouco da história e da cultura, precisaram aprender a desenhá-los e exercitar a pintura com tinta preta. O resultado ficou ótimo em minha opinião, diferentemente da opinião deles, pois são bastante autocríticos e não ficaram muito entusiasmados com o trabalho final. Mesmo com os trabalhos todos juntos expostos na parede, cada um olhava somente para o seu e quando olhava o do outro era para fazer alguma comparação de como o outro ficou melhor. As turmas do 9º ano correspondem à 8ª série, ou seja, estão à um passo do Ensino Médio e já começam e sentir um pouco da pressão que estes alunos sentem para alcançar o vestibular mais à frente. 9 A e 9 B – Ensino Fundamental SIM

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Sugestões: · livre expressão: 5

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· pintura em tela: 3 · fazer nada... · música · aulas teóricas · aula ao ar livre · mosaico · guardar os trabalhos em pastas · trabalhos mais legais · mais paciência com os alunos · mudar a professora Assim como o 8º ano, os alunos do 9º ano querem sair da sala de aula com urgência... Grande parte da turma não quer pintar o que desenha, pois é demorado. Eles desejam mesmo um momento de tranqüilidade. Acabam por nem prestar muita atenção ao que fazem, pois fazem enquanto conversam, contam coisas, ouvem música, relaxam. Também não se preocupam muito com o resultado, importa que não há pressão quanto ao prazo para a conclusão dos trabalhos, então eles vão fazendo sem nenhuma pressa, até que terminam. Um trabalho que refletiu bem essa atitude da turma foi o desenho de Rosácea, onde aprenderam juntos a desenhar com o compasso e depois receberam dicas de como personalizar seu desenho com outros desenhos e a partir da pintura. Inicialmente perguntaram se não podia ficar como estava, ao receberem a resposta negativa de que todos tinham que ficar diferentes, então começaram a trabalhar no próprio desenho. Também não se importaram muito com o resultado, embora tenham ficado muito bonitos visualmente. Observo que esta faixa etária foi produzindo muito intuitivamente, pois não estavam preocupados em planejar antes de fazer, mas também não estavam com pressa de terminar, então, os trabalhos iam aparecendo e acontecendo naturalmente. O Ensino Médio teve as turmas que mais pediram por coisas relaxantes nas suas sugestões. 1 A e 1 B – Ensino Médio SIM

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Sugestões: · acabar com a aula de artes na sexta para ir embora mais cedo: 4 · ter mais aulas · música na sala · espelho na sala · cantinho com colchão e almofadas · trabalhar com músicas, clipes, shows. Embora quatro alunos tenham sugerido que acabasse com as aulas de Artes tiveram um motivo muito específico: sem a aula de Artes na sexta-feira, eles poderiam ter “apenas” cinco aulas em vez de seis aulas

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e iriam para casa ao meio-dia, e não às 12:50h. É compreensível, logo na sexta-feira... Diversos alunos sugeriram que a sala fosse transformada para se tornar mais confortável. Algumas meninas disseram que pedem sempre para ir ao banheiro por causa do espelho e que se tivesse um na sala não precisariam sair. Interessante é que nas salas da Educação Infantil têm sempre um grande espelho, pois as crianças pequenas são incentivadas a se reconhecer, assim como na sala de Música. Mas nas salas dos adolescentes – tocados pela vaidade extrema – não há espelhos. Será que há que se domar esta faixa etária e privá-los de si mesmos? Muito animados, livres, e já com certa maturidade, estas turmas são grandes mas trabalham muito bem. São muito brincalhões quando estão fora da sala de aula e têm muita noção da diferença da brincadeira sadia para qualquer coisa mais ofensiva. Diversos trabalhos foram realizados com estas turmas, sempre em acordo com os alunos, com aquilo que eles acharam interessante fazer. Trabalhamos com desenho de grafitti do próprio nome, contando é claro com a limitação do papel e dos lápis de cor. Também aprendemos a desenhar Mangá: olhos e cabeça, com grafite e com cores e ainda desenvolveram belíssimos Móbiles.

E ainda temos aula de Arte na escola... A grade curricular obrigatória obriga que exista a aula de Artes. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) de 1968 tratava a Arte da seguinte forma: “Arte não é uma matéria, mas uma área bastante generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendências e dos interesses.” A primeira vez é sempre inesquecível! Quando li este texto pela primeira vez tentei metaforizar o que seria então essa Arte: não é matéria, logo não é palpável ou talvez até mesmo visível; uma área bastante generosa, como na época da repressão militar generosidade não era algo comum fica difícil imaginar algo; e sem contornos fixos flutuando ao sabor das tendências e dos interesses, só pode ser uma bolha de sabão! Ou seja, na lei, a Arte é tão importante, firme e estável como uma bolha de sabão!!! Não é de se admirar que a sociedade em que vivemos trate a Arte e os Artistas como algo estranho, mas que existe e deve ser tolerado, afinal, está na lei que reflete a sociedade, ou o contrário. Mas me pergunto se as escolas se perguntam o quanto a aula de Artes é importante para os alunos. Na Escola Tão Tão Distante sempre foi notável que ninguém passasse pela sala de Arte para ver o que estava acontecendo. O currículo se realizava ali dentro daquela sala da melhor forma e ninguém do lado de fora se interessava por ele. Nem mesmo quando o barulho ultrapassava os limites e incomodava as salas ao lado. Inicialmente, tive vontade de direcionar esta pesquisa para os professores e funcionários da escola fazendo a seguinte pergunta: você já se esqueceu da professora

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de Artes em algum momento na escola? Mas comecei a perceber que os adultos – assim como os livros – não são sinceros, mas tentam sempre ser agradáveis. Desta forma, a pesquisa não renderia grandes resultados. Até porque comecei a ser esquecida tantas vezes, que mesmo os assuntos pertinentes a mim não chegavam a mim. Esqueciam pagamento, aviso de reunião, convite para lazer, que não haveria minha aula porque seria aplicação de prova ou porque outro professor tinha urgência daquele tempo, ou material pedido que nunca chegou, ou lanche que acabava, etc., etc... Tudo o que se sabe sobre a aula de Artes é o que colocamos em exposição nas paredes e nos painéis da escola, aquilo que os alunos levam para casa e aquilo que os professores das outras disciplinas pedem para que seja trabalho junto, não de forma interdisciplinar, pois, a proposta só chega à aula de Artes quando o professor não pode mais continuar aquilo que já começou, como por exemplo o livro que os alunos do 7º ano escreveram nas aulas de Produção de Texto e a professora precisou da aula de Artes para que eles confeccionassem as capas “criativas” para os livros. Mas para os alunos da Escola Tão Tão Distante, as aulas de Artes significam outras coisas. É primeiro, poder sair da sala de aula convencional; sentar onde quiser, ao lado de quem quiser; mudar de lugar; ficar em pé; sentar no chão; conversar; ousar pedir para ouvir música; etc... Além de tudo isso, a produção artística se torna tão leve para eles, que eles sabem que podem perguntar, pedir ajuda, errar, e às vezes, até mesmo, desistir daquilo que a mão não consegue realizar em concordância com a mente, ou o contrário. Não quero dizer que a aula de Artes seja um oba oba!, mas que nos últimos anos de trabalho e estudos, aprendi que esta aula poderia ser um momento de aprender com prazer, a caminho da felicidade. Nesta escola que é da rede particular, a pressão sobre os alunos, à medida que se aproximam do Ensino Médio é cada vez maior, pois os números da escola são consagrados no final do ano quando muitos deles passam nos vestibulares. Nesse caso, o resultado é mais importante do que o processo. No segundo e terceiro ano do Ensino Médio eles não têm mais aulas de Artes. Vejamos porque os alunos da Escola Tão Tão Distante acham as aulas de Artes importante: 26 – Relaxar 23 – Aprender/Gostar de desenhar 21 – Divertimento 21 – Aprender novidades 17 – Atividades diferentes 13 – Usar a criatividade 5 – Conversar 5 – Atividades interessantes 4 – Expressar novas idéias 4 – Desestressar 3 – Legal 2 – Soltar a imaginação Quando os alunos dizem que a aula de Artes é importante princi-

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palmente para relaxar, para o divertimento e para as novidades, mesmo tendo que fazer sempre alguma atividade, indica que de alguma forma estamos conseguindo atingir aquele objetivo da educação, lá do início do texto: a felicidade. Quero acreditar que provavelmente esses alunos não vão esquecer totalmente da professora de Artes ou de alguma coisa que fizeram nessas aulas. De alguma forma, foram momentos significativos positivamente para o aprendizado de todos os sujeitos: professora e alunos. Aprendemos coisas novas, descobrimos os desafios de realizar trabalhos que nos satisfazem e chegamos e saímos felizes dessas aulas, pois não nos estressou embora exigisse algo que não costumamos exercitar: a criatividade! Há sempre muito aprendizado na relação educacional. No final das aulas fizemos uma dinâmica em que cada um deveria deixar uma mensagem para o colega, qualquer coisa positiva. Quando aplicava provas das outras disciplinas para as turmas – porque várias vezes as datas das provas coincidiam com o horário das aulas de Artes, que eram suspendidas – sempre respondia às dúvidas que eles tinham. Na última prova uma aluna do 9ª ano observou: “nossa! Você sabe Português, Inglês, História?!! O que mais você sabe?” Interessante ver como os alunos se surpreendem ao perceber que você não sabe somente Arte... Os alunos do 6º ano tiveram a liberdade de me dizer que eu era “estranha mais legal”, que nossas aulas foram legais. Nosso otimismo no cotidiano está nesses pequenos rompantes de sinceridade. Ser estranha no meio dos alunos é complicado, pois eles demoram a aceitar o diferente, não são muito bons em entender e aceitar as diversidades. Pensam que todos, naturalmente, deveriam ser iguais a eles – parece óbvio que todos são iguais e fazem coisas iguais no mundo deles. Mas quando eles chegam ao ponto de aceitar a estranheza e reconhecer que isso não representa nenhuma diferença entre os seres humanos, estamos então dando um passo para uma humanidade melhor. Referências ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho – o cotidiano das escolas na lógica das redes cotidianas. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de: ALVES, Nilda. (orgs.) Pesquisa no/do cotidiano das escolas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 13-38. ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Uma história da contribuição dos estudos do cotidiano escolar ao campo do currículo. In: LOPES, Alice. Casimiro; MACEDO, Elizabeth. (orgs.) Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. v.2. p. 78-103. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. T.A. Queiroz, São Paulo: 1979. BRIGGS, John e PEAT, F. David. A sabedoria do caos: sete lições que vão mudar sua vida. Tradução: Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 43. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 2. morar, cozinhar. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. FERRAÇO, Carlos Eduardo. Eu, caçador de mim. In: Método: pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 157-175.

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_______. O currículo escolar. In: FERREIRA, Eliza Bartolozzi. (org.) Política educacional do estado do Espírito Santo: a educação é um direito. Vitória: SEEB/ SEDU, 2004a. p. 94-129. _______. Os sujeitos praticantes dos cotidianos das escolas e a invenção dos currículos. In: GARCIA, R. L; MOREIRA, A. F. B; PACHECO, J. A. (orgs.) Currículo: pensar, sentir e diferir. Rio de Janeiro: DP&A, 2004b. p. 77-94. LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Tradução: Cyntia Farina. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Currículos praticados: entre a regulação e a emancipação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

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Brincando com o Artista Reuto Fernandes Elvira A. Xavier Gomes de Castro Estudante de graduação em artes Visuais - UFES

Introdução Este artigo tem uma intenção didática, quando faz um recorte na pesquisa com o título: “Indagações sobre o processo de criação do artista Reuto Fernandes, como gerador de sentido no campo da arte popular no Espírito Santo”, realizada sob a orientação da prof. Dra Angela Grando, no Centro de Artes da UFES, dentro do programa institucional de iniciação científica 2007/2008. A pesquisa citada tem como objeto a obra do artista Reuto Fernandes, com ênfase na estética manifestada em sua produção pictórica. Destaca-se nessa produção uma abordagem que possibilitou a sua inserção, tanto no meio artístico capixaba, quanto nacional como arte Naïf. A nomenclatura naïf é usada para “nomear” uma arte isenta de conhecimento acadêmico e do uso da perspectiva, e apresenta uma narrativa com o uso freqüentes de cores primárias, muitas vezes, sem nuances apresentando um traçado colorido muito parecido com o do desenho infantil. Encerrado o período de PIBIC, motivada pela pesquisa, direcioneime à questões que pudessem levar a arte produzida por Reuto, às salas de aula. Com o apoio do prof. Dr. Cesar Colla ,do Centro de Educação/ UFES, elaborei algumas propostas pedagógicas que pudessem atender e dar subsídios ao professor de arte no ensino infantil, ou seja, para crianças entre 4 e 6 anos. Outros recortes foram necessários na pesquisa inicial, para uma proposta que tomando como fundamentação as obras de Reuto Fernandes, conciliasse uma educação da arte com base na descoberta e no lúdico. O meu objetivo foi o de propor jogos e brincadeiras e assim poder contribuir com a realização das aulas de arte dentro de uma proposta que possibilite o apreciar, contextualizar e produzir arte. Essa proposta chamada hoje de sociointeracionista, nada mais é que a consolidação do tripé ou “proposta triangular” de Ana Mae Barbosa, em que o ensino é baseado nos três eixos citados acima. O professor passa então a ser o mediador, e a considerar a experiência e os conhecimentos trazidos pelo aluno em sua vida cotidiana, junto a sua família e a comunidade em que vive.Tal proposta, ou metodologia, auxilia na interpretação das obras, ao provocar reflexões a partir de questionamentos que englobam desde aspectos históricos, sociais e culturais vividos por essas crianças, e ainda contidos nas obras como marcas de um tempo. Considerei também o percurso de criação do artista e como a partir dele podemos propor às crianças a realização de seus percursos. As características contidas na arte naïf , acredito eu, possibilitará uma maior compreensão das imagens na educação infantil. Reuto

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utiliza-se de pequenos pontos quando pinta, e cria ou narra, em suas telas todo um imaginário que dialoga também com a cultura popular. E ao apropriar-se de símbolos ou ícones da modernidade, Reuto reinventa algumas histórias populares dando um novo sentido, formando um novo conjunto de contos. Toda essa particularidade me levou a preparar uma proposta que estivesse em sintonia com a história da arte e proporcionasse também na criança a possibilidade de novas interpretações e reflexões. Como meta, propus um planejamento com possibilidades metodológicas no trabalho educativo em arte. Utilizando-me do conhecimento já existente sobre o mundo imaginário infantil, procurei dar ênfase aos componentes fantasiosos e imaginativos das invenções artísticas das crianças, sugerindo atividades de percepção visual onde a criança possa apreciar, refletir e construir novas possibilidades a partir de jogos e brincadeiras. Inspirada em outros materiais educativos que tem como base a obra de arte e sua inserção e apresentação à educação infantil, proponho também nesse sentido, ao optar por uma das obras de Reuto Fernandes, levá-la como sugestão para uma introdução da arte para as crianças no ensino infantil. O processo de pintura de Reuto conhecida e exposta em vários estados brasileiros como arte naïf, sempre despertou-me interesse e utilizo-me então, dessa obra pintada de maneira “ingênua” e sem conhecimento acadêmico, para apresentar às crianças de 4 a 6 anos, os símbolos utilizados por esse artista em uma de suas obras. Acredito que essa semelhança entre o fazer artístico do artista naïf e o desenho da criança, torna-se um facilitador do entendimento. Por essa razão , a proposta é que, por meio da leitura visual da obra, seja possível levar além da divulgação da arte popular local, uma possibilidade de brincadeiras educativas para o ensino de arte na educação infantil.

A importância das brincadeiras e valorização do desenho infantil A intervenção pedagógica por meio de brincadeiras e jogos e através do incentivo ao ato de desenhar tem um grande valor por apresentar ricas possibilidades para o estímulo do desenvolvimento motor, social, físico, afetivo, intelectuais e lingüísticos da criança. Ao brincar e desenhar ou rabiscar, a criança exercita e desenvolve sua imaginação, adquire a capacidade de cooperação, desperta para a observação e assume uma postura crítica diante da sua realidade. A prática lúdica,além de prazerosa para a criança, permite ao mediador diagnosticar necessidades e interesses dos diferentes grupos de crianças. Para a autora de: Por uma cultura de Infância-Metodologia de pesquisa com crianças, a importância do desenho infantil pode ser considerado documento histórico sobre a infância. “[...] no desenho das crianças podemos revelar fenômenos sociais que se encontram obscurecidos.” (ANA LUCIA G. FARIA,2005). Entretanto, o que apresentamos aqui, é uma etapa de proposta educativa e não de análise da produção das crianças, o que poderá ser feito em outra etapa.

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Os ícones presentes na obra de Reuto, vistos como metodologia no ensino infantil Na obra “A Era de Aquarius”, Reuto desenha e pinta uma diversidade de símbolos que dialogam com a realidade dentro de um contexto pósmoderno, com fantasias tiradas de seus questionamentos que permeiam sua infância e adolescência. Considero essa obra como o material de estudo, e dentro desse recorte destinado à educação infantil, minha intenção é proporcionar um trabalho lúdico, viabilizando o conhecimento, a reflexão e a prática artística por meio de brincadeiras. Acredito que essa obra por conter objetos presentes no dia a dia, nas histórias infantis e desenho animado , facilitará a linguagem visual e contribuirá com o desenvolvimento da sensibilidade estética e aprimoramento das habilidades perceptivas e críticas do mundo contemporâneo. A obra selecionada para ser trabalhada em sala de aula permite-nos um entendimento de um todo, sem que tenhamos de nos aprofundar em várias etapas da história da arte, ou de um conhecimento de vários períodos e estilos artísticos. A singeleza da obra, e a figuratividade presente nela, permitirá às crianças o exercício do reconhecimento dessas figuras e portanto as aproximará do universo pictórico apresentado ali pelo artista. Por isso acredito que o olhar da criança criará situações que permitirá ao mediador explorar e estimular todo seu potencial. Ao analisarem a obra, as crianças encontrarão super-heróis, sereias, cavalos marinhos, anjos, que fazem parte do universo infantil. O mediador terá oportunidade de desenvolver as propostas, apresentando uma leitura de imagens, abordando toda o imaginário da criança e levantando questões que instigarão e estimularão as crianças a criarem novos cenários e uma possível nova “obra”. As quatro linguagens artísticas que essa proposta abrange são: teatro, música, artes visuais e dança. Procuro em cada uma das propostas, estabelecer um elo com um pouco dessas linguagens. Sugiro que o professor desenvolva mais questões, acrescente outras músicas que estejam dentro do universo cultural da criança e possibilite movimentos do corpo utilizandose do espaço físico e de sua imaginação, produzindo até mesmo uma peça de teatro, onde cada um poderá representar um personagem da obra.

Propostas pedagógicas 1. Análise da obra : A Era de Aquarius Objetivo: Despertar a atenção da criança para os objetos contidos e provocar uma reflexão quanto aos mesmos existentes no seu dia-a-dia. Tornar compreensivo as figuras contidas na cultura popular como as sereias; Criar na criança a noção da realidade quando esta fizer uma visita ao porto e relacionar o tamanho do navio verdadeiro com o da obra e toda sua capacidade de carga. Material usado: Reprodução da obra em forma de cartão ou prancha.

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Desenvolvimento: Na parte inferior da tela , ou seja no que podemos chamar de base da composição , Reuto colocou exatamente objetos e ícones que ocupam a superfície da terra e mar como: estátuas, girassóis, árvores, barcos, navios, sereias, cavalos marinhos etc. Com o auxílio da reprodução da obra, proponho uma análise desses objetos explorando as funções de cada um, debatendo os meios de transporte aquáticos, a existência ou não das sereias, a exploração dos sons dos navios e uma possível visita ao porto de Vitória, para que a criança possa adquirir a idéia da dimensão de um navio e sua capacidade de carga. Nessa mesma base existem prédios representando as cidades bombardeadas na segunda guerra mundial. Acredito que nessa faixa etária, seria complexo falar de tais fatos históricos, mas propomos que levante questões do que seria então essa fumaça ? E aproveitando então, todo o imaginário e explorando todo o conhecimento já adquirido pela criança, sugiro que se debata as questões que serão levantadas por elas. E a partir daí, que se construa uma imagem com colagens de recortes de revistas de todo o conteúdo levantado durante o debate.

2. Trabalhando no tridimensional Objetivos: Desenvolver a coordenação motora , exercitar a capacidade de modelar objetos, uma vez percebidos seu formato e cor, perceber a diferença de tamanhos dos objetos reais , adquirir primeiras noções de uma imagem tridimensional e bidimensional. Material usado: Massinha de modelar, papel cartão ou papelão para fazer a base da maquete. Desenvolvimento: Em segundo plano, nessa mesma obra, estão objetos no ar como aviões, balões, helicópteros, para-quedas, asas deltas etc. A proposta nessa etapa é que com o auxílio do professor, a criança possa modelar com massinha os objetos contidos na obra. Cada criança deverá escolher um objeto . Uma vez construídos segue-se com a proposta de montar um cenário ou uma maquete que permita visualizar os objetos no espaço tridimensional.

3. Despertando questões sobre o espaço e Incentivo à leitura

Objetivos: Incentivar a leitura, desenvolver e estimular a imaginação e criação por meio do desenho e pintura. Material usado: A reprodução da obra , tintas , pincéis, tela , papel ou outro suporte que o mediador tenha em mãos. Desenvolvimento: No terceiro plano está o céu estrelado onde vivem anjos, astronautas, constelações, etc. Trabalhar nesse ponto, a existência do espaço sideral. Qual a função de um foguete? Quem são os astronautas? E as estrelinhas? Será que é verdade, como diz na poesia de Cecília Meirelles que a estrelinha pisca me chamando? (ler a poesia para as crianças,) O que são as estrelinhas no imaginário de cada criança? Como imaginam as nuvens? São fofinhas como algodão? São geladas e cheias de chuva? No meio das nuvens

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existem plantinhas? Vamos pintar um céu ? Que cores usaríamos? O céu é sempre azul? Por que e quando ele muda de cor? Como desenhamos uma nuvem se nunca vi uma de pertinho? Eu consigo imaginar para depois desenhar? Quem já andou de avião? Lá de cima é possível ver como são as nuvenzinhas? O que mais eu poderia pintar e desenhar no céu? De onde vem a chuva? Quem gostaria de desenhar a chuva? ... Ao final todos teriam suas obras expostas e é claro, novos debates surgiriam.

4. Construindo uma história Objetivos: Despertar a fantasia, propiciar interação entre as crianças, diálogo e noção de tempo. Material usado: A história deverá ser escrita pela professora, pois as crianças provavelmente não terão ainda capacidade para escrevê-la sozinhas, portanto o material usado será somente caneta e papel. Desenvolvimento: Vamos criar uma história para a obra de Reuto? Era uma vez um navio grande que levava pessoas para o outro lado do mundo... A partir daí as crianças constroem o restante da história narrando individualmente sua fantasia. O mediador poderia auxiliar na construção da história levantando questões como: Quem estaria dentro do helicóptero? Quem seria o astronauta? Por que o super-homem está nesta cena? Estaria ali para ajudar alguém? Quem estaria precisando de ajuda? Seria a pessoa que se encontra no balão? É possível morar entre as nuvens? Quanto tempo se leva para chegar aos céus estando dentro de um foguete? Ele é rápido? Como terminaria essa história? Que tal construir um grande painel onde todos participassem da ilustração da história

5. Exercitando a sensibilidade para o invisível Objetivos: Desenvolver a sensibilidade a partir da reflexão sobre fenômenos e sentimentos que não vemos, possibilitar um primeiro contato com obras abstratas. Material usado: Reprodução da obra: A Era de Aquarius, lápis de cor e papel. Desenvolvimento: O mediador deverá perguntar o que cada símbolo na tela desperta em cada uma das crianças. Quando eu vejo um helicóptero do que eu me lembro? Quando eu vejo o trenó com o papai Noel eu me lembro de frio ou calor? Os pássaros voando me dão uma sensação de medo ou de liberdade? Os homens sabem voar ? E os balões? O que eles me lembram? Vamos desenhar no papel o vôo do pássaro? Pinte a cor do frio. O que existe dentro dos balões? Que cor tem o ar? Respirem fundo. O que entra nos meus pulmões? Por que quando respiro fundo eu não viro um balão? Vamos fingir que somos um balãozinho cheio de ar e circular pela sala? Agora vamos pintar? Vamos

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pintar o ar, o vôo dos pássaros, o frio e o calor e o movimento da hélice do helicóptero? Obras abstratas serão criadas e o professor numa outra oportunidade poderá trabalhar com o abstracionismo.

6. Jogo da memória. Objetivos: Trabalhar o vocabulário, estimular a memória e percepção. Material usado: A reprodução da obra A Era de Aquarius. Desenvolvimento: O mediador vai propor que as crianças observem a obra por alguns minutos , memorizando alguns desenhos contidos nela. Observem todas as figuras na obra: super-homem, navios, estrelas, foguetes, aviões, estátuas etc. Então, o mediador começará com a seguinte brincadeira: - Eu fui a São Paulo e comprei uma estátua (objeto contido na obra). A criança que continuará terá que dizer: Eu fui a São Paulo e comprei uma estátua e um navio. O seguinte participante dirá: eu fui a São Paulo, comprei uma estátua, um navio e uma sereia. E assim a brincadeira terá continuidade , valendo somente objetos que estejam na obra de arte sugerida, até que alguém erre a sequência ou esqueça de citar um objeto. Quem errar sai da brincadeira e o jogo recomeça.

7. Procurando o “Solzinho” Objetivos: estimular a percepção por meio de exercícios de observação. Material usado: o desenho de um sol pequeno em papelão , a reprodução da obra, giz de cera e folha branca de papel. Desenvolvimento: Em toda a obra existe uma série de objetos, porém, não existe o sol. Existem sim, girassóis. A sugestão é que a professora recorte o desenho de um sol e cole em alguma parte da imagem e pergunte as crianças onde está o sol? Elas, as crianças já estão há algum tempo trabalhando com essas imagens e vão curiosamente tentar se lembrar de onde estaria o “solzinho”. O primeiro ato é olhar para cima (no céu), mas o solzinho não se encontrará lá pois a professora estratégicamente escondeu-o por entre outros objetos. Assim que uma criança encontrá-lo a professora pedirá que fechem os olhinhos para que ela mude o sol de lugar e a brincadeira possa continuar. O mediador poderá nesse caso exercitar o porquê do sol não aparecer nessa obra. Seria noite? E os girassóis? Estariam representando o sol? Quem conhece um girassol? Por que ele tem esse nome? Vamos desenhar um sol e um girassol? Escolha um nome para o seu girassol. Poderá ser o nome do seu melhor amigo. Posteriormente o professor poderá trabalhar com as crianças as obras de Van Gogh.

8. Fazendo dobraduras

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“A dobradura é uma atividade que pode começar como uma simples forma de recreação e possibilitar a construção de objetos que fazem parte de nossos sonhos e imaginário”. Objetivos: desenvolver a coordenação motora e permitir o descobrimento da criatividade que está dentro da criança, pois a partir de uma dobra no papel, existe várias outras possibilidades de dobrar o papel criando novas formas. Material usado: Papéis coloridos no formato A4 Desenvolvimento: Vamos brincar de dobraduras? Quem sabe fazer um barquinho de papel? Vocês viram os navios na obra de arte do Reuto? Qual a diferença entre barco e navio? O que os navios carregam? Eles são pesados? Por que não afundam no mar? O mediador poderá então, realizar a confecção do barquinho de papel, deixando que a criança acompanhe o passo a passo e depois cada um poderá pintar seu barco nas cores preferidas. Se for possível sugiro que as crianças coloquem seus barquinhos na água. Poderá ser uma grande bacia ou várias bacias coloridas representando o mar. O fato das bacias serem coloridas e não todas azuis, possibilitará novas discussões sobre o mar ser “azul” .Um mar que não seja azul ?? Acredito que a partir daí surgirão novas questões que poderão ser exploradas futuramente, por exemplo: “No expressionismo existia um cavalo que era azul...” Dicas de reprodução de sons com o papel no teatro: • Sons de raios e trovões: balançar folha lisa no ar, com as duas mãos; para produzir tom de estalo, rasgar a folha de uma vez; • Ondas revoltas no mar: rasgar o papel em tiras. Sugestão de música durante a confecção do barco: A canoa virou, quem deixou ela virar? Foi por causa da morena que não soube remar. Siri prá cá, siri prá lá A morena é velha e não quer casar...

9. Recortes de revistas

Objetivo: Relacionar objetos da obra com os atuais, fazendo uma comparação na técnica utilizada pela revista que na grande maioria das vezes utiliza-se de fotos. Material usado: revistas, tesoura e cola. Desenvolvimento: A partir da análise da prancha, pedir às crianças que recorte de revistas (fotos) de todos os objetos que encontrarem parecidos ou iguais aos da obra. Discutirem posteriormente como estão coloridos, que cores foram usadas? Existem quais as diferenças de uma imagem para outra? Na revista que você recorta existe algum desenho? Qual a diferença entre um desenho, uma pintura e uma foto? Vamos fazer um painel de colagens com desenhos, pinturas e fotos?

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Referências MAE, Ana Barbosa. Arte/educação Contemporânea. São Paulo: Cortez, 2006 ________.Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2003 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental.

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Na Ciranda da Arte Capixaba: diálogos, brincadeiras de leitura de imagens Érika Sabino de Macêdo Mestre em Literatura e Semiótica/UFES Priscila de Souza Chisté Mestre em Educação/UFES

Introdução O homem, como ser simbólico, expressa-se através da arte em qualquer idade. A criança, em seu processo de formação e interação social, constrói paulatinamente conceitos a partir do complexo uso dos órgãos dos sentidos: no tato, apalpando, afagando, apertando; no paladar, degustando, rejeitando, provando; pelo olfato; pela audição e pela visão. A música, o desenho, a história, o jogo, a brincadeira, o aconchego do colo, a troca de olhares, entre outras mediações semióticas possibilitam as primeiras relações sistematizadas com a cultura a partir do contexto em que se encontra o sujeito. Os materiais visuais, sonoros, gestuais estão presentes no cotidiano da criança. Como formas expressivas e comunicativas favorecem o processo de socialização. Imagens são facilmente identificadas pelas crianças, expressões e gestos são rapidamente entendidos, ruídos são identificados. Da mesma maneira, linhas, formas, bi e tridimensionais, cores, volumes, luz e texturas passam gradativamente a serem apropriadas como elementos expressivos pela criança, seja no momento em que faz um rabisco no chão, no desenho que faz na parede ou na folha de papel. A expressão, com instrumentos e materiais visuais, sonoros e cênicos faz parte da vida da criança. Entendemos que a arte no contexto escolar visa introduzir a criança no universo da produção de arte e deve ser entendida, primeiramente, como um momento prazeroso de fruição, experimentação, conhecimento e expressão. Com crianças pequenas, com jovens ou adultos, em qualquer idade, a arte é o conteúdo do ensino da arte. Neste espaço, é importante possibilitar o contato com a produção na área, favorecer o julgamento do produto artístico e, é importante também, proporcionar a experiência com os materiais, com as técnicas e com a expressão particular de cada ser, com os conhecimentos que já possua. Ou seja, na educação infantil, não é preciso aprofundar uma análise histórica, social e cultural, mas é importante ampliar as referências da criança, oferecer opções novas para a expressão e construção e novas interpretações. A educação infantil é um espaço de crescentes pesquisas, especialmente voltadas à compreensão da criança como sujeito cultural e social. A escola, como espaço de formação, necessita redimensionar o trabalho educativo no sentido de buscar maior aproximação da produção cultural local com construção do conhecimento pela criança. Identificamos importante lacuna entre os materiais educativos destinados à educação infantil,

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no que se refere à cultura local. Sendo assim, apoiados nestas considerações iniciais, tomamos como princípio básico a necessidade de elaborar um material voltado ao trabalho educativo com crianças pequenas e assumimos no desenvolvimento desta pesquisa, o desafio de trazer para o espaço da educação infantil discussões sobre a produção artística capixaba, com especial atenção às Artes Visuais. É importante justificar aqui que privilegiamos expressões artísticas bidimensionais, pois se trata de material educativo voltado à Educação Infantil e compreendemos que a reprodução fotográfica de obras tridimensionais implica na distorção do objeto, fato este que prejudicaria a leitura e a compreensão visual das imagens que seriam apresentadas. Ainda em relação aos objetivos deste presente estudo, podemos dizer que ao elaborar e publicar este material didático voltado à educação infantil, buscamos favorecer projetos pedagógicos que resgatem identidades e otimizem propostas educativas voltadas à valorização da cultura local. Com isto, pretendemos estabelecer uma mediação pedagógica entre a produção artística capixaba e a leitura de imagens por crianças pequenas em espaços educativos da educação infantil. Procuramos também, através dos textos contidos neste material, produzir conhecimento e estimular a discussão no campo do ensino da arte para crianças pequenas.

O processo de criação do material educativo: os eixos norteadores Ao criarmos este material educativo buscamos estabelecer uma relação mais próxima entre a arte capixaba, o professor e, em especial, a criança pequena. Procuramos ver esta criança como parte de uma cultura, ou seja, como ser social, individual e coletivo. Por este motivo, procuramos colocá-la em diálogo com as produções culturais que ocorrem ao seu redor, para que ela possa, no momento em que entra em contato com estas manifestações interagir, conhecer, reler, reconstruir estes eventos, formando assim sua história, seu repertório, seu percurso em um processo contínuo e significativo. Acreditamos que a criança na Educação Infantil deva ser cuidada, deva ser estimulada no brincar, mas ao mesmo tempo, deva construir conhecimentos. Este pensamento foi a base que norteou nossas ações no processo de criação deste material educativo, desta forma acreditamos que seja interessante apontarmos aqui algumas idéias que surgiram no desenvolvimento desta pesquisa e que se tornaram aos poucos os seus eixos norteadores. A primeira idéia impulsionadora das nossas ações no sentido de criar esse material se refere à produção cultural destinada à criança. Nos diálogos estabelecidos entre teorias e pesquisadores ficam demonstradas a necessidade e a preocupação em dedicar maior atenção à produção televisiva para crianças, aos filmes infantis, aos brinquedos, à literatura infantil, às peças de teatro, entre outros produtos. Entre as discussões sobre os processos educativos implicados no consumo desses produtos, destacam-se os impactos sobre o imaginário infantil. Decorre daí, nossa primeira temática na abordagem desse material educativo: introduzir reflexões sobre o imaginário infantil estabelecendo uma interface com a produção artística capixaba.

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Além disso, outras temáticas bastante recorrentes nas pesquisas sobre a infância referem-se ao brinquedo e às narrativas como artefatos culturais basilares ao fazer lúdico e à construção do conhecimento na infância. Assim, a eleição desses outros dois eixos temáticos na construção desse material educativo apresentou-se como essencial. A quarta idéia norteadora desse processo se refere às nossas investigações anteriores sobre o grande impacto das imagens na formação da criança. Compreendemos que a criança precisa ser desafiada a ver imagens que proponham um novo olhar. Torna-se um desafio ao professor propor a leitura de imagens que superem uma cultura cotidiana de consumo de imagens a partir de um olhar superficial e/ou massificado. Ou seja, o professor precisa desenvolver práticas reflexivas sobre a produção imagética contemporânea. Dessa forma, compreendemos que é igualmente fundamental abordar elementos da composição plástica para provocar um exercício reflexivo sobre linha e cor na produção das imagens artísticas. Assim, ao mesmo tempo em que discutíamos aspectos teóricos sobre a infância e sua expressão cultural, colocávamo-nos em diálogo com a arte capixaba, buscando aproximações entre obras de arte e os eixos temáticos, numa construção que passava da teoria à empiria e da empiria à teoria em fluxo contínuo. A seleção das imagens representou um desafio em particular, visto que contamos com grande produção de artistas em contexto capixaba. Tarefa árdua dentro de um universo tão amplo. Mas, olhamos para esse universo de imagens possíveis através de critérios inicialmente estabelecidos no projeto: as imagens deveriam ser representativas do contexto capixaba de produção de arte e deveriam ser apresentadas de forma bidimensional, ou seja, desenho, pintura, gravura, fotografia e pintura mural. Em seguida, buscamos nos artistas e em suas produções temáticas modos de produção que de alguma forma dialogassem com os eixos temáticos citados anteriormente. Assim, criamos uma rota, um caminho possível para a estrutura do material que se apresentou a partir desses cinco eixos temáticos e através dos cinco artistas escolhidos: A Criança e o Imaginário – Eduardo Cozendey; A Criança e a Narrativa – Walter Assis; A Criança e a Cor – Raphael Samú; A Criança e a Linha – César Cola; A Criança e a Brincadeira – Ângela Gomes.

A estrutura do material educativo: percursos, criações, histórias, idéias e leituras Com esse trajeto a ser percorrido, nossas idéias aos poucos se transformaram em ações: entrevistas, visitas aos ateliês e pesquisas. Em seguida, nossas idéias e nossas ações foram se materializando em palavras: textos foram criados, retomados, transformados; histórias inventadas, re-inventadas, modificadas; propostas interventivas foram elaboradas, discutidas e alteradas. Sob esse prisma, no percurso de criação desse material ainda surgiram novas idéias. A primeira se refere à estrutura do trabalho. Não queríamos colocar os artistas em compartimentos fechados, em fronteiras temáticas que pudessem

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limitar sua leitura; por isso pensamos em elaborar propostas de diálogos entre as obras e as temáticas nas quais se encontram esses artistas pesquisados. Isso se torna essencial, pois sabemos que a imagem de Ângela Gomes não é feita só de brincadeira; César Cola não criou suas imagens somente através das linhas; não enxergamos somente cores na obra de Raphael Samú; o painel de Assis envolve mais que uma narrativa; e, Eduardo Cozendey não provoca somente nosso imaginário com suas imagens. Uma segunda idéia diz respeito à elaboração de textos literários para cada uma das unidades temáticas. Dessa forma, além de promover o diálogo entre as imagens artísticas e destas com as crianças, esse material procura também interagir com outras linguagens, no caso a literatura. A partir destas idéias e discussões decidimos por uma estrutura do material que será detalhado a seguir. Cada capítulo é dedicado a um artista e ao seu eixo norteador, apresentando em seu desenvolvimento os seguintes tópicos: 1) A apresentação inicial do artista para introduzir o capítulo 2) “Uma história de criança” – relato do artista sobre fatos de sua infância 3) O percurso artístico – síntese da trajetória profissional 4) O processo de criação – texto e relatos sobre como ocorre este processo 5) Identidade e assinatura – texto que apresenta as características do trabalho do artista 6) A imagem – texto que apresenta uma leitura possível de uma obra do artista 7) Propostas e idéias – texto que apresenta discussões teóricas sobre a temática abordada no capítulo, sugestões de projetos para serem realizados em sala de aula utilizando as obras do artista pesquisado e textos literários relacionados com as propostas apresentadas. O capítulo final, denominado “Uma ciranda de imagens: o diálogo entre as obras” assume a função de finalizar a pesquisa promovendo e estabelecendo as possíveis ligações entre os trabalhos artísticos dos cinco artistas pesquisados. Este diálogo entre as obras é analisado através da observação de aspectos específicos da linguagem artística, como por exemplo, a figura humana, o ponto de vista, a composição, a cor, a linha, bem como aspectos relacionados aos eixos norteadores da pesquisa apontados anteriormente: o imaginário, a brincadeira e a narrativa. Finalmente é importante destacar aqui que o material educativo proposto nesta pesquisa apresenta em anexo dez (10) imagens em formato A4 das obras de arte dos artistas pesquisados, facilitando assim, a utilização do material em sala de aula e promovendo o contato destas imagens com as crianças. Esperamos assim que a explicitação do percurso que nos guiou na criação desse trabalho, estimule assim a criação de novas rotas, outros caminhos e leituras possíveis dentro desse material e de forma mais ampla, no ensino da arte.

Resultados 1. Do material publicado

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Levando em consideração resultados pretendidos no projeto e a partir de uma apresentação prévia ocorrida no I Seminário de Educação Física e Artes Visuais nos CMEIS da SEME/PMV, podemos avaliar que: a) O projeto alcançou a meta de elaboração de proposta educativa voltada aos espaços de educação infantil no município de Vitória, contemplando o uso de imagens da cultura local. b) O material cumpre os objetivos de colaborar na otimização de projetos de ensino da arte que valorizem a arte produzida no contexto local e proporcionem imagens de qualidade na educação infantil. c) O trabalho agregou e fortaleceu parcerias entre professores, pesquisador e artistas, ao mesmo tempo em que reforçou a necessidade de colaboração entre a Secretaria de Educação de Vitória e a Universidade Federal do Espírito Santo, na perspectiva de maior articulação entre pesquisa e ensino; d) A disponibilização/socialização do material educativo de arte na educação infantil, regionalizado e de qualidade, representou importante contribuição para o planejamento e as práticas de ensino nos Centros Municipais de Educação Infantil de Vitória/Secretaria de Educação, conforme relato dos professores no I Seminário de Educação Física e Artes Visuais nos CMEIS da SEME/PMV.

2. Da divulgação e distribuição do material Após sua publicação o material foi entregue às diretoras das Escolas Municipais da Prefeitura de Vitória de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, sendo necessário assim viabilizar uma forma de promover, estimular e orientar sua utilização em sala de aula. Portanto, foi criado um Projeto de Extensão Universitária na UFES que teve como objetivo a organização de um curso de Formação Continuada de Professores denominado “Na ciranda da arte capixaba: diálogos, brincadeiras e leitura de imagens”. Esta formação contou com a seguinte equipe de professores formadores: Profª. Drª Gerda M. S. Foerste (coordenação), Profª Ms. Érika Sabino de Macedo (coordenação), Profª Fernanda Camargo, Profª. Myriam Pestana e Profª. Rosiane dos Santos Paiva. Formada a equipe, foi elaborada a programação do curso: 1) Dia 04/10/08 9:00h – Chegada e apresentação do material educativo “Na ciranda da Arte Capixaba” 10:00h – Encontro com os artistas Raphael Samú e Walter Assis 11:30 – Almoço 13:30 – Oficinas temáticas: cor, linha, narrativa, brincadeira e imaginário; discussão sobre as possibilidades de utilização do livro em sala de aula. 2) Dias 06/10/08 – 17/10/08 Atividades não-presenciais: utilização do material educativo em sala de aula Elaboração de um relatório de atividades apresentando o registro dos

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projetos realizados na escola. 3) Dia 18/10/08 9:00 – Encontro com os artistas: Eduardo Cozendey, César Cola e Ângela Gomes 10:30 – Discussão em grupo para preparação das apresentações 11:30 – Almoço 13:30 – Apresentações dos relatórios de atividades O curso contou com a participação de 89 professores e como programado, no dia 04 de outubro, pela manhã, foi feita uma palestra de apresentação do conteúdo e do processo de criação do material pelas autoras do livro. Em seguida foi promovido um encontro com dois dos artistas envolvidos no material: Raphael Samú e Walter Assis. Estes iniciaram as palestras apresentando informações sobre seus respectivos percursos artísticos. Os professores também participaram deste momento com perguntas sobre as obras que faziam parte do material educativo. Na parte da tarde, foi dada continuidade ao curso através de cinco Oficinas Temáticas planejadas e criadas pelas coordenadoras e professoras formadoras envolvidas no projeto. Cada oficina trabalhava um dos cinco aspectos abordados pelo conteúdo do material educativo. A seguir uma descrição mais detalhada da proposta de cada oficina: 1) A criança e a brincadeira: um diálogo com Ângela Gomes: - exploração do material educativo - contextualização da obra da artista - leitura da obra: discussão sobre aspectos formais e do conteúdo - discussão sobre a temática: as brincadeiras no espaço escolar - produção: brincadeiras de roda e elaboração de livros com cantigas de roda - planejamento para atividade não-presencial 2) A criança e a cor: um diálogo com Raphael Samú - apresentação e discussão sobre as obras do artista - discussão sobre a cor e leitura de textos relacionados a este aspecto - elaboração de um painel utilizando o conteúdo das discussões sobre a obra - apresentação dos trabalhos - planejamento para atividade não-presencial 3) A criança e a narrativa: um diálogo com Walter Assis - dinâmica: “brincadeira do telefone sem fio” - Quem conta um conto aumenta um ponto. - exposição oral sobre os conceitos de Walter Benjamim sobre a narrativa - Dinâmica sobre narrativas: cada participante pegava um bicho de pelúcia dentro de uma mala e contava uma história que deveria se relacionar com a história do participante anterior. - produção: elaboração de uma colcha de retalhos com narrativas - planejamento para atividade não-presencial 4) A criança e o imaginário: um diálogo com Eduardo Cozendey - leitura e discussão sobre a obra do artista

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- discussão sobre arte/educação e as tecnologias - leitura do depoimento do artista sobre seu processo de criação - produção: intervenção e modificação em imagens da mídia - planejamento para atividade não-presencial 5) A criança e a linha: um diálogo com César Cola - leitura e discussão sobre a obra do artista - levantamento em grupo sobre os aspectos recorrentes das imagens do artista - leitura da história apresentada no material educativo: “A linha que vivia sozinha” - produção: criação de um painel para ilustrar a história lida utilizando dois aspectos marcantes da obra do artista: simplificação da forma e mistura de materiais. - planejamento para atividade não-presencial No desenvolvimento das cinco oficinas foi observado um grande envolvimento e participação dos professores inscritos. No final deste dia, as produções elaboradas nas oficinas foram guardadas para posterior exposição. A continuidade do curso ocorreu nos quinze dias seguintes, de forma não presencial, ou seja, o último item de cada oficina foi proposto visando o planejamento das atividades que seriam desenvolvidas posteriormente em suas respectivas escolas. No dia 18 de outubro o curso teve início com a presença de outros dois artistas abordados pelo material educativo: Ângela Gomes e Eduardo Cozendey. O envolvimento e a participação dos professores neste momento foram ainda maiores que no encontro anterior. As discussões envolveram o ensino da arte, a formação dos professores, além da obra dos artistas presentes. Em seguida os grupos formados nas oficinas se reuniram para discussão e fechamento das apresentações dos projetos desenvolvidos em sala de aula. As apresentações dos trabalhos e a troca de idéias geradas foram interessantes e enriquecedoras tanto para os professores participantes quanto para os coordenadores e professores formadores do curso. No final do curso, foi realizada uma pesquisa para avaliarmos a proposta e desenvolvimento do curso e do material educativo junto aos participantes deste encontro. Esta enquête foi realizada em grupo de 3 a 5 pessoas, totalizando 12 formulários respondidos. O conteúdo deste instrumento de pesquisa foi dividido em duas partes, a primeira era sobre o curso de formação e a segunda sobre o material educativo, em ambas as partes foram apresentadas as seguintes questões: 1) O que mais gostou? 2) O que você precisa saber mais sobre os assuntos abordados? 3) O que poderia ter sido melhor? Analisando o resultado desta enquête podemos destacar os seguintes aspectos apontados pelos professores participantes: - A divulgação dos artistas capixabas e da cultura local e o espaço promovido para discussões e troca de experiências foi apontado como o aspecto mais positivo proporcionado pelo Curso de Formação Continuada de professores: Na ciranda da arte capixaba: diálogos, brincadeiras e leitura de imagens.

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- Os professores sentiram falta de informações mais detalhadas e precisas de onde encontrar as obras dos artistas. Sugeriram também que fossem estabelecidos diálogos destes artistas abordados pelo material com outras obras. - Os professores apontaram como pontos negativos o curto tempo das oficinas e do prazo para aplicação do projeto em sala de aula. - Sugeriram a criação de um meio digital para promover a troca de experiências entre os participantes. E ainda sugeriram a organização de outros encontros. - Alguns professores reclamaram da “conversa paralela” no auditório no momento da apresentação dos artistas. Com relação ao material educativo “Na ciranda da arte capixaba: diálogos, brincadeiras e leitura de imagens” os aspectos positivos apontados foram a diversidade de propostas encontradas em seu conteúdo; a valorização da cultura local; e a liberdade das propostas educativas. O principal aspecto negativo destacado pelos participantes foi a não disponibilidade comercial do material, além de sugestões como a ampliação para tamanho A3 das reproduções para a melhor utilização em sala de aula. A leitura dos relatórios de atividades entregues pelos professores apresentou-se também como um interessante instrumento de análise para esta pesquisa. Eis alguns dados importantes levantados: 1) Dos 89 professores inscritos somente 33 apresentaram o relatório, o que totalizou 20 trabalhos apresentados (alguns trabalhos foram feitos em grupo). Embora os participantes tenham reclamado da data das atividades não-presenciais coincidirem com a programação da semana da criança, prejudicando assim o desenvolvimento das atividades em sala de aula, podemos dizer que estes dados apontam para uma falta de envolvimento e participação dos professores, visto que somente 28% apresentaram os relatórios solicitados. 2) Com relação ao conteúdo das atividades realizadas pelos professores em sala de aula, observamos que dos 20 trabalhos apresentados, 13 trabalharam com a imagem do artista. Para um curso de formação que tinha como proposta principal a divulgação e a utilização da produção imagética capixaba na escola, podemos dizer que não atingimos completamente nosso objetivo. 3) Percebemos que cada oficina proporcionou um aspecto específico de abordagem em sala de aula. Os trabalhos que tinham como proposta a narrativa e imagens de Walter Assis, estimularam a elaboração e a produção de projetos mais subjetivos e partiam sempre da experiência trazida do próprio aluno. Os trabalhos relacionados com a obra da Ângela Gomes que abordavam a temática da brincadeira tiveram como propostas as atividades que mais se afastaram da observação e discussão da imagem. A maioria dos trabalhos teve como foco as cantigas de roda e sua posterior ilustração, sem estabelecer um diálogo com a imagem da artista. Nos relatórios de atividades que trabalharam com o aspecto do imaginário na obra de Eduardo Cozendey, percebemos que o conteúdo dos trabalhos apresentados se relacionavam com a questão da exploração das novas tecnologias e não necessariamente

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com o imaginário. O aspecto da linha trabalhado na obra de César Cola provocou a criação de atividades relacionadas à técnica, como a cor, a linha e a composição. Este aspecto também foi observado nos trabalhos que utilizaram a obra de Raphael Samú e seu diálogo com a cor.

Considerações finais Desta forma, podemos concluir destacando que o curso promovido além de estimular e promover a utilização do material educativo em sala de aula, promoveu discussões e a troca de experiências, ampliou conhecimentos e estimulou seus autores a desenvolver outras pesquisas relacionadas ao tema para dar continuidade a este projeto. Além disso, percebemos que é necessário que promovam outros encontros para discussão da questão da utilização da imagem em sala de aula. A organização deste evento foi importante, pois percebemos a necessidade de trazer para o espaço da educação infantil discussões sobre a produção artística capixaba. Estas discussões tiveram como objeto de estudo e avaliação o material educativo elaborado e distribuído a todos os Centros de Educação Infantil e Escolas de Ensino Fundamental de Vitória da PMV, possibilitando assim a compreensão e vivência das propostas educativas abordadas no material educativo em questão, buscando suscitar reflexões sobre a produção em arte e seu ensino.

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Mapas Mentais e Paisagens: entre desenhos e narrativas Fátima Nader Simões Cerqueira Mestranda em Artes/UFES O foco em um ponto da cidade, no centro de Vitória (ES), tem como objeto de análise o Parque Moscoso, que abriga dois monumentos tombados do Estado, construídos na década de 50: a Concha Acústica e o Jardim de Infância Ernestina Pessoa, projetados pelo arquiteto Francisco Bolonha. O recorte para este estudo do parque na paisagem urbana, utiliza o pensamento de Lynch (1989; 1999), a fim de verificar a “legibilidade” ou qualidade da imagem visual junto a seus usuários, adultos e crianças, por meio de entrevistas informais, questionários, mapas mentais e fotografias. Entre a conservação da paisagem e o desenvolvimento, as estratégias e as orientações devem apreender suas espessuras, suas histórias, e permitir a proteção e o reconhecimento dos bens culturais e simbólicos oferecidos pela cidade. Fragmento de uma análise mais ampla, realizada em 2008, que incluiu a pesquisa histórica, desde o aterro da área, suas reformas e intervenções, até a verificação da modificação de sua visibilidade ao longo de diversos tempos, por meio da comparação de seus cones visuais entre fotografias antigas e recentes, este recorte apresenta as referencias que o parque tem hoje para seus usuários – estes não se restringem aos moradores do entorno –, e recebe visitantes vindos de municípios vizinhos, como Cariacica e Viana. Da representação do sítio pelos usuários nos mapas e desenhos, surge ainda a problemática diante do cruzamento das noções discutidas por Luquet (1969) e Bataille (1930, apud DIDI-HUBERMAN, 2006), que desenvolveremos frente aos registros visuais dos usuários do parque, no que se refere ao “realismo intelectual”, por crianças entre 7 a 8 anos de idade, e o “realismo visual”dos adultos. Luquet afirma que as crianças desta faixa etária desenham não o que estão vendo, mas tudo o que pode estar a sua volta, ao modo de uma compulsão gráfica, e opõe, formal e hierarquicamente, a representação infantil ao ‘realismo visual’ dos adultos, fundado na perspectiva, para o qual a criança, a seu ver, não está apta, mas se desenvolve rumo a esse domínio. Bataille, por sua vez, observa que as crianças não desejam se restringir a uma representação visual, já que aproximam sua representação do objeto pela narrativa, em um jogo que faz, refaz e desfaz o desenho, em um movimento de manipulação, alteração e desvio das formas, que não se restringe a um período da infância, mas permanece presente por toda a vida adulta. À luz de Luquet e Bataille, iremos analisar, posteriormente, algumas contribuições e questionamentos que as imagens feitas pelos entrevistados trazem ao estudo do processo de representação de mapas mentais e

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desenhos, por crianças e adultos. Sendo assim, a produção de desenhos, mapas mentais, fotografias, entrevistas orais informais e questionários realizados entre os usuários do parque se relacionam, em um segundo momento, à análise dos desenhos, prosseguindo na pesquisa dos sentidos simbólicos do parque nos dias atuais. A cidade, segundo Peixoto (2004), não se apresenta mais como nas pinturas inglesas de paisagens do século XIX, entre horizontes longínquos, como janelas em que se descortinavam o mundo, diante de um olhar que fazia sua leitura sem grandes interrupções, em um espaço instaurado por profundidades sucessivas. Ao contrário, a paisagem, que vemos nas cidades hoje, perde o foco no horizonte sem fim, transborda e alarga os limites do olhar dentro do que damos conta de ver em determinado instante: um recorte saturado de informações em placas, trânsito, outdoors, fiações, grades, prédios, num panorama talvez salpicado por monumentos e algumas partes de céu, sobrepostos e justapostos ao olhar. Imagens que, de tão articuladas e sobrepostas, parecem fragmentos de histórias e memórias que colocam a questão do tempo como possibilidade de entrelaçar diferentes paisagens em uma mesma cidade, em um mesmo bairro, em torno de apenas um parque, uma praça, uma escola. A relação com a paisagem, presente nas imagens da história da arte ocidental, nas intervenções da arte no espaço urbano contemporâneo e nas possíveis práticas relacionadas à valorização e proteção das edificações tombadas como Patrimônio Cultural do Estado, a fim de preservar memórias e histórias, continua sendo importante para a conservação da paisagem cultural. Ocupando uma área de 24.142 m², o Parque Moscoso possui hoje quatro portões de acesso: Av. República, Av. Cleto Nunes, Rua Pe. José de Anchieta e Rua Vinte e Três de Maio. Com sua topografia plana, o parque protege os usuários da proximidade com o trânsito, e integra, visualmente, seu interior com o entorno imediato. O grande lago ainda abriga as pequenas esculturas em forma de sapos, e os caminhos sinuosos continuam a encantar as crianças que circulam entre patos e gansos. No fim da tarde, as fontes iluminadas remetem a um tempo passado renovado na construção cotidiana de novas vivências e memórias recentes. Não sendo nosso principal objeto em questão, um pouco de sua história tem aqui apenas a função de ajustar a memória e relembrar o contexto em que se deu e se encontra, recentemente, sua paisagem. O Parque Moscoso era denominado Lapa do Mangal, uma região alagada, que aos poucos foi sendo aterrada. A região, mais tarde Campinho, demarcava um extremo da cidade (ELTON, 1986), tendo como outro limite, a base do Forte São João, próximo ao Penedo. A iniciativa de aterrar toda a área do Campinho se deu por volta de 1888, com Dr. Henrique Moscoso, então presidente da província. No mesmo ano, o aterro recebeu a Fonte dos Cavalos ainda hoje presente no Parque. O projeto de um grande jardim para a área foi iniciado somente em 1910 por Paulo Motta Teixeira, autodidata, que desenhou um jardim aberto, de

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estilo eclético, cortado por duas alamedas principais: uma perpendicular à Av. República em direção à R. Marcos de Azevedo, e outra, diagonal, que recebeu o nome do projetista, ligando a Av. Cleto Nunes à R. Pe. José de Anchieta. Inaugurado em 19 de maio de 1912, o Parque trouxe uma idéia de modernidade à antiga cidade de traços coloniais. Com o passar do tempo, o Parque sofreu intervenções que descaracterizaram parte de seu projeto original. A primeira grande intervenção se deu com a construção, em 1952, da Concha Acústica e do Jardim de Infância Ernestina Pessoa. A Concha Acústica, raro exemplar no Brasil, local para espetáculos, foi construída em concreto sobre um espelho d’água e composta por bancos em alvenaria. Sua forma ornamental semelhante às conchas do mar se integra e se aproxima da mimese presente na concepção de outros elementos do parque, como as fontes-sapo, os guarda-corpos das pontes, com texturas que imitam troncos de árvores à volta do lago, além da “ruína neoclássica”, que foi construída e implantada ao modo de uma ruína, simbolizando a concepção original de ambientação eclética do parque. O Jardim de Infância Ernestina Pessoa foi projetado e construído como um bloco único, composto por uma sala de música, cinco salas de aula com acesso direto ao pátio, um refeitório, sanitários e parque infantil. No muro interno e em parte da fachada frontal, foram instalados mosaicos, criados por Anísio Medeiros, feitos de pastilhas vitrificadas. A área do Parque, então nobre, se manteve assim até os anos 60, quando a migração da população para outros bairros mais novos foi provocada, entre outros fatores, pela infra-estrutura de novos espaços planejados que surgiram na cidade, o que incidirá mais tarde, na queda de um padrão econômico da região. Em 1973, foi realizada a segunda intervenção, com a inclusão de relevos artificiais no chão, muro com grades, Capela Ecumênica, quadra de esportes, sede administrativa, sanitários públicos, chalés para animais, brinquedos mecanizados, balanços, escorregadores, gangorras, roletas para a cobrança de ingressos para o parque e outras descaracterizações, como a mudança de local da fonte, a eliminação do coreto, do orquidário e de alguns canteiros. O Jardim de Infância, assim como a Concha Acústica, importantes exemplares da arquitetura modernista de meados do século XX, em 1986, foram inscritos como Patrimônio Tombado pelo Conselho Estadual de Cultura do Espírito Santo. A Concha possui inscrição no Livro de Belas Artes, nº 64, folha 16, bem como no Livro Histórico nº 29, folha 24, e o Jardim de Infância possui sua inscrição no Livro do Tombo Histórico sob o nº 175, folhas 29v e 30v. De 2000 a 2001, o Projeto de Requalificação do Parque, mantido até então, teve como objetivo resgatar partes do ambiente original, promovendo a visualização dos jardins, das alamedas, da ruína, da Concha Acústica e do Jardim de Infância, o qual passa a funcionar como Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) e abrigar a Escola da Ciência-Física. Entre construções, descaracterizações e resgates da paisagem inserida

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no meio urbano, abrigando dois monumentos e presente na memória de tantos, o sítio se constitui como um bem para a história da cidade. Mas qual a qualidade da imagem que o conjunto do Parque tem para seus usuários? A falta de divulgação de sua importância parece apontar em direção a um certo descaso, ignorando seu valor e sua morfologia como um bem cultural. O Parque Moscoso, apesar de não ser ele próprio tombado, mantém sua importância, não só para moradores como também para usuários de municípios vizinhos, além de receber a visita de turistas do interior do estado e de outros. Preservar o Parque é valorizar o contexto em que está inserido, a fim de manter viva sua memória e história, quanto às modificações da paisagem e suas permanências, entre o que foi “novo” e sua posterior decadência, vestígios de lembranças e visões que constroem uma cidade historiada, feita de camadas, como num sítio arqueológico. A Carta de Bagé ou Carta da Paisagem Cultural, de 18 de agosto de 2007, apresenta a definição de paisagem cultural brasileira, fundamentando-se na Constituição de 1980, segundo a qual o patrimônio cultural é formado tanto por bens de natureza material como de imaterial, incluindo edificações e conjuntos urbanos de valor histórico, paisagístico e artístico. Múltiplos meios e estratégias podem servir de ferramentas para verificar, junto a seus visitantes, a noção do parque como paisagem cultural, lugar histórico de interesse público, perecível e transformado, vivo e renovável, a fim de revelar uma multiplicidade de olhares e a manutenção dos vínculos sociais e afetivos ao lugar em determinado tempo. A investigação comparativa entre as fotografias de cunho histórico e as imagens recentes, desenhos e mapas mentais feitos por seus usuários habituais, o questionário realizado de modo informal, transmitido em vocabulário acessível, e o registro da narrativa dos entrevistados assim como a posterior análise das imagens integram um conjunto que compreende desde a representação de elementos percebidos (ou despercebidos) da paisagem à ampliação de uma observação de aspectos vivenciais. Sem entrar em análise da abrangência de cada metodologia, o que não é possível neste estudo, tal abordagem visa a uma noção inclusiva da imagem e dos sentidos que os usuários têm de tal espaço físico, sabendo, no entanto, se tratar de uma visão panorâmica inicial, a partir das trocas estabelecidas em torno do sítio. Na conceituação de Lynch (1999), o parque urbano, apreciado como local diário de lazer, tem como paradigma a paisagem inglesa, compondo uma paisagem visualmente bem cuidada, de texturas variadas com árvores no gramado, caminhos sinuosos, lagos, canteiros com arbustos e flores. A criação de espaços verdes em meio à malha urbana destina-se ao bem-estar, ao encontro social, a um convívio voltado ao brincar, caminhar, correr, jogar, sentar. Na paisagem urbana, o verde incorpora a idéia da paisagem natural inserida em meio à cidade. Assim como o conceito de parque, muitas das descrições do autor se mostraram pertinentes. A questão da “legibilidade”, da qualidade do ambiente, como resultado de um processo constante de interação entre o observador e o meio, demarcou o depoimento das pessoas entrevistadas,

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que mostraram, de modo não intencional, o quanto se identificam com o lugar. Lynch (1989) sugere que a cidade, como construção no espaço no decorrer do tempo, pode variar sua imagem de acordo com o observador, pois sofre interferências das lembranças, impressões e vivências que o indivíduo tem no contexto da cidade. No entanto, cada indivíduo, se agrupado em classes mais homogêneas, de acordo com critérios variados, como idade, sexo, contexto sociocultural e familiaridade com a paisagem, mantém um consenso diante do modelo do ambiente. Dessa forma, a imagem mental que os usuários têm do parque, demonstraria a qualidade da imagem que o usuário retém do ambiente. O parque percebido e imaginável de cada um, por meio dos registros gráficos e observações orais, trouxe os entrevistados para uma posição mais ativa, tornando visível o uso pessoal (utiliza-se as alamedas para cortar caminho, utiliza-se para lazer das crianças, ou para tomar sol, etc.). Os limites do bairro, próximos à área portuária, fazem divisa com a Vila Rubim e os morros Santa Clara, do Moscoso, além do Centro. No entanto, os limites mais apontados nas entrevistas, foram, por vezes, confundidos com marcos referenciais que, visualmente, quebram a continuidade com os bairros vizinhos, como o Posto de Saúde, o viaduto Caramuru e a antiga Faculdade de Farmácia e Bioquímica do Espírito Santo/ FAFABES. A visualização externa do Parque a partir de outros monumentos históricos próximos, presentes na Cidade Alta, e da área portuária, quase não é mais possível, pois a barreira arquitetônica dificulta ou impede a clareza da identificação. O entorno ainda é muito deficiente de informações e, mesmo internamente, poucos painéis em acrílico, danificados, fazem a comunicação visual em relação ao mapeamento das áreas internas, mas não informam sobre o valor patrimonial e histórico. A baixa legibilidade dos marcos internos para os usuários, que se lembram mais da fonte e do parquinho infantil que dos monumentos, indica como a Escola Ernestina Pessoa e a Concha Acústica ainda podem ter suas importâncias divulgadas e reconhecidas pelos usuários. Entre os dois monumentos, a Concha ainda é mais reconhecida, por seu próprio uso de apresentações esporádicas de música, teatro, capoeira, entre outros, do que a Escola que tem sua entrada voltada para a rua Pe. José de Anchieta e recebe um público maior de estudantes. Em contraste com o desconhecimento de seu valor histórico e cultural, principalmente, para os que não são moradores da região, foi possível notar que o Parque continua sendo propício ao lazer e ao descanso, em áreas bem equilibradas, ensolaradas e sombreadas, possuindo alto valor afetivo para seus usuários. Assim, o cenário desse parque urbano se integra ao bairro junto a uma idéia de jardim, um intervalo em meio ao trânsito das avenidas que levam aos outros municípios. Espaço coletivo que integra, ao mesmo tempo em que se diferencia da cidade, o lugar possui individualidade: único exemplar na região, traz sentidos de ordem prática, como sua localização, junto a outros de ordem emocional para o observador, que sempre tem histórias a contar de

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momentos vividos, seja na atualidade ou na infância em suas visitas ao parque. Assim como Kevin Lynch afirma que o significado de uma cidade é variável, a ponto de não ser possível separar o significado da forma, muitas pessoas entrevistadas tem, vívidos na memória, lembranças de elementos que compunham o parque no passado e não estão mais presentes, como as presenças do leão, dos jacarés, da preguiça e até o coreto. Quanto à avaliação de aspectos ambientais, nenhum dos entrevistados se queixou de ruídos, da qualidade do ar e da intensidade do tráfego como fatores que interferem, negativamente, no parque, pois a área verde é intensa, criando um lugar diferenciado do entorno. À volta do parque, a poluição visual por placas e anúncios coloridos e a presença do mercado ambulante com a apropriação dos gradis prejudicam a leitura, ora do interior do parque para o exterior, ora para seu contrário, dificultando o cuidado com a imagem simbólica e histórica, que poderiam servir de identificadores do espaço. No entanto, o Parque ainda permanece mantendo sua importância. As reflexões sobre a constituição material do parque entrelaçadas à investigação dos sentidos que pode ainda ter para usuários, são vestígios que reforçam a competência de pensar as trocas entre a materialidade, a visualidade e o simbólico. Não se trata de desenvolver um modelo teórico, nem de realizar um levantamento histórico, mas de figurar uma função crítica frente ao patrimônio de uma cidade. Nesse panorama, os desenhos que alguns entrevistados, timidamente fizeram, foram de grande importância para o conhecimento das partes mais frequentadas e valorizadas do parque por seus usuários, quando solicitados a ilustrar o espaço do Parque, seus percursos habituais e seu(s) local (is) de permanência, como os bancos sombreados, a área destinada aos jogos de tabuleiro e aos brinquedos infantis. De modo geral, observamos que as formas sinuosas dos jardins não foram apreendidas pelos usuários, que representaram mais as árvores, debaixo das quais se protegem do sol enquanto conversam, descansam ou esperam as crianças no parquinho. Dos desenhos apresentados, foi comum a inibição natural em fazer o registro gráfico, mas a disponibilidade em conversar sobre a importância do lugar em suas vidas e até mesmo sugerir melhorias. A figura 1 (Márcio, morador de Santo Antonio, 43 anos) apresenta alguns dos elementos internos do Parque organizados espacialmente, sem estarem delimitados em seu contorno, apenas destacando como via principal a Avenida Cleto Nunes, por ser a entrada de costume do usuário. Em nenhum momento, buscou apresentar um desenho naturalista que imitasse as formas presentes no local, porém desejou indicar, complementando com a fala e as palavras registradas, a localização do que considerava mais importante, como a entrada que utiliza, pela avenida citada, a área verde em torno do lago, a Concha Acústica, a quadra esportiva, o parquinho, os banheiros e a lanchonete, não necessariamente nessa ordem. Na figura 2, a representação do quarteirão do parque, do chão e da árvore maior, feita por Luzia (auxiliar de serviços domésticos, 35 anos) e dos balanços, da borboleta, do sol e das árvores menores, por sua filha

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Gabrielly (8 anos), moradores de Cariacica, também não faz distinção entre alamedas, jardins, mas demonstra maior afinidade com os balanços e as árvores da área sombreada do parquinho infantil. Há referência apenas ao caminho como a linha de base tracejada no chão. A composição da dupla não se dá de forma desordenada, mas corresponde ao uso e ao valor do parque na vida dessa família, que contava sobre os piqueniques que costumavam fazer no local, enquanto desenhavam. Uma de cada vez complementou o desenho com a narrativa, descrevendo detalhes sobre os lugares preferidos, os lanches e episódios vividos no parque.

Figura 5: Mapa Mental (Márcio) Fonte: foto do Autor (2008)

Figura 6: Mapa Mental (Gabrielly e Luzia) Fonte: foto do Autor (2008)

Se representar para a criança dessa faixa etária não quer dizer somente buscar se assemelhar visualmente, entretanto, em uma ação simultânea, também ela pode aceitar o traço aleatório, a má forma e as tentativas que talvez produzam um papel amassado ou uma pluralidade de formas junto à narrativa de todo esse processo, esses desenhos para os adultos, foram sempre acompanhados de depoimentos e sugestões, como a observação de Fernando, morador de Viana, 38 anos, ao sugerir a inserção de brinquedos seguros para crianças menores de 10 anos e a implantação de ter canteiros com mais flores de cores sortidas (só havia flores vermelhas no parque). Quanto à análise da representação visual, propriamente dita, todos os adultos, não-artistas, contrariando as premissas de Luquet, utilizaram do mesmo procedimento que as crianças, pois desejavam comunicar sua vivência no ambiente junto aos seus esquemas visuais. Não houve desenhos que desejassem representar a perspectiva do lugar, nem nenhuma forma de representação com intenção naturalista. Espontaneamente, os desenhos, de modo geral, não se apresentaram como imagens duplas que têm a pretensão de substituir algo que está ausente, não desejaram um sentido de estreita dependência com a aparência, mas fizeram a passagem para um estado heterogêneo, evidenciando o processo de constituição de sentidos para o autor, fosse criança ou adulto. Os desenhos, feitos em momento e lugar inesperado, em solicitação a

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uma representação do ambiente do parque, revelaram o mal-estar para os adultos, de uma representação considerada por eles como precária, restrita a uma ação relegada a um tempo passado, a ser resgatada da infância. A função de conciliar o desenho à revelação de uma forma crítica foi feita sempre pelo encontro da imagem com a palavra, em maior aproximação ao procedimento revelado pelas crianças durante o “realismo intelectual” do que em relação ao “realismo visual”, em perspectiva, considerado por Luquet como próprio aos adultos. Desse modo, a representação de tempos simultâneos, os espaços fragmentados visualmente e unidos, através da narrativa e da oralidade, desejaram retomar ações decorridas, demonstrando uma significativa preocupação com a semelhança entre o par imagem-linguagem ou imagem-palavra. Afastando-se da visão hierarquizada de Luquet, os mapas mentais aplicados à investigação da representabilidade do Parque Moscoso revelaram uma aproximação com a compreensão da dialética das formas apontada por Bataille, em procedimentos semelhantes entre desenhos de crianças e de adultos, os quais estão além de uma oposição hierárquica e se inserem em um jogo de representar e ressignificar, que manipulam os processos miméticos mais do que se preocupam com alguma intenção de semelhança realista com a natureza, ao expor as passagens súbitas e complementares entre um pensamento visual e outro verbal, entre a imagem e a narrativa como eixos paralelos de reestruturação da obra. E então, o Parque traz um sentido de história, nas camadas da memória que integram o passado aos valores atuais, em uma idéia de tranquilidade e pausa, em meio ao centro urbano. Referências ACHIAMÉ, F. A. M.; BETTARELLO, F. A. B.; SANCHOTENE, F. L. Catálogo de Bens Culturais Tombados no Espírito Santo. Conselho Estadual de Cultura/UFES; Massao Ohno; s.i.d. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Catálogo de fotos. Vitória, 2008. BRASIL. Lei Federal n° 6.513, de 20 de dezembro de 1977. Brasília. [s.d.]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6513.htm. Acesso em: 20 jul. 2008. BRITTAIN, W. Lambert; LOWENFELD, Viktor. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1977. CERQUEIRA, Fátima Nader S. A infância da arte & desenhos infantis: desvios e alterações no processo de criação. In: IX Congresso Internacional da APCG, 9., 2008, Vitória. Processo de Criação e Interações: a crítica genética em debate nas artes, literatura e ensino. Belo Horizonte: Associação dos Pesquisadores em Crítica Genética, 2008. v.2, p.96 - 99 _______. Entre memórias e afetos: a imagem do Parque Moscoso. 2008. 36 f. Monografia (Mestrado em Arte) - Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. DERDYK, Edith. O desenho da figura humana. São Paulo: Scipione, 1990. DIDI-HUBERMAN, Georges. Pensamento por imagem, pensamento dialético, pen-

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As Aulas de Arte como Espaço de Estranhamento: O Processo de Criação e a (Des) Construção da Leitura de Imagens Fernanda Monteiro Barreto Camargo Universidade Federal do Espírito Santo/Centro de Educação/PPGE

O início da pesquisa A gênese desta idéia deu-se em 2006, quando comecei lecionar o ensino da Arte1 para crianças em séries iniciais (1ª à 4ª séries) do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Serra , e especificamente, neste projeto, alunos de 1ª séries, com idades entre 6 a 8 anos. No decorrer do ano, enquanto ministrava as aulas, percebi que, na maioria das vezes, meu trabalho, enquanto professora de arte e mediadora no processo de formação dos “pequenos” leitores de imagens através da “alfabetização imagética”2 ou melhor, alfabetização estético-visual, que segundo Foerste (2004, p.95) se dá pelo “contato do indivíduo com a obra de arte” e o prepara para o “entendimento do mundo que o cerca”, estava sendo embrionário, longe de atingir os objetivos que outrora tinham sido propostos tanto por mim quanto pelas as pedagogas, baseando-nos no PPP3 da escola. Isso porque os conceitos que eram construídos, ou pelo menos, iniciados nos 50 minutos de aulas-semanais, acabavam por serem desconstruídos no restante desta pela própria prática educativa utilizada nas séries iniciais, ou seja, pelos professores regentes, por livros, pelos painéis nos corredores, por outros materiais didáticos, e ainda pelas “interferências”. Uso este termo para fazer referência à mediação que será desenvolvida no decorrer do artigo, dos próprios alunos e pais, querendo sempre ver expostos as “mais lindas” atividades feitas por seus filhos. Contudo, um fator desencadeador aconteceu em uma das aulas de arte com uma turma de 1ª série, quando em determinado momento do desenvolvimento de um trabalho a professora da turma entrou em sala e acabou por interferir, e não mediar4, a produção de uma criança fazendo com que ela desistisse de sua idéia original e passasse a trabalhar “do mesmo jeito que a tia queria”. Naquele instante, passei a prestar mais atenção aos detalhes do ambiente escolar e seu entorno. Meu olhar buscou analisar quais eram as imagens recorrentes neste meio e como eram trabalhadas tanto nos Arte com inicial maiúscula refere-se à disciplina Arte- Educação O termo alfabetização imagética está relacionada à apreciação artística, compreendida com o leitura de imagem, constituída pela estética e pela crítica (BARBOSA, 1991, apud FOERSTE, 2004, p.95). 3 Projeto Político Pedagógico. 4 Segundo o dicionário Aurélio, mediar é um processo pacífico de acerto de conflitos, sendo que a solução é sugerida e não imposta às partes interessadas, e não foi o que aconteceu na aula. 5 Professores com formação em Pedagogia – Habilitados para lecionarem nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental 1 2

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horários das aulas de arte quanto no decorrer da semana, com professores regentes5, corpo docente e também, materiais didáticos expostos. Surgiu, então, um questionamento central que desencadeou a pesquisa: Como as imagens apresentadas às crianças em processo de alfabetização na escola influenciam em sua produção imagética? Neste processo, busco atingir as seguintes metas: (1) identificar quais imagens estão presentes nas salas de aulas e nos espaços de educação escolar; (2) proporcionar outras leituras de produções imagéticas; (3) analisar a produção gráfica dos alunos a partir da mediação das aulas de arte. Contudo antes de tentar atingir as metas estabelecidas, precisamos deixar bastante claro que por acreditar na educação como processo de parcerias, entendemos que ela ultrapassa os muros da escola. Iniciando com a formação do professor6 e seus saberes7, perpassa pelo sistema educacional e ultrapassa a própria escola, atingindo seu entorno, o meio de onde e onde a criança está inserida.

Discussões atuais: infâncias, imagens e estranhamento Durante o tempo de observação até o início da pesquisa, tive a oportunidade de estar em contato com diversos processos de produção imagético infantil, visto por diferentes angulações, não só, aluno-autor/ativo, alunoobservador/mediador, aluno passivo/expectador, mas também do professor/ mediador na (des)construção do conhecimento. Buscando delimitar o campo da pesquisa, defini então três palavraschaves para iniciar a busca: 1. Infância, entendemos por crianças, neste trabalho, aquelas estão nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental; 2. Imagem, como imagem, produção visual bidimensional, na sua relação com a arte e seu ensino. 3. Estranhamento, como estranhamento entendemos o processo de provocação a novos estímulos. Nesse caminho, busquei referência em autores que, através de suas pesquisas, viessem ao encontro dos mesmos pensamentos que estavam já há algum tempo direcionando meu olhar a ver com “outros olhos” a criança e sua construção/produção de conhecimento. Constatei que somente no início do ano 2000 que o Brasil passou a ser palco de alguns estudos importantes no meio acadêmico sobre a pesquisa com criança e suas infâncias, que passavam a dar visibilidade às crianças enquanto sujeito, tendo como carro-chefe as pesquisas da Sociologia da Infância e sua preocupação com a valorização das infâncias e das crianças 6 Refere-se à formação acadêmica que ainda entende a arte como disciplina complementar associada à outra disciplina e por isso não mantêm em sua estrutura curricular um espaço destinado aos professores-pedagogos, com conteúdo especifico de Arte de forma que possam adquirir conhecimentos necessários para lecionar ou até mesmo compreender a importância a Arte-educação no processo de formação integral da criança. 7 “Termo relacionado ao processo de formação do profissional, que segundo Pimenta” trata do resgatar e considerar o professor em sua própria formação, em um processo de autoformação de re-elaboração dos saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada” (PIMENTA,1999, p.19)

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como atores sociais/ co-autoras de todo processo de pesquisa. Encontrei tanto em Vasconcelos, quanto em Sarmento e suas pesquisas sobre as imagens sociais da infância e suas (in) visibilidades histórica, social e cultural um caminho aberto ao diálogo sobre o papel da cultura nas infâncias e de como isso reflete no tratamento dado à criança nas pesquisas. As diversas imagens sociais da infância freqüentemente se sobrepõem e confundem no mesmo plano de interpretação prática dos mundos das crianças e na prescrição de comportamentos simbólicos estanques, mas dispositivos de interpretação que se revelam, finalmente, no plano da justificação da ação dos adultos com as crianças. A busca de um conhecimento que se desgarre das imagens constituídas e historicamente sedimentadas não pode deixar de ser operada senão a partir de um trabalho de desconstrução dos seus fundamentos, essa perscrutação da sombra que um conhecimento empenhado No resgate da infância é chamado de fazer. (VASCONCELLOS E SARMENTO, 2007, p.33)

Ainda sobre a criança e seu papel no mundo dois trabalhos me chamaram atenção: a tese de Jodete Bayer Gomes Füllgraf (2001) e a dissertação de Jucirema Quinteiro (2001). Esta tratando da escola e sua relação com a criança e aquela com ênfase sobre as pesquisas realizadas com criança. Segundo Quinteiro (2001) a infância vem sendo trabalhada ao longo do tempo apenas como objeto de estudo, irrelevante ao fato de ser a criança também um ser social. Ao longo do século XX observou-se um crescente movimento pelo estudo da criança, definindo-se a infância como uma categoria social e historicamente construída. Mais recentemente, estudos teóricos nesta área e os movimentos políticos em defesa das crianças vêm apontando para a sua construção social enquanto sujeitos sociais de plenos direitos. As crianças, entretanto, são sujeitos marcados pelas contradições da sociedade em que vivemos. (QUINTEIRO, 2001, p.11)

Bayer (2001) critica as políticas públicas e a ênfase dada às pesquisas cujo tema seja infância e em sua opinião, ainda estamos longe de atender à demanda. Tomando por base os pensamentos propostos até agora, volto à pergunta inicial: qual o papel dentro da escola que a arte ocupa e em que direção caminham os pensamentos pedagógicos para a inclusão ou não destas crianças que, por sua vez, tem uma fala e necessitam serem ouvidas enquanto sujeito ativo no meio social? Segundo Cola é através da arte que a criança passa a expressar uma experiência de criação e de elaboração de conceitos que, na maioria das vezes, ainda não faz dentro dos moldes formais.

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Ao aluno deveriam ser dadas oportunidades que despertassem seu interesse pela expressão, por meio do visual, dos elementos essenciais à arte (linha, forma, cor, textura, etc.) Tal interesse, se desenvolvido adequadamente, despertaria outros interesses pelo novo, pela descoberta, pela invenção, pelo conhecimento artístico (COLA 1996, p. 10).

Tratando das pesquisas com criança e arte, não poderia deixar de citar os estudos de Machado (2000) que traz à tona um conceito de arte cuja importância está na relação do aluno e sua produção artística cultural, através da qual ele amplia seus conhecimentos das diversas linguagens. A criança quando está realizando sua produção artística cultural está, ao mesmo tempo, aprendendo e estabelecendo relações com o mundo que a cerca, através de um determinado tipo de linguagem, a visual e plástica. È dessa ação verbal e não verbal que emergem os conhecimentos que estamos categorizando como: conhecimentos objetivos, subjetivos e sociais do mundo vivido. (MACHADO, 2000, p.19)

Para ela a produção estética cultural infantil tem ligação com as condições sobre as quais o ensino da arte no espaço escolar acontece: que condições de aprendizagem são essas, quais os contextos são estimuladores e propiciadores desta aprendizagem e como a criança produz conhecimento? Acreditamos também que a arte não é apenas um momento de relaxamento ou de vencer uma etapa, que de certa forma a criança teria oportunidade de fazê-la por outros meios, e critica o pensar a arte desta forma, posto que, as crianças não sejam objetos de reprodução um mundo adulto; pelo contrário, cada uma delas, através da arte e suas possibilidades, expressam seus pequenos /grandes mundos. Por isso é necessário reconhecer que a produção artística cultural infantil não é apenas mais uma etapa vencida, quer biológica ou psicologicamente, mas sim um processo de intervenções sociais mediadas por culturas, que, ao mesmo tempo em que interferem , são interferidas por ela. Neste aspecto, o olhar sobre a produção infantil deve acima de tudo estar despojado de preconceitos, valores pré-determinados pela produção cultural adulta para criança e não pela/por criança. Não para atingir objetivos determinados nos planos de aula, pensado, na maioria das vezes, por adulto sem co-participação da criança, segundo Cola (1996, p.10) “sem utilizar a arte para objetivos alheios aos de sua linguagem essencial”. Sendo assim entendo que encontrei a importância de meu objeto de estudo: a utilização da arte como forma de expressão da linguagem infantil. Como arte-educadora, acredito que o processo de criação artística é fundamental para a formação integral da criança em suas diversas infâncias. Para essa reflexão, estabeleço uma interlocução com o referencial histórico-cultural na dialética materialista. Sobretudo, procuro entender as crianças como sujeitos sociais, com capacidade de expressão, que necessi-

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tam participar como atores sociais que são de todo processo orgânico – vivo que é a arte-educação.

As imagens na arte Não se pretende aqui apresentar um tratado sobre as imagens8, pois acreditamos que o conceito em si já seria material suficiente para outro trabalho dissertativo haja vista que desde a antiguidade clássica fazia parte dos diálogos dos grandes filósofos e pensadores. Platão em seus diálogos Crátilo9 (s.d.) já se preocupava com a imagem mental – visual – verbal, ainda que o termo imagem tenha sido substituída por linguagem. Sócrates. Pode, então, dizer-se que um nome é falso ou verdadeiro, visto do discurso poder dizer-se o mesmo? Hermógenes. Porque não? Sócrates. E o nome que se dá a cada objeto será precisamente o nome de cada um deles? Hermógenes. Sim Sócrates. Todos os nomes que se atribuem a um objeto serão o seu nome próprio e isto, no momento, em que lhe forem atribuídos. (PLATÃO, s.d. p.11)

Desta feita, nosso objetivo aqui é destacar o conceito de imagem que será utilizada como referência para o trabalho. Entendendo que existe uma gama de classificação das imagens que vão das mentais às visuais, verbais ou não, podendo ser sociais, psicológicas ou, culturais. As visuais, dependendo do suporte em que estão, podem ser bi ou tri dimensionais, estáticas ou em movimento, mono ou policromáticas, copiadas ou criadas, contextualizadas ou descontextualizadas, recorrentes ou não recorrentes, artísticas ou /não artísticas e assim por diante. A nós nos interessam aquelas imagens bidimensionais, reproduzidas, monocromáticas ou policromáticas, nos materiais que estão presentes no ambiente escolar e cujos indícios, de igual modo Ciavatta (2004) refere à fotografia como fontes indiciarias de pesquisa. Acreditamos que observações destas imagens nos auxiliem no esclarecimento da noção se sujeito – arte imagem a guisa do qual está o movimento ensino-aprendizagem atual. Estas imagens carregam com elas o estigma de serem ou não consideradas obras de arte, diga-se de passagem, classificadas por alguém em alguma época.

Imagem (do latim imago) significa representação visual de um objeto. Em grego o termo imagem significava em latim (imago) mais uma cópia da realidade do que uma representação artística, portanto, convencional e trabalhada esteticamente. Os sábios gregos antigos falavam antes da idéia ou forma sensível, que dizia mais respeito ao aspecto que um dado objeto se nos representava mentalmente, o que envolvia domínios de abstração. Antigo corresponde ao termo eidos, raiz etimológica do termo. 9 Crátilo, diálogo entre Platão, Sócrates e Hermógenes onde o estava em questão eram a linguagem associadas aos nomes das coisas e como esses nomes se relacionavam com as imagens da mesma. 8

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Mas na verdade o que nos interessa no momento, antes de trabalharmos conceitos de mediação e imagens é o entendimento do que vem a ser Arte. É o determinar valor de juízo à Arte. Sendo assim, a verdadeira arte, segundo Lukács (1966) está para além de seu tempo, acima de conceitos e preconceitos que a elevam à categoria de obra de arte, mas que tem seu valor estético. Estética, gosto ou opção... A verdadeira arte é aquela que vem carregada do indivíduo e que pode ou não ser uma obra de arte, classificada por críticos como tal, mas que é fruto de trabalho, esforço em produzir algo que contenha um pouco do seu próprio “eu”. Arte trabalho. Arte produção. Arte transformação. Arte conhecimento. Arte expressão. Mas ao mesmo tempo disciplina. Disciplina que lança mão de conceitos tão complexos e ao mesmo tempo tão subjetivos. Arte disciplina que produz arte-educadores. Nós que educamos, Arte pelo sujeito e não arte pelo fazer. Mas como ensinar crianças a gostar? Ensinar a ver com outros olhos? Ensinar a enxergar poesia? Ensinar a ler imagens? Ensinar a fazer arte? Já dizia um poeta, ora, pois se tudo é arte! Viver é arte. Como então ensinar o que já se nasce fazendo. A nós arte-educadores, cabe o papel de mediadores neste processo de saber/fazer, produzir e se reconhecer produtor de arte e não apenas cumpridor de atividades automatizadas e exercícios propostos. Dessa forma, as produções culturais midiáticas constituem-se como instâncias que conformam e produzem representações de mundo (e também as de ciência e muitas outras mais), (re)produzindo, (re)organizando e (re) inventado novas relações para elas. É importante destacar, ainda, que esse processo de instauração de significados não decorre, apenas, de uma particular enunciação colocada em destaque, mas de muitas e intrincadas interações postas em ação pelos/as leitores/as, suas experiências anteriores e o texto em questão: as mediações.

O estranhamento através das aulas de arte O conceito estranhamento ou Ostranenie surgiu na literatura pela primeira vez em 1917 quando foi utilizada pelo russo Viktor Chklovski em seu trabalho traduzido “A arte como processo”. Nasceu de discussões entre os formalistas russos com idéias de que a função da arte na sociedade é apenas: 1. Agrupar objetos e ações heterogêneas e explicar o desconhecido pelo conhecido como mimesis. Perceber para ele é a finalidade da arte, que por sua vez deve ser prolongado até sentir o objeto, pois aquilo que já se tornou comum não interessa à arte. Ainda para Lucáks (1966) o estranhamento não se constitui em um fenômeno natural e sim, social, logo, passível de ser superado e que a luta em superá-lo contribui para o desenvolvimento de um pensamento não mais particular, individual, mas sim, um pensamento social, Estranhamento é um fenômeno exclusivamente histórico–social que se assume na história das formas sempre diferentes. por conseguinte, a sua

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constituição nada tem a ver com uma condição humana geral, tampouco possui uma universalidade cósmica. Neste caso, segundo ele, independente da vontade o indivíduo, o estranhamento aconte orientado por raízes sociais, o que chamaremos aqui de mediações culturais, e faz com que o sujeito saia da categoria singular para o social, sem que no entanto perca a individualidade. Este estranhamento cria novas possibilidades de crescimento, de saidas a determinadas situações, de possibilidades. A superação de uma situação social estranhada gera frequentemente uma nova forma de estranhamento que supera aquela precedente e diante da qual os velhos remédios experimentados mostram-se impotentes. Demarcado o campo por onde iremos transitar e assinalado o cuidado que tem Lucáks quanto aos aspectos históricos do estranhamento, podemos avançar naquilo que de fato nos interessa neste capítulo. Na verdade não se tratamos aqui do estranhamento capital, mas aquele estranhamento que promove mudança e da arte que promove o olhar de estranhamento. Voltemos então às questões da arte para crianças. Entendemos que o uso das imagens nas aulas de arte estão muito além da necessidade, quase vital, segundo Barbosa “é imprescindível o uso das imagens nas aulas de Artes” (BARBOSA,1991, p.12) . Por isso atribuímos a Ana Mae e seu trabalhos,o grande “acontecimento”da leitura de imagens, isto é, valorização da leitura de imagens em sala de aula. Baseado em seus estudos sobre a leitura de imagem Foerste diz que o uso de imagens é imprescindível para o ensino crítico da arte, “O contato do indivíduo com a obra de arte prepara-o para o entendimento do mundo que o cerca. A leitura das obras de arte favorece também uma leitura do mundo das imagens, sejam elas artísticas ou não”.(FOERSTE, 2004,p.95) ensino este associado a uma prática que conduz ao desenvolvimento do pensamento. “O fazer artístico é parte integrante do processo de construção do conhecimento em Arte nas não o único. A experiementação é um aspecto de grande relevância na exploração dos materias, formas e possibilidades expressivas, devendo estar associada à reflexão crítica, à teoria da arte, à história da arte e à estética.(FOERSTE,2004,p.97) que por sua vez, leva o indivíduo a uma análise da materialidade da obra. Tanto para Barbosa quanto para Foerste o uso de imagens é necessário, sejam elas quais forem, artísticas ou publicitárias de informações, para que assim o leitor possa atingir um grau de maturidade e produzindo suas próprias imagens no caso das crianças que vivem tecendo redes de conhecimento “ mediações sociais” acreditamos que é por intemédio delas (imagens) que

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criam suas próprias falas . Neste sentido , a arte na sala de aula deve promover para além da mesmice, da mimese, do copismo, da repetição,deve levar a criança a um degrau a mais em sua caminhada, deve tentar mexer com os olhares emoldurados e possibilitar a expressão de valores. Assim poderemos promover uma ruptura de valores, que podem ou não provocar mudanças em suas produções imagéticas, mas que , necessariamente, serão possibilitadas. Sendo assim entendemos que a arte nas Séries Inicais , está para além do auxilio às disciplinas ou ilustração textos e decoração festas, devendo ter como objetivo , promover o “olhar de estranhamento” provocando uma reação , diferente da que normalmente tem sido a padrão. O que vem a ser bonito, feio, legal, interessante ou comum para as crianças,sem dúvida, será definido por elas, contudo, através do olhar da arte, elas terão ao menos, outras possibilidades de sensibilização, de poieses, segundo Pareyson em Os problemas da estética (1997). Ainda pensando na arte enquanto “catarse” e entendendo as crianças como “sujeitos plenos” inseridas em um meio social, cultural e educacional e que, por sua vez, fazem mediação e participam diretamente em seu desenvolvimento e na construção de conhecimentos, buscamos dimensionar a arte na formação do sujeito. Partimos da análise dos desenhos infantis para desvelar processos de construção de conhecimentos, expressão e mediação dialógica entre os sujeitos, o que pode significar a ressignificação do processo de alfabetização. Buscamos nesse estudo superar a concepção utilitarista da arte como motivadora ou facilitadora do ensino e aprendizagem do ler, escrever e contar, analisando-a como importante e necessária no processo de conhecer, dizer e construir o mundo e sua humanidade. Quando criam seus desenhos, não apenas reproduzem algo que costumam ver todos os dias, mas um mundo invisível aos olhos “adultocêntricos”, que apenas enxergam os desenhos como rabiscos de crianças. A criança é consumidora e também produtora de imagens e toda a produção imagética feita ou não para ela ficará armazenada em seu alfabeto estético-visual que, dependendo da forma com que for conduzida, irá (des) construir seus próprios conceitos e pensamentos. Nesse sentido, a pesquisa das imagens que são produzidas para/pelas crianças no ambiente escolar, e seu entorno revelará outras nuances da educação visual e de como e até onde a arte, enquanto disciplina, media esse processo.

Aproximações Ao retomar mais uma vez ao objeto de pesquisa, entendo que existe uma narração, uma experiência em cada imagem apresentada e representada, em cada obra, em cada criança e em cada professor. Experiência esta que precisa ser respeitada quer na reprodutibilidade, quer na esfera da aura ou ainda na produção imagética, para que a pesquisa possa não apenas apresentar dados, mas ainda apresentar experiências de construção e até mesmo de desconstrução no processo ensino-aprendizagem e nas relações sujeito-objeto.

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Dessa forma, emerge a importância de dar voz e vida aos pensamentos da criança que é um dos objetivos da pesquisa das imagens, da arte e das crianças das séries iniciais no processo de (des) construção da leitura de imagens. Acredito que estando no meio e junto com elas, participando desse processo de (des) construção poderei reconhecer ouvir e dar voz à criança, que supracitado, é co-autora da pesquisa, reconhecendo seu universo, que na maioria das vezes está diante nós. A investigação nos permite, no momento, algumas aproximações que ainda não podem ser definidas como conclusivas, mas apontam para a necessidade de maior atenção aos processos de criação da criança pequena, observando as múltiplas mediações que interferem neste processo no contexto da sala de aula inclusive os estranhamentos. Referências BARBOSA, Ana Mae(org.). Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2008. BARBOSA, Ana Mae. A imagem do ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991. COLA Cesar Pereira e PINHEIRO, João Eudes Rodrigues. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Livre expressão e metodologia triangular no ensino das artes na pré-escola: uma investigação sobre o desenho infantil. -. 1996. 141f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Espírito Santo, Centro Pedagógico. COLA César. Ensaio sobre o desenho Infantil. Vitória: EDIUFES, 2006. COLA César. Estética: panorama e lente. In: COLA César. Textos sobre a estética e infância. Estética e educação. Vitória: SEMINÁRIO C/ UFES, 2008, p. 01. FOERSTE, Gerda Margit Schütz. Leitura de imagens: um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004. _______. Linguagem II: Arte. Vitória: EDUFES, 2005. FREITAS, Marcos Cézar. História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. FULLGRAF, Jodete Bayer Gomes. A Infância de Papel e o Papel da Infância? Dissertação de Mestrado. Grau de Mestre em Educação. PPGE/Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989. LUKÁCS, George. Estética: I La peculiaridade de lo estético. 2. Problemas de La mimesis. Tradução caslellana de Manuel Sacristán. Barcelona, México: Ediciones Grijalbo, S&ª, 1996. _______. As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. Temas de ciências humanas. São Paulo, vol.4, p.111-118, 1978. MACEDO, Érika Sabino de, FOERSTE, Gerda Margit Schütz e CHISTÉ, Priscila de Souza. Na ciranda da arte capixaba: diálogos, brincadeiras e leitura de imagens. Vitória: FACITEC, 2008. MACHADO, Márcia Almeida. A linguagem mediando à produção artístico-cultural infantil e a construção de conhecimentos acerca do mundo. Dissertação de Mestrado. Grau de Mestre em Educação- Linha de Pesquisa Linguagens Visuais e Verbais – PPGE

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A Educação no âmbito dos Produtores de Imagens: Reflexões sobre os Publicitários em Formação Flávia Mayer dos Santos Souza Mestre em Educação/UFES

Introdução A publicidade destaca-se, na atualidade, como uma das esferas de maior investimento na produção imagética. Nesse espaço, a imagem consolida-se como a grande protagonista, ocupando uma posição central. Kellner (2005) destaca, nesse sentido, a relevância do estudo da imagem publicitária. O autor ressalta, também, possíveis caminhos de leitura da imagem publicitária, com o intuito de desvendá-la, uma vez que [...] a publicidade é um texto social importante e indicador social que fornece um repositório de informações a respeito de tendências sociais, de modas, de valores contemporâneos e daquilo que realmente preocupa os dirigentes do capitalismo de consumo. Pode-se aprender muita coisa, portanto, estudando a publicidade (KELLNER, 1995, p. 112).

O pesquisador apresenta a variedade de informações e descobertas às quais se tem acesso mediante um olhar mais atento – ou seja, o estudo – da imagética presente na publicidade. Compreendendo a imagem como um texto, nela estão impressas as marcas do tempo, da sociedade, dentre outros aspectos. Depreende-se, então, que a imagem traz o contexto de sua produção. Estudar a imagem é, de certa forma, entrar em contato com uma variada gama de conhecimentos como, por exemplo, deslindar o interesse subjacente à sua produção. Torna-se necessário, assim, adentrar nesse campo de estudos. Soares (1988) revela em suas pesquisas a importância de se pensar em possibilidades de educar o público receptor para a publicidade. Pondera que o público precisa desenvolver habilidades para fazer frente à publicidade. O autor comenta, dessa maneira, que A educação para a comunicação deve oferecer condições para que a comunidade descubra a natureza do processo de comunicação em que está inserida, ajudando seus membros a desvendar os mecanismos pelos quais a sociedade, ao utilizar os recursos da Comunicação Social, exerce sobre o povo o poder de manipulação. Deve, ainda, favorecer o exercício de práticas comunicacionais democráticas e libertadoras (SOARES, 1988, p.17).

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O pesquisador elenca experiências nessa perspectiva tanto no sistema formal de educação – escolas – quanto nos grupos paroquiais, grupos organizados, dentre outros. A presente pesquisa desloca, de certa forma, o olhar para um outro grupo, ao problematizar um espaço em especial: o campo dos futuros produtores de imagem, os estudantes de graduação em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda. Busca, assim, analisar o processo de leitura da imagem publicitária desenvolvido pelos alunos em formação em Publicidade e Propaganda, a fim de identificar os mediadores que participam desse percurso1. Para isso, envolve estudo de caso em instituição de ensino superior localizada no Espírito Santo2. Em relação à metodologia, reúne grupo focal e entrevistas com estudantes, bem como encontro, em sala de aula, com alunos ao longo de uma disciplina. No grupo focal e nas entrevistas, além da discussão em torno do objetivo da pesquisa, foi solicitada aos estudantes a leitura de um anúncio de mídia impressa3, para o acompanhamento do movimento por eles empreendido.

Reflexões sobre imagens e mediações De acordo com Santaella e Nöth (1999), o mundo imagético pode ser dividido em duas vertentes. De um lado, as imagens como representações visuais abarcam os desenhos, pinturas, fotografias, gravuras, imagens do cinema e da televisão, holográficas, infográficas. De outro, a vertente imaterial das imagens, que englobam as visões, imaginações, ou seja, representações mentais. Entrementes, os campos estão ligados, uma vez que as representações visuais surgem de imagens mentais, que têm como ponto de origem o mundo dos objetos visuais. Essas duas vertentes – representação visual e imagem mental – encontram-se nos conceitos de signo e representação. A noção de representação evidencia que a imagem está em relação a algo, o objeto, por analogia, semelhança. De certa forma, ao assumir o espaço do objeto representado, a imagem já não é mais percebida como objeto, mas como signo. Esta imagem materializada pelo homem tem passado por processos de produção diferenciados. Na atualidade, o desenvolvimento das tecnologias comunicacionais e a expansão dos meios de comunicação possibilitam uma larga produção de signos. Uma breve retrospectiva que abarque, ao Parte da discussão apresentada neste artigo foi iniciada em dissertação de mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, em 2007. 2 Optou-se por não revelar a instituição em que foi realizada a pesquisa pois o foco do presente trabalho são os mediadores que participam do movimento de leitura do estudante. 3 Para a leitura foi selecionado anúncio de mídia impressa veiculado na revista Veja, considerando que este é um veículo de fácil acesso ao jovem universitário. A propaganda escolhida para análise ocupa duas páginas geminadas. O anunciante é a empresa de automóveis Peugeot e o produto apresentado, o carro Peugeot 206 Escapade, lançado na ocasião. 1

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menos, o surgimento da fotografia, do cinema, a proliferação da imprensa e das imagens, a revolução eletrônica, a holografia e a revolução digital dão pistas do volume inimaginável de signos com os quais lidamos diariamente (SANTAELLA, 2004). Santaella e Nöth (1999) apresentam, nesse sentido, três paradigmas de produção da imagem: o pré-fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico. Para os autores, fazem parte do paradigma pré-fotográfico as imagens materializadas manualmente, seja nas pedras ou o desenho, a pintura, a gravura e a escultura. O resultado é, portanto, uma obra única, uma imagem única, pois deriva de processos artesanais de produção, trazendo certa sacralidade por estar associada a um gesto irrepetível. No paradigma fotográfico, a produção de imagens envolve uma máquina de registro e a presença de objetos reais preexistentes, de modo que o olho humano se prolonga no olho da câmera na busca por captar o objeto. Abrange processos automáticos de captação da imagem, que resultam do registro sobre suporte químico ou eletromagnético. Esse paradigma engloba, ainda, o cinema, a televisão, o vídeo e a holografia. No paradigma pós-fotográfico, as imagens são produzidas por meio de computadores, derivadas de uma matriz numérica, que reúne, assim, as imagens sintéticas ou infográficas. O computador traduz essa matriz numérica e, na tela do vídeo, torna o objeto visível, de maneira que não é necessária a presença do objeto real. As palavras-chave são virtualidade e simulação, pois, com o computador, é possível fazer experiências sem depender do espaço e do tempo real sobre objetos reais. As imagens do paradigma fotográfico, pela sua reprodutibilidade, são características da comunicação de massa, transmitidas, assim, por jornais, revistas, televisão. As pós-fotográficas, pela sua disponibilidade em qualquer tempo e lugar, possibilitam a interatividade, um processo de trocas, passando a ser uma imagem na esfera da comutação. Conseqüentemente, há mudanças no papel do receptor, permitindo, de certa forma, o entendimento da imagem artesanal como objeto de contemplação, da fotográfica como objeto de observação e a pós-fotográfica, de interação. Santaella e Nöth (1999) destacam que essa análise acaba por minimizar vários aspectos, mas, ainda assim, nos dá pistas que possibilitam a compreensão de processos de produção da imagem. Desse estudo, depreendem que, na imagem contemporânea, predomina a mistura entre tais paradigmas. A fotografia, por exemplo, pode ser manipulada por meio do computador e, ligando-se à sonografia e à infografia, vem produzindo imagens para diagnóstico médico, de modo que não podemos considerá-las apressadamente imagens fotográficas, pela interferência determinante da sintetização eletrônica temos formas híbridas dos paradigmas fotográfico e pós-fotográfico. Enfim, o significado da palavra “síntese”, nas imagens de síntese, pode certamente apresentar duas acepções: de um lado, a idéia de modelagem e síntese numérica, de outro, a idéia de síntese dos três paradigmas. De fato, o que caracteriza o pa-

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radigma pós-fotográfico é sua capacidade de absorver e transformar os paradigmas anteriores. Não há hoje imagem que fique à margem das malhas numéricas (SANTAELLA; NÖTH, 1999).

No campo da propaganda, o processo de produção da imagem também se caracteriza pelos atravessamentos de paradigmas. A computação gráfica levou a uma revolução na fotografia que, na publicidade, é altamente manipulada, alterando-se cor, textura, contraste, formas, além de ser alvo de outras interferências, sobreposições, seja de desenhos feitos a mão, escaneados e tratados, de tipologias e de efeitos diversos, que nos fazem compreendê-las, assim, como imagens sintéticas. O trabalho adentra, então, nesse campo ao analisar as práticas de leitura do aluno da habilitação Publicidade e Propaganda em relação à imagem publicitária. Envereda-se, dessa maneira, em um dos espaços privilegiados para o estudo da imagem: a propaganda. Nesse percurso, a imagem é compreendida como produto do trabalho humano, materializada por homens que, nela, deixam suas marcas. São as mãos humanas que dão forma, constroem as imagens usadas na propaganda, em quaisquer desses paradigmas, variando, então, os instrumentos utilizados. Assim, a leitura da imagem permite que sejam estabelecidos laços com o contexto (KELLNER,1995; KELLNER, 2001). Possibilita a compreensão de questões que preocupam a sociedade em um dado lugar e momento, de modo que a imagem contribui como fonte histórica. Para Kellner (1995, p. 112), esse exercício “[...] tem a nos dizer sobre nós mesmos e nossa sociedade”. O autor acentua, ainda, que a leitura da imagética publicitária pode deslindar transformações relevantes em relação aos modelos de identidade, possibilitar a emancipação do sujeito receptor frente aos mecanismos usados pela publicidade Ao desenvolver a leitura da propaganda da Marlboro, o autor mostra como, na década de 1980, é ampliada a preocupação em relação aos malefícios do cigarro e, conseqüentemente, os anúncios passam a estampar imagens privilegiando a presença da natureza, com leveza, tranqüilidade, para que proporcionassem a idéia de um cigarro saudável, natural, na tentativa de apagar os perigos que o produto representa para a saúde. Constrói, assim, a identidade de um cigarro, de certa forma, mais masculino e mais saudável. O exercício de leitura da imagem está associado a processos de mediação. Martín-Barbero (2003, p. 141, grifo do autor) compreende a mediação “[...] como o lugar onde se articula o sentido”. Desse modo, no que tange à comunicação, reforça a posição do receptor que “[...] não é um simples decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas também um produtor” (2003, p. 299). O conceito de mediação destaca, assim, como os processos sociais que perpassam o homem em dado tempo e espaço interferem na sua compreensão do mundo. Martín-Barbero (2003) propõe, então, alguns lugares de mediação,

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como a cotidianidade da família. A família constitui espaço de trocas e ressignificações, mas não se limita a esfera da recepção, pois inscreve suas marcas no discurso midiático, ou seja, apresenta demandas sociais e culturais à mídia (MARTÍN-BARBERO, 2003; MARTÍN-BARBERO, REY, 2004)4. Configuram-se, também, como mediadores a igreja, a educação, os movimentos sociais, dentre outros. Desse modo, o percurso que envolve a negociação de sentidos mostra-se complexo, implica numa série de conexões e desconexões nesse emaranhado formado pelos processos sociais. Face à proliferação e, também, ao protagonismo da imagem na publicidade, torna-se necessário refletir sobre alguns aspectos que fazem parte, interferem, no processo de o educando ler imagens. Desse modo, no campo do ensino de graduação em Publicidade e Propaganda há vários mediadores, além disso, muitos outros ultrapassam os muros da universidade, envolvendo diversos processos sociais. Como comenta Foerste (2006, p. 02), “A prática analítica não se dá ‘espontaneamente’, tampouco está isenta de interesse e opções políticas e estéticas”. Desse modo, no âmbito coletivo ou individual, as mediações envolvem escolhas que abarcam experiências, visões de mundo variadas, escolhas que não são neutras. Torna-se relevante, então, a discussão acerca de alguns dos mediadores que participam do processo de leitura da imagem publicitária do profissional em formação.

O movimento de leitura da imagem publicitária A realização de encontros com os alunos do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda evidenciou que a entrada no curso marca mudanças na forma de o estudante ver imagens, propagandas e filmes. Aluno do sexto período comenta em relação aos modos de olhar para a propaganda com o início do curso de graduação na área: Mudou, mudou bastante, porque antes era, a gente via como do lado de fora, aquele telespectador final, que é o objetivo da propaganda, mas, quando a gente começa a estudar sobre ela, a gente começa a perceber os elementos que estão incluindo dentro da propaganda, a gente consegue perceber as nuances, assim, aquele outros significados que a gente está querendo alcançar, o público-alvo, a linguagem que é usada, a semiótica toda, assim, os pequenos detalhes, desde o enquadramento, desde a cor da imagem, o tratamento da imagem, assim, geral, muda tudo assim. Eu até falo [...] com meus pais, assim, que eu não consigo mais ver televisão da mesma forma que eu via antes, até cinema, [...] eu não consigo mais ver por ver,

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O estudo de Martín-Barbero e Rey citado volta-se especialmente à discussão sobre a televisão.

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eu sempre tento, eu fico pensando naquilo que tem de trás, como foi feita a criação, como é que foi tratado, será que aquele objetivo vai ser alcançado dessa forma, mudou tudo, assim, minha visão de imagens em geral, principalmente da propaganda, mudou muito.

O estudante sugere, então, transformações nos modos de ver propagandas motivadas pelo curso. Nesse sentido, também, estudantes do segundo período nos dizem que “[...] às vezes, você meio que deixa de curtir [as propagandas], sabe”; “Perde um pouco a graça”; “Perde um pouco da mágica, assim, da propaganda”. Junto aos estudantes do segundo período aprofundamo-nos nessa discussão a fim de verificar o que procuram na imagem publicitária. Os alunos relatam que buscam, na análise, observar se a imagem “[...] se adequa ao produto, ao público que ela quer atingir”; “[...] a forma de signos [...]”; “Tem as cores, também, né. A influência”; “Acho que tá tudo dentro da simbologia que a imagem quer passar, né, cada detalhe na imagem é importante”; “A gente vai olhar, também, se a imagem vai remeter àquilo que a propaganda está querendo passar. Às vezes, a gente olha e fala: nossa, podia ter escolhido uma imagem melhor”. Esboça-se, desse modo, certa preocupação do educando com os mecanismos de construção ou feitura da propaganda. Como exemplos, destacamse algumas menções feitas pelos alunos: análise de adequação do anúncio ao produto, que se volta para verificação da coerência da mensagem com o produto divulgado; adequação da propaganda ao público; avaliação do grau de compreensão da imagem usada na propaganda; estudo das cores, simbologia, a fim de identificar se a imagem conduz ao que a empresaanunciante deseja divulgar e, por conseqüência, se deveria utilizar uma imagem mais adequada. Um dos alunos entrevistados detalha o percurso pelo qual analisa propagandas impressas: [...] primeiro, eu faço análise, se tem foto, pela foto, depois que eu leio o restante da propaganda, mas, em geral, eu vejo a foto, como é que ela foi feita, o enquadramento, o ângulo, a luz e, depois, feito essa análise da foto, vou ver onde ela foi enquadrada dentro da propaganda, se ela foi enquadrada no ponto áureo, se ela não foi, por que ela está naquele lado ou está em cima ou está embaixo, e, em seguida, aí eu vejo o texto, analisando o texto eu volto à imagem pra ver o sentido, entender o geral da propaganda, mas, assim, essa desconstrução, de onde, por que foi colocado aqui, onde foi colocado a foto, o texto, a imagem, a fonte que foi usada, a cor, tudo, assim, é um processo, mas começa com a imagem, depois vai pro texto.

É apresentado, então, o que o estudante observa em relação à foto: como foi feita, enquadramento e outros aspectos técnicos da produção.

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Aponta, também, que verifica a disposição de elementos na propaganda, bem como o sentido da imagem, o que a propaganda quer dizer. Sintetiza o processo de análise como uma desconstrução, da qual faz parte, ainda, o exame de elementos como fonte e cores. Outro estudante do sexto período comenta que “Geralmente, a gente repara mais, assim, a parte técnica, se as imagens foram bem feitas, se borrou, se ficou torcida, se não dá para identificar o que é. Eu, pelo menos, reparo mais nessa parte técnica [...]”. Desse modo, os alunos trazem apontamentos relacionados à feitura da imagem. Santaella e Nöth (1999), como já citado, discutem os paradigmas de produção da imagem e, assim, refletem como a imagem da contemporaneidade atravessa três paradigmas. Nessa perspectiva, relacionada à produção da imagem, que transita parte das análises: a feitura da imagem, se ficou torcida, se foi bem feita, o enquadramento, o tratamento, ou seja, a hibridização dos paradigmas de produção imagética, reunindo a produção da fotografia e a manipulação via computação gráfica, por exemplo. As falas evidenciam, então, um discurso fortemente pautado pela qualidade técnica das imagens. Esses primeiros apontamentos em relação à leitura da imagem publicitária sinalizam alguns mediadores: o curso de Publicidade, uma vez que ao ingressar nele o estudante nota modificações no processo de leitura imagética, bem como as perspectivas profissionais, que demandam a compreensão do processo de feitura da imagem. Essa idéia se configura mais claramente ainda com o acompanhamento, junto aos alunos do primeiro período, de apresentação em sala de aula do que entendiam por comunicação visual e suas expectativas em relação ao campo5. Um estudante revela que: “Comunicação visual tem um poder muito grande [...]. Eu quero trabalhar na área de criação, às vezes a imagem conta muito mais do que as palavras que você vai colocar num anúncio”. Outros alunos associam comunicação visual com “Expressar algo, tevê, outdoor, algo que o espectador entenda. Algo para que a pessoa compre aquilo”; com algo que desperta atenção, desejo. Além disso, os alunos abordam que esses conhecimentos serão muito usados na área de propaganda: “Espero, com o curso, usar melhor essa ferramenta”. Nesses fragmentos ficam destacados os interesses dos alunos em relação à comunicação visual: buscam, no curso, aprender a utilizar a comunicação visual, o que abrange a construção de imagens. Retomando o grupo focal com alunos do segundo período, percebemos que essa preocupação também está presente em suas falas: “Quando passa uma [propaganda], eu falo o que poderia ser melhor ou, se está boa, eu falo: ah, essa daí ficou excelente [...]”. Perspectiva semelhante a de outro

5 O termo comunicação visual é utilizado nesse momento, pois foram acompanhadas as aulas dessa disciplina e o professor solicitou que os estudantes expusessem o que compreendiam em relação ao assunto.

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estudante desse período que, em suas análises, pondera: “[...] esse cara [refere-se ao criador do anúncio] mandou bem, eu quero fazer isso aqui um dia [...]”. Os alunos revelam a busca, nas análises da imagem publicitária, de como a imagem e como a propaganda são construídas e, para isso, como um dos estudantes disse, no momento da análise, fazem a desconstrução da publicidade. Os dados sinalizam, assim, que o estudante vê a imagem para compreender seu processo de produção, de construção, como foi feita, para poder se servir desses mecanismos no momento de elaborar publicidades. O aluno, também fruidor em relação à propaganda, identifica-se com a mensagem e, nesse sentido, o anúncio publicitário configura-se como uma referência para ele. As imagens publicitárias passam, desse modo, a constituir meio de informação e formação na sociedade contemporânea (FOERSTE, 2006). No caso observado na presente pesquisa, nota-se que o estudante é fortemente informado pelo produto veiculado pela mídia e que a imagem participa intensamente do processo de formação do aluno como instrumento buscado por ele, uma vez que essa imagem fornece subsídios para o seu fazer. A imagem publicitária, ou melhor, as referências dessa imagética − uma espécie de parâmetro para o estudante que busca a identificação com essa construção − constituem mediadores no processo de leitura empreendido pelo publicitário em formação. O processo de leitura do educando mostra-se, desse modo, complexo. É permeado por um intrincado campo de relações e práticas sociais. Um esboço dos múltiplos mediadores que fazem parte da leitura imagética realizada pelo educando é apresentado na figura 1. São sinalizados, então, alguns partícipes desse processo, sem o intuito de reduzir ou esgotar a discussão, e sim, como diz Martín-Barbero (2003, p. 300), esboçar um mapa noturno das mediações, para que se possa “[...] avançar tateando [...]”.

Considerações finais Ao refletir sobre a formação do estudante de publicidade, percebese que essa trama é composta pelo ensino de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda − o que abrange as diretrizes curriculares, o projeto pedagógico, os planos de disciplinas, os professores, os estudantes − e pode-se acrescentar, ainda, a família, a igreja, os movimentos sociais e uma infinidade de aspectos perpassam o sujeito, no caso, o aluno em processo de formação. A pesquisa destaca, em especial, a própria imagem publicitária como intensa mediadora, como forte partícipe do processo de leitura realizado pelo educando. À medida que os alunos são informados pelos produtos veiculados pela mídia, identificam-se com as mensagens produzidas e apontam a vontade de fazer um produto como o veiculado, com características semelhantes para que possa ganhar visibilidade. Desse modo, a imagem publicitária representa uma referência marcante para o aluno, o que pode

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sugerir uma espécie de círculo vicioso que acabe levando a continuidade de uma determinada configuração de imagem publicitária. Também aparece como mediador o mercado de trabalho. As questões profissionais levam o educando a valorizar a feitura da imagem, a construção da publicidade, influenciando, por conseqüência, o processo de leitura imagética. Depreende-se, então, que, as tendências identificadas giram em torno do discurso publicitário, isto é, privilegiam o campo da propaganda, principalmente, a questão do como fazer. Alguns desse mediadores − como a imagem publicitária e as perspectivas profissionais − transitam em direção à busca por identificação com a propaganda. Nessa perspectiva, a leitura da imagética publicitária pode não favorecer o embate, a quebra, a ruptura com o estabelecido, mas a continuidade. O estudo revela, então, que o percurso de leitura imagética, atravessado por esses mediadores, de certa forma, tende a limitar-se ao entendimento de como se faz imagens publicitárias. Alguns dos mediadores identificados ao longo do estudo contribuem pouco para a realização de um percurso de leitura que possa favorecer a compreensão de uma sociedade, seus anseios e preocupações em dado tempo e espaço, como sugere Kellner (1995). Não apontam para o contexto, não possibilitam o entendimento da imagem como fonte histórica, reforçam apenas o campo da publicidade. Voltar-se ao estudo do processo de leitura da imagem publicitária realizado pelo aluno da habilitação Publicidade e Propaganda torna-se, então, urgente para a reflexão sobre a tônica que se deseja construir por meio do ensino nessa área. Referências FOERSTE, Gerda Margit Schütz. Leitura de imagens: um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004. _______. Análise de Imagens: uma introdução às categorias mediação e particularidade. 2006 (Em fase de publicação). KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001. KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos Estudos Culturais em Educação. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 104-131. MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUSA, Mauro Wilton de (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 2002. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Senac, 2004. SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São

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Paulo: Iluminuras, 1999. SOARES, Ismar de Oliveira. Para uma leitura crítica da publicidade. São Paulo: Paulinas, 1988. SOUZA, Flávia Mayer dos Santos. A leitura da imagem publicitária: Reflexões sobre a formação em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007.

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A Internet nas Artes Visuais Ivan Nyls Ribeiro Lana Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo “A virtualização não é nem boa, nem má, nem neutra. Ela se apresenta como o movimento mesmo de “devir outro”, antes de temê-la, condená-la ou lançar-se às cegas a ela, proponho que se faça o esforço de aprender, de pensar, de compreender em toda sua amplitude a virtualização” (Lévy, 1996: 12).

Esta pesquisa nasce da inquietação em ter a necessidade da abordagem de novas tecnologias na educação, pois, muitos profissionais não estão em comunhão com esse meio tecnológico, nesse caso em particular a Internet, tema norteador desta pesquisa. O mundo contemporâneo apresenta uma realidade dualizada, uma dinâmica promovida pelos avanços tecnológicos que possibilitam pessoas interagir umas com as outras através de distâncias temporais e espaciais. Desse conjunto de equipamentos sofisticados, que inclui desde celulares até diferentes possibilidades de rádio e televisão interativa, destaca-se a Internet, instrumento que rapidamente está invadindo os ambientes de trabalho e os espaços de lazer na sociedade moderna. A sociedade não pode se contentar com o velho modelo de educação que repete conteúdos. Em todos os níveis instaura-se uma nova preocupação: superar a realidade técnica da didática instrumental para instituir uma didática critica fazer brotar no aluno o interesse, a vontade de discutir, refletir, aprofundar e aprender. Atualmente os educadores se deparam com um aluno ainda mais complexo, aquele cujo crescimento acompanhou o desenvolvimento do computador e da Internet, mas cujos resultados em sala de aula são igualmente ou até mais decepcionantes. Para iniciar a pesquisa apresento a “rede das redes” (Ferreira, 1994: 261) a Internet, como se deu seus primeiros passos nos propondo a virtualização. Apresento os conceitos desta virtualização, o Ciberespaço a importância das redes no processo educacional, Giddens (1994) nos diz que ao analisarmos as conseqüências da modernidade precisamos de um conceito importante “desencaixe”. A Web Arte nos traz algo de muito importante para se considerado em nossas salas de aula, a disponibilidade de um canal de experiências visuais, sonoras ou temporais. As galerias virtuais – a arte via rede, artistas e seus sites de divulgação. E para conclusão neste estágio esta pesquisa a qual dedico total entusiasmo, faço minhas considerações finais, deixando claro que esta pesquisa não termina aqui, muitos temas norteadores estão por vim e já vieram sobre esta fantástica ferramenta Internet.

A Internet A Internet é um conjunto de redes de computadores ligados a milhões de

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usuários em todo o mundo. Hoje, os usuários são diversificados educadores, empresários, pesquisadores entre outros desta rede, isso se deve a inúmeras razões que, vão desde pesquisas pessoais, comunicação interpessoal ao acesso de informações. Para termos uma idéia do que está rede e capaz de nos oferecer imaginem uma biblioteca que poderia ser consultada a qualquer hora do dia ou da noite, com milhões de livros e recursos disponíveis. A Internet une duas tecnologias apresentada a nós ao longo da história, a prensa inventada por Gutenberg onde tirou os livros das bibliotecas eclesiásticas e os colocou à disposição de todos e o sistema telefônico que surgiu permitindo as pessoas a se comunicarem instantaneamente. Uma nova dimensão é colocada um mundo eletrônico e virtual em que tempo e espaço praticamente não tem significado. Na Internet, nós somos espectadores, mas também podemos ser produtores não somente de informações, mas de conhecimentos ligados às diversas áreas de ensino. Na maioria dos casos somos livres para definirmos o que queremos desta ferramenta, a Internet é um ambiente aberto. Novas maneiras de pensar estão sendo elaboradas para este mundo da informática, onde a relação entre os homens e o ensino-aprendizagem está sendo avaliada, não basta que os computadores apenas cheguem às escolas. Segundo Bossuet (1985), o computador também é para o professor, um instrumento capaz de evidenciar, passo a passo, a trajetória intelectual de um educando, não e o único instrumento que permite a aplicação de tal pedagogia. Com computadores conectados à Internet presentes na maioria das escolas, casas e em diversos pontos de Lan-House1, é o momento de perguntarmos sobre a sua utilização na educação, em especifico na ArteEducação, como podem ampliar a qualidade das aulas de Artes? “A internet – maior rede de computadores do mundo – é frequentemente descrita como a rede das redes, pois abrange todas as espécies de redes possíveis, tornando-se a verdadeira rede global [...]” (Ferreira, 1994: 261).

Ciberespaço Gates (1995) coloca-nos a importância das redes no processo educacional. A estrada permitirá a exploração interativa de estudantes e professores aumentando as oportunidades educacionais e pessoais, inclusive daqueles estudantes que não puderam estudar nas melhores universidades e escolas. Para extrairmos os benefícios do uso das redes, precisamos encarar o uso dos computadores nas escolas e nas salas de aula de forma diferente.

1 Um estabelecimento comercial onde, à semelhança de um cyber café, as pessoas podem pagar para utilizar um computador com acesso à internet e a uma rede local, com o principal fim de jogar em rede. Os principais clientes destes estabelecimentos são os clãs de jogos de computador. Em alguns casos, empresas alugam o local para dar algum tipo de treinamento para seus funcionários. Enciclopédia livre.

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As novas tecnologias de comunicação, as redes telemáticas2, a telefonia móvel, as televisões a cabo e digital, a Internet, introduzem uma nova forma de prática de vida do tempo e do espaço e caracterizam-se, sobretudo por permitir conexões “on-line” e interativas. Essas interações se dão mediadas pelas interfaces dos próprios meios: a tela e o teclado do computador, o controle remoto da TV, o áudio dos telefones móveis. Estes meios estabelecem uma “condição ambiental”, o ciberespaço. “Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e da experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda estrutura social.” (Castells, 1999: 497-99).

Nas três últimas décadas, a concepção materialista e dialética concebe o tempo e espaço como formas peculiares da existência da matéria em movimento. Desse modo, a materialidade só existe no tempo e no espaço. A matéria em movimento é a base de tudo que existe no mundo. Ela é também a realidade objetiva, existindo fora de nossa consciência e nela se reflete. Há uma impossibilidade da existência do tempo sem o espaço. Os dois estão ligados aos aspectos de sua coexistência e mutação. Para nós, o ciberespaço é uma dimensão da sociedade em rede, onde os fluxos definem novas formas de relações sociais. Ao contrário do censo comum em torno do aniquilamento do espaço pelo tempo, parece-nos que, tal como afirma Castells (1999: 490), é o espaço material que organiza o tempo, “estruturando a temporalidade em lógicas diferentes e até contraditórias de acordo com a dinâmica sócio-espacial”. Entretanto, se o espaço material organiza o tempo, a emergência de um tempo-real das redes comunicacionais colabora para uma sensação de aniquilamento do espaço pelo tempo, na forma de um espaço virtual. “A palavra virtual vem do latim medieval virtuale, significando o que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual. Provém daí seu segundo significado como algo suscetível de se realizar; potencial. Na filosofia escolástica é virtual o que existe em potência, não em ato, resultando numa terceira referência à virtual como o que está predeterminado e contém as condições essenciais à sua realização” (Rey, 1998: 29).

De um modo geral, podemos dizer que o tempo-real também implica 2 Telemática de tele (comunicação) + (infor) mática.] Substantivo feminino 1. Ciência que trata da manipulação e utilização da informação através do uso combinado de computador e meios de telecomunicação. Dicionário Aurélio.

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a organização de novas relações sociais que se expressam na formação de um espaço virtual e na reestruturação do espaço concreto preexistente, provocando intenso processo de inclusão e exclusão de lugares e pessoas na rede. O espaço de fluxos de imagem, som, informação e de sociabilidade definido pelo ciberespaço expressa uma “organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funciona por meio de fluxos” (Castells: 436). Cabe apenas lembrar que tais redes não estão somente no espaço de fluxos. De acordo com Lévy (1993: 26), elas constituem o próprio espaço. Se o ciberespaço é parte integrante da sociedade contemporânea, logo é uma realidade que as Artes Visuais busquem compreender, enquanto uma nova forma de materialização dos avanços da sociedade. Atualmente, o ciberespaço pode ser compreendido a partir de duas perspectivas: A primeira como via expressa de informação através da conexão de computadores em rede e a segunda como “realidade virtual”. Para que se possa ter acesso à via expressa de informação, são necessários que sejam estabelecidas as “condições ambientais” do ciberespaço. O ambiente construído é a expressão material que permite conexão com um novo sistema de relações sociais. Tais condições só nos são possíveis a partir de um arranjo espacial que inclui o computador, monitor, teclado, mouse, linha telefônica, provedor de acesso, redes telemáticas e outros meios eletrônicos capazes de nos conectar com o ciberespaço. Estas formas estáticas, aos quais estamos fisicamente ligados, nos transportam, através da virtualidade, para um mundo onde prevalecem as nossas sensações. A experiência de tempo e espaço não existe “nas coisas visíveis do ciberespaço”, mas sim aparecem somente na zona do subjetivo. Desse modo, o ciberespaço é uma veleidade, no sentido de abrir alguma possibilidade de enfoque idealista da materialidade social da sociedade moderna. Para que possamos prosseguir se faz necessário esclarecer o que entendemos por “realidade virtual”. Trata-se, claramente de uma revolução. Uma alteração radical na forma de conceber o tempo e o espaço, e mesmo os relacionamentos. Segundo Pierre Levy (1996, p.16),” o virtual não se opõe ao real e sua efetivação material, mas sim ao atual”. Filosoficamente, o virtual é entendido como o que existe em potência e não em ato. O virtual é extensão do real, ou seja, é um real latente. As imagens virtuais fazem mediação da realidade. O tempo instantâneo e espaço virtual são os novos vetores que se inserem e se articulam ao ambiente construído pela sociedade em rede telemática. O ciberespaço é, então, um ambiente que permite inúmeras possibilidades do mundo real. O mundo virtual caracteriza-se não propriamente pela representação, mas pela simulação. Esta simulação é, na verdade, apenas uma das possibilidades do exercício do real. Desse modo, podemos afirmar que o ciberespaço não está desconectado da realidade. Das relações do indivíduo com o Ciberespaço surge a cibercultura3, que nas artes culmina com a utilização de meios eletrônicos por parte dos A cibercultura é um termo utilizado na definição dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico virtual. Enciclopédia livre. 3

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artistas, o que podemos chamar de Ciber-arte, cujo exemplos são muitos: a vídeo-arte, arte-robótica, telepresence-art (As experiências artísticas que são viabilizadas pelo uso de câmeras e dispositivos eletrônicos de tempo real são denominadas como “telepresence-art” - arte tele presencial - um conceito desenvolvido pelo artista brasileiro radicado nos Estados Unidos, Eduardo Kac), ASCIIart (Sobretudo uma busca pela essência do que é desenhado ou retratado - como conseguir, com reles letras e símbolos gráficos, representar e tornar reconhecíveis pessoas, expressões, emoções e as mais diversas possíveis sutilezas), Web Arte entre outras. A Ciber-arte, desde que surgiu em meados dos anos 70, sempre teve objetivos de conectar artistas de diferentes partes do globo e dar uma maior importância ao processo de criação do que ao produto final. “Desde 1989 venho desenvolvendo uma nova forma de arte que inventei e que chamei de ‘telepresence art’. Este trabalho tem sido mostrado nos Estados Unidos, na América do Sul, na Europa e, virtualmente, no mundo inteiro através da videoconferência digital, em tempo real, na Internet. Esta nova arte se define na interseção entre interatividade, telecomunicação e robótica” (Kac, 1997:08).

O Ciberespaço a cada dia torna-se um elemento cada vez mais presente e necessário no cotidiano dos habitantes urbanos e toda a sua desmaterialização e virtualização presentes no fluxo de informações são refletidas pela arte eletrônica que procura a interatividade e hibridação cada vez maior de linguagens e conceitos. Com as perspectivas acima colocadas, sobre o uso das redes, prescisamos aumentar as necessidades de instrumentalização, preparação e atualização dos professores para enfrentar os novos desafios da era da telemática. Os benefícios do uso das redes eletrônicas estão diretamente relacionados as novas formas de aprendizado em que a interação, o acesso ilimitado às informações que podem-se transformar em conhecimento, a questão interdisciplinar e colaborativa, somam-se na tentativa de redimensionar os modelos educacionais.

Web Arte Para definirmos à Web Arte acabamos esbarrando em uma procura de conceitos que vão muito além do suporte utilizado e das teorias peculiares a este meio. Tentar definir o que é um objeto artístico vai muito além de técnicas, suportes ou conceitos estéticos utilizados: é um amplo departamento do conhecimento humano que se relaciona diretamente com a sensibilidade estética de quem cria e aprecia arte que irá realizar o julgamento de objetos artísticos com suposições muito particulares, muitas vezes calcadas no gosto pessoal. Um site de Web Arte disponibiliza um canal de experiências visuais, sonoras ou temporais com o visitante. Ao criar um trabalho de arte para a

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rede, parte-se do princípio de estabelecer relações com a sensibilidade do internauta, tornando a navegação, uma experiência extraordinária, cômica, repetitiva, labiríntica, estética etc. Aqui existe uma busca de resultados subjetivos, intimamente ligados com a experiência do visitante vivenciada no trabalho, que por sua vez, se presta a um grande número de leituras particulares que serão resultado direto da ação do repertório visual do interpretante. Assim, a leitura de típicos trabalhos de Web Arte que se utiliza de elementos do universo computacional (botões padrão, barras de navegação, mensagens típicas de softwares etc.) dependerá da existência das informações deste universo no repertório visual do visitante. Em outras palavras, se ele não conhecer do que exatamente se trata, sua leitura irá correr o sério risco de não ser satisfatória e ficar somente no nível estético ou de composição estrutural das imagens. “A flexibilidade não está relacionada apenas com os processos de produção e os circuitos de distribuição. A exigência de reorganização em tempo real visa também os agenciamentos cognitivos pessoais. [...] De acordo com sua perspectiva operacional, o saber informático não visa manter em um mesmo estado uma sociedade que viva sem mudanças e se deseje assim, [...]” (Lévy, 1993: 119).

Atualmente, a Web Arte apresenta-se como uma expressão com linguagem ainda em definição. Muito do que é produzido para a Internet, ainda parte de conceitos oriundos de outros meios já existentes, como a pintura, a fotografia, o cinema e o vídeo. E em alguns casos, a influência vai além do conceito: semelhanças formais - linhas, formas e cores - acabam se apresentando também. Atualmente, as releituras e citações de artistas de períodos anteriores são práticas consagradas nas poéticas artísticas contemporâneas e muito do que é produzido com fins artísticos para a rede possui estes princípios. A própria prática de arte em rede, pode ser relacionada com a Mail Art - arte postal - dos anos 60, quando artistas experimentaram novas possibilidades e fizeram intercâmbios de criações em uma rede livre e paralela ao circuito oficial das artes.

Arte Via Rede: Galerias Virtuais Sem dúvida, a maioria dos sites que levam a designação “arte” na Internet são as chamadas galerias virtuais que normalmente disponibilizam em um mesmo site, várias obras de arte das mais diversas técnicas e materiais - pinturas, esculturas, objetos, instalações, entre outras - por meio de imagens fotográficas, desenhos ou ambientes virtuais. Geralmente estão ligadas a uma instituição da área - museus, institutos culturais, centros culturais e galerias de arte - ou a um profissional que seleciona um determinado número de trabalhos para constituir um portfólio on-line. Organizo de início, os sites com essas características e seus respectivos criadores, dentro de dois grupos distintos, sites de Instituições Culturais,

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sites pessoais de artistas,. No primeiro grupo - sites de instituições culturais - existe o intuito de divulgar o acervo de obras, as exposições que já aconteceram e aquelas que estão ocorrendo. Para tanto, o museu ou centro cultural, disponibiliza outros dados sobre a exposição ou artista em questão, normalmente de caráter biográfico ou crítico, como forma de ampliar o repertório do visitante e estimular uma visita ao espaço real da instituição. No segundo grupo - sites pessoais de artistas - o interesse do artista é divulgar a sua produção pessoal, podendo até deixar disponíveis artigos que possam ser favoráveis na assimilação de sua obra. Normalmente, o currículo do artista - dados pessoais e exposições realizadas - também está presente no mesmo espaço.

As instituições culturais e seus sites de divulgação As instituições culturais que colocam a disposição do público que possui acesso a rede, trabalhos de arte de acervos e exposições já realizadas, na maioria das vezes cumprem um papel didático no campo da arte-educação: as seleções de imagens sempre seguem com um texto explicativo, descritivo ou crítico que auxiliam na assimilação das obras. O Museu de Arte de São Paulo (MASP), visitado em abril de 2007, disponibiliza assim como a Pinacoteca de São Paulo (http://www.uol.com. br/pinasp - endereço off-line), site visitado em abril de 2007, grande parte das exposições temporárias acontecidas no espaço expositivo das instituições. Chamadas de “Mostras Virtuais”, as exposições do MASP na Internet dividem-se segundo o tema da exposição, conforme ocorreu no espaço do museu com textos de apoio e conforme a programação visual relacionada ao evento. A navegação entre as imagens selecionadas se dá por meio da divisão de páginas ou salas - assim como no site da Pinacoteca - que possuem em torno de cinco obras que quando clicadas individualmente têm a imagem ampliada e os dados relacionados. No site do MASP, além das exposições temporárias já realizadas, o internauta também tem acesso a parte do acervo digitalizado, num total de 120 obras entre pinturas Brasileiras, Européias e das Américas - a exemplo de outros grandes museus do mundo, como o Museu do Louvre, em Paris - que disponibiliza o seu acervo via Internet. O intuito de reconstituir no ciberespaço, a experiência de adentrar uma sala com trabalhos ou mesmo uma instalação de arte, um exemplo é o site da XXIV Bienal de São Paulo (http://www.uol.com.br/bienal), realizada em 1998, que disponibiliza muitas imagens da exposição em 360 graus, chamadas de “Panorama”, onde o internauta vê ao redor de um ponto central de algumas salas, tudo o que está a sua volta, podendo aproximar e afastar, acionando comandos no teclado. Vermelho por todos os lados - O site da XXIV Bienal de São Paulo, oferece aos seus visitantes, além das tradicionais imagens fotográficas, a visualização de obras de arte através de um aplicativo em Java - Livepicture - onde é possível ver algumas salas da exposição em 360 graus. O efeito, chamado de “Panorama” possibilita além do giro em 360º, a aproximação

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e afastamento da imagem (zoom in e zoom out) para melhor assimilação de detalhes. Aqui, a instalação de Cildo Meireles, “Desvio para o vermelho” (1967-98), onde se encontram vários objetos, todos eles de cor vermelha. Disponível desde 1998, no seguinte endereço: http://www.uol.com.br/ bienal/24flash/panorama/pano10.htm. Visitado em 07 de julho de 2005.

Artistas e seus sites de divulgação Entre sites pessoais de artistas, encontramos uma série de semelhanças no funcionamento e navegação. Especialmente escolhidos por serem consagrados artistas contemporâneos brasileiros, os artistas plásticos Regina Silveira, Siron Franco, Leonilson e Thomaz Ianelli possuem sites hospedados no provedor brasileiro Universo On Line (UOL) www.uol.com. br, onde disponibilizam informações e imagens. Embora entre eles exista uma grande diferença na produção artística - todos esses sites possuem uma série de características comuns. Primeiro, existe a necessidade de dispor imagens que sejam representativas de um período do artista ou de toda a sua produção até o momento. No site da Regina Silveira, visitado em maio de 2007, a seleção de imagens se dá sob o link denominado como “Portfólio”, onde encontra-se a produção mais recente - dos últimos dez anos - dentro de três categorias básicas: objeto, instalação e obras gráficas. Escolhendo uma categoria, o internauta é levado a uma página com pequenas imagens de todos os trabalhos da categoria com seus respectivos títulos. Por fim, ao clicar em uma dessas imagens, uma outra página se abre, com uma foto maior e dados completos do trabalho (título, material, tamanho, local e data). Já no site do artista plástico goiano Siron Franco, acessado em maio de 2007, uma seleção de imagens também está disponível sob o link “Obras”. Diferentemente do site da artista Regina Silveira, aqui não há categorias segundo o tipo do trabalho e sim uma divisão por salas de exibição. A divisão de salas (indo do número 1 ao 11) é aqui utilizada como forma de agilizar a visualização de conteúdo, pois com um número reduzido de imagens por página, o carregamento dos dados acontece mais rapidamente. A designação de título e outros dados das obras só ocorrem ao clicar uma das imagens que reproduzem as pinturas do artista. No site do artista Leonilson - aqui o único realizado post mortem - acessado em maio de 2007, existe outra maneira de dispor a seleção de principais trabalhos: dentro de um texto da crítica de arte Lisette Lagnado, os trabalhos são disponibilizados por períodos de tempo. No texto, a produção do artista é divida em três períodos e pequenas imagens ilustrativas são os links para imagens maiores com reproduções das obras com dados técnicos (título, ano, técnica, dimensões e coleção a que pertence). Além de dispô-la as imagens de seus trabalhos, os sites de artistas também podem possuir a função de divulgar eventos onde eles os artistas - participam. Exposições, mesas-redondas e eventos em geral são colocados em uma lista que é atualizada periodicamente. No site de Regina Silveira, essa lista leva a designação de “Agenda” e no site do artista Siron, “Exposições”. Além de ser um canal de divulgação, um site criado

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para a obra de um artista pode ser também um canal de esclarecimento do público por meio do correio eletrônico. Estaria a Internet encurtando distâncias também entre artista e público? Este tipo de navegação deixa nós Arte-Educadores mais próximos e possibilidades de estudos compartilhados com nossos educandos maravilhosos.

Considerações Finais Desde 2003, tive um questionamento muito grande, Ao longo do percurso desta pesquisa de como será a utilização das novas tecnologias por parte do mundo das artes? E tive o prazer de realizar esta pesquisa a qual tenho muito a acrescentar ainda no percurso de minha vida. A pesquisa me trouxe ainda, mas questionamentos, mas me detive nas partes iniciais do universo das novas tecnologias, neste caso a Internet como norteadora. Busquei compreender esta ferramenta e como tem sido utilizada pelo mundo das Artes. O grande Lévy Pierre foi minha inspiração na leitura principal desta pesquisa, onde ele trata das questões de Ciberespaço, nos ensinando que a virtualização não e boa nem má, mas devemos antes de qualquer atitude de temê-lá, condena-lá, fazer o esforço de aprender, de pensar e de compreender toda a sua amplitude. Graças a Tim Berners-Lee e possível hoje conhecermos a Internet como ela é, com essa interatividade, como essa rede espalhada por todo mundo, devemos saúdalo por esta grande iniciativa e grande ferramenta a qual desfrutamos. O novo tempo das redes fora do tempo cronológico revoluciona nossas vidas e nossos coletivos sociais, que se tornam verdadeiras comunidades virtuais, onde circulam desde relações interpessoais até os grandes dilemas universais ou planetários, constituindo um novo imaginário social e coletivo. A cada minuto que passa novas pessoas aderem a esse mecanismo e nós profissionais da educação não podemos ficar de fora, temos que ter a consciência de buscar, mas para os nossos educandos, compartilhando informações preciosas. Hoje no termino desta pequena parte da minha pesquisa a qual levarei a frente, tenho a dizer que muito aprendi com informações valiosas e o quanto ainda ela ira crescer. A todos tenham um ótimo aprendizado assim como eu. Referências BARBOSA, Ana Mae. Inquetações e mudanças no ensino da arte São Paulo, Ed. Cortez, 2003. _______.Topicos Utopicos São Paulo, Ed. Cortez, 1998. BOSSUET, Gerard O computador na escola: o sistema logo. Porto Alegre, Artes Médias. 1995 CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999. COUCHOT, Edmond (trad. Sandra Rey) A tecnologia na arte: da fotografia à rea-

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lidade virtual Porto Alegre, Coleção Interfaces, Editora da UFRGS, 2003. FERREIRA, Sueli M. S. P. “Introdução as Redes Eletrônicas de Comunicação”, Ciências e Informática. Brasília. 1994 FLUSSER, Vilém Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 2002. FRANCO, Marcelo Araujo. Ensaio sobre as tecnologias digitais da inteligência. Campinas, São Paulo: Papirus, 1997. GATES, Bill A Estrada do Futuro, São Paulo, Companhia das Letras, 1995. GIBSON, Willian. Neuromancer. São Paulo. Ed Aleph, 1991. KAC, Eduardo Eduardo Kac: Telepresença Problematiza a Visão In: Cadernos da PósGraduação, Instituto de Artes, Unicamp, Campinas, ano1, vol.1, n.1, pp.7-12, 1997. http://www.cap.eca.usp.br/wawrwt/textos/kac1.html acessado em 18/09/2007 LÉVY, Pierre (trad. Carlos Irineu da Costa) As tecnologias da inteligência Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993. _______. O que é virtual? São Paulo, Ed. 34, 1996. _______. Cibercultura São Paulo, Ed. 34, 2000. LOLLINI, Paolo Didática & Computador São Paulo, Edições Loyola, 1991. MAFFESOLI, M. A conquista do presente. Rio de Janeiro, Rocco, 1984. PRADO, Gilbertto Arte telemática: dos intercâmbios pontuais aos ambientes virtuais multiusuário São Paulo, Itaú Cultural, 2003. _______. Utilizações Artísticas de Imagens em direto na World Wide Web In: Anais do I Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, UNB, Departamento de Artes Visuais,Brasil.1999. http://www.cap.eca.usp.br/wawrwt/textos/donprado1. html Acesso em 18/09/2007 VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Rio de Janeiro, Ed.34, 1993.

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Projeto A Cidade Que Mora Em Mim: Percurso Animado Jaqueline do Nascimento Graduanda do curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFES Leandro Macedo Graduando do curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFES

Justificativa A idéia central de se produzir uma “oficina” de animação surgiu das conversas a respeito das possibilidades do Projeto Escola Aberta, durante as aulas de Prática de Ensino da Arte no Ensino Fundamental. Através da Professora Moema e dos relatos das Monitoras, tivemos acesso a informações relevantes sobre as experiências do Projeto A Cidade que Mora em Mim como parte do Escola Aberta. Munidos de tais referências, e tendo como suporte as experiências de um dos colegas com produção de vídeo, definimos que nossas ações teriam como resultado final uma animação. Assim, estava lançado o desafio de experimentarmos a produção de uma proposta de trabalho para o Escola Aberta a partir do tema gerador A Cidade que Mora em Mim e tendo como produção das crianças um vídeo. Logo no começo nos deparamos com o primeiro problema: o nome do trabalho, da proposta de trabalho. Sabíamos que deveria ser um nome que sugestionasse o tema gerador e ao mesmo tempo o suporte: vídeo. Assim, foi sugerido que o nome do trabalho fosse Percurso Animado: • Percurso: Referência aos percursos que todos fazem até chegar à Escola. Além disso, também uma reflexão sobre as propostas do Projeto A Cidade que Mora em Mim (o percurso que tenho; o percurso que não tenho; o percurso que gostaria de ter); • Animado: Referência à produção de um vídeo de animação.

Objetivos Nossas iniciativas estiveram vinculadas aos princípios norteadores do Projeto A Cidade que Mora em Mim, que por sua vez interage com as propostas do Projeto Escola Aberta. Assim, nossas atividades foram pensadas e re-pensadas dentro de objetivos que atendam às necessidades da Escola Municipal de Ensino Fundamental João Bandeira e dos Projetos referenciados. Portanto, alguns itens devem ser evidenciados a partir desse contexto: • A estrutura deverá ser uma oficina que contemple, no mínimo, 4 (quatro) etapas, ou aulas, a partir das perguntas: “O que tem?”, “O que não tem?”, “Quais são os desejos?”; • A intenção primeira desse trabalho é levar o grupo de “alunos” a refletirem sobre suas condições de vida nos locais onde estão inseridos e as produções serão representações desse diálogo; • Os planejamentos deverão vislumbrar “a formação integral..., seu objetivo

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é o desenvolvimento de todas as capacidades da pessoa e não apenas as cognitivas...” (Zabala, pg. 197). Portanto, as oficinas deverão ser pensadas através de atividades lúdicas, fazendo com que os envolvidos realmente pensem e re-pensem suas vivências; • O público-alvo deverá ser uma referência, isso não quer dizer que outras pessoas não possam se interessar e participar do processo.

Público Alvo A oficina Percurso Animado foi pensada a partir das propostas do Projeto “Escola Aberta”, ou seja, para crianças da Escola Municipal do bairro Consolação bem como aquelas crianças que, mesmo que não estudem no bairro, tenham interesse em participar da oficina. A partir disso, durante os dias de divulgação da oficina, estaremos priorizando os alunos das 6ª e 7ª séries do Ensino Fundamental. Isso não quer dizer que, nos dias da referida oficina, não exista a possibilidade de aceitarmos a participação de outras crianças interessadas na proposta.

Planejamento 1ª ETAPA - PERCURSO – “O QUE TEM?” Iniciaremos nossas atividades com uma apresentação de todos os atores do projeto, tanto as crianças como os orientadores da oficina. Nessa fase cada participante estará escrevendo seu nome num crachá. Concluído os nomes, promoveremos uma reflexão que direcione as crianças ao tema gerador da oficina: “A cidade que mora em mim”. Assim, estaremos provocando os participantes com uma pergunta: o que tem no percurso que você faz, da sua casa até a escola? A resposta a essa pergunta será um desenho, sobre o mesmo crachá com o nome, que exemplifique esse percurso. A partir dos resultados produzidos pelas crianças, nos crachás, estaremos promovendo uma apresentação das respostas relacionadas ao percurso e, ao mesmo tempo, direcionando-as a uma espécie de jogo: à medida que as crianças vão relatando seus percursos, vamos induzindo-as a perceberem as peculiaridades nos percursos dos colegas de maneira que esses trajetos sejam ligados por um barbante, que com o decorrer das apresentações se transformará numa espécie de “entrecruzamento de percursos”. Ao final das apresentações e a partir da percepção desses “percursos” que se formarão com o barbante, fixaremos esse barbante sobre jornais (previamente forrados no chão). As crianças poderão perceber o “entrecruzamento de percursos”, bem como uma espécie de “vazios” que aparecerão entre as linhas do barbante. 2ª ETAPA – PERCURSO – “O QUE NÃO TEM?” A partir da percepção desses “vazios” que aparecerão entre os percursos das crianças, novamente estaremos provocando-as com outra pergunta: o que não tem no seu bairro? (ou, o que não tem no seu percurso?) As respostas a essa pergunta serão construídas nos “vazios” entre os barbantes

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através de desenhos e pinturas. Assim, as crianças apresentarão suas produções relatando para o grupo suas percepções em relação ao que não tem no bairro, ou no percurso. 3ª ETAPA – PERCURSO – “QUAIS SÃO OS DESEJOS?” Antes de iniciarmos os trabalhos, estaremos exibindo para as crianças alguns vídeos de animação para que elas tenham um primeiro contato com as possibilidades propostas pelos professores, de um vídeo de animação. A partir dessas exibições, os professores farão as devidas explicações e orientações a respeito das produções dos cenários. Além disso, esse momento será um facilitador para as reflexões sobre os desejos das crianças. Com a construção dessas idéias iniciais, vivenciadas nos encontros anteriores, estaremos promovendo, junto com as crianças, a produção de cenários idealizados a partir de seus desejos e expectativas em relação ao bairro. Essas produções serão representações daquilo que cada criança deseja ter no percurso de casa até a escola. Serão disponibilizadas caixas de papel como suporte para que os participantes materializem seus desejos, através de massinha de modelar, papéis, objetos diversos (pedrinhas, miçangas, tecido, tampinhas...), enfim, representem o “percurso ideal”. 4ª ETAPA – PERCURSO – O QUE EU DESEJO... DESEJO PARA QUEM? Posteriormente às produções dos cenários, as crianças estarão idealizando e produzindo um personagem que “caminhe” nesse percurso. Assim, deverão criar esse personagem com algum dos materiais disponibilizados e que represente toda vontade, desejo, de experimentar o “percurso ideal”. A intenção é que as crianças utilizem massinha de modelar para a criação dos referidos personagens e acrescentem outros materiais para detalhamento, se necessário. Terminada essa fase, da produção dos personagens, as crianças serão estimuladas a pensarem a “união” dos percursos como um “desejo coletivo”, ou seja, a vontade de que o desejo de um possa ser o desejo de todos. Assim, os cenários serão agrupados e inter-relacionados através de um caminho produzido com papel cartão, representando o desejo de todos. As crianças, individualmente ou agrupadas, poderão “caminhar” sobre esses percursos, da maneira que quiserem. Paralelamente, os Professores estarão fotografando cada movimento desses personagens sobre os percursos de maneira que cada criança, ou grupo, tenha material suficiente para montar sua animação. Essa técnica, usando fotografias (stop motion), é a que o grupo acredita ser viável para a escola, tanto por questões operacionais (laboratório de informática) quanto pelo contexto escolar (faixa etária e produção nas dependências da escola). 5ª ETAPA – PERCURSO ANIMADO Nessa fase, de posse das fotografias e tendo acesso às dependências e aos programas do laboratório de informática, as crianças serão instruí-

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das pelo grupo sobre as possibilidades de produção da animação. Assim, tendo como referência as produções das crianças, o grupo se encarregará de editar o vídeo de maneira que a proposta do “percurso coletivo” seja integrada também nessa etapa dos trabalhos. 6ª ETAPA – PERCURSO ANIMADO... REALMENTE ANIMADO! Essa etapa será a culminância dos nossos trabalhos e os Professores promoverão uma festa para exibição do vídeo. A proposta é de integração da equipe com as crianças, além de ser o momento mais propício para uma avaliação das crianças em relação às atividades do projeto. Também estaremos entregando uma cópia do vídeo para cada criança e para os colaboradores do Escola Aberta.

Cronograma e desenvolvimento das atividades 22/09/2008 – planejamento (UFES); 27/09/2008 – visita a Escola – reconhecimento do bairro Consolação e da Escola; 29/09/2008 – planejamento (PÓLO); 02/10/2008 – visita a Escola – contato com o professor de informática e solicitação de materiais; 23/10/2008 – estivemos na escola para a divulgação, contudo, a escola estaria repondo aulas no fim de semana e não teria o “Escola Aberta”; 30/10/2008 – estivemos na escola para a divulgação, contudo, fomos informados que as séries finais do Ensino Fundamental só funcionam no turno vespertino; 31/10/2008 – divulgação do projeto, no turno vespertino, nas 6as e 7as séries; também fomos ao Pólo para pegarmos materiais; 01/11/2008 – OFICINA Chegamos à escola por volta das 8h para arrumarmos a sala. Ficamos muito surpresos e felizes ao constatar que a diretora conseguiu praticamente toda a lista de materiais. A pedido da Professora Moema, o Pablo (Coordenador do Projeto Escola Aberta) convidou algumas crianças que estavam na escola para participarem da nossa oficina visto que os alunos das 6as e 7as séries, aparentemente, não compareceriam. Conforme nosso planejamento, iniciamos nossas atividades com as apresentações: Jhenifer (Mora em Maruípe, no Horto, e estuda na Escola Aristóbalo Barbosa Leão), Ayslaine (Mora em São Benedito e estuda na Escola Aristóbalo Barbosa Leão), Maxwel (Mora em São Benedito e estuda na Escola Aristóbalo Barbosa Leão), Jessika (Mora em São Benedito e estuda na Escola Aristóbalo Barbosa Leão), Luan (Mora em São Benedito e estuda na Escola João Bandeira), Sthefani (filha do Pablo), Nayara (Mora em São Benedito e estuda na Escola João Bandeira), Rômulo (Mora em Jaburu, mas fica com a avó em Consolação, e estuda na Escola João Bandeira) e Itevaldo (É irmão do Rômulo) eram as crianças participantes. Seguimos o nosso planejamento, contudo, mudamos alguns detalhes: enquanto as crianças desenhavam sobre os crachás, indagamos sobre o que

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gostam e sobre o que não gostam de fazer quando não estão na escola: • “Não gosto quando mandam eu ir à padaria” (Maxwel); • “Não gosto de andar a pé” (Jessika); • “Gosto de assistir televisão” (Nayara); • “Não gosto de cuidar do meu irmão, ele tem sete anos” (Nayara); • “Gosto de ficar no computador” (Jhenifer); • “Gosto de brincar de boneca” (Ayslaine); • “Não gosto de ficar com minha irmã, ela tem dois anos” (Ayslaine) • “Gosto de jogar bola” (Luan). OBS.: Uma coisa nos chamou a atenção: ninguém disse que não gosta de ir à escola. OBS.: A Sthefani saiu às 10h, para ir à Igreja, e voltou depois das 11h, quando já tínhamos encerrado. Ao final dos desenhos sobre os crachás, dos percursos, primeiramente ouvimos cada criança: • “Se você subir a escadaria para ir a minha casa, vai passar pelos meninos do tráfico e também pela lojinha da Simoni” (Rômulo); • “Nós moramos em Jaburu e ficamos com a nossa avó em Consolação. Nossos pais trabalham e ficaria longe vir de Jaburu para a Escola João Bandeira” (Etevaldo); • “Eu moro perto do Horto mas fico na casa da minha avó, em São Benedito. Passo pelo Bar da Elinha e pela pracinha” (Jhenifer); • “Nós somos primos: Eu, a Jhenifer, o Maxwel, a Jessika e o Luan. A gente vem da casa da vovó e passamos pelo mesmo local.” (Ayslaine); • “Eu venho para o Escola Aberta porque não fica ninguém em casa. Às vezes passo pela pracinha de São Benedito também, mas é um caminho mais longe” (Nayara); • “Pelas escadarias por onde passamos vemos muitas casas” (Sthefani). Em seguida, todos juntos, forramos o chão com os jornais e em seguida iniciamos o jogo com o barbante. Após essa etapa do planejamento, as crianças desenharam nos “vazios” sobre o jornal, entre os barbantes, representações do que não tem no bairro: uma floresta (Nayara), um parque (Ayslaine), um campo de futebol (Luan), uma floresta e brinquedos (Jhenifer), presentes (Maxwel), distribuição de balas e Papai Noel (Etevaldo), uma floresta (Jessika). OBS.: O Rômulo saiu e foi para a informática, portanto, não participou desse momento. Em compensação, uma aluna chamada Mariana participou dizendo, e desenhando, que “não tem uma quadra”. Encerramos as atividades com a sensação de que teremos a participação das crianças no próximo sábado. Todos disseram que vão voltar, inclusive a Sthefani (que saiu mais cedo e voltou depois). Contudo, após a constatação de que os alunos das 6as e 7as séries não participaram, resolvemos fazer a divulgação nas séries iniciais: 1a e 2a séries (durante a próxima semana). 05/11/2008 – instalação de programas no laboratório de informática da escola;

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06/11/2008 – divulgação do projeto, no turno matutino, nas 1as e 2as séries; 08/11/2008 – OFICINA Chegamos à escola por volta das 8h para arrumarmos a sala. Foi uma surpresa constatar que as crianças já estavam se mobilizando para o início da oficina, inclusive, foi muito prazeroso encontrar a Ayslaine logo cedo: “Eu estava no hospital, com crise de asma, mas vim direto para a escola”. Aos poucos as crianças foram chegando, algumas do sábado anterior (Jhenifer, Ayslaine, Jessika, Luan, Nayara, Rômulo e Etevaldo) e outras “novatas” (Luiz Fernando, Gabriel, entre outros). Iniciamos nossas atividades relembrando todas as etapas e conversas do sábado anterior. Em seguida, assistimos a alguns vídeos para que as crianças compreendessem melhor a proposta da oficina. Alguns vídeos eram de animação e um sobre um “percurso realizado pelo Leandro”. As crianças prestaram bastante atenção nos vídeos e comportaram-se muito bem, ou seja, sem desistências ou conversas. Logo após o término dos vídeos conversamos com a turma sobre as possibilidades de criação dos vídeos: temática, fotografia, cenários, bonecos... Após essa etapa, recapitulamos com eles algumas falas do sábado anterior a respeito das coisas que não tem no bairro e que eles gostariam que tivesse, de preferência, no percurso que eles fazem até a escola. A partir desse momento, explicamos aos alunos que eles iniciariam a produção dos cenários da animação, ou seja, a produção de representações do que eles desejam para o bairro, ou melhor, o que eles gostariam que tivesse no percurso de casa até a escola. Antes que iniciassem as produções dos cenários, fomos entregando os crachás a cada um e promovendo a apresentação do grupo, inclusive dos professores, de maneira que aqueles que não participaram do sábado anterior fossem atendidos um a um, todos passando pelas mesmas etapas que os colegas. Não deu nenhum tipo de tumulto, pois enquanto os alunos da semana anterior iam iniciando a produção dos cenários e sendo auxiliados por uma parte do grupo, os “novatos” também iam recebendo atendimento e rapidamente todos estavam na mesma etapa. As produções foram realizadas sobre caixas de presente (doação/reaproveitamento) abertas: dessa maneira as crianças teriam a possibilidade de idealizarem as referências de “céu” e “chão”. Disponibilizamos vários materiais: miçangas, tinta guache e pincéis, purpurina, papéis, retalhos de tecido, pedrinhas, lacres de latinha, sucatas de bijouterias, giz de cera, lápis de cor, canetinhas hidrocor, entre outros objetos. Tivemos a oportunidade de percebermos algumas questões nas falas das crianças: • “Gostaria que tivesse um rio bem no meio do caminho para a escola” (Ayslaine); • “Eu queria mais tiros do tráfico no meu caminho, bastante briga... eu participo das brigas... eu gosto de brigar.” (Gabriel); • “Eu queria que tivesse um grande parque com salas de jogos e lanche de graça... eu não ia sair de lá!” (Luiz Fernando);

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• “No nosso bairro não tem nada de bom... bom é aqui na escola!” (Thays). Após algum tempo de produção dos cenários, as próprias crianças pediram para usarem as massinhas de modelar para iniciarem a produção de elementos tridimensionais (“esculturas”). Isso foi legal porque partiu do próprio grupo de alunos, sem a necessidade da intervenção dos professores. Foi incrível perceber a assimilação feita pela turma. Entre as conversas e as observações, podemos citar alguns elementos simbólicos nos cenários das crianças: animais, plantas, rios, lagoas, pista de skate, brincadeiras e brinquedos, casas, prédios, o céu sempre azul e ensolarado. É válido citar que a Liliane (professora), sensibilizada pelas falas das crianças no sábado anterior em relação ao fato de que adoram balas, levou alguns doces para a turma. O surpreendente é que todos mantiveram uma conduta muito respeitosa e pegavam as balas sem atropelos ou tumulto. Acreditamos, mais uma vez, que no próximo sábado teremos a participação de grande parte dos alunos desse encontro, pois se mostraram muito animados e interessados. 15/11/2008 – OFICINA Nesse sábado, tivemos dois agravantes para que nosso planejamento não acontecesse conforme o esperado: • Primeiramente chegamos à Escola com as crianças desesperadas porque não teríamos o Escola Aberta, em conseqüência das chuvas. O excesso de infiltrações acarretou na impossibilidade de acessarmos corredores e salas de aula, pois as crianças poderiam se machucar, correndo ou brincando pelo espaço. Assim, ficou decidido entre o coordenador e os professores que funcionaríamos, pelo menos, o laboratório de informática; • O laboratório de informática, depois de muitos contatos com os responsáveis e tentativas do grupo, não comportou o funcionamento dos programas necessários para que as crianças produzissem sua própria animação. Assim, ficou decidido que o próprio grupo de professores se encarregaria de produzir os vídeos.

Observações do professor Leandro O quarto encontro que iria se realizar no laboratório de informática, infelizmente, não ocorreu, também, por um motivo muito relevante: 1º) O sistema operacional dos computadores do laboratório de informática da escola impossibilitou a utilização do mesmo para edição das animações. A utilização do Linux (Sistema Operacional Gratuito) impossibilitou a instalação do software de animação. Inicialmente o software que seria utilizado, o Muan, também gratuito e de acordo com a sua empresa desenvolvedora direcionado a sistemas Linux não pode ser instalado por apresentar incompatibilidade. A instalação dos software foi autorizada pelo órgão competente. Por sua vez o grupo procurou e pesquisou softwares de animação que também não puderam ser instalados graças à incompati-

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bilidade com o sistema operacional, eles são: 1. Stop Motion Pro 2. Video Mach 3. Monkey Jam 4. S M Animator 5. Easy GIF Animator 6. Bannershop GIF Animator 7. Animator DV 8. Flash É Importante relatar que quando um destes softwares era finalmente instalado o mesmo apresentava erros graves durante sua execução, impossibilitando sua utilização correta. Algumas outras vezes um ou outro computador não permitia sua instalação, inferindo assim que estava com seu sistema desatualizado ou com problemas. Lembramos que o professor responsável pelo laboratório Prof. Marcelo Campinho e o Oficineiro do Escola Aberta monitor Adilson auxiliaram ativamente e até mesmo fizeram pesquisas para que o laboratório fosse utilizado na oficina. 22/11/2008 – OFICINA Eis o grande dia! Nesse sábado, apresentamos o vídeo, o Making Off e algumas fotos, ao grupo que participou do projeto. Também conversamos com algumas crianças sobre o que acharam das atividades e do próprio vídeo, Percurso Animado. Em seguida, fizemos uma confraternização, com comidas e bebidas, e entregamos um DVD para cada um dos participantes. A alegria estava estampada no rosto de todos e algumas crianças externavam o orgulho que estavam sentindo em levar para casa um DVD. Essa era uma possibilidade de mostrarem para as famílias suas produções e participação no projeto. Mesmo sabendo que alguns estavam sofrendo com as enchentes, o clima era de festa e de orgulho. A grande maioria perguntou sobre a continuação do projeto e das atividades. Realmente foi uma satisfação visualizar os resultados e as integração das crianças, do grupo de professores da UFES e dos professores do Escola Aberta.

Avaliação Nossa avaliação pode ser considerada satisfatória, num primeiro momento, pois as crianças envolveram-se nas atividades de maneira que todos os encontros foram marcados pela presença das mesmas pessoas, entre outros é claro. Esse fato é de extrema importância, visto que o grupo de crianças não tinha a menor obrigação de participar das atividades. Assim, pensamos que, no mínimo, gostaram das atividades planejadas. Isso fez com que nosso cronograma de atividades não “fugisse” ao controle e não comprometesse as etapas de execução do vídeo. No início, ficamos preocupados se realmente conseguiríamos alcançar um grau de envolvimento com as crianças, de maneira que se interessassem pelo tema proposto e pelas abordagens feitas pelo grupo de professores.

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Ao final do primeiro encontro, tínhamos a certeza de que voltariam no outro sábado. Essa certeza veio dos comentários que fizeram sobre como foi divertido e também o fato de que ao final do horário estipulado tivemos que conversar com a turma e explicarmos que voltaríamos no próximo sábado para darmos continuidade. Um outro ponto que observamos foi o entendimento de todos em relação ao tema: “A Cidade que Mora em Mim”. Foi muito prazeroso percebermos que as crianças conseguiram estabelecer relações entre o tema e suas realidades. As colocações e as referências expostas pelas crianças foram de extrema importância para que as atividades fizessem sentido para as próprias crianças e para as propostas do projeto. Ainda em relação à participação das crianças, nosso público alvo inicial era de crianças mais velhas, contudo, percebemos durante o primeiro encontro que se trata de um público mais complexo, ou seja, mais difícil de se aproximar. A partir disso, ficamos com a idéia de que, para trabalharmos na perspectiva do Projeto Escola Aberta, seria necessária uma observação prévia, com mais cuidado, sobre os interesses desses pré-adolescentes. Além disso, o grau de aproximação e de abordagem deve ser muito pensado e discutido com a própria escola e coordenadores do projeto para que, tanto os objetivos do projeto quanto os interesses dos adolescentes sejam atingidos com sucesso. Partindo para a análise das informações passadas pelas crianças em relação aos locais onde vivem, todos dos bairros de Vitória, o que observamos é que essas pessoas percebem seu contexto social de maneira muito criteriosa, ou seja, o que eles relatam são situações e coisas que qualquer outra pessoa, em qualquer outro lugar, descreveria como coisas boas e ruins (por exemplo, os colegas e vizinhos como coisas boas e a falta de pracinhas como coisa ruim). O que esse grupo de crianças relataram para nós é o desejo de morar em um lugar que tenha um mínimo de condições para que eles tenham qualidade de vida. Além disso, como qualquer criança, em qualquer lugar do mundo, elas querem lazer, educação, saúde e segurança, isso tudo representado através dos desenhos, pinturas e da própria animação produzida. E é exatamente sobre a estrutura da escola mantida pela prefeitura que fica nosso sentimento de tristeza. O laboratório mantido na escola é, aparentemente muito bonito, tem jogos e internet, contudo, se os professores da escola resolverem produzir algo diferenciado, realmente de cunho pedagógico, a rede não sustenta possíveis programas disponibilizados na própria internet, ou seja, gratuitos. Além disso, durante o período de chuvas observamos as dificuldades da coordenação em manter a escola em funcionamento com tantas infiltrações. As crianças são privadas das oficinas porque não existe a possibilidade de acessarem corredores e salas de aula, pois podem sofrer acidentes. Enfim, entre tantos sucessos e problemas é claro que vamos olhar do ponto de vista positivo. O Projeto A Cidade que Mora em Mim é uma iniciativa muito louvável, visto que através de suas propostas as crianças são orientadas a pensarem sobre seus ambientes. Além disso, o Projeto

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Escola Aberta mostrou-se muito importante para aquela comunidade, visto que as pessoas do entorno, e fora dele, têm a Escola como uma referência de lugar seguro e produtivo.

Referências

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Nice Nascimento Avanza: Do Imaginário à Materialidade Pictórica Juverci Fonseca Bitencourt Estudante de Graduação em Artes Visuais/UFES

Introdução Esta pesquisa pretende abordar a produção pictórica de Nice Nascimento Avanza (1938-1999), artista de uma “arte incomum”, que iniciou a sua trajetória na pintura no final da década de 60, quando residia na cidade de Vitória-ES. Posteriormente, no inicio da década de 70, o cenário que servirá como fio condutor para o processo de criação de Nice será Linhares, cidade que se tornou uma espécie de reduto para essa pintora até o final da década de 90. De fato, sua presença em tanto que pintora iniciou-se quando passou a ser observada pelo Profº. Moacir Figueiredo (na época Profº. da Escola de Belas Artes do Espírito Santo). Na época, Nice foi observada desenhando em pedaços de papel sobre o balcão de um bar. Em seguida, não lhe faltaram estímulos para que continuasse a desenvolver o seu trabalho. Como apoio para continuar a sua prática, Figueiredo deu-lhe papel cartão e lápis. Por conseguinte, Nice recebeu de outro amigo, José Augusto Loureiro, a encomenda de uma pintura, junto com a encomenda veio tela e tinta a óleo. Na fase inicial de sua jornada pictórica, a compreensão familiar foi pouco significativa, chegou a ter algumas obras destruídas, pois, segundo a própria pintora, a sua atividade era vista por seu esposo como sendo uma perda de tempo, e uma justificativa para colocar em segundo plano a convivência familiar. Todavia, o seu esposo que em determinado momento chegou até a destruir uma obra de seu acervo, passou, posteriormente a lhe oferecer apoio. Com este apoio, e de outras instituições organizacionais de arte do Estado do Espírito Santo como, por exemplo, a tradicional “Semana de Arte” e, mesmo, galerias públicas e privadas (em âmbito nacional) sua obra ganha destaque. Isto se reflete em seu currículo que conta com exposições nacionais e internacionais. A pintora Nice, negra, de uma família de origem simples, mãe de quatro (04) filhos, dois casamentos, festeira, detentora de um amplo círculo de amizades, reflete uma sensibilidade capaz de capturar “coisas”, desse seu cotidiano, tidas como banais e transfigurá-las numa plasticidade pictórica singular. As “coisas” capturadas em seu cotidiano se encontram tematizadas na obra e, entre outras, estão: Casamentos; mulheres nos afazeres domésticos; rituais religiosos do cristianismo católico e afro-brasileiros (Candomblé); trabalho no campo; lavouras de cacau; manifestações populares (Ticumbí, capoeira); “retrato” por encomenda; Madonas; motivos circenses; repertório do seu meio ambiente; animais domésticos; paisagens derivadas de viagens de Nice e que retratam simbioses entre a cultura oriental (chineses, Buda) e a cultura local (natureza e arquitetura). Os

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suportes utilizados foram: papel, eucatex, tela e, espaços parietais. A reflexão a respeito do seu conjunto de obras se deu pela força plástica imanente, pois se trata de uma pintora não localizada no discurso acadêmico das artes, haja vista que foi orientada pelo seu próprio processo criativo, em outras palavras, pode-se dizer que foi uma “autodidata”, ou seja, sua produção não se preocupava com o discurso da arte erudita. Desta forma a pintora não possuiu um processo plástico vinculado à arte erudita, ele se faz sem passar pelo discurso acadêmico e/ou pelo apego às informações de valores tradicionais. O interesse pela pintora ganhou corpo ao passo que foram encontrados registros de sua importância no cenário artístico nacional, e ainda, por não possuir uma preservação, apesar de sua importância, que garante em sua maior parte um cuidado específico para que a obra continue a existir. A pesquisa começou a se desenvolver ao passo que foram encontradas obras desta pintora no MAES (Museu de Arte do Espírito Santo -“Dionísio del Santo), instituição na qual foi realizada uma grande exposição intitulada “retrospectiva” em 2000, por onde se evidenciou uma significativa quantidade de obras da pintora contendo vários temários pertencentes a toda sua trajetória como pintora. A construção da obra da pintora contou com um imaginário peculiar que vai provocando a materialidade imanente de sua poética. É daí que dependendo do período e da vivência desta artista surgem temas que transcendem a uma realidade fotográfica, e ainda largadas e retomadas de temas, além de simbioses entre as diversas possibilidades da vida social, cultural e subjetiva da pintora, responsáveis por uma produção que condensa um imaginário em intenso movimento. Neste sentido, a obra assume um imaginário sem o discurso engajado da vanguarda artística modernista1. Desta forma, considera-se que Nice toma um caminho específico, busca expor o seu próprio Ser. Seria isto uma produção vinculada diretamente à vida de sua autora, numa íntima relação com a sua subjetividade, fator que a liga a uma possível vertente da arte incomum?

Nice nascimento Avanza: Do imaginário à matéria pictórica “Para mim, pintar é tudo! Pintar para mim, eu descarrego tudo, se tô zangada pinto, e se eu tô feliz eu pinto, se eu tô com problemas [...], eu não vou pensar nos problemas, eu vou pintando. Eu pego uma tela em branca e jogo tudo ali em cima e, viajo na tela. Tanto que quando eu tô pintando e alguém

1 Campagnon, Antoine. Isto se deve ao fato que os primeiros modernos “(...) não imaginavam que representassem uma vanguarda (...)”. Eles se identificavam como amantes do presente, ao passo que a vanguarda da arte “(...) supõe uma consciência histórica do futuro e a vontade de ser avançado em relação ao seu tempo”. Dessa maneira, Campagnon afirma que na arte moderna encontram-se duas consciências: a que possui sentido do presente de fato, e a que possui sentido do presente como contribuição para o futuro.

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me chama: Nice! Eu não escuto, eu não estou ali, eu estou lá dentro (pintura), eu tô em outra dimensão. Eu acho que pintar para mim [...], eu acho que é vida.”2

O Imaginário discutido no conjunto de obra da pintora não se vincula uma representação fotográfica da realidade, pois se sabe que o imaginário não é algo preso a ela, ou a uma realidade sumamente psicológica e ainda a ecos do passado. Contudo, procura-se refletir como a pintora povoa o seu mundo pictórico como uma continuidade de sua vivência, com a sua rica palheta. A respeito de traçar uma maior compreensão sobre o imaginário que povoa o espaço pictórico de Nice, nos apoiamos em La Plantine (1997), o autor diz que: “[...] O imaginário faz parte da representação como tradução mental de uma realidade exterior percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo da representação à medida que ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou cognitiva”. (p.25)

Em tal perspectiva, evidencia-se o fato de suas obras não buscarem uma cópia da realidade do entorno da pintora senão criar uma nova dimensão, a pictórica. Em relação a isto, La Plantine (1997) destaca: “[...] o imaginário, ao libertar-se do real que são imagens primeiras, pode inventar, fingir, improvisar, estabelecer correlações entre os objetos de maneira improvável e sintetizar ou fundir essas imagens”.(p.27)

E acrescenta: “[...] o processo do imaginário constitui-se da relação do sujeito e o objeto que percorre desde o real, que aparece ao sujeito figurado em imagens [...]. O imaginário não é a negação total do real, mas apóia-se no real pra transfigurá-lo e deslocá-lo, criando novas relações com o aparente real [...].”. (p.27)

Ao investigar nas obras tal imaginário, observou-se que as referências à realidade são passíveis de serem encontradas, pois a pintora estava plenamente sensibilizada ao seu entorno, porém o ato de pintar, compor, preencher o espaço do suporte, transformava a sua vivência em atitude plástica capaz de transfigurar as suas próprias experiências cotidianas, haja vista que não intencionava uma busca de traduzir uma realidade visível, mas construir uma picturalidade de suas experiências vividas,

2 Documentário exibido pela TVE (TV educativa), 1999. Reportagem Geruza Conti. Realização TVE, 41’ 56’’.

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subjetivamente. Esta intensa relação de Nice com a pintura fica evidente quando foi possível preparar pela primeira vez um espaço especificamente para a sua prática. Ao evidenciar isto ela relata que: “[...] Quando ele (seu marido) me deu esse atelier, com tudo, eu fiquei tão entusiasmada, fiquei tão feliz que eu esqueci que tinha filho e tinha marido e tinha casa. Tinha uma empregada muito boa, uma senhora que trabalhava comigo que tomava conta da casa. E eu me enfiava dentro do ateliê e pintava o dia inteiro”. (Documentário, TVE, Espírito Santo:1999)

É possível, ainda, no comentário tecido pela artista verificar como ela desenvolvia o seu imaginário. Suas pinturas não o são por um ato de representar a realidade, mas seu imaginário se utilizou do real para criar um novo ambiente, o pictórico. Segundo Bachelard (1989), “A imagem poética não está sujeita a um impulso. Não é um eco do passado. É antes o inverso: com a explosão de uma imagem, o passado longínquo ressoa de ecos e já não vemos em que profundezas esses ecos vão repercutir e morrer. Em sua novidade, em sua atividade, a imagem, poética tem um ser próprio, um dinamismo próprio. Procede de uma ontologia direta.” (p. 2)

O fato de constituir uma forma própria de fazer ressoar por meio da pintura sua existência, seus gestos, seu gosto, suas escolhas plásticas, marcou a sua identidade como pintora, gerando um estilo, o próprio. É necessário frisar que o contato intenso com o campo, onde a pintora vivenciou o cacau, possibilitou à sua obra ganhar uma nova dimensão, a de estetização das formas corriqueiras de ações e coisas daquele ambiente, na qual constituiu o seu cenário plástico. No início, ainda na cidade, utilizava papel, posposto associou à sua produção, por intermédio de Moacir Loureiro, as telas, e, por conseguinte, partes de móveis (como eucatéx), e ainda numa dimensão ampla de suas formas, as pinturas parietais. A pintora revela em relatos concedidos à TVE (1999), que a sua transição para a pintura em tela, ainda nos primeiros tempos de sua jornada no fazer pictórico, dava uma seriedade diferente á sua produção, e quando viu o resultado em tela do seu trabalho teve uma feliz surpresa, pois o resultado agradou, sendo instigada a partir do primeiro trabalho com o novo material, a elaboração de novas obras. Ao comentar sua primeira obra em tela, Nice diz que era uma figura de mulher baiana, de saia longa, rodada e repleta de figura de renda, porém este primeiro trabalho foi destruído por José Augusto Avanza, então esposo; o que a deixou bastante deprimida. Ao relatar o fato, a pintora o faz como se a nova matéria pela qual o

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seu imaginário estava sendo materializado pudesse chegar ao resultado que ela realmente buscava. Ela expôs: “[...] As pessoas chegavam e diziam: Nice está pintando, e o Moa - Moacir Figueiredo mostrando as minhas bobagens, pro pessoal. E Moacir Loureiro [...], ele virou para mim e falou: Nice Pinta para mim um quadro! Eu Nunca tinha pintado em tela, sempre pintava no papel, no cartão. Aí falei: Zé, mas eu num si pintar em quadro! Sabe. É a mesma coisa. Vou te dar a tela e vou comprar o material e você pinta. Então chega um dia, o Zé augusto Loureiro, comprou uma tela imensa, tinta [...] era tinta plástica, nunca tinha pintado com tinta a óleo. O que eu pinto Zé? Pinta o que você quiser. Então eu pintei uma baiana sentada com um tabuleiro de acarajé. Quando olhei [...], achei lindo o meu quadro! E cheguei em casa com ele [...]- levei quase um mês para pintar aquilo tudo, trouxe esse quadro para o bar, e pus no nosso escritório. Quando o meu marido chegou, olhou aquilo e falou: [...] Uai [...], leu Nice assinado, você está pintando? Eu to pintando! Este homem ficou tão bravo, e rasgou a minha tela todinha [...]. Chorei e fiquei muito zangada [...]” (Documentário, TVE, Espírito Santo:1999)

Ressalta-se a partir deste depoimento da própria autora uma busca da renovação da forma, em um novo suporte e tintas diferentes. A ênfase que ela dá ao tempo que levou para “terminar” a obra aparece com algo importante para ela, o que faz concluir a respeito de uma relação temporal que já estava mudando em relação ao seu trabalho. Ainda vale destacar que ela própria se refere ao seu trabalho anterior, sobre o papel, como “aquelas bobagens”, mudava-se uma relação formal com o ato de pintar. Também se chama a atenção para o fato de ela ter achado “aquele quadro lindo”, e a sua insatisfação com a atitude do seu esposo ao cortar a sua pintura. Outro fato importante é quando a pintora se refere ao tamanho da tela como “imensa”, fazendo-nos deduzir que nascia ali um comprometimento diferenciado com o to de fazer pintura. Este espasmo descrito pela pintora a respeito da mudança de suporte, a colocava em processo de valorização mais significativa com a sua criação. Na mudança de suporte e de relação para organizar os elementos em espaços plásticos distintos, como em pinturas parietais, a pulsação do imaginário na obra se modificava, porém, não permanecia constante. Como se dava a relação entre imaginário e materialidade plástica da pintora? Como o imaginário se apropriava do suporte? A quantidade ou a pulsação de cores e formas eram influenciadas pelo suporte? A decisão da pintora se mostrava ao pensar sobre o tema, porém é possível notar que o suporte assinala uma significativa importância na construção da obra da pintora. Por exemplo: Ao considerar dois dos vários painéis da artista, o primeiro localizado na Igreja Católica- Matriz- Linhares-ES, denominado “Seresta no Céu”, e o

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segundo, “A Chegada de Chico Dantas no céu” (Conceição da Barra- ES); podemos identificar semelhanças e diferenças na composição.

Painel “Seresta no céu”- Igreja Matriz, Linhares-ES-1975

Painel “A Chegada de Chico Dantas ao céu”, Hotel Barramar, Conceição da Barra-ES - 1981

A força autobiográfica que pulsa na obra de Nice se dava essencialmente pela manifestação de experiências vividas que como ecos de expressão chegavam ao ato de criação pela memória. Sabe-se que a memória não tem regras, mas parece que assume, na poética da pintora, a responsabilidade de guardar sonhos, fazer emergir cores vibrantes, lidar com a harmonia da natureza (seres vivos), e ainda provocar simbiose entre religiosidade e manifestação popular. Sob esse ângulo, filósofo francês Bachelard ao discutir sobre os sonhos que são guardados pela memória relata: “Então se mantivermos o sonho na memória, se ultrapassarmos a coleção das lembranças precisas, a casa sai da sombra, parte por parte. Nada fazemos para reorganizá-la. Seu ser se reconstitui a partir de sua intimidade, na doçura e na imprecisão da vida interior”. (pág. 87)

De fato, em Nice, a obra não demonstra necessariamente preocupação com a precisão representativa formal tradicional. Mas provoca o olhar para figuras construídas, por uma expressão singular, que povoam seu campo imaginário como, por exemplo, as figuras de mulheres negras com olhos azuis, rituais católicos na lavoura de cacau e, estes, tendo o cacau como o fruto a ser celebrado ou , mesmo, a figura simbólica do Buda na lavoura de cacau.

S/ Título – 91 x 72 cm Ano 1987 Óleo sobre tela Col. Casa da Cultura Nice Nascimento

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“Nossa Senhora da Ajuda no Cacau” Ano 1983 Óleo s/ tela Col. Museu Nacional de Belas Artes Rio de Janeiro


Em Nice, a liberdade de fazer é concomitante com a força do seu imaginário, e de acordo com Rosza W. Vel Zoladz : é “[...] onde se tem então o imaginário como metáfora da realidade que acaba de substituir essa mesma realidade. Conclui-se que o imaginário se apropria de aspectos que lhe são conhecidos, para estabelecer uma nova realidade, enraizado no cotidiano, na vida social.”(p. 140), dessa forma, esse aspecto da obra desta pintora se diferencia pelo fato de estabelecer laços diretos entre vida e criação artística, porém “[...] o imaginário não se reduz à cultura. Tem certa autonomia. Mas, claro, no imaginário entram partes de cultura. A cultura é um conjunto de elementos e de fenômenos passíveis de descrição. O imaginário tem, além disso, algo de imponderável. É o estado de espírito que caracteriza um povo. Não se trata de algo simplesmente racional, Sociológico ou psicológico, pois carrega também algo de imponderável, um certo mistério da criação ou da transfiguração. ( Michel Manfesoli p. 74)

Nessa liberdade observa-se o fato de a pintora realizar suas apropriações imagéticas e reelaborá-las em seu imaginário, permitindo identificar a peculiaridade de sua criação. Sob esse ângulo, o historiador da arte, Gombrich (1986) afirma que, “Ele (o artista) começa não com sua própria impressão visual, mas com a idéia, ou conceito, que tem [...]. A informação visual individual, as características distintivas [...], são acrescidas a posteriori, como se o artista preenchesse os espaços em branco de um formulário.”(p. 63)

Assim, o imaginário de Nice não possuía um compromisso com uma constância temática, pois apresenta uma significativa dialeticidade quer seja no seu temário quer seja nos elementos constituintes da mesma ou nas transformações sofridas na obra pelas necessidades exigidas por determinados temas, como pode ser observado nas imagens abaixo.

S/ título – 91 x 72 cm – 1987 Óleo s/ tela Col. MAES – Vitória/ES

S/ Título – 100 x 82 cm - 1978 Óleo sobre tela Col. Prefeitura Municipal de Linhares

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O primeiro, localizado suspenso a três metros do chão apresenta uma pulsação maior de cor. Prevalece ainda, em relação ao segundo painel, uma certa verticalização das formas, e as figuras parecem se desgarrar do espaço da pintura.Por conseguinte, o segundo painel apresenta formas mais horizontais que formam linhas pelos olhares das figuras de anjos, e a figura central sentada, fortificando a horizontalidade da imagem. Quanto ao segundo painel vale refletir a sua fonte de “inspiração”, uma pesquisa de campo a respeito da figura de Chico Dantas, um dos personagens centrais do Ticumbí, enquanto que ao outro, o primeiro painel, não se encontrou nenhuma relação com literatura ou pesquisa de temas da pintora, apenas foi solicitado a ela imagens que presentificassem o sentimento da brasilidade, num âmbito local daquela região do município de Linhares. Destaca-se também que os painéis do Hotel Barramar foram desenvolvidos a partir de uma busca da pintora pela cultura local, que ao conhecer o folclorista Hermógenes Lima da Fonseca, se interessou pela temática do Ticumbí3, propondo - se a ter uma experiência com esta manifestação cultural, o que pode evidenciar um caráter mais horizontal dessas obras. Ao ter os fatos supracitados, deve-se ter em mente que o suporte parietal exigiu da pintora um trato nas formas de maneira que seus elementos fossem agigantados, e que ainda o espaço nos quais a obra apareceria, teria consideração pelas formas que seriam desenvolvidas naquele espaço plástico, ou seja, a matéria do suporte exigindo uma nova “matéria” do imaginário. A pesquisadora Cecília Salles ao discutir as tessituras constituídas pelo artista no seu processo criativo afirma o seguinte: “Poderíamos dizer que esse espaço é o artista, na medida em que retrata seus gestos. De uma certa forma, seu modo de ação deixa registros ou inscreve-se nesses locais, assim como acontece em suas ‘caminhadas’.[...] A forma como cada um se apropria de seu espaço fala de sua obra em construção e do próprio sujeito. Podemos, assim, compreender o modo como o artista relaciona-se com esse espaço como uma forma de obtenção de conhecimento sobre a obra em construção, sobre aquilo que o artista quer e sobre ele mesmo. Pois nesse sentido o espaço pode ser visto como uma exteriorização da subjetividade.”(p. 54)

No caso de Nice, poderia-se acrescentar também a possibilidade de confirmação dos seus aspectos subjetivos de seu trabalho por meio de sua prática pictórica, dessa forma, concorda-se com Bachelard (1989) quando ele diz que “o artista não cria como vive, mas vive como cria” (pag. 17). O que nos leva a refletir sobre uma afirmação de Nice, que diz:

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Manifestação cultural típica do folclore de Conceição da Barra-ES

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“[...] Quando Zé Augusto ( marido de Nice) me proibiu de pintar, eu ficava na lavoura pintando no ar, com o meu imaginário, que com os meus dedos, criava como se estivesse construindo e preenchendo formas”. (vídeo TVE-ES)

A necessidade que a pintora possuía de viver a arte é apresentada em suas obras parietais em pontal do Ypiranga, Linhares-ES onde Nice habitou até o seu falecimento no ano de 1999. Ali ela produziu várias obras que cobriram partes de paredes como se pretendesse transformar aquele local em um cosmos muito peculiar, no qual as formas estilizadas pudessem predominar, para tanto, apresenta-se que mesmo em locais de difícil acesso naquele espaço a pintora desenvolveu seu mundo pictórico. Afirma-se que a obra criava uma realidade pictural por meio do imaginário e da materialidade transformada pela pintora, e ainda uma realidade muito subjetiva. Poderia-se perguntar: porque a pintora desenvolveria algo escondido à vista de todos como se pode observar em uma pintura entre paredes de sua casa?

Fragmento de pintura parietal Linhares-ES - 1992

Por que desenvolver pinturas com grandes dimensões ocupando espaços inteiros em sua residência, e para além de sua casa, as fez também em hotel e Igrejas? Vale ressaltar que as encomendas não delimitavam os tamanhos dos espaços nos quais ela faria essas pinturas. A necessidade da pintora era mesmo de afirmação existencial por meio da pintura. Era uma forte questão de autobiografia: para conhecer a vida de Nice, pode-se dispensar uma biografia da artista, pois seus quadros dizem a todo instante que foram feitos por ela, ou ainda, pela vida dela na obra. A autobiografia nas figuras humanas desenvolvidas por ela pode ser confirmada a partir de sua figuração humana, pois em uma significativa quantidade de obras ela dava maior sinuosidade aproximando as formas de uma “feminilização”4. Isso ainda se encontra na cor marrom de suas figuras humanas, assim segue as manifestações formais de outras obras.

Feminilização: A feminilização aqui referida concerne á aparência das formas de figuras humanas masculinas de se aproximarem da aparência das formas de figuras humanas femininas, todas desenvolvidas pela própria artista. 4

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Referências ALMEIDA, Cecília Salles. Redes da criação: Construção da obra de arte. São Paulo: Horizonte, 2005. 2 ed. ARGAN, Júlio Carlos. Arte Moderna. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. COMPAGNON, Antoine.; MOURÃO, Cleonice P. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996. CONTI, Geruza. Nice.Documentário exibido pela TVE (TV Educativa). Linhares: Realização TVE e MAES, 1996. 6’ 04’’-6’43’’-41’56’’. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989. GOMBRICH, E. H. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictorica. São Paulo: Martins Fontes, 1986. LAPLANTINE, François; TRINDADE, Liana Salvia. O que é imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1997. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Tradução Maura Ribeiro Sardinha. Forense: Rio de Janeiro, 1969. SILVA, Juremir. (2001). O Imaginário é uma realidade. Revista Famecos,V. 15: 74-81. ZOLADZ, Rosza W. vel (org). Imaginário brasileiro e zonas periféricas: Algumas proposições da sociologia da arte. Rio de Janeiro: 7 Letras/Faperj, 2005.

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Mãos que Tecem Saberes: Trabalho Manual como Construção de Conhecimento Leila Patricia Silva de Oliveira Lili Rose Caetano Rizzolli Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo

Introdução Devido à desvalorização do trabalho manual (em específico o trabalho artesanal) enquanto uma atividade intelectual que também proporciona construção de conhecimento, sentiu-se a necessidade de desenvolver uma pesquisa que criasse uma discussão sobre o assunto resgatando a importância da criatividade como fator essencial na formação de um ser humano crítico e participante enquanto ser social. O estudo de caso partiu da experiência de alguns artesãos que mesmo possuindo formas diferentes de produção, tinham em comum uma inquietação própria do processo de criação, buscando sempre o novo e outras formas de conhecimento. O objetivo da pesquisa foi procurar discutir a condição do trabalhador artesão e pesquisador, suas perspectivas e anseios quanto à profissão e inserção no mundo do trabalho e sua relação com os saberes adquiridos. A inserção em campo ocorreu no mês de agosto de 2007, quando buscamos captar a dinamicidade da produção artesanal através de entrevistas e fotos dos trabalhos produzidos. As questões que envolvem o trabalho manual são desafiadoras, pois nos permitem fazer um resgate na história e conhecer um pouco a trajetória desse tipo de trabalho a partir da antiguidade ou até mesmo da pré-história onde podemos associá-lo à necessidade humana de criar suas próprias ferramentas de subsistência e, à medida que necessitava, o homem foi utilizando através da criação a busca de formas alternativas para atender a suas necessidades. A criação então está o tempo todo relacionada à necessidade de buscar formas diferentes de se chegar a um produto final, em um constante processo de construção de conhecimento. Em essência, buscou-se atuar refletindo sobre os conceitos de criatividade, valores humanos e econômicos identificando suas conseqüências no individual e no social, temática esta que norteou o trabalho durante todo o período em que estávamos em campo. Tomada em sua concepção original, a palavra artesanato significa um fazer, ou objeto daí resultante que tem por característica o fato de ser eminentemente manual. Isto é, são as mãos que executam o trabalho. São elas o principal, senão o único instrumento que o homem utiliza na confecção do objeto. O uso de ferramentas, inclusive máquinas, quando ocorre, se dá de forma apenas auxiliar, como um apêndice ou extensão das mãos, sem ameaçar sua predominância. Assim, esses instrumentos auxiliares como um formão ou um pincel, uma agulha ou um martelo, um torno de olaria ou um tear não definem o processo, pois no artesanato o que importa é

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o fazer com as mãos, o fazer manual. É o gesto humano que determina o ritmo da produção. É o homem que impõe sua marca sobre o produto. Sendo assim constroem uma relação muitas vezes até afetiva com sua produção, diferenciando-se de um trabalho dividido, fragmentado e alienado. É impossível o desenvolvimento da criatividade através de um processo impessoal e alienado de produção, o indivíduo neutraliza-se, sendo assim impossibilitado de usar sua mente criativa e conseqüentemente construir formas de conhecimento. Para fundamentar a pesquisa foram utilizados teóricos que pudessem fundamentar a construção das hipóteses. Defende-se a obra produzida como um diálogo entre o autor e o leitor, desse modo a interpretação é considerada como provisória e situacionalmente específica, Vygotsky com sua psicologia sócio-histórica levanta questões interessantes na reavaliação de novos conceitos de aprendizagem e o processo de criação, afirma que esse diálogo é fundante do próprio processo de criação, posto que haja uma relação entre sujeito e contexto social, a obra criadora apóia-se, sempre sobre formas existentes e em necessidade que são historicamente produzidas. À medida que o ser humano entra em contato com novos conhecimentos e à reconstrução destes, ele passa a interagir mais ativamente com o meio em que vive onde o processo de aprendizagem é um resultado da invenção de si mesmo e do mundo. Paulo Freire acredita num movimento dialético que há entre os produtos que os seres humanos criam ao transformar o mundo e o condicionamento que estes produtos exercem sobre eles. Começa a declarar, igualmente, o papel da prática na constituição do conhecimento e, consequentemente, o rol da reflexão crítica sobre a prática. É um autor que sempre acreditou na construção do conhecimento a partir de uma prática associada ao histórico social do indivíduo, sempre questionou a escola em relação à sensibilidade de perceber o aluno como ser socialmente construído em uma sociedade, que possui uma história de vida que deve ser levada em consideração no processo de construção do conhecimento. Gramsci já vem questionando a concepção do é que ser um intelectual, acredita que todos os homens são intelectuais, mas que nem todos desempenham na sociedade a função de intelectuais. Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual. Esse autor defende uma escola unitária com uma organização educacional que ligue organicamente a formação humanística concreta e a atividade prática, preparando os homens para o exercício autônomo e criador de suas funções sociais, critica radicalmente a divisão entre escolas “humanas” e escolas “técnicas”. Foi de suma importância abordar um autor que não acredita na dissociação do trabalho manual e intelectual. Aqui em estudo o trabalho artesanal. Fayga Ostrower teve sua contribuição em relação à criatividade e o processo de criação, como admirável artista plástica pode fazer a vivência concreta do fenômeno da criação, para ela o problema da criatividade não se apresenta meramente como objeto de reflexão teórica antes o cerne de uma experiência vital. Essa autora trata a criatividade enquanto elemento dentro do mais vasto contexto, situando-a em relação à problemática social,

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econômica, política e cultural que sem dúvida, obstaculiza o livre fluir da criatividade humana. A revalorização do trabalho artesanal no contexto da globalização e da inovação tecnológica proporciona um percurso histórico do trabalho manual nas diferentes sociedades resultando no processo de industrialização e as mudanças no trabalho industrial contemporâneo assim como seus impactos socioeconômicos. As contribuições para além da dicotomia entre o “saber e fazer” ressaltam a importância do trabalho artesanal hoje na era do capitalismo. Acreditamos que este estudo pode contribuir para uma nova visão sobre o trabalho manual enquanto uma atividade que constrói diversos saberes. O conhecimento do trabalho do artesão se dá através da busca constante de algo, fruto da imaginação de quem o produz, partindo da necessidade humana, a criação gera um conhecimento socialmente construído, pois ao explorar materiais diversos na busca constante de reaproveitamento da matéria prima visando formas alternativas sem agredir o meio ambiente, o artesão gera um conhecimento social e sensível sobre a natureza.

Os artesãos que tecem saberes: um estudo de caso O artesanato é uma das mais fortes expressões da cultura de uma comunidade, além de representar uma forma de trabalho e gerador de renda estimula exercício de cidadania e da auto-estima das pessoas envolvidas. Baseado nessa concepção sentimos a necessidade de, a partir de estudo de caso, realizar um estudo de campo e conhecer a realidade de alguns artesãos assim como sua produção artesanal, o processo de criação seus anseios, a sua satisfação no que faz, sua valorização e posição no mundo do trabalho. Entender através do contexto histórico-social, seu processo de criação, os materiais utilizados, o nível de escolarização é de suma importância para que possamos conhecer esses profissionais compostos por jovens e adultos que com as mãos constroem conhecimentos diversos muitas vezes mesmo sem ter um “bom nível de escolaridade”, já que a grande maioria deixou de estudar ainda cedo, contribuem para formas diversas de pensar sobre uma realidade social utilizando seus produtos artesanais. A seguir, são analisadas algumas experiências de trabalho artesanal, pesquisadas através de observação direta na Grande Vitória do Estado do Espírito do Santo.

1. Paneleiras de Goiabeiras: tradição que venceu o tempo A fabricação artesanal de panelas de barro é o ofício das paneleiras de Goiabeiras, bairro de Vitória, capital do Espírito Santo. A técnica cerâmica utilizada é de origem indígena, caracterizada por modelagem manual, queima a céu aberto e aplicação de tintura de tanino. O processo de produção das panelas de Goiabeiras conserva todas as características essenciais que a identificam com a prática dos grupos nativos das Américas, antes da chegada de europeus e africanos. O mais

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interessante é que mesmo vivendo em uma época onde o comércio industrial cada vez mais alarga seu campo de produção, as panelas continuam sendo modeladas manualmente, com argila sempre da mesma procedência e com o auxílio de ferramentas rudimentares. Quanto à realização e valorização profissional, grande parte parece gostar do que faz, apesar de afirmarem que nem sempre o trabalho como produção com as panelas era valorizado pela população, o reconhecimento só começou a aparecer depois que as paneleiras passaram a ser conhecidas enquanto ícone da cultura popular folclórica capixaba, algumas ressaltavam com orgulho a forma como a mídia valoriza o seu trabalho. Uma das entrevistadas confessou e fez até um desabafo relatando que nem sempre o seu trabalho enquanto paneleira era valorizado, antes da divulgação publicitária a população discriminava e por isso sentia muitas vezes vergonha do que fazia. “Antes tinha vergonha, antes o povo discriminava (...) depois veio os turistas (...) ninguém dava valor, eu ser paneleira, paneleira era sofrer (...) o serviço era pesado”.

Fazendo um resgate histórico na história do trabalho manual, percebemos claramente na fala da paneleira a reafirmação é um retrocesso histórico do trabalho físico e braçal associado à escravidão na antiguidade e que por isso resulta inconscientemente em uma atitude de discriminação, pois a sociedade ainda não possui a consciência de uma intelectualidade no trabalho manual. Percebemos que grande parte da maioria entrevistada tinha parado ainda no início do ensino fundamental poucas chegaram a concluir o ensino fundamental ou até mesmo o ensino médio. Muitas relacionaram o motivo da parada aos estudos ao fato de terem se casado cedo além das dificuldades financeiras fazendo-as trabalharem ainda muito jovens. Ao perguntarmos se voltaria a estudar, a maioria dizia que não, poucas afirmaram que tinham vontade de retornar a escola, pois o compromisso doméstico com a casa, filhos, marido, além do cansaço com o trabalho na Associação representavam impedimentos para que se concretizasse sua vontade. Mas mesmo não tendo acesso a escola, percebemos que o tempo todo elas estavam em constante aprendizado, pois exercitando a criatividade procuravam criar peças que fugiam da produção tradicional de panelas, inovando assim seu ofício de artesã através da exploração da matéria-prima (o barro), um ofício que ultrapassa o âmbito do folclore e das tradições e integravam novos significados através de peças que variam de acordo com a criatividade de cada artesã, um palhaço feito por encomenda ou um pequeno detalhe de um golfinho na tampa de uma panela mostra a irreverência dessas pessoas que com sua técnica explicitam uma beleza de criação que desperta a admiração de quem visita a Associação. “... se somos artesãos não podemos fazer a mesma coisa (...) temos que diferenciar.”

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Entre tantas paneleiras que por motivos pessoais não estudavam, encontramos uma, que por ter sido (terminou recentemente o curso) aluna do Projeto Pedagógico do Curso Ensino Médio para Jovens e Adultos Trabalhadores (EMJAT) do Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo (CEFETES), possuía experiências bem interessantes sobre suas relações escolares, experiências essas que lhe possibilitaram conhecer outras formas de relações sociais lhe ajudando assim no seu ofício enquanto artesã. Pedimos que com relação à escola, ela nos contasse um pouco de sua experiência enquanto aluna do EMJAT no CEFETES e artesã na Associação das Paneleiras de Goiabeiras. Segundo essa paneleira sua relação com a escola era muito boa. Perguntamos se seu conhecimento enquanto paneleira lhe ajudou em algum momento na compreensão de outros saberes que lhe foram passados na escola, e ela rapidamente respondeu que o envolvimento com um ícone da cultura popular que é a produção da panela de barro lhe ajudou no desenvolvimento de temas relacionado à cultura, como por exemplo, o projeto que realizou cujo tema era “Panela e Cultura – O homem inserido na casa” além de outros como “Água Fonte de Vida”, ao relatar essa experiência com bastante entusiasmo, percebemos que houve um intercâmbio entre a profissão de artesã e a escola bastante significativo que conseqüentemente, contribuiu para uma construção de conhecimento, pois esta também contribuiu no seu desenvolvimento enquanto artesã em relação a diversos fatores, a busca de melhoria da técnica, por exemplo, e reconheceu o seu trabalho como grande fonte de saber já que, através de palestras realizadas para as paneleiras, aprendeu sobre questões de preservação do meio ambiente, como por exemplo, preservação do mangue além de outras atividades.

2. Arte na praça A Praça dos Namorados situada no bairro Praia do Canto em Vitória, capital do estado, através de uma feira cultural, reúne nos finais de semana diversos trabalhos representando a criatividade de artesãos e artistas plásticos, atraindo assim a visitação de milhares de pessoas com sua família que admiradas com a grande variedade de trabalhos marcam presença nos finais de semana. Dentre os profissionais que ali trabalham nos interessamos em estar relatando como estudo de caso dois artesãos que apesar de lidar com materiais completamente diferentes possuem em comum uma identificação incrível com o que produz, nos ajudando há compreender um pouco mais sobre a relação trabalho manual e construção de conhecimento.

2.1 Criatividade une arte e fibras naturais em uma constante pesquisa Tulipa Amaral, assim como é conhecida, nos seus cinqüenta anos de idade passou por várias experiências em sua vida, se considerando uma pessoa dinâmica sempre buscou formas diversas de aprendizado, formada em Educação Física também cursou até o sexto período do curso de Artes Plásticas na USP (Universidade de São Paulo) o que de certa forma teve

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grande contribuição no seu trabalho como artesã, que mesmo estudando, sempre trabalhou com o artesanato. Começou com bijuterias depois passou a cestaria, hoje Tulipa se dedica há doze anos numa jornada de dezoito horas por dia à produção do trabalho artesanal com fibras naturais, mas não parece se incomodar com uma rotina tão intensa de trabalho. Além do trabalho como artesã também ministra oficina e curso na área, ampliando assim seu campo de atuação. “Me interesso pelo material natural e não o sintético apesar de ser vendável (...) gosto das fibras naturais e depois pela procura, algumas pessoas gostam de mais rústicos outras mais finas...”.

Você se sente realizada em sua profissão como artesã? Perguntamos a Tulipa. Apesar de reconhecer que é difícil viver de arte, não teve dúvida na sua resposta: “Muito, nunca me vi em outra área...” e continuou dizendo que quando alguma vez passava pela sua cabeça em algum momento a idéia de mudar de área, afirmou que era um momento de stress e passava rápido. Quanto à valorização também se sentia valorizada no seu trabalho até em virtude da sua constante pesquisa com fibras naturais. “Sim, hoje em dia há uma valorização maior pelo fato do artesanato começar a se destacar e ser valorizado de uns tempos para cá, (...) pelo referencial que criei me sinto valorizada”.

Percebemos na fala de Tulipa o tempo todo, a sua preocupação com o desenvolvimento de um trabalho artesanal baseado em uma pesquisa consistente sobre a matéria prima, que representava para a artesã uma busca constante. Aproveitamos então a sua fala em relação a sua pesquisa sobre fibras naturais e lhe perguntamos se o seu conhecimento enquanto técnica na construção das peças lhe auxiliava para a compreensão de outros saberes: “Sim, a biologia e botânica são duas coisas que eu tive que pesquisar (...) como material tive que ter a noção de conservação (...) é algo que está interligado com outras áreas (...) eu trabalho muito com reaproveitamento.”

Uma característica bastante interessante em Tulipa é a sua inquietação que a torna em constante processo de busca, conhecer e explorar diversas áreas, é uma artesã pesquisadora que não se acomoda e procura estar sempre criando, investigando, é uma artesã e artista ao mesmo tempo, que desenvolve uma atividade manual e intelectual confirmando a concepção de Gramsci.

2.2 Marionetes: um artesanato vivo que dialoga com o público É muito interessante como o acaso nos leva a trilhar caminhos não

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previstos e de repente descobrimos algo fantástico. Estávamos em nosso estudo de campo na Praça dos Namorados à procura de algo diferente e relevante à pesquisa, quando vimos um senhor carregado de bonecos e bichos de marionetes, o que mais nos chamou atenção foi a forma que aquele artesão de forma simples e simpática dava vida aquele seres produzidos manualmente, nos aproximamos não como pesquisadoras, mas como clientes, pois achamos interessante as marionetes e a forma de abordagem daquele senhor, fomos tão bem atendidas que paramos e resolvemos conversar com aquele simpático artesão, a medida que ele ia falando sobre as marionetes mais nos despertava curiosidade em saber mais, então percebemos que na nossa frente estava mais um artesão que valia à pena fazer um relato de estudo de caso. Orlando esse é o nome do senhor de cinqüenta e dois anos que de forma tão simples fazia sem saber uma intervenção naquele ambiente tomado por pessoas de vários lugares, gênero e idade. Antes de ser artesão trabalhava no comércio por muito tempo com bebidas, cansado desse ramo procurou outras formas de sobrevivência, mas se encontrou mesmo foi na produção de marionetes que aprendeu inicialmente com um colega, mas que hoje com vinte anos de profissão possui um estilo próprio e particular não penas de produção, mas na forma de vender e abordar o público. Mudando de voz, faz a marionete ganhar vida e se comunicar, as pessoas que passavam ficavam encantadas com aquela intervenção inconsciente daquele artesão, não era a sua intenção fazer apresentação comercial, estimulado apenas pelo lúdico de brincar com os visitantes da feira de artesanato, não se importava se este iria ou não levar a marionete para casa, e se contentava apenas com os sorrisos (que eram muitos) de quem parava para admirar seu trabalho, as crianças podiam manusear os bonecos sem compromisso nenhum em comprar e ainda aprendiam à técnica correta do manuseio das marionetes que era ensinada com muita paciência assim também como a forma de guardar sem embolar a linha. Esse artesão parou de estudar no final do ensino fundamental, mas o seu conhecimento adquirido através da experiência vivida ao longo dos seus cinqüenta e cinco anos o faz ter uma sabedoria de grande importância, tão válida quanto ao conhecimento adquirido em um banco escolar “tomando uma lição”, termo usado na escola da pedagogia tradicional. Paulo Freire ressalta o verdadeiro sentido de aprender: Mulheres e homens, somos únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar. (FREIRE, 1996, p.69)

Orlando relaciona os estudos à oportunidade de emprego, por isso quando perguntamos se tinha vontade de voltar a estudar, foi taxativo na sua resposta, dizendo que não voltaria.

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“Não, as pessoas não têm oportunidade para trabalho devido à idade por isso acredito que não vale à pena”.

Apesar de pouco se falar do processo-ensino-aprendizagem do jovem e adulto, estes assim como as crianças estão em constante processo de desenvolvimento construído, segundo Vygostky a partir das relações sociais constituído dentro de interações que vão se dando nos diversos contextos sociais se estabelecendo no decorrer da vida. Assim como os outros artesãos sua renda varia de acordo com a época ou encomenda que recebe. Quanto a sua realização enquanto artesão se considera realizado e valorizado, pois faz o que gosta. Percebemos na sua fala que ele possuía com o seu trabalho uma relação que transcende apenas a geração de renda e cria realmente um laço afetivo com suas marionetes como se tivessem vida própria. “Sim, me considero realizado, tudo que se faz com amor, vence e consegue, (...) recebo mais elogios do que tudo, (...) mas as críticas ajuda a ser criativo”.

3. Tute: um artesão que reúne inovação e ecologia Jenésio Jacob Kuster, o Tute, assim como é conhecido, nasceu em Domingos Martins e reside no município da Serra há trinta e dois anos, lugar onde iniciou sua admirada trajetória enquanto artesão. Hoje com cinqüenta e dois anos de vida é um dos artesãos mais conhecido do município que a cada dia está ganhando mais repercussão devido a sua constante busca em criar trabalhos novos e interessantes. Através de uma criatividade fértil, Tute utilizando suas habilidades enquanto artesão e artista ao mesmo tempo, cria trabalhos que vai além de meramente uma produção artesanal, pois une pesquisa, sensibilidade, investigação e exploração de possibilidades que o material utilizado pode oferecer. Sua inquietação o faz construir uma forma dialética de criação, onde a renovação e reconstrução se tornam uma característica marcante no seu perfil enquanto profissional. Enquanto partícipe do contexto social, inserido em uma coletividade específica, suas ações resultam da síntese entre a necessidade humana (históricas e sociais) e as do contexto histórico e cultural, político e econômico em que se insere. Uma necessidade que busca constantemente em alternativas diversas para reconstrução de conceitos que vão dando lugar a outros novos. Apesar de possuir habilidades diversas, em materiais variados, com técnicas de talhar madeira, pintar tela, entre outras, Tute também produz instrumentos de congo: casacas e tambores hoje representam marca significativa no seu trabalho enquanto artesão. Tute através do senso investigativo não aceitava que a madeira tajibubuia utilizada para esculpir a casaca, fosse tirada da natureza sem o mínimo de uma consciência ecológica, correndo o risco de extinção. Para ele era até compreensível extrair a madeira em nome da tradição de uma cultura, mas não aceitava a extração desenfreada sem nenhuma preocupação com

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o meio ambiente e que o interesse estava apenas em atender uma simples comercialização movida por um sentimento capitalista. “Eu não vou tirar da natureza! Acho uma covardia, (...) fazer a casaca com a extração para manter a tradição, eu acho justo, mas ser for fazer como fonte de renda, acho uma covardia desmatar a natureza”.

Neste momento percebi através de seus gestos certa indignação, realmente Tute possuía uma alma sensível capaz de se comover com aquela situação, demonstrando sua preocupação com a preservação do meio ambiente. Então para resolver essa questão criou uma forma alternativa de preservação na produção da casaca, no lugar da madeira tajibubuia ele utilizou PVC para fazer o corpo do instrumento e para fazer a cabeça, usou a madeira eucalipto e massa epóxi para modelar os detalhes. Hoje é um desafio para este artesão criar formas diversas de representação de casacas, utilizando uma irreverência própria de um artista dá formas diferentes e curiosas a esse instrumento que representa um símbolo do congo, como por exemplo, casacas feitas com cano de fio telefônico, tela de grade, mola de espingarda de pressão, além das formas excêntricas de casacas com asas, cabelos compridos que dá um charme especial, um brinco colocado na orelha cria uma versão mais rebelde e serve ao mesmo tempo como objeto decorativo juntamente com um tambor pintado e construído pelo próprio artesão. É realmente muita coragem de Tute modificar em estilos diversos esse instrumento que representa uma tradição de anos de história fazendo parte da cultura popular do folclore. “Usei várias outras formas no princípio, usei casca de madeira (...) o que achei com mais facilidade com o som foi o PVC”.

É incrível como Tute conseguiu criar um estilo tão característico, tornando fácil identificar sua casaca mesmo que esta esteja entre tantas outras, a representação dada aos pretos velhos e caboclos é acompanhada por um casaco (corpo) pintado com formas abstratas utilizando um colorido todo especial, neste momento ele conta com a ajuda de sua esposa Marinete. Percebemos então que além de possuir uma sensibilidade que o incentiva a criar novas possibilidades de uso de materiais alternativos diversos, reaproveitando e reciclando (materiais que iria para o lixo) no intuito de preservar a natureza, também possui um espírito inquietante que o faz estar em criação contínua na construção de novos conhecimentos. Fayga Ostrower, em seu livro “Criatividade e Processo de Criação” fala sobre as associações que provindo de áreas inconscientes do nosso ser, ou talvez pré-conscientes compõem a essência do nosso mundo imaginativo. Espontâneas, as associações afluem em nossa mente com uma velocidade extraordinária. São tão velozes que não se pode fazer um controle consciente delas. Além da preocupação com a natureza, como percebemos Tute se envolve

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também com questões culturais de forma geral. Desenvolvendo um trabalho em escultura há anos, através do apoio que Magnesita Service dá à Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Chico Prego, este artesão constrói uma escultura de quatro metros de altura pesando aproximadamente quatro toneladas do próprio Chico Prego, um escravo que fez parte da Rebelião do Queimado no município da Serra. Na construção da escultura Tute além de reunir cimento e armação em ferro (vergalhão) também reúne técnica e sensibilidade ao expressar no rosto do escravo toda agonia e dor que este realmente sofreu quando foi enforcado, Inaugurada em dois de junho de 2006, está localizada na Praça Almirante Tamandaré no município de Serra. A escultura chama atenção a todos que passam por seu tamanho colossal e também por se apresentar de forma tão natural naquele espaço, já que não está em um pedestal e sim fixada na própria calçada da praça, dando assim certo realismo. Tute possui tal delicadeza com seus trabalhos que fez questão em dar o acabamento final da obra incluindo a pintura imitando o bronze quando esta estivesse já na praça. Partindo do contexto relacionado anteriormente é surpreendente saber que Tute parou de estudar ainda muito cedo, início do ensino fundamental, devido à falta de condições financeiras teve que começar trabalhar muito cedo como pedreiro. Perguntamos se já teve vontade de votar a estudar, ele em risos simplesmente respondeu: “Já tentei fazer o supletivo, mas desisti (...) a gente está na escola depois fica viajando pensando no que vai fazer”.

Foi interessante a sua fala, pois Tute explicitou o que acontece com a maioria dos jovens e adultos trabalhadores que ingressam na escola, esta não é na maioria das vezes atrativa na sua forma de apresentar o ensino, não consegue fazer os alunos se concentrarem no que é transmitido, pois simplesmente abordam formas metodológicas de ensino que não leva em consideração o processo histórico e social ao qual o aluno está inserido e que por isso dá margem para muitos desistirem ou até mesmo se quer começam a estudar. Através do seu trabalho com o artesanato, esse artesão capixaba de origem alemã consegue provar que sabedoria e conhecimento não se adquirem apenas em uma instituição escolar, pelo contrário, pois enquanto ser histórico e social conseguiu através de sua experiência vivida construir uma carreira digna de orgulho. É preciso reconhecer o fato de que a escolarização também produz fracasso escolar ao bloquear a capacidade criadora dos sujeitos e tentar neutralizar muitas iniciativas significativas no âmbito da criatividade e da arte, em nome da disciplina de um conteúdo programático que não leva em consideração a realidade sócia histórica do aluno. Quando ele afirma que fica viajando no momento da aula pensando no que vai fazer, prova que a construção do seu conhecimento transcende os muros da escola e desta forma está relacionado a outros conceitos que parte da sua vivência enquanto sujeito inserido na sociedade e enquanto

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um ser social possui uma consciência ecológica em relação à preservação do meio ambiente e busca contribuir através do seu trabalho como artesão conscientizar também outras pessoas. Sobre o ser consciente-sensível-cultural, Ostrower ressalta que na integração do inconsciente, do sensível e do cultural se baseiam os comportamentos criativos do homem. Somente ante o ato intencional, isto é, ante a ação de ser consciente, faz sentido falar-se de criação.

Considerações Finais Temos consciência dos limites do estudo realizado, por se tratar de uma tema que ainda possui muito a discutir e analisar. Pesquisas futuras, permitirão aprofundar e detalhar o que aqui apresentamos. Por se tratar de uma atividade de suma importância, o trabalho manual em específico o artesanal tem desempenhado uma grande contribuição na nossa sociedade, por buscar sempre formas alternativas, usando uma criatividade que transcende meramente a produção de uma peça, o trabalho artesanal na sua maioria se preocupa com questões ambientais, para o artesão é um desafio conseguir construir através de materiais diversos, formas alternativas sem agredir a natureza, percebemos claramente isso no trabalho de Tulipa e Tute. Essa inquietação e necessidade constante fazem desses artesãos pesquisadores, que através de um olhar sensível procuram buscar formas diferenciadas de produção. Como processos intuitivos, os processos de criação para Ostrower interligam-se intimamente com o nosso ser sensível. Mesmo no âmbito conceitual ou intelectual, a criação se articula principalmente através da sensibilidade. Compreendemos, na criação, que a ulterior finalidade de nosso fazer seja poder ampliar em nós a experiência de vitalidade. Criar não representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade: e, em vez de substituir a realidade, é a realidade; é uma realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos. Somos, nós a realidade nova. Daí o sentimento do essencial e necessário no criar, o sentimento de um crescimento interior, em que nos ampliamos em nossa abertura para a vida. (OSTROWER, 1987, pg. 28)

Ostrower relaciona a tensão psíquica que é vista às vezes como conflito emocional, ao processo de criação, esse conflito considera condição essencial de crescimento. Para essa autora não há crescimento sem conflito. Através do estudo de caso realizado percebemos em alguns artesãos que afirmavam sempre entrar em conflito sempre que procurava criar algo novo, era interessante como essa tensão era necessária para que houvesse uma mudança no seu trabalho.

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A pesquisa realizada resultou em um processo enriquecedor do trabalho artesanal enquanto uma atividade intelectual verifica que a escola é apenas mais um recurso na construção de conhecimento, percebemos nos artesãos que mesmo sem terminar o início do ensino fundamental, não o restringiam na questão de construção de conhecimento, assim também como percebemos que os artesãos que possuíam certo grau de instrução o seu trabalho enquanto artesão teve grande contribuição em um intercâmbio de conhecimento entre escola e profissão. Mãos que tecem saberes representam mais que meramente construção de conhecimento, representa o papel social do trabalhador que utiliza as mãos na transformação de um de um novo olhar sobre a importância do trabalho manual inserido na sociedade. Referências AZEREDO, Beatriz. Políticas públicas de emprego: a experiência brasileira. São Paulo: ABET, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Proposta curricular para a educação de jovens e adultos: segundo segmento do ensino fundamental: 5ª a 8ª série: introdução/ 2002. BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Lisboa: Porto Editora, 1994. p.85-92. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Atica, 2000. CIAVATTA FRANCO, Maria. O trabalho como princípio educativo da criança e do adolescente. Tecnologia Educacional, ABT, Rio de Janeiro 1992. CUNHA, Susana Rangel Vieira da. Transformações nos saberes sobre arte e seu ensino. Entendendo o ensino de artes. In: Projeto - Revista de Educação: Artes Plásticas / Porto Alegre: v.3, nº. 5, 2001. DRAIBE, Sonia. O redirecionamento das políticas sociais segundo a perspectiva neoliberal. In: MESSENBERG, Guimarães et al. As políticas sociais no Brasil. Brasília: SESI-DN, 1993. FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade. 8ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982. _______. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura). _______. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. FROM, Erich. A necessidade da Arte. São Paulo; SP, 2001. GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2000. GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 7ª ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1989. GUIMARÃES, Gonçalo. Sindicalismo e cooperativismo: A economia solidária em debate: Transformações no mundo do trabalho. Ed. Unitrabalho, São Paulo, SP. HARNECKER, Marta; URIBE, Gabriela. A luta de classes: as classes sociais no Brasil. Global Editora, São Paulo: SP, 1980. MENCARINI FORACCHI, Marialice. A participação social dos excluídos. Editora Hucitec, São Paulo, 1982.

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Que Se Abram As Cortinas! A Escola de Teatro e Dança Fafi: Espaço de Formação Humana, Artística e Cultural Lilian Pereira Menenguci Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Educação/UFES “Dentro de mim moram vários homens. E algumas mulheres também. Uns partiram distante. Outros ficaram tão bem. Assumo um papel neste palco. Me limito ao mundo que vivo. O cenário é o meu dia-a-dia. Represento um certo homem. Com muito de Zé. E um pouco de Maria. Muito pouco peço na minha peça. Meu teatro é o da vida, que curto o que represento a beça. Com a cabeça aberta em sintonia. Pra que o personagem aconteça. Seja João, José ou Maria. Na sinfonia do meu eu. No meu dia-a-dia”. (Caco, em “Aceitação”).

Abrindo as cortinas Neste texto, pretendemos convidar o leitor para uma espécie de visita e viagem. Uma visita esperada e uma viagem de ida e volta, certamente. Contudo, a opção é sempre do passageiro/leitor. Dizemos isso porque acreditamos nos (des) encontros tecidos na rede de relações que construímos e estabelecemos desde muito antes do nosso próprio nascimento. Assumimos este último como sendo nossa estréia, onde o protagonismo é vivido sem nenhum tipo de reservas. E é nisto que empreendemos esforços ao longo da vida: viver o papel principal em nossas tramas, cotidianamente. E aqui uma interrogativa: qual a tarefa dos espaços formativos em relação a esta questão? Como lidamos e potencializamos as singulares e as múltiplas formas de ser e de estar dos alunos nos processos formativos e nos processos educativos, seja na educação formal ou informal que tem na arte e na cultura um viés entrelaçado? Parafraseando Maturana & Rezepka (2000), para responder estas perguntas é necessário empreender um esforço reflexivo. Quanto à proposta e a tarefa educativa nossos autores revelam: “A maior dificuldade na tarefa educacional está na confusão entre duas classes distintas de fenômenos: a formação humana e a capacitação. a) A formação humana tem a ver com o desenvolvimento da criança como pessoa capaz de ser co-criadora com os outros de um espaço humano de convivência social desejável [...] b) a capacitação tem a ver com a aquisição de habilidades e capacidades de ação no mundo no qual se vive, como recursos operacionais que a pessoa tem para realizar o que quiser viver”. (p.11)

Pensamos que a tarefa de formação humana é o fundamento de todo o processo educativo, mais que isso, é um movimento processual que acontece

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durante toda a existência do sujeito, em quaisquer que sejam os espaços que ele esteja ou possa vir estar sempre estimulado pela criatividade como potência máxima de ressignificação de si mesmo na relação com o outro e com os outros. Carvalho (2007) com outras palavras nos diria “sigo meu rumo, ciente de que levo minha história e o desejo inquieto de constantemente me reinventar e renascer” (p.135). Assim é que trataremos neste texto, da Escola de Teatro e Dança FAFI, por si só um espaço formativo que se reinventa cotidianamente em busca do fortalecimento da arte e da cultura como possibilidade de participação, pois entendemos como Carvalho (2007) que “a arte é participação, não proteção” (p.132).

Primeiro ato: “o passado” O prédio histórico, representativo do período de urbanização de Vitória no início do século XX, que abriga a Escola de Teatro e Dança FAFI foi projetado pelo arquiteto tcheco-eslovaco Josef Pitlik, em estilo eclético, e construído no Governo de Florentino Avidos (1924-1928), inaugurado no dia 25 de novembro de 1926, durante o Oitavo Congresso Brasileiro de Geografia. Serviu de cenário para as mais diferentes atividades. O Grupo Escolar Gomes Cardim iniciou essa saga; a Escola Activa foi criada em 1928 e, no ano seguinte, passou a existir o Curso Superior de Cultura Pedagógica. A Revolução de 30 e a ditadura de Getúlio Vargas puseram fim à escola. A partir dessa data variaram ainda mais as funções do imóvel. Ginásio Espírito Santense (1930); Espaço para exibição mensal obrigatória de filmes nacionais (1934) e Colégio Estadual do Espírito Santo (1943). No final da década de 50, surge o embrião da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, com a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, cuja importância sociocultural para o Estado acabou dando ao prédio, outrora conhecido por “Gomes Cardim”, a alcunha de “FAFI”. O golpe militar de 64 foi o pior abalo sofrido pela Escola de Filosofia, Ciências e Letras. Uma das salas veio a se transformar em depósito prisional dos livros “subversivos” apreendidos no diretório Acadêmico do Centro Biomédico da UFES e também sediou o Serviço de Identificação da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, até 1976, quando o prédio foi totalmente fechado. Em 1982 foi iniciado o processo de tombamento, o que aconteceu em 12 de março de 1983 pelo Conselho Estadual de Cultura conforme inscrito no Livro Histórico n.°31 folha 4 daquele ano. Cinco anos mais tarde a Prefeitura de Vitória comprou o imóvel. Em 25 de janeiro de 1992, na administração de Vitor Buaiz (PT), as portas foram reabertas, passando a funcionar a Escola de Artes FAFI, oferecendo oficinas de curta duração em diversas áreas artísticas: teatro, fotografia, dança cerâmica, musicalização e cinema. Em março de 1998, na administração do prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), a FAFI se transformou numa escola de qualificação profissional em Teatro e Dança e formou em dezembro de 1999 suas duas primeiras

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turmas nestas áreas. No ano de 2003, a FAFI passou a ser administrada pelo Instituto de Arte e Cultura Capixaba (contrato de gestão). Em fevereiro de 2005, no governo de João Coser (PT), a Escola volta a ser administrada pela Secretaria Municipal de Cultura, assumindo a seguinte configuração em seu organograma: gerência administrativa, coordenação de promoção cultural, coordenação de projetos culturais, coordenação de dança e coordenação de teatro. A Escola, atualmente, atende 670 (seiscentos e setenta alunos) cujas matrículas são distribuídas nas oficinas livres e nos cursos de qualificação em teatro e dança com diversificação de público. O prédio possui cinco salas de aulas, um Laboratório de Artes Cênicas, um Centro de Documentação e abriga, provisoriamente, a Biblioteca Municipal Adelpho Monjardim. Durante o ano, além de cumprir com as atividades de aulas regulares apresenta também uma programação cultural variada atendendo ao público de modo geral. Objetivos da Escola • formar atores e bailarinos qualificados para o exercício profissional; • potencializar a formação de platéia para as Artes, principalmente para o teatro e dança; • fortalecer a referência e a importância cultural da Escola de Teatro e Dança FAFI para o Espírito Santo e o país; • ampliar as redes de conversações em torno da construção de políticas culturais inclusivas; • estabelecer intercâmbios na valorização da arte e do artista privilegiando estudos, pesquisa e linguagens diferentes como potenciais na formação do artista e do público.

Segundo ato: “o passado presente” Diante de todo este cenário, construímos algumas outras questões que nos exigem um exercício reflexivo: o que faz com que diferentes sujeitos/ alunos (oriundos da educação básica, do ensino médio e superior) busquem por uma escola que tem como especificidade o trabalho com as áreas de teatro e dança? Quais as expectativas tecem em relação a sua participação numa escola de arte? O que significam tais expectativas no século XXI? O que estes dados nos revelam? Quais indícios são capturados por nós a partir destas audiências? Estaríamos em busca de processos inventivos em nossa formação? Em busca de espaços que contribuam para a potencialização de nossos processos criativos? Edgar Morin, em “A cabeça bem feita” (2004), reafirma conosco esta possibilidade de curiosidade/ criatividade como elementos que revelam a nossa própria condição humana, tecida ao longo de nossas vidas: É no romance, no teatro, no filme, que percebemos que Homo sapiens é, ao mesmo tempo, indissoluvelmente, Homo demens. É no romance, no filme, no poema, que a existência revela sua miséria e sua grandeza trágica, com o risco de fracasso, de erro,

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de loucura. É na morte de nossos heróis que temos nossas primeiras experiências da morte. É, pois, na literatura que o ensino sobre a condição humana pode adquirir forma vívida e ativa, para esclarecer cada um sobre sua própria vida. (p.49)

Conforme dados de 2009, cerca de mil e duzentos inscritos concorreram às vagas destinadas às oficinas livres e cursos de qualificação nas áreas de teatro e dança oferecidas no primeiro semestre do ano para a população. Vejamos os dados conforme as tabelas 1 e 2, como seguem: Tabela 1 – Área de Dança* Oficinas oferecidas

Número de inscritos em 2009

Balezinho

69

Pré- Elementar (matutino)

44

Elementar II (Matutino)

14

Elementar II (Vespertino)

33

Elementar III (Vespertino)

18

Elementar V (Vespertino)

15

Alongamento para a Terceira Idade

78

Oficina de Dança Clássica

132

Qualificação em Dança Clássica

12

Qualificação em Dança Contemporânea

19

Total de inscritos

434

*Fonte: Secretaria da Escola de Teatro e Dança FAFI/ Coordenação de Promoção Cultural (2009/01)

Tabela 2 – Área de Teatro*

Oficinas oferecidas

Número de inscritos em 2009

Jogos Dramáticos(A)

41

Jogos Dramáticos (B)

41

Iniciação Teatral (A)

31

Iniciação Teatral (B)

40

Iniciação Teatral (C)

56

Iniciação Teatral (D)

273

Teatro Em Espaços Alternativos

71

Teatro - Dança

56

O Ator e a Máscara

13

Dança para o Teatro

17

Improvisação

64

Confecção De Máscaras

11

Qualificação Profissional em Teatro

52

Total de inscritos

766

*Fonte: Secretaria da Escola de Teatro e Dança FAFI/ Coordenação de Promoção Cultural (2009/01)

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Os alunos que frequentam a escola são, em sua maioria, oriundos da cidade de Vitória muito embora cidades como Cariacica, Viana, Guarapari, Serra, Vila-Velha também tenham representatividade nos quadros da escola. Alunos de cidades serranas como Marechal Floriano e Santa Leopoldina estão também matriculados nos cursos de teatro e dança.

Terceiro ato – “o presente futuro” Cenário do Curso de Qualificação em Dança O Curso de Dança da Escola Teatro e Dança FAFI tem a duração de nove anos e faz parte da proposta pedagógica da Escola desde 1998. Em sua concepção o curso pretende promover o conhecimento e suas práticas de relação fundamentais representando além da inclusão social a possibilidade de que seus alunos cresçam como artistas cidadãos plenamente reconhecidos de seus papéis na sociedade. Para ingressar no curso de dança os alunos são avaliados em processos seletivos realizados anualmente no mês de janeiro. O curso básico em dança corresponde ao nível fundamental e tem a duração de seis anos para crianças a partir de oito anos de idade. Concluindo o curso básico de dança os alunos são novamente avaliados em um processo seletivo para a admissão no curso de Qualificação Profissional de Dança podendo optar pela modalidade de Dança Clássica ou Contemporânea. Essa etapa tem a duração de três anos. Com o objetivo formar o artista na função de bailarino, capaz de estabelecer análises críticas, de pesquisar e transformar-se no exercício da sua profissão, o curso propõe uma grade curricular onde as disciplinas estão diretamente ligadas a aspectos das linguagens e do pensamento contemporâneo como a literatura, as artes visuais, a música e a multimídia. Cenário do Curso de Qualificação em Teatro O curso de teatro, tem carga horária de mil e oitocentas horas/aulas presenciais, com duração de três anos distribuídos em seis semestres que obedecem aos recessos letivos entre os períodos. A grade curricular divide-se em dois blocos: fundamentos teóricos das Artes Cênicas, Práticas Interpretativas e Criação Artística que se complementam num conjunto de 25 (vinte e cinco) disciplinas obrigatórias e 05 (cinco) disciplinas eletivas a serem ofertadas a partir do quinto semestre. No sexto semestre o aluno-ator se submete á disciplina Prática de Montagem com o objetivo de produzir um espetáculo teatral a partir das aprendizagens teóricas, técnicas e práticas vivenciadas durante o curso. Cumpridas todas as etapas o aluno receba certificado de Qualificação Profissional em Teatro. A idade mínima para ingressar no curso é 16 (dezesseis) anos e o aluno deverá estar cursando ou ter cursado o Ensino Médio, além de apresentar comprovante de Iniciação Teatral com carga horária mínima de 60 (sessenta) horas. Cenário das Oficinas Livres

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Semestralmente a escola oferece diferentes oficinas livres (que variam conforme a demanda) dentre as quais: jogos dramáticos, iniciação teatral, teatro para professores, teatro de rua, teatro de bonecos, crítica teatral, confecção de máscaras, máscara e o ator, dança para teatro, dança de salão, dança flamenca, jazz, balezinho, dança e consciência do movimento para a terceira idade, capoeira, dança clássica, dança contemporânea, história da dança, preparação física, desenho coreográfico, dança afro, repertório clássico, dança de rua, entre outras oficinas. Poderíamos continuar indagando ainda: estaria a sociedade humana realmente submetida a uma outra/nova busca por formação e revisitando as formas de conhecer e produzir conhecimento, vendo emergir uma epistemologia que supera a formação tradicional/formal nos espaços instituídos e instituindo outras potencias? É possível que esta comunidade reconheça a complexidade da formação humana e portanto dos processos formativos aos quais decidi se submeter? Que impactos estariam provocando ou vivendo em suas vidas? Tescarolo (2004) chama a nossa atenção ao supor: “[...] quanto mais o conhecimento formal parece dar segurança e certeza, mas distante pode estar da realidade” (p.24). Talvez neste lugar se insira uma escola de teatro e dança, não como um espaço de formação de menor importância e relevância, ao contrário. Um espaço dedicado a promoção e difusão cultural parte do princípio que “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza”. (p.59). Esta é inclusive a função da arte: reinventar! Para Peixoto, (2007), nesta reinvenção “não se trata mais da travessia de um oceano ou contingente, mas de um deslocamento sem destinação no espaço e no tempo [...] Não se percorre esse espaço como o marinheiro, com uma carta astronômica, mas como um nômade ou submarino atômico: sem pontos fixos”. (p.169)

Parece que pressupostos como incerteza, intersubjetividade e complexidade desenham as nossas cenas e composições. Portanto, assumimos o paradigma da complexidade como o que mais se aproxima do processo formativo da humanidade, isso porque, todo conhecimento, para ser pertinente, deve contextualizar seu objeto. “Quem somos nós?” é inseparável de “onde estamos de onde viemos, para onde vamos?”. (p.37) Para Morin (2004), O ser humano nos é revelado em sua complexidade: ser, ao mesmo tempo, totalmente biológico e totalmente cultural. O cérebro, por meio do qual pensamos, a boca, pela qual falamos, a mão, com a qual escrevemos, são órgãos totalmente biológicos e, ao mesmo tempo, totalmente culturais. O que há de mais biológicoo sexo, o nascimento, a morte- é também, o que há de mais impregnado de cultura. Nossas atividades biológicas mais elemen-

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tares- como bebe defecar- estão estreitamente ligadas a normas, proibições, valores, símbolos, mitos, ritos, ou seja, ao que há de mais especificamente cultural; nossas atividades mais culturais- falar, cantar, dançar, amar, meditar-põem em movimento nossos corpos, nossos órgãos: portanto, o cérebro.(p.40)

Entendemos sim, que os processos formativos se dão durante todo o processo de vida do sujeito humano, logo todos os espaços e tempos dedicados a este processo são espaços privilegiados, pois em todos eles é possível perceber o conceito de complexidade no sentido de Edgar Morin (2004): “tecido junto”! Em sua obra, As paixões do Ego, Humberto Mariotti (2000) parece nos indicar uma elaboração ao questionamento, quando sugere: A complexidade não é um conceito teórico e sim um fato da vida. Corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua interação da infinidade de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural. Os sistemas complexos estão dentro de nós e a recíproca é verdadeira. É preciso, pois, tanto quanto possível entende-los para melhor conviver com eles. (p.87)

O chamado que o século XXI parece fazer é exatamente esse: ser criativo. No potencial criativo consiste a possibilidade humana e fazer perguntas e de procurar por respostas. Nachmanovitch (1993) acrescentaria: “A mente criativa brinca com os objetos que ama. O pintor brinca com a cor e o espaço. O músico brinca com o som e o silêncio. Eros brinca com os amantes. Os deuses brincam com o universo. As crianças brincam com qualquer coisa em que possam pôr as mãos” (p.49).

Este é momento único, mágico, inédito, no processo de formação, aqui do ator e do bailarino, pois em criatividade “cada momento é precioso precisamente porque é efêmero e não pode ser repetido, corrigido ou capturado” (Nachmanovitch, 1993,32). Vai ainda mais além o nosso autor: “[...] as melhores performances escapam à câmara, ao gravador ou à caneta. Acontecem no meio da noite, quando o músico toca para um amigo especial à luz da lua; acontecem no camarim, pouco antes do espetáculo. O fato de a improvisação se desvanecer nos faz entender que cada momento é único – como um beijo, um pôr-do-sol, uma dança, uma piada. Nada voltará a ocorrer exatamente da mesma maneira. Tudo acontece apenas uma vez na história do universo” (p.32)

Cai o pano Se partimos do princípio de que “Vida é Arte”, indubitavelmente compre-

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enderemos que espaços de formação dedicados a ela são espaços e tempos que colaboram para a construção e ampliação do olhar e do atuar na sociedade. Parafraseando Nietzsche “A arte existe para que a verdade não nos destrua” e assim reinventamos a vida e a nós mesmos, logo o mundo. Referências CARVALHO, Josely. Os fios de uma rede In: PESSOA, F; CANTON, K. (orgs). Sentidos e arte contemporânea: Anais Seminários Internacionais Museu Vale do Rio Doce II Sentidos na/da Arte Contemporânea, realizado no período de 14 a 18 de março de 2007, em Vila Velha, Museu Vale do Rio Doce, 2007. MATURANA, H; REZEPKA, S. N.D. Formação humana e capacitação. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma reformar o pensamento. 9. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. NACHMANOVITCH, Stephen. Ser criativo: o poder da improvisação na vida e na arte. 2ª. Edição. São Paulo: Summus, 1993. PEIXOTO, N. B. Mapear novos territórios In: PESSOA, F; CANTON, K. (orgs). Sentidos e arte contemporânea: Anais Seminários Internacionais Museu Vale do Rio Doce II Sentidos na/da Arte Contemporânea realizado no período de 14 a 18 de março de 2007, em Vila Velha, Museu Vale do Rio Doce, 2007. TESCAROLO, Ricardo. A escola como sistema complexo: a ação, o poder e o sagrado. São Paulo: Escrituras Editora, 2004.

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O Ensino de Arte em uma Escola Técnica: Possibilidade e Desafios no Contexto da Educação Profissional Luciana Lima Batista Verônica da Silva Cunha Cavati IFES (Instituto Federal de educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo)

Introdução Constitui-se fato, na realidade brasileira, a tendência pela procura de cursos técnicos profissionalizantes que são contemplados pelos jovens como uma das oportunidades mais rápidas para o ingresso ao mercado de trabalho. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia possuem a credibilidade e excelência na formação de jovens trabalhadores. Devido a esse vislumbre da possibilidade empregatícia, a gratuidade de um ensino de qualidade e o renome da instituição muitos são os jovens que pleiteiam uma das (poucas) vagas oferecidas a cada semestre na instituição. Os jovens que conseguem êxito nesse processo orgulham-se do seu feito e possuem grande amor pela escola que oferece uma formação tecnicista, mas oportunizando um viés para as artes. Essa oportunidade se justifica, pois, as grandes empresas procuram profissionais que além do conhecimento técnico sejam criativos, flexíveis, dispostos a enfrentar desafios e solidários. O profissional que vive e convive no cotidiano está longe daquele apresentado por Charles Chaplin no filme “Tempos Modernos” (1915): o técnico que trabalhava nas linhas de montagem, realizando ações repetitivas, corriqueiras, que não exigiam pensamento, reflexão, afastando o homem de sua produção não cabe mais no espaço contemporâneo. O ser humano, em sua composição, foi dividido em dois hemisférios: o lado esquerdo que é responsável pelo nosso desenvolvimento racional científico, lógico, matemático e o lado direito correspondente aos nossos sentimentos, emoções e sensações. Acreditando que uma formação integral se daria partindo do princípio da junção desses dois hemisférios, razão e emoção, técnica e sentimento, os alunos dos cursos técnicos necessitam de tempos e espaços voltados a sua formação emocional, criativa e humana, aliados a formação técnica. Imbuídos desse pensamento é que propomos a instituição o desenvolvimento de um trabalho que pudesse integrar a Arte e outras disciplinas baseadas num eixo temático.

Formulando a proposta “Alimentamos com nossas crenças ou nossa fé os mitos ou idéias oriundos de nossas mentes, e esses mitos ou idéias ganham consistência e poder. Não somos apenas possuidores de idéias, mas somos também possuídos por elas, capazes de morrer por uma idéia”. Morin (2005,53)

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No principio do ano de 2008, começamos a pesquisar sobre quais os elementos gostaríamos de inserir esse ano na Mostra de Arte, quais as linguagens da Arte gostaríamos de explorar, quantas turmas iriam ser envolvidas, quais os recursos necessários para a realização do projeto e tantos outros assuntos. Rascunhamos algumas proposições e, pedimos sugestões de professores e coordenadores para a formulação de idéias que integrassem a Arte e outros conteúdos num tema gerador. Partindo do pensamento de integração a escolha da temática recaiu sobre outro alicerce que estrutura o ensino de Arte na instituição: a História. Tendo essa como temática, restava-nos agora investigar quais os fatos históricos importantes para definirmos qual caminho trilhar.

Escolhendo a temática 2008 foi um desses anos que nos presenteou com várias comemorações de datas de grande importância para a cultura brasileira. Dentre as temáticas mais debatidas durante esse ano as que obtiveram destaque foram: A vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil em 1808 e o festejado aniversário de 50 anos da Bossa Nova. Contudo, um terceiro tema também muito difundido na mídia o ano de 1968, o ano que mudou a trajetória da história no Brasil e no mundo, aparentava ser um assunto de interesse e peculiaridades instigantes. Período de Ditadura, da marcha dos 100 mil, de limitações e de revoltas contidas por balas, agressões físicas, extermínios, desaparecimentos e exílios do Brasil, 1968 completava quatro décadas em 2008 e as lembranças patrióticas que trazia, nos vez vislumbrar nesse período a temática ideal para propor a integração, debates e reflexão aos alunos, professores e escola. Além de personagens como Gonzaguinha e Geraldo Vandré que usavam letras que estimulavam a movimentação política, a criação cultural também tinha um movimento de contrapartida que, com cores berrantes, cabelos esvoaçantes e muita vontade de dizer algo trazia uma nova reflexão para aqueles momentos de AI-5. Num tom mais leve e divertido a Tropicália, nome herdado a partir de uma das “Manifestações ambientais” do artista Hélio Oiticica grande personagem da arte na década de 60, trazia em seu movimento características dos hippies e também a brasilidade de outro período que estava no passado, mas que ainda tinha seus efeitos latentes. Nos anos 50, muito do que era absorvido como cultura no Brasil derivava dos Estados Unidos. O Rock, o Jeans, a rebeldia de James Dean, o bangbang, tudo era enlatado e consumido pelos brasileiros. Porém, durante o curso da história sempre surgem (e surgiram) grupos engajados ansiando consumir o que é produto nacional, Made in Brasil, feito aqui, criado por artistas tupiniquins tão competentes quanto os que vinham do exterior. O tropicalismo, durante esse período, cumpriu esse papel de valoração nacionalista da mesma forma que os modernistas o fizeram com 40 anos de antecedência. Para se criar o novo, revisemos o que já foi feito e tiremos da história proveito para novas criações e expressões, considerando os acertos

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e tentando não repetir os mesmos erros. O Manifesto Antropofágico escrito em 1928 por Oswald de Andrade irrompe como uma nova face do nacionalismo, os modernistas anteciparam a discussão tropicalista: Tupi, or not tupi? That is the question..., qual seria a representatividade da cultura brasileira no exterior? Na visão de Mário de Andrade era chegada a época dos brasileiros realizarem o Brasil, atualizar a inteligência artística brasileira e conceber uma consciência nacional. A Arte e a cultura européias ingeridas e deglutidas pelos artistas da Terra Brasilis no intento de dar existência a uma nova Arte, Arte com caras, temas e características da nossa nação. Mas, justificando-nos, por que escolher contar a história da cultura e Arte do Brasil de 1928 a 1968 até 2008? A temática para nós deveria estar relacionada com algum fato debatido na atualidade e que tivesse provocado alguma discução na mídia. Outro parâmetro seria o uso de um tema que oportunizasse aos alunos uma retrospectiva na história brasileira, com o intuito de retratar a cultura, costumes e Arte do período. Dessa forma os alunos também identificariam questões políticas, sociais e econômicas da época. Com o Manifesto antropofágico e a visão dos modernistas os alunos poderiam perceber o espírito de ousadia e crença em algo inovador, que permeava os artistas da época. A vontade de produzir algo brasileiro, partindo da nossa realidade e com a nossa cara. Acredito que a maior contribuição da escolha desse tema para os nossos alunos foi demonstrar que a Arte reflete os valores sociais de um povo. A Arte não está fora da realidade, da vida, do cotidiano. Com Arte se expressa, explícita ou implicitamente, os sentimentos, pensamentos e constrói a cultura de um povo. Verônica da Silva Cunha Cavati (professora de Arte)

Sendo Propositor “Somos os propositores; somos o molde; a vocês cabe o sopro, no interior desse molde: o sentido da nossa existência. Somos os propositores: nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos; estamos a vosso dispor. Somos os propositores: enterramos a obra de arte como tal e solicitamos a vocês para que o pensamento viva pela ação. Somos os propositores: não lhes propomos nem o passado nem o futuro, mas o agora.” Lygia Clark, 1968

Nesse poema a artista levanta a possibilidade de sermos os propositores do agora, do já. Clark como Arendt nos faz refletir sobre o que estamos fazendo no momento, no presente. Quais são as mudanças que queremos e iremos fazer? No âmbito da educação ser propositor, um professor propositor é emergencial para buscarmos soluções para diminuir, e, quem sabe, utopicamente talvez, sanar problemas que circundam as escolas brasileiras como: a violência na escola, a evasão, a repetência, o desanimo de aprender, o vandalismo, a falta de perspectiva dos jovens em um futuro melhor.

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Muitos são os pesquisadores que levantam possibilidades pedagógicas e metodológicas de ensino como: Pedro Demo, Edgar Morin, Paulo Freire, Ana Mae e tantos outros que nos trazem informações preciosas sobre a educação e como educar. Contudo, sabido é que o importante não é somente se apropriar da técnica e utilizá-la de forma cartesiana e sim integrá-la aos seus conhecimentos vivenciais. Quando nos preocupamos somente com os pensadores e idéias estabelecidos pela pedagogia nos esquecemos que a escola deve ser um lugar onde os professores aprendem. O educador que se prende somente a teorias, automaticamente distancia-se do seu mais precioso bem: a sua prática, vivência, currículo oculto enfim, seu saber docente. Obviamente que, quanto mais conhecimento adquirido, maior a expansão do campo das possibilidades e proposições. Pesquisar, buscar, propor mudanças essas são as características de um professor propositor. Agir, reagir e interagir. Lançar-se ao novo, investigá-lo e apreciar tudo o que ele pode oferecer. Trilhar caminhos novos, certamente não se faz tarefa fácil. É necessária a destruição de pré-conceitos para o ressurgir de novos conceitos, erros e acertos que fazem parte do tentar, que fazem parte da vivência de ser um professor propositor.

1. Com a escola e corpo docente Para a realização de um projeto dentro do IFES, onde se pretende envolver professores, equipe pedagógica, alunos, pais e comunidade externa, o passo inicial é a escrita de um projeto explicando quais seriam as propostas do evento, como se daria a sua exposição e os recursos necessários para a sua viabilização. Passado esse momento de entrega formal do projeto à coordenadoria e à direção, demos início à divulgação do projeto entre os professores e equipe pedagógica. Tivemos a oportunidade de reunir alguns professores para explicar nossa proposta e como se daria o evento. Contudo o momento crucial da reunião seria a proposição de interdisciplinaridade. Com um tema de tamanha amplitude escolhido, sentíamos que existia espaço para todas as disciplinas participarem e caso isso se concretizasse, teríamos, em coletivo, conseguido tecer conhecimentos entrelaçados, unos, significativos. Estaríamos oferecendo ao nosso educando uma visualização de caminhos que se conectam e que esses são possíveis. Alguns professores optaram em embarcar nessa viagem e o resultado, acredito, teve maior significado para os nossos alunos que além do embasamento artístico puderam ter um panorama ampliado da temática. Tabela de proposta interdisciplinar Disciplina

Conhecimentos

Contextualização A epidemia de dengue.

Biologia

Tempos de produção da borracha, seringueira, construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, proximidade com a água, proliferação dos casos de malária.

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Filosofia

Brasilidade (instituição de uma Atualidade: Persistêncultura nacionalista) X Cultura cia do culto ao estranEuropéia (imitação dos compor- geirismo. tamentos internacionais). Tupy or not Tupy?

Física

Produção de Energia hidroelé- Tipos de Energias trica e a carvão. Progresso do Alternativas, menor Sudeste vinculado a facilidade impacto ambiental. de obter energia. Surgimento das favelas no Rio de Janeiro, Projeto Urbanístico – Pereira Passos.

Geografia

Continuidade das favelas e os projetos urbanísticos das cooperativas de habitação.

República Velha, Revolta de Ca- Painel político, influnudos, Constituição de 1926, ências e reflexos. movimento tenentista, Getúlio Vargas, o Governo Militar, ditadura, AI-5, movimentos de contestação da década de 60 e 70.

História

Quebra da Bolsa de Nova York, 1929. Como é o funcionamento de uma bolsa de valores, questões inflacionárias.

Matemática

Crise dos EUA, desvalorização do dólar.

Literatura do Período Modernista, Textos literários que Oswald de Andrade, Mário de receberam influências Andrade, Manifesto Antropo- dos períodos. fágico. Reflexos do Manifesto na cultura da década de 60, Tropicália.

Português

Desenvolvimento da indústria do aço, produção de petróleo, importância da química para o setor secundário.

Química

Maior investimento em Tecnologia.

2. Propondo aos alunos Ainda olhamos muito pouco a produção de nossos aprendizes; ainda escutamos muito pouco o que permitimos que eles nos digam. Por isso mesmo o saber cultural de Arte dos alunos articulado às mais largas, da humanidade, é que constituem-se em um complexo material cultural que deve mobilizar mediações docentes para inventar tarefas, criar exercícios de exploração, imaginar temas, ousar propostas inovadoras. O mais difícil é seguir a viagem do aluno, compartilhando suas dúvidas, nutrindo

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suas faltas, incentivando o registro de sua reflexão. (CELESTE, 2003, pg. 58)

A proposta da Mostra de Arte foi feita aos alunos já no início do ano letivo, como todo o tempo era preciso para a elaboração, cada aula foi planejada visando otimizar esses momentos de produção. Às vezes, e ainda bem, não é a primeira impressão que fica pois no caso da nossa empreitada se essa permanecesse seria muito difícil concluir o nosso feito. Durante a aula inaugural explicamos aos alunos sobre a Mostra de Arte que seria produzida por nós na instituição. Visando ilustrar como era o evento e sua proporção, apresentamos aos alunos fotos e vídeos do evento realizado no ano anterior e, surpreendentemente vieram indagações como: Professora, mas isso é muita coisa, será que conseguiremos fazer? Colhemos as opiniões dos alunos sobre a importância de desenvolver o projeto durante todo o percurso. Nosso intuito era verificar se o que lhes interessava era o conhecimento ou somente a nota dada para a execução do projeto. Numa turma de 32 alunos quase todos, ao primeiro momento, levaram a nota como maior fator motivacional para a realização do trabalho. Porém a opinião durante o percurso foi sendo alterada e ao fim muitos refrearam em sua opinião e o quesito nota ficou como pano de fundo da discussão. Sinceramente, quando o assunto é trabalho, afugenta todo mundo, porque ninguém quer assumir responsabilidade. Mas quando nós refletimos e pensamos o quanto a identidade e a cultura de nosso país são importantes, a gente muda de opinião. Portanto considero muito importante o projeto por dois motivos: a cultura e a história do Brasil e a nota. (Aluna do técnico integrado) Não deixa de ser pela nota, mas para mim vai ser bom, pois tenho problemas com o contato com o público, daí quando fizer isso vou estar trabalhando para mudar esse meu lado. Inicialmente para mim esse trabalho era apenas para obter nota em Arte, porém após conhecer melhor o tema percebi que era um tema em que podia me aprofundar e “viajar na Arte”, “viajar no tempo”, sem sair do lugar e poderia levar outras pessoas nessa viagem a partir da exposição do tema que iremos fazer. E estudar esses temas sobre o Brasil é muito bom porque estudamos a nossa história e a valorizamos mais. (Aluno do técnico integrado)

Executando a proposição No campo das possibilidades que tangenciam o projeto, está a autonomia das turmas em dividir as tarefas. Após determinada a temática, o pensar o que deveria ser feito, como, por quem e quando não estava mais em nossas mãos. Deixamos que a turma, o coletivo determinasse quais seriam as regras do seu jogo. A postura por nós adotada nesse momento foi de mediador e observador. Mediador nos momentos de decisão, indecisão e conflitos e observador atento que vê e se encanta com as soluções encontradas por eles. Situações nas quais se fazia necessário nosso apoio, lá estávamos, independente se esse momento estava concentrado nos 50 minutos de

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aula ou não, nós, mediadores que em determinados momentos acendíamos ou apagávamos incêndios, lá estávamos. Admitimos, tarefa árdua tentar canalizar o impulso de 32 alunos em direção a um norte. O brain storm feito em coletivo não é tarefa fácil, 32 cabeças pensam, criam, analisam, discutem, defendem suas idéias e o consenso é quase impossível. Contudo, o coletivo achou uma solução e determinou lideranças que iriam coordenar as atividades da execução, a montagem e apresentação. Os grupos responsáveis pelas tarefas tinham seus cronogramas e prazos estabelecidos pelos coordenadores e esses eram cumpridos por todos. Li textos que falam do poder da coletividade, da importância do outro para nós, do respeitar e de como se trabalhar em equipe e tantos outros que nos descrevem como isso seria e; de súbito, naquele momento, momento do produzir, do fazer, aquilo que um dia se faziam palavras, agora se concretizava em atos, em ação. O trabalho não era mais de nós professoras, nem da escola, nem somente dos alunos, o trabalho era nosso feito por e para nós.

Conclusão: sós não existimos A coletividade é factualmente importante para a realização de qualquer tipo de empreitada. Arentd nos fala que somente na coletividade podemos nos representar como pessoas, indivíduos que fazem parte de um todo. No momento da concepção da pólis, da república, o homem se apresenta e distingue na coletividade. Sós, de fato, não existimos. Como conceber uma realização, um projeto, uma idéia sem o olhar e julgo da coletividade? Sabendo e tendo como fundamental o olhar e opinião do outro, dos outros, destino esse capitulo a formulações, pensamentos, depoimentos, comentários colhidos durante os dias da Mostra, tendo-os como fragmentos fundamentais para o pensar e repensar uma educação com Arte, significativa, com conteúdo, pesquisa, empenho e fundamentalmente para a vida. Finalizamos nosso relato tendo a convicção que um pequeno passo foi dado, um início para um infinito de pensamentos e possibilidades no âmbito do ensino da Arte em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Agradeço a instituição pela oportunidade e vontade de oferecer aos seus alunos espaços tempos de criação. Nós fomos, E horizontes se abrem E urge a pergunta: Por que não? O que achei importante foi a coesão dos alunos, pois são pessoas que vem de classes hiper-diferentes, de níveis diferentes. Você aqui tem alunos que tanto tem poder aquisitivo como não tem poder aquisitivo. Temos os nossos filhos tendo a liberdade total de ser aquilo que eles jamais pensavam em ser. Têm alunos aqui que nunca tiveram a experiência de teatro e estão tendo. Particularmente estou achando bárbaro o trabalho. Outra questão é a união deles, quando um está mais fraco, vem o outro e se propõe a ajudar. Têm turmas de períodos já avançados que vem para ajudar. Acho isso

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muito legal. O que acho muito bom é a vivência que meu filho está tendo, isso aqui é uma bagagem para ele no futuro. Não é uma bagagem só para agora. Com isso vocês estão formando homens e mulheres. Isso é formação para a vida. (Mãe de Aluno) Quando soube que íamos construir um quadro de uma mulher chamada Tarsila o Amaral, com o nome de Abaporu, nem sequer imaginava as surpresas que para mim se haviam reservado. Logo no primeiro dia me deparei com pessoas entusiasmadas como crianças prontas para começarem uma brincadeira que, ao final, culminaria na mais bela e perfeita exposição de Arte. Que experiência maravilhosa. Cada pincelada que dávamos era como se estivéssemos com nossas próprias mãos gerando vida ou algo que por fim iria desencadear sorrisos, admiração e isso não tem valor que compense. Se você me pergunta o que me foi acrescentado com essa experiência eu te respondo: Passei a conhecer a artista fabulosa, que tem trabalhos magníficos, que enchem os olhos de qualquer pessoa que se sente atraído por algum tipo de arte, ou seja, que consegue sentir o que é belo. Mas tive o prazer de participar de uma apresentação de obras de arte algo nunca feito por mim antes. Que experiência maravilhosa. Uma coisa é certa, essa experiência marcou de alguma forma a minha vida, posso sentir. Pode ser que por agora não sinta a repercussão de tal experiência, mas o dia de amanha sempre nos reserva surpresas e nada é descartável em nossa vida sejam as pequenas ou as grandes coisas. Cada uma tem uma parcela de importância e mais ou cedo ou mais tarde elas se mostram. (Magno – aluno do PROEJA) Referências ARENDT, Hannat. A Condição Humana. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. ABRAMOVICH, Fanny. Quem educa quem? 9ª ed., São Paulo: Summus, 1985. BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. 126v. 134 p. BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil. 4ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.132p. BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. 200p. BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da Arte. 2ªed. São Paulo: Cortez, 2003.184p. BRASIL.Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias.Brasília, 1999. FRIGOTTO, Gaudêncio, Maria Ciavatta e Marise Ramos (orgs.). Ensino Médio integrado: concepções e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. MARTINS, Mirian Celeste. Didática do ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. 191 p. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 128p. SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação. LDB, limite, trajetória e perspectivas. 8ª ed., São Paulo: Autores Associados, 2003.

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Vídeos Tutoriais no site You Tube: Novas Formas de Conexões de Sentido e Aprendizagem na web 2.0. Luciana de Assis Gama Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação PPGE/UFES

Introdução Os Vídeos Tutorias possuem uma diversidade de estilos, gêneros, formatos e temas. Navegando pela Internet podemos encontrar vídeos que nos ensinam culinária, artesanato, a utilizar determinado programa ou equipamento, não há limite. Pois o objetivo desses vídeos é o ensino de alguma atividade ou manuseio de algum equipamento. Eles estão presentes em diversos sites, como: www.videojug.com - Neste site podemos encontrar uma enorme coleção de vídeos de “How-To”, divididos em categorias. Pode-se fazer download dos vídeos para IPod e embutir em sites ou blogs; www.sutree.com - SuTree é um agregador de vídeos tutoriais, “How-To” e lições, organizados em uma variedade de categorias. O site possui mais de 5000 videos em sua base de dados e continua em crescimento. Este é um bom lugar para encontrar os diversos vídeos tutoriais que estão distribuídos pela Internet; www.5min.com - Os tópicos vão desde ajuda espiritual até esporte. Existem vídeos tutoriais para iniciantes no mundo da tecnologia, com tópicos de como realizar buscas no Google ou como atualizar o seu IPod ; video.about.com Este site é de propriedade do New York Times e possui uma extensa coleção de vídeos de “How-To” de sua própria autoria, nas áreas de computação, saúde, automobilismo, etc. www.youtube.com, - site multicultural de compartilhamento de vídeos, ele engloba diversos gêneros e formatos de vídeos, inclusive os vídeos tutoriais. A diferença em relação aos demais sites é que o You Tube tem vídeos tutorias de diversos países, como vídeos brasileiros, por exemplo. Funcionam como uma espécie de manual, o que o diferencia dos demais manuais são as linguagens e técnicas utilizadas. Enquanto os manuais tradicionais utilizam como suporte o papel impresso (livretos, apostilas), os vídeos tutorias se utilizam da linguagem audiovisual e promovem a interação, por meio de diálogos entre os internautas. Gerando uma forma de cultura específica, a cultura do ciberespaço ou cibercultura1. E dentro da cibercultura podemos encontrar diversos tipos de linguagens, como a hipermídia:

O termo está recheado de sentido, mas podemos compreender a cibercultura como a forma sóciocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70. (Lemos - pg 12, 2003) 1

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Um dos aspectos evolutivos mais significativos dessa conjuntura revolucionária está no aparecimento e rápido desenvolvimento de uma nova linguagem: hipermídia. Antes da era digital, os suportes estavam separados por serem incompatíveis: o desenho, a pintura e a gravura nas telas, o texto e as imagens gráficas no papel, a fotografia e o filme na película química, o som e o vídeo na fita magnética. Depois de passarem pela digitalização, todos esses campos tradicionais de produção de linguagem e processos de comunicação humanos juntaramse na constituição da hipermídia. (Santaella, Lúcia - pg 390, 2001).

As formas de aprendizagem, as trocas de experiências e conhecimentos em geral, são retrabalhadas e ganham novas significações com o desenvolvimento de novas tecnologias. Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturados por uma informática cada vez mais avançada. (Lévy, Pierre – pg 7, 1993).

A tecnologia é um dos principais agentes transformadores de uma sociedade. A técnica em suas infinitas formas e usos possuem total implicação em nossas atividades cotidianas. O que modifica nossa forma de conhecer o mundo e de se relacionar com ele, além de novas formas de representação, conexões de conhecimentos e transmissão do saber. As tecnologias vigentes na contemporaneidade, às quais nos referimos como novas tecnologias, dizem respeito não somente a sofisticação técnica, mas ao impacto cultural que provocam na estrutura socioeconômica onde atuam. Numa definição sintética, elas se referem aos aparatos, instrumentos de natureza material e ordem técnica que possibilitam a coleta, o armazenamento, a reprodução e a circulação de grandes quantidades de informações em todo o planeta, em uma relação de espaço e tempo cada vez mais comprimidos. Mcluhan (1964) já definia que o conteúdo de uma nova tecnologia são as tecnologias anteriores. Definição esta que podemos observar no site You Tube - Broadcasting Yourself, sucesso de acessos da Internet. Trata-se de um site de compartilhamento de vídeos dos mais variados gêneros e formatos, que entrou no ar em fevereiro de 2005. O conceito do site pode ser traduzido no slogan “Broadcasting Yourself ”, ou seja, “Televisione Você Mesmo”, “Faça Você Mesmo Televisão”. Foi essa possibilidade do internauta ser o emissor do processo comunicativo que fez do site um grande sucesso. Qualquer pessoa que tenha acesso à Internet e conheça um pouco da tecnologia audiovisual pode mostrar suas habilidades.

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A Internet é um espaço de multiplicidade e diversidade, entretanto, o acesso a essa tecnologia é limitado por questões sociais e econômicas: Tal como a Cidade Sagrada, o ciberespaço é um lugar em que, teoricamente, pessoas de todas as nações podem se misturar. De fato muitos ciber-entusiastas gostariam de nos fazer crer que a Internet dissolve as próprias barreiras de nacionalidade, raça e sexo, “elevando” a todos igualmente ao fluxo digital. O sonho de uma comunidade global é uma das fantasias fundamentais da religião do ciberespaço, uma visão tecnológica da fraternidade humana da Nova Jerusalém. O problema é que, diferentemente da entrada no céu, o ingresso no ciberespaço depende do acesso a tecnologias que permanecem firmemente fora do alcance de vastas faixas da população mundial. (Wertheim, Margaret – pg. 18, 2001).

O site You Tube, assim como outras formas de expressão da cibercultura, possibilita à pequena parcela da população do planeta que tem a oportunidade de interação com a tecnologia da internet, uma nova forma de experimentar o audiovisual. A comunidade You Tube abraça uma diversidade de protagonistas como os flaneur online, que passeiam pelo site observando as novidades da vitrine videográfica, os produtores caseiros que se divertem com a fruição de disponibilizar e ver na rede a intimidade de si próprio ou de terceiros, os produtores profissionais que utilizam o espaço para a divulgação dos trabalhos que desenvolvem na área do audiovisual e os produtores e consumidores de vídeos tutoriais, que trocam experiências e aprendizagem através dos vídeos tutoriais. De acordo com Lemos (2003), a conexão generalizada traz uma nova configuração na comunicação, onde o fator principal é a inédita liberação do pólo da emissão – (chats, fóruns, e-mail, listas, blogs), depois de séculos dominado pelo exercido controle sobre a emissão pelos mass media. A mensagem é criada por diversos pólos emissores, as vozes que outrora não tinham a possibilidade de expressão e veiculação a um grande público agora podem se deleitar com a internet. A comunicação é construída e destinada à diversidade. Navegando pelo site You Tube, podemos observar a variedade de conteúdo audiovisual dividido por categorias, temos vídeos de esporte, música, viagens, pessoas, artes, tutoriais entre outros. Além de um profile que narra um pouco da história e proposta do site criado pelo trio californiano Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim. Segundo os criadores o site é uma forma para que os povos possam trocar experiências e compartilhar vídeos originais. Tornando sócio do You Tube a pessoa pode encontrar e distribuir vídeos sobre seus passatempos e interesses, e descobrir aspectos em comum com o restante do planeta. Além de se identificar e fazer parte de comunidades de acordo com a afinidade. A idéia do processo comunicativo que tanto tempo imperou na forma emissor- receptor (um-todos), mas que ainda impera, pois vivemos um

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momento de multiplicidade de formas, está voltado também para uma estrutura sócio-econômica de formação dos estados. Podemos citar aqui a expressão do historiador Fernand Braudel, acerca das primeiras formulações da teoria difusionista: “O progresso só pode atingir a periferia por meio da irradiação pelos valores do centro”. A comunicação no processo comunicativo do mass media pode ser visto como um sistema nervoso central que irradia para o restante do corpo informações, o centro que propaga as suas influências. E a educação também, afinal, quem diz o que entra e o que não entra na grade curricular? Ao escrever sobre a Aldeia Global, Mcluhan (1964) afirma que a nossa civilização especializada e fragmentada, baseada na estrutura centromargem, subitamente está experimentando uma reunificação instantânea de todas as suas partes mecanizadas num todo orgânico, transferindo estas palavras para a realidade do site You Tube podemos identificar o todo orgânico livre de hierarquia do processo comunicacional em comparação ao modelo mass media. Os diálogos entre os internautas e a troca de experiências e materiais através dos vídeos tutorias possibilitam a existência de um tipo de aprendizagem não formal, aquela onde o processo do conhecimento é trabalhado fora do ambiente tradicional da escola. Não há uma única forma de conhecimento válido. Há muitas formas de conhecimento, tantas quantas as práticas sociais que as geram e sustentam. (...) Práticas sociais alternativas gerarão formas de conhecimento alternativas. Não reconhecer estas formas de conhecimento implica deslegitimar as práticas sociais que as sustentam e, nesse sentido, promover a exclusão social dos que as promovem. (apud Inês Barbosa de Oliveira, pg 61)

A internet que estamos vivenciando hoje está sendo conceituada de web 2.02. Trata-se de uma internet como plataforma, bem mais ampla e dinâmica que a anterior web 1.0. Entre outras características, temos a presença de aplicativos que aproveitam os efeitos da rede para se desenvolverem, e tornarem se melhores quanto mais são utilizados pelas pessoas, o desenvolvimento dos aplicativos acompanha a inteligência coletiva. Fenômenos como o Orkut, You Tube, My Space, Blogs, Fotologs, dentre outros, ganharam a dimensão de hoje devido à participação dos internautas. São os internautas que produzem os conteúdos e compartilham com o mundo inteiro. As reflexões teóricas não dão conta da explosão de transformações que a nossa sociedade vivencia com as novas ferramentas tecnológicas. É fundamental articular um pensamento crítico e contextualizado com as

2 O termo foi divulgado pela primeira vez em outubro de 2004 na primeira Web 2.0 Conference, organizada pela O’ Reilly Media. <www.nextg.com.br> Acessado em 2 de setembro de 2008.

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técnicas que impulsionam novas formas de fazer, ver e perceber o conteúdo audiovisual. De acordo com Pierre Lévy (2005) “certas técnicas de armazenamento e de processamento das representações tornam possíveis ou condicionam certas evoluções culturais, ao mesmo tempo em que deixam uma grande margem de iniciativa e interpretação para os protagonistas da história”. Vivemos um momento de grande diversidade no que diz respeito às estruturas e processos de aprendizagem, e os vídeos tutoriais possuem uma relevante contribuição e participação nesta história. Na literatura acadêmica, temos pesquisas que enfocam, por exemplo, os blogs, hipertexto, comunidades virtuais, entre outros. No entanto, desconheço qualquer tipo de publicação sobre o tema vídeos tutorias. E a análise dos mesmos, dentro de um contexto maior que é o site You Tube pode contribuir também para a formação de um pensamento critico sobre as novas tecnologias e processos de aprendizagem no cenário nacional e internacional, pois o site é global. Daí a importância do desenvolvimento desta dissertação, que poderá ser uma forte ferramenta para os educadores, comunicadores e qualquer profissional que queria ter um conhecimento acerca dos vídeos tutorias e as relações com a aprendizagem, e os processos de significação e discursos que os vídeos carregam desde o momento da sua concepção até a exibição. O objetivo geral que esta pesquisa pretende atingir é o estudo das conexões de sentido, discurso e aprendizagem por meio dos vídeos tutoriais postados no site You Tube. E como objetivos específicos, contextualizar a internet e suas plataformas web 1.0, web 2.0 e web 3.0, assim como suas interfaces com a educação; Estudar estética, gêneros e formatos do audiovisual no site multicultural de compartilhamento de vídeos: o You Tube; Estudar os vídeos tutorias: as relações de aprendizagem, o discurso e a linguagem; Analisar um vídeo tutorial específico para a elaboração do trabalho de análise da construção de sentido e significações, com base na semiótica. O problema objeto de investigação está relacionado com as novas formas de conexões de sentido e aprendizagem existentes no mundo da cibercultura, tendo como foco um produto da hipermídia, que traz uma grande ligação com o processo educação - novas tecnologias: os vídeos tutoriais. A problematização circula em torno das questões: Que formas de conexões de sentido, de significação e discurso são expressas através dos vídeos tutorias presentes no site You Tube? Como se dá o discurso neste ambiente virtual? Quais são as relações de aprendizagem e como podemos trabalhar a questão da educação através dos vídeos tutoriais? Quem são os internautas que trocam experiências através dos vídeos tutoriais? A proposta do projeto é desenvolver um entendimento teórico investigativo que responda ou abra caminhos para uma compreensão do assunto. A metodologia a ser trabalhada irá seguir uma pesquisa bibliográfica, investigativa e de campo sobre o assunto, acrescentando a bibliografia indicada pelo professor orientador, traçando assim um caminho teórico sobre a relação dos Vídeos Tutorias no site You Tube e as Novas Formas

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de Construção de Sentido e Aprendizagem na Web 2.0. O objetivo da metodologia escolhida é fazer um levantamento da literatura que aborda o conteúdo proposto, investigando dentro da linha de pesquisa Educação e Linguagem as relações de ensino-aprendizagem da linguagem visual e das artes, dentro da concepção de novas linguagens comunicacionais na sociedade. No que diz respeito à metodologia de campo, os instrumentos e procedimentos para a análise dos dados serão: a) Pesquisa qualitativa na definição da amostragem: com a identificação de um grupo representativo que utilize os vídeos tutoriais; b) Coleta de dados: feitas a partir de entrevistas e formulários. Como proposta de organização desses dados para o mestrado, vou criar um blog, onde artigos sobre o assunto serão postados e reunirei os vídeos tutorias para que através do blog o internauta responda os formulários e estabeleça uma conversa/entrevista sobre o assunto. c) Análise dos dados: o vídeo tutorial escolhido será analisado do ponto de vista da linguagem visual, estética, gêneros e formatos. Em relação ao discurso e processo de significação, a partir de uma leitura de observação dos signos presentes no vídeo; e através dos formulários e entrevistas com internautas que utilizam essa ferramenta de aprendizagem para alguma atividade. Esta introdução, com uma rápida revisão de literatura acerca do tema proposto para ser desenvolvido como dissertação, foi uma apresentação do que pretendo trabalhar durante o mestrado. A escolha dos Vídeos Tutorias foi estrategicamente feita para ser trabalhada no mestrado em educação, justamente para associar uma reflexão educacional diante desta revolução tecnológica que estamos vivenciando. É complexo acompanhar toda esta tecnologia visto que sua dinâmica é como a velocidade da luz, mas é de suma importância um olhar acadêmico para investigação, conceituação e reflexão do que está acontecendo ao nosso redor. Referências Mcluhan, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Editora Cultrix, 1964. Mattelart, Armand e Michele. História das teorias da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2002. Hall, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. Lévy, Pierre. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999. FELINTO, Erick. A religião das máquinas: ensaios sobre imaginário da Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2005. LEMOS, André e CUNHA, Paulo (Org.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre, Sulina, 2003. WERTHEIM, Margaret. Uma história do Espaço – De Dante à Internet. São Paulo: Jorge Zahar Ed., 2001. Briggs, Asa e Burke, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004.

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Plaza, Julio e Tavares, Mônica. Processos Criativos com os Meios Eletrônicos: Poéticas Digitais. São Paulo: Editora Hucitec, 1998. Santaella, Lucia. Matrizes da Linguagem e Pensamento – Sonora, Visual e Verbal mídia. São Paulo: Editora Iluminuras, 2001. LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004. CANCLINI, Nestor Garcia. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003. Sites Pesquisados: <www.youtube.com> Acesso em: agosto 2008. <www.videojug.com> Acesso em: agosto 2008. <www.sutree.com> Acesso em: agosto 2008. <video.about.com> Acesso em: agosto 2008. <www.google.com.br> Acesso em: agosto 2008. <www.5min.com> Acesso em: agosto 2008.

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A Prática Reflexiva no Museu de Arte Um Espaço não Formal de Experimentação Educacional Maria Clara Martins Rocha Arte-educadora do Instituto Cultural Inhotim

Introdução A aplicação da prática reflexiva na ação de educadores em um museu de arte pode ser definida como uma metodologia para acrescentar na formação deste profissional. “Uma prática reflexiva pressupõe uma postura, uma forma de identidade, um habitus.” (PERRENOUD 2002, p.13) Considerando as ações educativas realizadas nos museus como educação não-formal e explorando a possibilidade de experimentação deste ambiente, a prática reflexiva é um método a ser experimentado pelos educadores do museu que estão envolvidos nas ações educativas do Projeto Descentralizando o Acesso – Visitas escolares à Inhotim, desenvolvido no Instituto Inhotim em Brumadinho, Minas Gerais. Considera-se essa aplicação da prática reflexiva um fator contribuinte para a formação contínua deste educador que através da reflexão estará sempre aprendendo com sua prática. Esse trabalho surge da necessidade de um conhecimento acerca da prática reflexiva e suas aplicações no trabalho educacional oferecido em instituições não-formal de educação. Espera-se que essa discussão da prática reflexiva contribua, para o setor educativo do Instituto Inhotim, como resultado futuro, apresentando-lhe uma análise metodológica de um projeto que vem sendo desenvolvido no museu desde 2008. Apresenta-se também uma avaliação prévia das possibilidades de acréscimo conceitual que este método traz à formação do educador, envolvido na aplicação desta metodologia. Para isso será realizada pesquisa bibliográfica tendo com referencial teórico a bibliografia escrita por Paulo Freire, Philippe Perrenoud e Martha Marandino. Sendo ainda aplicados questionários e entrevistas com os profissionais do Instituto Inhotim envolvidos no projeto Descentralizando o Acesso e a análise dos relatos reflexivos escritos feitos por estes profissionais. Ao final, serão analisados e avaliados os dados obtidos e efetivada uma conclusão a partir dos dados recolhidos. Para fins de confirmação do pressuposto que a prática reflexiva é um método aplicável nas ações educativas de um museu de arte contemporânea.

Revisão de literatura Segundo Perrenoud (2002, p.13), “uma prática reflexiva pressupõe uma postura, uma forma de identidade, um habitus”. Considera que “todo ser humano pode refletir na ação e sobre a ação, mas isso não significa que isso o transforma em um profissional reflexivo. Sua realidade não é medida por discursos e intenções, mas pelo lugar, pela natureza e pelas conseqüências da reflexão no exercício cotidiano da profissão.”

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Perrenoud (2002, p.30) ainda afirma que todo ser humano pensa constantemente. O ato de pensar pode ser tão involuntário como o ato de respirar. Porém, não significa que este pensamento está provocando uma reflexão sobre determinado assunto ou pensamento. Acredita que as palavras, pensar e refletir podem ser iguais, porém, diferencia o ato de refletir, a partir do distanciamento da circunstancia. “a reflexão pressupõe uma certa exterioridade e, portanto, uma distância mínima diante das urgências da ação.” Já Paulo Freire (1996, p.38) considera que “a prática docente crítica, implica no pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Ambos os autores consideram o distanciamento para análise da prática de educar a melhor forma de refletir sobre a ação. Levando para o contexto da educação não-formal, segundo Martha Marandino (2008, p.12), a mediação em museus e centros culturais “é um discurso que está começando a crescer e ocupar um espaço de fala em grandes instituições e centros de pesquisas no Brasil e em todo o universo museal.” Afirma que “no inicio do século XIX começaram a surgir os primeiros museus no Brasil. Criados nos moldes dos grandes museus europeus e norte-americanos.” (MARANDINO, 2008 p.8). Juntamente com a abertura de mais museus pela Europa e pela América, cresceu a preocupação com o educativo dessas instituições. Apesar da várias modificações na forma de expor objetos e de estabelecer um relacionamento com o público, foi só a partir da segunda metade do século XX que os museus passaram a ser reconhecidos formalmente com instituições instrisecamente educativas”. (MARANDINO, 2008, p.10)

Surgiram as visitas escolares como extensão da escola, as crianças veriam na prática, o que tinham aprendido na teoria. Neste contexto, ainda segundo Marandino (2008), “foram criados dentro destas instituições os chamados serviços educativos. Inicialmente, feitos pelos curadores das instituições, que também eram responsáveis pela sua manutenção diária e estudo. Não havendo assim, nenhum especialista na área pedagógica. Já os professores, desconheciam as especificidades do local não tendo as ferramentas necessárias para utilizar as coleções dos museus.” (MARANDINO 2008, p.9) Surge então a crescente importância dada ao trabalho dos mediadores em espaços de museus. Partindo do pressuposto que os curadores não devem ser os principais agentes dessas funções, surgindo à mediação humana, que está sendo amplamente utilizada no Brasil. Realizando por meio dos mediadores a aproximação dos visitantes com o espaço museal, apresentando não somente seu conteúdo, mas também sua arquitetura e sua função social. Acreditando que “o mediador é a “voz” da instituição, mesmo que não tenham ainda a consciência do que isso representa.” (MARANDINO 2008, p. 5) O contexto atual que se insere esse profissional, pode-se afirmar que se trata de um ambiente de constante formação e possibilidades contínuas de novas experimentações. Freire (1996, p.39) considera que “na formação

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permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.” Sendo que Perrenoud (2002) é capaz de complementar com a consideração de que a capacidade reflexiva do profissional deve ser desenvolvida, para que ele consiga determinar o momento de tomar uma decisão, ou de protelá-la. Sem subestimar a improvisação regulada, expressão do habitus, como um sistema de esquemas que nos dispensa de refletir quando não é necessário nem possível, temos tudo a ganhar se desenvolvermos no período de formação a capacidade de criar oportunidades de refletir e de aproveitá-las da melhor maneira possível, controlando o estresse, dirigindo a atenção ao essencial, sutil de cada um, tomando decisões a partir de uma mescla de lógica e intuição. (PERRENOUD 2002, p.35)

Considerando a importância da atuação do educador no museu como um espaço não-formal de educação e ainda que o processo de formação deste profissional seja contínuo, analisa-se a reflexão na ação e reflexão sobre a ação, com citações de Perrenoud (2002, p.30) que sugere a princípio uma alternativa do que pode ser reflexão na ação: Não há ação complexa sem reflexão durante o processo; a prática reflexiva pode ser entendida, no sentido mais comum da palavra, como a reflexão acerca da situação, dos objetivos, dos meios, do lugar, das operações envolvidas, dos resultados provisórios, da evolução previsível do sistema de ação. Refletir durante a ação, consiste em se perguntar o que está acontecendo, ou o que vai acontecer, o que podemos fazer, o que devemos fazer, qual é a melhor tática, que desvios e precauções temos de tomar, que riscos corremos.

E ainda, o que pode sinalizar a reflexão sobre a ação: Refletir sobre a ação já é algo bem diferente. Nesse caso, tomamos nossa própria ação com objeto de reflexão, seja para compará-la com um modelo prescritivo, o que poderíamos ou deveríamos ter feito, o que outro profissional teria feito, seja para explicá-la ou criticá-la. Toda ação é única, mas, em geral, ela pertence a uma família de ações do mesmo tipo, provocadas por situações semelhantes. Depois da realização da ação singular, a reflexão sobre ela só tem sentido para compreender, aprender e integrar o que aconteceu. Portanto, a reflexão não se limita a uma evocação, mas passa por uma crítica, por uma análise, por uma relação com regras, teorias ou outras ações, imaginadas ou realizadas em uma situação análoga.

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A capacidade reflexiva do profissional deve ser desenvolvida, para que ele consiga determinar o momento de tomar uma decisão, ou de protelá-la. (PERRENOUD 2002, p.35)

Desenvolvimento Material e métodos O trabalho parte do estudo de alguns conceitos sobre a prática reflexiva citados por Philippe Perrenoud (2002). Tais conceitos são confrontados com as idéias presentes nos trabalhos Paulo Freire (1996) e acrescidos da contextualização de Martha Marandino (2008) acerca de conceitos sobre “educação em museus, mediação e formação de mediadores”. Estes estudos teóricos oferecem as bases para a análise e discussão da aplicação da prática reflexiva no trabalho desenvolvido por educadores na ação educativa em espaços de educação não-formal. Será realizada uma pesquisa documental através do site, fichas e jornal interno do Instituto Inhotim. Após o estudo da literatura citada, está sendo realizada uma pesquisa de campo no Instituto Inhotim, com os educadores que atuam no projeto Descentralizando o acesso – visitas escolares a Inhotim, (desenvolvido na instituição) que oferecerão bases conclusivas para essa pesquisa. Resultados e discussão O estudo em questão está em sua fase inicial, contudo alguns resultados já se apresentam de acordo com a hipótese que a prática reflexiva é um método aplicável nas ações educativas de um museu de arte contemporânea. Relacionando as leituras citadas na revisão de literatura e a prática aplicada no educativo do Inhotim. A prática reflexiva é considerada um método a ser adotado pelo profissional com interesse em ser consciente de sua ação e transformá-la através da reflexão e de um pensamento crítico. Conforme cita Perrenoud (2002, p.44): A reflexão transforma-se em uma forma de identidade e de satisfação profissional. Ele conquista métodos e ferramentas conceituais baseados em diversos saberes e, se for possível, conquista-os mediante interação com outros profissionais. Essa reflexão constrói novos conhecimentos, os quais, com certeza, são reinvestidos na ação. Um profissional reflexivo não se limita ao que aprendeu no período de formação inicial, nem ao que descobriu em seus primeiros anos de prática. Ele reexamina constantemente seus objetivos, seus procedimentos, suas evidências e seus saberes. Ele ingressa em um ciclo permanente de aperfeiçoamento, já que teoriza sua própria prática, seja consigo mesmo, seja com uma equipe pedagógica. O professor faz perguntas, tenta compreender seus fracassos, projeta-se no futuro, decide proceder de forma diferente quando ocorrer uma situação semelhante ou quando o ano seguinte se iniciar, estabelece objetivos mais claros, explicita

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suas expectativas e seus procedimentos. A prática reflexiva é um trabalho que, se torna regular, exige uma postura e uma identidade particulares.

O ser consciente de uma prática educativa se aplica em estar diante de um processo de formação contínuo e não desprezá-lo em suas ações. Considerando Paulo Freire (1996, p.39) “quanto mais assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica.” O ato de refletir na maioria das vezes acontece em uma situação de incomodo gerado uma série de questões em busca de soluções para sanar esses transtornos. Isso geralmente acontece no início da carreira de um profissional, quando no decorrer de sua prática encontra o mínimo de equilíbrio, acaba por praticar automaticamente suas ações. A defesa da prática reflexiva como um método que pode acrescentar no processo de formação do educador vem juntamente com a certeza de sua constância na vida profissional deste indivíduo, uma vez que a prática reflexiva não se limita a ação, conforme cita Perrenoud (2002, p.55) “ela também tem vínculos com suas finalidades e seus valores subjacentes. Refletimos sobre o como, mas também sobre o porquê. (...) Uma prática reflexiva autoriza uma relação mais ativa que queixosa com a complexidade.” Com o propósito de experimentação a aplicação da prática reflexiva na educação não-formal, pode acontecer não se diferindo muito do que se refere ao profissional que atual na educação formal. O que se diferencia, porém são os conceitos de mediação. Segundo os conceitos aplicados na mediação do Instituto Inhotim, o educador parte de um lugar comum ao visitante e ao trabalho artístico que media, não existindo uma condução das falas e sim uma articulação dos sentidos formatando um campo de conhecimento. A prática reflexiva no contexto da mediação se insere com o propósito de conhecer se estes princípios estão sendo atingidos ou não. O educativo Inhotim1 atua em duas frentes: Arte educação e Educação Ambiental. Partido do pressuposto que os espaços culturais são locais de formação, estas duas frentes de trabalho promovem uma série de ações para aproximar o público dos valores das artes e do meio ambiente. Dentre elas o projeto Descentralizando o Acesso – visitas escolares a Inhotim, coordenado pela Arte educação visa o desenvolvimento cultural da população estudantil de Ensino Fundamental e Médio, das redes públicas de ensino do município de Brumadinho (MG) e de municípios vizinhos. São previstas, para isto, visitas orientadas dos alunos ao Instituto Inhotim e encontros de formação para professores, que servirão como preparação das visitas, contribuindo para o melhor aproveitamento das ações educativas. Essas atividades visam o desenvolvimento de programas especiais para pré e pós-visitas, com o intuito de aprofundar os conhecimentos dos alunos e 1

Informações no site www.inhotim.org.br. Consultado em 31/01/2009

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ampliar as possibilidades educativas propiciadas pelo contato direto com as obras de arte e os conceitos de diversidade cultural expressos no acervo artístico de Inhotim. A ação educativa do Instituto Inhotim, trabalha o conceito de autonomia como um bom procedimento para a realização de proposições educacionais. O educador que atua nas ações, compõe um equipe interdisciplinar, trabalhando com as competências e habilidades desenvolvidas na graduação e ainda compartilha de uma diversidade de ações que podem ser autorais ou não. A autonomia que se aplica, vem de um trabalho baseado na experimentação e na busca por estratégias de uma mediação eficiente e completa, onde o educando é envolvido com suas experiências e expectativas, gerando conhecimento a partir das informações trazidas para o diálogo por ambos envolvidos na conversa. A mediação em arte contemporânea não se baseia no exato e sim nas diversas possibilidades que uma obra pode oferecer para seu expectador. A pesquisa em Inhotim, busca aplicar a prática reflexiva, na ação e sobre a ação, comparando e analisando o ato de mediar com outros procedimentos educacionais e ainda como o profissional critica o seu próprio trabalho, partindo de uma auto-analise. Algumas estratégias de mediação estão sendo analisadas, para proporcionar a equipe do Projeto Descentralizando o Acesso, o desenvolvimento desta capacidade de refletir e de organizar seu próprio tempo para isso. Atividades que envolvem individualmente os membros da equipe, em horários que eles poderiam criar esse habito de forma a se organizarem sozinhos na possível evolução deste trabalho. Como relatos por escritos, feitos individualmente após a execução das atividades. Reflexões em grupo acerca destes relatos e novas proposições a partir destas reflexões a fim de alcançar o objetivo proposto em cada ação específica do Projeto. De acordo os fatores motivadores de reflexão citados por Perrenoud (2002) a reflexão nesta pesquisa, selecionam quatro deles, para serem analisados: • Auto-avaliação da ação • Vontade de compreender o que está acontecendo • Desejo de manter-se por meio da análise • Formação, construção de saberes Buscando então, analisar estes quatro fatores dentro de processo de mediação, com o propósito de perceber a reflexão como uma influencia para os elementos que compõe a mediação. Apresentando ainda, a proposta de relatar episódios reflexivos, conforme cita Perrenoud (2002, p.42): Os incidentes que provocam essa atitude também são muito diferentes. É difícil dizer in abstracto por que refletimos sem nos referirmos a um contexto. Portanto, compreenderemos melhor o mecanismo reflexivo de um profissional se induzirmos a relatar episódios reflexivos. Dessa forma, ele poderá evocar o que provocou um determinado episódio.

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No entanto essa pesquisa encontra-se em andamento, os relatos por escrito estão sendo desenvolvidos de acordo com a realização das atividades. Um arquivo está sendo gerado com estes relatos, que compõe a primeira etapa de desenvolvimento da prática reflexiva as ações educativas do projeto Descentralizando o Acesso – visitas escolares a Inhotim. Sendo a princípio analisados para a identificação de elementos que podem potencializar e referenciar esse objetivo de aplicar a prática reflexiva nas ações de educadores de museus.

Conclusão Após conhecer o método da prática reflexiva e estudar sua aplicação no projeto Descentralizando o Acesso – visitas escolares a Inhotim desenvolvido no Instituto Inhotim em Brumadinho, MG, a luz da teoria lançada pelos autores Paulo Freire, Philippe Perrenoud e Martha Marandino conclui-se provisoriamente que tal método é de grande utilidade na formação do corpo interno do Instituto Inhotim, envolvidos nesta pesquisa, bem como se tem encontrado resultados positivos na formação de visitantes envolvidos na metodologia do projeto. Por se tratar de uma pesquisa em andamento a necessidade de avaliá-la após sua conclusão, estando prevista para setembro de 2009 quando então o instituto avaliará a seu real valor de aplicação da prática reflexiva na prática diária do educativo. Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Editora Paz e Terra – São Paulo, 1996. HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Editora Artmed – Porto Alegre, 2000. MARANDINO, Martha. Educação em museus: a mediação em foco. Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo, FE/USP, Brasil, 2008. PEREIRA, Júnia Sales.;Siman, Lana Mara de Castro.; Costa, Carina Martins.;Nascimento, Silvania Sousa. Escola e Museus: diálogos e práticas. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura / Superintendência de Museus; Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais / Cefor, 2007. PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício do professor – profissionalização e razão pedagógica. Editora Artmed, Porto Alegre 2002.

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A Experiência Estética na Arte Contemporânea Maria da Penha Fonseca Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/UFES

Introdução Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs – ARTE (MEC/ SEF, 1998), o professor de Arte deve ter momentos de vivências de criação pessoal em arte que lhe propicie a assimilação de conhecimentos específicos, envolvendo a apreciação, a reflexão e o fazer artístico, considerando as vivências como produto cultural e histórico. Tais momentos enriquecem e acrescentam conhecimentos, procedimentos e habilidades na formação do professor de Arte, possibilitando-lhe melhor desempenho na realização da transposição didática nas situações de aprendizagem, evitando que esteja preso às chamadas atividades prontas. Hoje, a profissão já não é a transmissão de um conhecimento acadêmico ou a transformação do conhecimento comum dos alunos em um conhecimento acadêmico. A profissão exerce outras funções: motivação, luta contra a exclusão social, participação, animação de grupos, relações com estruturas sociais, com a comunidade [...] E é claro que tudo isso requer uma formação: inicial e permanente (IMBERNÓN, 2005, p.14).

A formação permanente do profissional de educação é necessária e, através de leituras, observamos em algumas pesquisas1 realizadas que uma parcela de professores de Arte tem dificuldades em lidar com o ensino da Arte Contemporânea, devido à falta de formação inicial e permanente, ao tempo de serviço e/ou formação, falta de leitura, participações em seminários, congressos e outros. Cabe ao professor a tarefa de investir em sua formação, para que então seja capaz de desenvolver em seu aluno a competência de compreender e realizar a leitura da imagem visual, percebendo-a presente na história da humanidade desde as primeiras manifestações da pré-história. A Arte é um meio de entendermos o mundo ao redor e a relacionar-se com o mesmo. O conhecimento do meio é básico para a sobrevivência, e representá-lo faz parte do próprio processo pelo qual o ser humano amplia seu saber. Esse processo de conhecimento pressupõe o desenvolvimento de capacidades de abstração da mente, tais como identificar, selecionar, classificar, analisar, sintetizar e Nardin e Ferraro (apud Ferreira, 2004), Teixeira (2000) e sobre as discussões: Docência, artista: arte, gênero e ético-estética docente realizada no GT de Formação do Professor na 28ª ANPEd, em Caxambu, MG. 1

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generalizar. Tais atividades são ativadas por uma necessidade intelectual existente na própria organização humana (BUORO, 1996 p.20).

A partir do pressuposto, que o homem está inserido na história de sua época e que manifesta por meio da arte sua maneira de ver, perceber e sentir o mundo deixando suas marcas impressas e/ou presentes na sua produção artística optou-se em observar e investigar como a Arte Contemporânea está presente no processo educativo, direcionando o foco da pesquisa para as instalações artísticas. Como elas configuram-se como linguagens no âmbito educacional para professores do Ensino Fundamental e, como tal, quais são as possibilidades de leitura utilizadas. Para propor uma proposta, o professor precisa compreendê-la em seus objetivos, conteúdo e processos de desenvolvimento e avaliação. Ela precisa, ainda, ser adequada aos alunos, a fim de que não se transforme num exercício mecânico desprovido de sentido (FERREIRA, 2004, p.32).

Fica-nos claro que, para se tornar significativa, tanto para o professor quanto para os alunos, uma proposta pedagógica ao ser elaborada ou apropriada deve ser construída, reconstruída ou resignificada e adequada à realidade na qual será desenvolvida. Segundo Buoro (2002) é preciso que o professor tenha acesso a modelos variados para a experimentação, pois só com um repertório elaborado com base em experimentações e vivências será possível avaliar de fato as diferentes metodologias e então escolher aquela que responda aos parâmetros da realidade na qual está inserida. Ressaltamos que nesse acesso a modelos variados, incluem-se visitas a espaços artísticos, tais como: galerias; museus; ateliês; espetáculos de dança; música; teatro e cinemas, a fim de ampliar o seu olhar sobre diferentes estilos e linguagens. Assim, pensando em contribuir com a quebra desses paradigmas clássicos, que porventura ainda insistam em embaçar os olhares, lançamos nessa pesquisa, junto a um grupo de professores, a intervenção como nosso maior propósito. Como o professor percebe as instalações artísticas? Como realiza as leituras de obras de arte? Quais relações se estabelecem entre os conhecimentos que aí se encontram e suas práticas docentes? Junto a um grupo de professores de Arte da Rede Municipal de Educação e Ensino de Vila Velha/ES propomos uma Formação Continuada que se estruturou em cinco momentos: • A aplicação de questionário para coleta de dados, a fim de conhecer o grupo e o relacionamento desses com a Arte Contemporânea; • A realização de uma Oficina-pedagógica, objetivando o resgate de conhecimentos específicos da arte, realizando um paralelo por meio de uma leitura comparativa da Arte Clássica, Arte Moderna e Arte Contemporânea; • A visita à Exposição Babel, no Museu Vale, a fim de propiciar a apreciação e reflexão sobre a obra artística contemporânea;

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• A participação em Workshop, possibilitando aos participantes a experiência estética e vivência na produção plástica numa proposta de Arte Contemporânea; • O relato de experiência, desenvolvidos em sala de aula após a experiência estética e vivência proposta na pesquisa. Na análise das respostas do questionário aplicado, observamos que alguns professores não trabalhavam a Arte Contemporânea em seus planejamentos por não a compreenderem, por necessitarem de formação e informações específicas, momentos de experiência e de vivência com as diferentes expressões que a integram. Propomos então, uma Oficina Pedagógica sobre Arte Contemporânea: Instalação Artística; buscando em autores que já vínhamos estudando e em outros, referenciais que nos servissem de suporte teórico, resgatando os conceitos de arte clássica, moderna e contemporânea e as diferentes características estéticas presentes em cada uma delas, sem perder de vista as respostas dadas pelos professores no questionário e as sugestões deixadas ao final do mesmo. A oficina-pedagógica foi dividida em dois momentos, tendo inicialmente como referencial a imagem da obra artística, o que em nosso entender nos possibilita traçar um percurso da arte clássica com a obra Homem rolando fumo, de Almeida Júnior a contemporânea a obra Sala dos espelhos, de Ken Lum, a fim de resgatarmos alguns conceitos, assim como contextualizarmos as linguagens contemporâneas para trabalharmos com as Instalações. A visita á Exposição Babel no Museu Vale, em julho 2007, oportunizounos o contato direto com as obras, a apreciação, reflexão e experimentação do fazer artístico tendo como referência as Instalações Artísticas, expressão contemporânea em questão. Nesta exposição, selecionamos quatro obras expostas em Babel e propomos aos professores um roteiro de leitura: O que o texto mostra? E o que mostra para formar sentido? Malhas da Liberdade (1977) exposta na sala especial do Museu Vale, composta por ferro e vidro, tendo a estrutura de ferro uma dimensão de 120 x 120 cm e a folha de vidro a dimensão de 40 x 100 cm, Coleção do artista. O que o texto mostra: Ao se depararem diante dessa obra as professoras ficaram a observar e descrever detalhes da estrutura de ferro pendurada por um fio de cabo de aço e transpassada pela folha de vidro. Em uma das laterais a obra exposta encontra-se uma estrutura fixada a parede demonstrando o processo de criação pensado na construção da obra. É uma composição que obedece a uma lei de unidade elementar, com um segmento de retas que se cruzam. Repetido muitas vezes, forma-se uma estrutura metálica que cresce de forma arbitrária no espaço. O que mostra para formar sentido: “Ao pendurá-la verticalmente a grade e atravessá-la com a folha de vidro, o artista demonstra que apesar do material utilizado ser resistente, é também flexível, permeável” (Professora A). “Eu acho que essa obra foi concebida no período da ditadura militar, inclusive o título Malhas da Liberdade tem tudo a ver com a época” (Professora B).

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“Eu olho para essa grade pendurada e me lembro dos dias de hoje, onde nos trancamos dentro de grades para nos protegermos da violência e da insegurança. Estamos presos em nossos próprios lares” (Professora C). “Vejo que apesar das malhas de grade podemos transpassá-las, rompêlas, ultrapassá-las, atravessá-las. Não estamos verdadeiramente presos, ou amarrados, é preciso buscar a liberdade, e isso vai depender de cada um, qualquer que seja sua forma de prisão” (Professora D). “Essa obra me chama a atenção por sua construção, pelo diálogo a que ela propõe, indiferente a sua contextualização histórica, ou seja, relativa ao período em que foi produzida, mas, também podemos perceber questões de nosso cotidiano, como as grades em nossas casas, carros fechados e o medo de andar nas ruas” (Professora E). De acordo com Oliveira (2004), a leitura do texto imagético se dá na relação construída entre a obra e o leitor, é preciso perceber o que está sendo convocado, observar e construir um diálogo com a obra. Se colocar diante da obra artística e deixar-se conduzir pelo diálogo que a própria obra propõe, deixando o olhar perceber os detalhes que estão postos diante de nossos olhos. Portanto, as professoras dialogaram com a principal questão presente no próprio título que nos diz Malhas da Liberdade, a liberdade. Independente do contexto seja o da época em que foi produzida ou dos dias de hoje, a obra nos fala de liberdade, do que está fora e do que está dentro, desafia-nos a ultrapassar as malhas para conquistarmos a liberdade. O vidro pendurado de uma forma irregular nos mostra a instabilidade de uma situação, que pode ser modificada, é como se fosse algo frágil, que estivesse quase caindo, seguro apenas por alguns pontos. Observamos que as professoras se deixaram conduzir pela obra, percebendo cada detalhe posto, fazendo um percurso visual por toda a obra, considerando todas as marcas encontradas nela. Torre de Babel (2001-2006) Instalação com estrutura metálica, rádios. Altura 500 cm X 200 cm de diâmetro. Pertencente à Coleção do artista. Ainda do lado de fora do Galpão, espaço onde estão expostas as obras principais e maiores da exposição, a monitora do Museu motivou a visitação comentando a origem do título da obra a ser apreciada: Torre de Babel. Perguntando aos professores se conheciam a história da Torre de Babel. Uma professora respondeu que se tratava de um episódio bíblico, em que um povo construiu uma torre para chegar aos céus. A monitora então complementou o comentário, explicando a todos a origem da Torre de Babel. O título e a formalização dessa obra é uma remissão ao episódio bíblico da Torre de Babel (Gênesis, XI, 1-9). Após a explicação, convidou os professores a entrarem na exposição, o que foi um impacto devido à penumbra do espaço, mas logo os professores identificaram, ainda que de modo impreciso, os diferentes ruídos baixos e contínuos e o contorno de uma alta estrutura cônica, com muitas e pequenas fontes de luz. O que o texto mostra: O grupo foi chegando vagarosamente junto à estrutura, como que atraídos pelo volume disposto no centro da sala, começando a circular em torno dela e perceber, então, a enorme torre – com mais de dois metros de diâmetro e cinco metros de altura – feita da sobreposição

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de rádios de diferentes modelos e de época variadas, indo dos modelos tão antigos, daqueles funcionando com válvulas, aos modelos mais modernos, como as caixinhas de som de computadores. Todos estão ligados, o que fica evidente devido à origem dos pontos luminosos. De longe ouvimos apenas um confuso chiado, mas ao nos aproximarmos, percebemos as músicas, as notícias e os programas radiofônicos que, emitidos de estações diferentes, formam o todo da obra. A obra Torre de Babel não se restringe a uma materialidade plástica, mas também utiliza a materialidade sonora, o que é uma das características das Instalações. Dentro desse espaço torna-se difícil registrar os comentários dos professores devido aos sons emitidos pelos rádios, mas observamos que as reações foram de aproximação e/ou de distanciamento. O que o texto mostra para formar sentido: Percebemos a presença da diversidade nos meios de comunicação, mesmo antes que se possa identificá-la visualmente, assim que se entra na penumbra da sala, os variados sons chegam a nós em sua variação, num primeiro momento não conseguimos identificá-los, porém estão ali. Uma professora comentou que foi como se ela estivesse em meio a uma multidão, em que todos falam ao mesmo tempo e não conseguem chegar a um acordo. Sentiu-se incomodada e não conseguiu ficar na sala por muito tempo. Um grupo preferiu se aproximar e procurar identificar as diversas informações que estavam sendo postas. A seguir, citamos alguns comentários realizados pelos professores: “É como tentar decifrar as mensagens aqui presentes”. “Em Babel somos convidados a uma experiência a ser vivida em tempo real, a partir da diversidade sonora produzida em conjunto. Não se pode perceber o todo se não percebermos as partes e vice-versa”. “O que nos aproxima da Torre de Babel é exatamente o fato de sua formação; primeiro interagimos com a obra por meio da audição, para somente depois interagirmos com o olhar, porém não descartarmos a audição”. A percepção dos professores em relação aos sentidos da audição e da visão, necessários para a interação com a obra, é confirmada como uma das propostas presentes na obra Babel. A percepção do elemento sonoro do trabalho mesmo antes que se possa discerni-lo visualmente confirma, por fim, o interesse de Cildo Meireles em investigar a natureza e as características do espaço valendo-se de mais de um sentido, requerendo, do visitante, a disposição de explorar Babel com o próprio corpo e de despender com ele um tempo incerto (BABEL, 2006, p.23).

Para formar sentido, a obra nos mostra a diversidade ali presente, ao observar-se a torre e ver em sua composição os menores recursos tecnológicos presentes nos rádios mais antigos, aos excessos de recursos dos modelos mais modernos, pode-se relacioná-la com o alto índice de desigualdade entre as nações, entre os povos. Assim como a possibilidade de se comunicar

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com o que está mais próximo ou mais distante, de narrar, de reivindicar, o direito de ser escutada, reconhecida e representada. Os aparelhos de rádio em Babel produzem conjuntamente um chiado vindo de todos os aparelhos, sugerindo a grande quantidade de informação transmitida pelos diversos rádios presentes. No mundo contemporâneo as informações chegam-nos não somente via rádio, mas também pela televisão, pela rede mundial de computadores, uma sobreposição de informações. A manipulação dos meios de comunicação acaba confundindo-se com a quantidade de conteúdos, tornando muitas vezes o ouvinte vazio de significados realmente discerníveis. A enunciação de pontos de vista diversos e o controle ou a diluição daquilo que é singular são, portanto, fenômenos que coexistem fisicamente em Babel e que podem ser tomados como metáforas da interação intrincada entre nações distintas, em que diferenças são produzidas por cada uma delas em meio à desigualdade do poder de estabelecê-las diante dos demais agrupamentos (BABEL, 2006, p.31).

Babel é uma instalação e, portanto, provoca o sujeito a interagir com/e numa instalação, assumindo um papel, sem, entretanto, abandonar o seu “eu”, ora se aproximando da obra para perceber os sons e/ou visualizar detalhes, ora se distanciando para possibilitar a visão do todo. Glover Trotter (1991) Instalação – malhas de aço, bolas de vários tamanhos – com dimensão: 5,20 x 4,20cm. Coleção CACI – Centro de Arte Contemporânea de Inhotim. O que o texto mostra: Glover Trotter está exposta rente ao chão, a obra é composta por uma placa de madeira, com dimensão de 5,20 x 4,20cm, com esferas distribuídas por toda a superfície. As diferenças podem ser percebidas em toda a obra a partir da variedade de tamanhos, com esferas que variam entre muito pequenas até esferas grandes (bolas de jogos de vôlei ou basquete), assim como de sua materialidade que varia entre o metal, o plástico, a borracha e o couro. Todo o espaço é coberto por uma malha de aço inoxidável que parece proteger, separar ou até mesmo sustentar as várias bolas separadas, cada uma ocupando o espaço pré-estabelecido pelo artista. A obra é colocada em plano baixo, o que possibilita ao espectador uma vista aérea. O observador é provocado / convidado a se agachar para observá-la de sob outra perspectiva. O grupo relacionou a obra Glover Trotter como uma continuidade da reflexão provocada em Babel, enquanto na sala anterior, em Babel tínhamos a diversidade representada na verticalidade, aqui essa mesma diversidade é posta na horizontalidade. Todas as esferas estão num mesmo plano, independente de forma, cor, peso, tamanho ou material. Todas estão interligadas, porém ao mesmo tempo impedidas de se tocarem devido à malha de aço que as cobre. “A iluminação do ambiente, refletida sobre a obra que contém relevos,

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provoca nela um conjunto de luz e sombra, que pode ser comparado à superfície lunar, fria e árida” (Comentário da professora B). “Em vez de relacionarmos a obra com a superfície lunar, com sua frieza e falta de vida, pode ser comparada aos diferentes relevos do planeta Terra” (Comentário da professora D). O que mostra para formar sentido: é uma obra ambivalente, enquanto relacionamos as marcas de semelhanças encontradas em cada uma das esferas, temos presente a sua diversidade e podemos associar às diversidades culturais, sociais, políticas, históricas, existentes entre os agrupamentos humanos. Uma professora comentou que, para ela, a malha que encobre as esferas lembra o apagamento das culturas, das diferenças sob o poder hegemônico de algumas nações distintas. E o que nos serve de alerta é que apesar da teia cobrir as esferas, ela também nos deixa à mostra por meio de sua trama ou de seus pontos largos. Cildo Meireles nos propõe por meio de suas obras questões políticas e sociais, por exemplo, ao buscarmos a origem dessa obra, vimos que ela foi concebida para as comemorações dos quinhentos anos da colonização européia das Américas para a Exposição no MAM – Museu de Arte Moderna de Nova York, 1992. E que tinha ironicamente o subtítulo Admiráveis Mundos Novos. [...] Cildo Meireles não dissocia, portanto, o conhecimento físico do espaço – buscado por procedimentos construtivos diversos – da cognição do espaço político, ao qual alude sempre por metáforas. Assume, como método intuitivo e também racional, não distinguir entre os objetos e ambientes que cria e a vontade de discutir a diferença entre povos. Método que implica a sobreposição e o entrechoque de significados, espelhando o contato conflituoso entre os vários tempos que os modos contemporâneos de organização e de articulação dos espaços promovem (BABEL, 2006, p.49).

Conforme se ia entrando na exposição, podíamos observar nos comentários de alguns professores que eles iam soltando as amarras, iam se desatando de algumas resistências sinalizadas anteriormente em relação à Arte Contemporânea, deixando-se envolver pelo texto que estava posto nas obras. Marulhos (1997) Instalação – madeira, livros, trilha sonora. Dimensões variáveis. Coleção MAM O que o texto mostra: Marulho é uma Instalação que apresenta recursos visuais e sonoros e como em obras anteriores, discute a existência do espaço físico e político. Devido ao seu tamanho, que varia de tamanho conforme o espaço em que é exposta convida o espectador a percorrê-la com o corpo todo, não apenas com o olhar. A sala é praticamente toda ocupada com a obra, temos três degraus de madeira que ocupam toda a largura da sala e dão acesso a uma plataforma que possui a mesma extensão lateral

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da escada e uma altura de aproximadamente um metro. Da plataforma sai uma passarela que nos lembra um píer que é interrompido abruptamente ao centro da sala. No chão, a partir da plataforma, ladeando a passarela e indo de encontro às paredes laterais temos distribuído muitos livros, abertos em páginas com imagens impressas de diferentes mares e oceanos. Os tons azulados das imagens impressas são percebidos como fotografias de mares e oceanos e as ondulações do livro aparentam o movimento das águas. Como recurso sonoro, temos caixas de som distribuídas ao alto da sala emitindo o som da palavra água, sendo falada em oitenta idiomas, num recurso de sobreposição, provocando um vai e vem na percepção sonora. A passarela que avança adentro, essas imagens assemelham-se a um píer como os existentes em cais de cidades litorâneas. A lembrança de mares e oceanos é reforçada pelo som ouvido, semelhante ao murmúrio das ondas do mar. O que mostra para formar sentido: “Marulho não nos remete apenas ao passado, mas também ao contemporâneo, onde as noções de pertencimento são sujeitas a reformulações periódicas ou parciais” (Comentário da professora F). “Marulho nos remete ao passado e resgata nossas origens, pois nosso povo em sua maioria é formado pela miscigenação das diferentes raças vindas dos continentes” (Comentário da professora E). “Apesar de Marulho tratar das águas que ligam os territórios terrestres, que servem para a comercialização, negociações, etc. não podemos deixar de relacioná-la também com a importância da água em nossa vida. Da necessidade de sua preservação para a existência humana sobre a terra” (Comentário da professora G). Conforme comentamos na análise realizada pelos professores na obra anterior, também percebemos em Marulho, como o texto escrito pelo artista contemporâneo envolve o sujeito (o apreciador), integra-o, torna-o participante. O sujeito, aqui professoras, não é apenas um destinatário passivo, pois ele vive com todo o seu corpo a elaboração de sentido, ele também é enunciatário pela sua atuação. A obra se completa quando cada um desses sujeitos caminha sobre a passarela que avança sobre esse mar e/ou oceano. Marulho nos mostra para formar sentido que os mesmos mares e oceanos que separam os continentes e os territórios terrestres também servem para uni-los. Novamente, o artista trabalha a questão do espaço físico e político. Os mares e oceanos são espaços de trocas e de negociação. Por meio deles se realizaram a expansão da humanidade nos diferentes continentes, promovendo a identidade cultural de muitas nações. Babel e Marulho nos provocam a observar a extensão e a densidade dos espaços e das permutas culturais, assim como, nos aponta as dificuldades de compreensão entre os diferentes povos. Consideramos que a visita à Exposição Babel, de Cildo Meireles, foi um presente para a formação desse grupo de professores de Arte – incluo-me nesse grupo – pois as leituras realizadas, os nós desatados em relação à resistência à Arte Contemporânea foram muito visíveis a cada obra visitada. Podia-se perceber a mudança de posicionamento por parte de alguns

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professores ocorrida no percurso do questionário até aqui. Após a visitação à exposição realizamos o workshop com os professores presentes na sala de Oficinas Artísticas do Museu, juntamente com a equipe de monitores que acompanharam a visitação do grupo. A proposta desenvolvida foi a mesma realizada com alunos das redes municipais e estaduais de ensino que visitam a exposição. Segundo a Arte Educadora, o Projeto Caixapresença é uma proposta em Arte Educação do Museu que objetiva essencialmente oportunizar a interação e a participação efetiva dos visitantes – fruidores da Exposição BABEL – Cildo Meireles com a articulação de alguns dos complexos conceitos que permeiam seus trabalhos, obras que dialogam não apenas com as questões sociais específicas do Brasil, mas também com problemas gerais da estética e do objeto artístico. O conjunto de obras do artista Cildo Meireles, que se apresenta na Exposição Babel, aponta para as particularidades de toda a sua produção; nelas estão presentes as relações de escalas, territórios, limites, coexistências e diversidade e ao mesmo tempo se coloca como um desafio para o fruidor. Em um misto de espanto e sedução sua obra, é antes de tudo, geradora de idéias. Cildo confirma isto quando diz “Minha obra aspira à condição de densidade, grande simplicidade, objetividade, abertura de linguagem e interação2”. É nesse processo de Arte – interação que este projeto objetiva aproximar professores do ensino fundamental, crianças e adolescentes da Arte Contemporânea. O ensino da Arte realizado através das obras no original, apresentadas nas Galerias e Museus, torna a educação uma experiência única, o impacto sensorial e o estímulo à percepção propiciam uma leitura rica e significativa. A produção artística é a construção individual de um objeto, guardando sinais e segredos muito particulares de cada participante, que depois farão parte de um todo / objeto – coletivo. No workshop, as professoras foram orientadas para a proposta de vivência e experimentação estética, em que cada uma estaria deixando suas próprias marcas e/ou impressões sobre a exposição Babel em uma caixa transparente, com formas e tamanhos variados, e um cartão para escrever um desejo. Observamos no grupo duas atitudes, algumas professoras, assim que receberam o material, iniciaram a proposta; e outras, num primeiro momento, se entreolharam, pegaram os materiais, observaram, aguardaram, para só depois começarem a escrever. Aqui, assim como na sala de aula, o processo criativo e o tempo de cada um precisam ser respeitados, principalmente pelo fato de ter que escrever ou expor um desejo. Após escreverem seus segredos, dobrá-los e guardá-los dentro da caixa transparente, cada uma deixou marcas pessoais nas caixas, seja na parte interna ou externa, com desenhos ou palavras utilizando uma caneta de retro projetor. En-

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Gerardo Mosquera conversa com Cildo Meireles. Em Paulo Herkenhoff, 1999, p. 28.

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tre as palavras escritas pelas professoras, podemos citar algumas: prazer, educação, amor, felicidade, conhecimento, dignidade, respeito, liberdade, expressão, aprendizagem, aprender mais, arriscar, desejar e sabedoria. Após a conclusão da proposta, as professoras deixaram suas produções junto às demais já existentes em determinada área da sala. O fato de separar-se da sua produção foi difícil para algumas professoras e uma delas não conseguiu fechar a caixa, preferindo deixá-la aberta. Durante nossa docência, temos observado atitudes semelhantes às das professoras em muitos alunos ao produzirem um objeto, essa relação de apego ao que é produzido, assim como o medo em expor o seu trabalho ou a si mesmo via sua produção. É o se colocar no lugar do outro, já que ali muitas estavam vivenciando um momento ímpar em sua formação, eram professoras e alunas ao mesmo tempo. Observamos que é exatamente esse sabor de ser aprendiz e pesquisador, sem medos e sem amarras que precisa ser despertado em muitos profissionais da educação. Após a realização do workshop, os professores receberam do Museu uma pasta contendo: o Catálogo Babel Cildo Meireles, Museu Vale do Rio Doce, o Projeto Caixapresença (proposta em Arte Educação do Museu Vale, da qual participaram) e o folder da exposição. Ao término desse momento foi realizada uma avaliação da oficinapedagógica, da visitação e do workshop em que as professoras demonstraram muita satisfação por terem participado, dizendo que as informações e conhecimentos adquiridos contribuiriam em muito para os seus trabalhos em sala de aula. Para um momento posterior, solicitamos aos professores que nos encaminhassem relatos dessa experiência vivenciada com a Arte Contemporânea e sua aplicação em sala de aula, a fim de inseri-los nessa pesquisa, porém somente uma professora respondeu à solicitação feita. Vale ressaltar que buscamos contato com vários deles por telefone e por e-mail, reforçando a necessidade desse momento para a conclusão dessa pesquisa. O relato foi de um projeto que envolveu alunos da 4ª série do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Vila Velha que teve como objetivo de instigar a observação das formas, criando registros gráficos das diferentes esferas que encontramos no mundo que nos cerca buscou-se contemplar o conceito da forma geométrica ESFERA, suas similaridades e suas diferenças. A professora relatou para os alunos a experiência vivenciada pelo grupo de professores na Exposição Babel e levou para a sala de aula uma sacola de tecido contendo diferentes esferas de tamanhos, pesos, texturas e materiais diferentes. Perguntou aos alunos se gostariam de saber o que estava ali dentro, então propôs que fechassem os olhos, solicitando que um por um tocasse as formas envoltas pelo tecido e procurasse perceber o que ali estava guardado, cada detalhe: tamanho, materialidade, textura e temperatura. A produção artística se deu por meio de pinturas, confecção de bolas com diferentes tamanhos, pesos e texturas e uma mesa com um espelho apoiado sobre ela, porém entre o espelho e quem se olha, há a existência

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das esferas cobertas em papel laminado e essas podem ser ou não percebidas, dependendo de quem olha. Tal produção foi exposta no Centro de Formação da Prefeitura Municipal de Vila Velha para apreciação pública. Na execução da proposta realizada pela professora com seus alunos da 4ª série do Ensino Fundamental, portanto, o que perceberam da obra original, de Cildo Meireles foi por meio de reproduções em fotografias e os comentários realizados pela professora. Consideramos que tais fatores limitaram as possibilidades de leitura desses alunos, primeiramente ao verem a obra por meio de uma reprodução fotográfica, principalmente se tratando de Arte Contemporânea, que propõe a interação do espectador com o objeto artístico. Sem contarmos com os elementos plásticos presentes na obra, tais como: proporção; planos; pontos de vista; tamanho; cor, entre outros. Segundo que, com esse primeiro obstáculo, estão inseridas na reprodução da obra as marcas perceptivas da professora, aqui apresentadas por meio do relato realizado aos alunos sobre sua experiência e vivência na visitação à exposição. Enfatizamos que trabalhar com um projeto é transformar uma atitude isolada da sala de aula, criando situações de aprendizagem através de atividades que despertem o interesse e a participação dos alunos. Não há métodos bons ou ruins quando trabalhamos com projeto, muito menos receita pronta, pois esse modo de trabalhar possui uma dinâmica própria que poderá ser afetada e transformada conforme a realidade do grupo que participa. Percebemos na proposta desenvolvida pela professora que ela apropriouse do conhecimento adquirido durante a visitação à exposição (apreciação, leitura e produção) e converteu em competências simbólicas, com o objetivo de levar o seu aluno a ampliar seu modo de sentir, de perceber, de pensar, de imaginar, de expressar e de produzir uma instalação artística. A proposta foi desenvolvida buscando relacionar a produção plástica com outras áreas de conhecimento. Martins (1998) conceitua o desvelar / ampliar como fio condutor da ação possível do educador e do artista, na busca de sua própria poética, seja pedagógica, seja estética, abrindo horizontes de possibilidades e potencialidades para a realização de uma proposta. Resgatamos, também, Teixeira (2000), repensando modos já propostos por outros, transformando-os dentro de sua realidade, levando o aluno a pensar, a criar, a se expressar, conhecer e a questionar o objeto artístico. Concluímos que a Arte Contemporânea: instalações artísticas possibilitam uma troca de experiência entre a razão e a sensibilidade, que resultam em várias contribuições para o processo educativo. Possibilitando ao aluno o desenvolvimento de um olhar mais crítico, capaz de perceber o mundo ao redor, identificar valores culturais, sociais, estéticos, econômicos, políticos presentes nas obras artísticas, tornando-o sensível às questões pertinentes à nossa época e capaz de se expressar por meio de uma das linguagens artísticas, seja ela visual, musical, cênica, ou dança, conforme o que nos propõe Barbosa (1998). A obra artística contemporânea pode romper também com distâncias

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entre passado e presente, como observamos na análise da Instalação Malhas da Liberdade, de Cildo Meireles. Sendo assim, passado e presente, semelhanças e diferenças são noções que a experiência com a Arte Contemporânea remetem a contribuições para o processo educativo como um todo. Portanto, a Arte Contemporânea pode ser uma ponte que auxilie o professor a conduzir o aluno do concreto ao abstrato. As instalações artísticas tratam de tais conceitos através de relações estabelecidas entre sujeitos, destacando em sua produção as formas de viver com / por / através de objetos na produção artística, gerando efeitos de sentido de verossimilhança ou de iconicidade, apropriando-se do já construído e tornando-se real. Sendo assim, compreende-se que na Arte Contemporânea novos suportes são propostos, a obra coloca-se no próprio mundo, fica cara-a-cara com o destinatário (o observador/espectador), que ao interagir constrói uma extensão de seu próprio corpo e de uma infinidade de possibilidades no seu ser e estar, aqui e agora. Nessa perspectiva, a obra só é terminada com a interação do sujeito, que se torna também partícipe da produção da obra. As salas que antes eram apenas expositivas tornam-se ambientes ou espaços artísticos, onde o espectador interage com a obra como quem entra num projeto de construção inacabado, porém à espera do acabamento. Como exemplo, podemos citar a instalação Marulhos, de Cildo Meireles analisada anteriormente, que provoca o espectador, que está à sua espera num estado de clamor e de investigação. Ela se completa com a entrada do espectador no espaço do píer. E após a sua saída, retorna ao estado de incompletude e de espera de um outro vir a ser. Segundo Oliveira (2002) é nesse instante em que o espectador passa a ser parte inerente ao texto, que se assegura a sua pertinência semiótica. E nessa pesquisa a experiência estética na Arte Contemporânea foi ampliada na visitação à Exposição Babel, do artista carioca Cildo Meireles, realizada no Museu Vale, possibilitando, inclusive, todo o processo proposto inicialmente. Segundo Iavelberg (2003), todo professor deve conquistar autonomia progressivamente a fim de sentir-se capaz de buscar o aprimoramento de seus conhecimentos e pesquisar por si mesmo e com seus pares. Acredita-se que durante a realização dessa pesquisa conseguimos aprimorar o conhecimento, tanto pessoal quanto o do grupo envolvido, ampliar o espaço de vivência e experiência artística por meio da realização da oficinapedagógica, da visitação à exposição Babel e do workshop. Enfatizamos que esses momentos de visitação a espaços culturais e artísticos, assim como a vivência estética, são extremamente necessários para a formação do professor de Arte. E é exatamente o que está faltando a muitos professores: a vivência, a contemplação, o ver, o sentir, se colocar diante da obra artística, se permitir à construção de um diálogo com a obra. Ficam-nos questionamentos: Será que nos faltam oportunidades? Materiais? Condições de fazer ou de não querer fazer? É preciso sair do comodismo. Quem quer, faz acontecer. Barbosa (1998) destaca cinco itens fundamentais que podem contribuir

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para um melhor desempenho do professor de Arte em qualquer momento de sua vida profissional: • Atitude: é preciso consciência para mudança de atitude. Os professores precisam ser curiosos, querer aprender, saber como aprender, valorizar novas experiências e idéias, desenvolver conceitos, ser capaz de pensar e de agir. • Debate: professores de Arte precisam engajar-se no debate sobre assuntos de estética, projetos e meio ambiente. • Documentação e divulgação: Os professores de Arte precisam escrever sobre seus projetos, documentá-los e divulgar os resultados. “Somos capazes de refletir sobre nossa experiência, de aprender a partir dela e de compartilhá-la com os outros, de forma que venham a aprender também” (BARBOSA, 1998, p. 134). • Formação de professores: torna-se necessário gerar e desenvolver experiências adequadas, cursos e matérias que ajudem os professores a lidar com questões pertinentes ao nosso século. • Colaboração interpessoal na educação: deve-se estar preparado para pedir ajuda e apoio para enriquecer e ampliar o que os professores podem realmente proporcionar, buscando professores de outras áreas de conhecimento, outros profissionais e instituições integrantes da comunidade. Esperamos, assim, ter contribuído para a inserção das instalações artísticas em sala de aula como uma possibilidade de desenvolvimento do olhar sensível, crítico e estético do apreciador com relação ao texto presente na obra. Pensamos que, por meio dessas ações, conseguir-se-á propor a inserção das instalações artísticas em sala de aula como uma possibilidade de desenvolvimento do olhar sensível, crítico e estético do apreciador em relação ao texto presente na obra e às demais questões temáticas pertinentes ao nosso século. Referências BARBOSA, Ana Mae. A imagem do ensino da Arte. Anos 80 e novos anos. São Paulo/ Porto Alegre: Perspectiva/Iochpe. 1991. ______. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C / Arte. 1998. ______. (org.) Inquietações e mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002. BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais – ARTE. Secretaria de Educação. Brasília: MEC / SEF, 1998. BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo: Educ / Cortez, 2002. CANTON, Kátia. Os Sentidos da Arte Contemporânea. In SEMINÁRIOS INTERNACIONAIS MUSEU VALE DO RIO DOCE, 2007, Vitória, Anais ... Vitória / ES. 2007. p. 23. CARVALHO, Janete Magalhães. et al. Diferentes perspectivas da profissão docente na atualidade. Vitória: EDUFES, 2002. COELHO, Teixeira. Moderno Pós Moderno. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2001. FAVARETTO, Celso Fernando, A Invenção de Hélio Oiticica. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores.

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Porto Alegre: Artmed, 2003. IMBERNON, Francisco. Formação docente e profissional. São Paulo: Editora Cortez. 2005. INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Projeto ARTE BR. São Paulo. 2003. ITAÚ CULTURAL - CD-ROM: Modernismo passo a passo. Ano: 2002 MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do ensino da arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. OLIVEIRA, Ana Cláudia de. Espaços-tempos (pós) modernos ou, na moda, os modos. In GUINSBURG, J. O Pós-Modernismo. São Paulo: Perspectiva, Col. Stylus, 2004. ______. A Interação na arte contemporânea. Revista Galáxia. Nº 4, São Paulo, 2002. ______. (org) Semiótica Plástica. São Paulo: Hacker Editores, 2004. ______. Vitrinas: acidentes estéticos na cotidianidade. São Paulo: Educ, 1997. ______. Pós-modernidade, uma escapatória da modernidade. São Paulo: PUC: COS, 2004. SEMINÁRIOS INTERNACIONAIS MUSEU VALE DO RIO DOCE: Arte no Pensamento. Anais ... Vitória: Museu Vale do Rio Doce, 2006. SEMINÁRIOS INTERNACIONAIS MUSEU VALE DO RIO DOCE: Sentidos e arte contemporânea. Anais ... Vitória: Museu Vale do Rio Doce 2007. REBOUCAS, Moema Martins. O discurso modernista da pintura. Lorena: CCTA, 2003.

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A Mosaicista Freda Cavalcanti Jardim e o Ensino da Arte Myriam Fernandes Pestana Oliveira Prefeitura Municipal de Vitória Referindo-se ao ensino da arte no Brasil, identifica-se que ao longo do século XX, importantes conquistas são enumeradas. O ensino da arte que já foi entendido apenas como desenho livre bem feito e retocado, desenho geométrico a serviço da industrialização, livre expressão, manifestação espontânea, cópias estereotipadas, etc. Com a Lei nº 9.394/96, revogam-se as disposições anteriores e arte é considerada obrigatória na educação básica: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”(artigo 26, parágrafo 2º). (PCN –ARTE,2001 p.28). Refletia no trabalho do professor, que ora tinha que ser exímio técnico, e ora apenas figura sem ação na sala de aula, e por muitas vezes artista plástico, para produzir trabalhos perfeitos, as indefinições e/ou mudanças ocorridas ao longo do tempo. Além disso, agrava também a falta de instituições de ensino superior, que ofereçam a formação inicial do profissional, e a disciplina que é componente curricular obrigatório, é ministrada por profissionais de várias especialidades, que precisam completar carga horária. Até iniciarem os concursos públicos que exigiam as licenciaturas, mesmo assim pelo Brasil a fora a realidade ainda não é esta. Sobrava sempre para a professora de educação artística, por exemplo, ser polivalente, já que a Arte se refere às linguagens, artes visuais, teatro, dança e música. Sendo assim, o profissional que lecionasse esta disciplina precisava ensaiar todas as dançinhas das datas festivas da escola, como as pecinhas teatrais, do dia das mães, as musiquinhas do dia dos pais, as bandeirolas da festas juninas, e ainda manter intactos, durante todo ano os painéis dos murais das escolas...ufa que cansaço!!! Com pesar, temos notícias, que isso ainda acontece em várias escolas brasileiras. Porém, nem tudo é tão sofrido assim, felizmente educadoras e educadores, que acreditam no ser humano sempre existiram e vão continuar existindo em nosso meio. Estes fazem a diferença, e muitas vezes nos contaminam, ainda bem! Contudo, cabe ressaltar que a partir dos anos 80 e 90, intensificaram os movimentos dos professores e acadêmicos como Seminários, Congressos, Encontros específicos da área, e as oportunidades de discussões, relatos e informações das pesquisas recentes, que contribuem para a formação continuada destes profissionais. Vele ressaltar que alguns educadores há muito se esforçam para fazer que o ensino da arte em nosso país não seja só motivo de lástimas. Temos notícias de vários deles que se mexeram, encabeçaram movimentos, fizeram acontecer. Desde os idos dos anos cinqüenta, que temos notícias, com a professora Isabel Braga, criando a segunda Escolinha de Arte do Brasil, aqui, em Cachoeiro de Itapemirim. Nos anos 70 a professora Freda Cavalcanti Jardim chegando à UFES para ajudar organizar o Centro de Artes.

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Nos anos 90, com as professoras, Moema Rebouças e Maria Auxiliadora Corassa iniciando os Seminário sobre o Ensino da Arte na Universidade Federal, sentimos o salto dado pelo ensino da arte no nosso Estado. A professora Freda começou seus trabalhos na educação, no início dos anos 60 dando aulas de mosaicos, em espaços formais e não formais da cidade do Rio de Janeiro onde residia. Sua experiência docente restringiase a trabalhar na academia e com artistas plásticos, por meio da técnica da arte musiva.

Apresentando Freda Freda Cavalcanti Jardim, filha de Maria Irisi Cavalcanti Jardim e Germano Gonçalves Jardim nasceu em Fortaleza, Ceará, no dia 20 de março de 1926. Cresceu e estudou no Rio de Janeiro, onde formou-se em estatística. Ela costumava dizer que aprendeu dançar antes mesmo de andar. Gostava de tudo na vida que traduzia alegria. Em 1955 ganhou uma bolsa de estudos e foi parar em Ravenna, na Itália, mergulhou no mundo musivo de onde não saiu mais. Voltou para o Brasil no início dos anos sessenta e começou difundir o mosaico bizantino, transformado por ela em mosaico brasileiro. Deixou de lado as pastilhas de vidros e passou a usar pedras brasileiras, conchas, cacos de vidros, enfim uma infinidade de materiais que passava até por osso de boi. Foi professora de mosaico no Rio de Janeiro em instituições públicas e privadas, até ser convidada para auxiliar na organização do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo. Para nossa sorte, ela se apaixonou por Vitória, trocou sua cadeira da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ficou por aqui. Várias gerações de artistas plásticos receberam suas bênçãos. Além de mosaico, ela tinha formação e lecionou pintura, estamparia, tapeçaria e joalheria; e o que não tinha formação no ramo das artes plásticas, se atirava a fazer e fazia bem feito.Tinha também, uma enorme ligação amorosa com a arte culinária, costumava inventar receitas exóticas. Apesar de grande mosaicista reconhecida nacional e internacionalmente, sua maior satisfação era a arte de ensinar. Dedicava-se a alunos de diversas faixas etárias e diferentes classes sociais com muito empenho. Membro fundadora da AIMC Associação Internacional do Mosaico Contemporâneo, viajou pelos quatro cantos do mundo levando sempre sua grande paixão: “o mosaico” Não teve filhos biológicos. Em Ravenna, no último Congresso Internacional de mosaico, que participou, no ano 2000, fez questão de apresentar, segundo a própria, seus filhos para o mundo; o grupo de mosaicistas que a acompanhava. Voltou de Ravenna, eleita presidenta da Associação, com a missão de fazer no Brasil o VIII Congresso Internacional de Mosaico Contemporâneo, pela primeira vez num país das Américas, um grande desafio, porém ela estava decidida, e o Congresso aconteceria em setembro de 2002.

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Apenas quarenta dias, após nosso retorno da Itália, ela se foi, nos deixou órfãos, totalmente desnorteados, mas com a responsabilidade a cumprir sua maior realização, o Congresso Internacional no Brasil. Arregaçamos as mangas, corremos atrás e assim nasceu das cinzas vivas de Freda, o Grupo Fênix de Mosaico, formado pelo grupo que a acompanhou no Congresso de Ravenna .Assim o Congresso aconteceu em Setembro de 2002, no Teatro da UFES - Universidade Federal do Espírito Santo, recebendo artistas e admiradores da arte musiva de várias partes do Brasil e do mundo.

Profissão Professora Apesar de se tornar conhecida como artista plástica mosaicista, Freda se dizia sempre professora, era o que fazia com prazer: aprender e ensinar. Lembrava sempre de um professor que teve em Ravenna, que após dar um acabamento num mosaico que ela estava fazendo, desmanchou tudo e mandou que ela fizesse de novo. Sempre contava esta história para lembrar que era preciso criar, cada um dar sua “cara” a sua obra. Lecionava e produzia mosaico com a mesma paixão. Seu encantamento pelo mosaico costumava afetar algumas alunas e alunos que não conseguiram se desgarrar mais. O seu modo de ensinar era um tanto despojado, livre, costumava ter respostas para todos os questionamentos, porém sempre preocupada em não fazer pra você, ou para você ver. Insistia que a gente precisava aprender fazer “fazendo”. Chamava atenção para necessidade de termos acesso as produções artísticas de artistas de várias épocas, e diversos lugares. Tinha uma ampla biblioteca em seu ateliê que disponibilizava para consulta e pesquisa, já que era mais atualizada do que a que tínhamos acesso na Universidade. Ela não tinha experiência com turmas de sala de aula por um ano letivo, porém tinha uma vasta experiência com alunas, alunos, professoras e professores de várias idades e interesses diferentes. Se preocupava muito com a livre expressão de todos que passavam pelos seus ensinamentos, mas lembrava sempre de deixar a disposição muitos livros, periódicos, imagens, que não servissem para serem copiados, mas que mostrassem as tendências, as histórias que as reproduções contavam. Na academia ficava muito aborrecida quando via os alunos copiando. Chamava atenção lembrando a necessidade dos trabalhos serem autênticos, criativos, incentivava a visita às galerias, aos museus e aos livros. Não gostava de dar receitas prontas, nos incentivava a ousar. Misturar materiais, inventar. Lembrava sempre que as crianças não deviam ser podadas, ela acreditava que para incentivar a criatividade era preciso deixá-las se expressar, nada de desenhos prontos ou cores escolhidas por adultos. Freda sempre tinha mais de um trabalho iniciado, e sempre estava inventando outro. Desde painéis de quinze metros quadrados a mosaico jóia, uma de suas últimas invenções, era cheia de imaginações e produções contemporâneas. Estava sempre disposta a ensinar e a participar dos eventos que era convidada, desde o mais simples, ao mais sofisticado. Principalmente, quando eram eventos em escola, respondia às perguntas

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da criançada, levava seus trabalhos, contava suas histórias, bastava ser convidada. Apesar se sua limitação física, que adquiriu depois de um acidente automobilístico, não media esforços, para participar de vernissagens, visitar exposições de arte, expor seus trabalhos em exposições individuais e coletivas. Em. exposições coletivas, poderia ser junto com artistas famosos como ela, artistas emergentes e até grupo de alunos. Era uma pessoa muito simples, que dizia que a arte tinha que ir onde o povo estivesse, porque o trabalho artístico conta a história da humanidade , daí a necessidade de estudar para ensinar arte, e levar a vida preocupada em aprender cada vez mais e conseqüente ensinar também. Seu modo de pensar e de agir nos remete ao que afirma Paulo Freire : “Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador. A gente se faz educador, a gente se forma educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática.” (FREIRE.2002.p.39)

O Mosaico Brasileiro A arte do mosaico é uma técnica milenar que é encontrado em revestimentos de igrejas inteiras como, por exemplo, a catedral de São Marcos em Veneza, na Itália, a catedral de Santo Apolônio de Ravenna,também na Itália, é mais um grande número de igrejas em várias cidades do mundo. O mosaico é encontrado não só em igrejas, e nem só em revestimos completos. Em muitos casos são detalhes em repartições e monumentos públicos e privados. É uma técnica que possibilita ser usada em painéis de espaços amplos, e em utilitários domésticos, como bandejas, porta-retratos, pisos, piscinas, etc... Quando Freda foi estudar mosaico em Ravenna, o que se ensinava era o mosaico bizantino, que era confeccionado com material em formato de pastilhas de aproximadamente 2cm X 2cm constituído por uma pasta vítrea. Os painéis costumavam ser chapados na parede, piso, ou qualquer outra superfície, desde que ficassem de maneira linear. Quando retornou ao Brasil sentiu muita dificuldade em conseguir o material para confeccionar seus trabalhos, porque precisava pedir, na Itália, e aguardar a chegada da encomenda que na maior parte das vezes vinha de navio, com isto o trabalho demorava muito pra ficar pronto. Porém ela costumava lembrar que o que mais a incomodava era usar produto que era de difícil acesso, e que no Brasil tinha muito material que poderia ser aproveitado pra fazer trabalhos tão belos e tão duradouros como os italianos. E ai começou fazer usas experiências, não abandonou de vez o mosaico bizantino, mas continuou substituindo cada vez mais as pastilhas de vidro por pedras e materiais nacionais. Além da substituição do material ela também saiu do plano linear, seus trabalhos tinham formatos diversificados. Tinha o painel luminoso, o mosaico escultura, o mosaico jóia, o mosaico objeto, enfim além das formas ela misturava material, e dava a suas obras uma característica bem original.

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Freda não só fazia o diferencial no seu trabalho, como dava como exemplo, a necessidade de criar a partir também do material acessível. Quando lecionava para grupos de comunidades, pedia que as pessoas pesquisassem na sua comunidade que materiais tinham em abundância e incentivava a pensar como utilizar.Dizia que bastava um pouquinho de boa vontade, de pesquisa, de leitura que a criação fluía, incentivava uso de materiais locais, que segundo ela tornava os trabalhos mais autênticos. Batizou seus trabalhos de mosaico brasileiro, e estes costumavam chamar a atenção onde fossem expostos. Existem obras assinadas por ela em acervos de vários locais públicos como o Palácio Itamaraty em Brasília, na sala da reitoria da UFES, na igreja São José no bairro maruípe em Vitória, na sede da ONU no Chile, etc...bem como em faixadas de edifícios e murais particulares também. Seu trabalho era inconfundível e personalizado.Tinha sua marca, sua criação inédita e expressiva, exemplo foi o que não faltou por parte da professora e artista Freda Jardim.

O Legado Musivo A etimologia da “palavra ‘MOSAICO’ é de origem grega e provém da forma antiga MOUVAIXOU(mosaicon) que significa “paciente, digna das Musas” no sentido de “obra paciente, digna das Musas. Paciente, porque requer muita paciência e muita atenção para executá-la Digna das Musas, porque se trata de trabalho de rara beleza, feito com materiais que duram séculos e por isso tem um sentido de eternidade, isto é, de divino.”(Mucci,1962,p.15) Afirma-se que o maior legado deixado pela mestra Freda, foi a simplicidade, a vontade de ensinar sem se mostrar melhor que ninguém. Sua capacidade de ensinar a pensar, a produzir, a inventar, é um exemplo que podemos ser para nossos alunos. Irreverente, alegre, artista, mosaicista, educadora, teimosa, gostava muito da cor vermelha e de cozinhar, ela costumava se descrever assim, Gostava de lembrar que seu apelido na universidade carioca, que trabalhou, era “chá Mate Leão- que já vem queimado”, e que quando chegava irritada na faculdade, antes de começar sua aula, quebrava um bocado de pedra pra fazer mosaico primeiro, pra ficar calma, depois atendia os alunos. Apesar de ser tão inquieta era dotada de uma grande dose de paciência para fazer mosaico. Sempre repetia que a palavra chave para se dedicar a “arte de unir fragmentos” era a paciência, que aparentemente ela não tinha, já que se irritava com facilidade, com as coisas e as pessoas. Traduzo sua paciência em sua boa vontade de difundir a arte e principalmente se preocupar com o ensino da arte. Ensinou vários técnicas artísticas durante seu período docente, porém se identificou com a que mais exigia dela, o mosaico. Levou sua vida juntando muito mais que caquinhos para fazer obras de arte. Por meio da arte fragmentada, como costumava se referir ao mosaico, uniu pessoas, obras de arte, e deixou discípulos preocupados em difundir seu trabalho, sua arte e seus ensinamentos.

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Referências MUCCI, Alfredo. A arte do mosaico. Ao livro técnico editora. Rio de Janeiro, 1962. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Secretaria de Educação Fundamental. Editora Brasília. Brasília , 2001. BOVINI, Giuseppe. Ravenna its mosaics and monuments. Longo Editore. Ravenna, 1999. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Editora Paz e Terra. São Paulo, 2007.

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Poética de Maureen Bisilliat em Jubiabá Ricardo Ramos Costa Doutorando em Literatura Comparada pela UERJ Todo método é uma ficção. A linguagem apareceu-lhe como o instrumento da ficção: ele seguirá o método da linguagem: a linguagem se refletindo.

Mallarmé

A inglesa Maureen Bisilliat é uma das artistas mais importantes da fotografia brasileira na atualidade. Estabelecida no Brasil desde 1952, trabalhou inicialmente com fotojornalismo, o que lhe proporcionou uma profunda vivência da realidade brasileira, levando-a a conhecer os lugares mais distantes e diferentes do nosso país. Esta experiência – de consciência da terra e do homem do Brasil – motivou o seu aprofundamento na literatura brasileira. Como resultado, Maureen Bisilliat publicou vários livros que buscam uma aproximação entre textos fundamentais da nossa literatura e a arte fotográfica. Estes livros são: A João Guimarães Rosa (1969, a partir do romance Grande sertão: veredas), Sertões – luz e trevas (1982, sobre Os sertões, de Euclides da Cunha), O cão sem plumas (1984), Chorinho doce (1995, com poemas de Adélia Prado) e Bahia amada Amado (1996, sobre a obra de Jorge Amado), que colocam lado a lado literatura e fotografia. O livro que abordamos (Bahia amada Amado) é, segundo a fotógrafaautora, o resultado de longos anos de envolvimento com a Bahia de Jorge Amado, Maureen mostra que desenvolve ao longo da sua carreira mais do que interesse episódico pela literatura, pois em seus trabalhos ambas as artes – visual e literária – estão ligadas. Sobre esta afinidade, a artista explica: “para mim a leitura é fundamental. Por exemplo, o livro que estou fazendo agora [Bahia amada Amado] nasceu há trinta anos. É o livro sobre as obras de Jorge Amado, no qual o texto compilado tem tanto peso quanto as fotos” (BISILLIAT, apud PERSICHETTI, 1997, p. 115-116). Os textos são extraídos de 12 obras do escritor baiano, porém, em nosso estudo colocamos em foco as imagens intercaladas com os fragmentos do livro Jubiabá. Nesta obra, Jorge Amado tenta compreender a realidade brasileira revelando todos os seus conflitos. O romance produzido por Amado se define ideologicamente como uma arte ligada aos movimentos de emancipação de classe e reflete todos os aspectos da luta por essa emancipação (RAMOS, p. 37, 2000). A saga vivida pelo seu protagonista (Antônio Balduíno) gera uma transformação sobre a forma de entendimento das relações sociais de seu tempo. Rubens Fernandes Junior, no seu estudo sobre a fotografia brasileira, reconhece que “Maureen Bisilliat trouxe para a fotografia a possibilidade de entender nossa cultura a partir da perspectiva da literatura” (FERNANDES JUNIOR, 2003, p. 153). O autor ainda nos dá uma síntese das realizações da fotógrafa: Suas imagens são fantasmagóricas, realizadas nas baixas luzes,

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com foco crítico, buscando ora a singeleza de um povo, ora sua dignidade perdida. Ela trouxe para a fotografia a possibilidade de entendermos o país através dos clássicos da literatura, percorrendo a dimensão poética da realidade brasileira dada pelos escritores brasileiros. Maureen tem a ousadia de trabalhar a partir da ambigüidade poética e passional dos personagens para criar imagens que trazem o instante fugidio do fazer fotográfico. A transformação das cores, a imprecisão do foco, os cortes pouco convencionais, as sombras expressionistas, as imagens monocromáticas, as luminosidades exageradas, as ausências, tudo isso para elaborar um fio condutor lógico e mágico, que é a sua sintaxe, na maioria das vezes instigante, para provocar inquietações. (FERNANDES JUNIOR, 2003, p.154)

Ainda sobre os trabalhos que foram motivados pelos textos literários, há o ensaio de Vera Casa Nova, que interpreta as imagens de Maureen Bisilliat e as suas relações com o texto de João Guimarães Rosa: O texto roseano re-citado, re-escrito pela imagem fotográfica desse ensaio de Maureen se dobra e incessantemente se faz infinito no sentido de uma multiplicidade crescente. As imagens fotográficas advindas de Grande Sertão, por sua vez, apresentam essa multiplicidade como dobras que se atam e desatam e reatam na medida das forças que se conjugam no ato do olhar. Como se cada corpo ali não olhasse nada, retendo em si o sertão que há nele, e assim o refletisse. (CASA NOVA, 2002, p.107)

Maureen Bisilliat faz parte de uma geração de fotógrafos estrangeiros (junto com Cláudia Andujar, Lew Parrela, George Love e David Zingg) que deram uma contribuição “fundamental para a criação da imagem de um país de identidade própria, com suas idiossincrasias, mas sem os preconceitos e o ranço folclórico que durante anos nos caracterizou no exterior” (FERNANDES JUNIOR, 2003, p. 153). Os seus trabalhos incluem ainda a elaboração de filmes e vídeos documentários sobre a realidade brasileira, a arte popular e as tradições culturais, tais como: Yaô – iniciação de filho de santo (1976), Xingu/Terra (1979), O turista aprendiz (1985, baseado no roteiro de viagem de Mário de Andrade De Belém a Manaus, do Madeira a Porto Velho, por Marajó até dizer chega), Uma casa (1987-1988), E o barco sai (1988-1989) e Teatro no presídio (1989). Fotografia, literatura, vídeo, cinema. Em entrevista a Simonetta Persichetti, a artista responde como trabalha essas diferentes linguagens: [...] Elas se completam, não se excluem. Devo dizer que em certo momento a fotografia me angustiava. Quando você entra no vídeo é um perigo mortal, porque ele reúne o som, a fala, o tempo, os gestos. Me encantei, quando voltava para a fotografia tinha de

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adequar tudo dentro de uma imagem fixa. Mas na realidade percebi que tudo isso é besteira porque são linguagens complementares. (In: PERSICHETTI, 1997, p. 116-117)

Todas essas vertentes da obra de Maureen Bisilliat mostram a qualidade intersemiótica do seu trabalho, a capacidade de estabelecer um constante trânsito entre diferentes meios e linguagens artísticas. Os primeiros fragmentos de Jubiabá apresentados no livro Bahia amada Amado representam a passagem do negro Antônio Balduíno do Morro do Capa Negro para a cidade. Esta decida do morro é celebrada como ascensão, pois: Antônio Balduíno agora era livre na cidade religiosa da Bahia de Todos os Santos e do pai-de-santo Jubiabá. Vivia a grande aventura da liberdade. Sua casa era a cidade toda, seu emprego era corrê-la. O filho do morro pobre é hoje o dono da cidade. [...] Mas na verdade o negro Antônio Balduíno é o imperador da cidade negra da Bahia. Um imperador de quinze anos, risonho e vagabundo. [...] Voltou-se novamente para a distância: lá estava a cidade massa negra na montanha verde sobre o mar, a cidade e os amigos, a alegria, a vida. (AMADO, apud BISILLIAT, 1996, p.62)

Os excertos citados nos remetem à foto que ocupa as páginas 64 e 65 do livro publicado por Maureen Bisilliat1. Nela vemos um menino-homem brincando na beira do cais. Braços abertos, movimento de salto congelado pela foto, nos sugerem a liberdade do menino de rua. Os elementos do mar (por sua imensidão), dos saveiros (símbolo dos viajantes, dos aventureiros) – tão caros a Jorge Amado –, da linha do horizonte acentuam o conceito de liberdade indicadas pelo texto amadiano. Os próximos fragmentos de Jubiabá apresentados por Maureen fazem referência aos saveiros, ao interesse do personagem Antônio Balduíno nestas embarcações e na vida do mar. Antônio Balduíno sabe a história de todos estes saveiros e de todas estas canoas. Desde menino gosta de vir deitar aqui no areal do cais, a carapinha no travesseiro de areia, os pés metidos dentro d’água. A água é morna e gostosa, a estas horas da noite. Balduíno, às vezes, fica pescando, silencioso, o rosto se abrindo em sorrisos quando fisga um peixe. Porém em geral olha somente o mar, os navios, a cidade morta lá atrás. (AMADO, apud BISILLIAT, 1996, p.66) As fotos referidas são do livro em questão Bahia amada Amado, não reproduzidas neste texto em respeitos às leis de direito autoral.

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Nas fotografias criadas pela artista, a presença do mar e das embarcações é dominante. À maneira que os contrastes são explorados na fotografia da página 67 do livro, assim como nas duas próximas que se seguem (páginas 68 e 69), tendem a colocar os elementos presentes em posição de equilíbrio com a presença do homem. Os contrastes saturados para o negro escondem características individuais das pessoas retratadas, criando uma relação de contornos onde barcos, o mar, a paisagem e as pessoas se interpenetram numa amálgama. Tal como as pessoas, os saveiros, o mar, a cidade possuem história. Vale lembrar que esta aproximação é motivada pela editoração da obra, que produz este efeito de complementaridade ao dispor as fotos apresentadas logo após o trecho citado acima. Arlindo Machado desenvolve uma tese que supera a noção da imagem fotográfica como mera reprodução da realidade ou “espelho do mundo”. Para ele, tal espécie de imagem é um tanto codificada: “isso quer dizer que ao invés de exprimir passivamente a presença pura e simples das coisas, as câmeras constroem representações, como [...] qualquer sistema simbólico” (MACHADO, 1984, p. 11). Como diz Vilém Flusser: “Imagens não são conjuntos de símbolos com significados inequívocos, como o são as cifras: não são ‘denotativas’. Imagens oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo: símbolos ‘conotativos’” (FLUSSER, 2002, p. 8). O caráter simbólico da fotografia surge da possibilidade de mediação entre o receptor e o objeto representado. Vejamos como isso pode ocorrer: As fotografias das páginas 68 e 69 possuem aspectos qualitativos semelhantes. O que nos revela a característica simbólica destas imagens é, inicialmente, as suas conformações como fotos em preto-e-branco. É ainda Vilém Flusser quem nos auxilia nesta leitura: Não pode haver, no mundo lá fora, cenas em preto-e-branco. Isto porque o preto e o branco são situações “ideais”, situações-limite. O branco é presença total de todas as vibrações luminosas; o preto é a ausência total. O preto e o branco são conceitos que fazem parte de uma determinada teoria da Ótica. De maneira que cenas em preto e branco não existem. Mas fotografias em preto-e-branco, estas sim, existem. (FLUSSER, 2002, p.38)

Ainda segundo Flusser: “Muitos fotógrafos preferem fotografar em preto-ebranco, porque tais fotografias mostram o verdadeiro significado dos símbolos fotográficos: o universo dos conceitos” (FLUSSER, 2002, p. 39). No caso da imagem da página 68 de Bahia amada Amado os conceitos que estão sendo apresentados são os relativos à vida precária das pessoas. A ausência das cores na foto chama a atenção para a condição de vida pobre destes pescadores (ou trabalhadores do cais), vida sem cor, marcada muito mais pela falta, pela precariedade. A foto em preto-e-branco cria outras tensões. Assim como chama a atenção para o referente (apesar de diferenciar-se deste pela ausência de cores), também, num sentido inverso, chama a atenção para o suporte, o papel fotográfico, a imagem enquanto realização materializada. As próximas passagem de Jubiabá presentes em Bahia amada Ama-

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do referem-se à personagem Rosenda Rosendá e às mulheres de Antônio Balduíno: Antônio Balduíno sorri: Você até parece a Lua! Por que, meu Deus? Parece que está perto mas está longe da gente. Eu estou perto de você... O negro apertou a cintura de Rosenda Rosendá. Mas ela correu para a barraca. [...] Sim, ninguém a possuía porque todos a compraram. Só o negro Antônio Balduíno, que nunca dormiu com ela, a possuiu e de todas as formas, no corpo virgem da dos Reis, nas ancas que dançavam de Rosenda Rosendá. [...] Só ele a possuiu a possuiu no corpo de todas as mulheres que dormiram com ele. Na maravilhosa ventura de amor do negro Antônio Balduíno e da branca Lindinalva esta foi branca, preta e mulata, foi também aquela chinesinha do Beco de Maria Paz... (AMADO, apud BISILLIAT, 1996, p. 70)

Logo após estes trechos, segue-se a imagem de uma mulher numa luz especial (In: BISILLIAT, 1996, p. 71). Pela relação de complementeridade que texto e imagem buscam – o texto enfatiza a presença feminina e os amores de Antônio Balduíno e logo em seguida é apresentada uma foto de uma mulher – a foto em causa alcança um alto grau simbólico. Logo relacionamos este signo fotográfico como representação de uma das mulheres de Balduíno. Será Rosenda Rosendá, com uma luz lunar sobre o seu rosto (“Você até parece a lua!”)? Ou será Lindinalva escondida numa nova cor? (“...esta foi branca, preta e mulata,...”). Provavelmente uma imagem-signo síntese de todas as mulheres de Baldo. De acordo com Charles Sanders Peirce, sobre as características do signo fotográfico, as fotografias são ícones e índices, ou seja, são imagens que se assemelham ao objeto representado, formadas pela impressão no filme fotográfico dos raios de luz emanados do objeto fotografado. A interpretação da fotografia como símbolo tem sido prejudicada principalmente pela característica de “realismo” que o meio fotográfico possui. Sobre a questão do realismo na fotografia, Philippe Dubois apresenta três posições epistemológicas que nos auxiliam no entendimento do signo fotográfico: 1) A primeira dessas posições vê na fotografia uma reprodução mimética do real. Verossimilhança: as noções de similaridade e de realidade, de verdade e autenticidade recobrem-se e sobrepõem-se bem exatamente segundo essa perspectiva: a foto é concebida como espelho do mundo, é um ícone no sentido de Ch. S. Peirce. 2) A segunda atitude consiste em denunciar essa faculdade da imagem

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de se fazer cópia exata do real. Qualquer imagem é analisada como uma interpretação-transformação do real, como uma formação arbitrária, cultural, ideológica e perceptualmente codificada. Segundo essa concepção, a imagem não pode representar o real empírico (cuja existência é, aliás, recolocada em questão pelo pressuposto sustentado por tal concepção: não haveria realidade fora dos discursos que falam dela), mas apenas uma espécie de realidade interna transcendente. A foto é aqui um conjunto de códigos, um símbolo nos termos peirceanos. 3) Finalmente, a terceira maneira de abordar a questão do realismo em foto marca um certo retorno ao referente, mas livre da obsessão do ilusionismo mimético. Essa referencialização da fotografia inscreve o meio no campo de uma pragmática irredutível: a imagem foto torna-se inseparável de sua experiência referencial, do ato que a funda. Sua realidade primordial nada diz além de uma afirmação de existência. A foto é em primeiro lugar índice. Só depois ela pode tornar-se parecida (ícone) e adquirir sentido (símbolo). (DUBOIS, 1993, p. 53: destaques do autor) Outra característica que nos leva a uma interpretação da imagem fotográfica por sua característica de símbolo é a forma posada que o homem retratado na foto da página 63 do livro assume. Vejamos o que Roland Barthes nos fala sobre a “reação de pose” que temos diante de uma câmera: “Ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a ‘posar’, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem” (BARTHES, 1984, p. 22). Esta pessoa, com sua pose, mostra-se avessa a um modo de vida onde os trabalhos pesados são frequentemente destinados aos indivíduos das classes sociais mais carentes, acentuando a situação de degradação social. A pose recupera a sua dignidade, ela metamorfoseia-se. O peso que carrega é dominado e superado por um semblante sereno. A imagem cria uma tensão entre a realidade que se quer mostrar – tanto pela fotografia quanto pelo texto de Jorge Amado – e a própria imagem enquanto objeto estético. Esta representação paradoxal também surge em outra passagem de Jubiabá que marca a chegada de Baldo a cidade da Bahia, gerando uma descrição que apesar de ser aparentemente insólita, levará ao desenvolvimento da consciência social e política do personagem, refletindo uma forma de resistência: Solto na cidade velha de sobrados ele a dominou e se tornou o seu dono. Os homens que passam não sabem disso, com certeza. Nem olham para o negrinho esfarrapado que fuma um cigarro barato e traz um boné em cima dos olhos. Mas na verdade o negro Antônio Balduíno é o imperador da cidade negra da Bahia. Um imperador de quinze anos, risonho e vagabundo. Talvez nem o próprio Antônio Balduíno o saiba. (AMADO, apud BISILLIAT, 1996, p. 62)

Em outro trabalho, onde aproxima o poema O cão sem plumas de João Cabral de Melo Neto e fotografias de catadoras de caranguejos do Capiba-

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ribe, Maureen Bisilliat também interpreta a transformação que ocorre nas imagens: “Meninas, mulheres e velhas, com seus vestuários de algodão ou de chita, deselegantes e escorridos, subitamente transformadas em divindades pela lama – faces polidas de pedra, revestidas das pregas movediças do mar” (BISILLIAT, in: MELO NETO, 1984, p. 11: destaque da autora). O preto-e-branco, a pose, a imagem fotográfica: estes signos operam na leitura da obra de forma simbólica, tanto pelo caráter de mediação que cada um destes elementos apresenta separadamente, quanto pelas associações exploráveis em conjunto. Na seção seguinte temos a justaposição de textos de Jubiabá com as fotografias de Maureen Bisilliat como marca da presença emblemática do personagem pai-de-santo, reverenciado ao proferir ensinamentos em nagô: Jubiabá dizia: – Ôjú ànun fò ti iká li ôkú. [...] De súbito o negro se jogou aos pés de Jubiabá e contou: – Eu já fechei o olho da piedade, gente... Um dia eu fechei o olho da piedade... Jubiabá olhou o negro com os olhos apertados. Os outros, homens e mulheres, se afastaram. (AMADO, apud BISILLIAT, 1996, p. 73)

Neste trecho da obra, imagem e texto alinham-se num palimpsesto. A foto retrata um homem negro que logo associamos às descrições da figura do pai-de-santo Jubiabá (In: BISILLIAT, 1996, p. 72-73). Seu olhar sério, austero, indica a representação deste personagem místico de Jorge Amado. Tempo e espaço da composição são redimencionados. O texto, que realiza-se eminentemente de forma temporal ocupa o espaço da fotografia. As palavras, a inscrição em nagô sugerem a enunciação do pai-de-santo (o texto, pela maneira que foi inserido na foto propõe a fala do homem, principalmente pela primeira frase em destaque) e assim a foto, que busca sua significação no espaço, catalisa o sentido verbal, o resultado é a prenunciação de uma realização fílmica. Poética verbal atuando no espaço. Poética visual operando no tempo. A última foto (p. 74 e 75) pertencente ao segmento de Jubiabá encerra este ciclo de imagens onde predomina a presença do mar e de seus personagens. Esta última imagem é uma realização fotográfica que subverte alguns conceitos presentes na fotografia convencional, como por exemplo, a idéia de nitidez (clareza) da imagem e a eliminação dos cortes, características marcantes do gênero retrato. Na poética de Maureen Bisilliat – entendida aqui num sentido vasto, que ultrapasse o campo literário – a saturação, assim como os cortes propositais resignificam os referentes apresentados. Os signos estéticos criador por Maureen superam o sentido de complementaridade (ou intertextualidade) que a aproximação entre imagem e texto podem sugerir. Mais do que isso, estas aproximações criam novos campos de significação tanto no universo do texto de Jorge Amado, quanto nas fotografias de Mau-

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reen Bisilliat, gerando uma pluralidade de sentidos que tormam o Jubiabá em Bahia amada Amado uma nova obra. Referências AMADO, Jorge. Jubiabá. São Paulo: Livraria Martins, [s.d.]. BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. BISILLIAT, Maureen. Bahia amada Amado: ou O amor à liberdade e a liberdade no amor. São Paulo: Empresa das Artes, 1996. CASA NOVA, Vera. Letra, traço e olho: Guimarães Rosa, Arlindo Daibert e Maureen Bisilliat. In:___. Texturas: ensaios. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/ PUC Minas, 2002, p. 103-113. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1993. FERNANDES JUNIOR, Rubens. Labirinto e identidades: panorama da fotografia no Brasil [1946-98]. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. MACHADO, Arlindo. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984. MELO NETO, João Cabral de. O cão sem plumas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. (Coleção Poemas do País). PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2003. PERSICHETTI, Simonetta. Maureen Bisilliat. In: ___. Imagens da fotografia brasileira 1. São Paulo: Estação Liberdade, 1997, p. 114-119. RAMOS, Ana Rosa. “Historicidade e cultura urbana”. In: FRAGA, Myrian (Org.). Bahia, a cidade de Jorge Amado. Salvador: Casa das Palavras, 2000, p. 29-60.

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A Arte através da História da Escrita nas Séries Iniciais Sonia Maria de Oliveira Ferreira Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo

Introdução Este trabalho é o resultado de conclusão do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo em 2008. A proposta foi trabalhar a arte com crianças entre seis e sete anos, que se encontravam no último ano do Educação Infantil e início do Ensino Fundamental em duas escolas da rede municipal de Vitória ( EMEF EV UFES E CMEI Jacyntha Ferreira Simões), sobretudo começando a conhecer a escrita e seus paradigmas simbólicos, aliando o contexto trabalhado em sala de aula (a alfabetização) à aula de arte, aprendendo através de outro prisma, por meio da interdisciplinaridade e técnicas multidisciplinares como o desenho, a gravura, a modelagem em argila e a fabricação de papel, tendo como base de fundamentação teórica Paulo Freire e Ana Mae Barbosa. O homem primitivo registrava em cavernas por meio de desenhos pictográficos suas vivências como a caça, os animais que os rodeavam, as danças, etc.Podemos supor que esses registros eram símbolos estabelecidos para a comunicação entre eles (fig. 1).1

Figura 1

Essa simbologia foi evoluindo, passou das paredes para cunho em placas de argila (as placas cuneiformes)2. Com esse desenvolvimento, as várias formas de representação passaram a confundir o receptor das mensagens, e na busca de uma escrita intelígel, criaram tabelas de sinais, onde cada povo tinha a sua, adequando melhor às suas necessidades e formas. Para cada registro, uma simbologia diferente como por exemplo: o dia, a noite, animais, etc . 1 WOODHEAD, Henry (diretor da série). História em revista: A aurora da humanidade. Rio de Janeiro: Abril livros, 1987.p.89-por Jean Vertut, Paris. 2 PARAGUASSÚ, Léo. Dicionário Enciclopédia Formar. Volume 2. São Paulo: Editora Formar, 1966. p.1107. “Cunha, s.f. Instrumento de madeira ou ferro cortado em ângulo sólido e que serve para rachar lenha, abrir pedras...”

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O homem continuou sua busca e a evolução dos registros e paradigmas estabelecidos para cada povo, passaram pelos sumérios, acadianos até o alfabeto que em dado momento desdobrou-se, seguindo os padrões asiáticos, greco-romanos, ao qual, neste último descendendo o alfabeto romano. Os suportes também fizeram parte desta evolução que partiram das paredes das cavernas paras as placas em argila, assim poderiam levar para onde quisessem, já que eram nômades. Passaram a registrar em folhas, pedras, pilares e paredes de igrejas (na Idade Média), em pergaminhos (feitos de folha de papiro), que serviam como suporte para registro das mensagens para pagamentos de impostos ou leis, os manuscritos, as pequenas horas, os bestiários (bíblias). Com o surgimento da imprensa, pode-se proporcionar um acesso maior aos livros, podendo então haver uma multiplicação deles, que anteriormente tinham suas transcrições feitas a mão pelos “copistas” e os manuscritos e os livros de horas eram decorados por diversos artistas e artesãos denominados “iluminadores”, que desenhavam e pintavam as letras capitulares e as imagens historiadas. Entendemos que o suporte é tão importante quanto o registro e/ou a imagem, e é com o intuito de resgate que resolvemos trabalhar com meios diferenciados, estabelecendo uma conexão entre as práticas realizadas na sala de aula com as do passado. O trabalho na argila serviu como meio da criança se “transportar” na história, através de sua imaginação na modelagem em argila formando plaquetas, e desenhando suas representações pictográficas. Registraram os desenhos, levando como contexto o que aprenderam em sala de aula, mesmo sendo deixado livre a representação, e alguns desses registros tiveram como símbolos, o homem pré-histórico e suas representações como na caça, pesca, a paisagem.

Figura 2 – Modelagem em argila (plaquetas) Foto: Sonia Ferreira

O papel kraft foi colado sobre as paredes para que pudessem desenhar com carvão e tiras de beterraba, com intuito de resgatar o rótulo “é proibido proibir”, em que a criança, geralmente, em casa não pode “rabiscar” nas pareces,e fazendo uma referência ao desenho ruprestre, e os desenhos nas cavernas.

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Figura 3 – Desenhando com carvão sobre papel kraft - Foto: Sonia Ferreira

Figura 4 – Gravuras em isopor, sobre papel Canson - Foto: Sonia Ferreira

A fabricação de papel, teve como foco o suporte com feitura artesanal, lembrando as primeiras formas de fabricação do papel, técnicas antigas, utilizadas em alguns segmentos da sociedade moderna em detrimento à preservação do meio ambiente e sustentabilidade. Aproveitamos o tema para discutir a reciclagem de materiais como o papel, a importância e nossa participação como cidadãos nesse processo de mudança da sociedade. A gravura3, contextualizada como técnica de reprodução em série, faz uma ligação à chegada da imprensa e a multiplicação de livros e imagens, e os desenhos com a mesma temática, fecham o ciclo de nosso trabalho. Lembramos que o desenho infantil foi a base de nosso trabalho, levando em conta a contextualização de cada prática. “O convite à pré-história interagindo com o contexto escolar, nas diversas técnicas aplicadas através da história da escrita, compreendendo as diversas formas de linguagens são importantes ferramentas para o futuro saber do aluno”4. E “onde as artes visuais....constituem formas de expressão sumamente importantes para o desenvolvimento infantil”5.

Metolodologia A base metodológica para a aplicação do trabalho levou em conta alguns conceitos estabelecidos por Paulo Freite, que disse que é necessário ensinar de forma que o professor possa criar novas possibilidades de aprendizagem e não transferir conhecimento, onde do mesmo modo em que se ensina, aprende-se. E em arte educação não podemos deixar de citar e buscar fundamentos na idéias de Ana Mae Barbosa, com a Proposta Triangular, não seguindo como método mas como possibilidades de aplicação. Utilizar essa proposta como parâmetros serviu como ponto de partida para trabalhar a escrita, onde os alunos em questão estão inseridos no universo da leitura, aprendendo o alfabeto e as primeiras palavras, e para compor esse ensinaFigura 2 FERREIRA, Sonia Maria de O. A arte através da história da escrita nas séries iniciais. Vitória:UFES, 2008. 5 YOLANDA, Regina. Artes – Na escola primária. Rio de Janeiro: Ao livro técnico S.A, 1970. 3 4

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mento de forma a ajudar a criança a reconhecer a escrita através da arte, de forma lúdica, com ênfase em leitura de imagens, palavras, gestos, ações, necessidades, expectativas, e conhecendo esses contextos, o aluno pode produzir um trabalho com identidade própria, desenvolvendo sua capacidade criadora de forma consciente, e a imagem passa a também a ter um sentido informativo e não somente de contemplação, com a possibilidade de formar uma visão crítica acerca da leitura de imagens.

Considerações Finais A educação de forma multidisciplinar traz possibilidades à criança de apreender o conhecimento por meio de técnicas que façam com que haja mais dinâmica, e que possa se identificar com algumas delas, trabalhando assim de uma forma mais prazerosa, e na interdisciplinaridade da arte com o contexto usual da sala de aula, o conhecimento torna-se integrado, formando um elo entre o que já viram em sala de aula ( junção das letras do alfabeto), a história da arte e os exercícios práticos. Nesse contexto, propusemos a inserção da arte de forma interdisciplinar, tendo como parâmetro a proposta triangular, no fruir, poetizar e conhecer a arte, num ambiente onde a tecnologia serviu como recurso para a contextualização histórica, partindo dos meios midiáticos que nos acercam, fazendo com que a linguagem se tornasse de fácil compreensão, já que o vídeo e desenhos fazem parte do cotidiano das crianças. Nosso objetivo foi auxiliar os alunos na construção desse conhecimento, impulsionando-os a fazer descobertas através da história da arte, das imagens, da escrita, respeitando o limite de cada um, levando em conta a percepção, o envolvimento e a apreensão do conhecimento em sala de aula. Citamos (Pyllar e Vieira, 1992) como complemento de nossa fala, em que “a educação estética só pode ocorrer na presença de imagens e numa proposta de ensino que aborde a produção e entendimento de arte.” Os resultados obtidos nas práticas foram promissores, e podemos afirmar que a imagem nessa faixa etária tem uma grande significação. É a partir das imagens e gestos que começamos a nos comunicar, e os símbolos registrados na “pré-história” mostram essas características nas danças, caça e movimento. Cada trabalho foi feito com muito interesse e envolvimento, e para cada um deles foi uma descoberta, trabalhando a expressão pessoal a partir do contexto estudado, deixando suas marcas em cada trabalho realizado. Apesar de estarem numa fase dita como “ingênua”, que etimologicamente deriva da palavra inocência, podemos supor que a ingenuidade das crianças atuais não é a mesma que outrora. As informações chegam com um turbilhão de imagens e textos dutante todo o dia. No caminho de casa à escola as placas e “outdoors” com propagandas são visualmente perceptíveis, na tv ou computador, os comandos já não são um problema. Diante de tanta informação, acreditamos que essa interferência visual faz com que as crianças acelerem o pensamento e as idéias, não os tornando “ingênuos”, mas capazes de criticar e compor seu repertório visual, a partir desse convívio diário, e podemos concluir que a criatividade e a mimese estão sempre presentes em nosso dia a dia. E arte em nosso trabalho serviu como ponte para ativar a imaginação

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e criatidade. Para que a criança tenha liberdade de expressão é necessário conduzi-la de forma que não bloqueie e ultrapasse o limite de liberdade, e segundo Ana Mae, “o papel do educador é preparar a criança para o entendimento das artes visuais, e preparando-as para o entendimento da imagem quer seja arte ou não”, alfabetizando-as para a leitura de imagens, e segundo Paulo Freire6 “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção ou a sua construção” e baseada no estudos das teorias de Ana Mae Barbosa e Paulo Freire, como mediadora do processo de ensinoaprendizagem optei por trabalhar respeitando o limite de cada aluno deixando fluir a criatividade, e assim as crianças não só participavam ativamente das atividades, como também puderam contribuir para o meu aprendizado como arte educadora e para minha vivência pessoal. Referências BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Arte-educação no Brasil: das origens ao modernismo. 2a. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. _______. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 2005. _______. Tópicos Utópicos. São Paulo: Perspectiva, 2005. _______.(ORG) Inquietações e mudanças no ensino da arte.São Paulo:Cortez, 2002 _______. (ORG) Arte/Educação contemporânea: Consonâncias Internacionais. São Paulo: Cortez, 2005. FERREIRA, Sonia Maria de O. A arte através da história da escrita nas séries iniciais. Vitória:UFES, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. PARAGUASSÚ, Léo. Dicionário Enciclopédia Formar. Volume 2. São Paulo: Editora Formar, 1966. p.1107. “Cunha, s.f. Instrumento de madeira ou ferro cortado em ângulo sólido e que serve para rachar lenha, abrir pedras...” YOLANDA, Regina. Artes -Na escola primária. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1970. WOODHEAD, Henry (diretor da série). História em revista: A era dos reis divinos – 30001500 a. C. Rio de Janeiro: Abril Livros, 1987. _______. História em revista:A aurora da humanidade.Rio de Janeiro:Abril livros, 1987.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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Visualidade Cotidiana e Meio Ambiente Urbano: Espaço de Formação Pública Tânia Regina Alves do Carmo Mestre em Educação pelo Instituto Pedagógico LatinoAmericano y Caribeño

Introdução A idéia inicial para a realização deste trabalho se deu a partir da observação da degradação visual da cidade através dos excessos de outdoors, cartazes, placas e pichações que se encontram por toda parte, inclusive estas últimas, dentro da própria escola. Ao mesmo tempo, surgiu a necessidade de por em prática o compromisso de propiciar a nossos alunos meios para que compreendam e preservem o meio ambiente através da leitura diária de sua realidade. Se observa nos jovens uma dificuldade de concentração que se relaciona com a pressa, a preguiça de pensar, ler, ou mesmo a falta de hábito de buscar significado no que vêem.Vivemos uma época em que tudo acontece muito rápido. O avanço da tecnologia, cada vez mais sofisticada, permite que a comunicação aconteça cada vez mais rápida e eficiente. Podemos estar em qualquer parte do mundo sem que para isso precisemos sair de casa, basta um clique. A atenção do jovem está dirigida em várias direções. A facilidade com que a informação chega até nós, exigindo pouca ou nenhuma reflexão sobre ela, não estimula o desenvolvimento da sensibilidade e da crítica, pois o pronto e acabado causa acomodação no observador. Somos bombardeados todos os dias por uma série de informações visuais, sonoras e textuais, principalmente visuais. Portanto, aprender a ver é tão importante quanto aprender a escrever. Ana Mae já enfatizava que a alfabetização não é só ensinar as crianças a ler e escrever, mas também torná-la capaz de fazer a leitura social, cultural e estética do meio ambiente. Em uma época dominada por imagens, a alfabetização visual se torna uma obrigação no sentido de desenvolver no aluno a capacidade de leitura e interpretação, tanto de uma obra de arte como da realidade cotidiana. Conhecer as imagens que nos rodeiam, perceber as mudanças que ocorrem diariamente em nosso meio, significa também, ampliar as possibilidades de contato com a realidade; significa ver mais e perceber mais. Para Porcher (1982:27): “[...] de nada adianta desenvolver no indivíduo a sensibilidade para apreciar uma obra de arte, se antes não o tornamos sensível à mortal feiúra de um meio ambiente degradado. Essa degradação é, ao mesmo tempo, um problema político e pedagógico. Político, quando entram em jogo interesses ligados às reivindicações a favor do meio ambiente, como o controle da poluição, por exemplo. Pedagógico, porque se a opinião pública tivesse

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sua sensibilidade mais bem educada, jamais aceitaria certas coisas como a destruição do espaço urbano ou a devastação das paisagens naturais”.

Vivemos uma época em que a necessidade de um meio ambiente saudável e de qualidade se faz presente em todos os momentos de nossa vida. O planeta Terra pede socorro e nós educadores, temos a obrigação de formar em nossos alunos uma nova cultura em relação a essa questão primordial para a nossa sobrevivência. E a arte tem muito a contribuir para a formação dessa cultura. Se queremos formar cidadãos críticos e participativos, conscientes de sua responsabilidade em relação a sua vida e ao meio em que vive, temos que formar leitores; por isso trataremos aqui da leitura da visualidade cotidiana e do espaço urbano como meio de despertar no aluno um olhar sem pressa, mais atento e curioso, para que ele perceba seu espaço e se relacione com ele de uma forma mais dinâmica e criativa.

A Arte e sua contribuição para a educação ambiental Um olhar atento sobre a cidade nos revela surpresas visuais que muitas vezes na correria cotidiana que nos impomos, não somos capazes de perceber. Um edifício novo que surge, onde antes havia uma casa com jardim e quintal; um enorme outdoor ocupando um espaço para anunciar a importância da mídia, um cruzamento movimentado, automóveis rompendo a barreira entre o tempo e o espaço, ônibus, caminhões, buzinas, apitos. A poluição não é só visual, é também sonora, atmosférica. Em alguns lugares, o lixo acumulado nos lembram os consumidores vorazes que somos. Nós, seres urbanos, estamos tão integrados nesta visão cotidiana, que muitas vezes não vemos a cidade, não percebemos a paisagem urbana. As relações do homem com o espaço urbano são relações temporais. As mudanças que ocorrem cotidianamente fazem com que os indivíduos adquiram novos conhecimentos e amplie sua visão de mundo. É através dessa leitura, do conhecimento dos problemas ambientais existentes, quer sejam locais ou globais, que se dá o diálogo e a busca de alternativas e soluções. Paulo Freire várias vezes enfatizou que cada pessoa deve ter a sua leitura de mundo. A leitura de mundo começa com a leitura do lugar – espaço existencial do acontecer humano – onde vivemos e com o qual nos identificamos, quer seja nossa casa, nossa rua, nosso bairro, a igreja, a escola, esses lugares, nossa paisagem, estão repletos de imagens. Imagens tão presentes e ao mesmo tempo tão ausentes, porque nossos olhos acostumados ou saturados por elas, nem sempre as vêem. E o que dizer das obras de arte presentes no espaço urbano? Quantos as vêem? Anamelia Bueno Buoro (2002:36), nos relata a experiência de crianças levadas a observar o Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, e o deslumbramento delas frente à obra que antes era vista de maneira acidental, de dentro de automóveis, e conclui:

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“os ritmos da cidade, para a maioria da população que não tem oportunidade de experimentar um contato mais íntimo com obras de arte, mesmo aquelas que a rotina acidentalmente lhe permite, impõe assim sua norma a nosso olhar e, desse modo, toda obra de arte urbana passa a ser vista rapidamente, com a mesma velocidade do olhar que a nós é imposto pela imagem de publicidade exposta no autdoor”.

Temos consciência da presença diária em nossas vidas desse bombardeio de imagens e informações, e do caos em que se transformou a cidade nesses tempos pós-modernos, só não podemos perder esse “sensível olhar pensante” ao qual Míriam Celeste (1993:200) tão bem definiu: “olhar que pensa, reflete, interpreta, avalia e sente”. Esse olhar sensível também se encontra presente nas obras de artistas contemporâneos e que tão bem conseguem captar as imagens presentes no cotidiano urbano. Assim temos, entre tantos outros, o olhar de Raphael Samú sobre a ponte Seca da Ilha do Príncipe, e a efervecência da Vila Rubim, com suas cores perpetuadas por João Carneiro da Cunha. O que tem em comum esses lugares? Um passeio a pé e nos colocamos no centro do caos urbano, com todo o excesso visual e sonoro vindos do tráfego intenso de veículos, com suas buzinas, fumaças, os constantes engarrafamentos, calçadas abarrotadas de mercadorias das lojas e camelôs, e os cheiros dos pães, peixes, suores. As pessoas passam, se revezam no vai e vem ininterrupto da vida. E o olhar, esse olhar do artista, percebe a beleza peculiar que emerge e se revela, na contradição poética que só um olhar sensível consegue captar. A cidade e sua visualidade urbana também é tema na obra de Didico. Nos grafites em muros, aos minúsculos cromos fotográficos, seu trabalho revela uma visão particular da cidade e do ser humano. É o espaço urbano, com sua ocupação desordenada e os excessos visuais, em contraste com a solidão de pessoas recolhidas em suas casas, a observar pela janela o pulsar ininterrupto da vida.

Conclusão Esse trabalho, nas ruas, desmistifica a função do criador e faz a arte ser usada como prática social. Essa técnica milenar, antes usada para registrar cenas da vida cotidiana da pré história, como caça e rituais mágicos, hoje tem a função de tirar a arte dos locais fechados e levar para a rua, em uma perfeita integração social com a comunidade. Podemos dizer que o grafite foi o primeiro meio de expressão humana já registrado. Da mesma forma que os grafites nos muros e paredes da cidade são representações culturais da sociedade pós-moderna – imagem real – no período paleolítico, as paredes das cavernas serviam de base para as representações do cotidiano, em um sentido mágico, de apropriação da realidade para a garantia da sobrevivência. Porém, o que é o grafite, um meio de vida, uma cultura urbana, arte,

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vandalismo? O grafite é a arte das ruas, uma cultura que interfere na cena urbana. Busca a notariedade, a exposição pública. Enquanto o pichador se esconde, o grafiteiro busca o espaço aberto, busca uma audiência para com ela dialogar. Se discutida no âmbito escolar, a arte do grafite poderá ser um meio de fazer com que os jovens aprendam a diferença entre as duas práticas do grafite: uma socialmente aceita e a outra socialmente transgressora, mais conhecida como pichação. Referências BUORO, Anamélia Bueno. O olhar em construção. S. Paulo: Cortez, 2000. MARTINS, Miriam Celeste F. Dias. O sensível olhar pensante. S. Paulo: Arte Unesp, vol.9, 1993. PORCHER, Louis. Educação Artística: Luxo ou necessidade? S. Paulo: Summus, 1982.

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A Formação e a Prática Cotidiana do Professor de Arte numa Perspectiva Emancipatória como Valorização da Racionalidade Estética Expressiva Vera Lúcia de Oliveira Simões Doutoranda em Educação/PPGE/UFES

Uma introdução É meu desejo no Doutorado em Educação, pesquisar fatos e situações que envolvem professores e estudantes, durante os seus fazeres cotidianos nas aulas de arte, comparando-os com os discursos presentes nos livros, Congressos e Seminários que tratam da Arte e seu Ensino, com o que traz os PCN para o Ensino Médio, que trata a arte como parte integrante da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. E também, com o que preconiza as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais, aprovada em 2007, que aponta no perfil do formando, a necessidade do profissional estar habilitado para a produção, a pesquisa, a crítica e o ensino das Artes Visuais. No sentido de buscar caminhos para me auxiliar na compreensão dos fatos que provocam, o distanciamento entre a formação inicial ou continuada e a prática dos professores de Artes Visuais, principalmente considerando que a formação inicial desses professores deve enfatizar a necessidade de estudar e reconhecer a imagem como linguagem importante para que a cultura de um povo de uma sociedade seja compreendida uma vez que, as imagens podem apresentar mensagem plástica, mensagem icônica e mensagem lingüística. E considerando que essas mensagens quando lidas e compreendidas facilitarão nas relações e interações necessárias para o exercício digno da cidadania que vem sendo apontado como uma das necessidades maiores da contemporaneidade, cabendo à escola e principalmente, aos professores a responsabilidade de propiciar aos estudantes, condições para a criação de conexões entre arte, cultura e vida, facilitando assim, a compreensão, a leitura do seu cotidiano e do mundo. Para internalizar e exercer este papel, os professores e professoras precisam segundo Paulo Freire (1999) compreender que: Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Um percurso...Mestrado em Educação

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Unindo minha vontade de pesquisar a história e a minha graduação, decidi por pesquisar a história da Escola de Belas Artes do Espírito Santo. Em 1997, ingressei no Curso de Mestrado em Educação do PPGE/UFES. Minha pesquisa de Mestrado foi baseada na análise de documentos e entrevistas que me auxiliaram na construção da História da Escola de Belas Artes no Espírito Santo, 1951/71. No cruzamento de dados constatamos a falta de preocupação com a formação dos professores de arte, o que estava em primeiro plano, era a formação do artista, do produtor de obras de arte. No recorte histórico pesquisado (1951/1971), o curso da arte não estava dirigido ao currículo escolar, fazia parte de um outro contexto, informal. Concluí minha pesquisa, mas sinto a necessidade de iniciar uma outra, conhecer as ações, as caminhadas, as intenções daqueles que respondiam pelo que hoje é o Centro e Artes, para adequar os cursos oferecidos ao proposto na Lei no 5692/71 incluindo obrigatoriamente a Educação Artística no currículo, portanto, era preciso formar professores e mais ainda, o que mudou no tempo transcorrido até a Lei no 9394/96. Que mudanças podem ser percebidas nessa transição de uma lei tecnicista para uma outra que dizem ser progressista? São questões que precisam ser analisadas, respondidas, para se compreender o processo de formação dos professores de arte que estão atuando nas escolas. Atuando na formação de professores da Educação Básica, não pude deixar de lado a pesquisa, a busca pela atualização profissional e o meu foco foi e tem sido os livros, a rede da internet, o Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte e outros estudos que possam me auxiliar nessa jornada.

Outros desafios Buscando novos horizontes na vida profissional, fui selecionada para Tutora em Artes Visuais pela UAB/UFES que está oferecendo o curso na modalidade EAD, experiência que com certeza vai me propiciar novos olhares sobre a Arte e seu Ensino e a Formação de Professores. Iniciei o Doutorado em Educação e ainda não estou liberada da PMV, onde atuo como professora de Arte das turmas de 5ª a 8ª série, na EMEF “ASFA”, no turno matutino.

Problematização A formação e a prática cotidiana dos professores é um tema que não pode ser discutido de forma aleatória e desvinculado do contexto políticoeconômico social e cultural da sociedade contemporânea. Na última década, a formação e a prática cotidiana do professor de Arte têm sido temática de muitos debates nos encontros, seminários e congressos, onde se reúnem profissionais da área. Em menor escala, o assunto vem sendo alvo das políticas públicas. No entanto, essas políticas quando colocadas em vigor, nem sempre têm gerado contentamento, ao contrário, em alguns casos o sentimento tem sido de revolta e indignação por parte dos profissionais – professores de Arte. A

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indignação se faz presente, pois muito do que é proposto e efetivado pelos sistemas educacionais contraria não só o que propõe a Lei no 93.94/96, mas principalmente a todo e qualquer pressuposto que vem sendo discutido e fomentado ou então, historicamente construído nos últimos anos pelo movimento dos arte-educadores, que vem se fortalecendo desde o início dos anos 90. “Portanto, os poderes públicos, além de reservarem um lugar para a Arte no currículo e se preocuparem em como a Arte é ensinada, precisam propiciar meios para que os professores desenvolvam a capacidade de compreender, conceber e fruir Arte. Sem a experiência do prazer da Arte, por parte dos professores e alunos, nenhuma teoria em Arte-Educação será reconstrutora” (BARBOSA, 2003, p.14).

A citação da autora reforça a idéia sobre as dificuldades enfrentadas por aqueles que são ou pretendem ser professores de Arte e, ao mesmo tempo nos auxilia no sentido de buscar, levantar questões para a superação dos paradigmas resultantes da transição da era Moderna para a Pós-Moderna, possibilitando a construção/criação de novos caminhos a serem percorridos em direção a uma formação e prática educativa “dialética, emancipatória e inclusiva” (AZEVEDO, 2003) “de arte - educadores mais atentos à relação entre arte e cultura” (HERNANDEZ, 2000), que enfatize a habilidade da compreensão e interpretação crítica de obras de arte como principal resultado do ensino. “Princípio este válido tanto para a arte erudita quanto para as tendências e impactos da cultura popular e da arte do cotidiano” (EFLAND, 1998). Tendo em vista essas afirmações, pretende-se com este trabalho, identificar: • Os conceitos que embasam a formação e a prática do professor de Arte; • Os conceitos que embasam a legislação/normatização da prática docente do arte educador sobre o ensino da Arte; • A prática dos professores-formadores em exercício no curso de formação de professores de Arte oferecido na UFES; • Os conceitos atribuídos pelos profissionais que atuam nos sistemas educacionais em nível central, dos demais profissionais da escola onde atua à disciplina Arte e aos professores de Arte. A coleta desses dados servirá de base para a triangulação entre o discurso/conceito dos professores de Arte, o discurso oficial (legislação e normas), e o discurso dos demais profissionais descritos. Baseando-se em Santaella e Nöth (1998, p.86), podemos dizer que ao interpretarmos, estamos atribuindo sentido, pois para a construção de significados, é fundamental que haja o envolvimento do contexto e das experiências vividas pelos sujeitos, nas práticas interpretativas. Considerando que para Bakhtin (2000), o processo de leitura e interpretação de um texto coloca dois sujeitos, em uma situação de interde-

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pendência, muito complexas algumas questões precisam ser analisadas, dentre as quais: • Quais os conceitos formulados pelo movimento arte educação, expressos nos documentos da Federação de Arte Educadores do Brasil – FAEB e que foram parcialmente contemplados na Lei no 93.94/96 e nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s? • Quais os conceitos formulados pelos professores de Arte e demais educadores quanto ao que a legislação preconiza sobre o ensino da Arte e o proposto nos PCN’s? • Que teorias sustentam a prática dos professores de Arte na educação formal? Essas questões precisam ser analisadas de forma articulada. Sem deixar de lado as transformações sociais ocorridas nos últimos tempos, para que seja possível o entendimento das idéias exteriorizadas e ao mesmo tempo possibilitar a construção de caminhos facilitadores para alcançar o ideal de formação e prática do ensino da Arte numa concepção democrática, inclusiva e competente. Segundo Ana Mae Barbosa (2003) “as Artes Visuais ainda estão sendo ensinadas como desenho geométrico, seguindo a tradição positivista, ou continuam a ser utilizadas principalmente nas datas comemorativas, na produção de lembrancinhas, muitas vezes estereotipados para o dia das mães ou pais”. Concordando com a autora, entendemos que é através de um trabalho de resignificação dos conceitos e teorias inscritos nos documentos e presentes nas concepções dos professores de arte e educadores em geral é que se alcançará a mudança necessária para que a formação e a prática do professor de arte sejam de fato emancipatórias e transformadoras pois, “uma educação libertária terá sucesso só quando os participantes no processo educacional forem capazes de identificar seu ego cultural e se orgulharem dele” (BARBOSA, 1998, p.15).

Bases Teóricas Com este trabalho pretendo desenvolver um estudo sobre as políticas oficiais de formação de professores de Arte no Brasil, enfatizando principalmente a Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, que será caracterizada como base da pesquisa, por meio da análise das proposições do Governo Federal (Diretrizes Curriculares). Sobre os escritos do movimento Arte Educação, sintetizados nos documentos da FAEB e Associações de Arte Educadores. Sobre os conceitos e representações dos professores formadores do Centro de Arte e Centro de Educação da UFES. E também, dos professores de Arte que atuam nas Escolas de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Vitória, sobre os principais conceitos identificados nos documentos conhecidos/examinados. Pretende-se identificar os conceitos e categorias construídas pelo movimento Arte Educação a partir da década de 80 (FUSARI, 1992 p.33), incorporados embora que parcialmente no discurso oficial – Lei no 93.94/96 e PCN’s e os sentidos que lhes são atribuídos após essa incorporação.

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Para tanto, é necessário lembrar que a educação assume diferentes representações nos diferentes contextos históricos. Estudos e pesquisas sobre a formação de professores apontam ser a desvinculação entre o pensar e o agir, o grande entrave para a concretização de uma prática pedagógica dialógica e transformadora. Na Antiguidade, valorizava-se a atividade racional e contemplativa, no Renascimento, o ser humano é visto como um ser que além de teórico é também criador e ativo, que consegue intervir na natureza, portanto no mundo que o rodeia. Pensar e agir, caminham mais próximos. Com a Modernidade, nasce o Capitalismo. É um momento de crescente valorização do trabalho, como atividade humana para atender os interesses da burguesia. Em cada um desses tempos, a educação teve seu papel e representava as concepções políticas, sociais e culturais de cada época. A expressão artística vem acompanhando o homem em sua evolução – bizões em Altamira, Espanha – cavalos em Lascaux, França – são testemunhos dessa presença. No decorrer dos anos, a sociedade evoluiu, a educação também. Conseqüentemente ocorre a evolução cultural e a expressão artística e seu ensino faz parte desse conjunto que se transforma de acordo com o contexto produzido pelo homem, uma vez que a Arte representa o elo entre o cotidiano das pessoas e os símbolos que as rodeiam. Para pesquisar e compreender o ensino da Arte no Brasil, precisamos nos reportar à Missão Artística Francesa, trazida em 1816, por dom João VI. Com a chegada da Missão, foi criada a Academia Imperial de Belas Artes que após a República passou a se chamar Escola Nacional de Belas Artes. O que se ensinava e aprendia nessa escola era principalmente o desenho, cópia fiel de modelos europeus. Mesmo com o Barroco em evidência em Minas Gerais, as idéias Neoclássicas trazidas pelos franceses foram incorporadas pelas elites como “moderno”, ganhando um “status” de luxo. É a partir daí que a nossa história do ensino de Arte se traduz na repetição de desenhos, de modelos, ministrado com autoritarismo, do professor como dono da verdade, onde o que importa é o produto. Ensinava-se a copiar modelos, objetivando boa coordenação motora, aprendizagem de técnicas, precisão, que fossem úteis na preparação para o trabalho (desenhos técnicos ou geométricos), que servissem à produção industrial, utilitária, à ciência. Entre as décadas de 30 e 50, o ensino da música era pouco difundido e só nos anos 50, passou a fazer parte do currículo, limitando-se ao exercício do solfejo, canto orfeônico e memorização de hinos pátrios. É dessa época também, as aulas de “artes domésticas”, “artes industriais” e “trabalhos manuais”, onde meninos e meninas tinham aulas em separado pois havia arte “femininas”- bordado, tricô, roupinhas de bebê, aulas de etiqueta... e artes “masculinas”, geralmente executadas com madeira, serrote, martelo: bandejas, porta-retratos, descansos de prato, sacolas de barbante, tapetes de sisal (MARTINS, 1998).

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Desde o final do século XIX, o movimento denominado, Escola Nova estava presente na Europa e Estados Unidos. No Brasil esse movimento começou a influenciar as ações educativas somente entre os anos 30/40. Num momento em que o país está passando pela crise do modelo agráriocomercial, exportador, dependente e início do modelo nacional desenvolvimentista, industrializado. É uma época de várias lutas políticas, econômicas, culturais e em prol da educação pública básica. Na área educacional destacam-se à Fundação Brasileira de Educação (ABE), em 1924. No Rio de Janeiro e o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova , em 1932, tendo com signatários, Fernando de Azevedo Peixoto, Antonio Ferreira de Almeida Junior, Anísio S. Teixeira, Cecília Meireles, Manuel Bergstrom, Lourenço Filho, Antonio Sampaio Doria e Pascoal Leme, dentre outros. A Semana de Arte Moderna que é referencia para representar os movimentos ocorridos no campo artístico, faz eco expandindo o movimento modernista para várias regiões do Brasil, onde são organizados diversos salões de arte com características mais nacionalistas e inovadoras. A influência escolanovista caracterizada como uma Pedagogia centrada no aluno e nas aulas de arte direcionou o ensino para a chamada livre expressão, valorizando o processo de trabalho. Ao professor cabia dar condições e oportunidades para que o aluno se expressasse espontaneamente, de forma pessoal. O que era valorizado era a criatividade, considerada como ponto máximo no ensino da arte. Na prática escolar, esses princípios se refletiram como uma concepção espontaneista, onde o processo era supervalorizado sem a preocupação com o produto final. Em termos de aprendizagem de arte, os conteúdos dessas aulas que eram quase sempre um “deixar fazer”, muito pouco acrescentava aos alunos. Em 1971, a Lei no 5692, instituiu o componente curricular Educação Artística. Essa lei, determinando que nas aulas de Educação Artística fossem ministradas aulas de música, teatro, dança e artes plásticas nos cursos de 1o e 2o graus, criando a idéia/necessidade de um professor polivalente que dominasse as diversas linguagens artísticas com competência. Essa determinação criou também a necessidade imediata da formação de professores para atender a demanda instalada. Assim, foram implantadas as Licenciaturas Curtas, nas quais os conhecimentos eram trabalhados de forma concomitante para atender à demanda emergente. Os professores de Desenho, Música, Trabalhos Manuais, Canto Coral e Artes Aplicadas que trabalhavam dentro de suas especificidades, tiveram seus saberes relegados a meras atividades artísticas. A Educação Artística foi implantada de maneira indefinida e o Parecer no 540/77, tratado como um documento explicativo da Lei no 5692/71 deixa claro: “não é uma matéria, mas uma área bastante generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendências e dos interesses”. Esse parecer também fala da importância do “processo” de trabalho e da estimulação da livre expressão. Pode se afirmar que esse parecer é orientado por pensamentos escolanovistas mas na prática dos professores, a situação é outra pois como os das demais disciplinas, deveriam apresentar

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seus planos de trabalho dentro de uma formatação onde o plano de curso contemplasse objetivos, conteúdos, métodos e avaliações de forma bem clara e organizada. No final da década de 70 acontece a explosão de livros didáticos de Educação Artística para atender o enorme despreparo dos professores, a falta de condições de trabalho, a formação insuficiente que resultava em total insegurança dos profissionais para discutir, explicitar ou mesmo elaborar um planejamento de Educação em Arte mais consistente. A década de 70 também trouxe com a tendência Tecnicista, o uso de recursos audiovisuais (projetores de slides, gravadores, filmes, etc). Esses recursos na maioria das vezes eram utilizados de maneira inadequada, onde os temas eram apresentados sem tempo para análise ou discussão. Todas essas dificuldades deram origem a movimentos e organizações de professores de Arte de todo o Brasil. Foram criadas Associações de Arte Educadores em vários estados e regiões brasileiras. A Associação de Arte Educadores do Estado de São Paulo - AESP, foi criada em 1982 dando o pontapé inicial para que outras fossem criadas. Em 1987, ocorreu a culminância do movimento com a instituição da Federação de Arte Educadores do Brasil -FAEB. Assim, as questões ligadas aos cursos de Arte, da Educação Infantil ao Ensino Superior, passaram a ser discutidas também por essas entidades em congressos e encontros estaduais, nacionais e internacionais. Todo esse movimento dos Arte Educadores, ocorre em meio a uma prática docente com aulas dicotomizadas, superficiais, enfatizando ora um saber “construir” artístico, ora um saber “exprimir-se”, mas necessitando de aprofundamentos teóricos metodológicos (FERRAZ, 1992). Os cursos de Formação de Professores de Educação Artística por sua vez, concentram-se nos aspectos técnicos, construtivos, no uso de materiais ou então em um fazer espontâneo, sem compromisso com o conhecimento de Arte. Até o início da década de 90, o ensino de arte oferecido nas escolas apresentava-se influenciado pelo conjunto das pedagogias: tradicional, nova e tecnicista demonstrando claramente que as ações educativas são pautadas nas ações pedagógicas, ideológicas e filosóficas da sociedade onde estão inseridas. A partir de 1988, a Constituição Brasileira preconizava novos caminhos para a educação e quase que exigia uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. A Lei no 5692/71 já não atendia aos anseios da sociedade e dos professores brasileiros. Nos encontros organizados pelos educadores em geral e principalmente pelos professores de arte, era visivelmente percebido o desejo de mudança no sentido de abandonar o empirismo ingênuo até então presente em seus discursos e ações, substituindo-o pela tomada de consciência sobre os títulos de aprendizagem possíveis a partir das inúmeras propostas apresentadas. Segundo Bolzan (2002 p.154), quando geramos interesses e motivação, as possibilidades de criação conceitual e de crítica reflexiva entre as pessoas, diante de determinados problemas, se multiplicam e se incrementam.

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Para completar a idéia de Bolzan (2002) sobre as possibilidades de transformação e avanço presentes no ato de compartilhar, discutir no coletivo, diferentes idéias e fatos da realidade, nos apoiamos em VYGOTSKI (1982) quando diz ser a produção de conhecimento – atividade criadora – pelo homem traz consigo sempre elementos sócio culturais, além de alguma colaboração humana, fazendo dele um sujeito projetado para o futuro, um indivíduo que contribui para produzir e construir novidades, modificando seu presente. Ou seja, nos momentos de discussão e reflexão sobre a teoria e a prática pedagógicas, são acionados mecanismos de reconstrução das idéias e conceitos que quando sistematizados resultarão em uma nova teoria, numa nova prática, transformadas em um novo saber-fazer. Na década de 90, os anos que antecederam a nova LDB – Lei no 93.94/96 – foram marcados pela movimentação intensa dos professores de Arte, em nível de Brasil. Circulavam documentos sobre os possíveis aspectos relacionados ao ensino da Arte, a serem contemplados nessa lei. Dentre eles, o que mais atingia os professores, era o projeto que acabava, excluía o ensino da Arte do currículo escolar. Em todos os encontros, eram tiradas moções no sentido de convencer os componentes da Câmara e do Senado Federal sobre a importância do ensino da Arte, numa perspectiva de que a Arte deve ser acessível a todos, numa concepção de escola democrática que garanta a posse dos conhecimentos artísticos e estéticos. A insegurança sobre o futuro do ensino da Arte, influenciou de forma negativa os cursos de Formação de Professores de Arte. Diante da possibilidade do ensino da Arte ser excluído do currículo escolar, a procura pelos cursos de formação na área foi se reduzindo, sobraram vagas inclusive nas Universidades Federais. Os registros da UFES comprovam esses dados. Em alguns vestibulares as vagas para o Curso de Educação Artística – Licenciatura – foram preenchidas por candidatos cuja pontuação estava bem abaixo do nível de pontuação dos candidatos aos demais Cursos de Licenciatura oferecidos pelas instituições. Outro fator relevante é o fato de que a maioria dos candidatos que procuravam o Curso o fazia pela “facilidade” em acessar um Curso Superior. Em dezembro de 1996, a Lei no 93.94 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, foi sancionada trazendo para a surpresa de muitos, no seu artigo 26, a obrigatoriedade do ensino da Arte em todos os níveis da Educação Básica. Foi uma vitória conquistada pelo movimento Arte-Educação. Mas, a batalha não se encerrava ali. A LDB apontava a necessidade de mudanças na formação e na prática dos educadores. E, neste sentido, integrando a legislação educacional foram elaborados os PCN, para orientar a formulação das propostas pedagógicas e as ações dos docentes. O que está posto na legislação educacional no que se refere à área de Arte reflete o empenho e a produção acadêmica dos profissionais no sentido de construir um novo perfil para o ensino da arte na educação básica e no ensino superior. E para “coroar” todo esse empenho, muito recentemente, o Parecer CNE/CES 280/2007, aprova/institui as Diretrizes

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Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais, bacharelado e licenciatura. Tudo isto reforça a idéia de que os Cursos de Formação precisavam e precisam ser revistos para atender a essa demanda, pois nas escolas, a prática dos educadores ainda está pautada numa concepção que não atende ao ideal democrático de educação proposto pela nova era que já estamos vivendo. Na maioria das aulas de arte ainda se percebe o distanciamento entre o fazer, a apreciação, a leitura, a fruição da obra de arte e também da história da arte. Uma concepção equivocada de releitura da obra, aos poucos foi se instalando, se incorporando à prática dos professores de Arte que por desconhecimento acabaram instituindo a cópia do desenho como algo “novo”, quando na verdade estão se apoiando numa prática reprodutivista. Ao invés de provocar nos alunos, ações de construção e reconstrução que permitam intervenções nas produções que já fazem parte da história da humanidade.

Considerações Finais Hoje, lamentavelmente ainda se pode constatar que professores de Arte, os sistemas educacionais (através de seus representantes) e as escolas de formação de professores de Arte, ainda têm muitos caminhos a percorrer. As linguagens artísticas a serem ensinadas nas escolas precisam ser envolvidas nas concepções de educação trazidas pela Pós-Modernidade. São muitas as iniciativas em prol da identificação da defesa e da promoção dos interesses comuns da humanidade. Todas essas ações estão relacionadas à cultura e a identidade do povo de cada sociedade apontando então, novos desafios e demandas para a Arte e seu Ensino na Contemporaneidade. • Estamos preparados para pensar propostas pedagógicas vinculando a Arte e seu ensino com as preocupações políticas e sociais mais amplas que vêm se projetando no mundo atual? • Os Cursos de Formação Inicial de Professores de Arte e os de Formação Continuada estão preparados ou se preparando para fornecer subsídios que sustentem um ensino de Arte para esta sociedade mais e mais globalizada, onde o cruzamento entre o local e o global é praticado no dia-a-dia? • As práticas educativas em Arte estão refletindo as mudanças ocorridas nas concepções da maioria dos professores promovendo mudanças nos conteúdos, metodologias e formas de ensinar? • “Em nosso sistema educacional, damos realmente ênfase aos valores humanos? Ou estamos tão ofuscados pelas recompensas materiais que não logramos reconhecer que os verdadeiros valores da democracia residem no seu mais precioso bem, o individuo”? (LOWENFELD, 1977 p.15) Nesse trabalho buscaremos resposta para essas e outras questões, baseados no referencial descrito e também em outros autores que vêm se dedicando a analise da temática em questão e à produção de novos co-

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nhecimentos na área de arte como MAGALHÃES (2003), PILLAR (2003), TOURINHO (2003), RIZZI (2003) e outros. Analisando a documentação existente, nas concepções dos sujeitos envolvidos na pesquisa, buscaremos no que está escrito, nos depoimentos e na observação do trabalho docente, dados que permitam resgatar significados perdidos/esquecidos ao longo das últimas duas décadas, que possam auxiliar na retomada do processo de resignificações dos conceitos e ações que permitam a re-emersão dos movimentos Arte Educação, vestidos com a roupagem necessária para lutar principalmente contra a política de formação de professores de arte que ainda se apresenta completamente descontextualizada das exigências e desafios propostos ao ensino da Arte na Pós-Modernidade. Como diz Azevedo (2003) a pedagogia da arte deve o compromisso- a utopia – com toda a produção instituída – reconhecida pela história oficial – e dialeticamente (dialógicamente) contraposta à arte instituinte – elaborada por minorias ressaltando suas visões de mundo, suas potencialidades e desafios. Neste sentido, esse trabalho tem por objetivo criar ações e provocar situações que nos levem em direção a uma aprendizagem significativa em Arte onde se possa como diz Boaventura Santos (2002, p.356) – “Construir um mundo novo, inventar novas formas de sociabilidade, atravessar terras – de - ninguém entre limites variáveis – tais são as experiências de arte factualidade mais fortes que podemos imaginar.” Referências AZEVEDO, Fernando. A.G. Arte e Inclusão: construindo uma pedagogia crítica. Anais XIV CONGRESSO DA FEDERAÇÃO DE ARTE EDUCADORES DO BRASIL – 2003. UFG, Goiânia. Abr de 2003.p.132-134. BAKHTIN, M. M. Estética da Criação Verbal. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no ensino da arte. São Paulo, Porto Alegre: Perspectiva/ Iochpe, 1991. _______.Teoria e prática da Educação Artística. São Paulo: Cultrix, 1975. _______.(org.)Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2003. _______. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ARTE, 1998. BOLZAN, Dóris. Formação de Professores: compartilhando e reconstruindo conhecimentos. Porto Alegre: Mediação, 2002. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais, bacharelado e licenciatura. Conselho Nacional de Educação/Conselho de Educação Superior – Brasília: MEC, 2007. BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Secretaria de Educação Básica – Brasília: MEC, SEB, 2006. COUTINHO, Rejane G. A formação de professores de arte. São Paulo: Cortez, 2003. EFLAND, Arthur, D.Cultura, sociedade, arte e educação em um mundo pós-moderno. In A compreensão e o prazer da arte – Anais. Ciclo de palestras. 23/04 a 27/11 – SESC- São Paulo, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.

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Relatos de ExperiĂŞncia



A Obra de Arte e o Cotidiano do Aluno Denize Costa da Silva Aguiar Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Nossa Senhora da Saúde”, Ibiraçu, ES

Introdução ‘’Educação significativa implica atividades que tenham relevância para o educando e para o educador, que estejam vinculadas a alguma necessidade, finalidade, plano de ação do educando. Trata-se de buscar um conhecimento vinculado às necessidades, interesses e problemas, oriundos da realidade do educando e da realidade social mais ampla”, (VASCONCELLOS,C.S. – Construção do Conhecimento em Sala de Aula, p.52)

A indicação da motivação como um elemento importante no processo de ensino-aprendizagem, ferramenta que tem se presentificado nas salas de aula, frequentemente, quebrando a rigidez de métodos “enformados” e que se arrastaram por muitos anos. No espaço dos saberes, a motivação é um processo de interação entre os sujeitos de um espaço comum, a sala de aula, a escola, a comunidade e o mundo. Nesse sentido a interação entre uma obra de arte e o cotidiano torna-se pertinente diante das percepções captadas pelo artista e pelo espectador. ‘’O desafio deste estudo é abordar, desde a experiência pictórica infantil, o acontecimento poético de tecer o vivido no ato mesmo de atualizar, gradativamente, gestos e palavras que transformam saberes e fazeres coletivos em processos e modos singulares de interpretar a si mesmo, os outros e o mundo através dos meios artísticos plástico-visuais, atualizando o conhecido em outros modos de imaginar e perceber’’, (RICHTER, S.- Criança e Pintura – Ação e Paixão do Conhecer, p. 23)

Relato Em minha vivência nas salas de aula, depois de muita observação percebi que os alunos do ensino fundamental, em sua maioria, estão condicionados a um ‘’fazer’’ repetitivo, ou seja, dentro de um padrão no qual para se fazer o exercício proposto necessitam de um modelo ou molde. Percebi nas turmas de 5ª e 6ª séries que essa necessidade é latente e atinge a maioria dos alunos, possivelmente, por uma didática adotada nas séries iniciais. Observei ainda, que na maioria das vezes, a prática de exercícios pré-moldados ou xerografados, deixa ao aluno apenas a tarefa de colorir o espaço do ‘’desenho’’. Em 2007, na minha trajetória acadêmica, recebendo orientação dos professores das disciplinas pedagógicas para o Curso de Artes Visuais, pude com eles, discutir questões relativas à educação básica, com base em um suporte teórico especifico. Além de estágios oferecidos pelas disciplinas de Prática de Ensino Infantil, Fundamental e Médio, sem desmerecer as

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demais disciplinas que compõe a grade curricular. Mas, no estágio da disciplina de Prática de Ensino Fundamental a proposta colocada para desenvolvimento baseou-se em um projeto desenvolvido junto à Prefeitura municipal de Vitória, para o programa Escola Aberta, intitulado ‘’a cidade que mora em mim’’ esse projeto tem por objetivo despertar na criança a observação sobre o meio a que ela se insere, sendo estimulada a pensar sobre as seguintes questões ‘’O que existe na minha cidade?; O que não existe na minha cidade?; O que eu (participante) gostaria que tivesse?; O que não gostaria que existisse?’’. Diante de um resultado que me pareceu positivo decidi com base nessa experiência desenvolver práticas que estimulassem os alunos da educação formal ao exercício da observação, da percepção e da reflexão sobre o seu fazer artístico, propondo, a princípio, um olhar investigativo sobre seu bairro ou cidade. Nos últimos doze meses, essa experiência vem sendo desenvolvida por mim em algumas escolas da rede pública estadual de ensino.

Observações Quando a proposta é colocada para as turmas, de imediato os alunos colocam a sua problemática, neste caso, com a seguinte afirmativa ‘’aqui (cidade ou bairro) não tem nada’’. Cabe ressaltar que a maioria desses alunos esta conectada com o mundo através da internet, o que supostamente, os caracteriza como indivíduos ‘’ligados’’ a comunicação global, logo, nem tão desinformados. Nesse momento, pergunto a eles em que lugar eles se encontram. A conclusão é imediata, na escola. A partir daí os alunos percebem que além da escola tantas outras coisas existem ao seu redor. A medida que cada aluno lembra das coisas que compõem a sua cidade/bairro, por exemplo: igreja, lojas, praças, etc., vou criando uma lista no quadro, das coisas que são citadas. Os alunos ficam surpresos o tamanho da lista. Nesse processo ainda investigativo, preparei um plano de aula subdividido em três etapas: Primeira Etapa: Com base no levantamento das coisas da cidade identificadas, sugiro que construam, através do desenho figurativo, a representação desse espaço (bairro/cidade). A princípio, cada aluno desenhou, com lápis grafite, a cidade através de um olhar próprio, seguida da pintura das representações. Nesta etapa, percebi a dificuldade do aluno em transpor algo que foi construído em seu imaginário, ou seja, dar materialidade aos signos. Evidentemente, não se espera dos alunos de ensino fundamental composições e estéticas ‘’equilibradas’’. No entanto, percebe-se que na maioria da turma há um esforço e uma integração no sentido de vencer, de modo quase competitivo, o que para eles é um desafio, da cidade construída em seu imaginário a partir do exercício perceptivo. Segunda Etapa: Numa segunda aula apresentei a ilustração de uma obra de arte, e sobre seu criador fiz uma breve abordagem biográfica. A

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obra apresentada foi a da artista Tarsila do Amaral, título ‘’Feira’’, 1924, propondo uma leitura de imagem. A escolha da obra não foi casual. Durante a primeira etapa percebi o uso exagerado de objetos como régua, compasso, e outros recursos que pudessem usar para alcançarem algumas formas geométricas, basicamente, quadrados, círculos, retângulos e triângulos. Após a apreciação da imagem da obra solicitei a construção de um desenho que tivesse alguma relação com a obra, a turma assustada me perguntou ‘’Professora, é para fazer igual ao que a Tarsila fez?’’ Pensar para entender – antes de responder apresentei na imagem algumas formas geométricas cuja identificação ainda era desconhecida para a maioria deles, tais como: trapézio, cilindro, losango, etc. em seguida tentei responder a pergunta da seguinte forma: Possivelmente, não conseguiríamos fazer igual porque cada um tem seu gesto, jeito próprio de ser e de fazer. Não precisamos copiar a pintura da Tarsila do Amaral, mas observar, por exemplo, como a artista conseguiu colocar uma rua inteira e grande numa tela pequena, e a maneira como a artista ‘’brinca’’ com as formas geométricas buscando, também através delas a composição do espaço pictórico (expliquei a expressão “espaço pictórico”, o suporte, a própria tela). Dessa forma, estava aberto o espaço para se discutir tendências e a plasticidade da artista. A dúvida ainda estava sobre aqueles rostinhos. Terceira Etapa: Nessa etapa solicitei que relembrassem a atividade anterior,o primeiro desenho sobre a cidade, onde foi feito o levantamento das coisas que existiam na cidade. Em seguida, perguntei se lá não havia uma feira livre. Era claro que havia e nesse instante, vários se levantaram e se puseram a gritar ‘’vou fazer a feira daqui de onde moro’’, concordei. Natural que algumas dificuldades surgissem, mas pude observar que mesmo desenhando a feira de seu bairro muitos alunos deram ao seu trabalho um ‘’toque de Tarsila’’. Porém, a maioria dos alunos resolveu, satisfatoriamente, aquela que talvez fosse a maior problemática, colocada no início afirmando não haver nada em sua cidade e a própria construção de um desenho cujo tema trabalhado era o de uma feira livre, num espaço, para eles tão pequeno, o papel tamanho A4. Além da dificuldade em desenhar a feira, naquele suporte, outras observações foram colocadas como, por exemplo, a presença de um suposto pássaro. Os alunos tentaram adivinhar, um tucano, talvez. Na obra de Tarsila este signo, uma vez percebido, abriu espaço para outras discussões o que levaria a leitura da imagem para além do processo de criação e plástico da obra, refiro-me aqui à questão que envolve a proteção de espécies em extinção. Segundo Fayga Ostrower ‘’O ser humano é por natureza um ser criativo. No ato de perceber, ele tenta interpretar, e nesse interpretar já começa a criar. Não existe um momento de compreensão que não seja ao mesmo tempo criação. Isto se traduz na linguagem artística de uma maneira extraordinariamente simples, embora os conteúdos sejam complexos’’. ( A construção do olhar in: Novaes, Adauto (org. o Olhar. São Paulo, Cia.das Letras, 1989 p.167. ) Para Anamelia Bueno Buoro ‘’A percepção torna possíveis as conexões

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dos homens com o mundo exterior. Percebemos o mundo pelos órgãos dos sentidos. Sendo assim ao olharmos o mundo estabelecemos contato, pois as relações perceptivas se dão apenas diante do mundo existente e acontecem quando o sujeito penetra no mundo. Desta maneira, a relação homem/mundo na vertente da percepção como possibilidade de apreensão de algo existente implica sempre uma experiência intersubjetiva. (O Olhar em Construção – Uma Experiência de Ensino e Aprendizagem da Arte na Escola, cap.III Outros olhares – reflexão sobre a visualidade p.134).

Conclusão A mobilização das crianças na construção de seus fazeres artísticos contou com as observações de cada uma nesse processo que antes provocou um olhar mais sensível para o seu entorno. É importante citar que não houve, neste caso, nenhuma interferência de minha parte sobre o processo de criação de cada desenho. A exposição temporária da obra de Tarsila, sem dúvida é um referencial interventor, no entanto, o objetivo maior, além da apreciação, era o de contextualizar a obra em seu tempo, seu processo plástico e criativo. Com base nessas reflexões, busco, no exercício do estímulo a percepção, o desenvolvimento de um olhar mais atento, orientado sob o ponto de vista técnico do fazer assim como das teorias e história da arte reconhecendo que aspectos comuns da realidade dos alunos devem, necessariamente, ser re-valorizados e associados tanto à leitura quanto à contextualização de uma obra. Referências Buoro, B.Anamélia. O Olhar em Construção: Uma experiência de ensino e aprendizagem da arte na escola, São Paulo, Cortez, 1998. Ostrower, Fayga. Criatividade e processos de criação. 3.ed. Rio de Janeiro, Vozes, 1983. Richter, Sandra. Criança e Pintura: ação e paixão do conhecer. 2 ed. Porto Alegre, RS, Editora Mediação, 2005.

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Viajando com Volpi Ivana de Macedo Mattos Bacharel Artes Plásticas/UFES O ensino da Arte, na escola, propicia momentos privilegiados de apreciação e reflexão artística, que desenvolvem no aluno a percepção visual do mundo e da obra de arte, ampliando seu repertório visual e gráfico, contribuindo para a construção de um olhar crítico sobre o exercício de sua cidadania. Dessa forma, na construção do conhecimento em Arte, valoriza-se não só a produção artística, mas as informações culturais e históricas e a análise de obras. Pensando nessa proposta, foi realizado o projeto Viajando com Volpi, de caráter interdisciplinar, que envolveu várias áreas do conhecimento, proporcionando aos alunos uma visão ampla da arte por meio da apreciação de obras, leituras, releituras e experimentações diversas. O projeto foi desenvolvido em duas turmas da 1º ano do Ensino Fundamental, num período de realização de quatro meses. O material didático de Artes da Rede Salesiana de Escolas, dessa série, é composto por obras de retratos e paisagens do acervo do MAM de São Paulo. Na ocasião em que começamos o projeto, o MAES, Museu de artes de nossa cidade, apresentava a exposição: Pintura Brasileira no Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Inclusive duas obras que estavam nessa Mostra seriam estudadas pelos alunos, pois faziam parte do material didático; por isso, resolvemos aproveitar essa oportunidade única para organizamos uma visita monitorada ao museu. Durante a visita, os alunos ficaram encantados, pois muitos deles nunca tinham ido a um museu de arte, e lá puderam ver cerca de 70 preciosidades da pintura brasileira da década de 30 aos dias atuais. Como as crianças eram da faixa etária de seis anos, eu pedi a monitora para destacar as obras presentes no material didático e também as obras do pintor Alfredo Volpi. De volta à sala de aula, quando fomos fazer uma reflexão sobre o passeio, as crianças destacaram, entre outros aspectos, o artista Volpi, a simplicidade com que ele trabalhou as cores e formas e também ficaram muito curiosos quanto à utilização da tal tinta têmpera a ovo sobre a qual a monitora tanto falou. Em meio a essa sensibilização e encantamento, decidimos juntos, realizar um projeto sobre o artista. Com tamanha riqueza de informações a serem estudadas, os alunos, juntamente com as áreas de Arte, Matemática, Língua Portuguesa e Ciências, construíram um projeto integrado no qual foram trabalhadas a biografia do artista, suas temáticas, suas fases, fabricação da tinta têmpera a ovo, confecção de jogos lúdicos e releituras de obras com técnicas variadas. Pensando em mostrar o artista Volpi, de uma forma mais lúdica e poética, pedimos à biblioteca da escola que preparasse uma contação de história baseada no livro: Era uma vez três – Alfredo Volpi (Arte para crian-

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ças), da escritora Ana Maria Machado. Após ouvirem essa linda história que destaca a importância da união, fizemos uma releitura de seu conteúdo, utilizando as personagens principais da história, os três triângulos, para que as crianças montassem figuras por meio de colagens com as formas geométricas. Em seguida, foi elaborada uma apostila, contendo uma breve biografia ilustrada do artista, com atividades contextualizadas, abordando leitura de imagens, uso das cores, formas geométricas, as temáticas do artista, música, dobradura e também, no anexo, as colagens feitas com os triângulos, por todos os alunos. Intercaladas ao estudo da apostila, foram realizadas pesquisas, confecção de jogos lúdicos (quebra-cabeça e jogo da memória), releitura de obras com técnicas variadas, produção de um barquinho em releitura da obra “Barco com bandeirinhas e pássaros” (1955), coleção MAC-USP trabalhando o bi e o tridimensional. Fomos ao Laboratório de Ciências, onde os alunos aprenderam a técnica da tinta têmpera a ovo, utilizada pelo referido artista. Em seguida, vivenciaram a experimentação da tinta, produzindo em tela coletiva, uma das inúmeras fachadas pintadas por Volpi. Com a diversidade de atividades propostas, o fazer artístico foi estimulado, dando oportunidade aos alunos de se expressarem por meio de espaços e materiais diversos, conhecendo suportes, procedimentos e técnicas nos trabalhos individuais e em grupo, experimentando suas qualidades expressivas e construtivas. A culminância do projeto se deu com um evento (vernissage) que reuniu as turmas, seus familiares, educadores e setores envolvidos. Foi produzida uma camisa para os alunos e educadores que foi usada no dia do evento, e um aluno se caracterizou de Volpi para recepcionar os convidados. Montou-se, ainda, uma exposição com todos os trabalhos produzidos pelos alunos: apostilas, trabalhos de releituras e jogos, e eles apresentaram para os convidados o que foi aprendido com o trabalho. O projeto foi gratificante e proveitoso, e os resultados obtidos, significativos, pois houve pesquisa, questionamento, envolvimento, criação, busca, aprendizado, enfim, um verdadeiro despertar para a Arte. A criança não pode compreender a Arte se não a conhece, é nossa tarefa como educador fazer com que ela possa ser receptora da arte e também produtora, ampliando o seu repertório, desde a mais tenra idade, com atividades prazerosas em Arte, por meio de projetos como esses, pois a criança, sensivelmente, aproxima-se do objeto estético, comunica-se com ele, reflete sua relação com outras pessoas e com o mundo, Acreditamos que o referido projeto pode ser desenvolvido em qualquer Instituição de Ensino que valorize o trabalho interdisciplinar e a formação integral do aluno, e também ser desenvolvido sobre outros artistas, sejam eles internacionais ou brasileiros. Referências MACHADO, Ana Maria. Era uma vez três: Alfredo Volpi. 41. ed. Rio de Janeiro: Berlendis & Vertecchia Editores, 1996. (Arte para crianças).

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Um Olhar Figurativo e Abstrato sobre a Arte e Cultura Serrana Leila Patrícia Silva de Oliveira E.M.E.F “Professor Luiz Baptista” Um Olhar Figurativo e Abstrato Sobre a Arte e Cultura Serrana foi um trabalho desenvolvido com turmas de quintas e sextas séries do ensino fundamental no turno matutino da escola Professor Luiz Baptista no município da Serra. Esse projeto nos convida para darmos um passeio sobre a concepção estética das produções artísticas dos alunos e ao mesmo tempo conhecermos a produção cultural da região serrana. Através de observação nas aulas de arte, foram detectadas duas questões interessantes a serem analisadas: A visão que os alunos possuem da arte enquanto algo somente figurativo representando perfeitamente a cópia do real (da natureza), ou seja, desencorajando aquele aluno que não possui a habilidade de copista a representar uma outra estética a partir de um conhecimento interior, exteriorizando uma subjetividade sensível através da arte. Outra questão a ser analisada é o fato de infelizmente o aluno serrano não conhecer sua arte e cultura, seus patrimônios históricos, seu artesanato, festas populares, dificultando assim a construção de uma identidade cultural. Sendo assim foi necessário desenvolver um trabalho através da arte abstrata que não possui o compromisso em copiar a natureza tal qual como ela é vista, mas sim poder ser sentida, com outras formas de representação, explorando o ponto, a linha, as formas geométricas planas e espaciais, entre outras. Diante dessas realidades procurou-se desenvolver um trabalho a partir do conhecimento da arte e cultura serrana unindo ao conhecimento da forma abstrata, cujo objetivo principal é resgatar a cultura local e incentivar a expressão do aluno que muitas vezes não se considera capaz de realizar um trabalho artístico que possa representar uma estética pessoal de acordo com a sua personalidade e forma de ver o mundo. Para atingir os objetivos propostos foi feito um trabalho em nível de conhecimento sobre a arte abstrata enquanto movimento artístico que procura suprimir toda uma relação entre a realidade e a obra, entre as linhas e os planos, as cores e a significação que esses elementos podem sugerir ao subjetivo. Sendo assim, provoca no observador um espírito investigativo e curioso através das formas causando uma interação com a mesma. O cubismo também foi um movimento artístico de grande importância para nosso estudo, por apresentar objetos com todas as suas partes num mesmo plano, como se estivessem abertos e todos os seus lados no plano frontal em relação ao espectador. Com essa atitude de decompor os objetos possui um não compromisso de fidelidade com a aparência real das coisas significando uma reconstrução de uma nova realidade vista a partir de um outro ângulo.

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Sendo assim, importantes artistas foram utilizados para o estudo dessas novas concepções de realidades artísticas, como Kandinsky e Pablo Picasso, além da enorme contribuição de Miró por apresentar um universo surrealista aliado ao abstracionismo através de imagens com cenas oníricas e paisagens imaginárias. O desafio do trabalho foi exatamente interagir o mundo real e o seu figurativismo objetivo com a forma abstrata subjetiva, utilizando composições com linhas diversas ou formas geométricas planas e espaciais em um mesmo plano sobrepostas. Para a interação com a realidade objetiva, utilizamos o conhecimento da cultura local, os patrimônios históricos e alguns símbolos da cultura popular como o congo e a produção da casaca. As turmas então visitaram alguns locais que serviram de laboratório para suas pesquisas. Foram eles: a Casa de Pedra em Jacaraípe, com a exposição de obras de esculturas abstratas do artista Neusso, cujo material eram galhos de árvores mortas, ressaltando a importância da preservação do meio ambiente, a Igreja dos Reis Magos, a Associação de Bandas de Conto da Serra e por último a Casa do Congo Mestre Antônio Rosa, onde tivemos contato com o artista e artesão Tute que também possuindo uma consciência ecológica falou sobre a produção de uma casaca com materiais alternativos. Vivenciado a realidade objetiva através de um contato mais próximo com a cultura regional, os alunos puderam então produzir seus trabalho aliando os conhecimentos adquiridos da arte abstrata e a arte figurativa, construindo um processo de abstração a partir dos símbolos culturais serrano. Esse trabalho teve resultados surpreendentes, pois fez com que os alunos resgatassem sua auto-estima ao perceber que a arte não necessariamente deve ser a representação da realidade (da natureza), por isso a habilidade de copista não é tão importante. Cada um pode se expressar de forma pessoal e subjetiva produzindo a partir do seu olhar uma nova realidade, além de construir uma identidade cultural, ou seja, partimos de conhecimentos de uma arte internacional, com o cubismo e arte abstrata e seus respectivos artistas, para uma realidade cultural regional, valorizando a produção artística local assim como seus artistas construindo assim um olhar figurativo e abstrato sobre a cultura serrana.

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É “nóis” na foto! Luciano de Oliveira Graduação em Artes Visuais/UFES A experiência relatada foi promovida na Unidade do SESI em Maruípe, no ano letivo de 2007, com 14 alunos que cursavam o 1º ano do ensino médio. No ano seguinte o projeto fora inscrito na 9ª edição do Prêmio Arte na Escola, sendo pré-selecionado na fase regional.

Introdução A tecnologia invadiu o cotidiano das pessoas, no trabalho, na escola e no lazer, concordando assim, com pensadores contemporâneos e a mídia em geral, que o ser humano vive atualmente numa “sociedade tecnológica”. No ambiente escolar tal processo se resume no uso da internet. Especificamente no ensino da arte pode contar com uma variedade de mecanismos motivando uma diversidade quase infinita de estilos individuais, transformando a representação da arte, aproveitando os elementos digitais para sua concepção virtual. Esse contexto esclarece as motivações desse projeto: agregar o uso do computador não apenas em pesquisas na internet, mas aproveitá-lo como ferramenta fundamental na composição artística, através de programas gráficos e da manipulação de imagens. Inicialmente o titulo aludi a questão do retrato. E é nesse argumento que se estrutura o projeto, ou seja, a construção do auto-retrato usando mídias digitais, no caso a máquina digital fotográfica e o computador. O tema fora sugerido pelos próprios alunos, sendo inflexíveis quanto ao emprego do coloquialismo “nóis”. A questão de trabalhar o auto-retrato; de estar intervindo na própria imagem é um grande atrativo para os alunos. O alcance de explorar suas identidades e transmiti-las, de forma concisa e irreverente, foi algo possível nesse projeto. A inclinação positiva dos alunos sempre fora observada quando se sugeria aulas no laboratório de informática, isto em qualquer que fosse a disciplina. Esse fator fora essencial para a execução do projeto, conseqüentemente despertou nos alunos a curiosidade e posteriormente o interesse a dedicação no decorrer do plano.

Objetivo Geral Aproximar o aluno às performances da arte digital.

Objetivos Específicos • Promover a experimentação e composição da arte digital com o auxílio da máquina digital fotográfica e do computador;

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• Proporcionar a análise e a compreensão do movimento Pop Art, focado na estética norte-americana, estabelecendo relações com a vanguarda brasileira; • Promover a experiência de trabalhar o auto-retrato; • Realização de estudos cromáticos;

Desenvolvimento Do Projeto (Metodologia) Inicialmente foram apresentadas, de forma expositiva e teórica, as características do movimento Pop Art, focados na experiência americana, notando o grande prestígio do artista Andy Warhol, que retratou pessoas famosas em suas composições (símbolo da sociedade consumista/capitalista). No mesmo contexto ressaltou-se o Pop Art no Brasil, que se caracterizou pela temática militante dos artistas durante a ditadura, mas não divergindo do emprego plástico do modelo americano. Restringindo ao encerrando da parte de História da Arte, foi solicitada uma pesquisa para levantar alguns indícios do auto-retrato. No caso, a experiência de alguns artistas como Van Gogh, foi a mais expedida nessa pesquisa. Posteriormente, os alunos se auto-fotografaram por meio de uma câmera fotográfica digital, usando um tripé de apoio e programando as máquinas para fotos automáticas. Continuando a experiência digital, foi apresentada uma aula no laboratório de informática, demonstrando algumas ferramentas básicas dos programas a serem usados no projeto (Photoshop e Paint Brush). Nas aulas seguintes, com o auxílio dos computadores, os alunos fizeram a conversão de suas fotografias para o modo Estampa, utilizando o programa Photoshop. Posteriormente veio a utilização do programa Paint Brush, para a realização de vários estudos cromáticos das fotografias, concluindo numa montagem de repetições de imagens. O resultado da composição de seus auto-retratos, baseados nos moldes estéticos feitos por And Warhol (retratos de pessoas populares nos anos 60 e 70), foram finalizados através de impressões coloridas em papel couchê no formato A4, e posteriormente apresentados numa exposição no mural da escola.

Avaliação/Retorno No campo da história da arte foi ofertado aos alunos mais um aprofundamento sobre os aspectos e características de alguns movimentos e seus respectivos representantes. Abordando a temática do auto-retrato, a percepção e construção de sua identidade estabeleceram um referencial estético, revelando aspectos como simetria, proporção, expressão, além da experimentação cromática. A aproximação da construção artística a partir de processos tecnológicos apresentou uma nova condição de se conceber a arte. Mesmo que de forma simples, o conhecimento de algumas ferramentas dos programas

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utilizados, revela aos alunos a capacidade de buscar o aprendizado dos mesmos e a possibilidade de expandir para outros. Dessa forma, acredita-se em novos horizontes para futuras descobertas tanto técnicas quanto artísticas. Referências Apostila Sistema Positivo de Ensino. Gráfica e Editora Positivo S/A, Curitiba –PR, 2007; Coleção Grandes Mestres da Pintura. Folha de São Paulo, 2007; http://www.portalpoisitivo.com.br; http://www.enciclopedia.com.br/ http://www.pitoresco.com.br; http://www.vangoghmuseum.nl; http://www.warhol.org;

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Olhos Atentos às Linguagens Híbridas da Arte Contemporânea Maria Angélica Vago Soares Licenciada em Educação artística/UFES Pensar no ensino dos elementos pertencentes à Arte Contemporânea não significa que estamos deixando de lado o ensino das artes de nossos antepassados. O aprendizado de ambos os signos é necessário, já que convivemos com produções artísticas clássicas e atuais. Levar o aluno a conhecer, refletir e compreender as diversas formas de linguagens artísticas é importante, para evitar a restrição a um só tipo de abordagem. De acordo com os PCN (1997), os objetivos gerais do Ensino da Arte para o Ensino Fundamental, se caracteriza por um ”conjunto” de conteúdos que está articulado dentro do processo de ensino-aprendizagem. Tem como base a vivência por intermédio de ações com três eixos norteadores: produzir, apreciar e contextualizar (PCN-Arte, p.49). Ressalto que, defendida por Ana Mae Barbosa, a Proposta Triangular representa a tendência do resgate dos conteúdos específicos da área de Arte, na medida em que apresenta como base para a ação pedagógica os três eixos que dizem respeito ao modo como se processa o conhecimento em arte. Um currículo que interligasse o fazer artístico, a história da arte e a análise da obra de arte estaria se organizando de maneira que a criança, suas necessidades, seus interesses e seu desenvolvimento estariam sendo respeitados e, ao mesmo tempo, estaria sendo respeitada a matéria aprendida, seus valores, sua estrutura e sua contribuição específica para a cultura. (Barbosa, p.35).

A Arte Contemporânea está presente no nosso cotidiano repleto de linguagens artísticas. Para alinhar todas essas linguagens é importante que aconteça a decodificação a partir da sensibilização, reflexão e fruição de maneira prazerosa, envolvida de práticas, num desvendar lúdico; contextualizar e oportunizar momentos de leituras de imagens significativas é indispensável para formação de cidadãos com olhares sensíveis e aptos à filtragens das linguagens que os cercam. Desta forma, o presente trabalho tem como propósito apresentar um relato de experiência a partir do Projeto “Olhos atentos às linguagens híbridas da arte contemporânea” desenvolvido na Escola Municipal de Ensino Fundamental “Jorge Amado”, pertencente a Rede Municipal de Educação da Serra/ES. Provocar e instigar a busca de experimentações de técnicas; estimular e sensibilizar a capacidade dos alunos de perceber, criar, recriar e interagir; bem como, valorizar a poética pessoal e coletiva, num pensar sócio cultural da comunidade escolar foram alguns dos objetivos deste projeto. Em 2008, trabalhando com duas turmas de 5ªs séries, totalizando 88

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alunos, percebi que havia dispersão e desinteresse com o trabalho proposto naquele momento. A partir de sondagens, notei o interesse das turmas em experimentar materiais artísticos e conhecer obras da Arte Contemporânea. Através de algumas sugestões feitas por eles, fui ao Pólo de Arte da Universidade Federal do Espírito Santo, escolhi alguns DVDs e entre eles, “Recortes de Leda Catunda”. Percebi que Leda Catunda era a artista que eu buscava, devido a diversidade de materiais e técnicas artísticas que utiliza e por seu jeito simples e acessível ao público. As produções plásticas da artista, nascida em 1961 e formada em artes plástica pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado, encontramse no cenário contemporâneo. Ela busca dialogar entre os tênues limites da pintura convencional, da bidimensionalidade e da potencialidade de materiais inusitados enquanto elementos expressivos. A convivência com objetos e meios artísticos ajuda a criança a aprender a apreciar a arte produzida pelos artistas de seu e de outros países, enquanto continua a se expressar pessoalmente em atividades artísticas. A apreciação é sempre um ato criativo e imaginativo e não, como muitos pensam, uma manifestação da passividade. (FERRAZ E FUSARI, 1993, p.110).

O primeiro contato dos alunos com a artista contemporânea Leda Catunda, foi através do DVD. Em seu ateliê, ela nos mostrou como utiliza os tecidos, as tintas, as argolas, a costura, entre outros. Alegre e bem à vontade ela falou da importância das visitas, com seus pais as Bienais de Arte, quando criança. Comentou sobre suas férias, em Campinas, onde observava a avó costurando e a influência destes contextos. A apresentação do vídeo nos oportunizou momentos de trocas de vivências e experiências. Fizemos uma pesquisa sobre a história pessoal da artista, sua trajetória, suas relações e diálogos com a cultura contemporânea e confeccionamos cartazes enfocando o assunto pesquisado. Apreciamos algumas obras do livro de Tadeu Chiarelli – Leda Catunda. Algumas obras da artista foram ampliadas e expostas para os alunos. Uma das obras que chamou a atenção do grupo foi “Mosca III”, 1994. Inicialmente a sensação de alguns alunos foi de “nojo”, isso porque ao pensar em moscas nos remetemos aos seus hábitos e doenças transmitidas. Esta obra também nos fez refletir sobre a importância da higiene pessoal e dos alimentos. Partindo da leitura de mundo sugerida pela obra, comentamos sobre a parte formal da obra, verificamos as cores, as formas, o volume, o material utilizado etc. Então cada aluno produziu um inseto, utilizando lápis de cor. O resultado desta produção foi um mural com os trabalhos; moscas, joaninhas, baratas, borboletas, entre outros. A obra “Babados com janelinha”, 1989, foi a segunda obra a ser apresentada. A leitura desta obra foi feita inicialmente pelo centro da imagem: a janela. Os alunos foram além da imagem vista. Surgiram questionamentos dos alunos; o que poderia ter atrás daquela janela? O que a artista estaria omitindo de nos mostrar? A janela estava fechada. Por quê? As sugestões

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foram: o quarto da artista; uma bela paisagem; um tesouro: coisas desarrumadas; uma mesa gigantesca de doces, entre muitas outras sugestões. Para Rebouças, diante de uma obra de arte, intuição, raciocínio e imaginação atuam tanto no artista quanto no leitor, e essa experiência é muito importante para o desenvolvimento do conhecimento a cerca da arte. As cores, o volume, as linhas, as texturas desta obra foram observadas e comentadas. Refletimos sobre os diferentes tipos de janelas, observamos a janela da nossa sala, lembramos as janelas de nossas casas, dos locais que frequentamos; falamos sobre suas características, locais de fabricação e sobre a importância do reflorestamento após a retirada de árvores para a fabricação de janelas de madeira. Em duplas, sugeri produções com o tema: Janela. Eles desenharam suas janelas; janelas abertas com o sol nascendo, janelas com a vista para um jantar romântico, janelas de vidro... Imaginação não faltou! Cada dupla fez babadinhos para a janela e após a conclusão do trabalho, escreveu sobre a experiência vivida e relatou-a para a turma. Um aluno trouxe um isopor de forma retangular e com um recorte no meio parecendo uma janela. Rapidamente alguns alunos pegaram retalhos de tecido e fizeram uma cortina. Surge a ideia, diante da produção de preencher o espaço recortado com um espelho. Neste momento, refletimos sobre as nossas diferenças ao olharmos no espelho e ver nosso rosto refletido. Quanto mais o aprendiz tiver oportunidade de ressignificar o mundo por meio da especificidade da linguagem da arte, mais poder de percepção sensível, memória significativa e imaginação criadora ele terá para formar consciência de si mesmo e do mundo. (MARTINS, PICOSQUE, GUERRA, 1998, p: 162).

Apreciamos algumas obras da artista com formas de gotas. Descobrimos que a artista fala da construção a partir de fragmentos. Refletimos sobre a obra “Gotas laranja”, 1996; os alunos perceberam a utilização de argolas para a união das gotas, notaram as diferentes nuances da cor laranja, as linhas, as pinceladas e a fragmentação numa visão de união, a partir da proximidade e colocação das argolas. Cada aluno fez a sua gota, utilizando a cor de sua preferência. Surgiu, então, a ideia de produzir grandes painéis, experimentando a fragmentação e união das formas. Formamos grupos, cada um escolheu uma forma. Estas formas foram desenhadas e pintadas pelos grupos várias vezes em tamanho pequeno. O resultado foi a construção de painéis grandes com formas pequenas, por exemplo: barcos pequenos davam origem a um grande barco, assim como as flores, os corações, os morangos entre outros. Em algumas obras a artista utiliza cortina plástica de banheiro. Diante disso, pedi aos alunos que trouxessem cortinas de banheiro fora de uso para utilizarmos em nossas criações artísticas. Alguns alunos trouxeram as cortinas, recortamos as imagens (peixinhos, cavalos marinhos, estrelas do mar etc.) e utilizamos para produzir painéis com pinturas de fundo do mar, usamos tinta acrílica.

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A apropriação pode ser entendida pela atitude da colagem quando fica mais fácil ou mais forte “falar através” de alguma imagem ou material do qual nos apoderamos do que tentar criar algo do nada. Cria-se um sentido de soma, de adição, a apropriação acontece para reforçar uma imagem e ao mesmo tempo lançar indícios para fora dela, criar referências exteriores como se fossem pontes entre o que está sendo criado e o que já existe no mundo e está agora sendo apropriado. (Catunda, 2009).

“Xica, a gata/Jonas, o gato”, 1984, foi outra obra apreciada pelas turmas das 5ªs séries. Fizemos a leitura e reflexão da obra; falamos sobre a afinidade da artista com gatos (que aparece no vídeo, em seu ateliê). Reservei um momento para os alunos falarem sobre seus animais de estimação. Cada aluno desenhou e pintou um gato, fez um rabo utilizando a técnica da reciclagem de papel. Cada qual deu um nome para o seu gato, escreveu sobre ele e leu para a turma. Desta produção surgiu um poema sobre os felinos escrito por mim. A experimentação da costura não poderia faltar! Utilizamos retalhos de tecidos, agulhas, tesouras e linhas. A princípio fiquei um pouco apreensiva quanto à utilização da agulha pelos alunos, pois para a maioria deles foi o primeiro contato com a ferramenta. Porém a vivência foi tranquila, devido a toda uma preparação anterior. Os alunos cortaram e costuraram roupas para bonecas, almofadinhas, bolsinhas etc. Alguns alunos produziram costuras em casa com participação das famílias e trouxeram para a sala de aula. Das costuras surgiu um painel de tecido, onde inserimos as produções e complementamos com pinceladas de tinta acrílica. Instalamos o painel na parede e abaixo deste colocamos uma mesa com as bonecas “modelos” vestidas com as roupas confeccionadas. Montamos a exposição dos trabalhos, no anexo da escola. Os alunos fizeram a apresentação do projeto no datashow para todas as turmas da escola no auditório e logo após o público era encaminhado, com alunosmonitores, para apreciação e leitura dos trabalhos expostos. Um trabalho planejado, elaborado e com participação dos alunos obteve resultados gratificantes. A colaboração, a dedicação, a participação das famílias foi visível durante o desdobramento do projeto, inclusive nas visitas à exposição dos trabalhos. Os momentos propiciados aos alunos, de experimentações; apreciações e reflexões; viabilizaram a sensibilização quanto à arte e sua diversidade; o pensar coletivo e individual; a relação cultura, sociedade e trabalho abrangendo o contexto sócio-cultural contemporâneo. A prática artística sofreu influência do meio ao mesmo tempo em que suas ações provocaram uma reação no meio, expressa em reações afetivas e comunicativas que modificaram a vivência, transportando-a do pensar/refletir pessoal para o social. Acreditando que o projeto foi de grande contribuição para a formação de cidadãos mais conscientes e alinhados com a sociedade contemporânea. O ponto culminante deste trabalho foi a Inscrição do projeto na MACC - Mostra Artística Cultural e Científica - da Serra que nos proporcionou

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uma viagem a São Paulo, a espaços culturais e de lazer, viagem esta feita por mim e três alunos representando as 5ªs séries. Referências BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte, São Paulo, Perspectiva, 2001. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. CATUNDA, Leda. Apropriação em arte contemporânea. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por < ledacatunda@uol.com.br) > em 13 abr. 2009. CHIARELLI, Tadeu; LAGNADO, L; HERKENHOFF, P. Leda Catunda. São Paulo: Cosac & Naify, 1997. FERRAZ, Maria Heloisa e FUZARI, Maria Felisminda. Metodologia do ensino da arte. São Paulo: Cortez, 1993. MARTINS, Mirian Celeste, PICOSQUE, Gisa. GUERRA, Terezinha. Didática do ensino da arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 1998. REBOUÇAS, Moema Martins. No passo à passo de uma teoria, um caminho de leitura. Disponível em http://www.nupea.fafcs.ufu.br/atividades/1-ERRAE-e-4SRAEA/1-ERRAE-e-4-SRAEA-PALESTRA-MoemaMartinsReboucas.pdf. Acesso em: 31/março. 2009.

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Impressões em Defesa da Vida Artes Visuais: Xilogravura Maria da Penha Fonseca Mestre em Educação/UFES A proposta de ensino da Arte tem como função levar o aluno à apropriação do conhecimento estético, contextualizando-o, dando um significado à arte dentro de um processo criador, que transforma o real, produzindo novas maneiras de ver e sentir o mundo. Pensando nessa proposta, foi realizado o projeto Impressões em defesa da vida, proporcionando aos alunos o conhecimento de textos verbais e imagéticos presentes na Literatura de Cordel e nas impressões em Xilogravura. O projeto foi desenvolvido com quatro turmas de 1ª série do Ensino Médio, num total de 158 alunos, num período de realização de um trimestre. Devido à diversidade temática da Xilogravura na Literatura de Cordel, utilizamos uma metodologia que favoreceu a compreensão do assunto e estimulou a participação dos alunos no trabalho. Tal apresentação se deu via projeção de vídeo, pesquisa de imagens e textos na Internet, leitura em textos informativos e produção e impressão de Xilogravura. Fascinados pela riqueza da Literatura de Cordel, os alunos denominaram-na como poesia popular recitada oralmente. Em suas pesquisas descobriram que o cordel passou a ser impresso em folhetos ilustrados, que atualmente são vendidos em feiras, mercados e bancas de jornal. Essas publicações, que contam histórias em versos, tiveram origem na Europa, na Idade Média, quando os trovadores divulgavam romances de cavalaria, que contavam histórias de amor e de guerras. No século XVII, já era comum entre os portugueses esse tipo de literatura. Ela é uma tradição da região nordeste do Brasil, mas que ocorre também em outros paises como a Itália, a Espanha e o México. Essa denominação está ligada à forma de comercialização dos folhetos em Portugal, que eram pendurados em cordões, chamados cordéis. Popularmente essas obras são conhecidas como folhetos de cordel. Inicialmente, os autores de literatura d cordel no Brasil eram também cantadores, que improvisavam versos, viajando pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. Mais tarde, os poetas começaram a imprimir em suas casas os poemas e as ilustrações, que eram entalhadas em madeira por meio da Xilogravura. Essas obras passaram a ser vendidas em locais populares por folheteiros. O poeta popular narra acontecimentos cotidianos e histórias fantásticas. Na criação dos folhetos, os temas são os mais diversos. Neles são contadas as histórias de cangaceiros, como Lampião, e a vida e milagres dos santos. Também são temas o futebol, histórias de amor e acontecimentos políticos importantes. Alguns artistas que trabalharam com ilustrações para cordel tornaram-se conhecidos e já participaram de várias exposições nacionais e

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internacionais. Um exemplo é Goeldi. Na pasta arte br (material pedagógico), realizamos a apreciação e leitura das imagens promovendo questionamentos relativos à composição plástica e estética das obras, levando-o a refletir sobre os temas propostos nas obras artísticas de: • Oswaldo Goeldi – “Peixe vermelho”, 1983, xilogravura a cores, MAC USP. • _______ - “Noturno”, 1950. Xilogravura, 17,5 x 18,7 cm. MAM / SP. • Lívio Abramo – “Rio”, 1951. Xilogravura, 25 x 13 cm, MAM / SP. • Rubem Grilo, “Malabarismo”, 1984, Xilogravura, 23 x 33 cm, Museu da Gravura Brasileira RS. • João Câmara, “Retrato silencioso”, 1975. Litogravura, 54,5 x 38,1 cm. Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. • Rubem Valentim, “Logotipos poéticos de cultura afro-brasileira”, 1974. Serigrafia sobre papel, 56 x 36 cm. Museu de Arte Contemporânea de Goiás, GO. O exercício proposto foi da realização de um percurso visual na obra, observando atentamente cada detalhe da obra e depois tecer comentários com os demais colegas sobre o que a obra provoca e/ou faz refletir considerando o contexto social, histórico ou cultural. Após esse momento, elaboramos estudos/desenhos em papel, depois a transferência deste para a placa de MDF para a elaboração da matriz de Xilogravura, o trabalho com as goivas e finalmente a impressão das imagens. Cada aluno buscou expressar suas idéias e sentimentos de forma plástica sobre a temática da Campanha da Fraternidade 2008 - Fraternidade e Defesa da Vida / “Escolhe, pois, a vida” em sua produção. Durante o desenvolvimento, observamos que todas as etapas foram gratificantes e proveitosas, e os resultados obtidos altamente significativos, pois houve pesquisa, questionamento, criação, busca, aprendizado, enfim, um verdadeiro despertar para a Arte. Acreditamos que o referido projeto pode ser desenvolvido não só em qualquer Instituição de Ensino que valorize a Arte e a formação integral do aluno, como também abrir-se para uma produção considerada mais popular, despertando a sensibilidade para o diálogo com outras formas de Arte. Referências KOSSOVITCHI, Leon; LAUDANNA, Mayra. Gravura: arte brasileira do século XX. São Paulo: Cosac & Naify / Itaú Cultural, 2000. NAVES, Rodrigo. Goeldi. São Paulo: Cosac & Naify, 1999 IAVELBERG, Rosa. Ensino de Arte. São Paulo: Thomson Learning, 2006. Coleção Idéias em Ação. Instituto Arte na Escola. Arte br. (Material educativo – pranchas com reproduções de obras artísticas). Vídeo Cantando e contando histórias – Telecurso 2º grau - Fundação Roberto Marinho

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Arte e Patrimônio Maria da Penha Fonseca Beatriz Rabello Escola Estadual de Ensino Médio Godofredo Schneider A proposta de ensino da Arte tem como função levar o aluno à apropriação do conhecimento estético, contextualizando-o, produzindo novas maneiras de ver e sentir a arte presente no seu entorno e no mundo utilizando as diferentes linguagens artísticas. Pensando nessa proposta, foi realizado o projeto Arte e Patrimônio, proporcionando aos alunos o conhecimento do conceito de Patrimônio Histórico Cultural da Humanidade, o olhar apreciativo nas Sete Maravilhas do Mundo Moderno, As Sete Maravilhas do Brasil, o olhar no entorno da escola: Sítio Histórico Cultural de Vila Velha – ES e a aplicação do registro fotográfico em outras linguagens artísticas, tais como: desenho, pintura, gravura, serigrafia e vídeo. Tal estudo integra a nova Proposta Curricular de Ensino da Arte na Rede Estadual de Educação elaborada para o ano letivo de 2009 e vem sendo desenvolvida com dez turmas da 1ª série e seis turmas da 2ª série do Ensino Médio na EEEM Godofredo Schneider, localizada na Prainha de Vila Velha/ES. A escola está localizada dentro do Sítio Histórico Cultural de Vila Velha, que possui a Capela e Portal de entrada Convento da Penha (estrada velha), a Igreja do Rosário, o Convento da Penha, o Forte São Francisco da Barra, a Praça da Bandeira, a Praça Almirante Tamandaré, a Casa Ateliê Homero Massena, a Casa da Memória e algumas casas residenciais que preservam fachadas originais de época, no entanto algumas residências foram alteradas ou mesmo demolidas e construídos outros estilos, lojas e/ou prédios no local. Além de muitos outros espaços dentro do próprio município. Entre os objetivos propostos destacam-se: • Compreender as diversas manifestações da Arte, suas múltiplas linguagens por diferentes grupos sociais e étnicos, interagindo com o patrimônio nacional e internacional, em sua dimensão sócio-histórico- cultural. • Pesquisar, identificar e relacionar as manifestações artísticas culturais, em diferentes tempos e espaços históricos. • Conhecer e analisar diferentes monumentos culturais como objetos históricos e de patrimônio da humanidade. • Explorar diversas fontes de representação artísticas (bibliotecas, jornais, revistas, vídeos e catálogos). • Registrar com fotografia monumentos arquitetônicos e edifícios de Vila Velha/ES. • Construir e aplicar conceitos aprendidos em outras linguagens artísticas: desenho , pintura, gravura e vídeo. O estudo vem sendo desenvolvido desde fevereiro/2009 e sendo desenvolvido em etapas, descritas abaixo, algumas já contempladas e outras a

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serem propostas, elaboradas e/ou reelaboradas conforme a participação dos alunos e as condições que nos forem proporcionadas. 1ª Etapa: APRECIAÇÃO E COMENTÁRIOS SOBRE: • As sete maravilhas do Mundo Moderno: Chichen Itzá (México), Coliseu (Itália), Muralha da China (China), Machu Picchu (Peru), Cristo Redentor (Brasil), Petra (Jordânia), Taj Mahal (Índia); • As Sete maravilhas Brasileiras: Teatro Amazonas (AM), Fortaleza de São José (AP), Fortaleza dos Reis Magos (RN), Mercado Ver-o-Peso (PA), Natividade (TO), Catedral da Sé (SP), Ouro Preto (MG). 2ª Etapa: PESQUISA DO CONCEITO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL E PESQUISA VISUAL DE MONUMENTOS HISTÓRICOS CULTURAIS DA HUMANIDADE (realizadas no Laboratório de Informática) O termo patrimônio histórico cultural se refere a imóveis, móveis ou bens naturais que tem valor significativo e representação na história. A preservação destes começou no século XIX com a restauração de antigas construções destruídas parcial ou totalmente no período da Segunda Guerra Mundial e durante a Revolução Industrial. Seus primeiros conceitos partiram dum arquiteto francês chamado Eugène Emannuel Viollet-le-Duc que também foi o precursor da arquitetura moderna. Devido à pressão social para preservar bens de valores simbólicos e históricos criou-se o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional _ IPHAN em 1937 que classifica a partir de então patrimônios em: Imaterial: Considerando expressões, conhecimentos, práticas, artefatos, lugares e grupos. Material: Considerando bens culturais, bens móveis, bens imóveis como, por exemplo, belas artes, sítios arqueológicos e acervos museológicos. Outro órgão importante no reconhecimento de monumentos é a UNESCO que sob parceria, colabora para preservar o patrimônio cultural (Por Gabriela Cabral - Equipe Brasil Escola.com. (Disponível em: http://www. brasilescola.com/curiosidades/patrimonio-historico-cultural.htm). 3ª Etapa: FOTOGRAFIA • Conceito • Funcionamento de uma máquina fotográfica • Apresentação de vídeo: Projeto Gênesis, de Sebastião Salgado • Apreciação de imagens fotográficas e desenho de observação – Projeto Gênesis. 4ª Etapa: Conhecendo VILA VELHA Os espaços localizados mais próximos da escola estão sendo visitados pelos alunos no horário da aula de Arte e os mais distantes fotografados por alunos que residem próximo aos locais, uma vez que a clientela do Godofredo vem de diferentes bairros de Vila Velha. • 3ª Ponte

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• Barra do Jucu (Ponte da Madalena e Ateliê Kleber Galveas) • Capela e Portal de entrada do Convento da Penha • Casa Ateliê Homero Massena • Casa da Memória • Casas antigas de Vila Velha • Convento da Penha (muitos alunos nunca tinham ido até o alto do morro) • Farol de Santa Luzia • Forte São Francisco da Barra • Igreja do Rosário • Igreja Nossa Senhora dos Navegantes (Ponta da Fruta) • Museu Vale • Praça Duque de Caxias (Centro de Vila Velha) • Santuário Divino Espírito Santo Durante as visitas os alunos deverão realizar: • Pesquisa Visual – registro dos monumentos em diferentes técnicas artísticas: fotografia e filmagem; • Produção de Relatório com histórica e condições de conservação do espaço. • Coletânea de Catálogos e Folders disponíveis no local. 5ª Etapa: OUTRAS LINGUAGENS a) Conhecendo as linguagens artísticas • Desenho • Pintura • Gravura • Serigrafia • Vídeo b) Apreciação de obras artísticas nas diferentes linguagens artísticas c) Produção Plástica – cada aluno escolherá uma linguagem artística para expressar suas ideias, pensamentos e/ou críticas a partir do registro fotográfico dos espaços arquitetônicos de Vila Velha. Posteriormente propomos Exposição das produções plásticas desenvolvidas pelos alunos: 1) No Colégio 2) No Shopping Praia da Costa Visando uma proposta interdisciplinar convidamos outras áreas de conhecimento: • Carta aberta sobre Vila Velha para a população; • Palestra com o Prefeito ou Secretário de Cultura, Meio Ambiente entre outros; • Estudo do Mapa de Vila Velha (Bairros novos) Referências BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. _______.( org.) Arte- educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997. _______.(org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte.São Paulo: Cortez, 2002.

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BUORO, Anamélia Bueno. Olhos que pintam O olhar em construção: uma experiência de ensino e aprendizagem da arte na escola, São Paulo: Cortez, 1996. COSTA, Fabíola, CAMPOS, Neide Pelaez( org.).Artes Visuais e Escola: para aprender e ensinar com imagens.Florianópolis:NUDEC/UFSC,2003. COSTA, Marisa Vorraber(org.).O currículo nos limiares do contemporâneo.Rio de Janeiro.D&A,2003. FERREIRA, Sueli (org.) O Ensino das Artes. São Paulo: Papirus, 2001. HERNÁNDEZ, Fernando.Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. PILLAR, Analice Dutra( org.). A Educação do olhar: no ensino das artes. Port Alegre: Mediação, 1999. COLEÇÃO AS SETE MARAVILHAS DO MUNDO MODERNO, Revista CARAS / HSBC. Editora CARAS S.A.: São Paulo. COLEÇÃO AS SETE MARAVILHAS BRASILEIRAS, Revista CARAS / HSBC. Editora CARAS S.A.: São Paulo. Sites: www.brasilescola.com/curiosidades/patrimonio-historico-cultural.htm www.cultura.pe.gov.br/patrimonio.html www.iphan.gov.br www.iepha.mg.gov.br www.revistaturismo.com.br/artigos/patrimoniocultural.html www.predioshistoricos.ufrgs.br www.direitonet.com.br/artigos/exibir/.../Tombamento-Conservacao-do-patrimoniohistorico-artistico-e-cul... www.fera.pr.gov.br/fera2004/arquivos/arquivos/of_alunos_patrimonio.pdf

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“Clipando” Relato de Experiência Educativa Priscila Lorena Valadão EEBP “Dr. Ronaldo Young Carneiro da Rocha” - Fundação Bradesco - Vila Velha/ES Série:1ºs anos do Ensino Médio, ano: 2006 “[...] habitamos um mundo que vem trocando sua paisagem natural por um cenário criado pelo homem, pelo qual circulam pessoas, produtos, informações e principalmente imagens. E, se temos que conviver diariamente com essa produção infinita, melhor será aprendermos a avaliar essa paisagem...” (COSTA, Cristina. Questões de Arte: a natureza do Belo, da percepção e do prazer estético. São Paulo: Moderna, 1999, p.9.)

Justificativa Sabemos que a música faz parte de nosso cotidiano, seja para festejar, divertir ou expressar sentimentos e emoções. Porém, para compreendermos melhor o sentido da música, precisamos conhecer as diferentes funções que ela cumpre na vida das pessoas, nas diferentes culturas e sociedades. Durante muito tempo na história acreditou-se que a música era uma combinação perfeita de notas musicais que produzem som. Porém, a partir do século XX, experiências radicais e surpreendentes modificaram esse conceito. Muitos compositores, com o intuito de criar novos sons, incorporaram em suas produções vários objetos sonoros, aproveitando as mais diversas possibilidades por eles produzidas. Essa busca caminhou passo a passo com o avanço tecnológico, culminando no surgimento da guitarra elétrica, na década de 50, e do sintetizador de som, na década de 60. A criação desses “aparatos tecnológicos” revolucionou o mundo da música, proporcionando a criação de sons totalmente novos e gerando o que hoje denominamos “música eletrônica”. Na atualidade, com a utilização das chamadas “Novas Tecnologias” e a popularização dos microcomputadores, modificaram-se ainda mais não só a produção como a “exibição” das músicas, através de um novo meio conhecido como vídeo-clip. A música deixa então de ser uma expressão simplesmente musical e torna-se gradativamente mais visual. O produtor/diretor passa a dar cada vez mais atenção às imagens e expressões corporais que, junto com a melodia, harmonia e letra da música, deverão expressar emoções, sentimentos, idéias e posicionamentos frente à realidade, por meio de um discurso visual rico em significados. Hoje, a indústria fonográfica e imagética transmite mensagens, conceitos e valores a nossa sociedade por meio de canais de TV específicos para a exibição de vídeo-clipes, ditando normas de como devemos agir, o que devemos vestir, do que devemos gostar, o que é bom, o belo etc. “Quando você assiste a um filme ou ouve uma música, é impos-

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sível interpretá-los desvinculados da sua história de vida e do momento no qual você vive a experiência estética. Você vê a obra de acordo com a sua ótica ou, de acordo com suas referências pessoais e culturais”.(MARTINS, Mirian Celeste, PICOSQUE, Gisa e GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do ensino da arte: a língua do mundo – Poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. (Col. Conteúdo e Metodologia)).

Porém, para lermos essas mensagens, precisamos compreender os seus códigos, e essa compreensão só se dá pela mediação. Mediar significa gerar a fruição, despertar no receptor não só um olhar crítico, sensível, como também despertá-lo para as diversas possibilidades que a imagem-música permite e a sua relação pessoal com elas. Daí a importância de trazermos para a aula de Arte manifestações desta natureza. O professor de Arte procura, respeitando a individualidade, encaminhar a formação do gosto, estimular a inteligência e contribuir para a formação da personalidade do indivíduo. Além disso, procura proporcionar a utilização e o aperfeiçoamento dos processos que desenvolvem a percepção, a imaginação, a observação, o raciocínio e o controle gestual, capacidade psíquica que influi na aprendizagem. Proporciona também, através do processo de criação, uma pesquisa da própria emoção, organizando pensamentos, sentimentos e sensações. (REVISTA NOVA ESCOLA: out.1999, 33-35). Na atualidade, os meios audiovisuais constituem-se na principal fonte de informação de nossa sociedade. Influenciam diretamente os hábitos e expressões de nossas crianças e adolescentes. Modos de ver o mundo, de sentir, de atuar, são orientados pela mídia e aceitos como modelos, por meio de uma linguagem não-verbal. Surge então uma questão: Como transformar texto musical em texto visual? De que forma utilizarmos a linguagem verbal e não-verbal para comunicar uma mensagem? Por isso, valendo-nos de uma sistematização básica, onde fizemos análises de filmes, reconstituindo verbal, gestual e visualmente o conteúdo desse filmes, além da análise de músicas e vídeoclipes, da produção de paródias e criação de vídeo-clipes (para essas paródias), vimos nas linguagens audiovisuais1 a possibilidade de promover essa “educação do olhar”, tanto no desenvolvimento de uma consciência crítica do educando frente à informação, quanto no suporte para alcançar objetivos pedagógicos específicos. É o que Taddei definiu em sua obra como: “educar com a imagem e educar para a imagem” (TADDEI, 1981). Educar com a imagem representa tirar proveito do fato de que os alunos estão acostumados a linguagem “contornual”2 permitindo reduzir o hiato de comunicação existente entre educando e educador (TADDEI, 1981). Educar para a imagem consiste em preparar o indivíduo para a realiPara o contexto específico desse trabalho utilizaremos o termo linguagem audiovisual para nos referir ao cinema e ao vídeo, apesar de conhecermos as diferenças existentes entre as duas linguagens. Entretanto, essas diferenças não influem no processo didático pretendido. 2 Linguagem contornual: linguagem da informação audiovisual. 1

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zação de uma leitura crítica das imagens, identificando o conteúdo mental do autor da comunicação e da própria comunicação em si. O presente trabalho buscou investigar as possibilidades de utilização das linguagens audiovisuais como recurso didático-pedagógico de educação com a imagem para a imagem. Pois contribui para a produção de novas vozes e faz com que o aluno se reconheça como cidadão, sendo capaz de refletir, opinar e até mesmo interferir na realidade que o cerca, ao mesmo tempo em que se constitui protagonista de seu processo ensino-aprendizagem. Por outro lado, podemos oferecer aos alunos novas perspectivas em diferentes campos de atuação profissional.

Objetivos Objetivo Geral: • Conhecer a linguagem do vídeo e utilizar-se dela na produção de um vídeo-clipe para uma paródia confeccionada pelos alunos, a partir da interpretação de uma música cantada em inglês. Objetivos Específicos: • Permitir uma expressão mais livre dos alunos com relação a elementos de identidades que se expressam no universo da música; • Estimular uma atitude crítica e de intervenção dos estudantes na discussão de temas; • Motivar os alunos para uma ação escolar de protagonismo e participação; • Permitir que os alunos possam criar e produzir seus próprios clipes; • Possibilitar aos alunos conhecerem, observarem e experimentarem novas formas de expressão; • Possibilitar o diálogo entre produção e aluno; • Demonstrar a força que a imagem possui ao transmitir a mensagem; • Estimular o olhar sobre o cotidiano de modo a desenvolver uma perspectiva crítica e estética. • Produzir textos utilizando a linguagem verbal e não verbal; • Analisar o conteúdo imagético de vídeo-clipes; • Traduzir textos em inglês; • Interpretar textos; • Conhecer a linguagem do vídeo; • Fazer uma paródia; • Produzir um vídeo-clipe.

Conteúdos Curriculares • O que é vídeo; • O que é um vídeo-clip; • Análise de imagens; • Análise de Vídeo Clip; • Linguagem do vídeo – Planos, ângulos, movimentos de câmeras; enquadramento, passagens, câmera objetiva e subjetiva;

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• Argumento, roteiro, story line e story board; • Análise de músicas; • Tradução de textos em inglês: letras de músicas; • Paródias: Linguagem verbal e não verbal; • Produção de vídeo-clip.

Metodologia Passo a Passo: 1º Momento – Preparação Nessa etapa, apresentamos o tema aos alunos, que discutiram e fizeram sugestões de como trabalhar o assunto em sala. Com o intuito de ampliar o conhecimento sobre o assunto, fizemos pesquisas em revistas, jornais, Internet e elaboramos um jornalzinho onde socializamos as informações levantadas. A partir dessas pesquisas os alunos compreenderam o conceito de vídeo e vídeo-clip. Aproveitamos então para trabalhar com os alunos a linguagem do vídeo: Planos, ângulos, movimentos de câmeras, enquadramento, passagens, câmera objetiva e subjetiva. Após conhecerem os elementos que compõe essa linguagem, realizamos exercícios onde os alunos precisavam utilizá-la. Inicialmente, utilizando imagens estáticas (reprodução de pinturas, fotografias etc) nas quais os alunos tentavam identificar planos, ângulos e enquadramentos, familiarizando-se assim com esses elementos. Depois, passamos a imagens em movimento (filmes, propagandas de TV e clips), analisando cada elemento da linguagem do vídeo. Nessa etapa do trabalho, aproveitamos para fazer uma avaliação com o grupo a fim de identificar se poderíamos avançar ou rever alguns elementos que ainda não estivessem muito claros. Percebemos que alguns alunos ainda apresentavam dúvidas quanto à aplicação dessa linguagem na produção de um vídeo-clip. Por isso, propusemos à turma que confeccionassem um vídeo de 1 minuto, para que pudessem se familiarizar com os processos de produção de roteiro, filmagem, decupagem e edição de um vídeo. 2º Momento – Atividade: Interação entre Arte, Inglês, Português e Informática Dividimos a turma em grupos de 09 alunos e lhes apresentamos a seguinte proposta de trabalho: cada aluno deveria trazer para sala uma música de sua preferência, cantada na língua Inglesa. Porém, o grupo deveria escolher dentre todas apenas uma, que seria traduzida por eles, interpretada e transformada em Paródia. A partir da Paródia criariam o seu vídeo-clip. Apresentada a proposta, os grupos se reuniram, discutiram e pensaram em uma forma de escolher a música que utilizariam. Na próxima aula, já de posse de suas músicas, reuniram-se novamente, ouviram suas músicas e, por meio de uma votação, selecionaram aquela que seria trabalhada por eles. Escolhida a música, junto com o professor de Inglês traduziram-na e interpretaram-na. Paralelo a isso, nas aulas de português trabalhavam linguagens verbais e não-verbais e produziam as paródias. De posse das paródias, os grupos passaram a desenvolver o roteiro para o seu vídeo-clip,

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onde definiam cenários, figurinos, locações etc. Buscando dar mais visualidade ao trabalho, produziram também o Story Board, no qual, por meio do desenho, mostravam quadro a quadro como seria a imagem mostrada pelo vídeo. Todo esse processo foi de extrema importância, pois facilitou a confecção do vídeo-clip. De posse do roteiro e do Story board, sabiam como coordenar cada ação na hora da filmagem. Muitos alunos contaram com a ajuda dos pais na hora de analisar as cenas que haviam filmado, na confecção do figurino, na escolha dos locais para locação, no transporte para o local combinado e no empréstimo de equipamentos como câmera digital e aparelhos de som. Terminada a gravação, passamos à etapa da edição. Para isso, utilizamos o programa MS Movie Maker no Laboratório de Informática. Com o auxílio do Professor de Informática organizamos as imagens na ordem que havia sido planejada – no roteiro e no Story Board - e inserimos o som, que eram as paródias cantadas pelos grupos. 3º Momento – Apresentação: Organizamos na sala um festival de clipes para a apresentação dos trabalhos. Nesse momento, cada grupo pôde observar o seu trabalho e o dos outros e perceber a diferentes possibilidades de produzir um trabalho com a linguagem do vídeo. Aproveitamos para avaliar, com o grupo, cada etapa do processo desenvolvido ao longo do projeto. Recursos a serem utilizados: • Livros, revistas, vídeos e sites específicos; • Laboratório de informática; • TV e vídeo; • Câmera de vídeo e foto digital; • Fita de vídeo; • TV e DVD; • Aparelho de som; • CD-RW para gravação.

Avaliação A avaliação aconteceu de forma processual, ou seja, a cada etapa realizada parávamos com a turma, fazíamos um “grupão” e avaliávamos quais foram os entraves percebidos durante a realização daquela etapa de trabalho e que soluções poderíamos encontrar. Quando necessário, retomávamos com o grupo alguns conceitos que não estavam claros e/ou impossibilitavam a comunicação de idéias. Durante o desenvolvimento do trabalho dos grupos, os alunos produziam um diário de bordo, onde relatavam cada passo na construção do projeto e sintetizavam os conteúdos aprendidos. Ao longo do trabalho e na apresentação dos resultados, observávamos o envolvimento de cada aluno com o projeto, o desenvolvimento/ cumprimento das atividades propostas. Observávamos ainda a qualidade na produção final, a coerência e a coesão com o tema e a criatividade na abordagem demonstrados pelo grupo. Foi muito prazeroso perceber que, a cada etapa do projeto, o grupo demonstrava mais envolvimento e o “despertar do olhar”, pois durante as

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“rodas de avaliação” comentavam que “passaram a olhar para a TV e para os filmes no cinema com outros olhos”, pois percebiam como os planos, enquadramentos, ângulos e câmeras eram utilizados e que função exerciam nas montagens das cenas. Alguns inclusive relatavam “que haviam descoberto um novo mundo”. O que acabou envolvendo a família, pois socializavam as “novas descobertas” com os pais, irmãos e amigos. E foi essa motivação que moveu e definiu as ações do nosso projeto. Alguns grupos propuseram inclusive que continuássemos o trabalho, produzindo “novas versões” para filmes de Cinema. Penso que a tecnologia utilizada pela linguagem audiovisual só será libertadora se for colocada nas mãos dos alunos para que estes possam pesquisar, avaliar, conhecer e conhecerse, descobrir novas possibilidades de expressão, fazer experiência de grupo em um esforço coletivo de criação, experimentar e experimentar-se. Não só a tecnologia do vídeo, como as tecnologias ligadas a outras linguagens audiovisuais geram diferentes possibilidades e oportunidades educacionais. O importante é que o educando descubra não só as possibilidades técnicas, mas sim como utilizá-las como instrumento de criação, expressão e comunicação. Vale ressaltar que, além da leitura crítica das imagens, propusemos também a criação de um produto audiovisual, a partir da leitura de músicas pré-selecionadas, recriando suas letras. Nesse processo, o aluno construiu seu conhecimento a partir de sua experiência pessoal mesclada aos conhecimentos técnicos-didáticos adquiridos na disciplina de Arte e na integração com as outras disciplinas, compreendendo a importância dessa integração para a formação do saber. Nesse processo, o meu trabalho era ouvir, diagnosticar e dirigir as ações, levando os alunos a refletirem sobre cada passo a ser dado. Mas eram eles quem geriam o seu trabalho. Confesso que em determinados momentos tive que me policiar para não ser diretiva demais nas ações. Precisei aprender a aceitar que os alunos precisavam construir o seu conhecimento e errar faz parte desse processo de construção. Vale ressaltar que as ações desenvolvidas nesse projeto se modificam de acordo com a especificidade do grupo em que o trabalho será desenvolvido. Por isso, num próximo trabalho, vamos propor a confecção de releituras de filmes como atividade de preparação para o trabalho. Referências Projeto Escola e Cidadania: Arte. Vídeo, igual a “eu vejo”. Paulo Marcelo Vieira. (et al.) São Paulo: Editora do Brasil, 2000. BUENO, A. B. O Olhar em Construção. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 1998 FDE - FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Multimeios aplicados à educação: uma leitura crítica. Cadernos Idéias, n.9, São Paulo, FDE, 1990. FERRÉS, Joan. Televisão e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. FERRETI, João. O filme como elemento de socialização na escola. In: Lições com Cinema, 4. São Paulo: FDE, 1995. http:// www.curtaocurta.com.br – página de cinema e vídeo na Internet – curta metragens. Acesso em março de 2006. http://www.films.com.br – página de Hugo Moss, roteirista e tradutor, autor do guia“Como

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formatar seu roteiro”, disponível também on line. Acesso março de 2006. MACHADO, Arlindo. A arte do Vídeo. São Paulo, Brasiliense, 1988. MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Editora brasiliense. MARTINS, Celeste F. Dias. O sensível Olhar-pensante: Premissas para a construção de uma pedagogia do olhar. In: Arte UNESP, São Paulo, 1993. v.9. MARTINS, Mirian Celeste. Didática do ensino da arte. São Paulo, FTD,1998. MORAN, José Manuel.Leituras dos Meios de Comunicação. São Paulo, Ed. Pancast, 1993. NAPOLITANO. Marcos.Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003. REVISTA NOVA ESCOLA, out. 1999, 33-35p. São Paulo: Fundação Victor Civita. As páginas mencionadas trazem a matéria “Parâmetros Curriculares Nacionais: Fáceis de entender – Arte”, do Ministério de Educação e Desporto – MEC. TADDEI, Nazareno. Educar com a Imagem. Volume II. Edições Loyola. São Paulo, 1981. FIELD, Syd.Manual do Roteiro: Os fundamentos do texto cinematográfico. Rio de janeiro: Objetiva, 2001. FRANCO, Marília.Natureza pedagógica das linguagens audiovisuais. In: Lições com cinema. São Paulo: FDE, 1993, p. 15-34.

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Falando de Flores Tânia Monnerat Licenciada em Educação Artística/UFES Como atrair a atenção para disciplina Arte de alunos do noturno que clamam por recuperar o tempo perdido nos estudos convencionais e que possuem como meta prioritária, dentro da escola, a aquisição da leitura, escrita, registro de numerais e habilidade para fazer contas? Como mostrar a esses alunos, na fase adulta, que arte não é atividade para criança como eles costumavam dizer? A experiência relatada ocorreu em 2008 na EMEF “Álvaro de Castro Mattos” que se localiza em um dos bairros de classe média da cidade de Vitória-ES, cuja clientela consta, em sua maior parte de trabalhadores do próprio bairro ou residentes em outras localidades próximas. Tratava-se de uma única turma de EJA na escola (somente no ano seguinte teve inicio a modalidade EJA em toda a escola) onde se concentrava aproximadamente 15 alunos do 1º segmento(1ª a 4ª série). A quantidade de alunos variava muito tendo em vista as faltas, afastamentos ou novas matrículas que ocorriam. A faixa etária dos alunos variava de 15 a 80 anos e alguns não estavam ainda alfabetizados. Confesso que inicialmente fiquei apavorada, tudo no ensino noturno era novo para mim e logo percebi o grande desafio que enfrentaria. Passei a buscar formas de atrair o interesse desses alunos para a disciplina Arte. Os que possuíam alguma simpatia pela disciplina relatavam que gostariam somente de aprender artesanato e não era minha proposta direcionar atividades sem qualquer tipo de reflexão como observo na maioria dos artesanatos produzidos. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, as escolas devem estabelecer para a EJA como um dos princípios norteadores o Princípio Estético onde deverão estar envolvidos o trabalho com a sensibilidade, a criatividade, o estímulo à diversidade de manifestações artísticas e culturais. Passei a planejar formas de atrair a atenção daqueles alunos com pensamentos tão equivocados sobre a disciplina Arte e aos poucos fui percebendo a grande necessidade que tínhamos de dialogar. Através da atenção que dava a cada um isoladamente, passei a conhecer a bagagem que traziam. Numa das aulas, conversando sobre jardinagem, consegui esquecer os espinhos e vislumbrar o projeto “Falando de Flores” cujo objetivo inicial foi levar os alunos a valorizar a expressão artística e vivenciar o processo criativo a partir de um tema que senti logo que agradaria a todos. De forma artesanal, literária ou artística as flores tornaram-se o foco por várias aulas. Um aspecto a ser destacado dentro deste o projeto foi a discussão surgida após assistirem ao documentário Casa da Flor (DVDteca do Instituto Arte na Escola). Os alunos perceberam o imaginário e a realização do artista Gabriel dos Santos que, em seu processo criativo, constrói uma casa com ajuntamento de coisas imprestáveis como, restos de construções, lâmpadas queimadas e pedaços de louças ou vidros que-

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brados conectando imaginação, devaneio e realidade. Perceberam que além da criatividade do artista havia nele a idéia de responsabilidade e proteção ao meio ambiente. Começaram a refletir sobre a utilização de materiais descartáveis e aos poucos partiram para uma produção variada formando grupos com interesses específicos. Desenharam muitas flores que segundo eles tornaram-se reais quando conseguiram transformar seus projetos iniciais em flores de garrafa pet. O material descartável foi selecionado, recortando, soldando e transformado em variadas flores. Nesta etapa procurei estimular a percepção dos alunos com relação a bi e a tridimensionalidade. Outro grupo selecionou flores estampadas em papéis de presente que foram recortadas, sobrepostas e distribuídas posteriormente em pequenos espaços de cartolina. Criaram assim composições variadas e nesta atividade aproveitei para alertá-los quanto à distribuição de formas no espaço, sobre equilíbrio e sobreposições de formas. Outra conquista que merece destaque dentro deste projeto, foi a possibilidade de geração de renda a partir da visibilidade dada à Economia Solidária. Uma palestrante com larga experiência no assunto foi convidada pela equipe pedagógica da escola para relatar a experiência dos moradores do Morro São Benedito, que transformaram seu fazer artesanal em atividade lucrativa após a comunidade unir-se através de cooperativas de trabalho. Ela relatou também o fortalecimento da economia do bairro com a circulação de uma moeda própria chamada moeda Bem. Este evento contou com a participação da maioria dos alunos que acompanhou atentamente a palestra fazendo inúmeras perguntas que indicou mais uma vez o interesse despertado. Ficava atenta a cada elemento que surgia o qual me permitisse buscar novas indagações. O projeto se expandiu também para as aulas regulares com a professora regente da turma que a partir do tema desenvolveu atividades de leitura e escrita em atividades como: • Pesquisa na internet de poesias com o tema flores • Registro dos tipos de flores existentes no ES • Utilização das flores como adorno, remédio, alimento, perfume • Cultivo de flores em municípios do Espírito Santo; • Troca de experiências sobre a utilização do solo no cultivo de flores; • Pessoas ligadas ao cultivo de flores (condições de trabalho, salário,...) • Relato de vivências pessoais sobre jardinagem.

Avaliação Este projeto foi finalizado em novembro de 2008 e teve duração de aproximadamente quatro meses deixando sementes para trabalhos futuros. Em dezembro do mesmo ano, os trabalhos desenvolvidos foram expostos na Mostra Cultural da escola. Os alunos participantes explicaram aos visitantes sobre o processo vivenciado por cada um e percebi neles uma grande satisfação. Os caminhos a percorrer são muitos, caminhos estes onde ocorrerão

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acertos, desacertos e dúvidas que hoje sei que farão parte do meu percurso como arte-educadora da EJA. Sei que em muitos momentos será necessário deixar de lado embasamentos teóricos e metodológicos na tentativa de atrair a atenção destes jovens e adultos com interesses tão peculiares os quais já consigo administrar melhor. Sinto que aos poucos estes alunos adultos percebem novas maneiras de pensar e agir criativamente. Hoje consigo articular um trabalho integrado com outros profissionais da escola utilizando um tema em curso ou um planejamento baseado no interesse dos alunos. Sinto crescer gradativamente a valorização por parte destes alunos pela disciplina Arte. Referências OSTROWER,F. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis,Vozes.1987 Arte na Educação de Jovens e Adultos. http://andreapenteado.com/files/arte_na_eja. pdf Vídeo Casa da Flor. DVDTeca-Instituto Arte na Escola

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Olhares Adolescentes sobre as Diferenças do/no Cotidiano Escolar Vera Lucia de Oliveira Simões Doutoranda em Educação/PPGE/UFES Na EMEF “ASFA”, escola do Sistema Municipal de Educação de Vitória, eu atuo com as turmas de 5ª a 8ª série, do turno matutino. O PPP – Projeto Político Pedagógico – da escola, que está em processo de re elaboração, traz como proposta de trabalho, a interação e a integração entre as diversas linguagens que estruturam a prática educativa. A EMEF “ASFA”, ao longo dos últimos anos, vem se tornando um lócus de práticas educativas direcionadas mais e mais para o atendimento às diferenças e diversidades individuais, de todos os sentidos. Para tanto, a escola oferece dentre os recursos materiais e humanos, inclusive, aulas de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais – com o apoio de professores e intérpretes especialistas, para atender os nossos alunos surdos. Nos dias atuais, trabalhar com as diferenças presentes na escola, exige cada vez mais de nós, profissionais da educação. Essa exigência é maior, principalmente diante das mudanças comportamentais que podem ser observadas na postura das crianças e adolescentes que compõem o universo estudantil, considerando que o cotidiano escolar tem sido o espaço onde passam o maior número de horas, com pessoas adultas, orientando-as, direcionando-as para a construção de uma vida cidadã saudável, embasada em saberes e fazeres que facilitem e possibilitem uma melhor relação com os sujeitos e situações próprias da sociedade. Sendo assim, na nossa prática, o ensino da Arte tem sido no sentido de que os/as estudantes sejam sujeitos autônomos do/no seu processo de criação e recriação, buscando com sua prática ampliar/desenvolver os aspectos estéticos e culturais, tão necessários para facilitar e possibilitar as suas interações e intervenções nos diversos contextos que se apresentam nas relações cotidianas. No início, os/as estudantes estranharam e até mesmo rejeitaram, a presença da teoria nas aulas de Arte. O que gostavam e queriam, era mesmo desenhar, mexer com tintas, desenho livre, fazer colagens... E a nossa proposta, trazia e traz, principalmente: o fazer pensar. O ler (verbal ou visual), discutir e depois, construir/ reconstruir, o visto, o sentido, o vivido. Em nossas leituras em sala de aula, trabalhamos com muitos artistas, de diversos períodos e estilos. Obras de Da Vinci, Vermeer, Aleijadinho, Picasso, Tarsila, Roberto Banhos, Joyce Brandão, Atílio Colnago... Dentre outras, são obras que fazem parte do repertório que eu e meus alunos temos analisado, discutido, buscando através da contextualização histórica, compreender o contexto em que cada obra foi produzida. Estamos principalmente, buscando meios para criar novas maneiras de ver, valorizar e sentir as diferenças retratadas pelos artistas, nos diversos momentos da sociedade e nesse processo de compreensão e valorização das diferenças,

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atribuindo sentido e valorizando as diferenças individuais presentes em nosso cotidiano, respeitando-as. Em nosso trabalho não temos como objetivo a memorização de nomes de artistas ou de datas em que as obras foram produzidas. O que pretendemos e buscamos nos estudantes, é provocar reflexões que os levem a atribuir significados a cada obra observada, compreendendo que as coisas, objetos e formas não são vistas dentro de um padrão ou de uma maneira objetiva, mas sim, que serão captadas e expressas, de acordo com o temperamento e a vivência de cada um dos artistas. E, neste exercício de análise e investigação da produção artística, acreditamos que os nossos alunos, além de estarem mais e mais engajados com as artes, estarão propiciando o desenvolvimento do pensamento reflexivo e dos processos mentais envolvidos na decodificação e na produção da Arte, ampliando assim, o seu conhecimento em Arte. Referências AZEVEDO, Fernando. A.G. Arte e Inclusão: construindo uma pedagogia crítica. Anais XIV CONGRESSO DA FEDERAÇÃO DE ARTE EDUCADORES DO BRASIL – 2003. UFG, Goiânia. Abr de 2003.p.132-134. BAKHTIN, M.M. Estética da Criação Verbal. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no ensino da arte. São Paulo, Porto Alegre: Perspectiva/ Iochpe, 1991. _______.Teoria e prática da Educação Artística. São Paulo: Cultrix, 1975. _______.(org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2003. _______. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ARTE, 1998. _______. (org.). Arte/Educação Contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005. EFLAND, Arthur, D.Cultura, sociedade, arte e educação em um mundo pós-moderno. In A compreensão e o prazer da arte – Anais. Ciclo de palestras. 23/04 a 27/11 – SESC- São Paulo, 1998.

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Arte na Modalidade Eja Dayse Roberts Lima Freire EMEF “Adevalni Sysesmundo Ferreira de Azevedo” A experiência descrita neste relato realizada de Março a Dezembro de 2008 registra o trabalho de cinco turmas noturnas da Modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), com idades que variam de 15 a 70 anos, da Escola Municipal de Ensino Fundamental “Adevalni Sysesmundo Ferreira de Azevedo”, localizada em Jardim Camburi, Vitória/ES. Instigados a repensar as maneiras de trabalhar e experimentar novas formas de organizar tempo/espaço, a Modalidade EJA propõe a organização coletiva do trabalho e atuação compartilhada de duas áreas de conhecimento distintas, no mesmo tempo e espaço.

Trabalho Compartilhado A composição das duplas de trabalho ocorre duas vezes por trimestre havendo flexibilidade na permanência de alguma dupla que esteja desenvolvendo um projeto de maiores dimensões. As trocas, o diálogo, a pesquisa, os conflitos e a produção são desafios constantes que têm nos impulsionado a sermos de verdade uma equipe de trabalho que cresce permanentemente através do trabalho coletivo, reflexivo e participativo. Integrados ao desafio da “dupla de trabalho”, concebemos a proposta nos colocando como elementos chave na seleção e enriquecimento dos materiais e na imaginação de aulas estimulantes e atraentes, capazes de produzir conhecimento para nossos alunos e nós mesmos. A Arte se manifesta na vida de variadas formas e maneiras, discutindo problemas, apontando soluções, mostrando caminhos. Buscamos nos apropriar desta linguagem através da apreciação, leitura de imagem e do fazer artístico. Inventando novas possibilidades de aprendizagem, abrimos e/ou ampliamos preciosos espaços de discussão entre nossa “herança artística cultural” e a vida cotidiana de quem a arte trata. Em nossos fazeres, procuramos representar visualmente nossa vivência e sentimentos, no desejo de nos revelar enquanto produtores de arte e de história diversa e significativa. Neste primeiro ano de implementação desta nova organização curricular, no 1º segmento (alunos de 1ª a 4ª séries) Arte fez parceria com Inglês e no 2º Segmento (alunos de 5ª a 8ª séries) com História, Português, Matemática e Ciências. Conseguimos dinamizar o trabalho experimentando a regência compartilhada focada no aluno e na pluralidade cultural que ultrapassa os limites da sala de aula. Tem sido uma vivência rica, onde aprendemos com nossos acertos e erros. Iniciamos 2008 discutindo e trabalhando com todas as turmas o tema “Identidade”. Lemos e elaboramos textos, aprendemos a preencher cadastro e produzimos um “brazão” representativo de quem somos e os

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nossos anseios. Personalizamos a capa da pauta (identidade da turma) com um trabalho coletivo realizado em partes, produzindo uma composição artística. Após assembléia com a comunidade escolar, o tema “Meio ambiente” norteou o trabalho em parceria com História e mais tarde com Português e depois o tema Cidadania e Direitos Humanos, em parceria com Matemática e Ciências.

Arte e História Em dupla com História, discutimos sobre “Ecologia pela vida” (biosfera desde a pré-história), as responsabilidades colocadas em nossas mãos, o período Pré-histórico, Primeiras Civilizações e a arte Greco-romana. Muita leitura e produção de texto, utilização do laboratório de informática e biblioteca embasaram o trabalho que foi enriquecido com a sessão de cinema “10 000 a.C.”, cujos equívocos em seu enredo serviram de debate e análise crítica. Inspirados nos homens pré-históricos e sua evolução após liberar as mãos para construção cultural, desenhamos o contorno das mãos e nos desafiamos a produzir uma obra que refletisse sua preocupação com o ambiente. Observando os desenhos pré-históricos e a obra de Paul Klee, com diversos pigmentos e materiais naturais: flor, folha, barro, póde-café, coloral, açafrão..., desenhamos sobre cartolina, reconhecendo a linha simplificada como forte elemento plástico, observada nos desenhos rupestres e na obra do artista. Inspirados nas grandes cabeças de pedra da Ilha de Páscoa, os moas, produzimos esculturas em sabão e uma maquete onde o trabalho foi exposto. Paralelamente, refletimos sobre a forma retilínea das esculturas das primeiras civilizações, comparando-as com as formas mais anatômicas do período greco-romano. Modelamos em argila, pintando com tinta PVA e colando-a sobre cacos de granito.

Arte e Língua Portuguesa Em parceria com Língua Portuguesa e ainda com os temas: Identidade e Meio Ambiente, oportunizamos a leitura, interpretação e produção de textos, em especial poéticos e paródias. Trabalhamos biografia conhecendo o trabalho de Gustav Klint e a Arte noveaux, que valoriza as formas da natureza e auto biografia onde escrevemos sobre nós mesmos. Colocamos no centro do debate as questões de gênero e produzimos dois trabalhos inspirados no artista: um bidimensional e outro tridimensional. Primeiro, a partir do recorte de uma modelo em revista, refizemos suas vestes e o fundo da obra, concluindo com paspatour preto. Depois sobre peças de cerâmica, lixamos, pintamos, desenhamos e envernizamos as obras que encantaram a todos quando expostas. Cantamos com Djavan a música “Sina” que faz referência à Arte noveaux, pesquisando no dicionário as palavras novas. Com o tema Identidade, numa aula coletiva na biblioteca, assistimos ao filme “Kiriku” que é uma lenda africana que evidencia as

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diferenças e a importância de cada ser vivente. Produzimos um pequeno relato sobre sua mensagem.

Arte e Matemática No segundo trimestre, em parceria com Matemática e com o tema Cidadania e Direitos Humanos, promovemos uma série de discussões e debates utilizando material didático da Casa do Cidadão. Algumas atividades foram desenvolvidas como: criação de rap, paródias, dramatizações e cartazes, dentre outras. Mais voltados para o conteúdo específico das disciplinas, manipulamos a régua e produzimos malhas de quadrículas que serviram de base para a criação de letras ou desenhos e composições inspirados nas produções artísticas de Piet Mondrian, onde linhas, cores e formas geométricas são elementos fortes em suas criações. Em papel milimetrado e quadriculado criamos motivos para bordado ponto cruz e faixa decorativa, a partir da apreciação do artesanato nordestino brasileiro. No trabalho com seqüência lógica, com base em uma única proposta gráfica, foram capazes de criar composições geométricas estabelecidas a partir da escolha e organização matemática das cores. Estudamos cores quentes, frias, neutras, complementares e análogas. Estudando o sistema monetário brasileiro, conversão, porcentagem, frações e números decimais, decidimos estudar a obra “Zero Cruzeiro” de Cildo Meirelles que, num discurso contemporâneo, denuncia a “desvalorização” da cidadania do indígena e do doente mental, quando cria uma cédula valendo zero cruzeiro, criticando a situação. É uma imagem forte que causa estranheza e provoca reflexões profundas sobre exclusão social e cultural, valores humanos e de mercado, valor e desvalor do dinheiro e dos cidadãos, ética etc. Utilizando como suporte para a realização de nosso trabalho, uma base que lembra uma cédula ampliada, criamos um trabalho que critica ou homenageia algo ou alguém. Utilizamos variadas técnicas de colagem, pintura, desenho e fotografia. Frente e verso trabalhados, recortamos, colamos e concluímos com plástico auto-colante que produziu excelente efeito e acabamento. Promovemos a leitura de imagens coletadas de jornais e revistas que utilizam o dinheiro em suas ilustrações. Com um roteiro facilitador na leitura e produção de texto, fomos capazes de adentrar em vários assuntos que estão direta ou indiretamente relacionados aos direitos humanos, a ética e cidadania. Observando moedas e cédulas antigas e atuais, procuramos vivenciar uma experiência estética. Olhando com outros olhares o dinheiro, enquanto obra de arte, muitos se surpreenderam, pois apesar de diariamente o manusearem ainda não haviam atentado para a beleza de sua produção artística. Com o lacre metálico da embalagem de manteiga produzimos “moedas¨ texturando o material. Com a obra ¨malabares¨ de Rubem Grilo, analisamos cada ¨estranheza¨ que aparece na obra que discute a relação entre pessoas e dinheiro, a manipulação e inversão de atitudes, valores e sentimentos. Com um visor de papel, passeamos sobre a imagem figurativa em preto e branco, buscando a parte que julgamos mais

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interessante, copiando-a em papel transparente, reproduzindo-a quatro vezes, ampliando na copiadora (utilizando a tecnologia a nosso favor) produzindo uma nova obra, desta vez abstrata e colorida. O último trabalho com o tema foi a leitura da obra “Litte Pillow” de Jac Leiner que também se apropria do dinheiro para construir seus significados. É uma obra tridimensional, um travesseiro com uma cédula brasileira furada e carimbada de um lado e um dólar americano impecável do outro. Todas as discussões nos fizeram e fazem pensar sobre a relação homem e dinheiro, trabalho e capital, artista e mercado, valor venal e artístico dentre outros.

Arte e Ciências No terceiro trimestre em parceria com Ciências que se estendeu até o fim do ano, com o tema coletivo “Cultura, trabalho e engajamento social”, promovemos discussões e desenvolvemos duas atividades extra classe que contribuíram ricamente nas discussões do tema: “Exposição 200 anos de industrialização no Brasil” em Jucutuquara, que ilustrou nossa história do ponto de vista do trabalhador, do período colonial até os dias atuais, com as interferências que as máquinas produziram nesta evolução e a participação na “IV Semana da Consciência Negra” no centro da cidade, onde a cultura africana e sua descendência foi reverenciada com a merecida importância, beleza e diversidade cultural que representa. Nesta parceria desenvolvemos três propostas bem distintas: na turma Inicial (alunos de 5ª e 6ª séries) estudando as plantas, conhecemos Monet, seus jardins e o movimento impressionista, dissecamos folhas e flores e produzimos composição artística sobre vidro e cartões natalinos. Na escola pesquisamos os nomes científicos e populares de cada planta de nossos jardins e colocamos mini placas em cada uma delas. Com auxílio da estagiária fotografamos e catalogamos estas plantas, produzindo um álbum que está disponibilizado para consulta na biblioteca da escola. Compramos seis vasos grandes de plantas que foram pintados na técnica pátina e esteticamente preparados com plantas ornamentais. Na turma Intermediária (alunos de 6ª e 7ª séries) estudando o corpo humano, conhecemos Leonardo da Vinci e a fase de seus desenhos anatômicos. Apreciamos obra de Rembrant onde aparece a dissecação de cadáveres e conversamos sobre o impulso que tal atividade oportunizou nas pesquisas científicas. Com massinha colorida modelamos o Sistema Digestório. Conhecemos Modigliani e seus retratos de pescoços alongados e Matisse com seu colorido intenso e descontraído. Apreciamos propagandas que utilizam a pintura artística de rostos e corpos para venderem seus produtos. Produzimos auto-retrato utilizando um espelho ou fotografia para observação do próprio rosto, pintando com pastel óleo sobre papel Canson. Modelamos o presépio que enriqueceu a homenagem aos formandos 2008. Nas turmas Conclusivas (alunos de 8ª série) o estudo da química nos levou ao encantamento das misturas das cores primárias e a descoberta da imensa variedade de novas cores. Conhecendo o Fovismo e sua explosão de cores, e Kandynsky pai do abstracionismo.

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Arte e ACC (Atividades Curriculares Complementares) Ao longo do ano, nos disponibilizamos na sala de arte, para auxiliar na produção do aluno. Paralelamente oferecemos recuperação e acompanhamos duas oficinas desenvolvidas por alunas: “Dança do Ventre” durante quatro meses e “Desenho” três meses. Oficinas de concha e endurecimento das capas de caderno foram desenvolvidas em diversos momentos durante o ano. Queremos exercitar o olhar que veja além do que está posto. Que veja o inexistente, que rompa com o pré-estabelecido. Estar orientando o percurso criador de cada aluno, estimulando-o a abandonar a posição de expectador passivo, encorajando-o a ocupar seu lugar de produtor ativo de cultura, tem sido nossa meta enquanto arte educador.

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